CIDADE E ALMA 2018 - Gustavo Bacellos
CIDADE E ALMA 2018 - Gustavo Bacellos
CIDADE E ALMA 2018 - Gustavo Bacellos
Organizadores
Acací de Alcântara / Arthur S.C.Cabral / Catharina P.C.S.Lima / Gustavo Barcellos / Vladimir Bartalini
FAUUSP| 2018
Colóquio Cidade & Alma: perspectivas ( São Paulo, 2017)
ISBN: 978-85-8089-151-5
DOI: 10.11606/978-85-8089-151-5
CDD 370.76
20 | outubro | 2017
FAUUSP
A Comissão Organizadora
Imaginar
Cidades:
Os modos de produção e a imaginação do trabalho em James Hillman
Wilane Souza dos Santos ............................................................................................................ 216
A alma na favela:
uma leitura hillmaniana sobre a vida na comunidade
Giovana Cataldi ............................................................................................................................ 278
Suicídio:
reflexões arquetípicas sobre a epidemia contemporânea
Rebeca Moreira Nalia .................................................................................................................. 336
Gustavo Barcellos
Psicólogo, autor e tradutor, mestre em Psicologia Clínica pela New School for Social Research de
Nova York, analista didata da Associação Junguiana do Brasil-AJB e membro da Associação
Internacional de Psicologia Analítica-IAAP. Autor, entre outros, de O Irmão: psicologia do arquétipo
fraterno e Psique & Imagem, Editora Vozes. Traduziu e editou vários títulos de James Hillman.
Coordena seminários de psicologia arquetípica desde 1985. Trabalha há mais de 30 anos como
psicoterapeuta e analista em São Paulo..
—Álvaro de Campos
“Passagem das Horas”
I.
Em Agosto de 1993 lançamos no Brasil o livro Cidade & Alma, pela Editora
Studio Nobel. Ali há um trabalho de reunião, seleção e tradução de artigos, até
então inéditos em Português, de autoria de James Hillman — o provocante
pensador e analista junguiano, cuja extensa obra vimos há alguns anos buscando
apresentar em certa parcela ao leitor brasileiro. O livro, que naquele momento
não existia enquanto tal em inglês (sendo assim uma originalidade da edição
brasileira), teve sua versão definitiva, com o acréscimo de outros tantos ensaios
posteriores, como o Volume 2 da Uniform Edition of the Writings of James
Hillman, em 2006. O ensaio de abertura do volume brasileiro, talvez o mais
importante nesse contexto, intitula-se “Anima Mundi: o Retorno da Alma ao
Mundo.” Ele é a transcrição de uma palestra primeiramente proferida por Hillman
em Florença, no Palazzo Vecchio, em Outubro de 1981. O local não é pouco
significativo: são conhecidas as raízes florentinas, ou neo-platônicas, de seu
pensamento, e do aprofundamento que este propõe à psicologia junguiana.
Neste ensaio, especificamente, que marca o início de uma estruturação mais
consistente de seu interesse na revitalização da ideia de uma alma do mundo,
1
James Hillman, Cidade & Alma, São Paulo: Studio Nobel, 1993, p. 11.
“As coisas perm anecem fora d a al ma, ” disse Hill man . M as,
para nós, o que h á de m ais inte ressante nessa abor dage m é qu e os
ensaios daque le li vro, assi m como as reflexões e traba lhos que
surgiram subsequentemente , transpir am na mesm a medid a a i d éia
contra-culturalmente in versa , apontan do que a al ma perm anece
2
Hillman, op. cit., p. 11.
3
Alfredo Bosi, O Ser e o Tempo da Poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 16.
4
Hillman, op. cit., p. 14.
5
Hillman, op. cit., p. 14.
II.
6
James Hillman, Psicologia arquetípica: um breve relato, São Paulo: Editora Cultrix, 1992, p. 67.
7
James Hillman, Cidade & Alma, São Paulo: Studio Nobel, 1993, p. 14.
Assim, pode mos aprove itar as importantes cha ves que uma
reflexão sobre a re alid ade e a i mport ânci a d a noç ão de lu gar nos
dá, em contraste com nossa noção mais comum, no pensam ento
filos ó fico e na vi da di ária , de espaço . Hab itual mente, e quacion a mos
‘tempo ’ com ‘esp aç o’, esses dois “incomensur áveis ” nos quais no ssa
consciência emerge — abstraç ões que ape nas nos e nla ç am na
oposição entre a ordem ( logos ) da sucessão e a ordem ( lo gos ) da
extensão. Nesse pl ano per manec emos no ego, como diz a psicolo gia
profunda . (Então, em nossas qu eixas, fa la mos de “falt a de tem p o ”,
e que não temos “espaço”, nas relações, nos acontecimentos, no
trabal ho, no l aser, no temper am ento.)
8
Edward Casey, “Anima Loci”, em SPHINX 5, Londres: London Convivium for Archetypal Studies, 1993, p.
130.
9
Casey, op. cit., p. 131.
HILLM AN, James. Cidade & Alma , São Paulo: Studio Nobel , 1993.
Vladimir Bartalini
Arquiteto, professor dos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Usp, pesquisador do Labparc – Laboratório Paisagem, Arte e Cultura da Fau-Usp.
Resumo
Numa incursão livre pelo tempo geológico e social, tendo por guias cronistas,
artistas e poetas de São Paulo e investigações empíricas sobre sua rede
hidrográfica, busca-se reaver uma das tantas almas da cidade.
Sedimentos e nuvens
10
Johann Baptist Von Spix e Carl Friedrich Philipp Von Martius, Viagem pelo Brasil, 1817-1820, Vol. 1,
trad. Lúcia Furquim Lahmeyer, São Paulo, Edusp, 1981, p. 145.
11
Mario de Andrade, “Noturno”, Poesias completas, edição crítica de Diléa Zanotto Manfio, Belo
Horizonte: Editora Itatiaia Ltda. / São Paulo, Edusp, 1987, p. 95-96.
12
Mario de Andrade, op. cit., “Paisagem No1”, p. 87-88.
13
Mario de Andrade, op. cit., “Paisagem No3”, p. 99.
14
Jean Starobinski, A tinta da melancolia. Uma história cultural da tristeza, tradução de Rosa Freire
d’Aguiar, São Paulo, Companhia das Letras, 2016.
15
Idem, p. 232.
16
Gaston Bachelard, A água e os sonhos. Ensaio sobre a imaginação da matéria, tradução de António de
Pádua Danesi, São Paulo, Martins Fontes, 1998, p. 30.
17
Paul Claudel, apud Gaston Bachelard, op. cit., p. 33.
18
Gaston Bachelard, op. cit, p. 27.
19
Manuel Antônio Álvares de Azevedo, “Crepúsculo nas Montanhas”, em Lira dos vinte anos, Cotia,
Ateliê Editorial, 2000, p. 116.
20
Denise Bernuzzi de Sant’Anna, Cidade das águas. Usos de rios, córregos, bicas e chafarizes em São
Paulo (1822-1901), São Paulo, Senac, 2007, p. 34.
21
“A fuga da água me retraça a do tempo”. Trecho de carta de Antoine de Bertin, citado por Starobinski,
op. cit., p. 234.
22
Eric Dardel, L’homme et la terre. Nature de la réalité géographique, Paris, Editions du CTHS, 1990, p.
81.
23
Idem, p. 88.
24
Ernani Silva Bruno, Memórias e tradições da cidade de São Paulo, Rio de Janeiro, José Olympio
Editora, 1954, vol. I, p. 51.
25
Idem, vol. I, p. 364.
26
Idem, vol III, p. 1246.
As margens dos rios eram também o refúgio dos à margem da lei, e suas
barrancas erodidas, o adiamento temporário dos castigos ao escravo insubmisso:
27
Depoimento de Isaura Teixeira Perrotti em Secretaria Estadual do Meio Ambiente, O rio Pinheiros, São
Paulo: Governo do Estado de São Paulo / Sema, 2002, p. 60, apud Denise Bernuzzi de Sant’Anna, op. cit.,
p. 65.
28
Ernani Silva Bruno, op. cit., vol. II, p. 738-739.
29
“O homem está num combate incessante, o do dia que dá às coisas um sentido, uma grandeza, um
distanciamento, fazendo emergir um mundo, e o da noite, da ‘Terra’, fundo escuro ao qual retorna a
obra humana quando, deixada ao abandono, volta a ser pedra, madeira, metal”, Eric Dardel, op. cit., p.
58.
Na manhãzinha trivial dos pingados nos balcões dos bares recém abertos,
ou das garrafas térmicas nos pontos de ônibus, quando a luz do céu é mais
mortiça que a das ruas, são notas garoentas que impregnam a atmosfera,
“sonorizando a madrugada”31.
30
Gaston Bachelard, A água e os sonhos, op. cit., p. 94.
31
“Sonoro sereno / Serena garoa / Pela madrugada / Não faço nada que me condene / A sirene toca /
Bem de manhãzinha / Quebrando o silêncio / Sonorizando a madrugada / Passa o automóvel / Na porta
da fábrica / O radinho grita com voz metálica / Uma canção / Sonora garoa / Sereno de prata / Sereno
de lata / Reflete o sol bem no caminhão”. Sonora garoa, canção de autoria de Passoca (Marco Antônio
Vilalba), lançada em 1983.
Vestígios
A cidade branca serviu-se dos rios, mas não os amou como as lavadeiras
que conheceram seu ondular. Pinturas e fotografias oitocentistas ou do início do
novecentos atestam as margens do Tamanduateí flocadas de roupas e espumas,
e ainda em meados do século XX elas eram vistas perto da ponte das Bandeiras,
no Tietê.
32
Ernani Silva Bruno, op. cit., vol. II, p. 734.
O papel vital das fontes e chafarizes nas práticas diárias dos primeiros
tempos de São Paulo, não gerou afetos e cuidados, ao contrário, motivou
interdições: no final do século XVI estabeleciam-se multas para “qualquer pessoa
que fosse à fonte não tendo lá o que fazer”34 e, no início da segunda década do
século XVII, determinava-se, para conter os sátiros e tranquilizar as ninfas, que
“nenhum homem nem mancebo, de quinze anos para cima, fosse às aguadas e
fontes da vila”35.
33
Idem, p. 337.
34
Afonso de E. Taunay, São Paulo nos Primeiros Anos, p. 116, apud Ernani Silva Bruno, op. cit., vol. I, p.
280.
35
Afonso de E. Taunay, História Seiscentista da Vila de São Paulo, apud Ernani Silva Bruno, op. cit., vol. I,
p. 280.
36
Judith Mader Elazari, Lazer e vida urbana. São Paulo, 1850-1910. Dissertação de mestrado em História
Social, apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo,
1979, p. 71. Provavelmente, “a água clara do Tamanduateí” se devesse às obras de saneamento
efetuadas na metade do século, permitindo a abertura de um ramal despoluído rente à rua Vinte e
Cinco de Março, formando-se assim a ilha propriamente dita, conforme relata Paulo Cursino de Moura,
São Paulo de Outrora. Evocações da Metrópole. São Paulo, Companhia Melhoramentos, 3a edição, s/d,
p. 212.
Passados mais alguns anos, novas críticas, e a imprensa divulgava a ilha como
“depósito de imundícies, foco das mais torpes imoralidades, ninho de
vagabundos e gatunos (...)” 38.
37
Judith Mader Elazari, op. cit., p. 72
38
Idem.
39
Ernani Silva Bruno, op. cit., vol III, p. 1190.
40
Relatório do Prefeito Washington Luís Pereira de Souza, de 16 de dezembro de 1914, apud Rosa
Grena Kliass, Parques Urbanos de São Paulo, São Paulo, Pini Editora, 1994, p. 115.
Daí em diante, o fluxo das avenidas sobrepôs-se ao fluxo dos rios sem
qualquer veleidade. A água devia vazar o mais rápido possível, escondida e em
silêncio, sem cantar, sem interpor sua voz ao rumor e ao rodar do tráfego. Os
afluentes anônimos, capilares da densa rede hidrográfica, foram deixados à
própria sorte, encaixados entre os fundos das construções, enfiados sob elas ou
acondicionados em tubos tronchos, mal-ajambrados, engendrando becos, vielas,
desníveis insólitos, excrescências que indiciam o seu fluir subterrâneo partilhado
com os esgotos. Esses vestígios são valiosos, apesar da sua feiura e da sujeira.
São manifestações ainda possíveis da alma recalcada.
41
“Beleza natural sem natureza” é o título de um dos capítulos de Cidade e Alma, de James Hillman,
tradução de Gustavo Barcellos e Lúcia Rosenberg, São Paulo, Studio Nobel, 1993.
42
“Quando as casas baixarem de preço / Lá na cidade, Laura Moura / Uma delas será sua sem favor. /
Será num bairro bem central, / Pra que o nosso mistério engane mais (…).
A natureza, a água, especificamente, está ali como está no mar ou num rio
que desce solto pela montanha. Para argumentar com a proposta de Hillman de
desliteralizar o natural43, deve-se dizer que, nesses casos, trata-se de natureza
“natural” e “anterior”, sim, e em plena cidade. Apoiado nos exemplos do
animismo, Hillman advoga que “qualquer objeto pode ser animado, ter alma”44 e
que
43
James Hillman, op. cit., p. 124-125.
44
Idem, p. 124.
45
Ibid.
Quando a polis se estende para além dos seus muros, ela avança sobre a
paisagem, isto é, sobre o espaço insubmisso ao controle absoluto da razão.
Porém, ao ser fagocitado, esse espaço se instala no próprio interior da polis,
como um cavalo de Tróia. O fato dele ser mantido recluso, fora do alcance dos
olhos, não significa que ele não esteja ali, em plena cidade, subterrâneo,
movendo-se imperceptivelmente como as placas tectônicas.
46
Martin Heidegger, A origem da obra de arte, tradução de Idalina Azevedo da Silva e Manuel António
de Castro, São Paulo, Edições 70, 2010, p. 121.
47
James Hillman, op. cit., p. 124.
48
Idem.
49
40 Gianni Carchia, “Per una filosofia del paesaggio”, in Paolo D’Angelo (ed.), Estetica e paesaggio,
Bologna, Il Mulino, 2009, p. 216.
50
Ibid., p. 217.
51
Ibid., p. 218.
52
Para Schelling e Hegel, informa Paolo D’Angelo, a beleza natural é apenas um reflexo da beleza
artística, e para Lukács seria mesmo um equívoco falar em beleza natural. Paolo D’Angelo, Filosofia del
paesaggio, Roma, Quodlibet, 2010, pp. 83-84.
53
James Hillman, op. cit., p. 125.
54
Ibid.
55
Maurice Merleau-Ponty, Conversas, tradução de Fábio Landa e Eva Landa, São Paulo, Martins Fontes,
2004, p. 24.
56
Gaston Bachelard, A água e os sonhos, op. cit., p. 155.
Referências bibliográficas
ANDRADE, Mario de. Poesias completas, edição crítica de Diléa Zanotto Manfio,
Belo Horizonte: Editora Itatiaia Ltda. / São Paulo: Edusp, 1987.
AZEVEDO, Manuel Antônio Álvares de. Lira dos vinte anos, Cotia, Ateliê Editorial,
2000.
CARCHIA, Gianni. “Per una filosofia del paesaggio”, in Paolo D’Angelo (ed.),
Estetica e paesaggio, Bologna, Il Mulino, 2009.
ELAZARI, Judith Mader. Lazer e vida urbana. São Paulo, 1850-1910. Dissertação
de mestrado em História Social, apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1979.
57
Idem, pp. 155-156.
MOURA, Paulo Cursino de. São Paulo de Outrora. Evocações da Metrópole . São
Paulo, Companhia Melhoramentos, 3a edição, s/d.
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Cidade das águas. Usos de rios, córregos, bicas
e chafarizes em São Paulo (1822-1901), São Paulo, Senac, 2007.
SPIX, Johann Baptist Von e MARTIUS, Carl Friedrich Philipp Von. Viagem pelo
Brasil, 1817-1820, Vol. 1, tradução de Lúcia Furquim Lahmeyer, São Paulo,
Edusp.
Resumo
Partindo das ideias de James Hillman a respeito da alma, do caminhar e do
cosmos, este ensaio busca discutir como se poderia ampliar o entrelaçamento de
alma e cidade. Destaca-se o quanto Hillman, mormente pelas imagens que
emprega, reporta a alma ao corpo: o corpo do homem; o corpo do mundo. A partir
destas imagens, os autores propõem reflexões sobre o caráter estético mas
também necessariamente cinético da experiência da paisagem, e da cidade como
paisagem. Questiona-se, todavia, o fato de que, hoje, cidade e paisagem
encontram-se excessivamente apartadas: haveria uma ação anti-natura na
condição humana? Qual seria o modo ou meio de reintegrar o estatuto da pessoa
humana no habitat original? Nas paisagens naturais, na cidade ou na aldeia? A
reaproximação, defende-se, depende da restauração de possibilidades de
experienciar a cidade (antes de mais, de caminhar por ela), e de repensá-la em
termos dos atributos arquetípicos transpessoais expressos na natureza.
1
Ao que tudo indica, a palavra “psicologia” foi cunhada no século XVI, ou às suas vésperas,
pelo poeta Marko Marulic (1450-1524). Vide: KRSTIC, 1964.
2
No verbete que dedica à palavra psiqué em seu Dicionário Mítico-Etimológico, Junito Brandão
acompanha alguns de seus sentidos míticos e filosóficos mais remotos, indiciados por
figurações da alma ainda na Idade do Bronze, passando pelos grandes poemas homéricos, até
a época helenística (BRANDÃO, 2010).
3
Encontra-se uma exposição particularmente sintética e clara desta coexistência (e mescla)
em ROSENFELD (1984).
4
Ambos os textos encontram-se incorporados ao livro Cidade & Alma (HILLMAN, 1993).
Referências bibliográficas
BESSELAAR, José Van Den. As palavras têm a sua história. pp. 277-290, Braga:
AAPACD, 1994.
HILLMAN, James. Cidade e Alma. Trad. Gustavo Barcelos e Lúcia Rosenberg, São
Paulo. Ed. Studio Nobel, 1993.
JUNG, Carl Gustav. Tipos Psicológicos. Tradução Álvaro Cabral. Editora Vozes:
Petrópolis, Rio de Janeiro, 1971.
KRSTIC, K. Marko Marulic -- The Author of the Term "Psychology". In: Act
Instituti Psychologici Universitatis Zagrabiensis , no. 36, 1964 (7:13). Disponível
em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ps000129.pdf (acesso
31/05/2016).
Resumo
Este artigo propõe a investigação das relações entre a imaginação da matéria e as
possibilidades de experiência de paisagem no meio urbano. Admitindo-se que a
fruição paisagística pressupõe uma especial relação com a natureza e que nas
cidades contemporâneas, contudo, a natureza não parece ter acolhimento senão
em áreas excepcionalmente reservadas a ela, pode-se deduzir que as
oportunidades de experiência de paisagem se mostram igualmente excepcionais
em tais contextos urbanos. Acredita-se que é pela imaginação da matéria, nos
termos de Gaston Bachelard, que o potencial paisagístico dos espaços urbanos
nos quais a natureza se imiscui virá à luz. Supõe-se que os indícios da natureza
presentes nos interstícios do urbano, ao manifestarem sua potência original,
suscitem imagens que participam de uma poética da paisagem.
Introdução
1
Há também estudos que afirmam, no referente à percepção estética da natureza, que percebemos não
propriamente coisas, mas atmosferas, sendo tais atmosferas não meras reações subjetivas, mas “semi-
coisas”. Prova de que não se trata unicamente de disposições do sujeito são “aquelas situações em que
advertimos a discrepância entre o nosso sentir e a atmosfera que nos vem ao encontro”, conforme diz
Paolo d’Angelo ao referir-se ao “modelo atmosférico” desenvolvido por Gernot Böhme. E diga-se
também, de passagem, que pode-se mesmo considerar a paisagem refratária à representação. É a posição
de Erwin Straus para quem a pintura da paisagem “não representa o que vemos, em particular o que
registramos ao considerarmos um dado lugar (...), ela torna o invisível visível, mas como coisa roubada,
afastada” (STRAUS, 2000: 382).
2
RILKE, Rainer Maria. “Del paesaggio / Introduzione”. In. Estetica e paesaggio. Coordenação: Paolo
d’Angelo. Bolonha: Il Mulino, 2009. Trad. Vladimir Bartalini. PaisagemTextos - Vol. 3. São Paulo: FAU-USP,
2016. p. 78.
3
Por paralelismo com as camadas do inconsciente humano, as quais, segundo a psicologia arquetípica,
correspondem as porções mais profundas da psique, situadas abaixo da consciência, o inconsciente da
Terra corresponderia às dimensões mais profundas da natureza, insondáveis ao raciocínio e ao
conhecimento lógico, pelas quais a Terra se apresenta em sua alteridade, em sua condição que nos é
sempre misteriosa e que nos causa profundo estranhamento. Seria o fundo incógnito dos elementos
materiais fundamentais de onde emergem as mais diversas imagens poéticas. De maneira geral, a
imaginação corresponde à passagem ou ao movimento que as imagens poéticas realizam desde o
inconsciente humano às camadas conscientes. Analogamente, o inconsciente da Terra compreende a
potência e o devir das imagens materiais, oferecendo-se aos devaneios e aos sonhos sem nunca se revelar
por completo, conservando-se em seu mistério.
4
O regime diurno das imagens proposto por Gilbert Durand se define, em termos gerais, como o regime
da antítese, isto é, do embate entre palavras ou ideias em torno da chave ambivalente luz-trevas
referenciada à dualidade das dimensões conscientes e inconscientes. Ligado às dimensões masculinas do
ser, o regime diurno se caracteriza pela percepção racional do tempo e pela vontade de emergência da
consciência desde o “fundo das trevas sobre o qual se desenha o brilho vitorioso da luz” (DURAND, 1989:
49), ou seja, desde o fundo insondável das dimensões inconscientes ou oníricas.
5
O regime noturno das imagens, segundo Gilbert Durand, se caracteriza como o regime da inversão e do
eufemismo, isto é, da aceitação da condição temporal e da harmonização dos contrários. Se o regime
diurno exerce, por meio da antítese, movimentos predominantemente combativos e ascensionais, no
regime noturno, por sua vez, a direção predominante é descensional: por meio de um mergulho lento e
adormecido, desliza-se até as cavidades do repouso e do acolhimento íntimo. A figura masculina,
soberana no regime diurno das imagens, é substituída no regime noturno por símbolos femininos,
referentes à intimidade, ao continente, à deglutição lenta pela qual a descida às entranhas das camadas
mais profundas das imagens se mostra quase visceral. Alguns termos relacionados ao regime noturno das
imagens são o refúgio eterno, o retorno à intimidade da casa ou o regresso à mãe, à mãe terra que acolhe
a morte e que prepara a vida (DURAND, 1989: 163).
6
Segundo Rosário Assunto, a paisagem não é a unificação de dados fornecidos separadamente, mas a
forma na qual se exprime a unidade sintética a priori constituída pela matéria correspondente ao
território e pelo conteúdo ou função correspondente à noção de ambiente (ASSUNTO, 1976 In SERRÃO,
2011: 128). Por propor, na paisagem, a relação direta entre aspectos materiais, formais e funcionais, esta
acepção nos parece adequada para nortear os estudos acerca das relações entre a experiência da
paisagem na cidade e a imaginação da matéria.
Considerações finais
Por fim, cabe dizer que a imaginação se relaciona com a alma, segundo
James Hillman, na medida em que "a alma tende a animar, a imaginar por meio
de imagens [...], a alma precisa de suas imagens" (HILLMAN, 1993: 40). Se
considerarmos as manifestações dos elementos naturais que permeiam o urbano
e as imagens materiais que sua presença infunde em nós, podemos inferir que as
dimensões incógnitas e sempre misteriosas da natureza se relacionam com a
alma mesmo nos espaços mais artificializados das grandes cidades. Associada
aos devaneios da matéria, do movimento e do espaço, a experiência sensível da
paisagem no meio urbano permite o afloramento dos vínculos afetivos que unem
o Homem à Terra, condição que se considera indispensável para dar um sentido
mais pleno ao viver nas cidades e pelos quais podem ser reforçados os laços que
unem cidade e alma.
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Companhia das Letras,
2004.
HILLMAN, James. Cidade & alma. (Trad. Gustavo Barcellos e Lúcia Rosenberg).
São Paulo: Studio Nobel, 1993.
Artista plástico e ilustrador, possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela FAUUSP. Cursa
atualmente Mestrado na área de Paisagem e Ambiente pelo programa de pós-graduação da mesma
instituição.
Introdução
Ora, mas para termos este contato estético e perceptivo com os espaços
urbanos a fim de “encontrar a paisagem” não basta caminhar livremente a pé por
eles, nos orientando no espaço a partir dos sentidos, do devaneio? É evidente que
sim. Caminhando, podemos alargar o tempo acelerado do carro; flanando,
errantes, nos permitimos imaginar, observar atentamente e contemplar as coisas
em sua relação com o mundo. O deslocamento do corpo no espaço descreve
coreografias e ensaia uma dança de relações e temporalidades, em que
conferimos significação poética à geografia da cidade; podemos, ao invés de
desenhar ou pintar paisagens, intervir, manusear, transformar, criar a paisagem
em comunhão com ela própria, tornando-a parte de nós. “Caminhando, estamos
no mundo, encontramo-nos num lugar específico e, ao caminhar nesse espaço,
tornamo-lo um lugar, uma moradia ou um território uma habitação com um
nome.” (HILLMAN, 1993, p.53).
Olhar pictórico
Objetividade e exterioridade
1
MOTTA, Flávio. Desenho e Emancipação. In “Sobre o desenho”. São Paulo: Centro de Estudos
Brasileiros do GFAU USP, 1975. Em seu ensaio, o autor traça uma arqueologia da palavra desenho,
identificando em seu percurso etimológico na língua brasileira um empobrecimento no seu conteúdo.
Visibilidade : motricidade
2
Sobre a atitude blasé, Cf. SIMMEL, G. A metrópole e a vida mental, 1967, op.cit.
Imaginário e semelhança
Quando nos diz que “[...] desde Lascaux até hoje, pura ou impura,
figurativa ou não, a pintura jamais celebra outro enigma a não ser o da
visibilidade.” (MERLEAU-PONTY. 1984, p. 91), o autor aponta para o paradoxo
constitutivo da visão que tanto o interessa, ele o primeiro e o último assunto da
pintura. A visibilidade não é apreensível, ela se oferece como “outra”, não nos
sendo possível constituí-la ou apreendê-la como objeto; consciente disso, o que
a pintura faz, independentemente de categorias como figuração ou abstração, é
produzir novamente a visibilidade, uma “outra”, mas que ainda partilha a mesma
realidade da primeira.
Considerações finais
Referências bibliográficas
HILLMAN, J. Cidade e Alma - Studio Nobel, São Paulo; 1ª edição, 1993 trad.:
Gustavo Barcellos e Lúcia Rosenberg.
1
Santo Agostinho citado por Erwin Straus em Le sens des sens. Tradução possível: "Se não me
perguntam o que é, eu sei, se me pedem para explicar, eu não sei" conforme tradução proposta por
Vladimir Bartalini em PaisagemTextos caderno 3.
2
As traduções dos textos de Ghirri são feitas pelo autor deste ensaio do original em italiano ou de sua
compilação em Inglês dependendo da edição da obra da qual a citação foi extraída.
Esse impulso ganhará força a partir da segunda metade dos anos oitenta
do século XX, em parte através de trabalhos comissionados ou colaborativos,
quando Ghirri voltou sua atenção quase exclusivamente para as questões da
paisagem. Sua obra adquiriu, então, um caráter mais contemplativo, no sentido
de buscar criar, através da fotografia, um momento de pausa e reflexão, uma
reativação da atenção para a experiência da paisagem .
Para enfrentar essa questão, Ghirri irá se valer de uma série de novas
técnicas. Em primeiro lugar trocará o uso do filme 35mm pelo uso de uma câmera
de médio formato 6x7, o que permitirá uma maior autonomia e precisão na
captura da luz. Paralelamente, e em parceria com o impressor Arrigo Ghi, irá
desenvolver uma técnica capaz de reproduzir uma paleta de alta luminosidade,
cuja cor transparente se aproxima da de uma aquarela, e que, se exposta para as
sombras, elimina quase completamente as altas luzes. Por fim, a terceira grande
marca visual das fotografias do período é o uso de um verniz opaco na fixação
das imagens, que prevenindo o brilho e reflexão do papel, acentua na imagem a
aproximação com um desenho ou aquarela.
Referências bibliográficas
BARBARO, Paolo. Luigi Ghirri's Photography from the 1970s to the 1980s: the
working image, the artistic language. In: SPUNTA, Marina. BENCI, Jacopo. (eds.)
Luigi Ghirri and the Photograph of Place - Interdisciplinary Perspectives,
Frankfurt am Main, Peter Lang, 2017.
BENCI, Jacopo. On Some Hitherto overlooked sources of Luigi Ghirri's work In:
SPUNTA, Marina. BENCI, Jacopo. (eds.) Luigi Ghirri and the Photograph of
Place – Interdisciplinary Perspectives, Frankfurt am Main, Peter Lang, 2017.
PELIZARI, Maria Antonella. Between Two Worlds: The art os Luigi Ghirri. Art
Forum, Vol. 51, n.8, p. 206-208, 2013.
SPUNTA, Marina. Il profile delle nvuole: Luigi Ghirri's Photography and the New
Italian Landscape. Italian Studies, vol. 61, n. 1, p. 114-136, 2006.
Marina. BENCI, Jacopo. (eds.) Luigi Ghirri and the Photograph of Place –
Interdisciplinary Perspectives, Frankfurt am Main, Peter Lang, 2017.
Roberto Rüsche
Arquiteto e urbanista, mestre e doutorando pela FAUUSP, investiga as questões estéticas que
envolvem a paisagem e o território, e integra grupo Estudos sobre a imaginação poética em
paisagismo (LABPARC/ FAUUSP).
Resumo
No campo das expressões estéticas sobre a metrópole moderna1, este artigo
detém-se na fisionomia do fenômeno metropolitano e destaca a simultaneidade
das dimensões objetivas e subjetivas, constitutivas da leitura das grandes cidades
e da identificação de seus principais traços. Pautando-se pela relação entre
metrópole e sensibilidade, fundamentada em elementos da obra de Walter
Benjamin, foram selecionados, a partir das considerações de Nicolau Sevcenko,
fragmentos que delineiam o momento de transformação de São Paulo em
metrópole nas primeiras décadas do século XX. Comum aos distintos interesses
desses dois autores, reside a possibilidade de destacar os contornos das grandes
cidades e verificar a seu reflexo na intimidade daquele que a poetiza.
1.
1
Entende-se o termo “modernidade” como a expressão da consciência do novo e das mudanças
estéticas fundadas a partir da ordem capitalista e burguesa: expressão artística e intelectual de um
projeto histórico de modernização (BOLLE, 1994).
2
Reproduzimos aqui o neologismo sugerido por Willi Bolle para indicar as relações recíprocas entre a
fisionomia do objeto e o olhar do fisiognomonista, perito em fisiognomonia.
3.
Paisagem
O muro trespintado da PENSIONE MILANESE se enquadra na
minha janela
Eu vejo uma fatia da Avenida São João
Saint-Paul
Eu adoro esta cidade
São Paulo é como o meu coração
Aqui nenhuma tradição
Nenhum preconceito
Nem antigo nem moderno
Só contam esse apetite furioso essa confiança absoluta
esse otimismo essa audácia esse trabalho esse esforço
essa especulação que faz construir dez casas por hora
de todos os estilos ridículos grotescos belos grandes pequenos
norte sul egípcio yankee cubista
Sem outra preocupação que a de seguir as estatísticas
prever o futuro o conforto a utilidade a mais-valia e
atrair uma enorme imigração
Todos os países
Todos os povos
Eu amo isso
As duas três velhas casas portuguesas que restam
Chambre vide
Petit chat blanc et gris
Reste encore dans la chambre
La nuit est si noire dehors
Et le silence pèse
Ce soir je crains la nuit
Petit chat frère du silence
Reste encore
Reste auprès de moi
Petit chat blanc et gris
Petit chat
La nuit pèse
Il n'y a pas de papillons de nuit
Où sont donc ces bêtes?
Les mouches dorment sur le fil de l'électricité
Je suis trop seul vivant dans cette chambre
* * *
________Paris, capital do século XIX (Exposé de 1939). In: BOLLE, W., MATOS,
O. C. F. (organizadores). Passagens. Tradução: Irene Aron e Cleonice Paes
Barreto Mourão. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial,
2007.
MATOS, Olgária Chain Féres. Aufklärung na metrópole. In: BOLLE, W., MATOS,
O. C. F. (organizadores). Passagens. Tradução: Irene Aron e Cleonice Paes
Barreto Mourão. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial,
2007.
Guilherme Scandiucci
Resumo
Este artigo se debruça sobre a vida na cidade contemporânea, esta entendida
como locus privilegiado da expressão da psique coletiva em seu potencial de
multiplicidade. São analisadas intervenções urbanas conhecidas como pichação
(ou pixação), com base na psicologia analítica inaugurada por Carl Jung e na
psicologia arquetípica, vertente pós-junguiana cujo principal autor é James
Hillman. A ideia de anima mundi, de inspiração neoplatônica, as formulações
hillmanianas acerca do patologizar, bem como o conceito de complexos culturais
sustentam as interpretações sobre o fenômeno aqui apresentadas. Conclui-se que
as pixações são ao mesmo tempo feias e extraordinárias, pois sujam e dão vida à
cidade, enraivecem uns e dão sentido para a vida de outros, à medida que formam
uma rede de pertencimento psicossocial para muitos jovens das periferias.
A cidade sempre representou muitas coisas para muita gente. Pode ser
um centro para o comércio, oportunidade econômica, produção de tecnologia;
ou uma aglomeração que resulta em arte, atividades esportivas, cultos religiosos,
pesquisa, entretenimento. Pode ainda ser, por outro lado, um apanhado de
problemas coletivos a serem resolvidos: circulação, lixo, drenagem, esgoto,
pobreza. Todas as cidades são coleções de estruturas e sistemas, fábricas urbanas
frequentemente lúgubres e monótonas, às vezes interessantes e diversificas, ou
até mesmo inspiradoras. Como aponta Jones (2004), a cidade como um
fenômeno também pode ser entendida como um arquétipo primário da
experiência humana: homens e mulheres em comunidade, com toda a
diversidade, contradição, tensão e exuberância que isso implica.
É comum haver um desejo por uma cidade mais ascética, livre de sua
sombra – uma espécie de cidade do tipo ego heroico, disposto a manter a
sobriedade e as aparências mais comumente esperadas em sua persona, pouco
levando em consideração a massa libidinal periférica, oprimida e disposta a
invadir o centro da consciência. Exemplo recente é a tentativa da gestão de João
Dória em São Paulo de coibir e criminalizar as pichações e mesmo grafites não
autorizados. Nesta toada, cabe ainda observar que a pixação aponta para a
insegurança, isto é, não nos deixa esquecer de que certos ataques podem vir à
tona, provocando crises. O pixador tem algo de Pã, figura invasora que estupra
a consciência virginal de um centro intocado.
A pixação poderia ser vista sob este ponto de vista também. A forma como
frequentemente “brotam” os pixos pela cidade de São Paulo são notícias coletivas
de uma tensão social, um modo desenfreado e incontrolável de se expressar
afetos significativos deixados à margem (periferia) – como de fato opera o
complexo, neste caso, “cultural”. A questão da coletividade grupal é fundamental
aos pixadores, pois esta atividade confere um valor de identidade aos membros
desses grupos.
Se uma classe social mais privilegiada geralmente tem ódio dos pixadores,
não é difícil suspeitar que há um complexo cultural em ação, com sua carga
projetiva afiada. Pois o pixo também fala de nossa sombra coletiva, explicita algo
que subjaz para além da persona. O pixador Rafael Pixobomb, por exemplo, dá
o seguinte depoimento no documentário “Pixo”, de João Wainer e Roberto
Oliveira (2009): “[a pixação] carrega toda a energia da metrópole. Tem o
egoísmo, a perversidade, querer atingir o inatingível, ser o melhor”. Essas
Para afirmar o seu ponto de serviço a princípios mais altos e além dele
mesmo, o homem-puer pode ir ao extremo de sacrificar-se à causa. O ego não
envia seu espírito para tão alto, mas o espírito envia seu ego para lá. Pode-se
situar firmemente com orgulho (superbia) e voar bem alto com inflação (hubris),
mas a ambição pouco aprende do conselho e não dá atenção à cautela. O puer
A cidade deve reimaginar suas pixações. São Paulo pode ter uma outra
relação com elas, vê-las mais poeticamente, a fim de construir novas ficções a
respeito de sua vida e de sua história. A alma na polis precisa de atenção, de
cuidado; e o cidadão psicólogo – por que não ele? – pode e deve ajudar neste
fazer-cidade.
Referências bibliográficas
JONES, P. F. City and Psyche: an exploration into the archetype of city. Tese
Ph.D. in Depth Psychology, Pacifica Graduate Institute, Carpinteria, CA, 2004.
JUNG, C. G. Considerações gerais sobre a teoria dos complexos. In: JUNG, C.G.
A natureza da psique (Obras Completas de C.G. Jung; v.VIII/2). Petrópolis: Vozes,
2000. (Trabalho original publicado em 1934).
Psicóloga clínica, atua na perspectiva junguiana, voltada aos aspectos relacionados à qualidade de
vida de pacientes com dor crônica e à relação do indivíduo com os estressores ambientais. Doutora
em Ciências pelo Instituto de Geociências da USP.
Resumo
A leitura de “Cidade & Alma” de James Hillman, foi conduzindo uma viagem por
experiências da alma de uma pesquisadora em relação com a alma da cidade de
São Paulo. Percorrendo caminhos sombrios dessa cidade, ouviu o grito calado do
rio Tietê, da cidade carente de infraestrutura de saneamento básico e também das
pessoas. Do diálogo entre o cérebro e o coração, entre o consciente e o
inconsciente, entre luz e sombra, entre cidade e natureza, surge a possibilidade do
encontro de almas, da cidade e cidadão. Entremeando relatos da experiência de
campo da pesquisa científica na área da geoquímica ambiental e da prática da
Psicologia com o texto de Hillman, o texto vai tecendo, qual Penélope, o destino
da alma que busca o tempo de si. Empresta sua voz às coisas do mundo, e revela
imagens que não podem ser vistas a olho nu.
Figura 2
Figura 3
Tendemos a rejeitar chamar São Paulo de minha cidade, porque ela exala
mal, fumaça, bueiros, córregos e rios, porque ela se encontra salpicada de lixo
espalhado por todos os lados, porque exibe copas de árvores mutiladas ou a
ausência dessas. Nossas crianças crescem convivendo com a violência, que nós
provocamos todos os dias, na intolerância e na falta de gentileza. Nossa libido há
muito voltou as costas para a cidade e direcionou-se para nós, sujeitos narcísicos,
que não mais nos relacionamos face a face, tampouco sabemos o significado de
cidadania.
Referências bibliográficas
Cilene Gomes
Resumo
Os aportes da psicologia social para as ciências do espaço instigam
filosoficamente, pois possibilitam reflexões sobre a condição e o destino do ser
humano no lugar em que habita a Terra. Partindo da noção de enraizamento e
desenraizamento, o artigo reúne alguns aportes significativos para reconhecer as
mediações fundamentais para a construção de um sentido social do lugar,
ressaltando convergências com a perspectiva humanista da urbanidade inspirada
em James Hillman.
Sob esta ótica, diz Berque, cabe-nos tentar reconhecer à subjetividade sua
parte efetiva (que é grande) e procurar evitar confundi-la com a objetividade. O
que equivale a se guardar de tomar os valores pelos fatos, levando em conta
justamente que em todo fato mesológico há uma parte de valor (Idem, p. 33).
De fato, como alerta o autor, o mundo dos homens fala do ser humano,
da sua humanidade. Atesta em sua presença que estamos adentrando em um
novo estado de consciência. Os movimentos da anima mundi pedem a nossa
atenção, a desaceleração para aprender a apreciar as qualidades das coisas, o
trabalho invisível de criação da alma nas coisas bem feitas.
Referências bibliográficas
Resumo
O artigo baseia-se nas ideias de James Hillman, e também Jung para desenvolver
uma reflexão sobre cidade e alma, tema do colóquio. O autor parte do conceito
de arquétipo, da psicologia arquetípica e da noção de anima mundi para nortear
seu texto, refletindo sobre a subjetivização do indivíduo como tendo apartado-o
do mundo e questiona como reconhecer a alma no mundo nas coisas e nas
cidades.
1
MIKLOS, P., De quem são as cidades?
2
2 HILLMAN, J.,City and Soul, (Uniform ed.,vol. 2) Spring Publications, 2006. Tradução livre citada no
texto de Jonathan Harrel Longing for Ugliness na 3a revista anual do The Dallas Institute of Humanities
and Culture, 2014. p. 149.
Para continuar a tecer ideias sobre este assunto acho importante relatar
brevemente à que a psicologia arquetípica de Hillman se propõe.
3
HILLMAN, J., Psicologia Arquetípica - um breve relato, (Ed. Cultrix, 1983) p. 21.
4
“O conceito de arquétipo, que constitui um correlato indispensável da idéia do inconsciente coletivo,
indica a existência de determinadas formas na psique, que estão presentes em todo tempo e em todo
lugar.” JUNG, C.G. Os arquétipos e o Inconsciente Coletivo, CW IX/I, par. 89.
5
HILLMAN, J. Psicologia Arquetípica - um breve relato, (Ed. Cultrix, 1983) p. 21.
A alma estando no mundo, nas cidades e nos lugares ‘fora de nós’, nos
tira da subjetividade tão valorizada em nossos tempos modernos, abrindo a
possibilidade da ideia de interioridade nas coisas que estão também fora de nós.
6
Idem, p. 40.
7
Idem, p. 48.
Voltemos então à ideia de anima mundi já citada acima. É ela que permite
perceber que todas a coisas têm um sentido mais profundo, essência e caráter. A
alma na cidade e no mundo, indica e aponta a possibilidade animada de cada
evento ou fato. HILLMAN nos auxilia dizendo: “Não apenas animais e plantas
almados, como na visão romântica, mas a alma que é dada em cada coisa, as
coisas da natureza dadas por Deus e as coisas da rua feitas pelo homem.”9
8
BARCELLOS, G., Vôos & Raízes - ensaios sobre psicologia arquetípica, imaginação e arte, (Ed. Ágora,
2006) p. 97.
9
HILLMAN, J., O pensamento do coração e a alma no mundo, (Ed. Verus, 2010) p. 89.
10
Idem, p. 91.
11
RILKE, Verges, XLI. Poema citado no livro BACHELARD, G. A Poética do Espaço, (Ed. Martins Fontes,
2012) p.70.
12
12 HILLMAN, J., Psicologia Arquetípica - um breve relato, (Ed. Cultrix, 1983) p. 48.
Refiro-me aos poetas, arquitetos, músicos, filósofos e artistas que com seu
trabalho, reconhecem beleza na interioridade, na alma das coisas, das cidades e
do mundo. Traços delicados de lindos projetos arquitetônicos, imagens existentes
na poesias e canções, pinturas, danças, esculturas, fontes, devolvem e
harmonizam a beleza e estética às cidades possibilitando acesso mais fácil à
afetividade da cidade e na cidade e portanto da alma do mundo, recuperando a
anima mundi.
13
HOLLANDA, C.B, Carioca, no cd “As Cidades”, 1998.
setembro/2017
Referências bibliográficas
14
ROSA, N. Cidade Mulher, 1936.
Pedro Ribeiro Moreira Neto é doutor em Géographie Humaine et Organisation de l'Espace / Paris,
Doutor em História Social / Universidade de São Paulo (USP)
Resumo
Este artigo busca demonstrar a essencialidade do significado da “Alma da Cidade”
para o urbanismo contemporâneo. Por tratar a cidade de um campo
multidisciplinar, o olhar contemplativo sobre ela deve buscar interpretar as
diversas camadas nem sempre tão evidentes, que a compõe, a fim de que através
da aplicação de preceitos da psicologia, possam ser fornecidos insumos para
tratar a cidade doente dos dias atuais, no campo do urbanismo. Assim tendo como
ponto de partida a obra de James Hillman, este artigo propõe a releitura do
urbano.
James Hillman em sua obra sobre a alma da cidade, trouxe a cidade para
o divã, permitindo dessa forma que pudéssemos analisar seus arquétipos, seus
símbolos, suas patologias. Como a cidade é multifacetada, complexa, um
organismo em mutação constante, que para seu entendimento exige um trabalho
multidisciplinar, a análise sobre o âmbito da psicologia se mostrou extremamente
conveniente e essencial, ao apresentar novo ponto de vista para compreensão da
cidade e de suas camadas, trazendo à tona o cerne da alma da cidade
(HILLMAN,1993).
Jane Jacobs ficou reconhecida pelo seu conceito de “olhos sobre a rua”, e
pelas suas críticas ásperas aos movimentos superficiais de renovação e
desenvolvimento urbanos, conforme descrito em (KARSSENBERG, 1995).
Para reforçar a ligação entre alma e a cidade, Hillman (1993), propõe cinco
ideias de como e onde existe alma nas cidades, as quais pela relação e
importância com o vínculo do urbano, também fazemos aproximação com a ótica
de diversos pensamentos urbanísticos, passando a enumerá-las:
Assim como Brasília, muitas outras cidades, tem concebido seus espaços
públicos e empreendimentos não para as pessoas, mas para serem vistos, sem
significado, empreendimentos desenvolvidos em altura, para serem vistos, porém
sem profundidade.
A cidade, então, é uma história que se conta para nós à medida que
caminhamos por ela. Significa alguma coisa, ela ecoa com a profundidade do
passado. Há uma presença de história na cidade, e conforme Hillman (1993), não
devemos nos esquecer o quanto somos atores passageiros na própria história da
cidade: Memento Mori. Para uma melhor compreensão de Hillman (1993),
encontramos em Halbwachs (1990), o qual em sua obra faz uma tentativa de se
traçar uma ponte entre a psicologia e a sociologia, demonstrando que o
pensamento coletivo comanda a sociedade através de uma lógica da percepção.
Uma cidade que tivesse cultura não precisaria ser animada por imagens.
Sem imagens corremos o risco de perder o caminho, como nas estradas. O valor
simbólico e essencial das imagens na cidade. A alma precisa de imagens e quando
não encontra elabora substitutos – cartazes e grafites por exemplo.
“Fugere urbem” é uma situação cada vez mais idílica, se apropriar das
cidades e promover adequações em seus espaços, são necessidades cada vez
mais prementes, exigindo não somente a atuação de especialistas urbanistas,
mais o envolvimento e a participação democrática de toda a sociedade. Contudo,
percebemos toda a carga de problemas existentes e as limitações do urbanismo
moderno em superá-las. As cidades do século XIX com mais de 400 ou 500 mil
habitantes já eram consideradas desvios da natureza, causavam profunda aflição
psíquica, consequentemente adoeciam a alma, devido as tensões urbanas
proveniente dessas aglomerações. Diante disso, o que dizer então dessa situação
tão comum nos dias atuais, onde pela ordem de grandeza dos grandes centros
alterou significativamente, onde a cada instante surgem novas demandas,
desencadeadas numa velocidade frenética cada vez maior?
Por sua vez outra percepção a respeito da cidade, vista em Gehl (2013),
verificável nos dias atuais, independentemente de sua localização, de sua
economia, de seu grau de desenvolvimento, a cidade não trata bem das pessoas
que a utilizam, das pessoas que vivem nos seus domínios. Condições
vergonhosas e precárias fazem parte do dia a dia de seus habitantes, tais como
espaços públicos limitados e deteriorados, obstáculos, ruídos, vários tipos de
poluição, riscos de acidentes, insegurança, afetam a maior parte das cidades do
mundo.
Uma certa nostalgia deveria nos levar a perceber a cidade pelos olhos de
um flaneur, como sugere Sergio Paulo Rouanet, podendo vê-la como se visse de
longe, que circula pela rua nunca monótona e em que ninguém se perde, para
quem o labirinto é o caminho certo para quem sempre chega suficientemente no
O que se deduz que a alma traz sentido para a cidade, a partir da percepção
das pessoas, nesse sentido o urbanismo pode ser um elo importante para a
manutenção da alma dos lugares, se de modo eficaz promover mudanças que
contribuam para o bem-estar das pessoas nas cidades.
Referências bibliográficas
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes,
2000.
KARSSENBERG, Hans e Jeroen Laven. A cidade ao nível dos olhos, Porto Alegre:
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2015.
ROUANET, Sergio Paulo. É a cidade que habita os homens ou são eles que
moram nela? História Material em Walter Benjamin “Trabalho das Passagens”.
São Paulo: Revista USP no. 15, 1992.
Ivan Fortunato
Resumo
Este artigo foi pensado da seguinte maneira: as evidências encontradas foram
sistematizadas uma a uma, cotejando a literatura base com as vivências de
pesquisa desenvolvidas sobre um lugar específico da cidade de São Paulo. Ao
final, as evidências elencadas são relacionadas entre si, mas tudo o que se espera
é contribuir com futuras pesquisas – quem sabe sobre a égide de uma
ComunicaCidade.
Ensaiando um conceito...
Assim, o que se espera lograr com este ensaio é a ampliação dos sentidos
do patrimônio cultural construído, possibilitando que prédios, casas,
logradouros, praças, parques, monumentos etc. sejam compreendidos e
investigados, à luz da ciência, como elementos que recuperam a memória,
repercutem o momento cultural e até encerram o porvir. No cotidiano de uma
cidade, isso implica assegurar que as ruas se configuram como o suporte
midiático dessa comunicação que perpassa as três dimensões espaciais e o
continuum temporal. E, se triunfar ao apresentar o desenlace deste ensaio, posso
até ambicionar que o vocábulo utilizado no título se torne um conceito que figure
entre os tantos que impulsionam a ciência. Assim, até consigo imaginar futuros
pesquisadores refletindo como a ComunicaCidade interfere ou é modificada pelo
desenvolvimento tecnológico, pela expansão urbana e pelas transformações
culturais.
1
Tese que só pode ser concluída graças ao acolhimento, à dedicação e aos ensinamentos de Lívia de
Oliveira, professora emérita.
2
A grafia do nome do lugar são várias, mas tem sido tratado em todos os meus escritos como Pateo do
Collegio, ou apenas Pateo.
3
Segundo a interpretação psicanalítica de Hillman (1993, p. 141-151), o gigantismo da humanidade, que
se repete nas suas construções, seria a representação dos deuses na Terra.
O arquiteto Jorge Wilheim (1976), escolhido para epígrafe desta seção, foi
um dos mais importantes reorganizadores do espaço urbano da capital
paulistana desde os anos 1960, incluindo o projeto de revitalização da área do
Pateo do Collegio, em meados da década de 1970. Essa relação entre o
proeminente urbanista e o lugar que dá força às ideias de ComunicaCidade deste
ensaio, ultrapassa a mera coincidência. Isso porque quando essa metrópole se
comunica com seus pesquisadores, as peculiaridades de seu local de nascimento
não são ocultadas... e podem atrair interesse.
Mas, para além desse lugar em comum, um dos legados de Wilheim (1976)
é uma metodologia para leitura das cidades. No trecho da epígrafe, o arquiteto
registrou a ausência de “instrumentos teóricos adequados” para uma leitura das
cidades que dessem conta de toda sua complexidade. Quatro décadas se
passaram, e os instrumentos continuam a ser calibrados, melhorados,
desenvolvidos, criados, mas é coerente afirmar que ainda não se delineou uma
perspectiva teórica capaz de dar conta dessa interpretação.
Disso deriva sua crítica às ações de gabinete: para Wilheim (1976) era
necessário abandonar a segurança dos dados quantitativos, das paredes dos
escritórios e das pranchetas inanimadas, pois a transformação somente poderia
acontecer por meio da criatividade de métodos experimentais, na “cidade lá fora”,
que teriam calibre suficiente para “enxergar” a cidade.
Essa relação entre estar, observar e enxergar para ler, encontra respaldo
nas palavras do psicanalista James Hillman. Embora a preocupação de Hillman
(1993, p. 52) fosse a saúde mental das pessoas citadinas4, suas reflexões mais do
que resvalam nas propostas do arquiteto anteriormente delineadas,
especialmente quando apresenta o seguinte: “vistas das pranchetas dos
arquitetos e das plantas dos urbanistas raramente mostram uma multidão. Em
vez disso, casais passeiam sob as árvores, pessoas surgem uma de cada vez saídas
dos carros estacionados...”. Este trecho ratifica a ideia de que a complexa
comunicação urbana parece incomodar quem pensa sobre uma cidade, sendo
mais seguro e confortável imaginar que uma rua não é o que ela é.
Não obstante, uma rua não pode ser somente qualificada como complexa.
Por isso, Hillman (1993) vai além e apresenta ponto de vista que é, ao mesmo
tempo, controverso e esclarecedor a respeito da importância que estar na cidade
“lá fora” adquire à compreensão de sua comunicação. Tal importância foi
registrada em dois momentos distintos e complementares:
[...]
4
Isso é socialmente muito relevante, pois os dados revelam que aproximadamente 55% da população
mundial vive nas cidades (UN, 2015).
Foi assim que ele se permitiu caminhar por suas ruas, devagar,
possibilitando guiar seu foco, o quanto fosse possível, a cada uma das linguagens
em seu tempo. Daí, a seguinte afirmação de Canevacci (1997, p. 35) é
praticamente axiomática: “compreender uma cidade significa colher fragmentos”.
Um a um, esses fragmentos vividos ganham sentido, se fortalecendo quando se
constrói entre eles “estranhas pontes, por intermédio das quais seja possível
encontrar uma pluralidade de significados. Ou de encruzilhadas herméticas”.
5
Ferrara (2008) se aprofunda nessa ideia da verticalização como mídia.
6
Para saber mais sobre a historicidade do Pateo do Collegio, ver Fortunato (2015).
Uma vez tendo calibrado o proposto por Canevacci (1997), fica mais fácil
concordar com suas ideias: há inúmeras linguagens para decodificar a
comunicação da cidade, tais como a artística, a estética, a econômica, a histórica,
a geográfica, a arquitetônica etc. etc. Cada uma dessas linguagens não
corresponde ao ideal da comunicação emissor-meio-mensagem-receptor, pois
todos os elementos do tripartido lugar-cidade-sujeito são agentes
comunicacionais, portanto, o que é posto em comum entre eles emerge do
diálogo, não da transmissão. Daí, a cidade vai se comunicando de múltiplas
formas, em seus diversos lugares, com sua heterogênea população (habitantes,
visitantes, gerações passadas etc.).
Ainda assim, por mais perspectivas que se envolva, parece sensato afirmar
que um lugar jamais será compreendido de forma pronta e acabada. Isso decorre
da complexa relação tripartida lugar-cidade-sujeitos e da óbvia constatação que,
frequentemente, cada elo dessa relação se transforma e pelo outro é
transformado, impedindo que o que se comunica no entremeio seja cristalizado
de forma perene, mas somente transitória. Note que não se pode estabelecer em
quanto tempo tais mudanças ocorrem. Tomando o Pateo como exemplo,
verifica-se que tudo pode permanecer estacionário por séculos, ou pode
transmutar da noite para o dia...
7
Essa dupla possibilidade foi discutida na evidência um deste ensaio.
Ao final...
CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. Trad. Diogo Mainardi. São Paulo: Biblioteca
Folha, 2003.
HILLMAN, J. Cidade & Alma. Trad. Gustavo Barcells e Lúcia Rosenberg. São
Paulo: Studio Nobel, 1993.
Doutora em Urbanismo pela FAU/USP; Mestre em Geografia Humana pela FFLCH/USP; Serviço
Social pela PUC/SP; Especialista em Educação Ambiental pela Faculdade de Saúde Pública/USP.
Resumo
O artigo aborda a capacidade de transformação encontrada nas obras de
saneamento, capazes de recuperar um meio ambiente urbano degradado, em
especial em bairros de moradia de baixa renda, proporcionando uma excepcional
e oportuna prática de mudança de entendimento e de reflexão subjetiva, na busca
de uma nova relação - homem – cidade - natureza. Partindo de uma interface
conceitual entre Paisagem, Espaço Livre Público e Saneamento Básico,
apresentamos uma pesquisa de base qualitativa, na qual se evidenciou resultados
de um potencial urbano socioeducativo, baseado na percepção e conexão
subjetiva, um novo agir humano, diante da possível recuperação ambiental de um
bairro da periferia da Região Metropolitana de São Paulo.
Introdução
Objetivo
Neste contexto, esta pesquisa trabalha com uma reflexão teórica e prática,
partindo dos conceitos de Paisagem e Sistema de Espaço Livre Público,
apresentando uma aplicabilidade e algumas evidências de um projeto de
saneamento e qualificação urbana desenvolvido em um bairro de moradia,
analisado e interpretado sob o crivo dos moradores, que respondem questões
1
TUCCI Carlos E. M. “Águas urbanas”. In: Estudos Avançados, 22 (63), São Paulo, USP, 2008.
Referenciais
2
QUEIROGA, Eugênio Fernandes. Razão Pública e Paisagem. Palestra no 11º Encontro Nacional de
Ensino de Paisagismo em Escolas de Arquitetura e Urbanismo no Brasil. ENEPEA. Campo Grande: 2002
3
SANTOS, Milton. "O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também
contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não consideradas isoladamente, mas como o
quadro único no qual a história se dá". In: A Natureza do Espaço: Técnica, Razão e Emoção. p. 63. São
Paulo: EDUSP, 2004. 4ª ed.
4
SERRÃO, Adriana. "Pensar a natureza e trazer a paisagem à cidade" - capítulo do livro Psicologia social
e imaginário: leituras introdutórias, organizado por Sandra Patrício Vichietti. São Paulo, 2012.
Processo de pesquisa
Moradores adultos
5
MARTINS, Joel, e BICUDO, Maria Aparecida. “A pesquisa qualitativa em psicologia. Fundamentos e
recursos básicos”. Sociedade de estudos e pesquisa qualitativas. São Paulo: Editora EDUC – PUC-SP,
1989.
Moradores crianças
Síntese e desafios
Referências bibliográficas
PALLAMIN, Vera. Arte urbana como prática crítica. In: Cidade e Cultura: esfera
pública e transformação urbana. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.
VICHIETTE, Sandra Maria Patrício (Org.). São Paulo: Zagodoni, 2012. 1ª ed.
TUCCI, Carlos E. M. Águas urbanas. In: Estudos Avançados, 22 (63), São Paulo,
USP, 2008.
Charles Baudelaire.
A cidade natal – bem diferente do mito de origem – é quase sempre uma terra
estrangeira. As fábulas das crianças sobre o nascimento dizem a coisa certa:
fantasiam que nasceram em outro lugar e não estão erradas.
Sigmund Freud
São Paulo tem para mim um sentido altamente dramático. Foi em São Paulo que
a vida torceu violentamente o meu destino.
Manuel Bandeira.
Marcel Proust.
1. Desvanecimento
1
James Hillman. Cidades & Alma; tradução Gustavo Barcellos e Lúcia Rosemberg. São Paulo: Estudio
Nobel, 1991.
2
James Hillman, op. cit., p. 55.
Afinal, “queremos o mundo porque ele é bonito, seus sons, suas texturas,
sua presença sensorial”.3 Envergonhar-se desse estado de coisas como a canção
do povo Navajo citada por Hillman4 pode ser um bom caminho para recuperar o
tempo perdido antes que seja tarde demais. Vergonha da terra, do crepúsculo, do
amanhecer, assim como das desigualdades, exclusões, populismos, narcisismos.
As saudades, identificações e restaurações que se seguem são expressão dessa
vergonha arquetípica que rege o mal-estar na cultura atual diagnosticado por
Freud em 1930.
2. Saudades
3
James Hillman, op. cit., p 131.
4
James Hillman, op. cit., p 150.
5
Claude Lévi-Strauss. Saudades de São Paulo; tradução Paulo Neves. São Paulo:Companhia das Letras,
1996.
3. Identificações
6
Zygmunt Bauman. Confiança e medo na cidade; tradução Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2009
Desde sua fundação, São Paulo vivencia dois ciclos: um curto, imediato,
transitivo, que aposta na coisificação do mundo e das subjetividades, na
privatização dos corpos e das coisas, na exclusão cultural, na educação
fragmentada e elitista; outro mais longo, intransitivo, transhistórico, que investe
nos arcanos, nos mitos, no imaginário, na autoética, que retroalimenta reservas
de memória coletiva a serem disponibilizadas para tempos futuros. Ambos
traduzem os paradoxos e tensões entre o mesmo e o outro, o antigo e o novo, a
ordem e a desordem, a organização e a reorganização que a modernidade trouxe
consigo.
7
James Hillman, op. cit., p 151..
4. Restaurações
8
Ilustrativos dessa desinformação são os dois programas da série Oficinas Culturais na TV, parceria TV
Cultura e Companhia Brasileira de Notícias, realizadas em 1998. [Disponiveis em video –
www.cultura.com.br.
9
James Hillman. Ficçoes que curam. Psicoterapia e imaginação em Freud, Jung e Adler: tradução
Gustavo Barcellos, Leticia Capriotti, Amdrea de Alvarenga Lima, Elizabeth de Miranda Sandoval. São
Paulo: Verus, 2010, p.68.
10
As tres expressões referem-se, respectivamente, ao romance de George Orwell publicado em 1949 e
aos filmes Mullohand Drive dirigido por David Lynch (2002) e Dogville de Lars von Trier (2003).
11
Edgard de Assis Carvalho. Patrimônio cultural e ética da resistência. João Spinelli, org. São Paulo, UNESP,
1989/99, pp 14/19; A cidade preservada. São Paulo em perspectiva. São Paulo, Fundação SEADE, v.5, nº
2, abri-jun 1991, pp. 72/75.
Para isso, será forçoso admitir que cidades não são apenas espaços-
tempos distópicos ilustrado por narrativas cinematográficas. Os dois Blade
Runner, Elysium, dentre outros, são exemplos disso. Cidades são centros
nervosos, mosaicos arlequinados que movimentam pessoas, aceleram
velocidades, condensam utopias, idensificam aspirações, desanuviam tristezas,
como se o nomadismo subjetivo fosse a regra básica da convivência urbana. São
Paulo não constitui exceção a isso.
12
As ecumenópolis foram propostas pelo arquiteto grego Constantin Dioxiadis. A idéia de arcologia foi
desenvolvida pelo arquiteto italiano Paolo Soleri. Ambas encontram-se amplamente discutidas na tese de
doutorado em ciências sociais (PUCSP, 2001) de Maria Margarida Cavalcanti Limena, Cidades complexas
do século XXI: ciência, técnica e arte, na parte IV, Cidades do futuro: entre o global e o local, capítulo 3:
propostas para as cidades do futuro, pp. 230/250.
13
Alberto Manguel & Gianni Guadalupi. Dicionário de lugares imaginários. Trad. Pedro Maia Soares. São
Paulo, Companhia das Letras, 2003.
14
Italo Calvino. As cidades invisíveis. Trad. Diogo Mainardi. 2a, ed. São Paulo, Companhia das Letras, 1990.
15
Italo Calvino, op. cit., pp.36/37.
16
Alberto Manguel & Gianni Guadalupi, op. cit.,p. 287.
17
Alberto Manguel & Gianni Guadalupi, op. cit., p. 456.
18
Alberto Manguel & Gianni Guadalupi, op. cit., p. 64.
19
Italo Calvino, op. cit., p. 105.
20
As idéias de eco-alfabetização e eco-desenvolvimento foram desenvolvidas por Fritjof Capra. Acredito
que sejam cruciais para políticas públicas voltadas para o replanejamento e preservação dos sistemas
urbanos do futuro. [Fritjof Capra,As conexões ocultas. Trad. Marcello Brandão Cipolla). Editora
Pensamento-Cultrix, 2002]
21
Giancarlo Ricci. As cidades de Freud: itinerários, emblemas e horizontes de um viajante; tradução
Helena Aguiar; revisão técnica Marco Antonio Coutinho Jorge. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed/. 2005.
Viena, Paris, Berlim, Veneza, Praga Milão, Roma, Atenas, Nova York,
Budapeste e tantas outras que desfilam pelo texto, é Londres, há um ano de sua
morte, que aparece como um espelho-síntese de seu pensamento e do ‘ofício
impossível’ que é a psicanálise. Nela vida e obra se entrelaçam para sempre. Não
fazer nunca concessões ao próprio desejo, fazer com que a criatividade jorre por
todos os lados, essa é mensagem de um futuro incerto e, ao mesmo tempo, ético,
que contém itinerários abertos que se consolidam aos poucos, após vários
períodos de latência. “A cidade da psicanálise não garante de uma vez por todas
uma cidadania. É como uma fronteira aberta, uma ponte,...uma audácia que se
confronta com o incomensurável24”. Algo indeterminável, para sempre.
22
Carlo Sini, Prefácio a As cidades de Freud, op. cit., p. 9.
23
Giancarlo Ricci, As cidades de Freud, op. cit., p 15.
24
Giancarlo Ricci, As cidades de Freud. Op. cit., p 211.
25
James Hillman. Figuring the future. In Philosophical Intimations. Edited and with an introduction of
Edward S. Casey. Thompson, Conn: Spring Publications, 2016, p. 390.
26
Satish Kumar. Solo, alma, sociedade: uma nova trindade para nosso tempo; tradução Cristiana Ferraz
Coimbra, Tônnia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2017.
Resumo
O presente trabalho traz um recorte das reflexões levantadas nas considerações
finais da dissertação de mestrado, em que se pontua abordagens sobre os
embrechados em torres sineiras de igrejas que integram a paisagem cultural do
Recôncavo Baiano. O ato de embrechar consiste em incrustar diferentes materiais
fragmentados e/ou inteiros em superfícies parietais que conformam efeitos
decorativos díspares retratados enquanto patrimônio artístico e condutor
histórico. Estas expressões de arte implementam os núcleos urbanos e são
legitimadas pelos sujeitos a partir dos dispositivos arquitetônicos no conjunto de
edificações da herança cultural, como um processo de relação entre o passado e
a dinâmica social do presente. A arquitetura consolidada com ornamentos em
embrechados se representa como legado histórico carregado de incrustações
multicomponenciais elaboradas com certa intencionalidade.
Fonte: VIII Jornada de Arte e Ciência. André Lourenço e Silva (2012, p. 168).
4. Considerações
BURKE, Peter. O que é História Cultural? Trad. Sergio Goes de Paula 2ª ed. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editora. 2008.
LE GOFF, Jacques. A História Nova. Trad: Eduardo Brandão. São Paulo: Martins
Fontes, 1990.
Resumo
Quando pensamos em cidades, influenciados pela visão ocidental de mundo,
podemos de maneira quase automática, dizer que visualizamos imagens de
prédios, indústrias, comércio, desigualdade, lotação de avenidas e feiras.
Refletindo sobre essas figuras, iremos perceber que elas possuem uma relação
com uma das principais atividades presentes na sociedade, que possibilitou em
conjunto com outros fatores, o desenvolvimento da vida coletiva: o trabalho. Por
isso, este artigo objetiva, de forma breve, buscar no resgate da memória de alguns
dos principais meios de produção econômicos clássicos, à luz das análises de Karl
Marx, estabelecer uma relação com a imaginação do trabalho proposta pelo
psicólogo criador da psicologia arquetípica James Hillman, a partir da
apresentação feita por Gustavo Barcellos em Psique e Imagem: estudos da
psicologia arquetípica. Uma vez que, compreender a imaginação refletida nos
modos de produção que aqui serão citados, nos possibilita um norte para o
entendimento arquetípico das cidades no modelo ocidental, bem como, contribui
levantar reflexões a respeito dos rumos e consequências dessa imaginação nos
dias atuais do ponto de vista da psicologia das profundezas de Hillman.
1
Meus estudos sobre James Hillman iniciaram na disciplina “Imaginário, Imagem e Comunicação na
Sociedade Contemporânea” ministrada pela Professora Ana Laudelina F. Gomes, do Departamento de
Ciências Sociais, da UFRN, quem também indicou a bibliografia e leu a versão final desse artigo.
2
Hegemonia: supremacia de um Estado-nação ou de uma comunidade político-territorial dentro de um
sistema. A potência hegemônica exerce sobre as demais uma preeminência não só militar, como
também econômica e cultural. BOBBIO, Norberto, Matteucci, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário
de política. Brasília DF: UnB, 1998. P. 579.
Podemos ver que anima, a alma, está por tudo e em tudo, não só
na interioridade feminina do homem. Anima pertence a todas as
coisas, exatamente como a possibilidade de interioridade de todas
as coisas. Anima refere-se, numa só palavra, a interioridade –
campo psicológico por excelência. (BARCELLOS: 2017 , p. 82).
Fica claro que, entre outras atividades, fazia parte da dinâmica das cidades
feudais o cultivo da terra, as atividades produtivas. Por fazer parte da dinâmica
dos espaços urbanos, a imaginação do trabalho (as formas arquetípicas da
imaginação do mesmo) irá refletir-se nas atividades culturais e artísticas como as
pinturas, poesias e peças teatrais, no folclore popular. A servidão, a terra, imensos
castelos, cavaleiros, homens e mulheres trabalhando na terra, Deus e a igreja
posicionados em lugar mais alto perante todos são algumas das imagens
encontradas nas pinturas da época.
3
Universia Brasil. Disponível em
<http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2012/03/14/917389/conheca-as-mui-ricas-horas-
do-duque-berry-dos-irmos-limbourg.html> Acesso em 29/08/2017.
4
Upclosed. Disponível em <https://upclosed.com/people/adolph-von-menzel/> Acesso em 29/08/2017.
Considerações finais
Referências bibliográficas
MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. O Capital: crítica da economia política. Tomo II,
São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Os Economistas).
Mestre e Doutorando pelo Departamento de Psicologia Social da USP (SP). Atua em consultório
há 14 anos e como docente de pós-graduação há 17.
Resumo
Na Antiguidade Clássica Hestia era a deusa do fogo sagrado que guardava e
preservava o estilo de vida das famílias e da civilização. Associada à casa e à
cidade, Hestia era tida como o centro e a essência das coisas e do mundo
percebido. Essa conexão com a origem relacionava Hestia ao coração. A
associação entre centralidade da existência e coração abre inúmeras
possibilidades para se pensar a alma da cidade. Uma dessas possibilidades se dá
pela via dos elementos arquetípicos que configuram a função de Hestia na
ordenação da vida pública e privada como veículo de acesso à sacralidade dos
espaços vividos. Nesse sentido, o coração, como fonte imaginal, pode fornecer os
recursos para que as exigências expansivas da vida urbana contemporânea não
inibam o poder da imaginação e a busca de significado para a vida.
Nas cidades contemporâneas, assim como nas casas, e talvez também nas
pessoas, o coração perde sua relevância imaginal. O coração já não é mais a fonte
do poder de imaginar e de desejar, uma vez que ele há muito deixou de ser o
centro. No Imaginário atual o centro da existência passou a ser o cérebro, com
seu poder de “revelar” os mistérios por trás dos sentimentos, pensamentos e
ações. Nesse universo desvelado não há lugar para o intangível, para o que não
possa ser classificado, para o que escapa ao escrutíneo apolíneo ou para a
urgência comunicativa de Hermes.O centro da existência foi tomado de assalto
pelo ordenamento masculino!
Os drogados, os marginais, os que vivem nas bordas, que não têm lar ou
centro, os destituídos de Hestia, passaram a povoar os Centros das cidades. É
ainda nos Centros de muitas cidades, porém, que as vidas se cruzam, pelo menos
por breves instantes, nas grandes estações de metrô e de trem, nos terminais de
ônibus. Um cruzamento instantâneo que ao invés de minimizar o distanciamento
e a fragmentação, expõe. As grandes vias de circulação de pessoas e veículos
explicitam como o contato físico diário entre os moradores das cidades já não
mais corresponde a um encontro de afetos e sentidos. Ao contrário, demonstra o
crescimento das cidades para as margens e a segmentação das vidas. E isso expõe
o coração da cidade, suas veias entupidas nas quais o fluído vital encontra
dificuldade para irrigar o centro da existência cotidiana.
HILLMAN, J. (1979). The Dream and the Underworld. New York: Harper & Row
Karam Valdo é psicólogo, formado pela Unifaj e especialista em Psicologia Analítica Junguiana,
pela Unicamp. Jornalista formado pela PUC-Campinas e especialista em Jornalismo Literário pela
Metrocamp e ABJL.
Thâmara Oliveira Ulle Valdo é psicóloga, formada pela PUC-Campinas e especialista em Psicologia
Analítica Junguiana, pela Unicamp.
Resumo
O presente artigo se propões a fazer uma reflexão sobre a cidade, sua capacidade
de nos moldar internamente e como ela também nos revela externamente.
Adotando a visão da Psicologia Arquetípica o artigo discute como a cidade é um
microcosmo da civilização que se afasta da natureza selvagem e revela os aspectos
sombrios que é preciso lidar para integrar a sua alma, construindo um paralelo
com a história de Caim, contada em Genesis, que matou o seu irmão por ciúmes
e foi o fundador da primeira cidade. Para o reconhecimento e integração da alma,
os autores sugerem um trabalho em conjunto entre psicologia profunda e
arquitetura.
Conta o livro de Genesis (Gn. 4:1) que o lavrador Caim, após matar seu
irmão e pastor Abel por ciúmes, já que ele era o preferido do Senhor por oferecer
as melhores oferendas de seus rebanhos, rumou para o lado leste do Éden, onde
teria se empenhado em construir o que seria a primeira cidade. Colocara nela o
nome de seu filho, Enoque. Este nome significa o iniciado. Tomando esta história
como uma metáfora do desenvolvimento do ser humano, iniciava-se aqui um
período diferente para o Homo sapiens, até então caçadores-coletores e pastores
nômades passaram a trabalhar com a terra, esquadrinha-la, moldá-la e civiliza-
la por meio da agricultura e posteriormente das cidades.
Voltar para lugares onde a imaginação nos diz que fomos felizes traz, de
presente, um pacote de memórias, cheiros, pessoas e lembranças que fazem
daquele lugar um lugar íntimo e pessoal. Não existe para mais ninguém pelo
simples fato de que as suas emoções e as suas memórias serem únicas e restritas
aos seus limites. O lugar é uma ilusão do que você sentiu.
No centro de uma metrópole, como São Paulo, onde ele vive e trabalha,
toda diversidade humana está andando ali ao seu lado.
Referências bibliográficas
HILLMAN, James. Cidade & Alma. São Paulo: Studio Nobel, 1993.
LEXICON, Herder. Dicionário dos símbolos. São Paulo: Círculo do livro, 1990.
QUEIRÓS, Eça de. A cidade e as serras - [1ª ed.]. - Porto : Livr. Chardron, 1901
Disponível em [http://purl.pt/234]. Acesso: 10 de setembro de 2017.
Denise Jorge
Doutora em Psicologia Social pelo instituto de Psicologia da USP (2018). Mestre em Psicologia
Social pelo Instituto de Psicologia da USP (2013). Especialista em Psicologia Analítica pela Clinica
Paeeon - Unisal (2011). Possui bacharelado, licenciatura e formação de Psicólogo pela
Universidade Paulista (2009).
Aos poucos, eu conheci outros moradores do bairro. Seu Nego, que foi um
dos primeiros a construir sua moradia no Jardim Pedramar, criou um grupo de
Moçambique, em esforço para manter a tradição dessa dança ligada ao culto
popular de São Benedito, atuando inclusive para que a Capela deste santo seja
cuidada pela comunidade. Seu Aloísio é aposentado, e há cinco anos, decidiu
transformar um terreno baldio – onde havia mato e entulho – em um jardim,
onde cultiva flores e frutos, constrói bancos e lixeiras e faz obras de arte usando
materiais que seriam descartados como lixo. Cida, uma senhora que mora no
bairro desde sua formação, é descendente de ciganos e escreve poesias em
homenagem ao bairro, ao qual chama de terra prometida. Seu Gonzaga, sua
esposa Marilene e seus filhos, antigos moradores do lugar, há cerca de dez anos,
decidiram trocar o carro da família por um circo que fazia apresentações no
bairro, passando a administrá-lo e a trabalhar como artistas - Seu Gonzaga era
palhaço e Marilene, dubladora. Marcos e Bozinho são jovens que se mudaram
para o loteamento na infância e, hoje, estão envolvidos na organização de um
campeonato futebol que é realizado no bairro há cinco anos – o Uniquebradas -
com duração de três meses, no qual competem times formados por jovens
moradores e, mais recentemente, por moradores de bairros vizinhos. Zezão,
pedreiro e proprietário de uma lanchonete localizada na avenida principal do
bairro, disponibiliza o local para a realização de bingos beneficentes em prol das
ações culturais promovidas no bairro, emprestando também energia elétrica para
os moradores fazerem suas festas particulares nas ruas do bairro. Dona Cida,
professora aposentada, criou, juntamente com um grupo de adolescentes, uma
Referências bibliográficas
Resumo
A proposta desse artigo é tecer algumas reflexões a partir de uma prática
profissional como psicólogo vivenciada num contexto institucional. A partir da
Psicologia Analítica desenvolvida por C. G. Jung e da Psicologia Arquetípica
desenvolvida por James Hillman, objetivaremos permear as reflexões com as
noções desenvolvidas pelos referidos autores, dentre elas, a de anima mundi. A
instituição trata-se de um Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e
Adolescentes e, o olhar psicológico sobre essa prática procurará dialogar com a
instituição e suas relações, estruturas e objetos. Inscreveremos ainda as
percepções que orbitavam em seu entorno e qual o contexto se fazia presente,
como os diálogos existentes entre a instituição, a cidade, outros espaços e
instituições. A perspectiva imaginativa adotada procurará ver através dos eventos
mais significativos, nos quais a alma se faz notar e a psique almeja aprofundar e
intensificar experiências.
1
Deveria ser uma casa inserida na comunidade/cidade com 20 a 22 crianças/adolescentes acolhidos no
máximo.
2
Numa dessas residências acontecia um bazar aberto para a comunidade.
O trabalho não foi realizado sem muito sofrimento, até porque, sofrimento
era basicamente o meio pelo qual as crianças e adolescentes se expressavam, e
isso era tão enraizado e poderoso que a própria instituição também nos falava
do quão estava doente6.
A ideia era que nada poderia sair dali, que a massificação, coerção e
ameaças eram os únicos meios de aplacar possíveis revoltas e maus
comportamentos. Como um vaso murado que, tentando tudo conter, de tão
3
Algumas dessas roupas e calçados chegavam a esfarelar devido à ação do tempo. Alguns dos materiais
escolares, como os cadernos, tinham imagens que remontavam à década de 90 e início dos anos 2000.
4
A instituição possuía um carro para uso das dirigentes, dois carros à disposição da equipe técnica, uma
Kombi e um caminhão.
5
Num espaço ao fundo da garagem também acontecia um bazar duas vezes por semana aberto para a
comunidade.
6
Patologizar ou desintegrar-se. (HILLMAN, 2010b, p. 131-232); (SCANDIUCCI, 2017, p. 81-83).
A instituição, por um lado, também nos falava de como ela era grande,
nutridora, e exuberante, mas mais parecia um apêndice da cidade o qual destoava
completamente das outras arquiteturas, bem mais simples e sem toda a
imponência daquela que abrigava tantas realidades adoecidas.
7
A alma tende a animar e, se a alma não encontra suas imagens, elabora substitutos. (HILLMAN, 1993,
p. 40). Neste caso, por meio dessas marcações pessoais feitas em objetos impessoais como as paredes.
Tudo parecia muito impessoal e sem forma, ao passo que aos poucos foi
se construindo um protagonismo individual para cada um ali dentro, na tentativa
de fazer com que as vidas que ali aguardavam por desfechos positivos, não
ficassem encerradas em papéis anêmicos dentro dos processos que transitavam
mecanicamente de mão em mão no judiciário. As vozes das crianças e
adolescentes precisavam ser ouvidas. Eles nos falavam, mas passaram muito
tempo gritando de maneira inaudível e incompreensível e, para que se fizessem
ser ouvidos, suas narrativas apareciam nas relações com os objetos, abarcando
tanto os apegos como a destruição dos mesmos.
8
Circularidade e repetições da alma. (BARCELLOS, 1995, p. 15-16; BARCELLOS, 2006, p. 120).
9
Psicologizar ou enxergar através. (HILLMAN, 2010b, p. 233-318).
A neurose não era só da alma institucional, era das pessoas que ali
adentravam com suas próprias patologias que acabavam cumprindo uma função
para a instituição sedenta por doações, ao mesmo tempo abundante e insaciável.
Foi devorando, se entupindo e ficando enfastiada/ensimesmada até não
conseguir mais se sustentar em sua hybris, recordando a ideia de
enclausuramento institucional evidente neste exemplo.
Ele também tinha uma relação íntima com a religião e, nesse sentido,
costumava desenhar a figura de Jesus frequentemente. Em seu processo
psíquico, não era difícil perceber o quanto ele clamava por ser salvo, pois de certa
maneira sentia que algo tinha se perdido. Ele tinha uma relação com a alma do
lugar, com a arquitetura institucional e seus espaços. Ele ocupava de maneira
errante aquela que foi, desde bebê, sua única casa sem seus familiares.
Faço uma breve digressão para relatar que certa vez, quando neste
processo as coisas se tornavam cada vez mais intensas e conflitivas, eu saía para
caminhar nos espaços da instituição. Numa dessas vezes, enquanto eu
caminhava por uma parte repleta de vegetação, sem que eu me desse conta, caí
num buraco que me cobriu até a altura do abdômen, o qual foi arranhado
fortemente por um pedaço de raiz.
Por fim, cabe encerrar esse percurso imaginativo com uma bela imagem
que sintetiza essa narrativa e mostra que a perspectiva da alma, adotada durante
todo esse trabalho, aparecia nos objetos, aqui, entendidos como dotados de
valor, cheios de alma e sempre nos dizendo algo.
_________.; VENTURA, M. Cem anos de psicoterapia e mundo está cada vez pior.
São Paulo: Summus, 1995a.
Resumo
O presente artigo tem como objetivo relatar a vivência de construção de uma casa
de emergência em uma ocupação na zona leste da cidade de São Paulo através
da ONG Teto, articulando estas primeiras impressões com as disposições físicas
da comunidade e como à mesma retrata a alma deste território. A cidade fala
sobre ela mesma a partir de sua própria disposição e esta reflexão busca um olhar
para a fala desta periferia. Inspirada pelos conceitos filosóficos de Gaston
Bachelard e as proposições da psicologia arquetípica de James Hillman, olha-se
para as margens e os contornos da Alma da cidade e daqueles que a habitam e a
(des)constroem cotidianamente.
I- O terreno:
Periferias estas que carregam a alma da cidade e são e não são todas
iguais. Diz-se periferia como uma região generalizada, como se fosse um só
lugar, o lugar excluído e de exclusão, o que está às margens, o lugar dos
“marginais” mas estas periferias tem uma identidade singular. A alma também é
assim: as regiões marginalizadas em nós possuem traços únicos. O norte, o sul,
o leste e o oeste são regiões que geograficamente carregam as suas próprias
psicologias, e neste caso tratamos de uma região que fica a extremo leste da
cidade de São Paulo.
1
Segundo o filósofo contemporâneo Gaston Bachelard (1884-1962) a imaginação tem uma necessidade
incessante de dialética (ibid.p.54) e, tratando da imaginação da cidade, isto não seria diferente.
2
BACHELARD,G. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. 2ª edição. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 07.
3
Ibid, p. 10.
4
BACHELARD,G. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. 2ª edição. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 57
Lá, não estão às pessoas estranhas a mim por serem de outra região, lá
estão às pessoas que eu nem sabia que existiam. Eu não sabia delas, mas elas
sabiam de mim e de onde eu vinha. O pai da família trabalhava em uma
cooperativa de lixo próxima do meu consultório e conhecia muito bem a região.
A alma da cidade não é diferente da alma de seus cidadãos e as contradições
continuam a aparecer: o pai que se desloca das margens ao centro para trabalhar
em uma cooperativa de lixo é o mesmo que joga o próprio lixo no chão de sua
casa e no rio a sua porta.
5
5 Pelo vento temos novamente uma ambivalência: o vento é doçura e violência, pureza e delírio, é
destrutivo e vivificante. O ar da tempestade é o puro movimento que ameaça e anima, fazendo com que
esta população tema primeiro o mundo e depois os objetos. “ O vento furioso é o símbolo da cólera
pura, da cólera sem objeto, sem pretexto” (BACHELARD, G., O ar e os sonhos: Ensaio sobre a imaginação
do movimento, 2ª edição, São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.231) e viver sob esta energia tão
elementar é desafiar esta força cotidianamente.
II- A construção
Construímos uma casa, mas a imagem que se utiliza é a do teto. Este não
por coincidência é também o nome da ONG que sustenta o nosso trabalho como
voluntários e para dar início a discussão psicológica desta imagem, utilizo-me
das palavras de Hillman:
6
BACHELARD, G. A poética do espaço. 2ª edição, São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 24.
Do centro daquela casa, em Pedra Branca II, zona leste de São Paulo, uma
casa cósmica existia. O centro da cidade passou a habitar aquela casa, e aquela
casa passou a fazer parte do centro da cidade. Aquilo não foi só uma construção,
está fundida e repartida em cada um de nós. A imagem da casa “se reconstitui a
partir de sua intimidade, na doçura e na imprecisão da vida anterior. Parece que
algo fluido reúne as nossas lembranças.”10 A fluidez das águas ao longo do
processo costura as minhas lembranças sobre esta vivência tão íntima, e com a
doçura deste encontro eu entrego esta construção de palavras com a imagem de
que a periferia abraça o centro (e eu tentei abraçá-lo de volta).
Referências bibliográficas
7
BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos: Ensaio sobre a imaginação do movimento, 2ª edição, São
Paulo: Martins Fontes, 2001,p. 21
8
Ibid. p.35
9
Ibid. p. 49
10
Ibid. p.71
Giovana Cataldi
Resumo
Este artigo tem como objetivo relacionar a teoria de anima mundi de Hillman
(1993) ao espaço de uma comunidade. De acordo com o autor, não é só o sujeito
que é dotado de alma, mas também o espaço que ele habita. Esta alma é percebida
pelas imagens captadas através do olhar e não apenas como se mostram
dispostas espacialmente. Com base na visita de campo realizada na comunidade
de Heliópolis, zona Sul de São Paulo, observou-se a alma presente nas ruas
longas e curvas que lhe conferem profundidade; memória emotiva carregada nos
nomes das ruas que não deixam as histórias de seus moradores e da própria
construção do lugar serem esquecidas; imagens e símbolos surgem nas placas
anunciando venda de produtos artesanais e nos grafites que transmitem
identidade; e o uso do espaço demonstra a existência de relações humanas
genuínas e acolhedoras. A anima mundi desta comunidade personifica atividade,
movimento, nuances difíceis de desvendar, mas acima de tudo revelam abertura
e afetuosidade.
Introdução
James Hillman entende que o espaço físico em que o indivíduo habita diz
muito sobre ele. Em livros como Cidade e Alma (1993) Hillman destaca a
importância de entender o sujeito não apenas como este se mostra no
consultório, mas também levar em consideração o lugar em que seu corpo habita
e tece suas relações, pois o espaço também é psique. Busca não privilegiar a
psique individual, mas também aos seus demais componentes.
A comunidade de Heliópolis
Em sua dissertação sobre práticas educativas de Heliópolis,Soares (2010)
apresenta dados sobre como esta foi construída e também sobre o que se vê nos
dias atuais no local.
O primeiro contato que tive foi em uma longa avenida por onde passava
o microônibus em que estava. Era uma via larga, de duas mãos num constante
movimento de carros e microônibus em ambos os lados. Comércios de todos os
tipos se faziam presentes: havia desde cabeleireiros, borracharia, bares, como
também grandes magazines populares.
Entrei por entre as ruas que cortam a avenida. Eram estreitas, obrigando
os carros a se revezarem com os que vinham do outro lado. Também dividiam
espaço com os pedestres que por ali passavam, já que as calçadas eram
demasiadas estreitas e muitas vezes ocupadas por postes, escadas externas, entre
outros obstáculos que impossibilitavam o caminho do transeunte.
À medida que adentrava mais aquelas ruas parecia que elas envolviam
mais e mais. Elas ficavam mais estreitas, porém mais profundas; seus quarteirões
eram mais longos e repletos de curvas.
Outro aspecto envolvente a respeito das casas eram suas cores: a grande
maioria das construções da comunidade era colorida, mas não com cores
qualquer: eram vibrantes, - amarelo, vermelho, azul - impossíveis de não serem
captadas pelo olhar. Havia, no entanto, ao lado destas casas tão coloridas outras
com vigas aparentes, manchas de cimento para tapar um buraco ou outro, - ,
casas que transmitiam a aparência de não acabadas, não finalizadas.
Sem saber se era o caminho certo optei por entrar em determinada rua.
Era cheia de curvas, profunda. Contava com uma certa assimetria: do lado direito
havia casas, comércios e alguns prédios. Do outro lado da rua passava o córrego.
A outra parte da assimetria estava nos barracos instalados à margem do outro
lado do córrego, logo atrás de uma barreira que cerca o rio. Eram barracos
isolados, aparentando terem sido feitos às pressas e no improviso.
Ainda sobre as ruas, suas casas, tão próximas umas das outras, captam o
olhar do transeunte. São em sua maioria pequenas, mas a união destas envolve
o olhar e o convida a se perder em meio a suas misturas de cores e estilos.
Heliópolis é composta por muitas nuances, muitas das quais não são vistas
por quem é de fora. Este trabalho procurou mostrar um olhar que se expande
através do espaço da comunidade e descobre riquezas tão valiosas que a maioria
dos habitantes de São Paulo nem imaginam que existam ali dentro. Há tantas
forças que habitam esta comunidade, com relações humanas construídas de
forma tão calorosas e genuínas que ela pode e deve ensinar para o resto da
cidade de São Paulo modos de convivência que proporcionam encontros,
articulação de forças intrapsíquicas, trocas e cooperação que faltam em outros
bairros da cidade.
Elaine Albuquerque é arquiteta e urbanista, mestre pela FAUUSP e doutoranda pela mesma
instituição.
Paula Vicente é arquiteta e urbanista formada pela FAUUSP e mestranda pela mesma instituição;
Tatiana Reis é arquiteta e urbanista formada pela UFRN e doutoranda pela FAU USP.
Resumo
Este trabalho apresenta o ensaio metodológico desenvolvido por ocasião do XVII
ENANPUR - Encontro Nacional da Associação Nacional de Planejamento
Urbano, em maio de 2017, na Vila de Paranapiacaba, São Paulo. A experiência,
denominada Cartografia dos Afetos e Insurgentes em Paranapiacaba, ocorreu
sob a coordenação do LABPARC – Laboratório Paisagem Arte e Cultura, da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP - FAUUSP. A estrutura proposta
partiu da concepção de paisagem como percepção sensível e expressão de um
mundo que se percebe fenomênico. Por isso, foram organizados momentos de
fruição e registros paisagísticos construídos coletivamente, a fim de potencializar
a vivência dos afetos no lugar. Objetivou-se assim promover encontros entre as
paisagens percebidas pelos que visitavam a Vila e aquela que se descortina nas
memórias e no viver cotidiano dos moradores do lugar.
Em sua palestra “Cidade & Alma” (1978), no Center for Civic Leadership
da Universidade de Dallas, James Hillman argumenta que a cidade está na alma
das pessoas que a habitam e que, portanto, é fundamental reafirmar esta ligação
entre alma e cidade.
1
Esta porção da Vila recebe tratamento distinto, por ser propriedade pública municipal, estar no
perímetro de tombamento do IPHAN e, por isso, receber obras de restauração com recursos públicos
Ib. As atividades
federais. A população não contemplada tem dado mostras de insatisfação, embora não pareça
mobilizada para reivindicar seu protagonismo.
2
Especialmente essa atividade foi coordenada por: Carol Stoppa, Fernanda Damigo e Raquel Santiago.
Referências bibliográficas
HILLMAN, James. Cidade & Alma. In: Cidade & Alma. Coord. e Trad. Gustavo
Barcellos e Lúcia Rosenberg – São Paulo: Studio Nobel, 1993; pp. 37-42.
Arquiteta, urbanista e paisagista formada pela FAU-USP, mestre em 2017 pela mesma instituição,
na área de Paisagem e Ambiente, com a dissertação "Águas errantes - o rio Tamanduateí, a
cidade e a arte".
Resumo
O caminhar como proposto por James Hillman, capaz de resgatar a alma das
cidades e reaver condições de convivências mais saudáveis e aprazíveis para a vida
urbana é colocado lado a lado com as experiências artísticas contemporâneas
sobre o rio Tamanduateí. A partir desse paralelo, são investigados diversos
aspectos apresentados por Hillman em seu livro "Cidade & Alma", que encontram
ressonância nas intervenções dos artistas que tomam como ponto de partida o
espaço público, a errância e a vivência dos lugares e histórias da cidade.
Introdução
O caminhar nas cidades contemporâneas tem sido cada vez mais relegado,
principalmente a partir da implantação de políticas rodoviaristas no começo do
século XX. A supremacia do automóvel em relação ao deslocamento a pé ou
mesmo ao transporte público traz diversas consequências para o viver nas
cidades, indo mais além, para a alma da cidade como apresentada por James
Hillman. Essas transformações podem ser observadas por muitos pontos de vista,
desde a saúde pública, a violência urbana, a degradação dos espaços públicos,
como a própria relação entre os cidadãos. O retorno ao caminhar na cidade
apresenta-se como uma possibilidade para Hillman de desenvolver uma psique
urbana saudável, reconhecendo que a cidade "onde o corpo vive e se move, e
onde a teia das relações é tecida, também é psique", assim como também mostra-
se, para diversos artistas contemporâneos, como um instrumento fundamental
para representar e intervir na cidade de hoje. A partir do texto de James Hillman
"Cidade & Alma" e do caso do rio Tamanduateí em São Paulo pretende-se criar
1
Eleonora Fabião cita o Teatro da Vertigem em “O Que Fazemos na Sala de Ensaio”. In: Trilogia Bíblica
(São Paulo: Publifolha, 2002, p. 48; grifo de Eleonora)
2
https://www.google.com.br/?gws_rd=cr&ei=JteIWP6XLoeZwgSX8L9o#q=andarilho consultado em
25/01/2017
James Hillman reitera muitas vezes a culpa por essa perda de alma das
cidades por conta dos arquitetos e urbanistas. No entanto, caberia aqui algumas
ressalvas, que apontam tanto para mudanças mais recentes no paradigma de
construção das cidades, quanto para as reais causas da implantação de políticas
urbanas rodoviaristas e segregadoras. Ao longo da história nunca deixou de
existir arquitetos e urbanistas preocupados com a relação dos pedestres, da rua,
do caminhar e das águas. O que houve infelizmente foram projetos políticos e
Não é à toa, que diversos artistas e coletivos já citados aqui trabalham com
a ideia de cataclisma, de apocalipse. Talvez os casos mais marcantes sejam o dos
cortejos fúnebres das performances "Enterro do Volume Morto" e "Rio
Vermelho", assim como das xilogravuras de Paulo Penna e desenhos de Danilo
Zamboni. Enquanto as duas performances partem da ideia de que o rio está já
morto, Penna e Zamboni imaginam um dilúvio, como uma vingança do
Tamanduateí com a cidade que o aprisionou e maltratou. Porém, evidenciar a
morte é também relembrar a vida e é possível reconhecer em todas essas obras
uma afronta ao conformismo, às políticas públicas segregantes e poluidoras. O
transbordamento das águas é também uma limpeza, uma abertura para que
novas relações se estabeleçam na cidade.
Referências bibliográficas
Gabriel Pedrosa
Resumo
partindo de um diálogo entre dom quixote e sancho, no primeiro volume da obra
de cervantes, em que o cavaleiro refuta a proposta de seu escudeiro de sair em
busca de cortes onde possam mostrar seu valor e obter fama e benefícios
materiais (proposição que o quixote reconhece como pertinente), o presente
artigo busca caracterizar o modo errante de vida dos personagens, seu tempo e
seus lugares, vendo, nesta errância irredutível a funções, a potência de sua
escritura de invenção. a seguir, pretende-se caracterizar o ambiente da cidade, em
sua face dominante em nossa cultura, como o lugar da produção, organização e
fixação dos significados sociais, que sobredeterminam a escritura e impedem a
errática produção de sentidos que constitui a vida do quixote, justificando sua
recusa inicial.
1
CERVANTES, miguel de. don quijote de la mancha, 2ª parte, capítulo 28, p768. as citações de don
quijote, adiante, serão identificadas apenas pela sigla dq, seguida da parte, do capítulo e da página da
citação na edição consultada.
tudo narrado com o enfado desta fatalidade mecânica. aqueles livros, que
lhe consumiam dias e mais dias, com suas noites insones inclusas, em prazerosa
e mesmo obcecante leitura, enredando-o em seus caudalosos volumes cheios de
minúcias descritivas, volteios verbais e inextrincáveis razoamentos, vistos por seu
fim, não davam senão as anódinas duas páginas e meia em que são resumidos.4
os exércitos, que, ante as manadas de ovelhas, mergulhados em fantasia,
merecem belíssimas caracterizações, preparando o campo para uma não menos
apaixonante batalha, neste diálogo, reduzidos a mero instrumento de chegar-se
a coroas e ilhas que governar, não passam de uma vaga alusão, num trecho de
pouco mais de uma linha, em que a linguagem do quixote, em outros momentos
2
dq1, c21, p193.
3
“it seemed to me that while i had been addressing him, he carefully revolved every statement that i
made; fully comprehended the meaning; could not gainsay the irresistible conclusion; but, at the same
time, some paramount consideration prevailed with him to reply as he did.” o que perturba
profundamente o patrão de bartleby, “a man who, from his youth upwards, has been filled with a
profound conviction that the easiest way of life is the best.” MELVILLE, herman. bartleby, pp11,3.
4
e não se impute a possibilidade de tal resumo a quaisquer características dos livros resumidos. com o
fim de facilitar incursões pontuais, francisco rico acrescenta, ao fim da edição de dom quixote aqui
referida, uma sinopsis del argumento, que sintetiza as 1106 páginas da obra em cinco, com descrições
como: “arremete contra unos molinos de viento que toma por gigantes,” em que está todo o famoso
episódio (pp1317-1321).
eis a que se reduz uma escritura – texto ou vida – que se identifica por
completo a uma função qualquer que possa assumir, eis porque é preciso,
segundo o quixote, razão que indica a sancho para que não precipitem o fim de
suas errâncias, deixar-se no descampado. “es menester andar por el mundo,”
seguir em busca de aventuras e façanhas. é preciso, primeiro, granjear fama, o
que não é senão acumular sempre novas ocasiões para que sua escritura se crie,
com toda sua potência e brilho, pois é só aí que ela pode se dar, e é isso que o
move, o que não se pode reduzir a uma ninharia como “muérese el padre, hereda
la infanta, queda rey el caballero, en dos palabras.”5 a escritura é o que não cabe
em duas palavras.
5
dq1, c21, pp195,193,196.
6
SCHOPENHAUER, arthur. o mundo como vontade e como representação, p412.
7
DERRIDA, jacques. a escritura e a diferença, p25.
sem fim nem começo, apenas meio, como queriam deleuze e guattari,9 o
devir é a terceira margem, desde heráclito, o rio. o rio, “pondo perpétuo.” Na
infinitude do gerúndio, que nunca termina, nunca está posto, e que se opõe às
margens, seus postos de observação, em que a vida é “só o demoramento.”
confundir-se com a carne do tempo, deixar que o ir-se do rio corra no corpo,
riscando o sem fim da viagem, alheio às pontes e balsas que se fazem para chegar
do outro lado e lá encontrar mais do mesmo. “nosso pai não voltou. Ele não tinha
ido a nenhuma parte. só executava a invenção de se permanecer naqueles
espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar,
nunca mais.”10
8
desenvolvo a noção do desfuncional, como algo que não se pode reduzir à cisão entre funcional e
disfuncional, em minha dissertação, desfuncional, e em minha tese, quixote, andante poesia, de que
este artigo, que é parte de minha pesquisa de pós-doutoramento no PEPGCOS/PUC-SP, decorre.
9
DELEUZE, gilles; e GUATTARI, félix. mil platôs, vol4, p91.
10
ROSA, joão guimarães. “a terceira margem do rio”, pp35,33.
11
HERÁCLITO. a arte e o pensamento de heráclito, p79.
12
heráclito lido por nietzsche, em: a filosofia na era trágica dos gregos, p56.
13
BLAKE, william. o matrimônio do céu e do inferno, p26.
14
NIETZSCHE, friedrich. crepúsculo dos ídolos, p35.
15
DELEUZE, gilles; e GUATTARI, félix. op.cit, vol5, p50.
16
SCHOPENHAUER, arthur. fragmentos sobre a história da filosofia, pp30/31.
17
PESSOA, fernando. “no dia brancamente nublado...”, p129.
18
CASTRO, américo. “cervantes y los casticismos españoles”, vol.2, p77.
19
dq1, c2, p35, c21, p192, e dq2, c29, p778.
o quixote sabe que pode palmilhar o descampado toda a tarde, até saber,
em suas vísceras, sem o auxílio de palavras, a dispersão dos grãos de sua areia.
pode mesmo levar toda a vida nisso, sem que dulcinea nunca apareça. ainda que
olhe dentro de cada carruagem, que siga cada vulto em que a tenha vislumbrado,
seu pulso acelerado, jamais encontrará sua fingida amada. Ítaca naufragou, o
manto azul de penélope se fechou sobre a carcaça de moby dick. mas o mar é
grande, e há que singrá-lo. estranho e decisivo momento em que nada esperar
se mostra a única esperança. esperar o sabido é apenas contar com que algo já
dado se dê (ou não se dê, pouco muda), é repartir o acaso, buscar dominá-lo,
domesticar o futuro, anular o que está por vir, até esvaziar toda a esperança;
inferno funcional da vida bem encaminhada.
20
UNAMUNO, miguel de. vida de don quijote y sancho, p52.
21
MACHADO, antonio. “proverbios y cantares”, p114.
22
CARROLL, lewis. “alice’s adventures in wonderland,” p56.
23
DERRIDA, jacques. gramatologia, p133.
24
“ao regressar da viagem, escreveu a introdução de poisson soluble (...) a viagem, empreendida sem
escopo e sem meta, tinha-se transformado na experimentação de uma forma de escrita automática no
espaço real, uma errância literário-campestre impressa diretamente no mapa de um território mental.”
CARERI, francesco. walkscapes, p78.
25
BAUDELAIRE, charles. “le voyage”, p442.
já não há casa a que voltar nem uma nova por encontrar, apenas o anseio
por uma errância absoluta, um reconhecimento, como o de rimbaud, de estar
condenado a errar,28 a estranhar-se, em casa, a desaclimatar-se. “je suis trop
habitué à la vie errante et gratuite; enfin, je n’ai pas de position. je dois donc
passer le reste de mes jours errant dans les fatigues et les privations, avec l’unique
perspective de mourir à la peine.”29 não caber em casa, não se reconhecer na vida
que se tem, não pertencer à vila em que se mora. o vilarejo do quixote nunca é
nomeado na obra, pois que o cavaleiro não é de lá, é da mancha, de toda a região
por onde perambula, seu meio, sua vastidão.
26
dq2, c16, p662.
27
THOREAU, henry david. caminhando, p49.
28
“mais, à present, je suis condamné à errer, attaché à une entreprise lointaine, et tous les jours je
perds le goût pour le climat et les manières de vivre et même la langue de l’europe.” RIMBAUD, arthur.
lettres du harar, p33.
29
idem, p61.
30
THOREAU, henry david. op.cit, p64.
31
FOUCAULT, michel. história da loucura, p9.
32
32 RIMBAUD, arthur. op.cit, p18.
33
DELEUZE, gilles; e GUATTARI, félix. op.cit, vol5, pp195,214,188.
34
“vai o animal no campo; ele é o campo como o capim, que é o campo se dando para que haja sempre
boi e campo; que campo e boi é o boi andar no campo e comer do sempre novo chão. vai o boi, árvore
que muge, retalho da paisagem em caminho. deita-se o boi, e rumina, e olha a erva a crescer em redor
de seu corpo, para o seu corpo, que cresce para a erva. levanta-se o boi, é o campo que se ergue em
suas patas para andar sobre o seu dorso. e cada fato é já a fabricação de flores que se erguerão do pó
dos ossos que a chuva lavará, quando for tempo.” GULLAR, ferreira. “um programa de homicídio”, p25.
35
CASTRO, américo. “hacia cervantes”, vol.1, p364.
36
dq1, c22.
Referências bibliográficas
CERVANTES, miguel de. don quijote de la mancha (ed francisco rico). madrid,
punto de lectura, 2011.
DELEUZE, gilles; e GUATTARI, félix. mil platôs, 5vols. são paulo, editora 34,
2007.
37
BONVICINO, régis. “não há saídas”, p18.
NIETZSCHE, friedrich. a filosofia na era trágica dos gregos . são paulo, hedra,
2008.
_______. quixote, andante poesia. tese de doutorado, são paulo, fau usp, 2015.
PESSOA, fernando. alberto caeiro: poesia. são paulo, cia das letras, 2001.
ROSA, joão guimarães. primeiras estórias. rio de janeiro, nova fronteira, 1985.
UNAMUNO, miguel de. vida de don quijote y sancho. madri, alianza editorial,
2005.
Rinaldo Miorim
Resumo
Este artigo busca circunscrever alguns aspectos da experiência e do mal-estar
psíquico na cidade vistos através da literatura contemporânea ambientada na
cidade de São Paulo. Nos fundamentamos na psicologia arquetípica de James
Hillman, particularmente sobre a relação entre psique e cidade, além de
apresentarmos uma breve introdução ao arquétipo do puer-et-senex.
Observamos a partir da narrativa urbana uma relação entre um sentimento de
nostalgia e desamparo que se relaciona ao modo como diferentes temporalidades
são vividas na experiência psíquica, conduzindo a outras perspectivas sobre o
habitar a cidade. Se a cidade é o vale da alma, acompanhar o cruzamento entre
as imagens do tempo e do eterno é explorar antigos cenários e diferentes
caminhos que se abrem para novas paisagens.
Introdução
Em uma revisão sobre o tema, Bernardi (2008), traça uma distinção entre
o puer aeternus, proposto por von Franz, e o puer-et-senex, conforme defendido
por Hillman, que aponta que a psicologia do puer não estaria necessariamente
ligada a figura da mãe mítica ou seu correspondente complexo afetivo, mas sim,
apontaria para uma fenomenologia do espírito e da figura do pai, ao mundo das
ideias e da renovação dos valores. Na coletânea de textos sobre o tema que se
encontram em O livro do puer, veremos que Hillman (2008) descreve o puer em
sua relação com o senex, quer dizer, dos aspectos do jovem eterno em sua relação
com o pai tempo, na realidade, uma questão que vai mais além de uma descrição
da psicologia pessoal da juventude e da velhice, ou da relação entre diferentes
gerações, e que trata principalmente de uma relação que diz respeito a
importantes elementos de nossa história e que apresentam problemas ainda não
resolvidos em nossa cultura ocidental. Sem reduzir o problema a uma tentativa
definitiva de descrição, a relação entre transitoriedade e eternidade, por um lado,
e a questão do tempo e da finitude das coisas se apresentam não como opostos
em conflito, mas sim como diferentes perspectivas de temporalidade que se se
inter-relacionam de forma complexa e sujeita a focos de tensão ou mesmo
correndo o risco de operar uma dissociação, onde, aí sim, o novo e o antigo, o
moderno e o tradicional entrariam em choque. Em seu trabalho de circunscrever
o tema, Bernardi (2008) propõe situar a relação entre o puer e o senex a partir
de algumas de suas características psicológicas, observando no puer as
características do entusiasmo e da irresponsabilidade e no senex os traços da
sabedoria e da rigidez. Se analisarmos com atenção, veremos que tais aspectos
Referências bibliográficas
ANDRADE, L.H. et al. Mental disorders in megacities: findings from the São Paulo
megacity mental health survey, Brazil. Plos One 7(2), 2012. Disponível em:
<https://doi.org/10.1371/journal.pone.0031879 em 27/06/17>. Acesso em: 27
jun. 2017.
BESSE, J.-M. Ver a terra: seis ensaios sobre a paisagem e a geografia. São Paulo:
Perspectiva, 2006.
CARERI, F. Walkscapes: o caminhar como prática estética. São Paulo: GG, 2016.
Resumo
Este estudo trata-se de uma humilde tentativa de compreender o suicídio, visto
hoje como grave problema de saúde pública mundial, através do olhar da
Psicologia Arquetípica, de James Hillman. No decorrer do artigo, são trazidos
dados epidemiológicos que ilustram a situação alarmante, além de relacioná-los
com estudos e reflexões arquetípicas acerca dos sofrimentos coletivos. Por fim,
discute-se a necessidade de (re)conexão com nossa capacidade imaginativa como
possível solução para esse adoecimento coletivo.
Como previsão, a OMS (2002 citado por LOVISI et al., 2009) estima que
até 2020 mais de 1,5 milhões de pessoas vão cometer suicídio no mundo.
No Brasil, Lovisi et al. (2009), apontaram que entre 1980 e 2006, foi
registrado um total de 158.952 casos de suicídio, excluindo-se os casos nos quais
os indivíduos tinham menos de 10 anos.
Neste artigo, o olhar estará voltado para o sentido das coletividades, sem,
é claro, desconsiderar as singularidades de cada alma. Sendo assim, apesar de
cada alma ser única, apesar de cada sofrimento ser único, vivemos em uma
sociedade que possui sofrimentos compartilhados e que devem ser
cuidadosamente analisados quando pensamos sobre o tema do suicídio.
Flusser (2002 citado por CONTRERA, 2015) contribui com sua ideia em
relação à imagem simbólica. Para o autor, ela cedeu lugar para o mundo tecno-
burocrático do capitalismo, para a imagem técnica, num movimento em que a
complexidade cognitiva é transferida do pensamento e da consciência humanos
para os programas dos aparelhos cujo funcionamento nos escapa.
Filho (2009 citado por CONTRERA, 2015) aponta que, a partir de uma
leitura junguiana, o dinheiro relaciona-se à sombra, e historicamente houve uma
dissociação entre dinheiro e sagrado, sendo esta a raiz do mal estar capitalista
contemporâneo. Houve, então, uma perda de valor, cujo maior alvo foi o planeta
Terra e a dimensão biológica do mundo.
Essa é uma discussão recente e um tanto quanto cru, mas o único caminho
a ser apontado como princípio de uma solução para essa crise é a imaginação.
Através da imaginação resgatamos o potencial de nos reconduzir ao simbólico –
que é essencial para a reconstrução de um sentido possível à vida – e também
para a tarefa de resiliência a qual o atual cenário mundial de convulsões sociais
e ambientais nos convoca. (CONTRERA, 2015).
Referências bibliográficas