Reforma Doutrinária Total

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Reforma Doutrinária Total

Chegamos agora ao fim do nosso exame da teoria corpuscular do


espírito, e os leitores que nos acompanharam hão de lembrar-se que o iniciamos
com esta declaração: “Conhecemos o confrade Guimarães Andrade, sabemos ser
urna pessoa honesta e sincera, mas desconfiamos dos rumos da sua imaginação no
campo doutrinário”. A esta altura, nossa desconfiança está justificada. Vimos que
a teoria corpuscular não é mais do que uma nova tentativa de confusão doutrinária,
a envolver o movimento espírita, desprevenido e desarmado, ante as numerosas
investidas que vem sofrendo.

Companheiros dirigentes, cheios de boa-vontade fraterna, estranharam


a nossa crítica. Sonham com a fraternidade sem jaça, o que é, naturalmente, muito
louvável, e entendem que só devíamos ter palavras de estímulo para todos os que
cuidam das coisas do espírito. Alguns chegaram mesmo a declarar que não
devíamos desprestigiar “obras espíritas de valor”, por questões de ponto de vista.
Mostramos, porém, de sobejo, numa análise serena e objetiva, que não se trata de
“pontos de vista”, mas da própria defesa da doutrina e do movimento espírita.

Os que batem palmas para tudo quanto se faz em nome do Espiritismo,


nada mais fazem do que incentivar a onda de confusões deste momento de
transição. O confrade Guimarães Andrade é honesto, sincero, inteligente e culto.
Mais do que isso, é uma criatura modesta, que não revela, pessoalmente, as
ambições e as pretensões gigantescas do seu livro. Os que o conhecem
pessoalmente, e não leram ou não puderam entender o livro, estranham que o
acusemos de tamanha pretensão, qual a de reformador do Espiritismo e da Ciência.
Não temos, porém, que examinar o homem, e sim o autor.

Já demonstramos suficientemente as pretensões da teoria corpuscular.


Embora, no início do volume, o autor declare

J. Herculano Pires 2A Pedra e o Joio


que pretende apenas contribuir para a ciência espírita, logo mais ele se contradiz,
investindo contra Kardec e o Espiritismo, para considerá-los obsoletos e propor-se
a substituí-los. No correr do livro (e este é apenas o primeiro de uma série de não
sabemos quantos), o autor se empolga, delira, perde-se nos desvios da sua própria
imaginação, para no final declarar que pretende apresentar “as conseqüências
filosóficas da teoria corpuscular do espírito”. É o momento de repetirmos a
advertência evangélica: “Quem tem ouvidos de ouvir, ouça”.

É inegável, porque declarado pelo próprio autor, que ele quer substituir
toda a codificação kardeciana, considerando-a “empoeirada”, pela sua nova
doutrina. A substituição começa na base, que é a ciência, continua no arcabouço
doutrinário, que é a filosofia, e acabará por certo na cúpula, que é a religião, mesmo
que seja para negá-la ou apresentar-lhe um substitutivo científico, da natureza do
Positivismo. É então possível aceitarmos tudo isso, batermos palmas e essas
pretensões, descuidados de suas conseqüências? Quem compreende a
responsabilidade de espírita não pode, absolutamente, assumir, diante de ameaças
dessa espécie, uma atitude de falsa tolerância. Porque isso seria compromisso no
erro.

No capítulo final do volume o confrade Guimarães Andrade esclarece


ainda mais, declarando textualmente “Esperamos criar adeptos”. Acentua que
deseja adeptos conscientes, capazes de analisar os seus ensaios e ajudá-lo no seu
aperfeiçoamento. A sua modéstia aparece de novo, encobrindo as pretensões. Mas
o véu da modéstia se torna, nesse momento. transparente como gase. Apontamos
numerosas contradições no livro, e entre elas podemos incluir esta: uma atitude
modesta, encobrindo ambições desmedidas. Acreditamos que esta contradição se
explique por uma frase do prólogo: “Esperamos ter alcançado a primeira etapa do
vasto programa que nos foi confiado”. De um lado, temo a modéstia do
instrumento; e, de outro, a ambição daquele ou daqueles que o usam, que lhe
confiaram o programa.

Outras contradições curiosas devem ser assinaladas. Pretende o autor


apresentar uma teoria científica, mas não se dirige aos homens de ciência, em
linguagem técnica, e sim

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ao público, em termos de divulgação popular. Como divulgar aquilo que ainda não
está feito, que é apenas uma tentativa? Proclama a necessidade de dar bases
teóricas modernas à ciência espírita, mas não se utiliza de uma bibliografia
rigorosa, e sim de obras comuns de divulgação científica. Apela para a necessidade
de experiências científicas, fora do campo mediúnico, o que é simples absurdo, e
apóia-se em fontes mediúnicas, alegando a honorabilidade do médium, que do
ponto de vista científico não tem nenhum valor. Desaconselha entusiasmos
imediatos, mas reclama adeptos. Acredita estar apenas tateando num terreno
difícil, mas formula extenso programa de desenvolvimento da doutrina, e chega
mesmo a referir-se a aproveitamento industrial do “bion” (página 34). Toma uma
atitude de extremismo científico, a ponto de excluir a idéia de Deus da sua teoria,
e cita experiências comuns de mediunidade, praticadas sem nenhum rigor
científico, como modelos de experimentação mediúnica.

Somos forçados a declarar que a análise do livro “A Teoria Corpuscular


do Espírito” surpreendeu-nos. Conhecendo pessoalmente o autor, a quem
dedicamos amizade fraterna, sabendo de suas possibilidades culturais e
intelectuais, não podíamos supor tamanha fragilidade em sua obra. Dessa maneira,
fomos compelidos a tomar, no caso, atitude semelhante a de Aristóteles, perante
seu mestre e amigo Platão. Lamentamos que o confrade Guimarães Andrade não
houvesse tomado uma atitude mais consentânea com a sua modéstia natural, pois
estamos certos de que, assim, teria evitado o emaranhado de contradições em que
se perdeu.

Concluímos, pois, esta análise, repetindo que não se trata de nenhuma


tentativa polêmica, e muito menos de qualquer forma de desconsideração para com
o autor de “A Teoria Corpuscular do Espírito”, que pessoalmente prezamos
bastante. Se fomos forçados a dizer algumas coisas aparentemente duras, isso
aconteceu pela necessidade de definirmos firmemente a nossa posição, em defesa
do Espiritismo. Se a teoria corpuscular fosse apresentada como doutrina à parte,
sem nenhuma ligação com o Espiritismo, pouco nos interessaria. Mas, tratando-se
de uma nova tentativa de reforma doutrinária, somos obrigados a encará-la com a
devida firmeza.

J. Herculano Pires 4A Pedra e o Joio


Este livro foi composto e impresso nas
oficinas da Editora Policor Ltda.,
R. Almeida Torres, 119 - armazém 5,
em São Paulo, em janeiro de 1975,
para EDIÇÕES CAIRBAR.

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