Casamento Perfeito

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CASAMENTOS
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PERFEITO
KEMQVESECONTEMADVER-
Ç^ tencias muito importantes pêra vioerem os ca-
OAT fados em quietaçáo3& contentamento;& mui-)
^ tas hyftorias, & acontecimentos particulares ^
Çg~, dos tempos antigos,& modernos: diuerfos cu- F^f
J^3 ftumes, Ieys, &ceremonias que teueráo algúas gf
haçoés do mundo : com varias fentenças}& U *^i*

documentos de AutoresGregos;& Lati-


^ nós^declarados em Portuguesjtudo
cm ordem ao meimo
intento.

Tor Diogo de 'Paytta d*Agrada

EM LISBOA..

Com todas as licenças necejjai\

Por lorge Rodrigusz.


, u.

, 1

V\..
J

T dclulhodc^o.
V

EMcomprimentodo mãdadodosScnhorcsdo Confclho


de fua Mageftade, & deputados da Santa Inquifíção, vi
cfte Liuro cujo titulo,. & argumento hc Calamcnto per-
feito, ôcmcparecco imporranrifsirno, pcra.osque ouueremde
tomar eítado conjugal; porque com muy íam deftuna^muy-,,
tos documentos lhe moítra as partes, 6c condições que te haro
de bulcar no hòttictír, &: molher com quem fc haja de celebrar
©Matrimonio, pera que viuam conformealey de Deos , & as
obrigações doeílado. Tãbem importa muy toperà os jacaza-
dosGooIeruarem.no ferurçò de'noflb Senhor; paz & quietação,' '
& conferuarem em honrra & credito. Não fò he proueitolb pê-
ra os que ouuercm de cazar, & fam jacazados: mas peia todos
de qtvalqucreltado queíejão: porque tem muytos documentos^
& muy boa dodrinade que todos podem lanhar mão pcraòr* '
deparem fua vida. Pelo que, & por. tratar -toda a domina coo*
notauclprimor, &c muita erudição o* Autor, tudo o que trata,
fou de parecer que fc lhe dcue dar licença q pede. Em São Fran,
cifeo da cidade em 6. de Inlho úz:6i9.

freySebaftiao dos Santos?

Vlefie tiuro, intitulado Cafamento perfeita, campada pof


Diogo de Payuad'Andrada,-nÃo tem confia algua contr/t
nofía [anta Fé & bons cosi umes, Antes he obra muyto para
eftimar, & muyto importante fera a quietação, & bom gouerno de
todos esq»eprefefiao<jrfe fogeitâoao efiado conjugal do janão Ma-
tnmonioque Deosinilitujo, & ordenou. Porque «quife contem
muy fmgularesaduer te netas, particulares facceflos, exemplos mky
verdadeiros, verdades muy ciai-AS, doilrinamuy foltda, de que to.
dos os bem confiados, fc podem aprotteitar pêra vtuerem com defea»
co & contentamento porque tudo ê Antor tr&t* muy dotlamente,
& cm txçek_nj_e_ efitjçpcfio que me parece que fie lhe pode dar iteek
çtparé
ca- Tr* l imprinh IMU* em o McIÍ<yro de No/a Scrhu dotef. \
iZJ^rlL de S. Bernardo aos ,. dias do mes de Agofio de
l6 29*Annoh • Q Dòuáor frey Melchior dábrcu.

t riftasasinformações pqdeífe imprimir efteLiuro


V • intitulado Cafameto perfeito,& depois de irnpreíío •
tome conferido cófeu original pêra fe dar licença pêra ;
correr, & Cem cila não correra. Lisboa aos 5. de Ouclu- j
brodeiéi?. Anhos..-
; CÀAY fereyra, . Vm 1°*° ** Stlua' . J
• .• Frey ^António aefeufa. : j

Dou licença Perafè imprimir efe liuro, LisUa^Àe Kouern- ■


Iro ae 61% „ .r r I
Caftar do Regod ^tfopjequa.
• • • •

QV Efe poííí imprimirefte Liuro viftas as licenças


.do Santo Ofício, & Ordinário, que oferece, &
i depois de impreíTo torne pêra fecaixar, & lem íltonao
'corrcraazz.deNouembro.dc 6z?< »

^iraM<>V
'Barreto.

rjSTÂ o imprefo conforme com eftc original em


Ji tudo. Em Lisboa em z6. de Iulho de 630.
O Doutor Fr. Melchior â'^4hreít.


■•:

AOLEITOR
||EMVY cuílumado nos q imprime líurqs
JÉ || dcfcolpar (eu atreuimento có rogos, & amoeí-
SMJ' tacões de feus amigos: eu também dou a mel-
t ma ácfculpa, não íó em imprim ir, lenao cm
compor cfte que de nouo apparece no mundo. Delejou
hum amigo meu,a quem deuo muyto,ver recopilados
em hum traçado algús documentos conjugaes, por ler
matéria tão imporrante pêra os cafados,quam pouco ve-
jtilada dos eferitores, ao menos dos que efcreueráo vul-
garmente. Epofto que lhe não faltaua baftante cabedal
pêra outros aíTumptos mais leuantados, quis que correllc
efte por minha conta,ou foíTe pella fazer mais do que he
jufto, do meu engenho,ou por querer ~°feruar o (eu pêra
oceupações &emprefas milhores. Puslhe diante os cur-
tos limites de minha fraca, &tam mal lograda fufficien-
cia, & asr poucas forças com que fiquei defle meu Poema
Latino que tirey a luz o anno paliado , & as calumnias,
ou ainda caftigos que ficaria merecendo/e com fer cafa>
do tam imperfeito, me viííem eníinar perfeição aos ou-
tros. Rogou, inftou> obedeci, porque a obrigação tem
grande império nos corações agardecidos: & afsinão
reparey em perder credito a troco de lhe dar gofto, ôC
poupartrabalhojpoupoumoellemuytoamimem viuec
íempre com fua molhei tam conccrtada,& pesfeitaméte,'
*. que
ãOLEITOR:
:

í Sue nao fiz aqui mais que ir retraçando ao natural fuás


acções, & procedimentos. Os exemplos,& autoridades,
deráo os Liuros Latinos, & Gregos, que cu reuolui neftes
poucos mefes com muyto coydado, & diligencia, por
Ver fe com foccorros de erudição alhca, podia íuprir os
defeitos da própria, Se por elles, & por quão mal fejr
guardar eftas leys que proponho, merecer a obra fer cõ-
denada, apeilarcy pêra o bom intcnto,que fe bem a caufa
dclle foy de refpeico particular, os eríeitos fao de intcrejc
commum. *


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DASCOVSASMAIS
DINAS DE MEMORIA
+* »• *- ••

tnd, de Tlutdrco pêra as ca


pudenda. pag. $$. fddds. pdg. zij.
^Adelas o prejuízo ã ^iduertenád do ^/Ltitor perA
fazem. pag. 2.17. os pays que cdfdÕ filbds.
'^Adelafa &feu ^Amor. pag. fdg.J%
1. *?*• \yiduertje T<ldU?ndchwfofoe
YAamctto çír feu pouco amor, d conuerfafdo das cdjkdds
■ pag. 18. pag. 111.
^duertencia do ^Autor pêra '^Aduert. de "Ricottrdto fobr.é
nsfcrmofas. pag. 108. <>mtfmo% íVid.
ZAduertencia do ^Autor pêra ^duert. de S. 9aulo perd os
os que nao tem filhos-, & cdfados, & )>wuos. p. [14J
tem fazenda, pag. 94. ^AWotno Key dos Longobdr-
lAduertencia de Naumachio dâsy & ofeufucceffo. p. G+
pêra oflencio das cajados. ^lexdndre Jtidgno deferd&
^.104.- • feu filho dntes de ndcer> &k
'ÍAduertencias defanto ^Am- d rezjto porque, pdg. 10.
■ erofo,& Séneca, fobretsílexdndre
o Seuerooquefe^
mefmo. par. m. • de huds joyds de fud rno*
^Aduertecia de Euripidesfo- lher.pdg. 190.
bre as conuerfacões qâe- Zdhdttes Rey dosLydosoq
ue ter as cafadas. pag. 116. lhe fuecedeo. pdg. u8. 4
ytwtrttncU im^ortamtfsU \ArnefirisKRdynhdgrfens cifí
*x meu
IND EX.
mes. pagin. 44. Fazja os rido. pag. 14.
Vefiidos de [eu marido, ^Ariofto reprouado. pag. 167.
paf. 180. <J,ft afiafeita 7iaynha3porfie
\Amigos dousy& amiga mia, nao punha no rofio. p.\9$.
IProuerbio Grego 3 forque \Asfaragon\a erua porquefe
fediffe. pag. 101. \faua nos cafamentos. pag
ZAmor,&'feus atributos. p>li. to 6.
\yimor auandofalta yos danos lAtaulfifeito brando porfui
auecaufa. pag. 16. 17.18. molher. pag. ziz. I
Zdmor demaftado& feus en- \Auarezd> & prodigalidade
cargos. Pag. zi. zz. Z3. femelh antes nos ejfeitos.m
r
^Amor dosfilhos, pag. Z34. pag. 153. I
\/tmor perfeito, ha fedefun- Isíuareza degenera em o'tír
dar nasVirtudes da peffoa eldade. pagin. 154. Fd{
amada. pag.$i< 3Z. entregar o corpo ao demo-
ZAmor cojugal, forcjfe pintd- nio. wid.
ua cÕ os beis atados, p. zi. ^Augufio Cefar enfina afdf
empinarão entregue porfua afuafilhay & netas. 182,
molher. pag. 19. reprende fua filha por an-
\yínnia o cjue fa^porfeu ma- dar enfeitada. 190.
rido\ pag. 119. lzo, 3autifia Fulgofi reprouak
Isintigone o juefaz^ afeu pay em hua opinião, pag. 7.7,
pag. Z37. 'Beatricina morta por mao âi
ZArgia molher de Tohmices. ■ feu marido^ o porj p.8
pag. 180. Cu arda filen- Sata IBrifida o cjfazja.f. 184,
cio. pag. 199. Cabeça fermofa não tem mio-
Zdrrta o ,quefaz^por fen rtkto lo}?rouerbio Cregojor^
êi
INDEX.
1
drjfe pag, io o. y£# marido & a rezjco que
Cayoy<& Gaya forque o diziao .-•[.feraijfo deo. pag. 18. 19.
as defyofadas.pacr. 138. Gafadas da Ilha de Lemnos
Gayo Gefar. pag. Gy matao afeus maridos por
Gafadas fejaojofridas. p.104. ciúmes. pagm 19.10. •
Sejaocaladas, pa.i$j.Ef 'Z)#óJ cafadasqfe defafaraoy
*> . *• ti ~** •-<

eufem enfeites demaíiados. " s&for>2o ao campopor:cm^


pag. 187. Enfeitadas na o mcs> & que lhe fuecedeo*
deuemfer vifas. pag. 1 j r
Çuardefe de tonuerfaçoès 'Gafada'que pèrfuadio o feti
demaftadas. pa\ ii$.Gua?
am/Ç de velhas que falido homem, pag. 27. ~zS* .\
co muita gente, p.tiy. nao Gafadas efmeradasemfantU
enmendern defeitos lutes a dade. pag-, 37..
feus maridos, p ag tioz.io$\ Gafadas fera o féis afeúsma^
Deuemfrequentar as Igre- ridos Je eíles lhofore. p. 13 j
jas. \67, Deuemdefe con- Gafadasporqferecebido a?itU
fiffar muitas )>ê%es> Ihid. gamente ajfentadas fobrt
Em q tempo nao hao exer- * pelles de animais.pag.177.
\ citar fuás deuafdes. /U74. Cafadas erao)nftadasdefe~
*Ndb efejao nunca ociofas. us parentes co prefentes de
a :
P i-m- [ ^ roca,& fufo.pag.1y7. Em
Gafada que deitou em hu po- . outra parte fe ajfentauao
ço o jantar dos hofj?.edes de nos recebimentos fobre os
feu mando. pag. ff. ' açafates das fuás cufurasj
_ Gafada que efeolheo antes a pag. Y]é.
IVida de feu. irmão ^ qade Cdjada ma tomw Agoa Pd
■'

IND EX.
hoca. pãg. no. rofio de demónio. ^^.139.
'Caiados nao feia o pródigos\ne Cafiameto qualhe milhor.pSi,
auarentos.p.147.Séjao ho- Cafiar mais que hua vezjbe co.
neflosj& recolhidos.p. 13I. tra a perfeição do cafia-
Cuardemfie de todo o jogo. mento. pag. 114.
K . pag. 140. Sejao deuotos>&
Catão nao quer por genro A
' yirtuofios.p.i 57. Deixemno 'Pompeo.pag.75. 76.
, y£r ^/ãw molheres.p. 164. Catullo explicado em hum lu-
JN£* encubrãofiuas Virtu- gar eficuro. pag. 86.
'} > des.p. 160.7s?^ */*#* <*#$r Ciampo morto por fiuas mãos
K * afiuasmolheres lafciuame por amor de fiua molher.
te.p:i^Deue cofiua boné* 'pag. .14.
ftidade procurar a de fuás Cimon fiufientado com o leite
molberes.-pag.\$j. • de fiua filha. pag. 236.
Cajados a rezãoporqfie dão as Çiriaco "fapa rnartyrizado co
- • mãos no recebimento.p.40,, - as onz^e mil virgens.p. 171.
'Cafados--perfeitos tem mais Ciúmes.p. 39. folio q por erro
/. • gofio dos filhos que os oti~ efia 36.Os efifeitos delles.p.
■ ; ir os. pag. 237. £38. .44. ate o fim do cap.
Caiado q endoudeceo por nao Claudia Cenouefiay & o fieft
poderVmgar hu aggrauo q fiuccefifio^pag 103.104.
• fezerão a [na molher. p. 28. Claudia virgem Veflal morta
Cofiados deuajfios&fieusen- por juffifaporfie enjeiur.
- cargos, pagm. pag.^%
:
Cafiados perfeitos nao pode ter Outra Claudia oquejdZ,
filhos q degenere, pag.zfí. com Minúcia, pag. 189.
Caiado a lhe naceo hufilho co Confiança de ^ínnibal com
IH DEX
fina rnolber. pdg. 41. filho, por hum modo eflra-
Confiança de Tompeyo com a nho.pag.t^y
fua.pag.^y Danos da falta de ^Amori
- Confiança do Toeta Stacio co pag. 16.
afiua. pagt 41. Decreto do fapaCregorio.X.
Confiança de ^Aufionio cofiua contra os enfeites, pa.191,'
molher^e a.delia co elle p.45. Deuteria matafua flha com.
Confiança quão necefíaria he ciúmes, pag. 49.
I entre 'os cafiados, pag. 39. Defauentura de hua molhe?
Confiança de mafiada y he pello jogo de feu marlda
I perjudicialpag. 63. pag. 146.
Confiado de^iamote &fiua Defconf ancas & feus encar~
* de/graça. pag. 66. gos} pag.39.40. ;
Contenda de hus Romanos Defgualdade dos c afamefi-
I" fiobre ahoncfildade defiuas tos muy per judicial, pa. y0
molheres. pag. 179. até o fim do cap.
Cornélia may dos Craccos o Dido Raynha falta pouco,
I modo de que fie enfiextaua ■pag, zoo.
pag, v)\. i?z. D i[cordias ciuts em RomdpW
Coroas de honefitdade a que cafamentos defguais,p. %
I fie dattao. pag. 1 zi. Defporpoçao de idades &fetts,
W Corbui a hua das onze mil - encargos, pag. 84. •••'<-
I ' Virges, c modo de q mor- Domingos -Catalufto trinei*
I • rco.pag. 173. pede Lesbos o ^dmorq
Crates 'Pkilofiofio quato ama- tinha afua molher, pa. 3 j»'
I ' uafiua molber. pag. 133. Eclipfe da Lua a Úfcatribt*
Creffio hure da morte porfieu \hja entre os antigos .p A\^°
* 4 #(*2
.
•— ^

rr

• IZleuierio efpofo de S. Vrfula meneo,pag. ia.


: martyrizado co ella,p.ij$ Felicidade das ca fadas emq
'Bmilia Romana j& feus ciú- cònfjle, pag. 74.
mes, pag. 45. • ■ Fermofura porque fe copara
! 'Emílio fe mata a f mefmo coma tirania pag. 103.
Por amor defua molher Fermofura demafada, &
feus perigos, fa. 97-98.99.
r pag. 14.
r
Enfeites demafados3 &feus Fermofura de que modo ha
■ encargos, pag. 187. defer amada, pag. 36.
í enfeites deuemfe de medir Flacúla Emperatriz.) <? pá
pellas idades 3 calidades, confianciã, pag. 30.
&■fazendas, pagin. 193. Flauia adultera por confian-
r
Erifile molher de ^Amphia- ças defeu marido, pa. 66.
rao o ane Ihefazj pa. 19. Ceráfna Raynha Mar>ynza
Falar> & enfeitar q conueme da com as onze mil Virges,
cia tem entre fi. pag. 197. pag. 169. abrandoifeit
1
Fartura d ema fiada he ootra marido3 pag. tia.
A honefildade. gag. 15a. Ciangiueta><& ofeufucceffo,
r
faufiafilha de Sylla dejpre- fdg.ioj. t
• TJ o marido por defgual, Couerno das molher es he mui
/.pag. 8. * importante3 p. 55.
■Faufina como procedeo com Heracliona defierrado, & co
i ' fw marido i/Lntonino fio os narizes cortados, p. 1 a8.
a Himeneoy pa.z. os yarios pais
1 if t í* ^ me lhe da a antiguidade
Fcasq perigos tem,pag. 109.
Fcldps animais porque fe ti- pag. 3. quemfoj na W~
• *• raut.dúsfacrifeios de Hi- Me, [dg. 4. '
^

INDEX.
'fíimcutej liurahua ca/a- Hifioria notauel de hm en-
da dd morte Por hua rezão fehada.pag. 191.
I de fhúojia. vag. 135». Homens armados ò porque
fíilioria de hum fumontes ejlauao antigamente nas^
I pêra faber & temer. p. 66. cafas de jogo .pag. 143.
Hifloria de hum hcmem que Honejltdade da Raynha Df-
cafou mal huaf/ha.p.-$. do. pag. 111.
\ Hiftwia notauel dos tmhuf HoneBidade das caiadasfe
tes de hua velha.pag.119. conferua com a defcus ma
I; que por erro diz^ 195*. ridos. pag. 135.
Htforia notauel de hua ca- Honejltdade conferuafe mal
fada da noua Hefpanha. co aociojidade. pag. \y6.
pag. iio. Honefidade de Viualdo Ce-
HiBoria efpantofa de outra nouesdmade muito lou-
cafada*pag. 2,24.. uor. pag. 108.
Hifloria notauel de hum ca- Iacome jSellino o q lhe acon*
\ fado illufre dejle Reyno teceo por defeofado .p. 60.
pag. 46. idades dos que c$fao. pa. 8j.
jHiJloria doutro perfonage Igualdade das nobrezas qua
Cajlelhano dma de ma- to importa entre elles. pa.
goa <(sr louuor. pag. jo. 5. c^ todo o cap.
Hijloria de hum embaixador Informações que fe deuem
^Português também dma tomar antes dos cafamen-
de fefaber. pag. 51. tos.pag. 6%
HiBoria notauel da aduer- Ioana HHaynha de Nápoles,
tencia de/ hua molher. porque defprez^a feu ma~
rido. pag. 82,.
ÍNDEX
logo que o inuetou.p. 145 J)o~ dos Cd fados. p^O.
defe chamou Ludus *e La Leyfapiafobre o próprio.p. 91
tim.p.l^Os efeitos^faz. Ley Mia contra os^cafa-
f. 14?. Os danos q caufa. 9*o defgualmente. p.li.
1
P.. 146. ^Ainda o moderado Ley dos Cr egos contra os que
he perigofo, pag. 141. cafauaojendo filhos.p. 130
lulio Cefar ca/umniado peUos Ley Òjtpia contra os enfeites.
feusfoldados, & o porque pag. i5>z.
pag. 161. Ley dos Laceaemomos,& Lo
lulio capitão de ^yittila mar- crefes cetra o mefmo p. 193
tyriza as onze milVirges. Ley de Numa TÕptUo febre o
pag. 176. íilencie das caiadas.p.\J9.
luno era guarda dos c afame- Leonora7Slaf)olitana,& ojeu
tos. p. t. Toucaua porfua fuc ceifo, p. 107.
mao as de (bofadas, ib% ^A- Liuia molher de ^/uguílo o
copanhaua-as ate fuaca* afez. a hua ocicfa.f. 182..
fa. Ibidem. Lyfandro o q rrfyonde a que
Ley de-Metello emfauordos lhe leuou enjeites grafitai
a tinhao filhos. /M37. filhas, pag. 190.
Ley de Lycurgo fobre as in- Lucrécia a rezao per que foi
formações dos cafamentos. tão hçnefla. f. 179.
pagin.yi. MalvaflW, &feus encargos.
Ley do mefmo contra os do^ P.\i$.Suaf crueldades. 12.4
tes.p.fy. 7<? ódio aos enteados for re
iSèy do mefmo contra os en- zão natural. 116 Lrao cu-
feites, p. 19$°. ■ fumadas a matar co pefo-
Ley de "Platão fobre as idades^ nhaaos enteados %it%feu n*
me
INDEX.
mefinifica noua Vrincefai2$. que >fag.\ii.
Madrafltade Creffo o que lhe Ju Molher como deue fer amada*
ttde come lie 7 pag. 118. pag. í)i:
Madnarte Re) de Dacia,pa. i<?q. Molher naofeja mais rica que
Marciana hmperatrtz,. mata a feu marido* pag- 8o.
feu enteado,pag. \i8. arran Molheres que encaminharão 4
caolhe altngoa. ibid* Jcus maridos.p*g.$f*<y6.
Marco Planeio o que faz por fua Molher de.Philo Grego, are&ao
molher, pag i\6. queda para andar com trajo
i.sígloriofaP'/rgem Maria nofia - honejlo. pag- 1 ç t.
Senhora os exercidos que ti- Molheres Romanas impede a ge-
• *ha} pag. iSç- ração dos filhos >&oporq p%6\
Mariamne molher de fierodes Nero em q tenipofoy bom Princi
I Acalonita. pag. 50 pe,pa. iói* mata fua molher
Mtyo que fe deue tonar entre co Pope a com htícouce, pag. \8.
. fioȍa>& defconfiaf2ca.pag.67 Occafioes ruyns fogen da pefioa
Milagre de noffa senhora do Re de bom exemplo > pag. 161.
I fairo^fobre os ciúmes de hm Odoaldo Rty dos Godos morre as
molher, pag. 43. mãos de hu feu criado, p. 44..
Molheres fao naturalmente in~ Òpimio Romano^ &feu fuce/fo,
l clinadas A vanglorta.pa. 1 /o, pag. 1 s^-
MolheresCantas de Portugal.$8. Ot o Valenciano perdido por jogo
Molheres de Hcfpanha> prece- o que faz, pag. 146.
dião antigamente a/eus ma- ' Pantea refpeitada de Cyro por
ridos. & o por que > pag. \ 6/. honfla^pag. > 68.
£ a obrigação que ttnhao. I<?í. Parecer do roflo qualfe ha de tf-
Molheres vir tuafas quaoetttma colher nas molheres caiadas.ps
das e*ao antigamente. p> 1^7. Partos monfiruofós.p. 240-241
precediao em muytos Reynos Paulina Romana perdeoa vida
afeus mtridos, pag. $6* porfalar muyto.paç. ztS.
Molher Rosana pa>e hum filho Philipo Maria, & o feu fucceffb
comrolío de Vrfo. pag. 240. pag. 66. Outro'Philippo Mauo,
Molheres Romanas oferecem a & ofeufucceffo pag. 86.
; i*w hm veftiduta^ & o por- topea morta de hum couce.p. 1 /
Pophllo
IND EX.
TopieHo Rey àe Polónia & o feu $ 6.porq d ttuerZôós antigo*
I fuccejfopag. 23. em veneração pag. i$S-
' Pcrcta molher de Bruto comofe Tar quinto drfua crueldade p u
I matou,?*g- U7- Tibério Gracco <jr [«* hifioria i;
Trincefa de Sidónia, mata fen 'Tirrhenoflho dclRcy dos Lydos
mando & o porque, pag- % 8. porq rezão veyo a Itália. 1^4.
Trotteitos da perfeição, do cafa Títulos de parentes , quefàÕas
mento. pag. %2Ç.. vezes perjudiciais >p&g- ó 6,
Qtãopoder ofahe. A imaginação The An o matrona Grega o q rejpé
pag. xjS. deahtía pergunta, pag. \j2,
Rezocs pêra, não ferem perfeitos Theniftocles porq efeolbe hum
sfegundos casamentos, pag. venro pobre & engeita hw
otif-
rico. pag. 7<f.
Romanos Unhão por afronta CA- TulUa ^rjua crueldade- pag, 21.
far com velhas, pag. i.7'.8$. Valleria Romana, & fua firme *
Sapho molher Grega, porq nas z,a>pag. 116.
tjtíis cafiar fegiída vezjjT- Velhas o prejuízo q as vezes fa*
Saturno & Cernis porqfao corsá- z,en>pag- 217. z\8. z*o.
riosnas influencias,pag. 93. Vénus porq he contraria de Sa-
Silencio dos Hefpanhôis antigos turno p. 93.porq[e pintava
pag. IOí. co os pês [obrehu cagado pag.
Simão gomes- pag. *07- l$S. porque afaziao compa-
• Sócrates o qfofria afua molher nheira de fuada. 1 o ç.
pag-xo6- o que lhe diffc ven- Villa foldado Godo mata o [cu
doa enfeitada, pag. íffo. R(yp*rcittmes,pa. 44 f I5£'
Stratonica Raynha, o que fazia Vitoria Colona.pag* IS-I^-
afeu marido p*g> Z7- Virtude follicitada crece muito*
Suada Deofa antiga dos Gentios. S. Vrfula. & a fua hiiíoria.iét*
pag- *oj. Viuuas q tom ao a cafar. pa. 1 ro.
Talaftoporq fe inuocauA nos ca- Xantippe molher de Sócrates co-
■ [amemos, pag. \J7- mo o trata, pag-106. enfei-
Tales Milefio a rezão q deit fera tafè. i^>
não cafar pag- 13 •■. Zoe Bmperatris.à' */»* defgra
Taquilfaz Rcj afett_ marido f *. ca, &caufa delia.pag- fi.
FIM,
AO CASAMENTO
PERFEITO DE DIOGO DE
Payua d'Andrada.

SONETO.

Me llt o

f^^fiplj Larifsimo Diogo, quem cuidara


féf/IÊfl Sem cfgotar em vão toda a Eloquência
$$0F/m De reduzir ao Império da prudência
dl&ró&^o mando que a furtuna lhe vfurpara.
ITu fô cuja doutrina fçmpre clara
Exemindo a razão de contingência,
Do que antes era cazo fcs fcicncia,
Documento geral,da íorte auara.
Ojc o mundo aquém honras de admirado
Os louuores confunde na alegria,
E mais fciice feculo prefume.
Pões vè que a perfeição de tal eftado
Se po r milagre hum tempo fuecedia
Agor a fe exercita por coftume.
D.E MANOEL DE
SOVSA COVTINHO,

- «vlH® S mcyos de louuarte me negafte,


Hl Buícados, mas cm vão do obedeccrtc,
mM QBC de chegar, Senhor, a conhecette
^ Admirações íomentc me deixaíle.
D.efte perfeito aíTonto que tomafte
Quis diuidos elogios efcreuerte,
Mas vejo que o Iouuor chega a offendertc,
Por não poder chegar ao que chegafte.
Mas inda aísim, izento dcagrauarcc,
Só deuia louuarte juítamente
Pois te julgo o mais digno de.louuartc.
No que do mundo illuftraFebo ardente
Que parte em teu louuor não terá parte?
Que {ciente fem ti, fera fcicnte£
DED-OMFADRt
QV.E. D A CAMÂRA.

Hgjjjâí S T A Emprcfa ó Diogo que tomafte


P Gloria do nome teu, alma da fama
^jM A fufpende admirada quando aclama
" Que o poder afortuna limítafte.
E fe nos documentos que eníínafte
A ordem reduzifte a incerta flama 7
Do cego Deos, que o coração inflama
As fetas venenofas fogeitafte.
As que leys forão antes da ventura
I Oje á rezão porti fubordinadas
Se contingentes forão, faõforçofas.
$cm duuida em doctrina tão fegura
I Te deuerão as fcas fer amadas
As fermofas por ti ferâo ditofas'.
r
DE FRANCISCO
* DE SA^DE MENESES.
«i

««* S Leysdo matrimonio que as idades


§f De cobre & ferro tinhio corrompidas
^3 Por vós ao fer primeyro reduzidas
II lá fe vem igualar defigualdades:
Vnidas a huafó duas vontades
A rezáo fanta, & puro Amor rendidas,
De precipícios mil liurais as vidas
Durará voíTo nome eternidades.
Mas que mais há que vós, Andrada Illuílre,
Que fe altos documentos tendes dado
L Erário de virtudes vos contemplo,^
Da noíTa idade fois gloriofo luftre,
Perfeitifsima Idca defte eftado,
Aprenda, & de vós tome o mundo exemplo,
CASAMENTO
T" "PE RFJBTTO;. - W í * •'• i íj .- \

CAPITVLO. I.
ciAs Excellençias doQafamento? &a oph
niaaqàe os-antigosjinhao de lie.y. '■-

V T O R IZ O V..Deo.s com fua afsif-


tencia o primeiro cafame.nto,qu'eouuc . ♦.

no. mtido,pa.ra mofl-rar as perfeição s, §£


exceliencias daquclle eftado: & a obrir
eaçáo que os caiados tem de viue.r conforme aos
preceitos de ta] padrinho, vnindpfe ambos em húa
sô vontade,& Fundandonel.Ia muitodiuerfas 6c
copiofas virtudes: com ellas (pois não ha retorno
de mayor .valia ).fe deuem moítrar agardecidòs a
hum Senhor q<tanto,os honrou com fua prefen-
ça, & tanto os.alenta.j &.fauorecçco.m fua proui-
dencia, & mifericordia: tk Içmbraríe, patamais
realçar .o conhecimento da félicidade.q pofluem,
que não ouuenunca nação tão barbara, nempar- i
te jdo mundo tão «remota, q dcixaííe.de conhecei; '
,• - A o muito
Qafamenio
> • i

o muito qucdeue fer eftimado o cftado do caf^


mento-.donde vcyo,q entre os Gentios do tempo
antigo hús o cnçrandeciáo com largos aplaufos
& louuores, outros o adorauao com particulares
votos, & facrificios} Ôc todos o celcbrauáo com*'
publicas feftas,& alegrias: & os Romanos princi-
palmente,q em guardar os documentos do bom
diícurfo precediáo a todos os de feu tempo^pafla-
rao tanto eftes limites no rcfpeito & veneração có
que o tratauão, que lhe derão por guarda & mi.
mitra a própria IunOj que todos elles adorauao
' por deofa & fenKòra do ceo, Ôc da terra: & fin-;
Vincen. gião q ella toucaua as defpofadas, & as feruia em
Cbarts. outros minifterios que pertécião a peííoas humil-
in imtg. £cs.ôc em eõpanhia de grande numero de deofes
~— as acompanhaua ate luas calas.
He oCafamento {como todos fabemos) hú
contrato de duas vontades: ligadas co m o amor a
Deos lhe comunica; juftificadas com a graça que
lhe deu Cbhftò; 'ôc autorizadas cÕ as ceremonias
que lhe ajútou a Igreja Catholica. Os Gregos lhe
chamarão HyjrieneOjderiuado da palaura}Hymé,
aqual por honeftos refpeitos não conuem ó- aqui>
fe declare. Eíle Hy meneo fingirão hús fer filho de
Gãl.Rht Apolloj ôc CalUopèTqúe entre os faifos deofes da-/
di.U.ss. quelle tempo prcíidião nas muficas ôc pocíías, qilc
up. tf. fe cu$uinaui'o frequentar nas follcnidades dos ca-
lamento

I perfeito. $
famentõs- Outros imaginarão que tora filho de
Vulcano,q era tido por deos do ferro & do fogo;
& pello mais disforme de todos os deofes, & de
Vénus deofa do Amor, que foi a mais fermofa de
todas as deofas; para moftrar q entre os cafados,
feja qual for o gefto & parecer de qualquer dellcs;
ha de auer hum amor tão arTcruorado como os
ardores do próprio fogo: & húa firmeza tão con-
fiante como a dureza do próprio ferro. Muitos
diflerão que elle nacera de Baccho, & Venus:por £<#«■«
q como cila prefidia.nos amores, & Baccho nos ^ '*_
conuitcs,& paílatcmposi querião dar a entender, „e^ "
que não fomente os bõs caiados íc deué ter mui-
to orande amor, fenáo eíte com tanto calor, &
contentamento, que não aja defgraça q o resfrie,
nem defauença q o perturbe. Outros affirmauão ,
que era filho da Mu^Vranje,que em Grego fini- ald '
fica, Ceo,para nos perfuadirqueos que tomarem Rhod.
aquelle citado, deucm encaminhar sô para o Ceo vbifufl
todasfuás obras, acções, & cuidados. Algús dos
Gregos tábem diziáo que fora filho de húa nim-.
pha da fua nação, a quem não dauão nome nem
origem,da qual tinhão por tradição que fe apren-
derão todas as virtudes, para finificar, que pois o
cafamento nacera da meftra dellas,tinhão precifa
obrigação todos os cafados de a imitar reforman-
do as vidas, & apurando as conckncias. Os que
7 A: moftrar
fafamento
moftrauâo tratar delle co.mais ã p pa re n cia _, d i íTc^
Jeo vbi r*°'9UC Hymeneo fora hum mancebo natural
nfp. de Athenas/que amou com grades exceflbs a húa
donzelia da mefrna cidade, por quem obrou me-
moraueis façanhas; & que vltimamétc liurandoa
pátria de hum trifte catiueiro em q a tinháo pofto
feus inimigos; lhe deráo em premio a poííe da.
quelle bem, que com tanta juftiça merecia,& có
tao largas anfias defejaua: & q depois de celebra-
das as vodas, quando cuftumáo a fazer termo as
affeições mais feruorofas,creceo elle táto no amor
. que lhe tinha & nos eftremos que pór cila fazia,
q admirados os Athenienfes o vicrão a fazer deos
-dos cafamentos, & a nomear o cafamento pcllo
próprio npme de Hymeneo.

CA PI TV L O IL
• ♦••** z

• *

0íí
P
fejaó os cajados de iguale alidade.

Eixada a obrigação dos preceicos diuinosj


que cada hum dos caiados tem de viuer
perfeitamente no feueftado/em embargo
de quaiíquer encargos s ou dcfgoftos: em rezáo
de reípeítos humanos faõ neccílarias muitas con-
dições, & circunftancias para-fe guardar efta per-
feição com íoflego da alma, fegurançadá honra,
"■•-■" ■ - •■ Sed
perfeito j
& defcãfo davida. A primeira bc a igualdade das
calidades, fem a qual ha grande perigo de vidas
inquietas, & defgoftofaí<,& às vezes de mortes in-
dinas & defe (Iradas: he opinião cfta mui ordiná-
ria entre os mais graucs eícritores, & com elles
Aufonio iníígne poeta refere aquella fentença tão
celebrada do antigo Sólon Athenienfe.
r'arpari itigtitor conittx: qttidquid impar difsidet^ quer tnfenil
a izer-.Sejão iguais os quefe caiarem,porque nun- /<?'•/*/•.
ca fe vio defígualdade fem inquieta ções,& defaué
ças. A mefmalembrãçanos faz Plutarco,enco-
mendando encarecidamente a todos os pays que
cafem feus filhos com peflbas de igual nobreza.
Jgtti enim multo fe prtftantiores ducunt vxores, non ma- 75- *r - 2
riti earum, fed feruifuâ imptidentiâfiunt, Quer dizer: cep. cojit.
Porque aquelles que caíàõ com quem os excede
muito na calidade, não fícâo maridos, fenão ca-
tiuos. * Ao menos o certo he q quando fe acha
entre cafados femelhãte defígualdade, & a virtude
ou prudécia não refreão os Ímpetos da natureza;
a liurar bem d'outros encargos; não pòdê entre íi
efeapar de defprezar,ou fer defprezados, ou andar
nelles em perpetuas guerras & repugnancias a
honra com a confeiencia, & a rezão com o fofa-
mente Françifco Petrarca comprende tudo ifto
mui abbreuiada & agudamente tratando dos que
fe cafaô contra efta regra. Cum conittgc nuptias, cum
I A j v $&ce
<
,6 Pajamento
t>e rem.pAceâkortitm. Não vejo palauras lia noflalinguà'
vtri. gCm Poitugoefa que declarem cilas com a cffica.
Jr ' cia, & galantaria que cilas tem na latinidade: mas
ptat-3. " \- ' r - a • r J-
querem dizer: que íao entre cites tais calados
ram certas as guerras, que logo fe difquitaõ da paz<
em celebrando o cafamento: * Sc bem fe alcatifa
per experiécia que ha mifter muito de efpirito dj
-.. ^ • nino j ou de prudência natural qualquer caiado ^
fendo de geração ilíuílre ha de fofrer a condiçâV
defordenada de húa molherde fangue humilde,
& quando ellas excedem aos maridos na calidadej
ainda he mayor efte perigo^aísi porque he menos
vfada efta diÍTerença,como porque as molhares cu.
flumâo fer mais prontas na ira, & mais arrojadas
na vingança: & como entre conuerfaçaõ tam in-
terior & continuada^náo pode fer a vida tam con
formes que não dcfdigaõ de quando em quando)
vontadesjgoftos} ou pareceres; conuem que cíie-
ja a balança da nobreza em taõ igual ponto > que
não poíía pender pêra algúa àâs partes-, porque fe
pende pêra a da molherjogo lhe acede a deícon-
• jfiançajfe pêra a do maridojogo lhe arrifea o foíri-
mento: & fenáo há grande cabedal de virtude ou
r
A'ib.Rr% prudência , eftaõ muy certas as deíauencas 4 & ai-
~u de guas vezes as delauenturas.'Bem notauei foi a que
''tt* por efta caufa fuecedeo a aquelle Alboino Rey
J
<*PJ. òos Loncobardos, cafoufe inconfideradamente •
com
■ perfeito. 7
com bua Tua catiua, & depois que a íéuantou a
tanta preminencia & dinidade, a trataua publica-
mente com defcorteíias & defprezos; fentiaps eL
la com fofrímento, mas elle peifeucraua com de-
mafia> até que cila fe refolueo em tomar vingam-'
ça, que ás vezes fe torna em fúria <k defatino a pa-|
ciência impurtunada : propôs a hum Heimequil-
do mancebo nobre & atreuido ; que quifeííe por
traição matar a el Rey i & prometteolhe em pre-
mio o leyto, & o Rcyno: efpantoufc elle, & du-
uidou fazello, porque as traições cuftumãocaufar
efpantOj&duuida em quáto o pejo fe não perde}ti
nhao elia de todoperdido,&cada vez fe endurecia
mais em Teus cruéis & danados intentos: foube
que Hermequiido trataua amores com bua dama
da Tua corte, & a efta mandou que em certa noi-
te o fezeíTe vir ao feu apofcnto ; & fingindo que
era a própria dama ,.cfteue com elleásefcurasa
noite toda: quando fe quis ir, lhe defcubrio com
quem efteuera, & lhe diííe que ou mataííe el Rey;
& cafaíTe com elia , ou lhe auia de mandar cortar
a cabeça: a tudo fe antepõem os defejos da vida,'
& mais quando lhe fazem companhia os da am-
bição, & intereíTe : aceitou elle o primeiro parti-
do , & logo fe pos tudo em críeito. Poucos dias
eraó paííados, quando vendo elia que fendo Rai-.
nha íecafaracom tanto difpendio de fua premia
A4 nen-
>_ _.J
/

% rafawento
tiencia, & autoridade, começou a viuer com o
roefmo defgofto com que viuia feu primeiro ma-
rido-, & não lhe íofrendo também o coração ef.l
ta fegunda defigualdade, tratou de matar eftou.i
tro iecretamcnte, pêra fe cafar com hum Rey feu|
vizinho, que he muito certo na ruim conciencia
cmmendar hum erro com outros mayores, deo-.
lhe peçonha imuy refinada j & elle vendofe comi
as anfias da morte, & fofpeitando a caufa delia, a
fez comer por força da mefma peçonha, comi
que morrerão ambos em pouco efpaço , & foy
caufa de três mortes taõ dcfeftradas a deíigualda.l
de de hum cafamento, que em todos fez igual
a defauentura. *. Caiou hum Villio Romano,!
homem de humilde nacimento,com Faufta filha
de Corneiio Sylla dos mais illuftres da mefmal
Republica^ perfeição, & ventura que entre elles
ouue,declara Horácio nos verfos feguintcs. ' |
.. Villius in TauítA SylUgenerMc mifer vno
SermJt. Nom-tne âeceptas, pxnus dedit vfcjue {upercjue
**Sàt.2. gtàmfAtis e(l3 pttgnts cajus jerrç^ue petttas:
Exclufusfore^C'
Qu. di. Foy Villio genro de Sylla, enganandofe
cô a dinidade de fer marido de Faufta fua filha : o
que lhe rendeo eftc cafamento foy,fcr lançado ró
rade cafa com muitas punhadas, & feridas: * &
a hiftoria foy, que Faufta fe enfadou de maneira
por
perfeito. 9
por fe ver cafada com Villio de tanto menos cali-
dade,que pello mcfmo caio lhe foy adultera, & o ■
mandou efpancar, ferir, & lançar de caía: & Ioao
Britano expofitor de Horácio da a rezáo de lhe a- ^ ^_
contcccrcftctrabalho^izcndo.^^w^»'»'^- HoYAU '-
piis vxorcm habere afeólauerit. Qu, di. porque quis
cafar com molher de tam illuftre fangue. * Iulia
filha de Augufto Cefar tratou a Tibério feu mari-
do com contínuos arrufos, defdens, & dcfprezos,
até que o fez dcfterrarfe por fua vontade, & are-
záo que para iíTo da Cornelio Tácito , he dizer. Anníb*-
Spreuemt vt imparem : que o defprezaua como Ulib.u
defigual. * Bem empregados foráoos trabalhos,
& miferias do defterro em que íe vio aquella an-
tiga Zoe filha & herdeira de Conftantino Empe- hcoh ^
rador deConftantinopla, por fe cafar có hum of- Ar&i in
ficial macanico de Paphlagonia, & o fazer fenhor diãi. Mi
de todo o Imperio.Ouuc antigamente em Roma, ^ &
t t - \C
ci-• Zoe.
-

como nos conta Volatcrrano, huas dílcordias


J
^ p^
uis muy ateadas & perigofas, que puferaõ a toda a iâ^iU2t
cidade em grande confufaô, & agonia 5 & a caufa
foy hus cafamentos que fe ordenarão entre os no
bres & a gente do pouo. Quantos homens por
ventura teremos vifto que fe cafaráo deíígualmen
te por fatisfazera hum apetite, & depois delle fa-
tisfeito,lhe fez o arrependimento tanta guerra cõ-
tra a rezáo & conciencia, que os obrigou a mar ar
io fafa mento
asinnocentcs molhe ires, com que vierão a morrei
élles nos degraos de' hum pilouiinho, ou nos fuf.
piros de hum defterrol quantas mol heres teremos
. achado q por não teré efpiritu pêra feruir a Deos,
nem fazenda pêraviuernomundo, vierãoacafai
• tão fora d'ordem, que pello difcurfo de fua vida,
cu íe leuarao da foberba pêra deíprezara feus ma-
ridos,ou fe valerão da paciência pêra não rompei
em defatinosl & náo só perjudica efta deíígualda-
de aos cafados entre fi, fenão aos filhos, netos, &
. decendentes. Bom exeplo deo Alexandre Magno,
„ , que cafandofe por affeição com Roxane filha de
x . • hum capitão C
queelle cattuara, nao quis quetoflc
Am<l,tn i • i ~ r» 1 Vil r
vit. ipfi- herdeiro de léus Reynos hum hlho que, lem tel
outro,eíperaua delia; íendo tão natural a todos os
homens amar aos-filhos, & procurarlhe bens, &
tíerodo. felicidades: cafoufe a RaynhadeLydia molherq
//£./. fora do ignorante Rey Candaules com hum ho.
mem baixo de fua cafa: ao qual fez Rey & fenhor
de todos feus Reynos & riquezas: porem não fc
lograrão dclles, nem delias feus decendentes, por
que tudo lhe tomou Cyro em tempo de CrclTo,o
mais rico, & poderofo de todos elles, pello man-
darem afsi os íeusOraculos,cm caíligo & detefta-1
çáo de tal cafaméto: & hua & outra decendencia
]
fe j erpctuaráo naqlles impérios {z{zcafaráo (cus
3
pr genitores, femeíla imperfeição de deíigualda-
de, .
perfeito A
cJe.DeHa procede tabem outra defgraçadc mayor
defrofto ík prejuizo^ue he a macula,ou-mifíura
de fancnie humilde, contra cujos encargos & def-
contos, não tem jurdição as forças do tempo,por
que nunca no mundo faltão iingoas que cortáo
largo pcllos defeitos, ou fejáo faIfos,ou verdadei-
ros: & quanto foré mais as gerações em q os aja,
tanto citas Iingoas tem mayor occaííáo de execu-
tar nellas fua malíciaj donde nacem ódios, diffen«'
coes, & vinganças, o que tudo faõ ofTcnfas graues
domcfmo íenhor queinftituyo & tanto honrou
efte Sacramento. Eftes inconueniétes, & perigos,
& outros muitos de que os liuros andáo cheos,
c-uftumãofemprerefultardc náo auer igualdade pipU*.
rios cafamentos: & poriífo mandauão os Roma- tit. i6l
nos na iéy Iulia que foffem os caiados igualmete MVUA.\
a
nobres: & quando acertaflfem de o náo íer, náo p' J'
podeííe hum herdar a fazenda do outro. Utmpt.
CAPITVLO III.
Çh^eft tenhao muito AWOY '

Vppofta a igualdade das caíidades, a fegun-


j da condição não menos forçofa he que fea-
mem eíHcazmcnte: & para que o amor feja
mais confiante & verdadeiro, haò de fer os cafados
nquy femelhantes nos defejos,inclina coes, & nata >
rezas:
to * Capimento I
rezas: porq fendo elles eftes, ainda cm rezâodt
cffeitos naturais fe pode amar perfeitamente, poii
bé Cabida regra hede philofophia q a femelhançj
he caufa d'Amor, & ci!e de toda a paz & confor.
midade, fem aqual não pode nunca fer perfeito
aquelle cítado:& os q fe não fentirem entre íi tão
. femelhantes que a meíma natureza os poíTaenca.
minharpara eítavniáó, & correfpondencia tão
importante entre os cafados, conuélhe procurar
cõ todas fuás forças q o amor íeja tão efíicaz &
refinado, que poflaõ com induftria amorofa fu<
prir òs defeitos da femelhança, demaneira que
nunca fe percão nem diminuão os contentamen-
tos, & defeanfos da conjugai conformidade: &
era e
Jmig- ^a tão encomendada entre os antigos, q nas
dear. in feitas q fazião a Hymeneo tido por deos dos cafa-
fimttUcr, centos, tirauao o fel dos animais q facrificaúão,
' & o lançauão fora dos altares, porque o fel,como
fíiero. diz Pierio Valeriano, Sedes efi bilis, & iracandU.
gl. lib. Qu.di. q he o aííento da ira & da cólera * E nâo.
/I confentiáo que os animais que fe auiáo de facrifi-
carão cafamento., cuja perfeiçãoçoníifteem fere
os corações muito conformes, leuaflem ao facri-
íicio aquella parte do corpo onde tem feu próprio
aííento a occaíião das differenças. Hé o Amor al-
ma dos cafamentos,grilhão das vontades, coluna
das firmezas f ôc húa perpetua continuação dpi
verdar
r

: -
'fer fato 13
verdadeiros contentamentos^ porque áísi corao
hum corpo fem alma não temais defeu, que fer
manjar dos animais, ou bichos da terra;: afsi hum
cafamento fem Amor, não feruede mais quede
entrarem por ellc rodos os encargos, trabalhos,&
vícios a que eftãó fogeicos os mal caiados. A vou
tadequando o Amora fogeita?, & prende, não
pode dar paflb para feus delejos, & liberdades: a
firmeza quando íícllè fe Funda,vence os impuifos
da cócupicencia, & os ameaços da tyrannia-, o cõ
tentamento quando delle procede, não dá lucrar
a defconfolações,nem fe diminue com dcfgraças,
São tão admiraueis & copiofos os exemplos defta
verdade, que referir todos não *he-poísiuel,& dei-
xar algus hefazerlheagrauo, porque fempre osq
fe deixarem ferao igualmente dinos de fe referirei.
Eftanos a Fama apregoando eflas Philas, Hippos,
Paulinas, & Sóphronias, eflas Iuiias, Porcias, Pá-
teas, & Lacrecias, & outras multidões innume-
raueis de todos os Reynos,& de todos os tempos,
as quais pello Amor & firmeza conjugal padece-
rão mortes extraordinárias, & voluntárias, huas
com ágoa, ferro, ou rogo, outras cora diuerfos ri-
gores & violências, que as obrigaua a padecer cÕ
muito gofto o amor de feus maridos, & oauor-
récimentodas próprias vidas. Não he menor a
multidão & mcrecimento,.das que pella meiem
occafião
0i
iji • . Cófkmentõ "'
oecaííão quifcrão «intcs eftar fofrendo trabalhos
defíerros, & miferias, que triunfar a vida na fua
pátria cem honras, defeanfos; & abundancias:né
daquellasqueporeííe meímo refpcito tomarão
armas, & deráo batalhas, vencendo não fó a fra-
queza de fuás naturezas, fenão o esforço de feus
inimigos. E não faltou húa Arria Romana, cm
Sap- íW quem concorrerão todos cites effeitos: porque a I
go.li- 4- companhou a feu marido nos perigos da guerra, I
ca
P- * nos apertos da paz, nas miferias do catiueiro,&
fe matou com lua mão, porque o via morrer nas
de feus aduerfarios. E pofto que os homens natu-
ralm ente faó mais ifentos, & fe entregão menos
a eftes exceíTos, em algus fez também o. amor
conjugal mui efpantoíos & celebrados cíFcitos:
como vimos naqlles dous illuírres varões Ciam-
Jd. ibtd. po , & yímilio que indo montear a hús bofques
lom. efpeffos os forão fegnindofecretamehte fuás mo-
Ste H
t*r.
' lheres desfraçadas cm peiles de feras, & embre- I
nhadas pella efpcííura dos mefmos bofques, an«
dauão com húas enganofas fcfpeitas (que faõ ás
vezes caufa de danos mui certos) de não ferem
delles tratadas com a merecida lealdade:& vendo
manifeftamcnte feu engano, forão para os tomar
de fubito com o contentamento q cuftuma eau.
far hum amor liure de femelhantes fofpcitas: bc
mui cõpanhcira dos goftos perfeitos algúa grade
aduerfí,
perfeito *$

âduerfidade ) com o mouimento fczérâo ruido


por entre os matos, ao qual acadiráo os caês^&
encanados com o disfrace com que cilas vinháo,
as rezeráo logo em pedaços; correrão aos gritos
osinnocences & defcuidado? maridos : & vendo
o miferauel fpeóhculd, fe matarão ambos diante
delias. Não foi de menores quilates a fineza d A-
mor de Tibério Gracco marido deCornelia-,achou
hum dia duas cobras no mais interior de feu apo-„
fento, & como gentio, & gouernado por agou-
ros, perguntou o que aquellc finificaua : foi 1 hc
refpohdido q"daquellas duas cobras húa era ma- .: ^
cho, & outra fêmea, & que mandauáo os deofes"
6 morreííe elle, ou fua molher,ílniflcados pellas
mefmas cobras: porem que lhe dauão a elle a ef- #
colha,para que querendo que a molher morrcíTc,
matafíe a fcmea,& querédo antes morrer elle,ma-
tafle o macho( cuftumaua o demónio a perfuadir
eftas abufoes àquelles Gentios para os leuar ao in-
ferno com mais breuidade, & menos defeulpa:)
he arande defprezador de vidas o amor verda-
deiro: & como tal deu refulução ao amante &:
confiante marido,para efeolher para íi a pior for-
te. E Valério Máximo que refere a hiftoria,a vem
a rematar com èftas palaoras. itáfa c&melhm nejào Li^ 4%
vtrUmfdtciorem âixtrirriquUtúemvtrtimbeburit.an ca^ ^
mifcriorcmqHod awifcrit- As quais finifkão» Nao
-- * ---" '----- ^ Ceife
ró fafawento
fei.fe clname a Cornélia a mais yenturoíà detocfos
?ts mulheres, por ter tal m3rido,fealmais.dcfáuçi\.ij
torada pois o perdeo. * E pofto que. tqdqs. eítçs]
que rcfçrirnpSj &.outros muitos que as ..hiftorias
:réfe.re,m.rprocederão como Gentios,&.a noíía Icy
.nos não:pêrmitte que por refpeito algum da vida
políamos procurar nem defejar a morte,comtu-
do nao le lhe podem tirar os Icuuores que merc
ce a fineza , & firmezade feu amor: Òc ainda qut
eftes exeplos não ííruão para os imitarem .ps .bom
chriftaõs, ao menos náo deixarão de aproueitai
muito para fe enuergonbarem os ruins caiados.
i.

CAP1XVL.O mi. •

Os danos que ca ufa a falta de amor^


« •

19 '2 AS SI como .o.Ámor .entre elles .faz effo


f*^ perfeição taõ realçada, afsi também a falta,
dellefazhúa imperfeição mui defcõpofta:!
porque Cerni amor naõ ha paz goftofa , nem.con-l
formídade. bem.lograda.. Ondedje falta, logo a
vontade fedeiè-ncanlinba para feguit-.os -yaõs &\
fditos.de qualquer piuxaõ,- ou appetitc: logo a'nV
r
.v t- • fíVeza<c.ói-rc perigo de (e arruinar nas .occaíioés de
<' V' a'loíla-a&Giçaõ;de.íõ.rden^da,.òuvvk)iencia• malre-
■ Midaf &;;fica :penden4ò só' dos fios do -primor^
ás vezes

âs vezes íào muito delgados;logo fe mureltão os
contcntatnentos,potque íó com a agoa do Amor
verdadeiro,fe regáo, florecé, & frutificáo: & fem
ella,efcaçameme reuerdeeé, quando a tepcftade
de algum dcfgofto lhe faz fecar toda a verdura:&.
ainda neíTe breue tempo faõ. como-a fruita dos
oótonos, q náo té fabor ninhú^com fer daquellas
mefmas aruores q a dão no eítio mui faborofa, &
cõ rezáo dizia .Xenophonte,q .afsi como os cami-.
nhantes q náo tem fede náo pode goftar.da. ãgoa o//»».""
q bebem por muitofria,& criftallina que fe;.a,afsi Stobu.é
os caiados q náo tem Amor, não pode ter gofto,
do bem q poíTuem por mais fuauidades,& glorias
que tenha: como elle falta, logo fe perde aquella
vniforme dependência com q hum coração fe
transforma no outro, perdida efta, logo as incli-
nações & naturezas fe rebelião contra a rezão, &
pofto q ella reíifta por fua parte, não podem ellas
deixar de feguir os Ímpetos do defejo que natural
mente nos arrebata para mudãças,. & nouidadés.
Daqui vem que como os cafados fem amor, por
eíla regra não viuem contentes, pella própria ap- •
petecem logo melhoramento de feu eftado, pa-
recendo a cada hum delles que viueria mais a {eu
. gofto fe acertara de lhe caber outrem por forte ç5
tais & tais, partes,ou condições, & não acaba de
entender q aquelle defeito não he da peííoa cpm
c uc
■ P l
xif Capimento \ I
que eftá cafado,fenao do" Amor que lhe tem pcr-
dido.Defte barranco fe vem a cair cm outro mais
precipitado, & perigofo, q hê hum defejo tácito,I
pofto q náo confentido da morte daquella pcfíba
\ que lhe faz defgoftofa a vida, fegundo feu poucol
3 gofto lhe reprefenta (& ifto palia nos mais efcru.l
1 pulofos,que algus auerà que conímtáo neftcs
I defejos, & pode fcr que os executem ) & fe acon-l
B tece que cila Uie morra; não pode, ainda q queira
I & trabalhe por iíTo,repnmir húas alegrias interio
' ' res,de fe ver cõ liberdade para bufcar que mais lhe
contente, & afsi lhe hê muitas vezes forçado dif.I
fraçalas có derramar lagrymas fem vòtade, & darl
fufpiros triftes có peito alegre,como diííe Lucano
%}j~9, de Iulio Cefar: & como fez o ingrato Admeto
Rey de ThcíTalia, q tendo hua molher q o amou
Valer, tanto, q quis morrer cõ muito gofto por lhe dar
MaxMb. vic^ èncúbdo cõ huas fingidas fagrymas, o cora
.*•"/• ' que ficaua de fe ver fem ella, & logo por outros •
efíeitos mais verdadeiros deo largas moílras doq
dentro fenda- E Nero depois de matar com hum
Suei!In couce fua molher Poppea , que alem do grande
Ncr, amor q lhe tinha, trazia hum penhor feu em fuás
entranhas, ficou tão liure do fentimento q fingia
Q nunca deixòiTde-continuar com feus paílatépos,
éc crueldades. Pouco foi tábem o Amor daquella
•imperfeita cafada de que conta fclerodoto, que
" '" ' ~ fendo
I perfeito 19
fendo condenados à morte: por hum delito gra- ín T^4/.
ue, hum feu irmão & feu marido,, foi pedir mi- /?«<?//..?.
fericordiaaclRey Dano que os condenara. Ref-
pondeolhe que dos condenados perdoaria a ,hum
qual ella efcolheífe; & parecendo aos circunftan-
;
tes que efeolheria, como era juito, a feu marido, .
não quis que viueííe fenão.íeu irmão, dando por
defearga que podia ter outro marido morrédoihe
aqueile, & morrendolheo irmão não podia ter
outro. Da falta d'Amor pelíamayor parte nacem
1 as traições & adultérios, nacem as deítmicoés àC
[ perdas de Reynos. Bom exemplo temos na cobi-
çofa Eriflle molher do antigo Amphierao facer- StáT^
dote de Apoilo: o qual fendo amoeftadq pellos bahli'b-4
oráculos q auia de morrer na infeiice guerra, q em
I tepo delRey Adralto fezerão os. Gregos aos The-
I banos, feeícondeo por não ir a ella, em hu lugar
muito fecreto, confiou aqíle fegredo fò de Erifile
I fua molher, em cujo Amor &cõfiança cuidou q
I fó teria a vida fegura, poré como ella lho não ri-
nha, cõ ninhúa outra guarda podia citar mais peri
go{o:porq logo fe deixou vecer das efíicazes forças
do incereífe, para o defeubrir, & entregar a morte
por hu colar douro q lhe offerecerão. Quão trifte
& lamentauel foíTe o eftrago da ilha de Lemnos,
l bem o encarece os eferitores, porq em hua aufen-
cia fó de três annos q os moradores delia fezerão
t Bi na
*"* * 1

"io QaSaminlo
»a guerra de Tracia,fe conuocarâo fua<3 molheres
em húa barbara & deshumana cõjuração,em que
decretarão q por treição os macaííem a todos, &]
na primeira noite q os maridos chegarão-, efcaça-
mente começauão a gozar do defcanfo do lotio,
quãdoellas cõ húa horrenda crueldade os fezerão
-lidar cõ as aníias da morte: & ao outro dia appa-
íeceo a ilha toda cõuertida em hu lago de Cangue,
& os leitos conjugais em ataúdes de corpos mor-
tos.Efta cruel defauentura que não teue no mun.
dooutrá femelhante, cota Stacio mui. por extéfo,
& declara a caufa delia fó có efte cabo de verfo,
á LèmnoteneriftgiftiSâmores. )
•JW**' Qu/di. fugido Amor dailha de Lemnos. * ti
*' 'chando que como elle geralmente faltou nas
molheres daqucllá Republica, não foi muito con
juraremfe todas em tão miferauel defatino. Mas
para que ferúe apontar exépios particulares,quãdo
geralmente temos noticia dos afrontofos & de-
•prauadoseífeito^quecúílumáo refultar da falta
cfAmor? vejafe como procederão Helena cora
Menèlad, Clytemneftra có Agamemnon , Cleó-
patra com Ptolomeu, Olympias com Philippo,
Metella com Sylla, Iulia com Agrippa, Meflalina
cõClaudio.,Mária cõ.Otto:& outras muitas,de di-
uerfas calidades, tèpos,&:Réynos & ninhúa delias
perdera o rèípeito a fuá hcáieftidadé, fenão per
■-.X
t'.- ' dera
i
*— '

perfeito ti
dera o Amor a feu marido, por onde veio a dizer
Lycurgo que tinha larga efperiencia das occafiões
& fueceífos do mundo: Cumfemelvxor bounolen- Jp-Stoh
tia, in maritftmpriítataejt, tnhime vitaliset retiqva vij* ~ '^'
ett. Qu. di. tanto que a molher perdeo húa vez o
amor a feu cfpofo, não fe pode fazer mais cafoda
fua vida. *Epor eftc mefmo refpeito pintarão os
lm
antio-.os o Amor conjugal com os peis atados, *fr
pellos inconuenienr.es, & perigos que cuftumão J^r ^
refultar de qualquer feu apartamento.
I CAPITVLO V.
Que tombem he mui per judiai o
' ^imor demafiado*

A S pofto que o muito Amor hc tão ne».


ceííario, & a falta delle tão arrifeada en-
tre os cafados rcôuem comtudoque não
feja clle Com tanto exceflo que exceda as leys de
KDeos, & as da rezão: porque íc o for, como o*
Amor grade tem por oííicio transformarfe todo
nos goftos êc defejos da coufa amada, fem ter o-
peraçáo certa, nem vontade própria, fe qualquer
delles fé deixar leuar de algíia paixão mal ordena-
da, logo o outro fe leuarà da mcfma, & de coma
coníentiméco virão a dar em algum peccado, ou
defeoncerto aquelles mefmos corações que Deos
B j vnio
zi Qaf&mcnto m
vnio cm Amor para fc confirmarem, cm fcu fer-
uiço: & a rezão cm primor para confcruarem
bom oouerno defua família. Háfc de cuitarde
todo o ponto cfte pcrigo.que não dá de í7 menos
defaftres dosquemoftramosno pouco amor: &
•para iflohemui importante, que cada hum dos;
•cafados que fe querem muito , cragão fempre os
olhos & penfomentos no que pede a rezão, &a
vontade diuinamorque como o amor os faz con-
formar cm hum so defejo, & dahy cm quaeíquer
bons ou ruins eíFcitos, quando ambos fe inclina»
rem para o bem, nunca podem deixar de fer vir-
tnofas todas Tuas obras, pois fehúa vontade de-
pende da outra, Ôc ambas fe empregáo no que hé
juílo/fíe Amor que com as vontades viciadas os
arrebataria pêra o vicio, com as mcímas bem or-
denadas os fortifica na virtude. Amou íemclia,
& com muito excefío afeu marido Tarquinio,*
Tullia filha de Seruio Tullo, conformoufe logo
com feus defejos, tk o acompanhou com igual
dcmaíia em fuás ambições & crueldades, as quais
náo pararão em menos que cm fazer matar fcu
próprio pay, ôc mandar paliar o coche em q vi-
r
nha, por cima delle:6x diz Tito Liuio q da hi por-
1>cc(ià.i. diáteíe ficou chamado aquella rua ScclerAittmvu?*,
ue
Ij.bh q ^ r dizer, rua de maldades: %. ôc por cilas foi
. Çcosfcruido que o Rcyho de que tomarão p.oflc
tanto
I ferfeito. i$
anto contra rczao &-natureza, lhe foíTe tirado
por fcus naturais, & çllcs deftcrradps para Rcy-
nos eftranhos, onde viuerão miferaucis, & mor-
rerão defefpcrados
Ainda foi mais exemplar, & milhor merecido
o caftigo q cahio fobre Popiello Rcy de Polónia, Mdríjlti
& fua molher, filhos, & familia: morrerão feqs cromer.
pais fendo ainda de pouca idade, & ficarão ellc & âe reb.
o Reyno gouernados por feus tutores q eráo dous *olon*
tios do mcfmo Popiello, homens de inculpauel- •x*
vida & como tais procediáo naquelle gouerno có
grande zelo, inteireza, & virtude, em cujo exem-
plo & exercicio forão criando- a feu fobrinho, &:
chegando a idade competente, lhe entregarão a
poffe do Reyno,& o caiarão cõ húa filha de hum
Príncipe d'Álemanha, que acertou de fer molher
de mui peruerfa natureza, & inclinada a todos os
males & tyrannias:com efta cópanheira que lhe
coube por forte, que o foi para elle mui defeftra-
da,fcvnioem mui grande amor, & conformi-
dade, & como o não regulou pellos preceitos
diurnos, logo fe conformou também com ella
na execução de feus cruéis & peruerfos defejos:
donde fe feguio tyranizarem o Reyno com tribu-
tos, femjurtiças, & crueldades : acudiáo os tios
com perpetuas lembranças, & confelhos, porem
elles perfeuerauão çm fcus deprauados procedi-
B 4 mentos:
24 'Cdfkmeritâ
mentos• ate que a infolentc & auarenta KayMw
fc refolueo em lhes tirara vida, porque a maldade
dos q tyrannizáo efte hc o retorno que cuftuma j
dar aos bons intentos dos que amoeftáo: confen-
tio logo nàqúella tão cruel refoluçáo o mal orde-1
nado Amor de feu marido, & eíle mefmo lhe deu
atraca: fingiofe enfermo, & mandou os chamar
para tratar coufas iroportãtes ao goucrno de [eus
eftados, & para moftras de mayor fauor & ami-
zade;, que faõ as capas da treição & tyrannia, fez
que comedem junto delkj tinhalhe a Raynha f
mandado guifar húa tão refinada peçonha, qae
eícafíamenteambos comerão delia, quando lo- I
go vomitarão as vidas: começou a diuuigar por
toda a cidade, que clles eftauão feitos cabeças de
húa fecreta conjuração para matarem a clRey & '.
a cila, & fe lcuãtarcm tyra unicamente com todo.
o Rcyno, & que Deos por feus juílos & oceultos
:
juizos permittio que morreílem íupitamete, an- \
tes de porem execução a treição q lhe ordenauao,
& com efte falfo teftimunho mandou lançar os
corpos no campo, publicando mui rigurofos caf- 1
tigos a quem enterraííe aquelles traidores. Não 1
permitte Deos que tardemuicoa vingança dos
roubos da honra,•& condenações âa. innocencia: a
paflados. poucos dias, apodrecerão os corpos,
& em verdadeiro final da virtude de hús, &• jrriajl* '
•' ' ' > '" .;. >'■ dadé
perfeito M
dade dos outros fahio logo delles hua admirauel
& innumerauel multidão de ratos: os quais por
jufta permiflaó & vingança diuina,feforãodirei-
tos a elRey, molher, filhos, & toda a família, &
fem auer forças que lhe refiftiíTem ,ncm lugar aí-
gú onde efeapaflem, a todos roerão os corações,
'&confumirãoascntranbas:& Martim Cromero
Chronifta de Polónia que conta cíle raro aconte-
cimento, diz que fuecedeo porque a Raynha
■Viri animum arr.ore fui pUs &quo Adftriãtim tencbai- ibidem'.
Que tinha prefá com amor mais do q era rezão,
a vontade ;de feu marido. * E deixando liuros ef-
Dirituais, & os dos doutores {agrados, cuja profif-
:àõ hc moftrar a todos o ca mmho do Ceo,& per-
fuadir q o fim do amor verdadeiro ha de fer Deos
& a rezão: & q tudo o mais não hc Amor, fenão
húa paixão mal gouernada, oy afFciçao mal enté-
dida: apontaremos o que diíTerãc algús Gentios,
fem mais outro lume que o do bõ diícurfo: para
confufaõ dos que não guardamos efta regra, fen- _
do guiados,al!umiados com o refplandor da ver-
dade Catholica: porque em todas as idades ..luga-
res, & tempos ficou íempre fuperior o jufto &
licito ao indecete & defordenado: Plauto diz, afsi
tratando defta matéria. Bomtmejl amure fific-infwí i„ cur-
vonbonumeft: Qu. di. Bom he amar com pruden- ad.
cia,& mukoruim coufa amar fem ella. * Euripu
I des
i6 Pdfamento \
] Ap.sfto. desaconfelha forças & viol cri cias para feeuitarcm
tom. 2. ruins.amizades. £,à vero te âeleohndi caufá mMÇunt,
iíiosexcliiddíit redigida domus Qu. di. Os amigos Q
por vos dar gofto vem a fazer o que náo deuem,
are com a tranca da voíía porta os aueis de lançar
fora de caía. * Marco Tullio Cícero o primeiro
documento que dá para o perfeito de verdadeiro
de Ami- Amor, he, yt honcftn&bamicis peíamns. Que náo
ci. peçamos a nofibs amigos fenão as coufas que fo-
rem de honra. Séneca philofopho depois de en-
T>e tr&n- COmcndarcom doutas rezoés, & marauilhofas
QUl.Vltâ,
1 \ r ti • - > rt ■ r
palauras que taçamos ellejçao de pefíoas virtuoías
para cm pregar nellas noíla amizade \ & de enca-
recer com a mefma efficacia os inconuenientes a
que fearrifeáo, os que a tem com gente peruerfa,
vem a concluir que dcuem fer tão r- formados os
cuftumes das tais pefloas, que aprendáo delias os
feus aíFciçoados a temperar a gula, abrandar a ira,
reprimira concupiccncia,exercitar atemperáça,
„ acrecenrara honcíridade, fopcaros appetites, mo-
derar os enfeites, dar de mão a pompas, gaftos, &
demafias, medir o trato de fuás caías pcllo cabedal
de íuas fazendas, Sc o exercício de fuás obras pclla
obrigação de íuas concicncias: fc eftes luaares, &
outros femelhan tcs,que ao mefmo propoííco nao
tem numero, íaõ para nos eníinar o procedimeco |
dos amigos, com mais rezão dcuem feruir de do-
cumentos
perfeito. 27
cumentos para os caiados, porque não ha mais
eftreita nem follene amizade que a que elles pro-
feflàõ entre íi, & pcllo confeguinte lhe fica mais
apertada obrigação de guardar com mayorcftrei-
teza todas eflas regras, & aduertencias. Por onde
imperfdtifsimo hc o Amor cTalgús caiados q por
Ce dar gofto hum ao outro permittem ou exerci-
tão coufasillicitas emprejuizo da conciencia3.&
fegundo efta doutrina cujos meftrcs foráo até os
mefmos barbeiros & Gentios, pouca rezáo teite
Baurifta Fulgofo efetitor Cfoiftáo & de tãto juizo v^rf^;
& autoridade cm louoar aStratonica molher de
Dciotaro Rcy dos Gaiatas, por fe cfmerar cõ tan-
tos exceííbs em fazer a vontade a feu marido^que
cila mefma lhe ouereceo húa Eleotra fua criada
para que delia teuefle filhos: neça fã bem acertou
cm celebrar o Amor de Liuia molher dcAusofto.
#
que por ver que era clie inclinado demafiadamete
ao vicio dafenfualidade^andaua bufeando as don-
zellas mais fermolas queauia por todo o feu im-
pério, & lhas mandaua trazer a caía. Eíles cílre-
rnos amorofos nunca podem merecer iouuor, fe-
não muito grande vitupério ; como também o
mereceo hú homem de certa cidade defte Reyno^
•que matou a outro muito cruel & barbaramente
fó porq tendo com eile huas diífercnças de pouca
fuftancia, lhe difle fua molher q não diííefie que
" " ' • ' lhe
i8 • Çajamento
lhe queria bem, fenâo lhe tiraua logo a vida, &
com titulo de Amor conjugal teceo o demónio
efta defauentura, cujos crTekos durarão por mui
largo tempo, em dano das vidas, fazendas, 6c al-
mas: & não fey onde iria a doutro de certa villa
defte mefmo Rcyno, que por húa bem leue def.
cortclía, quefezerao aíua molher, de q cila fen-
tida mais do que era jufto,derramou húas poucas
de lagrymas, dizendo q íe lhe tinha Amor,a vin-
gaííe daquella offenfa, andou muitos dias cora
mão armada para matar a quê lha fezera, & por-
que não retie occafião de executar o que defejaua,
de pura paixão perdeo logo o juizo,& a vida pou
co depois. Bem fc ve q faõ ifto traças do inimigo
que procura leuar almas ao inferno com apparé-
cias de primor honrado, &amor confiante &
verdadeiro, ôc até aos mefmos infiéis de cujas ai-
• mas parece querem jà na vida tomado poflener-
fuade citas crueldades ôc homicídios debaixo do
mefmo falfo titulo de honras, primores, ôc leal-
dades, como vemos no Amor da outra de quem
conta Plínio q por.feu marido padecer húa doen-
ça incurauel que lhe fazia a vida moIefta,o liurou
" delia com íe lançar a fi &aelle de húa barroca
. Fui. vb. muito a'caJ & no daquella Princefa de Sydonia (j
f„p. no mao fucceíTo de húa guerra matou a íl ôc a feu
marido por não virem a poder de feus inimigos.]
O Amor
perfeito. *-9
O Amor dos perfeitos caiados que afpirão a go-
zar-da bemauenturança, confifte em fer tão cega- .
lado pello que hé jufto, que não offenda ao Teu
Greadornemno mais leue penfamento: porque
imperfeição fora mui manifeíh, antes móftruo-
fidadedanatureza permitiríefombra ou rafto de
peccado em hum Amor que o próprio Deos inf-
pira, 6c communica em hum efhdo que elle in-
ftituio com fua grande prouidencia, 6c apadri-
nhou com fua diurna 6c gloriofa prefença, & de-
pois honrou 6c fez facraméto có os merecimen-
tos, & fangue de Chrifto, em húas peíloas qae o
mefmo Senhor crcou , & remio , 6c conftituio
naquelle eílado, nao para fe rebellarem cõtra feu
Creador,como fezerão.os ruins Anjos,fenão para
lhe darem críaturasque vão pouoar eternamente
as cadeiras de gloria que elles perderão . Bem per-
feito cafado foi o fantolob, q pois era fanco, não
podiaterimperfeiçáonaobfcruãciado feu eftado,
& pello confeguinte não era pofsiuel que teucffc
defeito algum no Amor que deuiaa fua molher,
& com tudo as fagtadas letras nos certiíicáo que lob.u.i
húa vez q cila lhe acõfelhou q oífendeííe a Deos,
a reprendeo com palauras afperas, 6c mais era em
tempo q o mefmo Senhor parece que o deixaua
padecer a mayor aflição 6c defemparo que fe vio
nunca em miferias humanas. Santo foi, & depois
martyí
' < 3o Qafamento
- -~

Ribade- martyr aqucllc celebrado Thomas Moro natural


ia hifig. de Londres, & a mais cáliflcada peííoa de todo o
Augjl. .Reynode Inglaterra : amaua a lua molber fobre
up. 29. tocjas as cou{as ja vida, com a experiência deitei
Amor lhe foy ella pedir, eftando prefo com pia-
dofos encarecimentos, q confentifle nos Ímpios
decretos delRey Henrique, pois náo tinha outro
ninhum remédio a miferia & defemparode feus
filhos. Ninhúa força humana bafta cõtra húa re-
íulução fundada em virtude:deo tão pouco,pofto
que lhe queria muito, o admirauel & iníígne va-
rão pella efícaz brandura âc({cs rogos,que os fez
cornar cm defconfolaçoés, & defenganos: & de
ihos encontrar com tanta conftancia,lhe náórc.
íukou menos proueito,que húa grande coroa de
marcyrio. Bem celebrada foy no mundo por fui
Frowpt. exemplar vida &fantos cuftumes^ a Emperatriz
Ico in
*- Flacilla molhei- de Theodoíio , & como eílao
u .TU am<1ua com toc|as |-uas força^ porem qUancj0 ai-
gúas vontades do Emperador acertauão de fe def-
uiar do bom caminho, náo fomente fe defuiaua
delias, mas o amoeftaua, ôc reprendia com mui. ■
Um in ^ ifençáo, ôc liberdade : ôc aquella iníígne Ma^
diã. Ma riamne Raynha de Iudea molher de Herodes Af-
V- calonita, que foi em tudo obferuantifsima das
perfeições do cafamento, húa vez que elRey quis
delia hum fauora feu parecer,fora de tempo , fc
afaftou
- - j
£
perfeito. 3
afaftou deite com muito valor "& refuiução, &
com a mefma lhe eftranhaua fempre rodas as im-
perfeições que lhe fentia; & pofto q algúas vezes
lhe cuftaua caro, ja mais fe quiz conformar com
ellcnas coufas que defdiziáo da rezão,ou encon-
trauão a confciencia.

CAPITVLO VI.

Remédio para fugir de fies dom extremosa


.J »«•

SOppofto que du dimaíia, & da falta d'Amor


cuftumão igualmente rcfultar tão arrifeados
& crabalhofos defeontos, importa muito q
entre eftes dous extremos fc moftre caminho por
onde fe chegue á perfeição de que tratamos, fem
tocar nos baixos & perigos de ninhum delies. O
qual me parece que não hê outro fenáo trabalhar
cadahum quanto for pofsiuel por não empregar
fua aríeiçáo na fermofura, & galhardia, fenáo nas
virtudes Sc bons cuftumcs daspeíToas em quem
a empregáo: porque fe feamar fô a fermofura do
corpo,tem elia fempre tão efficaz & forçofo im-
pério íobre os corações humanos, que fó da boa
ou ruim confeiencia das peííoas amadas depéde-
ra a faluaçáo, oá condenação de feus amantes.
Alem diftoíc o Amor fe não ouuera de empregar
fenao
3* Çafamento „ 1
. ícnão nas fermofuras exteriores, feguirafe que fo-
mente as pcííoas ferro oías foráo amadas, & entre
ellas íômenie peifeitos os cafamencos: & todas as
outras, ou não cafafão,ou não puderão guardar
a dcuida perfeição em feu eítado: & ainda para as
fermoías auia efta perfeição de ter fuás quebras,&
limites, & algúas vezes perderfe de todo, porque
como não podia durar o Amor fenáo á medida
- da fermofura., pois nella fomente era fundado, tá-
to que a idade, ou antes delia, algúa doença ou
defaftre a desbarataílem, como acontece muitas
vezes,logo o Amor defapparecia, & cõ elle a per-
feição conjugaI,que nelle tem feu fundamento:^
por iíTo diíTecom muita rezão Francifcõ Petrarca
vxor m
Ve rem. *&* ^ pfopter formam diligit, cito illam oderit,
vir. For. Qu. di. Quem ama fua molher por fer fermofa,
V'íd-66. cec|0 fe }[ie conuerterá o Amor em ódio. * E
muitas vezes não fera neceflario perderfe a fermo.
fura para fe perder também o Amor, porque co-
roo o que fe emprega nas perfeições & partes do
corpo, não he verdadeiro amor i fenáo appetitc,
& a noíla natureza he fero pre inclinada a varieda-
des, cm muitos náo durará nem ainda à medida
da fermofura, fenáo do mefmo appetite: o qual
quanto fe acende reprimido, tanto fe resfria con-
tinuado: & logo a natureza muda os defejos,.a
vontade os effeitos, & o Amor fica fingido, & o.
çafamento.
perfeito. j|
cafamento defordenado: & daqui procede ler de
ordinário de cáo pouca dura a vniáo & contenta-
mento dos que fc cafaó por afTeiçáo, porque le
obrigarão da fermofura do corpo, q as mais das
vezes engana os olhos, & não dos merecimétos,
& virtudes d'alma, que fatisfazem o entendimen-
to. Ouçamos a Plutarco meftre de toda a boa
Vh'Úoíoph\a..Breuíseíí^imornouoram conjugumeor- .
portsforma inflawmaius, nec dar are pofíe, me firmum effe Depr<tc%
exijlimandum efí, nifi in bonis moribus colocattis, &c. ' »'
Qu. di. He breue o Amor dos caiados de pouco,
que fundarão fua affeição na*fermofura & graças
do corpo, nem fe pode efperar que feja firme ou
prolongado fenão quando íe empregar nos bons
cúftumes da.peíToa amada. * Com tudoaduirti-
mos aos pays que ouuerem de cafar filhas, q não
feja com homes de quem ellas teuerem muito
defgofto, porque ainda que Deos commúnica
Amor nefte (acramento,& a virtude, ou bõ juizo
fazem fofrer cargas muito peladas: pôde fer em
algúas, o defgofto tanto, ou a condição tão pou-
co fogeita,queem lugar de arTeiçáo & conformi-
dade viuão em ódios, & differenças, & de qual-
quer àeíkcs extremos fe vem a dar em outros pio-
.res, em quepadece a honra, & ás vezes a vida, &
de mui leues princípios nacé defgraças muito pe-
fadas: & he ruim cõfelho defeaníar em femelhan-
I ;;..";• ' " :"* *"~- c tes
ri

P Cófiimento '
tes perigos fobre a virtude, ou entendimento de
húa moíherfraca , & cõftrangida: deixemos exé*
pios do tempo antigo,porque íaõ todos muito fas
bidos,&do moderno, porque podem algús fer
odiofos: & confirmemos a opinião fó com cfta
fentença de Santo Ambrofio:quebem bailará por
aduertencia, fc para algúa for tífcccflatias mpiià
r
A^An.inmt&folentmdosha!oere^roiienuts. Qu^ di. Sempre
Efo.to.i fecolhem.ruinsfruitosdecafamentos feitos con.
tra vontade. ^ E tornado ao nofío intento.Deue-
fe de amar as fermofuras interiores, que íaõ virtu-
des, partes, & merecimentos: porque deltas pode
auerno mundo copia mui larga, pois dependem
de noíToaIuedrio,cuja liberdade he igualem to-
dos, & das outras a não pode auer fenáo limitada
pois depende dà natureza, que não he liberal de
fermofuras: & mais dina he cada peífoa de fer a-
madapellas perfeições que fedeucm a ella, quais
faõ os merecimentos, & virtudes, que pellas q fó
fc deué à natureza^qual he a fermofura do roíio,
&boa-compoíiura&graea dos membros. Dos j
cafadosqfundãotodofeuamor nas apparencias ]
exteriores diz, Iuuenal auifadamente.
'Saí. 6] Si verum excutiasfácies non vxor atn&tur.
Qu.di.Sebem defeubrir^es a "verdade, amais o
rofto, & não a molher. * E Stephano Guazzo
iníigne eícritor Italiano, diz que perguntado hã
fenhof
) perfeito. 35"
fcnhor cm Itália (que deuia fer bem perfeito ca-
facío) quais erão aquelles amadores que quanto
mais a-idade crece, tito o Amor crece imais nel-
iles; rcipondcoi^ft^licheamaao lebe.llez>z>e interne. A- ^w. 4^
quelles que amão as fermofuras interiores.^ D5-
de Propcrcio louuãdo as molheres do tempo an-
l tigo, náo trata deita fermofura de que ordinaria-
méte fazemos cafo/enão da outra verdadeira e m
que fe cm pregão os firmes amantes. jr# ^
Non iHisfiaduim vulgo conquirere amantes eleg. 2».
\ Ulis ampla/atis forma, fudicitu.
Qu. di. Não erão fuás oceupaeões andar vulgar-
mente bufeando amantes: porq toda fua fermo-
fura confiftia na honeftidade. * Be amou eíla em
Ifua molher aquelle memorauel Príncipe deLef-
bos chamado Domingos Cataluíio: o qual, en- TulgeT*
chendoíe ella de mui aíquerofa lepra, mal de que vb. fipz
todos geralmente fogem, por fer tão perjudicial
& contagiofo, não fomente lhe não fugio, mas
, não apartou delia mefa, né leito, como feeíleue-
ra na mayor frefeura & perfeição de fua faude &
gentileza, porque o Amor que lhe tinha, era fun-
dado nas virtudes & merecimétos de que era do-
;
rada, & com eit.es que ella não perdeo,não ficou
I para elle menos fermofa.Perdeo a illuftre Vitoiia
IColona ao Marques de Pefcàra íeu marido, cujas
IIheróicas & iníignes virtudes erão o fundamento
Ci do
36 rafa mento
do muito q lhe queria,ficoulhe por ellas tão viuo
no Amor & penfamento, que fô por fcu grande
recolhimento lhe poderião chamar viuua,porque
de ordinário tinha com elle cão namorados & I
diícretos colloquios, como fe o tiuera diante dos I
olhos,& depois os recopilou todos naquelle Iiuro
tão celebrado, de que podem aprender amorofas 1
branduras os amantes mais requebrados,& dou« 1
trinas mui leuãtadas os pregadores mais eminen^
tes: & para moftrar com mayor euidencia a gen- I
tileza que nellearaara,nos declara em muitos fo«
netosquefòovalor, & virtudes de fuapeííoaa I
obrigarão a quererlhe tanto. Mas porque he grã- |
de o numero dos caiados, & não pode. ter todos
as virtudes & partes onde he bem que fe empre-
gue o Amor verdadeiro:& o conjugal pofto que
tão honefto & licito, não deixa de incluir execu-
ção de ooftoSjimporta feguir o confelho de Plu-
tarco: o qual refpeitando a ambos eftes impedi-
mentos diz que fe amem as peííoas fermofas, ou
li r aquellas que o Amor raz com que o pareçao: Simi
<vb'(tip' btuàinererumàminarfim* Com a femclhança das
coufas.diuinas. * Parece que quer ifto dizer, que
quando os olhos naturalmente fe recrearem com.
a prefcnça & fermofura da peflba amada, logo fe
occupe o penfamento em coníiderar naquella
belleza incomparauel das almas bemauenturadas,
merecida
I perfeito, $2
merecida pellas boas obras que fezerao no mun-
ido, guardando pcrfeiraméreas obrigações defeus
cftados; para que com efta.confideração ; traba-
lhem os caiados por viuer no fcu rão perfeitamen-
te, que fendo na terra fcus imitadores,lhe venhão
no Ceo a íer companheiros. Alem diftoaporq co-
moentreeflcs efpiritos ccleftiais tudo he pureza
& caítidade, procurem osmeímos cafados com
[todas fuás forças, q feja o fcu aroor/c for pofsiuel,'
(ião puro & cafto, que fempre as almas aquiráo '
graça, & as deleitações mereçáo gloria. Terceira
& principalmente, para q fe lembrem } que pois
i Deos foi o criador deíía gentileza q tanto recrea
deue ella fomente fer amada por amor delle fem
relpeito algú a recreações nem deleites humanos:
Para eítaconííderaçáo todos podem ter talento
& liberdade,& os intereííes que delia refuleão per
guntemfe a Luis nono Rey de França, a Elzeario,
& DelphinaCõdesde Ariano: a Guilhelme Du-
que de Aquitania.a Francifco de Borgia duque de
Gaudia^alfabel molher delRey Dom Dinis_,Ray-
nha & protectora do noflo Reyno : à outra do
méfmo nome cafada com o Lanfgraue de Lota-
ringia efpanto & honra de todos os eftados de
Alemanha: & vindo aos noííos naturais; pererun-
tefe por eftes interefles aoefclarecido infantebõ
Duarte filho delRey Dom Manoel, pay da ex-
C 3 ceilencifsima
r# fo]amento • l
cellentifsima fenhora Dom Citbarirta queDeos I
aia,& ano do fereniísimo Duquc,q ainda oje viue j
de Bar^ãçaipois fua milagrofá vida,& morcc (náo
viuendo mais que vinte & cinco amios) mercciáo ;
húa hiftoria mui copiofa,& náo a poucanoticia <j I
delle nosderáo osefcritores daquelle tempo: per- n
guotéíe mais a fua filha Princeza de Par ma, cujas
heróicas & íingulares virtudes efcreue o doutor I
■Injird. frey LUíS dos Anjos da ordéde Sito Auguftinho,
t-ir.*£>l onde fe pode ver a grande cxcellécia, & perfeição I
delias: a feu neto o mefmo Duque D. Theodoíio !
q Deos nos coníerue largos annos,o qual no cfta- j
do conjugal foube profeífar frua vidatáo cxeplar L
& contemplatiua,q faziaenueja aos caiados mais
perfeitos, 6c aosreligiefos mais recolhidos: a feu
bifneto fenhor da caía de Oropefa , que fendo ca-1
fado no mais florente curfo de fua idade , quiz
com penitécias anticipar a morte, para ter mayor
gloria na eterna vida:a Dona Hieronyma de Car- |
ualho moíher de Dom F/anciíco Coutinho, que I
foi hum prodígio de fonridade, como fe pode ver v
'Sard.ibL no mcfmo liuro òo doutor frey Luis dos Anjos,
• & nas chronicas da ordem de S. Domingos que I
Tc
l*?l : * compôs o infigne eferitor írcy Luis de Soufa: dos I
quais, & doutros muitos de que fe náo pode fa- I
zer larga menfaõ em papel tão eílreito: hús eftáo
canonizados pclla geral opinião da Igreja catholi-
ca.
perfeito {ê
cã" outros beatificados por particulares decretos
dos Summos Pontífices, & os demais alsinalados
com virtudes tão raras & manifeftas, que bçtn
poderão afpirar a qualquer deftas dmidades.

CAPITVLO. VIL

$u,e nao a]ã entre os cajados


defconfiancd?]

"sr"*^^ Oatro baixo deuem fugir os que prúfeííaõ


I I vida coniugal em que muitos (Jelles fazem
F^ naufrágio com mais facilidade, & mayor
perigo: o qual he a defconíiança , que anda tão
aninculada ao grande Amor, que para aquelles q
mais íe amão he mais importante efta aduerten-
cia: & pofto que a cófiança demafiada tem tam-
bém ícus encargos Sc contrapefos,como diremos
adiante: comtudo faõ mais ordinários Sc arrifea-
dos todos cftoutros de q agora tratamos. O pri-
meiro Sc mais trabalbofo hé aquelle infernal Sc
terribel monílro dos ciúmes, cõ o qual não po-
de auer alma quieta, nem vida fegura, nem virtu-
de firme, nem Amor verdadeiro , nem gouerno
bem ordenado, nem honra bem aualiada: onde
elles entra o, não ha coração táo generofo q não
penetrem, Sc deíanimcm, nem lealdade tãoeon-.
C 4 ~ ftante
2e £Afamento I
fíante que não defcòmponhão & desbaratem: ii
zem fubicas transformações de Amor em ódio,
de brandura em afpereza, de maníHáo- cm fero*
cidade, de alegria em perpetuas anfias & triftezas,
de rifo em miferaueis agrymas & fuípiros, & de
liúa vifta clara & defenganada cm mui perjudi.
ciai & enganofa cegueira, com- a qual fazem (o-
geicar a húa ineíma fofpcica a inculpaueis, & vi»
ciofos, &adeftruir com igual vingança a inno-'
centes& comprendidoj: & parece que o Efpirito
fanto poriflo racitamenre nos encomenda que
não aja entre os cafados defconfianças né ciúmes,
quãdo diz da molher forte. Còfida in eâcor "Ari fui-
u 011 3 ne a
Sal n ' Q * ^ C ^ ^ ° coração defeu marido- %
Earezao porque os noiuos fe dáoasmãos quan-
do fe recebem , não he.por fer neccfíaria aquclla
ceremonia para a eflencia do cafamento : porque
femellatambém ficarão cafados: fenâo para íini-
ficar a fé que fe deuem hum ao outro, & a con-
In PhlL ^anÇa 9ue conuem q tenháo de parte aparte para
incomu conferuaravnião & conformidade: porque o dar
vi. Alá. das mãos antjgaméte era final de firmeza & leal-
dade, como affirma Marco Tullio, & Scbaftiáo
Stochamero, & ainda en tre nos he oje vulgar cu-
íkme quando fc fazem amizades darem as mãos
em final de paz os que antes eftauáo defauindos:
& quãdp. fe faz em pratica algúa promefía cuftu-
majxios
I perfeito ■ 4't
m a mos a pedir a mão a queirf promette para cõ^
.firmar a cerceza delia, & iíio bem confiderado,
parece que fó para fe atalharem ciúmes fe ordenou
daremfe as mãos os contrabences nas ceremonias
do recebiméto, porque ninhum defeníiuo temos
para elles mais apropoíícado nem forçofo • que
húa confiança hõrada,como a teue o poeta Efta-
cio cô a fua querida Claudia , quando perfuadih-
. doa que quiíeíTe deixar a viuendadeRoma,& irfe
(com elle para Nápoles, lhe dizia defta maneira.

I Non metuone Lfafides,autpettoreiniflo Sylu.lLx


i^lter amor^nulLts in te dâtur ire fâgittis
Audiat infejlo /icei h&c tihamnufia vtiltu,
Non datur,& ficgometpátrio deltttorc raptus
* gttattior emeritis çer be/ia, per oppida luflris
Errarem, tu rmllc ptocos intM afagares
I Non intertextas commenta vcicxcre telas,
I Sedftrfe fraude palam: th álamof^ ar mata negares.

rQu.di. Náoreceyo quemepoffais nunca que-


brar a merecida lealdade, nem menos fe pofla in-
troduziu outro algum Amor em voíTo peito, por
que não ha fetta amorofa que o penetre: & outra
vez digo que a não ha, pofto que a deofa das vin-
ganças (fallaua como Gentio ) ouça o que digo,
com mà vontade, & ainda que cu andara vinte
annos por guerras, & mares àuícntc da pátria,
Jyòs teuereis cuidado de fugira inhumtínucis pre~
* ' "* tendentes N
^™^~

42, Capimento
tendentes tão.honefta & firme como fempre
foíles: & ouuercisde negara todos o efícito de
fua pertenção defendendo vofla firmeza & no-
neftidade.não com fingimentos de teas defteci-
das, lenáo com o esforço de húa fê muito con-
fiante & defenganada. * Sabida hc a hiftoria de
^Z^ Penélope molhcr de VlyíTcs, que em vinte annos
/ cjueellc andou aufente fendo de todos julgado
por m orto, fe efcuíou de cafar cõ cada Príncipe
dos muitos que a pretendião : dizendo que não
podia tomar eftado até* que não deíTe fim a húa
. tea, na qual tecia todo o dia, & cjcftecia toda a
noite. Também Annibal quando fe partia para as
guerras de ItaIja,defpedindofe da fua Imilce,a que
amaua em todo o eftrcmo>& eráo cafados de m ui
pouco tempo, moftrou leuar muita confiança de
fua firmeza , pois lhe diíTe como efereuc Sillio
Itálico referindo as magoas defte apartamento.
Lib ' % ?*r« & lacryms ftdifsima COííJUX.
'' ' Q.O. diz. Não choreis fidelifsiixia efpofa. # Porq
- não achou mais efficaz remédio para lhe fegutar
a lealdade, que rooílrar que leuaua delia min cer-
ta & fegura confiança:Pompeyo Magno quando
perfeguidode Iulio Cefar íe veyo a apartar de
Cornélia, por cujo'Araor fez tantas finezas, diz
Lucano que entre muitas, & mui piadofas lafti-
mas a confolou com citas palauras.
De
perfeito. 43
jyefovmh aàhuc vhunte mmU
a

SuwmttS, & Mg*'"- vctitúi dolor, vltma debet


ípfides.liigeyev.rítm.

Como fe ditfera. Eftou tão confiado no voflftí


grande Amor & firmeza, que em quanto me tcií
àcs viuo,uáo quero que choreis meu apartamen-
to, porque fero cilas lagrymas creyo a verdade, &
quando ouuer algum èfpofo que nao tenha tão
certas moftras da fe que fua efpofa lhe deue, ncftc
cafo,tomc a mefma fé por vitimo remédio ma-
nifcfUrfccom (ofpirôs, quceufem elles vos amo
& creyo. * Cõtaíc da molher do poeta Aufonio,
que com lhe moftrar que confiaua muito em fua
firroeza,viuiâo ambos com tanto Amor & con-
formidade, que forão énuejados & celebrados de
todos os mais cidadãos Romanos: & em ceife-
rounho defta verdade compôs elle o feguinte epi-
oram ma.
" Liihs & Glyceras ItfcMA Momhiaf.xnu BfigAt
Co»)nx in noftro carmine curn Legcret
Lidere me dixit}f4fo% in amorcjoc&n
Tanta, illi nofti 4 eft de prcbiUtc fides,

.QíLcliz. Quando minha molher ve nos meus


verfos que cclebráoos nomes de Layda, & Gly-
cera tão infamadas por deshonefhs, diz que o
faço por jugueto & zombaria, tanta hê a confia-
ca que cila tem em minha virtude & recolhimé%
to.
44 Captmentó
to. * Todos eítes & outros muitos que Co bem
fundada confidcração pcfaráo os males a quefe
arrifea quem íe deixa penetrar defta peçonha acf
colherão a confiança moderada, como remédio
prcleruatiuo de léus horrendos & monftruofos
cfjFeiros. Não fe valco dcllc a ciofa & furiofa A-
meftrismolber dcXerxesRey dos Perfas a qual
mandou rerirdeshumana &. disforme mete ahúa
. mui honrada matrona caiada com Maísiítes feu
VaíTallo, por hús ciúmes mal fundados que veyó
a ter de húa filha fuá, &r pelfa não poder alcanfai
pêra nella quebrar a fúria de feu raiuofo defatino;
a.quebrou na innocente máy,& com táo cruel &
afrontofa disformidade a mandou para feu mari-
do: porem euftoulhe depois a vida &o Reyno
Incdli corno largamente nos conta Heródoto. Ladoicé
opc. Raynha deSyria tirou a vida a feu. próprio mari-
do com fofpeitas de elle ter empregado em ou-
trem o amor que lhe .ella merecia. O mefmo
dcíatino
Bapt. íèz hum foldado por nome Villa , ma-
Fnlg. de íando a Odoaldo Rey dos Godos, porque em
vindiclc. quanto clle andaua aufente, lhe quiz cafar a mo-
Ihercom hum.feu valido : Outro mais deshu-
manô ? & menos vfado cometteo Dcuteria mo-
UinUc^l ócl^Y- Thcodobcrto, porque foi matat
Uettit com cumes fua própria filha que era enteada
de feu marido, & eftaua mui innocente
daquella
perfeito AS
cJaquella culpa fegundo re ferem as biftorias:& na
dos milagres do Santo Rofario íe conta de húa
caiada, que por lhe dizer o marido que vinha de
fallar cõ outra de mais fermofura,& merecimen-
tos fe matou logo com hum punhal que achou
diance: pofto que coroo elle o dizia ( fem dia o
entender) pella bendita Virgem no (Ta Senhora
de quê era muito deuoto,teue cuidado a Raynha
dos Anjos de lhe dar remédio, reftituindolha cõ
vida, & fem fofpeita. Efta faltou a húa furioía &
defauenturada Emilia Romana molher de Fábio, Bmdel.
que querendolhe mais que afua própria vida, co- ^ *
nau- 2.
\ mo veyo a faber. ou fofpcitar q elle fe entretinha
■ em nouos amores, fe deixou tanto leuar defte in-
Ifcrnal & furiofo impulfo , que o matou có a fua
Iefpada eftando dormindo,^ logo com a própria
acrauefíbu fuás mefmas entranhas,^ cahio morta
'junto delle. Mas para que nos canfamos em buf-
car exemplos do tempo antigo, quando nefte em
que viuemos fe podem achar mais facilmente de
não menos efpanto, & defauentura ? Duas fe-
nhoras mui principais de hua cidade da nofla
jHefpanha fe picarão há poucos annos de ciúmes,
deolheafuriadelles em fe defafiarem, como fe
forão dous foldados mui valerofos na peíToa , &
mui exercitados na milicia: fairáo ao campo me
tidas num coche, cadahúacom feu traçado de.
baixo
4<5 Qãfamento ■
baixo do manto; cm certo lugar fe íàirão dellc,&
foráo andando em boa conucríàção atê outro
mais efcondido, onde fe acutilaráo de maneira,
que húa delias ficou morta, & outra có mortais
feridas.
Hum homem illuftre defte Reyno trouxe da
índia húa cfcraua fua,com quem fe dizia q teuera
trato deshoneílOj cafoufe depois q veyo , 6c teue
táo pouca coníidcraçáo (cujafalraem femelhan-
tes occafioés hc muko grande vicio,& perigo ) q
a tinha ern fua companhia,alcanfou a molher al-
gúa noticia do que paílara, que nunca faltáo co-
riofos de tecer defgraças, & defgoftos: vencida
cila defte inimigo, a trataua continuamente com
muitos caftigos & rigores: fentia a eferaua dema-
jfiadamente ò ruim tratamento,afsi pellos termos
a que tinha chegado com feu fenhor, como pella
paixão, inueja, & magoa do lugar que lhe oceu-
paua fua fenhora, & com cfta vida continuauão,
ardendo em perpétuos ciumes bua da outra. Eftã
do eftefogo na mayor labareda,fuccedeo tornar-
fe o marido para a Índia, & cõ a mefma , ou aiiv
da piorinaduertencia, deixou ficar a maldita ef.
crauacom íua molher das portas a dentro. Por
caafa deita noua aufencia, fe foráo alaruádo mais
híía nos caftigos, outra no fencimento, & ambas
no ódio: até que a eferaua com húa diabólica re-
fulução
0

[ pet'feito 47
j fulucáo fe determinou em matar a fenhora:man-
] dou fazer fecretaméte hum cutelo muito agudo:
I & hua noite qae lhe parcçeo mais accommoda-
da para feu infernal intento: fe foy para onde a fe-
nhora dorm-a, & de caminho" matou húa dona
da mefma cafa, por lhe não fer impedimento no
que não podia executar fem que cila o viíTe. En-
trou com o cutelo enfanguétado pello apofenco
em queeftaua a fenhora jà mcdiofa, &'fobrcíTal-
tada com o rumor & gritos da cafa de fora: & fe-
chando logo a porta por denrro, arremeteo para
a fua cama, arrebétando de raiua & fúria: dormia
junto delia húa fua colaça,que lhe era muito affei-
çoada-, & vendo a defatinada refuluçáo que a ef-
craua trazia, fe fez efcudo dç fua íenhora contra
os furiofos gol pesque já fobrelte defcarregauáo.
Não queria a ráiuofa eferaua matar a criada, ou
foííe por fer amiga fua, ou porque noííb Senhor
afsi o ordenou, para não fer mayor a defauentura,
& não fazia mais que andalla ferindo icuemente,.
dizendo que a deixaííc matar aquella inimiga:po-
rem ella por fe lhe andar pondo feropre diante,
leuou vinte & fete feridas, cada .vez cõ mais leal-
dade, & mayor esforço. Acudio entre tanto aos
gritos a gente de eafa,& o pay da própria fenhora
cm cujo poder ella ficara , & todos attonitos, ôc
marauithados arrobarão as portas, & acharáofc
- - - " "'" com
4-3 fyfx mento
com aquelle efpe&aculo tão horrendo & aJmi-
rauel, & em duas molheres fracas dous eftremos
tão dafufados, hum de raiua, furor, & defacinoj
outro de Amor, esforço, & lealdade : veyofc a
efcraua chegando para ellcs muico fegura & con-
fiada,& pondo os olhos no pay da fenhora, que
eftaua como fora de d por tão eftranho aconte-
cimcnto,lhediííe com muico foflcgo & feguran-
ça: Que vos parece? Quem tal fez, merece a mor-,
te? Não tinha bem pronunciado eftas palauras,
quando feàtraucííou com o meímo cutelo; cor.
reráo logo todos a ella para, lhe eftrouar tão fu-
riofa & barbara morte; mas ja- a miferauel alma
eftaua no inferno, & o corpo eftiradõ no meyo
da caía. Soppoílos eftes cffeitos, & outros muitos
de diuerfos infultos & crueldades que os ciúmes
trazem comílgo, fe aduirre geralméte aos homés
ca fados, que íe conftrangidos defta mal confide-
rada opinião, a que vulgarmente chamamos ho-
ra, acharem (do que Deos os guarde) que lhe cò-
uem acudir por ella em matérias defta calidade,
examinem toda a fofpcita com muita confidera-
ção & diligencia, não fe confiando nem de fua
própria vifta, porque jà aconteceo enganarfe al-
guém com ella & nacer deftc engano morrer
deshonradaquem viuia com muita honra:& por
efte refpeito dizia Menandro tratando da ira; Klá
Jàefc
perfeifâ 4?
'&firbuerh,'a7átMs vtdebii. Qu.di. Como a iraAc subi
resfria então tem mais aguda vifta.í* Porque a Cir à(
r
verdade he q nao ouue nunca cm> matérias 'grauçs .:
reíblução precipitada,que náo foíTemui perju- •
dicial,*& perigofa. Cheyos andáo os linros àcxmr
tenças, amoeílações ,• & exemplos ç cm que nos
procurãoperfuadiro vagar Ô^coníelho comque
fedeue tomar fatisfação de agrauos, & particular-,
mente nas occafiões de que tratamos, que comp
fao as dcque os homens :màis Icíccatao,» as eni
quetempofto-osmayofes quilates de fua honra
(Te hà coufano mundo q mereça tal nome) euf-
tumáo arrojarfe mais facilmente a caliíicar quaif-
querfofpeitas,queas mais das/Vezes faõ.fabulofas;.
porem depois, julgue cada hum a grade afflição,
& agonia, em que deue ficar hum homem' chrL'
ftáo, & bem nacido paliando o ímpeto da ira cõ
que matou fua molher per adultério, fcaueriguat •
que lhe náo tinha culpa-, antes córròfpondeo( co«
mo hé de crer que as mais delias fazem) com a
dèuida obrigaçãode feu recato, & recolhimento;
que anguftias, que arrependimentos, qns reccyos
lhe deucm perturbar todos os fentidos,húas vezes-
comos rebates da juftiça, outras com os affaltos
da confcicncia, & fempre com as lembranças de
fua cegueira & defatino! Quantas., <& quão aper-
tadas inquietações deue padecer fe acertar M, k
D • v«
5Q fáfamento
veremhúa páfaõ perfeguido de. importunações
• - dos accufador<%deameaçps dos algozes, de pra-
éas & calumnias-dosjnimigos r&iem fim redu-
zido a termos, que ou há de perder a vida, ou fal.
s
tíallacom húa perda irreparauelda alma,& da hõ-
Êãvpois não tem:por remédios humanos oucra
dcfefa;fenãò prouarenganofamehte,que ainno-
cente molher lhe mereceo a. morte : certo' que fe
lhe paííar pello penfamento que há Iuizo, Infer,
tíd, & Eternidade; nâo.pode .ter mais cruel aflli-
çáo,nem mayoraperto.:Neftefewo hum íenhor
Caftelhano, cuja memoria fora mui jufto quefe
celebraííe em todos os liuros,& nações do mudo,
peite* esforço & chriftandade com cjue.procedeu
fílH. no fucceíío feguiiite.. Era cafado/fegimdo contâo
&ifp. as Crónicas antigas,cõ húa filha d'elRey de Leáo,
& andando na guerra contra os:Mouros,lha fazia
; muigrande contrafua honra , hum- homem que
dê nòicclhefalta tiaos muros: chègoulhe noticia-
do que paíTaua, & ainda que confuíòy& perturba-
do'- quiz miefmo fer fua teftemunha; porque não
hèprúdehciagóuernarfeninguém em coufastáo
próprias porinfòrmaçoés, néjuizos alheyosi&
vendo que ítfbia quem quer que era, pellas pare-
des do feu jardim^ & faltaua dentro-, fubio logo,
& íãltoutras-cUc:& achouo cora húa molher ju-
Co cófigo^què pòUõs geicosJ& trajos, lhVpateceo-
: - ° V- ° * fer
perfeito. ' 5T
fera Infante^ & fera mais detença nem dilcurio
ernbebeo a efpada nellc, & correo trás cila, q lhe
foi fugindo para o apofento onde a Infante dor-
mia^ entrou correndo com aquella raiuofa furiã
em feu alcance, & achou a mefma Infante fua
molher aílentada na cama mui inquieta, & fo-
breííaltada : & certificado per eftas: mal confide-
radas moftras fer cila a própria que!he vinha fu-
gindo, lhe começou a dar de cruéis eftocadas: no-
mefmo tempo , fahio húa molher de debaixo do
leito , vcftida nos trajos da Infante gritando que V

efteuefle quedo,porq ella,& náo fua fcnhora,me-


recia aquelle caftigo: era efta húa dama ou criada
fua, q depois dá infante eftar recolhida, fe ornais
com os íeus veftidos,& fahià ao jardim a recrear-
fe com hum feu namorado , queera o que o fc-
nhor deixaua morto: & defatinada cõ o medo da.
morte fugio para ondeeftaua fuafenhora a pedir
q a foccorreíte, & fe meteo debaixo do leito:elia
que náo fabia parte de. tal fueceflb, acordou ao.
eftrondo dos gritos, & fe aífentou na cama cõ a
confufaõ & fobreííalto q a vio eftar o cego mari-
do: quiz a culpada atalhar ao raal cõ dizer a ver-
dade, porem náo foi ellc tão venturofo que che-
ga íle a cempo efte remédio , porq já a innocente
& defauenturada Infante ettaua morta das feridas,
& ellc de dor & arrependimétoquafí tábem mor
D 2. to junto»
<?£. Ctffamento'
co junto cõ ella. Ao outro dia fe foi a elRey com M
hú grilhão nos pês:& lhe diífe publicamente que
cllefatisfezera cõ fua hora parecedoihe q a infante I
lho mcrccera,porem q depois da yingãça execura
da lheconftara claramente de fua innocecia,q a li
vinha ja preío em ferros diáte dclle pêra q mádafle
logo executar a juftiça.ElRey vedo rezÓes táo ju-
fíificadas,lhe cócedeo a vida,& elle a foi logo per-
der em feu feruiço fazédo marauilhas de valentia.
Mais confiderado foi, & com melhor fortuna
hum fidalgo Português queeftaua antigamente
por embaixador na Corte delRcy de Caftella:
chegoulhe noticia que,entraua hum homem as
mais das noites pella jenella do apofento onde fua
xnolher dormia: veyo lego fécretamente infor-
marfe do cafo, & achou que era ainda mais do q
lhediííerão:&quede huas linguas para outras '!
(que íàõ as naualhas de todas as honras, ) fe hia
pella fua cortando largo. Nem ainda afsiíe quiz
confiar fenão de feus olhos, & com elles vio em
hííanoiteefeurafubirporhúa efeada de cordão
caufador de fua deshonra: fubio .elle depois com
muito esforço, & reíelução pella mefma efeada, /
& entrando muito fecreta & manfamente pella
janella dentro,náo fentio rumor na cafa ne rafto, j
ou final algum de ruim fofpeita,foife pêra a cama
onde a molher eítaua ainda ciofo, & n>ai ineli- 1
" .' •*"* nadou
I perfeito. 52
nãdô]& não achou mais q a elk dormindo mui-
to quieta, & defcanfada^porq a innocencia reccya
pouco & fofpeita menos: efpátado & indetrimi-
nado andou teteando có a eípada todos os cátos,
até cj pellas gretas de húa porta enxergou na cafa
de dentro luzir candea;& (entindo falíar hum ho-
mem em voz muito baixa,acabou de entender q.
aly deuia eftar quem elle bufeaua : abrio a porra,
& entrou de repente, & achou o com húa criada,
a qual o metia em caía todas as noites pella janeila
da mefma camará defua fenhora,depois q.a ícti-;
tia metida no fono:Acabou elle de quietar feu fu-
riofo fentimento, com ver q fua honra eftaua fc-
eura;& dado aos laciuos & atreuidos amantes feu
jufto cattige ,.manifeftou o que: paííaua a toda a
cidade, & tornou a cótinuar c5 a íua embaixada,'
bem mais quieto do que veyo. Bailem eftes dous
exemplos poíto q não faltarão outros muitos de
não menos efpanto & authoridade peia perfuadir
a todos os homens,quão examinadas hé bem que
fejão todas as fofpeitasjainda &s que parecem mais
forçpfas, & defenganadas,pois eltamos defcubrin-'
do claros enganos nas coufas q a própria vifta efta
julgando por tão euidentes & verdadeiras.
C A P I T V L . VlIIf
Segundo enca rgo da dejeonfiança,
D 5 O Tegundg
54 Qafamènto
c Segundo encargo'da dcfconíiança fté afal
r ta de vniáo & cõformidade,fem cujo vim
culo fe diuidcm logo võtades,opinioés,&
procedimétos: ôc (cmpre a paz hé violenta, a vi-
da trifte,o Amor arrifcado,& tudo refukaeni de-
trimento do goucrno da caía, do tratamento dos
criados, da correfpondencia dos amigos: porque
tanto 6 os caiados defeonfiáo hú do outro , cada
hum cuida qviueenganado,&: pello meímo cafo
fempre defeja ou executa coufas muito diffeiéces
do q o outro IhcofFcrcce, ou aconfelha : cõ efta
defcompoííção não pode fera paz verdadeira, ne
os eíreiros delia permaneceres, pois fe fundão em
dcmonftraçoés difsimuladas, 6 faõ occafioés de
toda a mudança : a vida ha de andar fempre ác(-
gofíoía cõ eftes contínuos cõtrapefos,q faõ tanto
mais pelados, cV trabalhofos, quanto o primor
Sniis os encobre co m alegrias exteriores: & náo
ba pena mais rigurofa, que andar de contino com'
lilo na boca, quem traz as lagryraas dentro nal-
ma s em contradições tão continuadas, há mi-
ôcr que feja o Amor de bronze para perfeuerar
tm iua conibneia: porque, como diííe bem hum
i*-t -tf autor diferito. Con \ugum ynifermitas nntrimentttm
umisr. ^imms efr-JI \urganturjefic/>,Qu.diz. A cõformi-
dade aos cafado* hé como leite com que o Amor
fc cria, fcelles a perdem,desrallecc, * Nem pode
» " ~ ~ ~ aucr
perfeito. TSS
iúcr família bem gouernada,'fe entrara defeon-
fiança entre os que forem fenhores-delia : pois
como cadaqual gouerna por leu caminho, tudo
fica incerto, & foipeitoío: tudo variado, &.dcf- •
comporto : porque ainda que conforme a.dirçi-
to, os maridos fap a cabeça,, & a elles- pertence a
principal parte do gouerno : com tudo. não de-
uem fcrasmolheres tão excluídas, que fiquem
em grão igual com os criados : quanto mais
que hà coutas que lhe pertencem tanto a cilas,
que fe os maridos as goucrnarem, íerà muito
grande defeito feu, & muito mayor dcígouernp
:da cafa : afsi o declara Ioão. Stobeo , referindo, ,
hum togar do antigo Naumaquio, no qualre-'
partindo o gouerno quele hà de ter entre os ca-
gados, a elles dà os negócios das portas a fora, Sc
■:■& cilas os das portas adentro : & ainda nas ma- - t
terias cujo gouerno totalmente pertence a elles,1 .
hé muita rezão q também cilas tenháo feu voto; •., 'V.
.afsi por não encorrérem neíle trabalhofo encargo
. da defeonfiança, que faz tão imperfeitos os caía-
mentosj como porque já fc vio, repararem ellas - -
muitos erros a feus maridos, & atalharem a defa-
»uenturasqueellesouuerão de padecer,feellas não
foráo. Bem o experimentou Nabal cafado com . ,
Abigail (hiftoria bem fabida do Teifto fagrado )J£2£*
~quc.como.cllafcdetriminoii.aosouernarJemen-.' ".."
,;,;; P4 dando
■ y$ fafamento
dando feus erros, logo euitou a deftf uição que vfc
,nha caindo íobre coda a caía. Viofe o mefmo na.
r < uc íls
?lut. de J ^ prudentes molheres de Períia, que vendo
huâib. feus maridos fugir dos Medos, q os tinhão desba-
«##«;• ratados; fe lhe puferão todas diante, & repredcn-
dendo fua couardia, os fezerão voltar fobre os \
inimigos,& alcanfac hua honrada vitoria: Eíteuc. ]
•raLucumo toda fua vida nas choupanas dos cam. j
pos de Hetruria,fofrcndo defprezos de feus nacu-1
rais, & perfeguiçoes de feus aduerfarios, fe Tana«
quil fe não entremetera em o gouernar,& trazello 1
a Roma, onde veyo a fer hú dos Reys mais a fa-1
'Siaius', mados que floreccrão naquella idade (cite foy Tar
dcci.l.í quinto Prifco tão celebrado naquellas hiftorias)né
Hj depois fua filha fora Raynba,fe elle fe não gouer-1
nara pellos difcurfos da meíma fuamolherJ& por i
I lAcebJe^s ftaç2s,& confelhos: nem Didio Iuliano, que
Effr*. depois fe chamou Commodo, chegara a por co-1
foi, p2. roa de Emperador fobre fua cabeça, fe não teuera
huamolher que o encaminhou para alcançara!
foberana furifdiçáo q depois poíluhio no mundo.
'Lib. ^.Das molheres de Sparta conta Alexandre ab Ale-
itf. é\ xandro que precedião aos maridosjcm todo oge-
Lib. 2. nero de gouerno : Sc o mefmo conta Heródoto
L 3
r* ' das do Egypto, & Ioáo Boemo das de Hefpanha,
ria't-^ *°*° Sco^eo com ° mefmo Alexandre das dos
fer. ^.Sauromacas. Achãofe em fim em codas as hifto-
nas
■perfeito. )y
rias muy vários & memoraueis exeplos defta ma- AUX:
teria, porem faõ aqui pouco neccÃarios, porque vbifaf^
muitos exprimentamos a verdade delles no trato
& gouerno de noíías cafas. E tornando ao inten-
to : também eftc mal da defeonfiança refulta em
dano da corrcfpondcncia que fe deue ter com os
bons amigos: porque fc hú dos cafados começa a
defeonfiar das conueríaçoés, & amizades do ou-
tro (tratamos das q forem boas, porque as que o
não forem, euitallas fera virtude, &difsimuíallas
muy grande vicio) hè forçado ou dar de mão a
ellas em detrimento do primor,que obriga a con-
feruar as amizades licitas, ou arrifear a muitoiili-
citas differenças toda a quietação & conformida-
de : & nefte particular ainda hé maycr o encargo
dos maridos,& lhe perjudica muito ferem cabeça-,
porq defeulparfe hum homécm femelhantes ma-
térias com foa molher, hé floxidáo, groífaria, èc
deferedi to: íbfrer os deígoftos q delias procede,
hé grande pena,afflição,& tromento: como foi o
em q íe vio hú home hõrado, q rendo cõuidado a
certos amigos de muito mais calidade q elle, dos
quais a molher,por húa mal fundada deícófiança^
goftaua pouco: foitáta araiuaqelía tomou de os
ver em cafa,q lhe laçou todo o jãtar(q tinha eufta
. do muitos cruzados)détro nu poço,quádo fe que-
riáo atfentar á mefa:& deitas cais dizia o Satyrico.
»—• •«*-.-*
58 . Qdfamenio
■ saty f- Viuittanfluamúcinamarito]
x
Hoc folo proprior juod amicos conjugis oâit, j
QLL di. Náo viue com o marido como fua mo.
lhèr3 fenão como fua vizinha^ & fó lhe fica mais
chegada em querer mal aos feus amigos- *.Náo
té ifto neceííidade de mais hiftorias ^aexperiécia
de cada dia; a qual nos moftra bem claramétc is
brigas^enfadamécos^ dcfgoftos q cftas occaíioés
trazé côíigo.
: CAP. IX. . i
Terceiro encargo da aefconjiança.
L T AM caufa menos moleftia & perturba-
ção o terceiro encargo^que he-o perigo em
que fe põem os defconfiactos de lhe fazerc
tudo ao contrario, ou ainda pior do c] procurâo,
dé(cjáo,ou midáo : porq he táo próprio da noíía
natureza defejar fempre o q lhe defendem, q dif-
ficultofa mente fe ha de achar pefToa alçúa, que de
&
f c ' i '
•coração ie coniorme com as obras nem vonta-
de de quem a tratar com defeonfiança, & pêra
os caiados ainda hè efte cuftume mais ordinário,
por terem mais aperrada obrigação de fer entre
h muito confiados. Conhecendo Menandro phi-
• lofopho os effeitos defta verdade, fez a todos os
caiados efta aduertencia, que foi bem celebrada
Sieb-to.2 entre os antigos., ffilurimumreferi neynjuamW
fatiem
I perfeito 59
fapkns nimis ctiftudtat exorem ih penetrdib us adi-
Wnm, nam matresfemper apPetunt quod Utet. Como
fediflera. Importa muito que Q homem pruden^
■te não defconíie tanto de fua molher, que a feche
(nos mais remotos apoiemos, porque as molhe-
Bres fempre defejão o que fe lhe efeonde. «f. E náo
Bhaduuidaq quáto mais o defeonfiado fc defuela
I em por leys, preceitos, & ameaços para fe fegurar
Ido que rcceya,tanto mais ardis, enganos,& traças
I lhe andáo buícando pêra lhe meter a mão em
Itudo o q guarda. Plutarco nos moftia ifto clara-
ij mente dizendo dos filhos de pais auarentos. Tan- I» me
quam de alieno amicis Urgientes} & infuas "polttp-
i tates condimentes f qmd furtim potnerunt auferre.
Qu. di. Tudo ò q lhe pode tomar fecretamente o
J gaftáo em feus paflatépos, & de feus amigos, co -
i mo fc fora dinheiroalheyo.^, E por experiécia te-
1 mos vifto,q mais depreda roubáo os criados a hu
J fenhor auarento , & defconfiado, q fecha tudo &
.1 o guardacomíígo , q a outro fácil & liberal,que
confia dclles fua fazenda. Eftas rezo és dos criados
I & filhos, com mais rigor fe deuem cõííderar pel-
las molheres,pois como precedem tanto a nus oc
j outros, claro eftá q deuem fentirmais quaifquer
1 pequenas defeonfianças que com cilas vfarem feus
máridos:& não fazendo muita reíiftencia oente-
dimento^eftáo arrifeadas a bufear todos os meyos
7 - :- - pofsir
6o Capimento
pofsiueis para executar fua vontade pclla mefmà
rezão q lha contradizé : & bé fe deixão entender
os t rabalhofos incõuçniéces q pode refultar defte
perigo: do qual foi por feu dano boa teítemunha
4
r , ' aquelle IacomeBcllinoItaIiano,q tendo húa mo-
nou.31- lbet muito honefta & recolhida, forão tantas as
deíconfianças cjcõella tinha,& os recatos imper-
tinétes cõ q aguardaua,ate q lo por fe vingar dei-'
les efperdiçou a honra,& honeftidade. Efte traba-
lho aconteceo a muitos, a q fua incõfíderada def-
confiança obrigou a vfar de rigores & violências:
& pôde acótecer a todos os q não fouberé refrear
efta paixão, nem temperar có foíTcgo & prudecia
feus impulíbs,& demaíías: porcj fempre aquellcs
vicios èftáo mais ccrtos,a q mais nos inclina a na-
tureza : & como ella ordinariamete cuílumaap-
petecer o q lhe defendem , bé fe infere q quanto
mayores foréos recatos,táto mais prontas eftaráo
as offenfas, fenão fuprirem as forças da virtude,ou
os exceííos daprudécia. Em húa paz tão arrifeada-
não pode o Amorconferuar aperfeiçoo deuida,
nem a perfeuerança necefla.ria, pois como a prin-
cipal coluna q o fuftéca he húa vontade defenga-
nada, logo o derrubáo os enganos q vfaõ entre li
es delconfiados: & alguas vezes fe perde tanto, q
veyo a dizer Horácio fallando com hum que fe
não queria cmmendar na defconfknça,, . • <
Wfí
I ' perfeito. > 6í
fltn vxorfdtwm tevdt, nonfilhs, ontna $A{„ f^
f yicwiodevttnt,notij>ueri,atfypuetͣ-
*

Qu .di. Ne voífa molher nem voíTos filhos que-


rem que tenhais faude^ & atê os vizinhos & co-
nhecidos, & ainda as crianças que não entendem,
lyosdefejáomalporeííerefpeito. *E faõ dema-
neira perjudiciais os effeitos da defconfiança que
até a impérios & monarquias põem em notauel
rifcodefeperdercm,como poferãoao de Mace,
|doniaemtempode .Philippopay de Alexandre
com as continuas deíconfianças quecorrião en-
tre elié & lua molher Olympias: atê que pararão Iuji.jH,
em morte cTambos. Defconfiaráo os cidadãos g*j»t.
r/
Romanos da liberdade de fuás molheres por euf- <?» *
tumaré andar em coches muito cuftqfos paííean-
do pella cidade, & querendolho impedir com rir
gores particulares, pello mefmo cafo o fezerão
peior:até que quiferão tomar por vitimo remédio
fazer no fenado húa ley,ou prematica em que to-
talmente lhos defenderão: &vendo ellas quejà
por aquelle caminho não podião leuar a diante
fuás,vontades, tanto mais eíficazes, & apetitoías
quanto tinha rnayores forças o decreto que lhas outd,
impedia, fe conjurarão todas em impedir a gera- Fajl.l. ç
ção,& com ella a total conferuação daquelle Im-
pério, &: como fe fentião de dous ou três mefes,
logo fazião diligêcias com que as crianças fe não
lograílem,
6t fafamento
loorafifem ,& nenhua deixauao chegar a tetnpo de
riafcer em termos qae teueííe vida, foife aduirtinJ
do nefta falta por toda a cidade,porq por diícurío
de dous ou três a mios não nafceo nella criança ai-
gúa; ate que fabendo a occaíiáo, queelias confef*
• íaráo facilmente, fe cfcolheo por menor inconue<
niente largarlhe os coches, que perder os filhos}
& com efta dcfconfiança fe poferáo em rifco de
fe extinguirem breue tempo a força. & poder do
' Impcrio Romano.- Pello queféaduirte a todos
06 cafados, que fc guardem de dar occaíiáo com _
defcõíiançasa lhe procurarem infidelidades: por* I
-quedepois do,trabalho acontecido, feofabem,!
náo tem rezão de tomar vingança, pois foráol
occafião de fua deshonraj fe o não fabem, que I
mayor mal ha, que viuer enganado, remediaii-l
do com ignorâncias o dano que lhecaufarão fuás I
fofpeiras. AíTi o diíle ha muitos, annos o grande
. Trafico Latino. Iners íMAIOYIí remediuignorantUctt-
oEáip- QHi di- Não faber parte dos males he hum friuo-
lo ôc defabrido remédio delles. i

CA.PITVLO X, ,

. Gjjtenaofeja a confiança tao de-


mo, fiaâa quefaça
danOi
Mas
' . perfeito.
«
65
A S efta confiança que com tanta rezão.
fe encomenda tanto, tem também léus
I limites táo demarcados, que excedellos
[fera outro vicio de grande perigo, & perjuizo-,
[porque em todas as matérias faõ os extremos vi-
Icioíbs: &,aííi como os homens por fugir de fer
lauarentos não deuem dar ern efperdiçadores,nem
porcuitar conuerfaçoés illickas, deuem ter odiq
Icapital a eíías pcfloas a quem tinhão amor desho-
Ineítoj nera por emendar fuás ruins linguasfede-
luem conuerter em táo calados, que não tornem,
|fe for neccíTario, pella honra & fama de feus pró-
ximos, o que tudo faõ vicios tanto para fe abo-
minar, como os feus contrários: afsi os defcòn-
fia.dos quando remediarem efta fraqueza, • não ha
de fer degenerando cm hum defcuido que faça te-
imar liberdades demafiadas •: '& por efte & outros Ctf\- '
Irefpeitos chamou Horácio difcretamente doura- /,£. 2#
Ida a mediocridade; pefartdo bem quão importa--od. 10?
Ite cila fejaem todas as çoufas, ôc os encargos, ôc
Idefconcertos que muitas vezes refuhão da falta
■delia : Sc nefta matéria de q tratamos,ainda fe de-
lue recear mais quaefquer excremos,,pois pertence
já noiTa inclinação. .& natureza, a que aquelle ad-
mirauel varão Gregório Lopez chamaua enga- u ^
nofa, & roubadora, como quem era vencedor bé ejll^
experimentado de feus aflalcqs 6c filadas. Por cftef^ 24..
r".. T ' '"■ "' mefmo
64 (^aj amento I
mcfmo réfpeito encomcndaua E.uripiJcs nõs quel
fe cafauáo,que não fácilitaííem cm nenhum tem.l
Stob. to. p0 0 tm0 particular de fuás caías.Nttmquum ofortÀ
Zl i .
yglat-W
• ' viro Jfapicnti
l mulierc
..
retniltcri
1,1
franam: Quidi.Niinnfl
r I
Xeo0m conucm ao homem prudente dar a íúa molher
liberdades demafiadas.% E Sócrates põem a cllcjl
a culpa dos defeuidos & defcõpoíições que ellasl
teuerem, quando nacerem de muito fobejas cón-
lâc. i0. fiáças: Si per viri indulgetniimpeccmetit^ion tamipfi)
quam vir eius t.unfahhm•• Qu. di. Se ella fe defcon-l
certar por demaííada largueza de feu marido, nád
merece ella o caftigo, fenáo clle. ^ E TerêncioI
muito tempo depois deo á rezão deitas opiniões
T/t Uem dizendo : Deteriores otimesfumus licentiâ. Qu. diz.
ê OM. Com a liberdade nos fazemos piores. % Coufa héí
cita de .quefe deuem ter contínuos receyos, & I
tremores, pedindo a Deos com efficazes rogos q
«os dê graça para reformar as vidas, & perfeuerar I
em fantos curtumes, refiftindo valcrofamete aos |
ímpetos & impolfos de noíTa mefma natureza:
porque não tem numero os precipicios & barra-
cos a que andamos arrifeados em quanto ella te
áfuacontao goucrno de nojflas almas: & nas
molheres hè ainda mais importãteandar fempre
mui percatadas na conferuaçáo de fuás- virtudes:
& como a honcftidade lhe ferue de pedra funda-
mental de todas ellas, &:neIlaconfifte a fuare-
. * putagao
perfeito. .?
putação, & cm algúas fua própria vida, importa- .
lhe muito que fe guardem com todas fuás forças
& vigiladas de qualquer occaíiáo que lha ponha
cm rifeo: aduirtindo q íe luia vez chega a fe per-
der, difficultofamente fereftaura, que afsio en-
I-carece Séneca Trágico.
£t ctui redire cum ferk) nefeit pudor. . In Ag**
Qo. di. Náo fabe cornar a honeílidade tanto que
■ húa vez íedefencaminha. .> E vifto como cila
I entre liberdades ás vezes anda tão pouco fegura,
lhe bõ confelho pêra os homens dcíuiar fuás mo-
llhcres do perigo das occafioés,reftringindo a lar-
(crueza das licenças. Pcrmitcioas antigaméte elRcy.
Mcnelao a fua moíhcr, a mais fermofa que as hil--
Itorias celebráo, tanto fem tento, que indo a húa
íjornada muito larga lhe deixou hum hofpede em
Icafa, mancebo, gentilhomem, & namorado: &
de quem por ventura tinha alcanfado algus finais
Ide atrcuimento, & nella outros tantos de liuian-
dade, & dos males q caufou efta confiança,ainda
lojc cftão as laftimas viuas, pello andarem ellas
■tanto nas memorias. Nem eftão muito cfqueci-
Idos os que rcfultaráo da culpa q cometco aquella
mal guardada Raynha de Lydia, por confiartan-
Ito delia feu marido que a quiz moftrar a hum feu ^
criado cm lugar & poftura q fô acllc percencião; in c{j9
Bem culpado foi fempre Cayo Ccfar pellos adul- fcti //.^
I E tciios
'66 Qafamento '
r ter s
/íif^ */<? i° de Ccfonia, pois tendo mui larga expcric-
Elír» in cia de fuainclinação pouco recolhida^ trazia em
'*$&' trajos de foldado no trato & conuerfação de ícus
&<**' amigosmem teuc menos culpa o Emperador Elio
'JulUap. Percinaz nos ^e ^ua molher Flauia Ticiana. pois
i» Pert. fabendo que daua fauores públicos a hum íca ma.
fico/c confiou delia com tanta defordem,que fez
com que de todo fe defordenaíTe em feus depra-
'Sana, uados & afrontofos coítumes: deixo o que fuece
K*i ?• deo a aquelle confiado inpertinente de Piamontc,
que pot fazer a vontade 3 íua molher a deixou it
facilitando com hum galáte que a viílcaua de bai-
xo do titulo de parenteíco (títulos que muitas ve-
zes podem fer de deshonra para caiados mal aduer
tidos) & veyo a parar eila facilidade em os achar
húa vez em termos, que logo marou ao parente,
que fe tinha jà tornado adulcero, & a eila fechou
com o corpo morto, até q a fez morrer cm pou-
cos dias de arrependimento, defgofto, <k medo,
ld'$AY.\ Deixo aquelle táo nomeado acontecimento do
Conde Philippo de Lombardia3quc de fazer pou-
co cafo de hús poucos refguardos que foi enxer-
gando em fua molher, fc veyo eila a defeoncertar
com hum archeiro da fua guarda, & deite mal
vieráo em breue tempo a morrer todos, o archei-
ro enforcado na cafa, a Condeça afogada no rio,
& o Conde de hua fecreta & refinada peçonha q
I perfeito iy
lhe tinha dado a mcfma Condcçà.Outros muitos
[exemplos de femcihantcs defaftres referem diucr-
(fas tradições, & hiftorias em teílemunho & cali-
-ficação dcftc perigo: & pofto que hà muitas tão
feguras na honcftidade, que ninhua licença nem
liberdade bafta para as fazer perder hum pócodo
qne dcuem a fuás honras & cal idades, comtudo
aduírtão elles que efte dom da virtude, ou enten-
.dirnento não hc obrigação fer igual para todas;
& mais vai fegurar com juftas cautelas, que coa~
fiar de primores incertos.

CAPITVLO XI-

O meyo quefe deite tomar entre d con-


fiança & a àe[confiança.

"^ Porque parece coufa difficukofa acertar i


carreira entre cftes dous baixos tão vizinhos
entre fi que quaíi fe ajuntáo hú com o ou-j
" tro, o meyo q fe dcue tomar para não errar nella,!
jhe efpreitar cadahum logo no principio a incli-
nação & natureza da molher que lhe coube pot
forte, & conforme ao que achar por experiência
1 lhe aperte, ou alargue ofreyo das liberdades, ÒC
afsio das confianças. Não tenho por difíicultofo
cite r emedio para os prudentes (que c({cs fa.ó os
Ei com
H Qafamento
- com que falíamos) pclla facilidade com que a f<%
minil inclinação cuftuma dar moftra de feuseíci
tos: porque náo he pofsiuel quea diísimulacáoa-
trága fempre tão reprimida, & mais nas molhei
res que pella mayor parte cem menos aftucia, &
capacidade, que fe náo venha a manifeftar por ai- j
gum geito, final, ou palaura; ao menos coma-j
quellas peíloas com quem fe craca cão mifticamé>
"te,como fao os maridos r & com clles ainda cilas'
íedeclarao com menos cautela no primeiro tem-
po dos feus defpoforios: porque como quaffeo-
das ehamáo ao de folceiras, cempo de criíteza, &
catiuciroj &lhe parece que em fendo caiadas tem
cercos os goftos & liberdades; perfuademíè logo
que os próprios maridos lhe haó de fer fieis execu-
tores de quanco as cfperanças lhe promeciáo, &
com efta cerccza,em que dcfpois fe acháo algúas
bem enganadas, náo podem deixar de dar. claras
. moftras de fuás inclinações,& nacurezas: porque
todos osvicios porgraues que fejão, começáo
por húas liuiandades de que fe náo guardáo neftes
princípios as que faó inclinadas a eiles: com efta
c
cxpcriencia,conhcceráo bem faciimencequais oc-
cafioes lhe deuem colher, & quais permitir, para
náo fer neceííario reformar demaíias,nem atalhar
a defeoncertos. Importa muito ferifto no princi-
pio,porque ainda que pello diícurfo dos procedi-
mentos
perfeito. \ - 35
tííentõs fe pode com mais certeza ir alcatifando
o bem ou mal a que (âó inclinadas, poderá ir co-
meçando algúa por coufa cão graue, que primei-
ro chegue a culpa que a fofpeita, & a deshonra
que a experiência, & por não fer ja tempo de re-
médio, feja forçado víar do caftigo: & porque o
preferuar dos males he fernpre maior defcáfo que
remediallos, he mui importante a todos os que
cafaõ, & fe puder ferros que fe afíeiçoão, tirar an-
tes diíío eftreitas inquirições primeiramente da
vida & curtumes dos pais & família da pefloa que
pretende ou lhe oferecem, porque ainda que al-
gúasnão imitem os defeitos, & mãos procedime
tos em que fe criarão, com tudo te eftas mefmas
contra ú a ptefunçáo geral, & hum cuftumc tão
antigo, & ordinário, que hua das rezões com que
Parisfiího de Priamo Rey de Tróia quiz perfuadir
a Helena Rainha de Grécia (de q há pouco q tra-
tamos) a fe deprauar cõ feus amores foi dizerihc.
Vix ferijjt fnt yires mfemine amoris Qmi fâ
Et Iouis} & L<edcefilU cafta potes. £pip
Qu. di. Mal podereis vos fer honefta pois fois P*r. *à
filha de pais adúlteros. * Depois defta informa- He[ei
ção, tomar outra muito mais eftreita dos cuftu-
mes, condições, & procedimentos da mefma pef-
foa, & neftafegunda parece que auerá de ordina-'
rio pouco engano, quando ouuer em que as tirar
E 3 juizo>
*■ .. i
fy.pimento
juizo, prudência, & íàgacidade, alem de fume-
garem logo as affeiçoés & ruins curtumes, &as
pragas & murmurações os irem fazédo cada vez
mayores: feitas eftas diligencias, café ou não café
conforme ao bem ou mal que for defeubrindo: <j
bem claro eftâ fer muito milhor a forte daquellcs
que tirarão informações fendo folteiros • para náo
cafar fe as achao ruins, que a dos que efpreitão iiv
clinaçóes depois de cafados para as reformar náo
fendo boas: & menor inconueniente fica fendo
enfeitar húa mal doutrinada quea cafo acertou
de fer virtuofa, que porfe em tão manifeílo peri-
go de trazer para caía quem o não feja.
Mas pofto que fe informem muitos, não me
parece que fe defauem todos por achar noticiade
aloua affeicáo ou liuiandade quando entendem q
r t
lhe he de proueito para teus rcfpeicos particulares,
&ifto não hé por faltar honra nem brio, que em
todos, o auerâ mui competente, fenão porque ou
liamos tanto do feu bom juizo que nos parece q
com a mudança d'cftadoa farão elias no procedi-
mento, ou tanto mais de notía autoridade que ef.
peramos que cila nos bafte para as fazer tão refor-
madas como conuem ao eftado q.ue tomáo, Eítes
difeurfos pofto que tenhão bom fundamento,
tem muitas vezes ruim fucceíTov afsi porque as
snais delias entendem que cafaõ para fe lograr dos
•■ perfeito. 7I
pãíTatempõs que defejauao, como porque nem
todas fabemter medo, ou capacidade para refrear
os imperos da natureza.
Náo falcão fobre efte particular algus excptos-'
nas biftorias, porem não hê jufto referir tantos
Idemolheresmal aduertidas, quando fern com-
1 paraçáo os há mais copiofes das que honrarão &
I eípantaiáo o mundo com raros prodígios de ho-'
neftidade:& eu os não apõro aqui.por não perté-
cerem a eíla matéria : & tornando a ella, era rão
cuftumado antigamente tirarem os homens in-
I formações cftreitas das molheres com quem fe
lhe tratauao calamentos,que na republica dos blr 2}er^
' partanos gotiernada pellas icys de Lycurgo/e man ' -J
daua com rigurofas penas, que ninhum homem
cafaííc com molher algúa de qualquer calidade
1 ;
que foflc,fcachaflcfer de ruins cuftumes. Ejaan- ;
tes dellcenfinando Menandro aos homens da fuá
republica como auiáo de viuer naquelle eílado,
também lhe diz eftas palàuras. Man fuiâemres Idr^
\ hwúlis e(l inquirere quifndm em, qudm ducit, auus, 72 • s
r • • r n r
' tiuajumt ama, tfjws autem Jfon/a mores cum- juaí *
\)>iãurttsefly non ex<???unare? Qu. di. Náo he coufa
inútil rirar inquirições dos auoengos da molher
' com que fe calà,& náo.nos tirar de feus cuftumes?
* E por diante vay encarecendo, q ainda be ma-
yor cegueira procurar fe he bem dotada, & não fe
r
E 4


yi Capamento
hebemacuítumada: depois delleCçlioRhodo.
gttiio grande meftre das lições antigas, abomina-
is. i<f. do eftes cafamentos, vem a dizer. Non âigitisom.
€*p* 2Í* nino^aut etiam oculis y>ti^ vxor deligenda, aui plerifá
mos c&3 rebtttantibus cjuamgrandem feret dotem non
duibtis Jít exculta morihus. Qu. di. Por certo que
não ha de fer a molher efcolhida, pellos anéis que
trouxer nos dedos, nem pella graça que teuer nos
olhos,como os mais dos homens cuftumão; que
<- tudo he inquirir de fuás riquezas, & não de feus
procedimétos ►> E ainda que eftes ,& outros cem
mil o não diííerão, ás rezoés morais, & ainda na-
turais o eftão de comino perfuadindo; porque o
caíam entG,bem fabemos todos que he hum con-
trato de duas vontades vnidas em hum íô Amor5
fem dependência nem de dotes,ncm de riquezas,
& nefta primeira 'ííngeleza, & independência ol
inftituhio Deos, cVafsiftio neile, & os dotes, &
riquezas que dahi por diante fe lheajuntaráo,naf-
ceráo de impulfosda cobiça, & dcfuariosda van-
,5 gloria,hua pêra aquirir bens defneceílarios, outra
pêra os efperdiçar em gaftos, & fauftos demaíia-
dos :& como ambas cilas fejáo viciosa o caía-
mento pura virtude, parece que em boa philoíb-
phia fe não compadece annexar occafíoes nem
eflèitos de vícios a coufa que tem a virtude por
fundamento : & £5*5° os bons cuftumes & pro-
cedimentos
perfeito • 73
cedimentos faõ puras dependências da honra óu
I virtude, parece que também fe pode infirir com
■ pouca duuida que fó ella & não as riquezas deucm
andar anneixa ao cafamento. Efte he o rigor de-
ita matéria, Sc quem cafar com intento delibera- .
o a não fe afaftar das regras delle, paliando com
niuita conformidade pellos encargos da pouca fa-
zenda, alcançará húa quinta eííencia de perfeição:
masvifto como omuado tem introduzido ou-
tros documentos de honra,opiniáo, & autorida-
de^ os de Deos também permittem que confor
me aos grãos da nobreza fejão os cultos da famí-
lia, he muito iufto Sc conueniente que fe refpeite
também aos dotes\ afsi porque conuem, Sc Deos
não tolhe que feja o gafto igual ao langue, como
porque também a falta doneccflnrio tem feus pe-
rigos, Sc defgraças: porem ha de fer em fcgundo
lugar,tratando primeiro, & com mais cuidado de
tudo o que for conferuação da honra, Sc quieta-
ção da conciencia. Deites remédios que fe pr opoê
aos homens deuem com mais rezão vfar as mo-
lheresjporque por mais que clles percão nos ruins
fucceflos, fempre ellas tem o pior partido, Sc por
cfte refpeito lhe importa a ellas ainda mais efprei-
tar as condições Sc naturezas de feus maridos,pa~
ra que fegúdo o que no principio nellasacharcm,
lhe tirem ou procurem as occaftoés de gofto ou
defgoltos
74 fafa mento
defgoítoquelhefentirem: porque defriíríãneírji
os irão obrigando a lhe querer muito, queheo
fundamento em que coníifte a felicidade moral
das molheres cafadas: que como tal a poem Euri-
In Mel- pides diante de todas, dizendo. Mulieris felicitas
cft> fi Migdtura manto. Qu. di. Se a molher hé
amada defeu marido, eílà na fua felicidade. >$ E
ninguém duuida, que como elles as amão,locroas
tratáo & feruem de maneira q em cudo merece
nome de venturofas, & cõ muito mayor amor o
. fazé quando lhe confta do cuidado & dilio-encia
com q cilas bufeão occafiócs cm. q lhe facão fem»
• pre a vontade. & cada dia nos paííaõ exemplos
pcllos olhos conrq cita verdade fe confirma. E
porqpodcacõtecerauer-homes de naturezas tão
rebeldes & contumazes^ não bafte ninhú Amor
nem diligencia para fe darem por obrigados ao cj
fuás molheres lhe merecem: tem cilas mais pre-
ciíaneccfsidade de tirar primeiro que cafem, por
pcííoa fiel & verdadeira, muy particulares infor-
mações das vidas,cuftumcsJinclinaçoés>& proce-
dimentos de (eus máridosj queneftas auerà ainda
mais certeza. & facilidade, que nas que elles tirão,
porque às virtudes ou vícios dos homens andão
mais na praça que os das molheres :& também
lhe lembramos q fe não ve.nçáo ou ceemern tanto
do defejo ou appetitedifto q cilas chamão tomar.
vida.
prfeito. ' 7;
•vida/que ás vezeslhe he occaíião da mortc)qfe
promeráo logo grandes quimeras de goftos & dei
canfos q efperão lograr có íecs maridos: nem lhe
pareça que cõ afagos,& caricias lhe poderão logo
acarretar. as condições aos effeitos, ou defeitos de
fuás vontadesmem ainda aos da boa correfpondc-
cia q hc rezão q fe tenha cõ ellas: porque muitas
fe enganão com eira efpcrança, & enganadas pa-
decem muito,& he muy grande magoa para quê
padece,nâo tet roais em paro que o do íorrimenco,
quando não tem faber ou efpirito para offerecer a
Deos fuás defgraças. E de paííagem aduircimos aos
pays de famílias a quem he neceííario cafar filhas
(porque a ninhúa fe deue dar eíb eftado fenão c©
vrgente necefsidadc ) que procurem com mais
dilioencia faber dos cuíiumes, & condições dos
genros que bufeão, ou lhe ofíerecern, que de
luas fazendas ou dinidades : lembrandofe que
diz Demócrito, dando aos feus naturais eíle coa-
felho. llle-qui íonum generum naãus efi/muemt ^pStç.
jilwm, qui Vero malum, perdidit filiam, Qu. diz. ' *
Quem achou hum bom genro, cobrou hum fi-
lho, quem o achou ruim, perdes húa filha * Era TOM.IA*
Pompeo Magno quaíi a principal pefíoa da repu- Cer. i» '
blica Romana em prudência, riqueza, & dinida- Poliu.
dej tinha fogeitado com feu Gsforço moitas pro-
uincias, & com fua clemência muitas vontades-r
y6 Qafamènto
. & com tudo não lhe quis Catão dar porffi
lher húa filha fua, fò porque tinha fama de am.
biciofo, bailando o rumor defte defeito tão pou,
co per judicial entre os caiados, para o não que-
U.\é. rer por genro. Aucndo Themiítocles de dar
eftado a húa que tinha de muitas partes & mere-
cimentos, & pretendendolha dous competido-
res, hum pobre & muito entendido, outro igno.
rate & muito rico, não quiz efeolher fenão o pri.
meiro, &deoporrezãoqucmilhor era homem
que teueíTe neceísidade de dinheiro, que dinheiro
que a tiueíle de homem.
irme. °uue no ^ucac^° de Barbancia hum fenhor de
tltu
xim ap ^° que tinha hum filho baftardo de mui per-
eandem. ueríos & deprauados curtumes, aquem deixou f,
toda fua fazenda :& logo por refpeito deita he-l
rança o cobiçou por genro outro homem ilha
ftre da mefma cidade , antepondo as leys da
cobiça ás da rezão, & as riquezas aos mereci-
mentos: depois das vodas celebradas, & elies vi.
uerem juntos algum tempo, eomo elle em tudo
executaua feus torpes & defordenades apetites,
teueo de fe aufentar de fua cafa, & irfe bufear
paííatempos a outra terra, & para dar defeulpa
a efta maldade, infamou defatinada & falfamen-
te a honeftidade de fua molher, derãofe os pa-
rentes por muy afrontados.& hus tendo a infaraia
por
perfeito. 79
por verdadcira,queriãp"vingarfé nclla,& outros q
a rinháo por duuidofa tratauáo de tomar vingan-
ça delle, padecia a mnocente neftas duuidas aper-
tos prandesrporqueaffligc muito aos que cftimão
a honra, ver que anda fogeita apareceres: era o
pay deuoto, & confiderado, & como tal tomou
por mais efficaz remédio recorrera Dcos por via
de hum fanto religiofo : o qual lhe difle,q o mef-
I mo Senhor lhe permittira aquella .grande afronta
I &aduerlIdade3porqne fende de bomjenrcndime-
I co, entreo-ara.íua filha à homem de táo defcoai-
I poíla & peruerfa vida,fó por cobiça do feu dinhei-
I ro. Fazemos a todos os. pays efta aduertencia fem
embargo de a ter feico também ás filhas, porque
vemos algúas táo obedientes; que não fabem def-
uiar o coníentimento daquillo que Teus pays lhe
determináo,& cftas faóas maiseftimadas,& me-
recedoras de melhor fortuna,& pofto que cftejão
I bem informadas dos defeitos, ou mãos procedi-
mentos dos homens a quem feus pays as fazem
fogeitas, antes querem arrifear a vida, que replicar
na obediência : & parece coufa mui repugnante
até ás leysda própria natureza, fer húa mo-
lher mofina & tíiftc pella razão por onde
merece mayores goílos,-& felici-
• dades.
i. ;;•: CAP.
8o fefameríto
CáPITVL: xir;
Que haofeja a molhe? más rica guefeu marido,

COMO 2 perfeição mais importante deftc


noíío eftado coníifte cm paz,vniáo, & có-
tentamento: o que mais que tudo impor-
ta, he que fe tirem as occafioes de diuifaò, defgo-
fio, ou difeordia : & não fica pouco arrifeadoa
qualquer deftes contrapefos quem caía com mo-
iher mais rica que eile, porque feefta tal não hc
mui reportada por entendimento, ou por virtu-
de, na mefma horafe enfoberuece com a venta°c
que na fazenda faz a íeu marido, & quer pote
& gouernar tudo, fem refpeito algum ao grão de
preeminência & íuperioridade que Deos,& asleys
poferáo nelle : & ainda bem não chega a profia
ou defauença, quando jafefoltao fem nenhum
freyo em palauras mal concertadas, & em remo-
quês^bem entendidos,& fepor outra parte ellc
não for mui prudente,ou virtuofo paradifsimular
eftes deíprezos, Ieuantarfe ha entrambos húa tor-
menta que poderá fer caufa de grades naufrágios,
os quais todos nacem delia fer rica: doutrina hc
efta de todos os homés bem confiderados, & Frã-
cifeo Petrarca que o não foi pouco, diz que a ri-
queza das molhares cafadas fap o eftimulo de fua
foberba
perfeito. 8x
foberba. E Marcial receofo des contràpefos que />, «*:
I delia procedem, dizia a feu amigo Prifco. i*eà.
IVxorem eu are locupletem âucere nolim vtrhfq,
Oudritisi y>xon rmbere nolo mete. •. ,
J
|Qu.di. Se me perguntais porque não quero caiar 4Sm
Icom molher ricíij refpondo que pornãofereu a Lib.f
(molher, & cila o marido. * Não heibmente de */'£•'**
IMarcialefte penfamentoJporoiue Menandro mui-
to antes delle difle o mcfmo, de quem Maicial o
furtou para o por no feu epigrama. Quoúes alijms y0Uterr
I oh (Imitias "pxorem âuxit, nuhtt iffè non Ma. Philoh.
lou. di. Todas as vezes que os homens cafaó fó "^'5°«.
por refpeito da riqueza, elias ficão fendo os mari-
|dos3& elles as molheres. * Iuuenal defpois de dif-
Icorrer mui delicada & doutamenre pellos encar-
Igos que fempre nafeem defta imperfeição & des-
igualdade, parece que quaíi com fúria vem a con-
Icluir com efta íentença
I lntolerabilius nihil ejl juàmfamina ames. SMy.S.
[Qu.di. Náo hà couíã mais infofriuel que hua mo-
llher cm fendo rica. * Antiphanes Philofopho an
|tigo,& bem celebrado confirma o proprio,dizen-
Ido. NaudvUtsm esl ónus gramas reverá qvàmvxor Âd st0* t07n:
l r ■ r
ídotem jerens cofiojam. Qu.^dl J-A verdade
A J J l i
ne que r£r • 2

Inão há carga mais pefada, que a molher que traz


leopiofo dote. * O mefmo Menandro paíTa ainda
mais a diante,, dizédo dos que cafaó com exceílos
\ de
%% Capimento
lbiâ< de dotes. Mie ddtfeiffum, non illdtn àncit. Qu. çjj,'
Eíle tal entregafe a íi, nãofcentrega do dote.*
Hieroclo lança ainda muito mais longe a barra
do encarecimento., aíErmando que os que afsi
caíac. ?Proyxore tyrannum jiH ims introimmt,
euntdi Qu-"a*- Em lugarde molher metem em cafa hum
ferm(ie cruel cyranno. >; E Euripidcs conclue có muitas
Nuft. ■ razoes & aduertencias que a todos faz íobr
cila matéria dizendo,que quem cafa com molher
mais rica que ellc.procura razerfe mofino debaixo
do nome de venturofo: & diz que a razão he que
como cilas naturalmente fe enchem de foberbá
& vaidade, em fè vendo por algúa via íuperiores,
peíla mayor parte perdem o tento de fua obriga-
ção, & com hum império mal ordenado querem
gouemar & fogeitaros maridos, & defta-deíbrdé
nacem liberdades'q ofícndem as honras, inquie-
tações que perturbâo as almas, & ás vezes defara-
ças q atrifeão as vidas.Dcíta doutrina do philoío-
ponesdeo bomteítemunhoaquella mal aduer-
tida Rainha de Apúlia, & Nápoles, chamada
Ioanna, que cafou com André filho fegundo dei
Rey de Vngna, crao íeus ambos eftes Reynos, &
do marido fò a dinidade, entrou a foberba fem a-
char prudência que a goucrnafie,nem virtude que
lhe reíífrifle, começou a produzir feus cuftuma-
dos effckos que faõ defdens, dcfprezos,& liberda-
des,
I "perfeito", Si
IdeSj tíeftes vcyo logo a degenerar cm tão grande
cxceífo deinfolencia, que náofó perdeo a honra
■ & honeftidade, fe não por viuer mais a (eu gofto,
Iconfentio em traiçoés/& homicidios,dando calor
la húa conjuração em qitcmatr.rão a feu marido.
|Ediz António Bõfinio Cronifta de Vngria,qtie
Ilargamente refere a hiíloria: \ytfbernal?dtur
Jl
hdc D .
Pr , ■ v y K ■ *c>*>*•
lyíndredm3 & imperare potius juam parere )>tro con--Iff - ~.
iedcéat. Qu. di. Defprezàua a clRey André., & cra-
caua mais de o íazer fogeico, que de lhe fer obedi-
ence. * Vejafe o que fez no Reyno de Polónia a
molherd'elRey Vladiílao o legundo, & como o
fogeirou ás defordens de feu deícjOj&tyrannias de
fua vontade-, & acharfeha que dé codas ellas foráo.
a caufa as muitas, riquezas com que veyo:& forao
tanto ellas a caufa;que a mefma Raynhaclaramé-
ce o diííe a íeu marido em húa pratica referida por
Martim Cromero : Se ex inclyia família cum am'~ De*ehas
plifiima dote inff>em ~\>niuer(i pnncípatm i^fnupfiffe. y.•
Qu, di.Que eila fendo de geração tão illuftrejiiáo ' *-'
tinha para que cafar com elle cõ cão grande dote,
fenão para fer fenhora de todo o Reyno. * Eftes
& outros muitos exemplos nos perfuadem con-
tinuamente que nos defuiemos defte barranco,
ondeaquelles que mais alto fobem cuítumãodar
quedas mais perigofas. E comrudo mui poucos
& poucas vemos que queirao reparar neftes encaç-j
F "' gos.
§£ Cafamento I
gos não fe lembrando que os eftão gritando osc(.
ctitores_,& metendo nos olhos as experiências: &
lie grande defgraça, ou ainda offenía da natureza
ferem excluídas as que faó pobres quando tetn
partes,& merecimentos, & requeíladas as que faó
ricas,pofto que fejão faltas delles; & neítestaisca-
famentos parece que poderemos dizer que não
cafa o marido com a mòlhcr/enão a cobiça com
o dinheiro, o qual pode fer que obrigou a aígúsa
■ fofrer o pefo de fuás des honras, por não pe
poífe de fuás riquezastque afsi o fez Antonino phi.
lofopho com Fauftina, oqualvindolhe porella
o Império Romano por fer filha doEmperador-
Antonino Pio : lhe difsimulou os adultérios quél
. por não fazer nenhum cafo delle, lhe cometia di-
ante os OU10S
tuti- cap ^ > & aconfelhado por feus amigos
in Ant. q,ie não quifeííe fazer yida com hua molher que
fh.( o deshonraua^refpondeo que fe a repudiaííe, repu-
diaria também o Império. Mal fe lembrou do que
diííe outro Pbilofopho, em cuja doutrina fe ellc
'&hp'Õ. prezaua de tão eminente. tNuptU óptima fimt wo
ap»d. prudenú <fm mnlierem bonis moribus braditam dom
t0 ?
' ' accipic: hacenim dosfola domum conferuat. Qu. d.
*-• '-*' O homem prudente não julga por bom o caía-
mento, fenáo quando a molher he dotada de hós
cuítumes: porque fô efte dote fuítenta a cafa.
1
Nem menos aduertimos nós ã diííe Francifco Pe
trarca:
perfeita! 85
rrarcá : ~M"Á£nà àmitU conjux lona] & fidelis: yy ç{(Pt
Qp. di. Grande riqueza he cer húa molher leal, &
virtuofa. * Ecom muita razão os antigos Roma-
nos hmicaráo por ley exprefla a contia dos dotes,
a qual não podiaô exceder os que cafauaó; depois
com a mudança das vidas & cuftumes, & com o
execílo das pompas & vaidades, veyo a ferefta f ,.
ley mais difpenfada, porem fempre com limite .,frt*g'
certo, de que fe não paííaua (cm caírigo : & na re-
publica Máfsiiienfe, que agora bc Marcelha porto
deFráça,fe náo podia caiar smiganíéte com mais id.ibid*
dote que de cem cruzados. E Lycurgo mandou
FrAftc
com ley inuiolauclaos feus Efpartanos, q nenhua *^
molher cafaíle com dote, o que dizia fer-por duas » , ,«,
razões,a primeira porq comais rigor ôí liberdade * **J
emmendariáo os homesas faltas & defcuidosde
Tuas molheres, quando lhe náo pofeííe freyo a fa-
zenda com que ellas viefiem-, a fegúda, porque fa-
bcndoelles que não auiác deleuar fazéda, trataf- •
fem de bufear as de mais virtude. Tudo o que fo-
bre efta matéria temos tratado, não faõ regras ge-
rais, nem infalliueis: muitas molheres vemos, &
celebramos que excedem muito a feus maridos,
no faneueiazenda,& merccimentosj& lhe vierão
a caber em forte por Amor,engáno, ou ^eftino:
& comtudo a boa çonfeiencia ou bõ juízo fazetu
■q náo fe aproueitem dcíle exceíTo para procurar
Fz "" íupe-j
\$% Cafamento
fuperioridade, antes fatisfazem mui puntual &.
confiantemente com fuás obrigaçoés,& obedictv
cias: porem como os males que d'ifi:o procedem
faõ táo grandes^ os perigos táo euidentes,apon«
tamos as razoes que dão os autores prouadas cora
exemplos que eítio nas hiftorias, para que com a
certeza de húas & outras fe reportem as compré-
didas,& fe preferuem as arrifcadas.

CAPITVLO XIII. '

Oue nãofejão as idades differentes.

EVifto como nem todos podem fazer a ver-


dadeira confideração das fermozuras inte-
riores onde o Amor faz mais deu idos em-
pregos, conuem que para eftoutro Amor menos
perfeito, que he no mudo mais ordinário & tam-l
bem puro, honefto, & licito, aja algúas regras &
documentos. O primeiro feja aquella íeatença de
Propercio.
5Par ditas ânimos conciliarefolei.
.Qu. di. A idade igual cuftuma affeiçoar os cora-
ções. * Encomenda nifto q fe guardem os homês
com todo o cuidado de cafar com molhéres mais
velhas que elles^ porque não enuelhecendo am-
bos juncos, fe arrifea a firmeza de hum, & a quie-
tacão
perfeito* - _ £5
taça õ] & paciência do outro, &como para as de-
pendências daquelleeftadofe anticipa a velhice
mais nas mdlheres, fica fendo para os hornes de
mais importância efta lembrança: porque íe Eu-
ripides affirma( como achamos em Ioão Stobeo) j-om\ 2I
que ainda hecoufa perigofa.fcrem ambos da mcífer./i,
ma idade, por enuelhecerem cilas muito primei-
ro, que fera fe fe cafar com as que nella excederem
muito? bem fe deixa ver quãtoarrifcáo a pureza^
& lealdade que tanto profeííaõ os bem cafados;os
que por.apetite do interefle não duuidáo cafar co
algúas, que dentro em mui poucos annos lhe vé
a cair em auorreçimento:, porq fe auemos de crer
á experiência, não ha occaííáo nefta matéria que
mais incite a ruins penfamentos que húa com-
panhia que caufa defgofto. Ouçamos ao* antigo
Theodoro-erande
ô profeííor defta verdade: Scimus . 'J
/ • vi A HS Ad.Stót
atitem ornnes homwes cumin&quMíbus atate nuptijs. , ^ *

co)iinmntUY\ immodertâe vnàulgere iuuentutuQu.di*
Sabemos de todos os homés que quando fao ca-
iados com molheres velhas, fe entj*egão deforde-
nadamente aospaíTatempos da mocidade. * Ca-
milo nos moítra cambem o próprio no Epithala*
mio das vodas de Mallio & Iulia: porque aponta-
do as! quietações, & felicidades cjueella auia de.
poffuir por caufa deíte caíàméto (era ella de mais.
idade que feu marido) diz 6 auião de fer infinitas,
F 3 porem
86 ^ Capimento
porem que fò lhe auião de durar em quanto n ao
enuelheceíTe. Os verfos faõ eftes., & tem fua diffi.
.culdade, como quail todos os defte poeta.

Bn tibi domttSy & j^otensí


Bt beata viri tuix
QUú tibi fimfine erit,
Vfj3 dum tremulum mones .
, Cana tern^nsanilhas
Omnia omnibus annuit.

Qu. di. Eis aqui a cafa de voíío efpofo onde aueis


de lograr infinitos bens, & felicidades; porem ha
defer ío até o tempo cm que a velhice das mo- j

lheres a todos vem a conceder tudo. * Como fe


diííera:" Tanto que as molheres começao a entrar
na idade, logo ficão Teus maridos tão arriícados
a todos os vícios, que parece que a velhice delias
lhe fica fendo a caufa deljes, & na verdade o pe-
rigo he tão manifcfto, que fe não ha mui parti-
culáres fauores do ceo> na mefma hora fe da por
terra com todos os bons procedimentos, donde
húas vezes fe vem a dar em vicios que o mundo
eftranha como desbonras,outras em dcíbrdens &
delitos que o eco caftiga com rigores. Vejamos o
que fuecedeo a P-hilippo Maria duque de Milão,
Piincipe mais eftimado que quantos floreceráo
cm
ferjeito. 87
em {eu têrnpò~ cafou com hua Beacricina viuua &
velha obrigado de fuás riquezas: & depois de a
rer das porcas a dentro, diz o Promptuario dos
Retratos: Fadiísimâ Ubidine infaniuit. Qui. di. Eiv- f&t- £
tregoufe tanto a bua inorme fenfualidade, que™WS:
\ parecia não ter juízo. * O fim cjue iftoteuefoi —:
-
darlhe clle a morte, 6c defpofárfe com húa Maria
filha de Amadeo duque de Saboyá, porem não
foi Déos feruido que tal caíatpcnto tcueífe effeito,
permicrindo por feu jufto juizo, que antes deo
celebrar acabaííea vida.Mais acautelada foi a anti-;
ga & douta Sapbo cão celebrada pella grande ele- .
gancia dos feus vcríbs, & admiraueis partos dò
íeo engenho: porque fendo jâ viuua Ôc velha, ref-
pondeo a hum mancebo que a pretendia por ter
de feu algúa fazenda: Si nobis amicuses, pwenemstd-t*\
fetjtiere: ego enim jam namgranais nonfujlinebotibi Z'.r.r.'7-Í
comerfari. Como que diffeííe:Se me quereis bem,
náo trateis de mim, fenão de peífoa da voíTa ida-
de, porque eu, como a minha hé tanta, não ei de
aturar os encargos & perigos de voíTa conuerfa-.
çaõ, ôc companhia. * Sabia como tão prudente
& experimétada que não há coufa mais miferauel
q húa molherem deígraça de feu marido: ôc por
atalhar aos rigores ôc magoas deftamifcria,difpos „.. ,--»
iArutocelcs
n i no kuro t- J T^I • <- r cr VoUter,
das trincas q caiatlem as mo- phikUÍ
lheres até idade de dezoito annos. Na Republica lib. ^j
F 4 Romana
88 Cajdmento
Romana pofto nâo auia lei q defendeífe cafarew
•ellas de mais idade, cometido a opinião vniucrfal
•a fez fobrifto mui apertada, abominado cftes tais
cafamentos como defeitos,ou delitos mui perju,
. diciais, & afrontofos. E Marcial em vitupério de
hum BaíTo Romano fez bu epigram ma, que por
•r^t, fer muito desbonefto,o não efcreuemos,ncm de-
cpir.14. claramosmo qual ncnhúa coufa lhe laça em rofto
fenão fes amigo de cafar com velbas,& pofto que
andaua em vfo naquelletépo (como tábem o an-
dara nefte) entre os pouco afazendados bufear al-
gúas que foflem ricas, com cuja fazenda podeííem
remir fuás necefsidades, & depois ficar feus her-
deiros, nem ainda com eífa capa. ou defeulpa fe ]
fofriao cftes cafamentos entre os polidos, ôc viu
morofos, que até iílo lhe vitupera Marcial no ver-
fo feguinte, que hefôoque fe pode aqui referir
por não fer torpe eomo os outros.

Necformo pi Úbi^feà montura placet.'


Qu^ di. Não vos contenta a que he fermofa/enao
. a que eftá cos peis para a cotia. * O próprio Mar*
c cm oucra arce
Ztb. 4. ^ P perfuade a hum Fabiano feu
tj>igra.$ amigo que náo fe venha viuer em Roma4& pon-
dolhe diante hum por hum todos os vícios da-
quella cidade, defte faz particular menção, como.
dos mayores, Ôc mais eftranhados ; ôc com mui-
ta razáo
* * y

•/. Perfeito •%
ta razão o deuem fer cftcs cafamentos de toda a
peííoa de bom'.difcurfo, ainda que fe facão por
lot-an gearia , ou com prefupofto de procurar re-
médio; afsi porque podem os neeefsitados proeu-
rallo por outro caminho, como porque quando
onáoacharem, he muito melhor padecer aper-
tos, que por em perigo de cometer peccados. Efta
aduertencia tão importante para, os homens>tam-
bem onão.he pouco p3ra as molheres, porque
fe põem em riíco de perder muito,fe caiarem com
quem lhe enuelheça, eftando ellas na flor da idar
de : tem cita defporporçáo defeontos vários, que
podem caufar copiofos perigos das honras, das
vidas,& confciencias,& ferão os effeitos delles fe-
gundo as inclinações que ellas teuerem, as que
forem inclinadas, a andar galantes, & virem que
pella muita idade de feus maridos, lhe náo con-
uem, nem elles lhe fofrem demafiadas galas, &
louçainhas, fempre com elles terão deígoftos, Sc
defauenças,ou comfigo agonias, & repugnancias;
as que por natureza forem foberbas, náo ceííarão
com teimas, defdens,.&defprezos-, parecendolhe
que tudo o que tem de menos idade lhe ha de íer-
uir de mais.preminencia;as que forem affeiçoadas
a vifitas,& paíTatempos, & entenderem que as o-
briga o primor. a mais recolhimento que as que
tem os maridos de pouca idade , tudo ferão an-
lias,
t 90 Cafameniô
íias, triítezas, & magoas, tanto mais pefadasi $
•trabalhofas, quanto forem mais encubertasjd
•reprimidas: & buas vezes fe inclinarão contra a
idade de quem tem em caía^outras contra a líber-
dade das que andão por fora, & ferriprc contrao
ruim confclho de quem as metéo nequella clau>
fura; & fe encobrem cilas paixões, padecem mui-
to: porque náo bamayoraffliçáo que bum def,
gofto difsimulado; fe as manifeftão, padecem
mais: porque não ba mal mais para temer que
defconfianças,& ciúmes: & os de maridos velhos
muito pior 3 pella facilidade com que os formão,
& as vezes rigor có que os caíligão: èV em qual-
quer encargo deites, lá vai a vniáo de Amor,a'
quietação da confcicncia, & a perfeição do caía-1
mento : & para que eítes dannos não tenháol
críeito, fera forçado que os maridos de huas&l
outras viuão em hum perpetuo acto de fofrimen-1
to; & como efta virtude tem tanta repugnância I
com ajHhice, que raramente feacha bum ve-l
lho que fejafofrido, bem fe infere que também I
fera muito raro no mundo bum caíamento at-
ites que.íeja perfeito.
-■ Por eúitar eítes & outros inconuenientes, q
os tais cafamentos trazem comíígo, fez Platáo
Thilolog hua ley .entre algúas que aponta Volaterrano, na.
lib.2p. ^ua^ mancjou ^ue cafaííenv os homens ate idade.
de trinta
perfeito.. ■ ■ 91
de trinta & cinco annos, & quem paiTaiTc deites
liicitesfolíc caítigado nahonra;& fazeda, & náo
Ificaííe participante dos priuilegios dexidadáo: &
bem nos encarece Alciato o bom fundamento
que Platão teue em promulgar efta lcy tão rigu- l» $*&*
Foe
rofa, comparando a contrariadade que tem as ri
molheres moças corai os maridos velhos, ao fo-
go da poluora quando faz difparar hua bombar-
da : porque afsicomo aquelle abalo, eftrondo, &C
fúria, vem de pelejarem dentro nella coufas entre
I fi tão repugnantes, como faó o feco & o húmi-
do o frio Òc o quente, o duro & o brando, o pefa-
do & o leue, o que tudo ha nos materiaes da pol-
I uora: afsi as pelejas & defcompoíiçoés de raa-
! ridos velhos com molheres moças nafeem de
auer entre elles eftes contrários com a mefma dif-
cordia, & repugnância: os quais vnidos todos no
cafamento,arrebentão ás vezes em grandes eftro-
I dos. Vejafe a ley Papia que fez antiga mete Tibé-
rio Cefar, & acharfeha que também limitou ida- Tinquei
descerras nos cafamentos, por atalhar aos perigos àeem-
que eftas deíporporçoés trazem comíígo: as quais m '' *'>
erao tão reprouadas entre os antigos que náo lo
as defendião com leys & rigores,fenão ainda mo-
I tejauão delias com perpetuas graças & zomba-
rias. Aquelle Sophocles Athenienfe tio celebra-
do por fuás tragedias^ ^poefias^ que quando os
:>z Cafamento 1
Gregos, & Latinos queriao gabar a hum eftvlo
poético, de mui fublime, Ihè chàmauáo Sopho.
cleo, tão eílimado dos mayores Príncipes & Mo.
«arcas-; que. Lyíaridro Rey dos Lacedemonios lhe
fcpultou Teu corpo com exceílos de veneração,
& acatamento, & ío por iíío fez paz com Ather
nas: efte Sophocles tão eftimado fendo jaho-
mem entrado em.dias quizcafar, ou ter amores
.com húa moça chamada Arquippe : & ficou
por iífo táo abatido & deíacreditado naquella
republicay que os moradores delia lhe poferáo paír
quiris & fezerão verfos, com grande defprezo,&
zombaria : cuja memória chegou ainda anof-
fos.tempos,, & ^Iciató refere hum diftico,qtiej
elle deiiia treíladar do Grego^ no qual fe moteja-
uadelledefta maneira: . -
Noãua yt in tu-mulis3fupet'ufiJL caâauera htiho
Talis apud Sophoclem noílra Vueíla iacet.
Qué diz.Êomoa curuja nas fepulturasj &r o bu^
fo nos corpos mortos, afsi eftá a noflà Arquippe
junto a Sophocles. * Muitos cafos pudéramos rc-
• ferir ao menos de Reynos eftranhos, de que an-
dáo cheyos muitos liurcs,& por ventura muitos
ouuidos, mas nem a minha tenção he ( como ja
tenho ditto ) dcfçubrir faltas de molheres, fenáo \\
publicar delias muitos louuores3 nem a material
requere exemplos, porq fem elles eftà manifefto I
quejj
I ' ••• Perfeito 93
Lãô perjudiciai & cfc.ufada fcja efía defporpor-
Lão de cafamcntos,& a rezáo difto nos dà Platão,
kom eftas ^âkmas.^4morefiommumpulchemfnm:
\nam cunBorw âeoru ejl maxime juuems, quod \>el ex
\eo múxime patet^ma isfemPer a finto refugút, tuue
\nihs)>erofemferfe mifcct,& cu t/s y>erfatur. Qu. ai. Infimp.
o Amor hc o mais moço & fermofo de todos os Vincent.
r êr
deofes, & ifto feproua mais claraméte porq Cem- ?^ ' .'
pre fe afafta da velhice,*: lhe te ódio por natureza: nJ^'
& não fe mittura íenão cõ moço's,& có elles mo-
ra contínua mete. * E eftá he a razão, cõforme ao
'parecer de bons autores', por onde faõ tão contrá-
rios nas influencias os dous planetas Saturno & **?*•' ,
Vénus, porque por cila fe entende a mo cidade & .££
Ifermozura, & por elle a velhice & disformidade.
Também he inconucniente o exceíTo dos an-
nos por refpeito da falta dos filhos,p.ois ainda que
fem elles pode o cafamento íer perfeito , cõtudo
fazem os filhos muito ao cafoparaa vrilidade&
perfeição de que tratamos: porque como faõ pe-
nhores que apertão mais o vinculo d'Amor entre
os cafados, & nelle confifte a principal perfeição
daquelle eftado, claro fica que quem faz o Amor
mais verdadeiro,fará o cafamento mais perfeito:
& defte exceílo de vtilidade carecem os que cafaõ -
tendo ou com quem tenha muita idade. E ainda
que náo ouuera eíte refpeito, deuerão os cafados
- •""" - - - ~ depro-
94 . Cafamento
de procurar filhos fô por euitar pretenfoes deIicr-
deiros, porque não fe pode crer o que algúasvc.
zes acontece nos fal Iecimécos de peflbas que por
não terem filhos deixáo feus bens a herdeirosef.
tranhos, ou a parentes que bem merecem o pio.
prio nome: pois Cç algus fatisfazem a ponto com
as obrigações do agardecimento , não faltão ou»
trosquc perdem tanto a lembrança delias,que tu. I
do hc procurar pella fazenda que lhe fica/em rcf-
peito algum ao corpo ou alma de quelha deixa.
He tacha eíh muito antiga, & como geralmen-
te abominada dos mefmos Gentios pragucjaua
Stacio della.quando daua os parabéns a Máximo.
. Iunio de hum filho que lhe nacera.
Situar. Orbitas omnifugienàa mfu, ■
lib> 4> . Quampremit votis immicus heres,
Óptimo pofcésÇpudct hcii)propin4uum
Fmms amico\
Orbitas nullo tumulatafletti,
Stat domo capta cnpidus fupcrfies
Imminefís IcthiJJiolijs, & ipfum
Computai ignem.
rQu. di. O homem cafado ha de fugir com todas
fuás forças deite grande encargo de náo ter filhos;
porq quaifquer outros herdeiros lhe eftáo fempre
pedindo a morte como inimigos,fédolhe elle tio
?ã-*è*™ ^'ê0: (3uem morrc íeni filhos n
n • -ir
perfeita. %
tem quem o chore no enterramento, toma logo
0 cobiçofo herdeiro poííe da caía, cão pronto, &
|fofrego fobre os defpojos do defunto,que lhe eítá
dando por onças acé o fogo que ha de arder nas
fuás exéquias. * Sofráo efta digreíTaó os afazenda-
dos que não cem filhos,"para q fe lébrem de cfco-
lher herdeiros mais agradecidos que cobiçofos,
4

CAPITVLO XI1II.
0 parecer do roflo fie os homens âeuem efcolher
nasmolheres com cjue cafiirem.

DEpois de confiderada a idade conueniente,


deuem os homens que não ceuercm tanto
1 do Ceo que íaibáo amar as fermozuras ia-
tcrioresjtrabalhar quanto lhe forpofsiuel por buf-
car molheres que no exterior não paííem as mar-
cas nem de feas,nem defermofas, porque alem de
'auerfempre defcompoíição em quaifquer eflre-
I mos,nos defta calidade os vemos mayores, & os
effeitos dellcs mais arrifcados. E começado pellas
fermofas, ningué pode negar (pofto q há muicas
q refplandccé caco na vircude,como na fermozu-
ia) q aquelles a que ellas,couberáo por force não
deué cer a còfiança mui fo(íegada,fe não teuerê,co
mo cremos q terão todos,larga experienc ia de fua
capacidade, & recolhiméço: titubãdo a cófianca,
eis
96 Cafamento
eis hua guerra muito trauada entre as fofpeitas,&ij
razãoxellasfauorccidas dos ciúmes, eíla dos bons
procedimentos: ellas efpertando fempre os olhos
para andarem vigias,& refguardos,ella reprimin-
do o entendimento para eftar por verdades & de-
fcnganos, & no fim fe asfofpeitas vencem, fica a
guerra de pior cal idade, & quando ellas faõ ven-
cidas, eufta a vitoria muito trabalho,porqueeftcs
vaõs impulfos da honra nunca fauorecem a mi-
lhor parte : & pofto que a confiança efteja^como
lie razão, em todas fuás forças, fempre os receyos
dão feus aííal.tos, como bem o explica Ouidio na
/

epiftoía de Helena a Paris, tratando de feu mari-


do elReyMenelao. ]
Defacie metuit, vita confidit, & illum
Securum fr'obitas forma timerefacit.
Qu.diz. Quando Menelao põem os olhos em
minha fermozura, tem receyos; quando os põem
em minha honeftidadc, tem confiança: & afsi
quanto oaííeguro porhonefta, tanto o inquieto
porfermofa. * Por onde nas q não forem muito j
efmcradas no recolhimento, tanto mavor fera o
perigo de titubarem na virtude, quantos mais fo-
rem os olhos que fe puferem na peíToa: & quan-
do forem muitos os que a virem, não podemfer
poucos os q a defejarem, pois faó atributos iguais ['
da fermozura, àtrahir olhos, render corações, afl
ferujorar
. 'i
f
I - perfeito'. 9J
jferuórar defejos: & conforme Me Francifco Pc- m fè
trarca. Durum efl cuflodire juod amidús exfeútur. . , '\
|Que he difficultofo de guardar o que muitos co-
bicáo. * Entendefe ifto geralmente, &nôso di-
Jzenjos por apontar tudo o que importa para ler ..
mayor a perfeição que perfuadimos, & não para
tirara virtude a quem a tem, nem olouuoraquc
o merece: & obriga & cega tanto a fermofura q
Tibullo poeta Gentio a põem no mefmo andar
da feitiçaria, diz"endodella. .
I . Formd nihil magicisWÍtur attxili/s, &ib-r.
I Como fe diííera: He táo efficaz por Ti própria a fer Eleg. 8.;
mofara q não ha mifter outros feitiços para pro-
.curar afeiçoados. * E a verdade he (deixando vir-
tudes particulares que fe não entendem nas regras
aerais1) que he neceflario pata hua fó fermofa
mayor cabedal de recolhimento que para todas as
I outras que o não forem: bé efta a geral doutrina '
dos eferitores, fundada em boa filofofia, & con-
firmada cô certas experiências, & começado por
S. Chryfoftomo, elle diz fobre efte particular as
palaurasfeguintes.I^WpulchraresejlfiíJj>iCionis fie Ad fof
^.Queamolherfermofá hécoufa chea de fof- Anttoc.
hom
peitas. * Pallàdio na Laufiada íegue a mefma o- '^i
pinião, dizendo da fermofura. 9udicis affertexu ln ^,
tium, Videntibus mjtdias, Qu. di. Arma filadas aos />#y%
olhos, & deftruições â honeftidade. * 'Séneca Gdifift
G philo-fi
98 Cafamento |
'Çotrôtt. philofopho,fobre a mefma matéria. Qu<e mlé,
lib.2. Jactem habent, Jápius fuâicafunt. Qu.di. Maisdc-
prefla faõ honeftas as feas^que as feemofas. * E po.
fto qa conferuaçao defta virtude depende mais
. da cabeça q do rofto,& temos vifto muitas fermo
fas em eftremo honeftas, & alguas feas muito de-
tiaíTas;comtudo os autores moftráo o perigo/em
diminuir no merecimento : porque em quaifquer
. peíToasíeflados;)& tempos tem feu lugar a honefti
dade: na qual, & em todas as mais virtudes fe ef.
merarão fempre tanto as.molheres defte Reyno}q
derao matéria para fe fazer delias hu liuro muito
copiofo,& ao doutor Fr. Luis dos Anjos,com que
' a trás deixo allegado,coube a boa force de o efere-
uer como quem táo bê a merecia por fua virtude^
erudição^ & doutrina : no qual não rrata doutra
coufa,íènão de molheres nofTas naturais, & muitas
parentas ôc conhecidasJfolteiras,caíadas,)& viuuas,
cujas vidas forão raras,& prodigiofas: & com ra-
zão lhe deu por titulo Iardim de Portuga l,porque
todas ellas como flores ornarão a terra, dando ao
Ceo fuauifsimos cheiros de fantidade:. húas com.
erYeitosadmiraueis, outras cõ milaares'euidentcs>
& todas com merecimento para poder fer julga"
das por fantas:& o numero delias he tão copiofo,
• que começa defdo tempo dos primeiros Reys de-
ite mefmo Reynop & chega até eíb era em que
OÍ2
• 11
perfeito. $9
Õjeviuèítítís" coufa que por ventura fe não achará
em outro ninhum por mais pouoado & deuoco
que feja: & corn efta fcgurança & prefupofto di-
zemos mais o cjue Iuuenal ícnte febre a-íernroía--
raem geral, que heade que tratamos particular-
mente. ~ • "
.Rara ejl tone ord'i a forma ) . Sxty.rpi
' ,yii% futlicitiafmã-os licet hórrida mores
. Tradiderit domus, & deteres imitata - Sabiv><ts.
Qu. di. Raramente fe compadece honeftidade co
fermofura, ainda que a caía íeja auftera, & feimi-
1 tem nclla as antigas Sabinas. * Foráo eftas húas • .'
... o . , . t n ff, LfUt.de
donzcllas do tempo antigo de muito noneítos tx C(tlj-^
louuaueis cuftumes,a quem tomarão por engano, It
& fe caiarão com cilas os primeiros moradores
de Roma,& deftas procedião os Patrícios, q erãp
os mais nobres daquclla republica. De maneira q
achou efte infigne Poeta que pofto que hua mo-
lher fermofa íéja mui refguardada em feus apofen-
tós5& muirefpeitada por fuás virtudes,nem ainda
afsi a honeftidade lhe fica iíenta de perigo; & por
efte refpcito fingirão os Poetas, (debaixo de cujas
fabulas ha fempre moralidades proueitofas) que,
lupiter fe conuerteo em orualho d'ouro para
ir fazer deshonefta a Danae naquella torre in-
expugnauel onde feupay a tinha encerrada-, &
que tomou a figura de cifnc para q não valeíTem x
Gj a Leda
^ IOO .. Câfdmento
a Ledafeus muitos refguardos & cíaufuras, &adc
Amphitrião marido de Alcmena para q ella teucí.
fe cachas no mcyo da perfeição & obferuancia de
fuás cautelas, & lealdades, com as quais fabulas
& com outras muitas a efte propofico nos dão a
conhecer os muitos perigos a que anda fogeitaa
fermofura ainda nas mais efeondidas & recatadas
ôc achauão os antigos tãta contradição & repug.
nancia entre a fermofura,.& a honeftidade, que
quafi o vinhão a reduzir a ordem & difpoíição da
natureza. Ouuidio o moftra claraméte neftas pa-
' lauras que Paris efereuia a Helena, quãdo foliei-
taua feus amores. • •. •.
^Autfaciem rnutes) autjts non dura neceffe e(l\
Qu^di. He neceííario que ou mudeis eííe rofto;
ou não tenhais eíTa afpereza. * E bé conhecerão
os mefmos antigos aprobabilidade deita opinião,
pois fezeráoa Vénus juntaméte deofada termo,
fura & do Amor profano: donde tirarão os Gre-
. gos aquelle defpropofito não fó celebrado pellqs
antigos,fe não referido pellos modernos, KCCAí «í-
Vohttr. ^XXAíí tyKt<pa.ÀQv£KÇx.ít as quais palauras íinifícauão.
Pbilole. Cabeça fermofa mo tem miolo. * Cõ q querião
''?*'"* dar a entender que era ucceífarío íer clle muito
ara no nao
€r*c» P * «zerem perturbar as lifonjas dos
' aíteiçoados,ou as importunações dos pertenfores.
Prefupofta cíh doutrina fundada no bõdifcorío
- - ' âos
perfeito". IOi
dos que melhor a entenderão, & confirmada na .
ruim forte dos que em ú mefmo a experimenta- :
ráo parece que per ordem de razáo & natureza,. ' i
com mais quietação deuem viuer3os que teuerem
cm fuacafa hum parecer fora de eftremos, que os
que guardarem huajoya per quem no mundo.fc -
fazem tantos. Ponhamos os olhos no imprudéte
Mafphatcs Rey de Cappadocia: tinha húa molher
mais fermofa do que conuinha, aquém elle cha-
maua *Pfave3 ou porque efta palaura em Grego
quer dizer Alma, ondeelle a trazia continuamen-
te: ou pelia comparar a outra do mefmo nome,
cuja fermofura Apuleo celebra com grandes ex- De Aft-
ccífos delouuores. Defta fe namorou hum filho no Mrei
de Catão Vticeníe, & teue remédio muito efficaz pfJ^:
para a execução de feus torpes intentos, tomando jn v^m
amizade com feu marido, & indolhe a cafa mui- Cat.Vtic
tas vezes: traição infame & merecedora de gran-
des caíligos. Viuia ella com tanto recato, que
era exemplo viuo das molheres honeftas: aper
tou a fermofura de Pííque com os defejos do feu
amante, & elle com feus requebros & requeri-
mentos, até quevenceoa importunação a refif-
tencia & afermofura a honeftidade, diuulgou-.
fe o fucceíTo por todo o Reyno em detrimento
da vida de hum , da quietação do outro, &
do credito d'ambos: doode ficou o prouerbio
:- " - ;- G5 Grego
IOí . Cafamento
1
Cdi. Grego<j>íA0.' </}ao |jiy/W« que queria dizer. Os ami-'
1
Rbodi- gos faó dous, & a amiga lula. * O qual prouerbio
ginMzp. era entre os Gregos antigos muito vfado, & re-
«/•/• petido quando aconteciãofemelhantes defaftres
ou queria alguém motejar delias. Caíta, vktuofa
Claad. ^ recoimefa era acjuella Filanira de Lôbardia, mas
Roâ. pagou tributo fua fermofura aos fufpiros de hum

l . $'(l afeiçoado : eftaua prelo & condenado á morte
Hyppolito feu marido, a quem ellaamaua cora
toda a firmeza, folicitaualhe o perdão & foltura
com muitas anilas, & diligencias, & com tão re-
catada honeftidade,que não auia quem lhe enxer*
gafife o rofto, mas os rayos delle trefpaííauão tu-
do, Si a fama fazia fer amado o que a virtude tra- ]
zia eícondido: andaua por. efta fama namorado
delia o gouernador da terra chamado Scuero, que
lhe prendeo, & condenou o marido: &c muito
mais rendido ficou, depois que com as liberdades
defeaofficioaobrigona defeubrir o rofto: im-
portunauao Filanira com piadofaslagrymas pello
perdão que precendia,& elle a cila com amoroíos
fufpiros para o gofto que defejaua: durou a con-
tenda por muitos dias,até que lhe pos por condi-
ção de feu defpacho a fatisfaçáo t?e feus defejosí
perturbada ella com tão. infehce & danofa efpe-
rança foi dar conta ao feu Byppolico do afronto-
fo remédio que o gouernador lhe tinha propoiío,
&def.
i perfeito. 105
& dcímayaua entre os receyos de ficar fem honra;
ou fem marido : eícolheo eile deftes dous, o pri-
meiro dano,porque o defejo da vida atropella ho-
ras, & confidencias; deo fim o fenfuai Seuero a
[eus defejos: & depois, cm lugar de fatisfazera
promeíTa, fez com muito rigor executar a judiça*
pouco valeo a eítas feu recolhimento para deixa-'
rem de perder a honeílidade, 8c fezlhe o dano fe-
rem fermofas íèra merecerem ficar culpadas: por-
que a fermofura he como atyrannia, que quanto \

mais gente fogeita,tanto eílà menos fegura. Epo-


fto qnc as fermofas fejáo honeílas, ( que como ja
diífemos, não falcão muitas que conferuao eíta
virtude no meyo de grandes encontros, & peri-
gosjao menos ellão mui íbgeitas a fer murmura-
das; porque he muito enuejada afermoíura, &
ninguém murmura mais que os enuejofos:& co-
mo rodos em geral põem-nella os olhos, muitos
os defejos, & algúsas pretenfoés, &atrcuimetos,
& o mundo ferapre julga per exteriores, conuem
que fejáo as vidas,& línguas mui reformadas,para
não andarem cm igual palio os penfamentos cora
asjbfpeitas, & as murmurações com as apparen-
cias; & he trabalho contar verdades encubertas
para jufti ficar honras calumniadas: muito o foi,
pofto que fem nenhum fundamento, a de húa
Claudia Genouefa filha do Conde Sinibaldo, ca-
LI .^
c
_i04 Cdfamento
a a cotí
$and. * ^ í Simão Rauafquiero, de que reíukou fe
ptrt. a, neceíTario dar fatisfaçoés, & executar vinganças:
npjt,22,. erafermofa em todo oeftremo, & não menos
honeítajôc percatadaj por bua razão teue muitos
afifei coados, por outra nenhum fauorecido: entre
todos foi mais importuno hú Ioáo Bautiíla dela
Torre, muito illuftre, galhardo,, & rico : porem
não pode nunca alcanfar mais que fer igual aos
outros nos disfauores: faziao fer confiado o di-
nheiro que defpendia com os criados daquella
cafa,& a boa poftura,& galhardia com que reque-
ftauaa fenhora delia,, mas nem elles fe atreuiáo a
lhe fer terceiros, nem cila fazia caio de feus reque-
bros : crecia nelle o amor com a vifta de Claudia,
& a refoluçáo & atreuimento com a confiança
de fuás riquezas.: quebrantou com dadiuas a leal.
dade de húa criada (que eiras tem ás vezes toda a
culpa de algúas. defgraças íemelhantes)a qual fen-
do fora Simão Rauafquiero, o meteo íecretamen-
te debaixo do leitoienganafequaíi fempre o amor
r»as contas, Ôc afsifez cuidar a efte atreuido que'
não podefle, ou não quifeííe Claudia liuraríe del-
ie em occafião tão apertada :.appareceol:he depois I
de ellaeftar fó & recolhida, lembrandolheqarrif- I
cauaavida ôc honra fe fezeííe eftrondo, ou IDO-
uimento, não fez.ella conta deites perigos, por-
que a virtude he muiconfiada^ Ôc fempre neítas.
occaíloes
perfeito. ■ 105
occaííoés fauorecida: defaíiofe delle com queixas
& oritos', pedindo focorro a feus criados , & o
mal coníiderado amãte em caftigo de feus atreui-
mentos,foi por elles morto ás punhaladas.Diuul-
goufe por Genoua o acontecimento com vários
& encontrados pareceres,& foineceflario andarlc
perfuadindo a toda a gente a inteireza defta ver-
dade,^ conforme aos humores & naturezas afsi
ficaria cila julgada/ncorrendo fempre na defgra-
ça de ficar em opiniões do pouo , a quem com
muita razão Pythagoras chama audax &■ praceps.
que quer dizer, Atreuido Sc precipitado. * Náo -
heTó efte o inconueniente q traz cõfigo a fermo-
fura: outro lhe apontáo os autores que ainda fica
mais encontrado coma perfeição do cafamento.
Eite he a natural foberba & vaidade que de ordi-
nário cuftumão ter as que fe prezáo de fermofas:
com queeftáo mui perto de defprezar a feus ma-
ridos fe a virtude as náo fiz humildes, ou a pru-
dência, reportadas. Anda nas. molhéres. a fermo-
fura em igual grão com a riqueza,, de cujos encar-
gos & perigos temos tratado largamente, porque
do mefmomodo fe. enfoberbecem com o bom
parecer do rollo, como com os exceílos da fazen-
da: afsi o aífirma Francifco Petrarca: com eflias,
palauras :• Supeéw. conjugalis; Jmfimér- #&„ & D^
forma., Q^ec dizer. HU dons, aguiihoes; da foberba ^ ~J
——— ••- --— • •- - con^ugalL
i -6 Cafamento
conjugal (das molheres vem fàllando) hum hg
a fazenda, outro a fermofura. *Em outro luoai
DU\o. declara o mefmo com eftoutras. Forma co£ju~
66.
«._.__ gis mama efi, & magna fupcdia, Vix ejl alvjuil
yuod aqke dnimum tumefaàat, & extoilat. Quer
dizer: Se he grande a fermofura de vofla molber,
também o hé a fua foberba, porque efeaçamente
fe acha coufa que tanto as encha de opinião, &
vaidade. * Ouidio attibue 3 fermofura efte mef-
mo encargo, dizendo.
Fí m ine
kLi. ' f f ft fddniifiáuiturji [peritaformam.
Quer dí. Para as fermofas hô as pompas, & de-
máfias, porque a foberba anda fempre anexaà
fermofura. * Defta foberba & vaidade podem re*
ftfítar perigos vários, pois como a fuperioridade
mal fundada logo vem a dar em vontade liure, fc
não lhe acode o freyo da boa confeiencia, ou bõ
juizo, vai fempre correndo furiofamenre para a
* execução dos apperitcs, & fica por conta da incli-
nação íerem elles de caíidadc que caufem mais ou
menosdeshonra, mayores ou menores prejuízos,
mais duuidofos ou certos perigos: & aduirtãoas
que forem foberbas por fermofas q algúas vezes
per mktc no ííc Senhor para confufaô dehúas,&
exemplodoutras^q percãoou árrifqucá honefti-
dade, quádo a guardao mais por foberba que por
virtude, & tomem exéplo daquella tão nomeada
ieonora
per jeito . 107
Leonora Napolitana, a qual fendo dotada de gra-
de fermofura, & defprezando, fegúdc as moftras,
niais porinfolcnte que por honefta os muitos ex-
tremos 6 por cila fazia o Marquez Ioão Vintemi- Baud*
glia, pemiittio Deos q fezcíTe cila por ellc outros '»•*
exceítos muito mayores, & por lhe não aprouei-
tarem,vieííe a morrer de pura defefperação & fcn-
timento. A mefma troca, pofto q por differente
via,& melhor íucceffo acõteceo a húafer mofa da-
ma Genoueía por nome Gianqtàneta, cia muito ^ ^
amada de hú cidadão nobre & muito rico chama-
do Viualdo,' deíprezou-o por algfisannos cõ ter-
mos efquiuos & foberbos, & pello defenganar, fe
cafou com outro de muito menos fazenda & ca-
lidade,erao marido mercador.como íaó qoaíl to-
dos os moradores daqita cidade, & andaua mui-
tas vezes por fòra negociando feus tratos, & mer-
cancias: ficaua ella cõ os meímos defprezos cõtía
Viualdo,q fe os vfaracõ o teto no feruiço de Deos
& guarda da hõ.ra,fora grade bé perfeuerar nelles,
mas o fuceííò parece q moftrou o cõtrario.De húa
vez q o marido andaua aufente,fobreueyo na cida
de oráde careftia de mátimétos,aqual como fem-
pre aperta mais có os menos prouidos, em breues
dias fez gaitar a Giãquineta efíe pouco prouiméco
com q ficara, & acboufe cõ três filhos q fuítêtar r
fera, nenham remédio, «em focorro, quiz com-.
KO Cafamento
prar a fuftentação com a honeftidade, quehca
refoluçáo mais ordinária nas que faõ virtuofas pot
comprimento: & parecendolhe que em Vibaldo
teria a compra cerca, lhe foi oíferecer com rooOS
o que tantas vezes negara com defprezos: foi cllc
chriíHogenerofo,.poftoque amante. affeiçoado,
porque antepondo os preceitos do Ceo aosdefeu
gofto, fem lhe offendera honeftidade lhe acudio
liberalmente a fua miferia. Daqui podem tomar
documento as que faõ honeftas fendo fermofas
para andarem fempre ofTerecédo a Deos áfsi a fer-
ino fura como a honeftidade, & reconhecendo a
efte Senhor por autor de todos os bés& peifeições
da natureza, para que quando fe virem felicitadas j
não queiráo fiar toda a reíiftencia do feu brio, &
procedimento, nem dos primores mal fundados
com que àlgús idolatrão na honrado mundo.por
que elle cufturna dar continuas voltas, mudando
fueceflos, & vontades, & fe não ha algúa coluna
muito mais firme em que a virtude fe fortifique,
às-vezes fe veao chão feus edifícios: efta não po-
derá nuca fer outra fenáo o verdadeiro reconheci-
méto do Autor da natureza, & Redécor do géne-
ro humano, em quem fò podem fer de dura to-
das as firmezas & refiftencias. Evifto como as
fermofas tem eftes rifeos: poíto que não feja
, por defeito feu, fenáo pello atreuimento , &
malícia
perfeito.. IC9
'cálida^° mundo: bem claroeftá que-ornaisfc-
auro & c5ueniéte he fugir de excefíos de fermo-
fara para conferuarcom menos trabalho a perfei-
ção do cafamento. Dos que as procurao ou acei-
táofeas, hà muito menos que dizer; porem não
pouco que recear aos que íaó eafados, & de que
aduertir aos que eftáo folceiros: & ainda que não
faltem algus maridos que tendo molheres muito
disformes, as amão, & feruem com mais lealdade •
que outros que as tem muito perfeitas, faõ cafos,
& refpeitos particulares que não encontrão aduer
tendas geraes^que faõ fomcnte-as do noíTo inten-
to: & para que melhor nos declaremos fc há de .
.aduertir que toda a pe(foa q toma eftado, íe deue
determinara proceder.nelle com vida tão.quicta,
& reformada que não quebrante fuás obrigações
nem coro-omaisleuepenGimento;& parece que
no cftado conjugal vemos efta aduertencia mais
apertada,afsi porejem matérias femelhantes nuca
podem fer as ofFenfas leues, como porque de pe-
quenas faifcas, de que ás vezes fe não faz cafo, fc
vem a leuantar incêndios que deftruem grandes
edifícios.E os que não tomarem em feu cafamen-
.to efta refolução^ou a não feguirem depois de to-
mada,nunca ferão eafados perféitaméte. Sopoftas
eftas verdades cm que naõ ha duuida, também
poderemos aífirmar fem ella, quefe os eafados cõ
"" fcas
I iio Capimento.
I -feas as tem mais feguras de auer outrem que lha
I _dcfcje,-onãoeftão clícs de poder achar outrasa
-.quem defejem: pois ré das portas ou das cortinas
para dentro húa perpetua occaíláo de fe poderem
f diftrahir cm algús defejos mal ordenados: porque
4
l a no fia natureza he muito amiga de nouidades, &
• minto maisquandocom ellasfemelhora deco-
la ftos, ôc pofto cjúe em occaííóes deíla 'calidadefe
ablícnháo muitos por virtuoíbs do que aopetecé
por humanos-, comtudò náo carece de feu periao
■ ter necefsidade de reprimir o gofto para fe ob
cer ao entendimento, & fazer forças à virtude pa-
.to fegurar a confcicncia.-porque melhor fe confer-
ua a iegurança delia nas conutniencias da narure-
za, que nas violências Jaiazao. Alem difto ficão
pella moyor parte as feas do rofto no meímo an-
dar das humildes de fangue:& fe os efTeicos da pra
dencia náo emmendaréos da inclinação, correm
. em húasosmeímosperigosque temos prouado
correr nas outras, pois afsi como a fcrmoíura faz
• as molhes leuantadas, & foberbas,aísi o cõtrario
asfazhumildes,&defprezadas. Em proua difto
-T>âin(lí- diz Quintiliano. Deformiuú preximumetthurmlí-
na.orra . uúsWmm, quk magnitude, )>el dignitas mimaWY.
7'M- Qu.di. Andáo femprejunras a humildade &a
disformidade;porq o fer disforme faz abarer todas
as grandezas, & dinidades. * Sobre eíh matéria
. deixamos
.perfeito III
deixamos efcrito o q nos pareceo conueni&Cjqua
do tratamos a defigualdade dás calidades>& dadef
porporção & exceflo dos annos; cujos encargos fe
vé.a rcfoluer em dcfprezo,& defgoftc^como rãbc
òs da aisforraidadci '& jà q os encargos faõ'©s mef
mos,não.podcícrdiucrfospsdocurocntos,&lá«s
pode ir bufcar(q ficão a trás be poucos capitulos)os
cj quiíerc lançar mão d'algua deitas aduertcncias.
E pois nas que paflaõ os limites afsi de feas co-
mo de fermoías ha tantos maies de que fugir/ rã*
tos perigos que recear,, & tantos exemplos cõ que
fe poííaó èfcarmentar os que eftão de fora, bem fe
infereque o parecer do roftoq os homés deucm
procurar não ha de fer tãofcrmòfo que os meta
em cuidado, nem tão disforme q lhe caufe faftio^
porque deíla maneira, (tendo cilas a quietação 8c
modcftia çonucniente,que fem cila tão arriícadas
eftáohúas , como as outras) viuirão elles m^is
ifentosde íofpeitasqucos inquietem , oudedef-
goftosqué os moleftem. Efte parecer de roíto q
não penda para hum nem outro extremo era o q
os antigos propunhão aos homes para efcblhér
quando cafaííem: & a efte chamauão geralmente
Stata forma. Qu.di.Seguro,& firme.* E efte~dauão
as molheres cafadas.
Aulo Gelíio cratando dos inconuenientes que
fempre refuicáo de qualquer dçfíes dous exceííos,
m
nt Cafamento
diz eftas palauras. Tnterputçherrim&ynfemlritâ^
V ,. deformifsimam, media tUcC-dam forma eft J K qu<z km
Attic.lt: m( í ;
íc T
. ,. . / / f l- .
txapir- *p^ ^ttudtniLpericmo,& ajummo deformiutu
ttfdio )>acat: cjualis a O. Ennio In Jfrtenahp. perquam
elegàntiwcdbulo3 iSY^taj, dicitur, qua formam, modí
' 'cam & modejlam Thauormus non me herde inícit)
dppèllatvxoriam. Qu.di. Entreademafiada fcrmo-
fura, & disformidade das molbcres/hà hum pa-
recer moderado/o qual cftâ liure do perigo que
correw as muito fermofas, & do faftio que coftu-
roãocaufar as muito fcas, ao qual chamou Quin-
to Enmo na Menalipe (foi hua Tragedia mui ce-
lebrada ) cõ hum yocabuio elegante^ parecer fe-
gurò^& a efte rofto afsi moderado chama Phauo-
rino o das molheres caiadas. * Celio Rhodiginio
faz também menfaõ defte vocábulo da conuenié-
te moderação do rofto, quando diz, náo aprouá*
do a demaíiada fermofura de bua cafada. Çuifon
L* ma nonfata <juide?n, fedprctcellens. QUL di. Tinha
ca
* hu parecer/não doslcguros, ferrão dos fermofos.
* E nas obras d'hum poeta moderno nâo fòmécc
imitador íeníío emulo dos antigos eftá húa' Ode
em veríos Sapbicòs q fez em iouuor de fua efpoía;
na qual trata das circonftancias que nella concor-
rido para fe chamar em tudo perfeita, & quando
chega ás perfeições do rofto, lhas engrandece
"nefta forma.
Eritttt
< ferfeltôl .; í~j J
Bnítet grato pata forma yuhu
Quamfauens yuondam th álamo jugáli ■
Juno laudatãt3fbi tunc dicatis
Tronubatadis,
Ha c nec indignas juuenes maritos . .
<
PeilitinjlammasJnejg'))ifa])rom])tos' : ; '
,_AÍlicit machos, fcd vtrumí feruat
Tuta Pudor em.
Qu.di. Apparece neííe. voflo agradauel roíloa-
quelleparecer feguro & firme, ao qual louiiaua
Iuno quando padrinhaua os cáfamencos: porque
as que tem efta mediocridade, nem obrigáo a feus
maridos a bufcar outras, nem ellas faõ bufcadas
doutros, & afsi conferuão em ambas as partes a
quietação & honeftidade. * Efta mefma doutrina
& opinião aproua & fegue Bion philofopho & o
fundam eto he dizer. Ouiafturbem duxerisjoabebis Anâr.
boren
\ panam; (tfor mofam, erit communis.Qv^di. Porqfe % \
:
I caiardes cõ fea,tereis tormento,fe cõ fermofa, pó- -*
I deis temer q não feja íó voíía. Pode vfar defta adJ
| uertencia quaíi todos os q cafarem,porque fe bem
atétamos,a mayor parte das molheres,té húa certa
mediocridade de parecer q efta muito lòge deftes
extremos.
CAPITVLO. XV.
0 cafar mais jue hua yez^> he contra afiet-
' • - feição do cafamentOv
H Porque
' íi4 Cajkmentô
*gp| Orquefaõ muito ordinárias as pefloas qJ
fi-^ vhmando logo tornão a tomar o mefmo \
tado,aIgúasícm nccefsidade, & outras catas
fetií defculpa, nos pareceo conueniente aponta
algúas razões que obrigáo a não íe cafar ninoucu
fegunda vcz} fem larga confideraçáo, & madi
confelho, cotejando a vontade com a razáo,&
encargos com os refpeitos, fe.ja a primeira acõfc-
r
Ad CM. lhallo aísi o Apoftolo S. Paulo. ^Alligatusesvxon
noli jU(£r.erefohúônem,fohtus es <tb )>xore, noli mu
rerevxorem. Quer'di. Eftais caiado, não trateisd
vos dcfcafar, citais viuuo, não trateis de tornar
caiar. * E não fomente conuem aos homens con
formarfe com eíle cefelho do glorioíò Apoftolc
por refpeito de feruir a Dcos ícm os impedimeco
&cõtra'pefos que tem ocftadodo matrimoni
fenão também pello maniíefto perigo de impei
C" f i r AO r
reiçac que os legundos caíamentos trazem com
íigo: porq como o Amor feja o fundaméro dcfti
perfeição, não pode nunca cftar tão firme nos fe-
gundos, como cfteue nos primeiros ^ois íe o ver-
dadeiro Amor he o q fe emprega nas cxcellencias,
& virtudes d'armaa & não nas peifeições., & fer-
snofuras do corpo, &fóefta faz os cafamencos
de todo perfeitos, pellas razões & caufas que dei-
xamoseferitas:& a alma onde conííftemas fer-
mofaras verdadeiras não morre nunca, bé parece
per fel foi iiy
Le fe infere, quê õs homens que amaoão cõ eira
Gerfciçáo a fuás molhercs, ou cilas a feus maridos,
;
em quáto viuião, lhe não podem perder o Amor
tíepois que morrerem, pois lhe fica náo fomente
viua fenáo muito mais aperfeiçoada a cauía delle:
& como o amor conjugal para ter ascalidades
conuenientes náo há de fer repartido, fenãovni-
co &indiui{iucl,& os que cafaó íegunda vez, fe
quiferem íer perfeitos catados, fe deuem fazer en-
tre (\ híía (o coufa: também fe infere com pouca
duuida que não podem eftes tais guardar a perfei-
ção como he necefíario, porq por luia parte não
lhe fica liberdade para perder o Amor aos mari-
dos, ou molheresque lhe morrerão, pois ficou
yiua a origem delle, por outra, náo podem deixar
de amar ás peíToas com qoem de nouo fe caiarão
para não faltar na obrigação de feu eítado:& deita
maneira por força ba de ficar o Amordiuidido,&
pcllo confeguinre o caíamento pouco perfeito. E
opinião eu dos antigos, feguida dos mais difere-
tos, & celebrados, que todos aquelíes cj viuuauâo,
deuiãG Amor tão cóftante & verdadeiro aos ma-
ridos, ou molheres que lhe morrião,como quádo
lhe cftauão viuos, & prefcnces-,& pcllo feu modo
Gécili-co hús faziáo diíTo ley deprimor,outros obri
gação de cõfciencia,como fez Stacio quãdo diflfe}
fxorem yiuam amare polutas eft} deftmttamreligio. tnptof-
*" Hi Quer
116 Cajamento
t| ^ ■ Qu. di. A molhcr em quanto he viua,
I Syluar. mada por gofto^ depois de morta por efcrupulo.*
j Teueo muito grande não fó de amar a outra, mas
ainda de viuer, o celebrado Marco Plaucio depois
que vio morta a Horeftillaiua tão querida efpofa:
& matoufe de puro fentimeto^da hi a muito pou-
cos dias,& Valério Máximo depois de Iouuar co-
mo merecia aquelle amorofo & defufado exceflbi
rematou a matéria cõ eftas palauras. Sane \bi iâem,
Ltb. 4. & honefofsimus amor ejb} frajíat morte jungi, auam
c
Jr°l )>ítâdijlrahi. Como fe diílera. Qoando o Amo
entre os caiados hé fempre o mcfmo afsi na gran-l
deza como na caftidade, he melhor morreré am-
bos juntos, para perfeuerar em fua firmeza, que
ficar hum delles viuo para fe diftrahir com outros
amores. * E a iníigne Valeria Romana, pofto qus
fe não tirou a vida quando a perdeo feu marido
Seruio,com tudoconferuoudepoisdelle morteo
amor que lhe tinha ainda com mayor perfeição,
& lealdade, que quando eftaua em fua prefença:
& perfuadindoa feus parentes que cafaííe de nouo
por ter ellà cabedal, & merecimêtos para fer defe-
jada de todos: diz Bautifta Fulgofo que refpondia.
Seruium jui ejus i>irftíerat3 &(i mortuus yideyetm',
lib.j. apudfe tamen aâhuc viuer e. Qu. di. Que não crefle
têf. 6. ninguém q.ellá era viuua: porq fe Seruio morrera
«para os outros, para cila ficará fempre ^viua. * Le-
mos
perfeito! Ijy
tnós da molherdo Duque Francifco Fofcaroque ^âpúfí»
não queria fofrer que lhe tiraílem de caía o corpo Bgmt.
morto de feu marido: & de Porcia, q chegádolhe l- *. f.p»
nooas da morte de Bruto, & não achando outro
Jnftmmenco com q fe macafle, por não deixar de
ficar morta, engolio huas brazas viuas: de quem
Marcial fez aquelle epigrama tão celebrado.
Conmgis auaiffeifatum cum fortia 3mú Lib. ri
Etfubtratlaíibi a u atrevei arma d olor. epg. $ <h
Nondt&mfcitis, ait, mortem non Pojje negar ti
Gredideramfatis hac.^os docmjje pairem,
Dixit}& ardentes, auido bibit ore fauillas. ■
I nunc, &jerrum turba mole (la nega.
QIL di. Ouuindo Porcia a morte de feu marido
Bruto, & não achando com que fe dar ali mef-
mo a morte, diífe para os que lha eftrouauão:Não
fabeis vos q fe não pode ífto impedir a húa filha de
Catão? ncgaime embora as armas de ferro, q para
o q pretédq as de fogo me baftão: & logo meteo
nas entranhas huas brazas acefas,tai era o defejo ój
tinha de perder a vida.*Foi efta Porcia filha deCa-
táo Vticenfe, o qual auía pouco tempo q fe tinha
morto por fuás mãos, fò por não cair nas de lulio
Cefar. D'cfte primor ou opinião procedeo hú cur-
tume antigo dos pouos de Tracia^mui celebrado,
pofto q barbarados efcritores daqlie tépo.Caíaua Unn.
cada homem com muitas molheres, & quando Bo€}7t- %
;:::;:: —" H? ' fucedia'^
n8 CdUmenlo
■ fucedia morrer algu,Iogo aquclla a quem ell
maisaffeiçoadofeenterraua,& queimauacõelle;
& auia encrc todas para efte eííeito grande alterca.
cão, & competência fobre qual fora delle a mais
amada-, & o mefmo cuftume fe guarda ainda oje
em alguas nações da índia Oriental,de que náofai
^ ,. tão teíiemunhas
faltas. , os ru . os de vifta : & bus pouos chama»
t f . r
I Âhodie. ° k * > qwchaDicauao antigamente junto as
#£. z^. ribeiras do rio Iftro, tinháo por honra inuiolaucl
A
' i t*i*i enforcaremfeas molheresjunto das fepulturas de
feus maridos. Mas deixando efta razão>& efficacia
d amor,q he tão repugnãte aos preceitos de Deos,
& ao eftiío q fe pratica, & fegue no mundo: tra-
temos d'outras mais ordinárias, & que ferué me-
lhor para noíío intento. Os que cafaõ fegúda vez.
coufa clara hé que cem ja dantes exprimentado
outro Amor, & natureza, & fe.elle foi pouco, &
ellaruim,& no fegundo cafamento acharem oj
roefmoj como acontece por muitas vezes j íerlhe
há neceííario mui grande juizo, primor, ou virtu-
de, para fofrer de nouo os próprios encargos com
queforáo moleftados, & períeguidos; porq não
há mayoreftimulo da impaciência que tornarem
as coufas a fuceder mal a quem cuidou que fe me-
lhoraua, fe viuerão a feu gofto, ou fem as molef-
tias,& perfeguições quecuftumão padecer os mal
cafados, & acharão da feguda vez cõdiçáo aueíTa,
muito
ferfeito. 11^
muito mayor fofrimento lhe bé neceííarío para
fuair de impaciências, & defatinos, porque fegun.
do diz Seiíerino Boecio, nao há mais penofa de- Deconf.
2
fauentura q ter íldo vcncurofo.Se pa fiarão de boas *'?• * ,
rfi l
condições para outras tais, ou ainda melhores, nc P J- -
por iflb fe julgue por tão bem cafados dafegunda
vez, como da priraeira3pois a iem.de fere mui per
judiciais para o amor prefente quaifquer lêbranças
do paffado, conuem q a inclinação &c côdição da
feguda moihcr,ou fegúdo marido fejáo boas pclla
mefma via q o foráo as dos primeiros: porque fe
eftauáo cuftumadosa hú modo de proceder, & de
pois fe acharão com outro, pofto q bus & outros
procedimetos fejáo muito liciros,& acertados, jã
ogoíto defcae, a affeição tituba, a vnião afioxa,
& a conformidade fe conferua mais por razão de
eftadoqdeAmotfj&íeacafo acontece entrelles
algúa lcue defauença, ( que em conuerfaçáo tao
continuada geralmente náo he defeito ) logo a-
codem as lembranças da íingeleza, & defeanfo
paííado, & algúas vezes os remoquez da difsimula
r
çáo & trabalho prefente: 6c de húa tuim repoír.a
poderá nacer outra pior, Sc delias virfe a tecer húa-
difeordia q defeubra as verdades interiorcs,& tãto-
1
cj perder é o rcfpeito à cõformidade,cada dia terão"
depoftos nouos.Be fe foube liurar deites hua mar'
trona tâbé Romana por nome Annia: perdeo feu;
H4 mandqi
• i2.o Cafamento
marido cõ quem fora mui bc cafada, -& ficou có
muita fazenda, pouca idade, cV nenhús herdeiros:
cõ tudo não ouue que com força ou rogos a per-
fuadiíTea tornar fegunda vez a tomar eftado;& deo
por efeufa q no primeiro cafamento acertara com
todas as circúftancias cÕuenientes para fe dar por
mui veturofa, & pois fora cão mofina q as perde-
ra^não fe queria por em rifeo de trocar a forte, por
õ as memorias do bem q pofluirá, lha farião mais
•pefada& trabalhofa.Podem daqui apréder algúas
viuuas, q ficando cheas de filhos, mais velhas,&
menos ricas do q ficou eíía infigne matrona,logo
nao tem quê lhe goueme fua fazenda, & por iflo
dizem q fe cafaõ de nouo, corno fenão roráo mais
accõmodados para o refguardo3 & gouerno delia
os criados q ouniniítrão, aos quais íe lhe não deré
muito boas contas, podem poftia rua, & melho-
r
rarfe doutros,do que faõ os maridos q a poííuero,
q fea quiferem deftruit, como fazem muitos,não
lho podem ellas defender,né tirallos de cafa.Dei-
xemos exemplos fobre efta matéria,porq por hua
Wrte fao tão ordinários que não podem ter força
para emendar o mundo,por outra podemos apõ-
tar algus q fe forem bem confiderados, pode fer q
não aja neile quem queira celebrar fegúdas vodas,
'*o que também nao parece jufto^porq em muitos
auerárelpeitosparticalares^qosobriguem,ou ra-:
'. i zoes
perfeito'. 12.1 jl
zoes forçofas q os deículpem. Só diremos em lu-
gar de exemplo q auia antigamente certas coroas
a q chamauão da Honcftidade,cõ as quais os Ro-
manos coroauão asmolheresq nãocafauáo mais
q húa vez,Valério Máximo o declara no lugar fe- -
ouinte.C/i^ )>no contenta matrimonio fuerãt, corona ^2 c ^
fudicitia honorabantur. Qu. di. As matronas qfe
contentáuão com fer húa fó vez caiadas, erão hõ-
radas com a coroa da Honeftidade. * E em Alexá
dreab Alexandro lemos, q os homés q entre os £.fc s,
antigos celebrauáo fegúdo matrimonio, não po-
diãoleradmittidosa ofíicios nç dinidades.Eem
Celio Rhodiginio q fe julgaua o mefmo por grã- f4 " /
de infâmia & vitupério. Aquella cafta & celebra- '
da RaynhaDido, infamada tãofalfaméte no li. 4.
de Virg- ficado viuua de Siqueo a q.uem amara 8c
ainda amaua cõ admirauel firmeza, & honeftida-
de, & fendo felicitada .por elRey Hiarbas para fe-
gundo cafamento, cõ q poderá conferuar o Reyno
que poífuhia,&:'augmêtara cidade q edificaua,ve-
doq por ellc fer vizinho, podcrafo, & afreiçoado
não tinha efcufa nem refiftêcia, quizantes perder
a vida com a violência de íe lançar em húa foguei-
ra,q lograrfe delia com o difcredito de fe entregar
a fegundo marido^ & o mefmo Virgílio quando
lhe alTacou q pretendia cafar cõ Eneas pos nome
de culpa ao fecundo cafaméto: pois fingindo que
cila
j 2.2, Cafdmento í
jj cila datia conta a fua irmaã Anua de feris defejõs
fj diz eftes verfos, mais elegantes que verdadeiros.
jr/^ 4t Simihi'non animofixumim'motumj3 federct
I Ne cuimeVinclo 'vellem fociare jttgali,
I ^oflanam primus amor dece-ptam mortejefellits .
J Si non pertafum th alam tadaj.fmjfer,
I HUíC \>ni forptn potuifwcctímbere culpes.
Q_u.di.Se depois q morreo o meu primeiro Amor
não tiucra eu hú propoílto firme de viuer iféca de
todos os maisj& hú táo grande auorrecimento a
1
quaifquer outros cafamentos/ (o efta fora.por yé-
tura,a culpa (entende cafarcõ Eneas )de qcupu-
'Ij dera ficar vencida. * Ioáo Stobeo q fem razão ne
fundamento fez hú tratado contra as molheres,
entre os mayores crimes & deshonras que delias
Tom- 2. publica he dizer: Mariii defunBi non meminit am-
jcrm-71' hlius-, que como lhe morrem feus maridos, nuca
mais télembrãça delies. * Demaneira q entre os
Gétios do tépo antigo era culpa& vitupério tratar
|J de fegundòs c'â fam entes, & agora entre os Catho-
licos tambe fc té ifto por defeito_pois a Igreja naol
confenteq homem alpiá que teueííe caiado duasl
• -iro-- r • s ■
vezes3 ou com molncr qucrofie viuuajícjaadmi'!
c
* ' tido ao facerdocio íem dirpenfação do Summol
.u; r * Pontífice. Eo mefmo eftilo guardauáo os Gétiosí
Alcx.nb no culto & miniíterio dos léus proranos & raiios:
stlcx.lú dcoíes.Nãohe noíía tenção reprouar fegundosl
ca
4> í>7i ' \*.
cafamencosj
w.
ferfelto". T2.3 I
cafarnetos, fenao fó mofrrar as dificuldades q lhe j
pode íer impedimento para a perfeição de q trata- ,
taos:5í o muito cafo q delias faziáo os antigos,para !
a geral opinião lhe pôr documetos tão apertados.

CAPITVLO. xvi,
• Os encargos das mddrdjlds.

Sc o cafar feguda vez ainda para peíloas def-


obrigadas tem cilas contradições, & difi-
culdades, que fera para os q teuerem filhos
& lhe meteré em caía húa madrafta? cujo nome
ainda por íi he tão odiofo,q elle fô bafta (que aísi
o dizemos geralmente ) para rodos os homes que
tê filhos fugire delias como de hús cruéis algozes •
delles:Ouidio troixe efte receyo quafi ja do princi Meu-
pio do mundo, porq defereuendo os vicios, trai- merfh.
coes, & peccados, q fe começarão a eípalhar por 1™-U
clle no principio da idade de ferro,poem por par-
ticular ofício das madraftas dar a morte a feus cn
teados com mui cruel & refinada peçonha, & o
meímo Ouidio lhe chama terribeis, Virgílio inm ihiieml
Ec
juftas, Tácito crueis,& outros lhe dão epitetos fe- H*>,
melhantes: & Ioão Rau.iíio Textor recopilado os j? j * —
feus atributos lhe chama Injujtas^auas^nalas^mmi ln M$\
tes, âtirus, montfnferaS)Çru>âas3tembiles.Qvi.à\. In- nour^
iuftasjcracispperucrfasdesharaanas^duras^ojõftrao
1^4 Cafdmento
. Al fas,carniceiras, terribeis. * Euripid.es encarece ifto
ff-;7, mais dizendo de qualquer madrafta. Vtperâ nihilo
clemenúor ejl. Qu. di. Hétáo peçonhenta como
húa biuora. * Petrarca ainda leuanta mais o eioca-
Tfe rem. reci mento. Omex Primo conjtiçioprolcm hahensno.
vtritíjfy uercam fuhexwducit, fuismanibus infudmdomum
* ' mitúi incendiam. Qu. di. Quem tendo-filhos do
primeiro cafamento,, cafafegúda vez,& lhe da ma*
draíh;por fuás mãos próprias traz o fogo com cjfe
lhe ha deabrazar acafa. * Séneca Trágico para
exagerar melhor os muitos males qluno queria fa
zer ^Hcrculesj finge q depois d^lladiícorrer por
todos os géneros de crueldades que podia inuécar
a malicia,& executar a tyrannia, chama pellas fú-
rias infernais, dizendo: r
In Hcr- jfáe me Sorores mente dejeãam meZ
/«- . yerJ}ite prmamyfacere f. qmâyuam amparo I
i. Dignu-m nouercâ. '
Qu. di. Amin^amim primeiro q todos enchei
de fúria &doudice o entendimento que tenho
perdido^ para q o mal que procuro fazer, fe poffa
chamar dino de bua- madrafta. * E modo hé de
fallar tk muito cuftumado entre os Latinos cha-
mar Odmmnou-ercale Ç que fignifica ódio de ma-:
drafta) ao quehê mais capitai, & deshumano:
& às mãos cruéis,^ fanguinolentas, prontas ato-'
da a vingãça,& crueldade^chama Conelio Tácito.
r c
"•" . Nouer~
perfeito. j1y
ijotiercales manus. Quer. di. mãos de madrafta. *
E os que primeiro difleráo que o feu nome lhe ba-
ftaua: não fomente fe deuiáo fundar na expe-
riência do feu ódio, fenao cambem na ethymolo-.
oia do feu nome : o qual em Latim chamamos
%ouerca3 tirado da origem dos Gregos antigos,&
fe forma de vi«à<>y/'3 que he o mefmo que di-
zer, Isloua frlncefa: E pofto que o nome que as
outras nações lhe derão,parece mais conforme ao
officio que tem, & lugar que poíTuem , que pois
ficáo fendo molheres dos pays,com razão deyião
ficar mãys de feus filhos.-pella qual caufa lhe cha-
rnão os Heípanhoes^^^y?^ os IraIianos,J^-
trigna, os Francefes, Marajtret & ainda os Gregos
mais modernos, MT^O. o que tudo faõ nomes
tão conformes com a palaura, mãy3 (cada lingua
por feu modo) quanto cilas para razão o ouuerão
de fer com o lugar de mãys em que cftão poftas,
com tudo os antigos Gregos como mais pruden-
tes, & aduertidos, podendo chamará madrafta
Voua may, que era nome mais accommodado ao
feu lugar, & officio, lho forão por de noua Piin-
cefa, por ver quanto disdiziáo as mais delias defte
officio, & obrigação,por fe conformar com a ío-
berba, & defcònfiança. Alem difto porque Prin-
cefa,he nomedeImperio,& algúas vezes de tyran^
nia, & as que não acertáodc fer brandas por íua
virtude?
I \i.G Capimento
virtude, ou n atureza,na mefma hora fe fazem tf.
fanas por íua paixão, & crueldade: & com tal oc.
cafiáo metida em cafa,como pode auer goílo per
feito.né Amor verdadeiro,nem familia bé crouer-
nada, nem cafamento bem logrado , fenáo paíTar
a vida toda em differeças fem interuallo, em def.
gollosfem limite, em arrependimentos fem re-
médio? o qual tanto fe pode efperár menos nefte
geneto de imperfeição, quanto os caiados obráo
nelle mais por natureza, que por vicio: porqtoda
InTbeo a molher naturalmenteeffranis ejl & amarulentat
Ca. como dizia Hcfiodo- hé precipitada, & apaixo-
nada. * ( Tratamos do q paíía geralméte confor-
me a doutrina dos Phiioíophos-, &c não daquellas
cm particular que faõ címeradas na virtude ") ôc
como tem liberdade para efíeituar os arremeííos
de fua paixão, logo efíà mui arrifeada a fe defpe-
nhar fem temor nem freyoem males, infolécias,
& defatinos, & o querer mal aos enteados cambe
bèeffcitoda natureza, & ainda mais. perjudiciai
que efroutro, porque nace primeiramente de ciú-
mes., que bâ para elias a paixão mais natural, &
arrebatada, & com efta (q nem aos mortos per-
doa ) fempre lhe parece que os maridos amauão
mais às primeiras molheres, & como os filhos
entre os caiados faõ os penhores de Amor de mais
eftreireza; & mayor valia, & ellas fe perfuadem
; que
I perfeito ivj
quenclles cem feus maridos reprefentado o Amor
das mãys,& as craze por caufa delies fempre viuas
no penfamehto, nelles põem rodos os cffeiros do
feuodio, & todo o appetice de fua vingança, pot
lhe ferem, a feu parecer, occafiáo de hú defgofto
que canco fencem,como hc ver diuertido o Amor
de feus maridos. Nace cambem o mefmo ódio
daçompecécia quealgúas cem com aquellas cujo
[lucrar poiluem, & com cila não podem fofíec que
as outras que já eftáo feiras cm cinza foflem cáo
[ferroofas, cáo diferetas, ou tão ric:<s,oa que teueí-
rifero parte algíía que fe podeííe comparar com a
J menor das fuás, né menos q os filhos das outras
tenháo comparação algúa com os feus, ou com
os que podem vir a rec5 fe os não té ainda, & co-
lmo daqui fe lhe acende a afpereza, & crueldade,
conforme ao 5 lemos nos Cantares, Durãfiauin. Cap, s.
Yfernm amuUÚQ. Qu. di. Que a cõperencia hé tão
dura como o mefmo Inferno. * Ea paixão femi-
nil as arrebata para executar o mal quedefejáo:
pcllospropriosimpulfos da natureza tem ódio,
& procuráo dano a feus enteados, como aquém
lheacrecentaacaufadaira, & a continuação da
I competécia: & quando ellas acertão de ter filhos
I faòainda eftes effeicos mais ordinários: porq co-
mo hc obra canco d'alma defejar riquezas para os
filhos,& procúralUs > có anfias, ^.diligencias, Sc
.. „-- ...-•. osínodos.
12.8 "Cafamento I
es modos de as aquirir faõ conforme á boa õii
ruim inclinação,eftceita ou larga confciencia dt
çadapeííoa, feasdas madraftas eftãò viciadascõ
o Amor dos filhos ou com o ódio dos. enteados
bem claro eftá queficão ellas mutarrifcadasalb
dcícjar & procurar a morte, para que fique afeus
filhos as heranças .ou morgados q ouuer em caía,
& poflo que muitas paílem.cm claro eftebarraco
com tanta virtude & pontualidade que tratão &
amáo a feus enteados em ráo perfeito grão como
a feus meímos filhos^ outras ouue que tropeçarão
nelle, & derão quedas muiperjudiciais & traba-
.fíiftor. lhofas: como fez a Emperaciz Marciana íegunds
veterâ molher do Empcrador Heraclio,a qual matou cc
*cbr0in PcÇ°nnaa^cu enteado o Principe Conftantino,
ara cãT como cou
Sigisb. P ^ > & > ° Império a feu filho He-
racliona: porem durarão pouco as felicidades al-
catifadas cõ traições, & homicídios: & permittio
Deos que antes de dous annos perfeitos foííerm
máy & o filho defterrados para Capadócia pellos
próprios moradores de Conftantinopla, ondea
cila arrancarão a língua, & a elle cortarão os na-
rizes. Aliattes pay de Creíío Rey dos Lvdos aqlle
de OIS t01 ca0
iff ouc ^ P «nalado por luas grandes polu-
iu. ' Pas & riquezas, morrendolhea Raynha, fe caiou
com outra, de quem teue também filhos: & ve-
do ella a grandeza & abundância do Reyno que
auia

ferfelto. ' 129
auia de ficar a Creílo, tratou de o matar com pe-
çonha pára que (eus filhos fica (Tem herdeiros-,chc
'goufecretamente noticia a Creílo da traição 6c
fnorte que ordenaua fua madraíla;,& foi tão aflu-
to & venturofo que teue traça com que fez comer
Ifeus meyos irmãos a mefma peçonha, ficando
■He com vida,& Reyno, & ella fem filhos & fem
lerança. De modo q das madraílas antigamente
quetinhão filhos, era officio particular, matar cõ
fceçonba feus enteados, como fe ve por eíles exe-
plos, ôc oucros que acontecerão pelío mundo, ôc
buidio como jà diflemos, faz tãbem a peçonha
linftrumento ordinário da execução deíles effeitos •
laquellc verfo atras allegado.
11 r .
* , ■ t r -1 r J lup,
Vv. j
I Luridatembilesmijeentacomta noucreá.
'J.
*
Qu. di. As terribeis madraílas fazem confeições
deneerra peçonha. *Iuucnal tratando delias não
lhedá outras armas nas execuções de fuás cruel-.
dades, & defatinos. •
&
I CoBumjj^enenum, s*-
I 'Priuignoj datum.
Q_Kdi. Fazem cozimentos de peçonha para dar a •
feusenteados. * E fendo por húa parte táo natural
a todas as madraílas querer, & fazer mal aos en-
fados, por outra o não he menos a todos os pays
amar os filhos, & fentir em todo oeftremoos
agrauos ou danos que fe lhe fazemj & poílo que
Õ
I J fJ
j75 Capimento
portodasas mais razões &c circunftancias traba-
lhem por fer perfeitos cafados > comtudo em ve-
do tratar mal feus filhos, logo o Amor natural fc
acende em colera,& cila em deíejos de vingança.
E quando porvirtude, ou manfidáo fe náo fatif-]
fazem, ào menos por paixão & fencimento fica o
amor mui defeompofto, a confeiencia mui arrif-
cada, a quietação de todo perdida, & o cafamen,
toimperfeitifsimopella mefma ordem da natu-
reza-.donde com muita razão as nações antigas de
Grécia defenderão com ley mui rigurofa que nin-
guém caíaííe fegunda vez,tendo filhos da primei-
• ra3 & as palauras da mefma ley efereuemos aqui,
por ferem muito merecedoras de fe trazer fempre
r
Joln\ namemoria. QMIúHYISfms nouercam fufermh-
Stob. xerit, ?i07i honore dignusjed ivfamispt,\>tpctc dijjeft.
tem. r. tionls auBor âomeítica. Que. di. Todo aquclle qi
e
M *' der madrafta a feus filhos,não feia digno dehon,
rasjlenao de íntamias^como quemfoi o autor das
brigas & dirTerenças de fua cafa.* E por remate de-
íra matéria pedimos aosviuuosquctemfilhos,&
tratjão de caiar fegunda vez, que pézem os encar-
gos a c] fe arrifeão, com os reípeitos q os obrigáo,

CAPITVLO XVII.

Quefejao os homens cafados modeílos & recolhidos.


Temos
fevfettú J31
rff*^ Hm os declarado as condições, & calidades
I cjue deuem ter os caiados em ordem hum a
o outro,para guardarem inteiramete a per*
feição de feu citado; diremos agora as que perten-
cem a cadahum delles, para que poflaõ conferuar
com huas o que aquirkão pclías outrasj porq não1'
he de menos importância conferuar o que íèai-
cança,que alcançar o q fe defeja: & começando^
como he razão logo por cíies; o que-ihe conuem
primeiro que tudo, he a modeftia,& recolhimen-
to . O contrario diílo nos põem Euripides entre
os mayores males dos cafamentos: Res maia efi jpa^
itncum Virum- binas hdbere leBas. Qu. di. HcmOljg^^j
ruim couía cer dous leitos hum homem cafado.* tom.i.
em
Edeuem os que o faó, trazer muita tento em Çç$* *i
hoiieftosjnáo lo pella obrigação de dar bomexé- *?'
)lo3 que he mui precifa & cffencial nos que fao
lonradosjfenãopello muito que lhe importa ti-]
rar a luas molheres toda a occaíião deformarem
delles ruins fofpeitas: porque como todas natural-
mente faó íofpeitofas, Sc muito mais as q mais a-
ifláo, & não há para ellas fofpeitas de mayor pefo
né defgoPco q as que fe caufaõ de ciúmes, faó os
maridos obrigados a fe conformar cõ efta paixão
em q fó he culpada a natureza, não fomente em
ícr honeítos, fe não em andar tão acautelados que
ráo poífáò ellas recear delles nenhua obra nem
12. penla-j
• H* Cdfamentê
-penfam.errtq-tontra a firmeza que fe lhe deucj
& não fendo a(si, logo _.fç arrifca ou perde a paz,
com ella.o Amor, & com ellc a perfeição do ca-
famento, porque faô algúas tão precipitadas para
ps ciúmes, que como os maridos fazem qualquer
tardança, a não fabem atribuir fenão a ruins, con-
uerfações, & piores paliadas: donde veyo a dizer
Terêncio introduzindo hum payfolicito por lhe
tardar denoite.hum filho: q quãdo alguém tardar
em vir para cafa, hê muito melhor acontecerlheo
quefua molher fofpeita, que o q feu pay ou máy
imaginãoi porque o peníamento dos pays fempre
fe oceupa em recear íelheaconteceo. algum de-
faftrc,& o da molher em affirmar que fe entretém
com outros amores. Sobre efte ponto não palia-
mos adiante, porque os inconueniétes. dclle (aõ dj
tnefma caiidadc que os dos ciumes^dos quaes dei
xamos tratado baftan te mente, & fó lembramos cl
ós que não fe refolucrem a caiar com prelupofto
de ferem modeftos& recolhidos^melhor lhe fera
viuer folteiros, porque não falcão boas razões que
obrigão a pefloas prudentes a fugir dos encargos
& contrapelos que os cafamentos trazem cõfigo:
Stob. como obrigarão a Tales Mileíío, hum dos fete la-
iom z. |^jos ^ Qrccja^Q qUa[ {endo continuamente im-
"* •' portunado que.fe cafaíle, feefcuíou até certa idade
dizendo que ainda não era tempo t & dahi por
perfeita. I35

iJiahte que jâ o não era:& Horácio pellas mefmas


razoes dizia aos que viuuauao.-
Êuafti ?xredo.metuesJoãitfycMebís: s ' '
■Ouàires^nàe iterumpaueas, iterumk' per ire
'jpoffisl o totiesfer/ms; jua bellua rupús
Cumfemelejfwgit, redditfe prauacatenis.
Qu. di. Efcapaftesrcreyo que ja receareis como
prudente,& vos guardareis como experimenradoj
«orventura bufeareis de nouo occaíiao de fegun-
das mortes ou receyos ? he ifto fer catiuo muitas
vezes, que animal ha tão bruto ou fero, que efea-
pando das prifoés, fe torne por fua vontade a me-
ter nellas/3 * Náo he ifto perfoadir aos homens q
não fecafem; pois fora oííender as excellencias de
bum cftado íem o qual não fe poderá conferuar o
género humano, fenáo com ofTenfas do feu cria-
dor : porem he dizer que os que o não fizerem,
lhe náo faltão boas razoes cm que fe fundem, ôc
peffoasprudentes a quem imitem.
1
Efe o não ferem recolhidos, perjudica tanto,
ainda nos que fazem o que deuem, que fera nos.
que fezerem o que não deuem? Quem poderá fo-
frer hum deuaílo, & deshònefto,que não fomen-
te dá occaftão a fua molher de leues fofpeitas, fe
náo de muito peladas & verdadeiras queixas? Que
defeulpa poderá dar hum homem de qualquer ca-
lidade,ou dinidadeque feja, gouernado pellas leis
X44 " Citfkmentõ
da razão, illuftrado com o lume da Fé, a mbef.
tado com os confelhos dos amigos, com a dou.
trina dos pregadores, perfuadido com os exern-
pios, & experiência de tantas vidas inquietas, de
tantas mortes arrebatadas para deixar o Amor
que deue a fua molher com quem viue em ora-
ça de Deos, & empregarfe todo em outro que o
faz agradar, & feruirao demónio? Óu que com-
paração pode ter nunca a fatisfação de hum tor-
pe deleite grangeada com inquietação , perigo,
& trabalho, com a bonefta execução de bus coi-
tos lickos logrados com íbflego fegurança, &
defeanío.'5 Com que razão ou confiança poderá
matar a fua molher por húa affeiçáo deíotdena-
da, quem fe defordena em tanras & tão efeanda-
lofas, fem temor de Deos nem vergonha dos ho-
mens, nem em metida nas maldades, nem in-
teruallo nas torpezas/5 & foppofto que todos que-
rem a3 molheres leais, & virtuofas, cV o contra-j
rio julgão pello mayor grão de fua desbotara ,j
creáo que ninbum remédio tem mais efflcaz pa-
ra fe fegurarem, que pagarlhes fempre na meí-
ma moeda. Efte remédio alem de íer preceito da
iey da natureza, a qual difpoem que não façamos
aos outros o que não queremos que fe nos fa-
ça; he também doutrina^ amoeftaeáo de toda a
boâ
'ferfeito 1$}
boa ptylofophia: Ouçamos a Ariftoteles orácu-
lo delia. -
Si muluf cognoucrit fibi cafium & jtíum ejje In M_n*
yiwm, & etUm iffi cdftd, úrfida erit. Quer di-
zer. .Se a molher entender que feu marido lhe
be cario, ■& fiel, também ella Terá fiei, & caftaJ
* Pcllo contrario fc elles viuém como não
deuem, fazem tão grande abalo, na virtude, &
firmeza de fuás molhercs, que be neceíTario
fer cila de proua para fe conferuar o fofamente;
& .corno a noíía natureza be fempre inclinada
«ara o pior, a primeira coafa .que lhe trás ao pen-
íamonto ( poílo que as mais delias refiftirão com
muito valor & paciência ) he tomar vingança
pellos mefmos termos por onde recebem a of-
fenfa:& afsi não aduirtem os homens quando
fe diftraem peites paííatcmpos, que andáo gran-
jeando vinganças que lhe podem deftruir a hon-
ra & fazenda , à conta de executar hús torpes
zoilos que lhe dcpràuáo a confcicncia. Ladan-;
cio Firmiano au&or de- grande erudição & au-
toridade, expreííamente affirma que defta ruim
correípondencia dos maridos vieráo a proceder
os adultérios, & não da lafeiuia ou malícia das,
molheres: o que declara bem com eftas palauras
tratando dos cafados. Seruatd* igitur fâts ah Li^j:
Woí aheri efl, imo exemplo conúnenúa docenda caf,/j£
?3<J Cafamento
v
V**?, Vf/« cafia gerat: imqnum eft envm )>t il exmi
auod frattdre tpfe no fofsts: qud. iniamtas effeat pyo-
JetTo Viejjjentadulter.iasf<emmis. agre feré.LÍl?uspY<z~
(tarefe, jidem non cxhibentibus mutuam- charitatem.
Qu.di. Deuem.guardarfefirmeza.hum ao outro:
& há.de aprender-a molher a ferlionefta: do bom
exemplo de [eu marido,porque não he juftiça di-
reita quererdes cjne vos faça outrem aquclle bem-
que lhe náofazeis:.daqui lem duuida procedeo o
auer adultérios porfofrerem as molheres. mal ter
amora quem lho não tem, & guardar fé aquem
- lha náo guarda-. * Dõdc. veyo a. dizer Ouidio tia-
tando, do, adulteriode Clicemneftra. molher d&
Agamemnon..
ve art.. Dumfuit ^Atriaesvao,contentus& tila.
-' Cafafuiti \>itio efiimprobafaãa. )>iri.

Qu.di. Em quanto Agamenonfe. comentou fôcõ'.


fua molher, fempre cila foi cafta: porem depois qi
fe diucnio c.õ .outras,lhgo cila cahio ha.mefma fai-
M,pot cauía dos vicios.de.feu marido..* E poftoq
ja fe vificm.alguas.de.taó.peruerfos. procedimetos
que com terem maridos lcais^virtuofos^ &. reco-
lhidos,, fe defmandaráo em danos.ckalma,. & da. ]
honra, fundando feus vicios, & defeoncertos não*
em.fatisfaçáo de agrauos,fenão; em. força, de appe-
tíces,. c.omcudo. por húa jparce eíías; faô; as. menos,.
r
. " ' &que:-
perfeito. . 137
& quererá Deos que não feja*. nenhuâ* por outra;
para oscafos particulares.(como-ja diíTemos) não
fctuem aduertencias em- comum, quais faõ eftas
de .que tratamos & delias nâotemnecefsidade os
que forão tioventurofos, que. acharão molheres
de muita.virtude, porque eft.es fomente em ordé
a(\ tem necefsidade defervirtuofosmem os que a-
ecrtaraõ de fer.taõ mofinos. (fe ouue -a cafo algu
que o foíTe) que as tem deuaílas &: deshoneftas,
porque para ellas de pouco effeito deue de-fero
Dom exéplo de (eus maridos, porto que para elles
o feja de. muito- Por onde lo falíamos cõ aquelles
xujasmolheresnãofaõ de virtude- & efpiritotão-
eonftante que íe efpere delias actos heróicos, &C
genctofos,.nem de inclinação tio deprauada que.
ospoííaóter torpes, ou defeompoftos. Erta me-
diocridade, he a mais ordinária, & eftes faõ a que:
aduettimos,,que.fe.queremfer tratados com' leal-
dade, tratem-.com a própria a fuás molheres: para.
que não venhãoa perder, porvicioíòs- a honra que* -
conferuáo- po> continentes: 6c. mais* porque ate:
contra o primor;humano fefica fazedo muigraue:
offenfa, quando alguém quer que fè.difpenfe nelle:
coma ley. que. Deos fez igual pata.todòs. Pòreftai
razáoventreoutrasalguasjeraicoftume. dos> anti--
gos^quandocfccelébrauãooscafamentos,, a-pri-
Imeiraicoufa;que ainoiuaidiziai a* fèu: efpofo;. era;
Vn
1^8 Cafamento
, Vhi tu Calusi ego Caia: Quer dizer. Quando vos
dtctr.i» fo^es Cayo, ferey eu Caya. * Efta Caya fe cria-
ra, mou por outro nome Tanaquil>& delia fazemos
itym. atras menfaó para outro intento, foi cafada com
*jf*xf Tarquinio Prífco (pofto que Plutarco a faz fua
l $ c '4t nora) & matrona muito iníígne em honeftidade
& lib 2. & em todas as mais partes,& virtudes, peilas quais
cap. <j os antigos Romanos lhe leuantarão húa eftatua,
fliiisrú & pUfcráo nella como reliquia,a fua mcfma roca,
tnquúft & ç £ . foilheo marido em tudo mui femelhan-
Rom. te

ibid. J & viuerao íempre com raro amor & confor-
midade, & andauáo os nomes dambos em prouer
bio, & as virtudes em exemplo para todos os que
cafauão naquella Republica: por iflb diziáo cilas
aos efpoíos antes doutros nenhuns requebros
nem colloquios: fe vos fordes Gaya, como fe
diíícrafe fordes honeftò, & virtuofo, & igual em
tudo para comigo, como foi Tarquinio para
Tanaquil jfeioei eu também para com vofco, ço-;
mo o foi Tanaquil para Tarquinio: porque tanta
obrigação tendes vos como eu de guardar o direi-
reito ào cafamento, & com efta bem fundada
cereraonja queriáo obrigar aos q caíauao a guar-
dar fuás leys & obrigações com igual amor &
correfpondcncia. Muitas , molheres ouue no
mundo deíordenadas íô péllo ruim exemplo de
feus maridos, & deshonraráo a fi & a elles mais
perfeito'. 13 9
por vingança que por lãfciuia: & pofto cjue não
falcão copiofos exemplos para caliécarefta verda-
de, contaremos fomente o que fe.fegue por ir á-
breuiando efte noíTo trabalho. Não ha muitos
annos, que hum certo homem honrado & rico
tendo bua molherbem acuftumada , fe defeo-m-
posem ruins curtumes: ajudaua-o o feu dinhei-
ro a fer mais íolco nos paffatempos, & a cila fua
virtude a fer mais fofrida nos dcfgoftos: daua-
Ihoselle continuamente^ fingindo que hia a ne-
gócios fora da terra, & andando nella fçcrêta-
mente,' por caías infames, ík deshoneftas : fenda
cila em eftremo ver tão ruins eífeitos do amor
que lhe tinha, &ç tão deíigual correfponden-
cia da lealdade que lhe guardaua : ate que fez
termo o fofrimento/que como elle o faz ne-
fías matérias, fempre he para defgraças muito
grandes : decriminoufe em ofFender o marido
pello mefmo caminho que era oííendida : & co-
mo elle fingia aufencias para feus goílos, tam-
bém cila as fazia para fuás vinganças, indo buf,
car outros femelbantes. Durando algus dias efte
engano, íucedeo acharcmfe ambos fem faber
.hum do outro na caía de hua velha corretora
defta mercadoria, que bem mereciáo todas po-
ftas na forca, por roubarem almas para o Infer->
no: he mui aduertido o receyo da mortej vendo
cila
140 Cafaúento
cila o perigo cão manifefto, fe foi de repente
para o marido com moftras de grande paixão,
& fentimento, dizendo que já lhe não poderia
negar que aquclles erão os negócios para que ellc
. tanras vezes fe aufentaua de íua caía, & que cila
por não acabar de dar credito a quem lho dizia,
nem a clle lugar de negar verdades, fe fora meter
naqúelleem queeftaua para o.comprender no
próprio furto, &•ellc lhe náo conrradizero oue
jà tinha vifto por feus olhos, com eftas & outras
exclamações quelheeníínou a contrafazer o pe-
rigo em que íe viâ, náo ceííaua'de lhe encarecer
.as ingratidões que com cila vfaua. Náo teoe ellc
que replicar, pois fe.achaua culpado & compren-
dido, & pedindo perdão da culpa, lhe prometeo
verdadeira emenda: foi elle.certo tia promeíía, &
ella logo reformou a vida; que afsi ofazem as qus
fe deímancháo mais por vingatiuas que por dei-
honeftas.
o

CAPITVLO XVIU. •
Ouefeguardem de todo o \ogo+

P Oílo que o jogo moderado feja oceupação


honefta & permittida,& que não faz perder
aos homens o nome de bem acoftumados;
com
1
perfeito. x ^"M
comtudo o mais fcguro hc efcufallo de todo, ais1
porq he muito melhor gaitado o tempo em qual"
quer outra oecupaçáo licita3como porque fempre
dcllc nafcem contendas, & porfias, & muitas ve-
zes brigas & diffcrcnças: & deite perigo não eítâ
ifcnto nenhum jogo, nem ainda aquelles de cuja
moderação fe não efperão mais que cortformida-
deSj & foífegos: & cadadia vemos defauenturas q
o demónio vrdio ncííes próprios jogos, ordena-
dos entre amigos, com toda a paz & quietação,
para paflar duas horas de tempo: & baítaua o ter-
jmocom que dcllc trata o gloriofo Doutor íanto
A^oftinhOípara todos fe benzerem ate do feu no*
me,quanta mais do feu exercício :porque diz dcl-
lc. ^Jleam inuenit damon. Qu. di. O demónio in- Dcchiu
uentou o jogo. * E poíto que o diga por encare- Dfí/- <•
cimento, fem elle íe pode lembrar a todos os ho-
mens, que fe guardem quanto poderem de hum
exercicio a que efte gloriofo fanto pos tão odiofo
&peruerlb titulo. Horácio^, homem Gentio,, &
táo profano, encomendaua. ao feu proteétor & a-
migo Mecenas.,. que. fe não encretiueíle em. jogo
ncnh.um,pellos.grandes males que delle cuítumáa
proccdeCjpor mais pacifico & moderado que feja„.
Clamou diludid. fofeo y. EpifioL
. 'LfditJenimgiguh trepiium-certamen-i&'hum,, lib.i.-
Ira. truces ímmitUs&fmehere kefam.. epúujg*
i^t* Cáfdmenio
Qa. di. Com gritos & clamores agdo pedindo ã
ceííe todo o género de jogo: porque deíle nacem
iras, paixões, Sc diferenças, & delias cruéis ódios,
& mortais guerras.'* Efíe jogo licito, táo pengoíb
para todos os eirados, para o conjugal o he muito
mais, porque alem de obrigar aos homés cafados,
que o vfaó, a eftaralgúas horas'da noite fora de
cafa, com os inconuenientes quceítáo referidos,
cabe a elles a mayor & pior parte dos trabalhos
defgraças, & danos que cuftumáo a rcfultar das
altercações dos jogadores, porque os cafados tem
mais neccfsidade que todos os outros de procurar
a quietação, conferuar a paz, & eflender a vida,
Sc íe o jogo hé dos permittidos, &' moderados,
cem os perigos que já declaramos/» quais em to-
- do o caio, & com toda a força os deuem obrigac
aguardarfe delle, fe hê dos excefsiuos Sc abomina-
dos onde fe jogão fazendas, & perdem almas, ve-
jáo bem a obrigação q lhe fica de arrodear legoas
inteiras por não paflfar por hua deftas cafas, onde
cem mais certas as mortes, Sc defauenturas,& on-
de fe arrifeão continuamente a perder em hua fó
noite tudo quanto elies, & feus pays, & auôs, ou
fogros andarão aquirindo em toda a vida. Mal hé
eítc de que já fe quekauáo os antigos com repreT
íoés cfficazes, Sc publicas., como vemos em Iuue-
nalnoò vcifosfeguintes, ~ -—-.
ferfeitoí J43
"Ncc emmlcculis cornuantibasnur S(
Zdd cafum tabula, pafitafedluditur arca. ' ~"
Qnj, di. lá não jogáo os bornes fó com as bolfas,
fenáo eom codas as arcas abertas. * E erão tão cer-
tas as brigas & mortes já naquella íimplez anti-
guidade nos ajuntamentos das cafas de jogo, que
as peífoas que as conúnuauão tinhâo por cuftume
Icuar comíígo criados cõ armas fò para lhe acu-
direm, & os defenderem: o mefmo Iuuenal o diz
claramente logo no verfo que fe fegue.

frdlia quanta illie difbenfatore videbis Ibidem]


^drmlgcro.
Qu. di. Quão. grandes batalhas vereis neílacafa
feitas pello voflò mefmo criado que vos lcua as
armas. * Sobre o qual lugar diz Badio Afcenfío
exccllente cxpoíitor "dos Poetas antigos. Lufun
mtemeurabant adeíje armiperum, ne aperdentibm
olruerentur. Quer di. Os q hiáo jugar faziáo fem-
pre.eítar junto de íí hum homem cõ armas, para
que os não mataííem os que perdião. * E certo q
confiderados be os defaftres,& danos q coftumáo
fuceder em occaííoés defta calidade, parece que
não hiáo eítas prcuençoés mal encaminhadas.
0 jogo ( pofto que nos defuiemos hu pouco do
noíío intento ) foi inuentado no Reyno de Ly- r,.p
dia, conforme a Heródoto Halicarnafsío, em ^Im'
nua
144 Cafamentâ
bua prolongada efterilidade que nelle oúuc no té*
po antigo,reynando Atys filho de Mauno:& não
baftando os mantimentos para todos os dias; to,
• màrão os homens por remédio de fuás miferias
comer bum, & outro náo : & neíTes em cjue náo
comiãc,fe cntretinháo em algús exercícios que os
fezeíTem efquecer da fome, para efte effeito forao
inuentando variedade de jogos pello difcurfo de
vinte annos, que lhe foi durando a neccfsidade:
poré não ceflando, antes crefcendo cadauez mais
o trabalho della-,mandou elRey,paraquenáo pe-
recefifem todos, fair do Reyno ametade da gente,
& deolhe por Rey &gouernadorahum filho feu
por nome Tyrrheno : depois de varias peregrina-
coes, fezeraoa (Tento em Itália :.onde, deixando o
nome de Lydos, fe vierão a chamar Tyrrhenos,
por memoria do feu Rey & companheiro, que
' fofreo fer por amor delles pobrc,deíterrado,& pe-
regrino. PoíVo que lhe ceifou a caufa do jógo,poí
citarem ia fartos & defcanfados,nãoceíTaráoelles
lio exercicio, que tinhao continuado por tantos
annos: delles fe comunicou aos demais pouos
de toda Itália, & dahi a outros muitos Reynos &
proumeias: & porque os Lydos forão osinuen-
tores dcfte cuítume, chamarão os Latinos daqllc
tem po1 aos jogos, Lydos, & depois pella cõtinua-
çáo fe corrompeo o vocábulo, ôc lhe vieraóa
chamai
' perfettol ' ~JJJZ
chamar Ludos: O q daqui tiramos, ou choramos
bé, que fendo fomente inuentado o jogo para re-
médio ou engano da fome. chegou, a cal eftado
noífa malícia, q elíe próprio he occafiáo de mui-- .
tasfamilias, a padecerem. E depois que nellefe
perde tudo, faõos cíFciccs deitas perdas conforme
às naturezas das peflbas. Os que a tem de.manfos,
& pacíficos, conhecem-âs vezes fua culpa, & fé
compõem com.fua pobreza , fofrendo as pragas
que as molheres lhes rogão, & as miferias que os
filhos chorão: peremcites faô os menos, & nem
com toda fua brandura os tenho por tão confir-
mados na paciência, que não eftejâo arrifeados a
fazer defmanchos, fe a perda continuar ou apertar
muitorporque fe auemos de crer a hum autor mo
j
demo : ^Aleatorum virtus elanguefcit, manfuetudo ,,'
fiulaúm efferttw. Qu.di. Nos tafuis a virtude
perde o brio, a maníidáo fe vay conuertendo em
ferocidade. * Os que faô hõrados, & primorofos,
& podem refiftir aos efTeitos que cuftumão pro-:
duzir femelhantescaufas:ou fazem graça de fua
pobreza, & no interior Deos fabe o fentem; ou a
[confelhão a-feus amigos que íeguardédetão pre-
judicial defenfadamento, como fez hum Otho
Valrnciano,de quem conta Iacobo Falcão inílgnç
ieta dg mefmo Reyoo, que depois que perdeo
ando to da quáta íazéda tinha, fe pos a cfcreuec
K ha oi
146 Cdptmente
íaam iiuro contra o jogo, & diz dclle o mcfrao
Falcão engenhofamencc.
In libra VuhetUm \n luào Verdere temPus Otbo.
£$ty*\ Qu^di Era Ocho tão grande tafúl,.que até o temi
po quiz perder no jogo. *-E deites tais,poflo que
" manfos & foífegados, fenão pode nunca dizer que
guardao perfeição em feu eítado: pois como cila
coníifte em paz, amor,& cõtentamento, as quais
coufas não hé pofsiuel que tenbáo lugar entre po-l
brczas, quando faõ grãgeadas por hum vicio que
asmolhcres tanto fentem,bem claro fica q nunca
pode fer perfeito caiado quem perde no jogo fua
fazenda: Que pofto q algúas por qualquer razão,
ou refpeito foírão efte vicio cõ rofto alegre, fera-
pre hà de fer com coração trifte; & mal {e confer-
• não vnioês verdadeiras entre alegrias difsimula.
das.Os querem natureza de reuoltofos, & turbu-
1 entos vem tão cegos de raiua &c defatino, que fc
aefta occaíião o demónio, que nuca as perde, lhe
offereée algua iene ou fingida cauía de ciúmes, fi-
ca a innocente molbcr mui arrifeada a pagar com
a vida, as culpas da fua tafularia, como as pagou
ade bum homem bem principal em certa cidade
jdcfte Reyno: a qual era de exemplar vida, & elle
«ie rebelde natureza, Vcyo bua vez do jogo com
perda de muito dinheiro; :ou para dizer milhor,
âe todo o remédio,achou a dando hum recado a
hum
ptrfeíi&l Í47
hum moço feu, cõ a confiança & facilidade q as
fenhoras de íua caía cuítumão fallar com a gentes
delia. Trazia elle o coração cheyo daqueíla infer-
nal peçonha q lhe perturbaua a vifta & o entendi-
mento, êí todas as mais potencias, & fentidos, Sc
ainda íem cilas, hé fácil de perfuadir a todos os
males húa inclinação deícncaminhada:perfuadio-
fc q apratica era cõforme aos diabólicos impulfos
q elle trazia, & fem mais difeurfo nem aduertecia
os matou a ambos ás eftocadas. Foi o jogo a oc-
çaííáo defte cruel, & defcftrado íucccflb, no quaí
lhe chegou a razão tão tarde cõ a deícarga,quanto
a juíliça cedo cõ o caftigo. Eifto bafte de rezões
& exemplos, onde a caufa he tão vrgente para
cautelas, & receyos.
CAPITVLO, XIX;
•QM: 'mis fejao çroâigoSj nem duárenttâ

Em tão femelhante corrcfpõdcncia a pro3


digalidade com a tafularia, que fe para a
perfeição do cafamento conuem que não
fejao os homes tafôis, também hc mui neceflario
que não fejão pródigos; porq ainda queeftesnão
tenháo pello que gaftão os impulfos deimpacié-
cia,que os outros tem pello que pcrdem,com. W-.
do vern quafi fempre a parar no mefmo, que hê
K * ~~ ficarem]
TAZ Cafdmentô
ficarem híís & outros defpojados de feu remédio?
& pofto que diffrrcnrcs no vicio, íícáo fcmelhan.
tes na miferia: & viíto como as molhercs fofrccn
tão mal o que padecem por vieio, ou culpa de
feus maridos, fica tão perturbada a paz, & Amor
dos que jogarão., como dos que efperdiçarão íua
fezen Ja.Alem difto quando os homés principais,
por qualquer occaíiáo que feja, dão em pobreza,
helhes forçado procurar remédio para fuílétar íua
família: & como fe não compadece com a no.
breza lançar mão de officios humildes, não tem
outro nenhum remédio fenáo irfêpara fora do
Reyno ( ifto he ò que corre entre os mais delles)
& deixar fuás molhercs entre aufcencias,& neceí-
fidades,que íaó os baixos mais perigofos para nau-
frágios da honeftidade: tk também ncftc inçou*
ucnicncc, que hé dos que arrifeão a vida, & a ho-
ra, coimem os tamis com os efperdiçados^ & ain-
da q elle não fora tão manifrfto, fempre o oafor
.eora demaíla era contra a perfeição do cafamen-
.to: porque tomado cfte vicio ainda em comum:
djz.dellç hú,çelcb.rado phylofopho referido pello
Tpmo.i» noífo douto Português Andiê Eboicncç.Sun btuo
fitas inconúnentU f.ars efi. Qo^ài. Hé parte âa in-
continência o fàzcr.gaftps demafiados. * E con-
formea,cfta;filofofia.,;todoogau:ador fica fendo
incontinente: &pcHoconfco.uiQcei ruim caiado.
•. ujil .'-■ '■ • M
ferfehi, 149
Mas deixando cfta opinião, & vindo a tratar das
que mais nos feruem, parece que todo o çxccíTo,c]
os homés fazem nas defpefas he prejudicial para
os cafamentos: porque fe gaftáo o feu com ami-
zades deshoneftas, vifto eftâ quanto fe encontrão
com as obrigações de feu eftado^ fe cò larguezas-
defneceííarias q vfaõ por vaidade cõ feus amigos,
também encontrão a razão, & primor, & muitas
vezes a conícicncia, pois todas eftas três coufas os
obrigão a não faltar, nem diminuir no remédio
de fuás cafas por acudir, fem diuida, nem obriga-
ção ao das alhcas: & como de ordinário ás mo-
lhetes pertence mais adminiftrar a fuftcntaçao de
fuás famílias, também lhe fica pertencendo fentir
a pouca rezaõ deitas demafias:& fe as querem dif-
fimular, padecem-, fe as querem emmendar, rc-
ecão; & tudo ifto defcompoem o gofto, pertur-
ba a paz, resfria o Amor, inquieta o foíTego, &
defencaminha ocafamento. Segaftão fuperfl.ua-
mente em fauftos, pompas, & vaidades, também
clle fica em igual perigo: porque fe os vfaõ fô cõ
fuás petfoas, íem dclles participarem fuás molhc-
res, bem vifto eftà quanto cilas deuem fentir ver-
fe num canto, pobres, folitarias, & defprezadas,
quando elles paíTeão pellas ruas ricos, feruidos,
& acompanhados:& ou o dem a entender fazen-
do queixas:, ou o queirão difsimular fofrendo
PeB!*>
*~> * ... '-> — — •• •-. —' -.,* —•

K1
I 150 Cdjkmento
penas, tudo hé deílruição de Amor, & gofto, era
que fe alenta, & fortifica a felicidade dos bem ca-
iados. Se as fazem participantes de fuás pompas
& apparatos,ainda fe arriíeão a encargos mayores:
porque todas cilas naturalmente faõ inclinadas a
vangloria; que afsi o affirniaS. Ioão Grifoftomo.
dp.Efor jfâujieres gloria 'panafadium infe habent. Qu. di
EJiJftr AS molheres eiludão em como hão de fer van-
gloriofas.■* (Não hc iíto /tirar o louuor a muitas,
quceonhecemos em tudoefmeradas, & perfeitas,
fenão tratar da opinião, que geralmente fe tem
delias pronada com a authoridade de tam qualifi-
cada tcítemunha) & o principal effeito de fua vai-
dade^ faõ os ornamentos de íua pefloa : o mcfmo
Wtâ.i fantoo diz mais adiante. Mulicn fcculUre efl cr-
nari. Qu^di. He próprio das molheres quererem
andar fempre bem vcftidas, & algúas com tanto
Zfh. yl exceíío, que Sceuola Iurifconfulto conta de 1-iúa
timff.de tjo feu tempo tão defatkiada por enfeites, que mã-
& (jou ^ue aemerraflero com os que tinha de mais
re
leg.%, P Ç°i& galantaria:deitesrauítos, & riquezas,!he
giulier. nafee logo o quereré fer viftas: porq ningué gafta
fua fazenda cm veftidos euftofos para fe querer
fechar entre quatro paredes, fenáo oftentar nas
partes mais publicas feus ornamétos & bizarrias,
os perigos que ordinariamente daqui refultáo per-
v gu ateai fe ao igíigne PMofopho Theopbrafto: o
qual
. . u
Perfeita Tji
qual pcllòs rei* bem expcrimentados^nos faz a ad-
uertencia,que fe feguc. Muller nec Mios lidere, yec Ap.Stob.
Iibfit \>ideri debet, 'Çráfertimjfáá elegânter òrnata íit3 tom.2.dè
ytynmj3 emm a d res in honeflas tncltamjsntu eít, Qu.' Prac-
di. A molhcr nem ha de ver, nem ha de fer viíta, * /'• ,
principalmente quando elteuer muito enfeitada. tm> g j
Porque ambas eftas coufas cofíumao prouocar "
deshoneftidade. * E no perigo delia fica metido
qualquer prodigo^ou gaftador,que faz participan-
te a fua molher da demafia de feus gaftos. Longe
eftaua de arrifcár a leu marido aquella honrada
matrona Grega molhcr de Philo : ajuntarãofe
as da íua cidade em certo lugar , para húa fe-
fta, o mais cuílofas, &; melhor ornadas que
todas puderão; (o ella foy com trajo honeíio,'
íèm o ouro, joyas, nem riquezas que a com-
petência ieuàuaõ as outras: eílranhandolhe el-
.asmuyto adirTerençaj&perguntandolhe acau-
fa delia : relpondeo. Ouomampro ornamento ma- Stõb.víz
riiiVirtus mlhi[ufficit. Qu. di. Porque a virtude/»/'»
de meu marido me bafía por galas, & atauios. *
Sc gaftaó demaííadamente cm banquetes delicio-
fos. ainda fica o cafamento arrifeado a mayor def-
graça , pello rifeo em que fe põem a continência
conjugal com a frequência, & delicia das igua-
rias: bem confirmada temos efta opinião com
a authoridade de fanco Ambrofio, o qual nos diz.
K4 Saturhas
v. .- .. ». - ..— _-—J
jei Cafamentô
Efor. SaturitdscdJlitatetftprci/citiQu.ãi. A fortuna de^
vtifitp. tnaftada lança de fi a caítidade.. * E ninhua coufa
arrifca mais a perfeição- &felicidade daqlle eftado,
que os. exceíTos da concupicencia, & por efte ref-
peito lhe chama S. Ioáo Grifoftomo, máy dos a-
IUL dulterios, & André Eborcnfe refere hum lugar de
tom.z. São Hyeronimo, no qual eftáo cftas formais pa-
lauras.. ^Aàuher efi, injudm yxorem, dmdtor drâen-
tior. Qu. di. (faluo milhor fentido) logo vem a
dar em adultero quem ama fua molher mais fen-
íual mente do ncceííario. * E pois da concupicen-
cia demaííadarefulta o perigo de tão grandes da-
nos, como. vemos que faõ os do adultério, parece
que manifcftamente fe pode inferir que fe deue
fugir com muito cuidado de todos os gaftos que
a prouocáo.. Eo certo he que como e 11 es forem dc-
fordenados, fempreo eftado conjugal padecerá I
mui grandes.defordens,afsi pello notauel detrimé*
to que recebem os filhos, & família, como pella
defconfolaçáo com quede ordinário.as molheres
Viucm, fe tem es maridos efperdiçados„
Mas com ferefte hum vicio tão prcjudicial,&
trabalhofo, que deuem os homes cõ muita rezáo
benzerfe delie,,aduirtimos com tudo aos que fo.
rero cafados que por fe defuiar de gaftadores, não
venháo a dar em auarecos,. q ferà.cair,nos mcímos
cíefcontos que traz comíuo a prodigalidade: por
r ». •-.
j/er/eítâ. i $$
que tem entre íí certa conueniencía eíles dous
vicios, que com ferem contrários na origem, os
faz mui femelhantes nos erTeicos: pella qual rezáo
diz Cicero àcWes.Duíeres, <w<& maxime impellunt aâ AâHiei
ma,leficwmjuxuries,& amrttiafimt. Qu. di. Duas ronu
coufas ha, queobrigaõ muytoos homés a come-
ter maldades as quais faó fec gaftadores, ou fer
-auarentos. * E ao mefmo fim diz TitoYimo.^Àua- DeCt.
ykta & luxurU ommit imberia euertunt.. Quer. di.
A todos os impérios põem por terra fuperfluida-
des, & auarezas. * E bem exprimentáo a propor-
ção, & correfpondencia deites dous vieios as mo-
Iheres^que acercarão deter maridos inficionados
de qualquer delles(poito q o mais certo fera não
auer'já no mundo nenhúa deftas:)porque fe os pro>
di<*os,por gaflar o feu no que cem gofto^náo aco-
dem aotemedio &fuí:tentaçáodefuas.famiíias-,os:
auarentos por guardar a mefmo3onde lho não ve«
jáo,tambem fazem nas fuás a própria falta. Se hús
por triunfar a vida com o fe» dinheiro fogeitáo,&:
encantoáo fuás molheres: os outros, porque o feu.
dinheiro triunfa delles^ambem as tem fogeitas,&
encantoadas :fc aquellespeUas fazer participantes:
deleusfaufíos as arriicáo< fempreafer defejadasy,
cíles, quando as ftzé. companheiras em feus aper-
tos as obrigão as» vezes aifer defcompofíasr & ain-
da que náo fora tão rnariife&fc a proporção) entre
cites;
ij'4 €âfetmentõ •
cites doUs vícios, nunca os aaarêntôs púderãó
guardar a regra dos bem caiados: porque delles
dizexpreflamenreodoutoAntifthenes. ^Amrus
tom.i. nemobenus. Qu. di. Nenhum auarento pode fer
bom homem. * £ faõ Ioáo Grifoílomo encare-
ce eíta opinião com canta cfKcacia, que chegou
Sup. a dizer, ^Aiidrus ecr^us faum diabolo projlhmt,
Epiií.ad cuja íiniíi cação he. A Cs i como húa molher do
e
mundo fc entrega aos homens: aísi hum auaren-
to aos demónios. * E como para a perfeição do
•cafamemo o principal arrimo he a virtude; fe
hum auarento não fóhcruym,& viciofo,fenáo
eftà amigado com o demónio, bem manifcfto,
& prouado íica que nunca pôde fer perfeito ca-
, fado. Alem difto moftrado deixamos atras com
larga proua que não pode auer nunca cfta per-
feição, onde faltar amor & brandura-, &osaua-
rentos não fomente não faõ brandos, nem amo-
raueis, fenão duros, cruéis, & empedernidos: o
mefmo fanto atras referido nos fauorece efta ver-
Stt
P* dade, pois diz delles. ^Auaritia crndeles efficii eos
"" fiiciJcYiuunt. Qu. di. Aauareza faz deshuma-
nos aos que a tratáo. * E Horácio fallando com
elles,encarece mais fua crueldade dizendo.
Ser.li.\. Çym Uyt-seo "pxorem interimu, màtr.em% veneno.
Sât
? 3- Qu. di. Matais com garrotes vofías molheres,'
& voílasmáys próprias com peçonha.* E Afcen-
fio
'"ferfeítâ! ' 15 5
fio comentando cftc lugar diz que o fazião por
ficarem com a fua fazenda : não pareça ifto gran-
de encarecimento; porque Srobeo refere de hum-
do feu tempo que chegou a tanto eftrcmo de aua H
reza, que afogou todos os feus filhos por não Tomo>z\
aaftar com ellee nenhum dinheiro. Mas que nos fêrmo.
de ÍU US
efpantamos de ferem cruéis para os pais, mâys, J \
nioiheres & filhos, íe para com fuás próprias pef-
íoas vfaõ da mcfma crueldade í Pois quç coufa
be deixarfe perecer hum auarento por não gaftar
hum real conifigo/enãofer mais deshumano pa-
ra íi próprio, do que o he para todos os outros.''
Quantos vimos vir a morrer de achaques-, que.
no principio forão - leucs: & por não chamar
hum medico que os curafle* os.deixarão conuer-
ter em doenças graues. Oune antigamente hum
deftes em Roma por nome Opimio, que era muy H°r(it*
v
cheio de riquezas, & trataua fua molher, & mais * **£*
familia com grandes apertos, & miferias: adoc- .
eco, & nunca quis tratar de cura pella inimiza-
de que tinha com a defpefa-, foy áenfermidade
tomando forças, por falta de médicos, & remé-
dios-, mas aauareza as tomaua mayores para o
mo deixar valeríe delles: deulhe hum paroxií-
mo,que lhe tirou a falla,& lhe hia por momentos
tirando a vidada molher,q em quanto elle teue Çca
tidos k. não atreueo a bufearlhe medicos.mandou
l02O
j-6 Cafamento
logo que lhe troixeííem quantos auia na cidade:
começarão fangrias,& vétofas>& os mais artifícios
da medicinadas todos vierão fora de tépo:porq o
mal eftaua de pofle da natureza,& não íó o enfer-
mo não melhoraua do accidéte^mas hia entrando
em artigos de morte. Por fim de tudo hu medico
efperto.q tinha experiência de fua condiçáo.man-
dou trazer diante delle todos os cofres/m q tinha
fepultado o feu theíouro,& fez com q os abriflem
& cadahõ foííe embolfando o mais dinheiro.q pu
deíl'e:abrio elle logo també os olhos,& pos o teto
no dinheiroj& foi tão poderofa a meíma auareza,
6 fe d'antes o tinha potto naquelle eftado por não
gaitar o feu cófigojbe tornou de repete a falia, &
forças,para gtirar q não foííe d'outrem : ficou por
então liure da morte por virtude do mefmo vicio
q lhe tiraua primeiro a vida, q eftes erros em q fe
acerta/e achão algúasvezes na natureza,porê né el
lc m udou a cõdição de miferaucljné a molher a def
graça de maltratada.Em fim hcefte vicio nó mudo
tam danofo, q fométe nelle, & na fenfualidade pa
reee q encerráo os autores todos os outros: cõfor*
me a efta celebrada íentéça de Valério Máximo.//
L> 4,0.3- Penates.ea emitas3 id regnu aterno ingradufacilefte
terít,)>hi minimuVmu "penerls-^pecunUj, cuj)iditdsjibi
wdicauerit; na. mo ifl.agenerishumam cerúfsima p£-
Çtes^eneiYaueYmtJimuna dominaturjnfamiaflagrai,
~ r - ou.
J
perfeita 57
Q3 di. Aqucllácafa, cidadé,oti Reyho fe confcr-
oàrà eternamente, onde não cobrarem forças a
cobiça da carne,ou do dinheiro : porq onde quer
que entrarem èftas táo certas deftruiçoés do géne-
ro humano, tudo íeráo infamias,& fem joftiças.*
O meyocjuc fe dcue vfar entre eftes dous vícios,"
he muito facil,& conforme áboa razáo,& enten-
diroento:porc|ue o lume d'ambos eftà perfuadin-
do que cònuem gaftâr com húa liberal modera^
çáo,ou moderada liberalidade, conforme as cali-
dades & preminencias: fem que padeçáo detri-
mento afamiliamem a fazenda-, nem as molheres
por fartas, ou famintas, por muito ou pouco ata-
uiadas, por mais ou menos recolhidas^íc arrilqnem
a fazer o que não deuem.

CAPITVLO XX.

Ouefejao deuotos & Viriuofos.


• *

IN D A que para a perfeição de todos os


J~\ eftados conuem qne aja reformação de vi
da,& pureza de con.cicncia,& cõella par-
ticular refpeito ao Ceo, & inclinação a coufas de-
uotas: ninguém duuída que para o dos caiados
he mais necclTaria eíta aduertehcia, por fer mais
fotgoía anecefsidadc : porque alem dos males a
ue
• '. q
ij8 Cápiwento
que fe arrifca qualquer dclles quando acerta de fet
viciofo :bem vifto remos q em pefíbas de cõuer-
facão eftrcitahé tão comunicauel o cfTeico dos
vicios.q rara mente fe defmancba lui, que logo fc
lhe não figa o defmancho do outro: & entre os
caiados com mais certeza, & mayor efficacia, ou
por imitação fe eftão amigos, ou por vingança fc
eflão defauindos: & atras deixamos bem aponta*
dos os perigos de honras, & vidas que podem re-
fultar ãefas vingãças. Alé difto, a vircude,na qual
coníiílcm as confeiencias puras,as vidas reforma-
das, as inclinações pias, & deuotas, hc morte das
AriBor concupifcencias5q afsi o diz o mcítre da Phylofo-
?hia E a inião da meíma
Sãíc, ' °P virtude, como acha.
De * mos em Marco Tullio^hé grande terceira de ami?
Amioi. zac}es: & quando os maridos tratare de fer dcuo-
tos, & virtuofos, & com obras derem a entender
a fuás molheres, que juftaraentc os tem neíía co-
ta, claro cftà que ha de crecer o Amor entr'elles í
medida^da opinião de fua virtude: & como no
Amor q chega a femclhãtcs termos náo pode auet
vicios q fc imitem, nem defauenças de que fe vin-
guem, fica fomente cfta competência da virtude
:azendoos crecer cada vez mais na perfeição de
feucílado.Conflrmafebem efte difeurfo coma
doutrina de Séneca pbylofophop qual diz tratan-
1 á v rtu fos
fytf: * ° ^05 ! ° - ty»kPffi ^f/cit Virttís Ucefsita]
.Quer.'
perfeito T59
niicr di. Muito acrecenta em íí a virtude felicita-
da. * Fortificandofe ella com o bom exemplo
dos maridos, ficáo elles mais liares dos receyos,&
mais a faftados dos perigos, delias coni rnayor
força na confiança, & rnayor gofto na lealdade:
porque a certeza da mefma virtude he húa vigia
queosdefeanfa, &húadefenfaõ que os aííegura.
Vamos ao celebre poeta Claudiano que elle de-
clara muiengenhofa & eiegantementeosinteref-
fes & louuores dos quetratio de fer virtuoíbs.
fofa quiâem vir tus fretium ftbi.fola^ late 7 p .
fortunafecura nitet, necfafcibus yílis neçâ.'
&rigitHr> pUufuue beth cUrefcere WÍgi, Marilú
Nil ops externa enfiem, ml indiga Uudis* ibecd^
T)imtijs animofafmSi mmota^ cunBis
■ Cafbus, ex alta, mort ali a âcfyick etree.
Quer di. A virtude hê premio para íl mefmo, &
fóclla refplandcce por todas as partes/em lhe dar
a Fortuna nenhum cuidado : náofe enfeberbece
cõ apparatos, nc quer fer conhecida cõ aplaufos:
náo ha mifterfoccorros ne louuores*, porque cftà
mui fegura & cofiada cm fuás riquezas & mereci-
mentosmé tem o mudo adueríidades q facão nei-
la mouimentoi porque eftá defprezando os males
delle de hua aka fortaleza onde clles náo chegáo.
*E.como a virtude he o canal por onde corre as
perfeições ao género humano, bem claro fica que
'" " " " '"" todo
_
lúo Ca fomento
todo o homem que for virtuofo> não pode deixa
de fer peifeito caiado. Encomendamos tamberr
aos que o foré que não cncubrào nem encaneceu
fuás virtudcs(com tanto que nãoíeja por vanglo
ria^ou hypocrcfia)antcs procurem com a dcuid^
moderação que confte delias publicamente; porc
ainda que na virtude dos religioíos, ou doutros
eftados ou peííoas que a profcííaó, he milhor en-
cubrilla quanto puderen^ate que Deos, quando
for feruido,a rnanifeíie-' comtudo na dos homens
caiados que de ordinário viuem fogeicos aos tftil
los& perigos da honra do mundo^náofcpodeeC
perar tanta fineza ou perfcuerança,que fe apure ou
còníerue nas occafioés:.porque cila ás vezes hc
menos perfeita^ cilas fempre mais ordinárias; &
ainda que ifto-afsi não fora., a verdade he que cm
uanto peregrinamos nefta vida.aquelle viue mais
rme na virtude^que tem menos occafioés para o
peccado :•& efta he a principal razão que enche
os mofteiros de religiofos, & os defertos de Ana-
coretas ;.& como as occafioés faõtão psrigofas,&
muito mais para os homens cafados,quepelias.o-
brigaçoês do feu cftado/não fe podem ir para os
defertos^nem recolherfe nos corauentos/enão tro
pecar ncllás cada momento: razão parece que fua
vittode feja tão notoria>& conhecida, que as mef-
mas occafioés fe defuiem delles : quero dizer, que
lehua
perfeito. i (Si
fchuarulm molher vir hum homem cafadoque
\ieti) pella rua, refpeitc tanto afama que corre de
feu exemplo, que por não apparecer diante delle,
faça o caminho por outra parte: &a que eftcuer.
na janella defejofa de fer vifta, & requeftada, lhe
tenha tairefpeito, & acata mento, que tanto que o
vir, logo fe recolha, &de(apareça, como faziãoa
Catam as molheres deltalia,& a Zenocratesas de
Grécia: & a experiência nos moftra cada dia que
fogem femelhantes occaíiões de homés de virtude
exemplar, & conhecida: nem temos menos noti-
cia do contrario. E de ferem vituperados todos a-
quelies, quecom feu ruim exemplo derão lugar a
qas occafioés os acometteflem, & alcãfaíTem dei-
les continuas vitorias : & poíto que não falta nos
linros larga memoria de hus,& d'outros, faremos
íomenfaó de lulioCefar; o qual em quanto dea
moftras de vida honefta,& reformada; eralouua-
do particular, & publicamente, & não auia roo-
lher de ruim titulo ,que fe atreueííe a pararlhe di-
lante : porem depois que fe começou adeprauar
com ruins cuílumes,& a deuaííar com piores exé-
plos, logo teue tantas,quc o bufcàrão, que deu no
mais deshonefto, & diííoluto que quantos viué-
ráo em feu tempo; & não bailou fer tão temido
pellas armas^táo arfamado pellas Ietras,tão obede-'
cido,&. refpeitado
_ _ por preminécias
_-... k a& dignidades/'
a
\cl Cafamento \
para deixarem de dizer delle os feus Toldados, frl
Stieton. y^ ferU(i,ie yxores, Jdachum calunm aclducmus\
u
Caí. ca. Q_ - &- Cidadãos guarday as molhcrcs que traze-
fz. mos aqui o adultero Caluo.* E Nero que nos pri-
meiros cinco annos do íeu império, deu boa cota
de feus coítumes, rodas as ruins molheres fugiáo
. delle, ôc naqueile tempo cobrou tanta fama na
Republica, que andaua em prouerbio fua juftiça,
T
Baft. & em exemplo fua virtude. E Traja no particular-
Egaat. mcnte? fazia depois enueja com ella a todos os
f e
* r ; Príncipes da fua idade: porem como o mefmo
Imp. Nero fe começou adefmádar em cometter & pu.
blicar vicios, as occafioés, que antes fugiãodellc
por virtuofo, obufeauão depois por diíloluto, &
Sttftfo. logo os mefmos feus amigos^ vafíallos lhe feze-
Heron- ráomuytos epigramas cheios de zombarias, Si
ê
í F: IP\ vitupérios: porque onde toma lugar a ruim fama
efpecialmente em matérias de deshoneftidadejo-
oo a nobreza fica fem briosa dinidade fem rcfpei-
co, a fogeiçao fem corteíía, & todos fe fazé iguais
no trato como Ía5 femelhátes no peccad o. E por
iííb diziáo do mefmo íulio Cefar os feus foldados,
como apudamente refere Lucano.
Hhcni miln Cafar In y>nàis*
Ift , ' Dux eratj h)c focius 3faánus qnos injuinat, <£ju at)
Qu.d.EmAlemanha era Ccfar noífo capítáo^aqui
heíioíTo cópanheirorporq a maldade faz iguaesa
todos
ferjeitõl 1^3
todos aqíicllcs}q com prende. * Quiferaolhe afla-
car que entrando por Itália fe lhe fezera mais tra~
tauel por refpeito das guerras ciuis qdetrcminaua
fazercõ elles. Elias tam importantes moftras de
virtude, com nenhiia CQufa fe publicão melhor,
:
q com a frequência das confiííoés, & comunhõ-'
cs3& outros exercicios.em que fe cuftumão oceu-
par as peííoas dcuotas, afsi porque eftes faõ os que
mais pertécem aos homés caiados (não reprouã*
do, fenão louuando muito as penitencias que ca-
da hum fezer fecretamente) como porque fem-1
pre a dcuaçáo publica edifica melhor que a peni-j
tencia feercta, & mais fegura eflá a virtude nos
que fazem fugir as occafioens, que nos que lhe hc
neccíTario fugir delias. Eftas faõ as aduertencias
que nos parecerão mais importantes pêra a per-
feição, de que tratamos & que os homês deuem
guardar fe trarão delia, & náo fe apontão as ou-!
trás particularmente, afsi porque efcreuellas to-?
das hc impofsiuel, como porque as mais das que
aquifakaõ em certo modo fe reduze aeftas, pois
os que tratarem de fer modcftos,& recolhidos não
terão conuerfacões de gente peruerfa,que os âimt]
tão do Amor,*& goÍto,que deuem empregar
em fuás molheres: os que não forem tafuis nem
gaftadores tratarão de gouernar fuás fazendas, &
conferaar fuás grangeanas, cuja falta preju-]
l % dica
1^4 Cafamento
dica ao godo das molheres, & ao remédio das
famílias: os que não forem auarentos, não fe-
charão as arcas^ cclleiros, nem terão em feu po.
der as bolfas do gafto, coufa que ellas fencem em
todo o eftremo, por fe verem niíTo tratadas com
defamor>defprezo,& defeonfiança. Os deuotos &
virtuoíos guardarfehão com muyto cuydado de
lhe dar occaíião de queixas graues^nem de paixões
demafiadas, no que não reparão alguma quem a
falta de virtude Faz não aduertir nefte perigo: ef-
mcrarfchão em vfar com ellas de corteíla nos lu-
gares públicos, de beneuolencia nos fecretos, em
lhe procurar paíTatempos lícitos,. & deíuiarlhe os
perigoíos, q tudo faõ circunftancias muy neceíTa-
rias pêra a conjugai felicidade, & por conclufaó,
& remate delias lhe encomendamos efficazmea-
cc que tratem de todo o coração de fe abraçar cõ
a virtude, porque nella gozarão fem nenhum tra-
balho de todos os bens dos perfeitos cafados»
4

CAPITVLCX XXL
Quanto Importafer conhecida a virtude das molheres
cafadaSj & nao lhe tolherem [eus maridos
oferem deuotas*

D Eclaradas as cõdições& qualidades, q deuc


concorrer nos horaes pêra o efreito, de que
■-*>'•• .' - - tratamos,.
■perfeito".' \ç$
tratamos, conuem que não fiquem por declarar
as que pertencem ás molheres- porque cilas como
geralmente menos prudentes, te mais neccfsida-
de de fer aduertidas: & pofteque a primeira cir-
cunftancia , quefelheauia-de por diante, craa
do recolhimento, & honeftidade, fem aquai não
ha parte boa no cafamento, nos pareceo trabalho
efeufado fazer defta matéria particular capitulo,
pois vemos que entre todas as nações do mundo
íàõ as Matronas Portuguefas tam celebradas por
honeftas, queandâo pintadas em painéis,referidas
em hiftorias, engrandecidas com exemplos, &
imitadas de quaifquer outras, que fe querem fazer
iníignes nefta virtude: & não fomente he ifto em
-nofíos tipos, fenáo também o foy já nos antigos,
quando ellas não tinhão noticia da chriftandade,
& jâ então lhe daua a honeftidade tam grade brio,
& fegurança, que com ferem em eftremo fermo-
fas, eráo mais temidas, que requeftadas 3 & por t0^\
efte refpeito quando ellas cafauão,os maridos erão Boem.li\
os que trazião o dote: èi as filhas que lhe nacião, 3>f4f .*/<
precedião aos filhos nas heranças, como as máys
aos pays na autoridade, & ellas erão as que admi-
niílrauáo as fazendas, & fuftentauão as famílias,
tendo em fua mão tedp o dinheiro, & em feu
poder todoogouerno: de tudo ifto as fazia ca-
pazes feu muyto valor, & honeftidade, & era
r '~ : hl ~ fignjficaJ
~íóó Cafamenw
fignirícação deflorecerem nella muyto mais, que
todas as outras, cufíumauáo. as molheres defta
'là ibid prouincia a fe ornar com folhas de rofas, pell as
~'" quais fe entende a caftídade. Sendo ellas tais nos
tempos paííados, & tamauantajadas nos prcfen»
tes, feria aggrauar fua reputação, & noffa jactância
cncomendarlhe que foíTem honeftas, & recolhi-
das: o que íó lhe encomendamos hé que não te,
nhão em fegredo fua virtude, porque as moftras
delia, que temos prouado ferem tam importantes
pêra os maridos, muyto mais oficáo fendo pêra as
molheres, pois com ellas terem tanta neceísidade
de ferem graues, & autborizadas pêra o primor, (j
delias feefpera, muyto mais a tem de fe moftra-
Tem dcuoras & virtuofas peia o acatamento que k
lhe deue: que moytas vezes vimos que fe perdeo
elle ao fer,& autoridade das molheres, ôc muyto
poucas a fua virtude, & tanto feráo neftes encon-
tros mais refpeitadas, & temidas, quanto forem
• fuás virtudes mais conhecidas, & publicadasrpor*
que a boa fama cria em todo o género de peífoas
grande refpeito & veneração: Donde veyo a dizer
rat
- ' Cícero. Èwnoris pfdllct auBoritas inflar Oraculi
efl. Qurdi. He femelhante a hum Oráculo a au-
thoridade da fama publica. * Pello que fe hua ca-
fadafair muitas vezes deiuacafa íô pêra a Igreja
a fe confeíTar. & commungar, & exercitar deua-
1 :
* '* &U
perfeita. 167
çoesí & virtudes, mais dcprefía fe hão de defuiar
•delia osarrúadores, & vadios^ que das que anda-
rem pclla rua, pofto que feja menos vezes, era
feitas, viíicas, & paíTacempos, & não fomente fe
deue ter por efeufado, fenão por impio o confe-
Iho que Ludouico Ariofto deu aos homens caía*
5
dos, dizendo que baftaua deixarem it confeflar *t]\ S
1 •'-••%

húa ou duas vezes no difeurfo de todo o anno a


fuás molheres. Afrequencia da confiííaõ & co~-
munbáo, & mais obras denotas, he o queimpor-
ta pêra fegurar a honra, & appurar a cõícicncia,&
pêra afugentar occaíloes dos vícios, & atrahir as
das virtudes: & de ncnhíía maneira lhe deuem os
maridos impedir o exercicio deitas obras,quando
claramente lhe não confiar que faõ fingidas, que
niíío fera també juífco que algús delles facão exa-
me, conforme â condição, & natureza, que por
experiência nellas fentirem, porem achando que
a deuação he qual fe efpera, quanto mais delia lhe
confentiremj tanto o proueito fera mayor, & a
perfeição mais verdadeira, que cita he a rezão por N
que aísiftião fempre molheres cm quaíl todos os
faerificios àos antigos: & a moral virtude, que gê-'
tilicamente nellcs aquiriáo, ficauatão calificada^cj
hús as trazião configo nas guerras pêra cõ elias al-
çanfar vitorias; outros as metião fempre nos con-
celhos.pera acertar o caminho dos feus eouernos:
L 4 . & ai-
T68 Cafdmento
r
Alex*é & algus conííderauão nellas catn falia reputação
Alex.U de fantidade, cjuenão fòas venerauão como diui-
i."Jr:.n' was, fenão as ádoraúáo como deofas. Confentio
Abradato cidadão de Babylonia a fua molher
Pantheatam celebrada nas hiftorias, que Te exer-
citafíe em obras de virtude, que em codas as leys,
eftados, & tempos foráo celebrados os virtuofos:
aquirio com ellas tanto nome, & tam grande reí-'
peito, que fendo catiua dei Rey Cyro, & namo-
randofeelledofeu bom parecer, tanto que íoube
éâti. que era Panthea, parou o appetite na modeftia,&
Rçodig. 0 império na autoridade,& com muitas defeulpas
l3
& corteíias a reftituhio a feu marido. Náo im-
- ^' ' portou menos a Eutherio filho dei Rey de Ingla-
terra efpo(o,& amante de fanta Vrfula o coníen-
tirihe húa obra de deuaçao, que padecer gloriofo
'Anton. martiryo, & dar ao Ceo as onze mil Virgens. Era
Bsnipb cj|a gj Qa fo hum fenhor de titulo do meímo Rey-
VnqAr no* dotada ^e rara frrmofura, & deíde muyto pe-
Dec.i.l. quena grande fanta, defejauaefcufarfe do cafamé-
5- - to, ainda que foííe perdendo a vida: porque efeo-
lhera o cfpofo diuino,que a coftuma dar mais deí-
caníada Procuraua o ejffcito deile o efpofo da terra
pello demafiado Amor que lhe tinha,& ella pello
ter empregado no do Ceo, fe efeufaua quanto po-
dia. Depois de jâ nam auer lugar de efeufas/j quis
ir entretendo com detenças: proposlhe que tinha
deuaçáo
perfeito. \C$
deuaçao de vifitar primcyroaseftaçõesde Roma*
em cõpanhia de onze mil donzellas, & pediolhe
pêra o efíeituar três annos deefpaço:deulhe lice-
çao venturofo amante, ou por lhe não faber íair
da vontade, ou porque nofTo Senhor o hia difpon-
do pêra as grandes venturas que lhe guardaua:a ju-
rou ella com pouco trabalho o exceísiuo numero
das companheiras que o zelo de Deos tudo facili-
ta, entre as quais a veyo acompanhar Geraíina
Raynha de Sicília tia da mefma fanta Vrfola conl
quatro filhas, que confagráráo ao diuino Efpofo
fua pureza. Partirão todas de Inglaterra acompa-
nhadas de Bifpos, Prelados, & Religiofos ,.q qui-
feiáo fer participantes de tam venturofa, & Tanta
jornada, & de faudofas lagrimas Sc fofpiros dos q
nam puderáo acharfe nella; deíem barcàráo em
Bafilea cidade de Alemanha: & começou acami-
nhar por terra & a pé aquelle virginal exercito cõ-
quiftador da bemauenturança,indo a fanta como
oeneral diáte de todas com a Cruz de Chrifto por
eftandarte . Mimftroulhe elle abundantemente
tudo quanto lhefoy neceffario pera o caminho
&-deulhe forças pera irem ao cabo cada vez mais,
conftantes, & defeanfadas. O Papa Cyriaco que
então gouernaua a Igreja Romana, veyo cõ todo
o collegio,dos Catdcaes a efperar as fantas peregri-
nas, as quais Deosguiaua pera breuemence irem
oozar,
o
170 Cajo. mento
«yozarda celeflial,& verdadeira pátria. Entrarão
pella cidade com grande admiração, & enueja de
todos, não cabião nas ruas por quantidade, nem
em íi com alegria. Receberão logo a benção do
Papa, viíícarão as relíquias & íantuarios,ganhàráp
com muyto feruoras indulgencias,& prepararão-
fe pêra o que o mefmo Senhor, aquém vinbáo
bufear, ordenafle dellas:foy elle feruido que rodas
porfeu Amor facrificafiem as vidas, & com as
coroas de pureza ajunta fiem também as do Mar-
tyrio.Cbegado o tempo do effeito delle, teueo.
Papa rc.uelaçáo do grande bcm,queas efpcraua,&
quis fer com cilas participante detam venturofos
merecimentos; & por alcanfar a coroa de Manyr
deixou a thiara deSummo Pontífice. Crecia onu-
merodasefpoías deChriílopellasmuytas,quede
nouo fc lhe ajuntauão,filhas de Reys, & fenbores
illuílrcs, mas ja lhe fazia competência o dos Pre-
lados, & Sacerdotes, que concorrerão de muytas
partes pêra acompanhar o fanto Pontífice: que a
todos guiaua o mefmo Senhor pêra mais louuor,
& gloria Tua com infpirações, impulfos, & o-ofto.
Andaua então vitoriofo por roda Europa aquelle
peruerfo Attila Rey dos Hunnos grande perfeaui-
dor da Igreja Catholica, & rinha em Colónia
Agrippina hum capitão por nome Iulio, feme-
Ihantea elle na cruldade, o qual có hum poderofo
exer-
perfeito \y l
exercito hiafogeitandoaquellas prouincias: a eíle
vinha bufear por ordem do Ceo a gloriofa Vrfula,
com roda a ditofa companhia, &em breues dias
chegarão a (urgir no porto da mefma cidade. Não
era razão cjue nefta conquifta celeftial ficaííede
fora o Príncipe Eutherio cfpofo temporal de íanta
Vrfula, afsi porque a jornac a íe pos em effeito por
Tua vontade, & confentiroenro , como porque
não ceííaua a gloriofa efpofa de fazer a Deos ora-
ções por elle, ôc hum anno depois de fua partida
a foy íeguindo por infpiração, ôc ordem do Ceo,
leuando configo a fua irmaã a fanta Princefa Flo-
rentina. Encontrarãofe ambos os defpofados no
mefmo porto de Colónia, onde celebrarão o vé-
turofo encótro com grandes & perfeitas alegrias:
exortou- o ella pêra abatalha, onde as armas auião
de fero defprezo da vida, a vitoria as anilas da
morte,maso triunfo as immenfas felicidades da
gloria eterna: elle q não trazia outros defejos lhe
refpondeo,q fe depois q a vira conuertida amara a
Deos por amor della,agora amaua a ella por amor
de Deos: por tanto que eftaua preftes com animo
valerofo, & detriminado pêra lhe fer tam fiel cõ-
panheiro no martyrio como ouuera de fer no ca-
faméto.Ordenou o Papa q aquellc amor de Deos,
em q ambos eftauão tam vnidos,fe realçafle mais .
cõ eftaré cafados neíTas poucas horas q duraílem
viu OS,
*■_».
~* r

iji . : Cafamento
viuos, & & logo os recebeo, & abençoou com
eípiritual golto & follcnidade ,creceo o Amor cõ
mayor eftreiteza por virtude do Sacramento,cujo
fruyto não auia de fer de decendécia reporaljfenão
de muitos augmétos de gloria eterna.lá o Tyrano
Iulío tinha noticia do caminho& refolução q cilas
traziáo,& efpcraua quebrar fua brutal fúria naqlla
virginal, & mania innocencia: preparaua elleo
ferro pêra a execução da Crueldade, & cilas as al-
mas, & corações pêra o fofrimerõ do martyrio:
& quando defembarcârão dos nauios, jà toda a
praya eftaua ehca d'algozes: faltou em terra a in-
uenciuel Vrfula primeiro q todos,& foy diante có
a Cruz aruorada prouocando os inimigos, & ani-
mado as companheiras, leuaua logo junto cõíigo
o feu leal, 5c amado Eutherio cõ o Papa, & mais
facerdotes, & Prelados, conforrandoíe todos hús
aos outros., ôc pregando aos barbarosa fê de Chrir
fto. Começou fé de improuifo a regar a terra com
fangue.de mortos, & a pouoar o Ceo cõ almas de
bemauenturadosjCÓpetiáo as fantasna refolução,
valor, & cõílancia, &aqlla fejulgauapor menos
ditofa, q lhe duraua mais tepo a vida: pouco foy
o que fe gaílou nefta contenda: porq não tinháo
as.Martyres menos goílo no que padecião, que os
íyranos no que executauão.-Foy o fanto Papa
dos primeiros, q martyrizàraoj. & abéauenrurada
• ;.. * '""" " ' Vrfula
ferfeitol 175
Vrlura com ofeu Eutherio dos derradeyfos. Ma~
taraolho era fim diátc dos olhos co grande vniao
& contentamento d'ambas as almas: & vencido
otyrano Iulio de fua fermofura,lhe offcreceo a vi-
da,.& muytas riquezas, íe o acceitaíTe por efpofo:
porem a fanta com o inuéciuelferuor de padecer
martyrio, lhe deu em irepoíla tantas affrontas, &
vitupérios, que logo lhe paííáráo com húafetaa-
quelle valerofo & eóftante peito tão abrafado em
fogo diuino. Cahio morta cõ a Cruz nos braços,
& foy poluir a vida eterna era cõpanhia decoros
de Anjos. Húa donzella chamada Cordula, fe"
deixou ficar efcondida entre as cauernas de hum
nauio por lhe faltar detrcminaçáo para os terrores
do martyrio: porem não confentio o efpofo diui-
no que ella fó perdeííc a coroa que tátos milhares
delias alcanfàráoj deulhe cóftancia no dia feguin-
te pêra íc ir meter pello capo dos bárbaros a pre-
gar a Fé, & facrificar a vida, & logo fe vio com as
cópanheiras naquellas eternas felicidades: depois
appareceo a húa religiofa cercada de gloria, &m£
dou que lhe celebraflem a fua fefta no dia, que fe
ífgue ao das onze mil virgens. Foy origem de to-
das eftas boas véturas o confencimento,q Euterio
deu, antes de íer íanto, a fua efpofa, pêra eífeicuac
húa obra deuota: & íe nos não alargáramos,
O*
tanto
atftahiftoria ( que pofto quefabidad'algíás, náa
deixara
j ~, Cafameniò
deixara de feruir para outros) bem pudéramos ÍÍP
bem efcreuer muytas de grandes males,.& defgra-
ças,de que íoráo occafião os próprios maridos por
não cófentirem a fuás molheres occuparenfe cm
obras femelhantes. Porem a ellas aducrtimos,que
quando exercitarem fuás deuaeõcs, de que fe tirão
tantos proueitos,não feja cm tempo nem a horas,
que caufem molcftiaa feus maridos: porque alem
de poder fer ifto occafião de lhe impedir o mere-
cimento, pode o fer de perturbar o gofío, & de
encarregar a cõfciencia: & o q ha pêra dizer nefta
matéria, ficará reféruadò a os confeífores: porque
a elies pertence mais que aos eferitores.

CAPITVLO XXII.

Ouefeguardem de ejlar mofas.

Ado o exemplo conueniente de fuá virtu-


y de, o que deuem procurar com todas fuás
Forças, hc fugir fempre da ociofidadc: por-l
Me»Aã. ciL1c- ^m efi octoíus & md^ís> como bem aponta
ap. Eho. hum difereto Phylofopho. Qu. di. O mefmo he
tom. i. cííar ociofo que fer ruim. * E outro diííe q ocftaf
{cm fizer nada era fazer muyto ruim coufa:& que
Ctt.apu. ç. a ocj0f1(ja(jc máv dos vicios.núca ouue peíloa
ue
G,arM °i ° áuuidaííc nem autor que o não efcreueíle:
' ^ " &para
perfeito jye
/> • -1

& pêra as molheres, & principalmente as que faõ


cafadas-, faõ mais prejudiciaes, & perigofis as de-
pendências deite vicio,pois como não podem fer
ociofas pella via que o (aõ os homens, que he an-
dar atraueflando ruas, prouocando brigas, efprei-
tando faltas, murmurando pellas praças, namorã-
^ do pellas efquinas, a primeira coufa com que lhe
entende hc com o recolhimento,& honeíiidade:
porque húa molher que anda ociofa por íua caía,
poucas vezes fe pode ter que não chegue á janella,
húas fem mais occaíiáo,q de querer andar varian-
do, pois ninguém varia mais que os ocioíbs. Ou-
tras por qualquer rumor,ou mouimêto que fenré
na rua: que quem náo fe oceupa em nada, da fé
de tudo,& quem coftuma não tratar deíi, he muy
curiofo de faber dos outros: & os perigos das que
cõtinuão muyto a eftar na janella faò muy acha-
dos pella rezáo,& muy conhecidos pella experic-
cia. Alem difto hc coufa certa nas ociofas gaftar o
tépo em variar galas, toucados,& trajos: & pofto
que na tenção náo aja defeko,não deixa de o auer
ás vezes na obra: porque tábem nefta ifca fe pode
tomar fogede que fe ieuantem perigofos incên-
dios. Terceiramente a ocioíídade he húa porta
muyto aberta pêra penfaméeos mal ordenadosjôr
como a nofía natureza fempre fe inclina pêra o
peor. & o demónio tem mais entrada onde acha
menores
x -6 Cafdmentô
menores cautelas, he necefíario que aja hua virtu-
de tão conílante,que pofía refiiftir a tam podero-
fos aduerfarios,& fendo a ocioíldade, como todos
[abemos, mãy dos vícios, bem claro efta que há
de íer contraria da virtude para a não confentir em
fua companhia donde fe infere que fica pofta em
manifefto perigo hua molher caiada, defempara-
da defte foccorro, & aííalteada de tal enimigo, &
por iíío os encontros, que o demónio com mais
aftucia lhe põem diante,faó os em q pode padecer
a honeftidade, pois como elle não fô nos procura
a perdição das almas, fenão também das honras,
& vidas, com efta tentação particularmente cof-
tuma fazer guerra ás mclheres caiadas: & a ocio-
íidade lhe dá occaíião de ferem tentadas, & faci-
lidade & ficarem vencidas:& efta era a rezáo por-
que os antigos inuocauão nos cafamétos o nome
?eft' TaUfo. que em Grego íiniíica o açafate das cuííu-
Pomp tn raSí ^ maçarocas, para darem a entender que im-
iífi ' portaua tanro não eftarem as cafadas nunca ocio-
fas, que não era jufto dizerlhe nas vodas outra pa-
iaura fenão aquella,que lhe lembraua que fe occu-
paíTem, 6c não fe contcntauao com inuocar, &
repetir efte nome: fenão trazião ali publicamente
/ hum açafate cõ todos os petrechos de íeus fiados,
& lanifícios, & fobre elles aííentauão as noiuas
nas cerimonias do cafamento, de cilas os leuauão
eofâfigo
perfeito". 177 -
< €rt
cónfígo publicamente,^ enrcima efe tudo i r.óca)^ ' ' '
& o fufo,quando Lião pêra cafa cô feus cfpoíbs-,& vH fut>
antes de entrar, cuftumauao a ornar, & cercar a
)orta cô o fiado q dentro leuauáo,&fempre fe lhe pintarc.
lia repetindo Talajto; Talafo.Yc hac yoce.it como vb. Jup,
]/âtto.ò\z)Seepms repetitafpotffam aâmonerent auod qn*8\
cms ejjet munmfutum. Qu.d.Pêra q cõ efta palaura 3 *' ,
ratas vezes repetida amocftafíé a dèfpofada, & lhe c{*^'
cnfinaííõ qua! auia de fer o feu officio.* E efte co- tbtf0L
ftume de leuarem as molhéres as rocas,& rufos no 1J4, .
dia do feu reabimento,dizAIexáderab Alexandro/^- ** \
íj o guardauáo muitas nações ainda em íeus dias, '*?-• -*• •
& Pierio Valeriano traz outro coftumede tepos '
ainda mais antigos, que o dos Romanos, cm que
feellas recebido aííentadas fobre pelles de qual-
quer animal q teueííe lã, & como a rudeza andou
fempre em paífoigualcõaantiguidade^em quan-
to náo auia outros íínais, & modos mais polidos,
com efte dauão a entéder a obrigação q as caiadas
tmháode íe guardar fempre de eftar.ociofas: &-
ajunta mais o meímo. Pierio que também no (eu
tempo, fecoftumaua na mayor parte dos lugares
d'ltaha virem os paretes viíitar a noiua no feg.uin-.
te .'ia do recibiment:Oi.&' trazerlta.publicamente
' ^açafates:co.m" iinho, roca, fufoi.3 agulha,
6
.& ti-1 .
- - - • - ■ -'■

tates,
í^8 Cafam-ento I
ta/w, /£i ttlfdiíenàt lanam, & alu^ dtiafrug l fmt \
ci4randa\>eni{fereminifcdttír. Qu.di. Pêra que lem~
brandofe ellado particular officio das molheres,
entcndefle que não caiara pêra eftar ociofa em-de-
licias,& paíTatépos: fenão pêra eftar fcmpce occu-
pada cm fuás teas,& cufturas, & no mais que per-
tence às molhercs honradas. * E tudo ifto era ata-
lhar a ociofidade, afsi em cerimonias publicas, co-
mo em amoeílações particulares. E o fpirico Sãto,
quando traça das perfeições da molher forte,pare.
'Prwèr. ce que vé a refolucr as mais, & melhores,em não
1
SaUm. eftar nunca ociofarporque dentro cm muico pou-
**h V' Cas regras, húa vez diz delia que bufea lã, & linho
pêra trabalhar com fuás mãos, outra, que com o
que aquirio pello trabalho delias plantou vinhas,
ÔC grangeou fazenda>& logo a bayxo,q ceue goílo
de ver os proucitos q lhe refulcáráo de eftar oceu-
pada: E pouco depois, que toda anoite eftaua có
candeaacefa,final claro que nem ainda quando
iodos defeanfauão tinha nella parte a ocioíídade:
rta regrafeguince. Quefempre as fuás mãos me-
néauáo o fufo:- & logo. na outra, q nunca comeo
o pão ociofa. Bem fe conformaua com efta dou-
trina, ainda.quctyãoconheceflc o autor delia, a«
qrsella antiga, êe.memorauel Theano matrona
..7'.'. [ prega, que perguneandolhc as outras de que ma-
... #eyra fe fazia tam conhecida & celebrada, refpó-
perfeitâ íjp
Sto 6i
fcõ. ^CcnTexmsnUm. Qu. di. Occupãndome nas y
minhas tcas. * E eftando os Romanos no cerco p'rMe^-
de Ardea poucas Iegoas de Roma,húa noite ceue~ naund.
rão algus delies entrei] altercação íbbre qual de ~ '
fuás molheres era mais dina de fer louuada, 8c ca-
da hum daua rezões em fauor da fua: era hu dtftcs
Tarquino CoUatino marido de LucreciajCUJa ho-»'
ineílidade ainda oje conhecemos, Ôc celebramos:
Sc como eftaua bem certo em quem tinha nellas
diífe pcra os outros^que não erãoneceííarias alter-
cações, nem argumentos, quando podião em ■
poucas horas refoiuer a queftáo com próprias vif-
tas:que íoílem juntos íecrccamentea todas as ca-'
fas tomallas àc íupito, 8c pcllo exercício em que
efteuefle cada húa/e julgaria toda a verdade: aceiJ
tàráoo partido,vieráofcaa Roma:& diz TitoLiuiOj'
que conta largamente cfte íucceílb. Lucretkm - * .*
ri
kducl qiíítquíim )>(': regias
• nurus, 4Uâs m conumiô,• • //£.
*w««i
t,
hxuj3 ciim aejualiJms )>iJerant3 tempus teretitesSeà
noòle fera dedítam Un<z inter lucubrantes ancillds in
meaio ctâiumfeàcntem inueniunt,muliehris certdmu
ms Uns penes LncretUmfuit. Qu. di. Acharãofe as.
outras em banquetes, Sc delicias gaitando o tem-'
poociofamente, com ferem já paíTadas muytas
horas da noite, 8c fò Lucrécia não eftaua cõ ellas,'
fenão no mais interior de feus apofentos.toda oc-
cupadaemfuas cufturas, ôc em companhia das
M a criadas
l8o Cafkmentô
criadas,que também eftauão trabalhando, & cõ
- iílo ficou íô Lucrécia ganhando a palma no. .me-
recimento dos louuores, * E fe aigúas difsimulare
com as. occupaçóes por lhe parecer cjue não fe cõ
padecem cófanguçilluftre, darlheemos. muitasã
não fomente o teueráa illuftre, fenáo real, & não
fó real, íènâo. com coroa de Raynhas, que fe pre-
zauáo. muyto de nunca eft.arem deíoccupadas., &
principalmente nefte exercício, de que tratamos,
por ler o mais próprio & çõueniente pera as mo-
íheres: comolemos de Ameílris molher deXcr-
fíeroào. Xes ReX dos pe^s,. que por fuás mãos fiaua, &
in Cal- tecia as roupas que trazia feu marido: & de Argia
líope. filha delRey Adrafto rnôl.her do mal Logrado Po-
lyniccs,,quc rambem pellas fuás lhe fiou •, & recco
. os veftidos que leuou pera aguerra de-Thebas. E
S a mo er da ç anCo
J*Lact. ^ ^ 4^ ^ Maduarce Reyde Daria,
ue com uas
in Polit* °i ' ^ damas. & criadas fiaua & tecia con-
trat. /. tinuamentepera veftir os pobres, do feu. Reyno..
cfp. 10.. Deixemos anoíía efclarecida Raynha fanta Ifabel,.
littbíi\ & a outra também fama do feu nome fenhora do
grande eftado de Lotaringia, &,a do mefmo no-
me molher delRey dom Fernando Catholico, &
outras.^quenão íãbemos numero, cuja continua
oceupaçáo era. exercitarfe em rocas, & almofadas,
pera íemediar m necefsitados. & dar exemplo aos
• inferiores:'& era cuíhme antiquifsirno ( fegundo
referem
perfeito i8r
. referem autores graues) das momeres da noíía Níct$^
mib ê
* Hefpanha de qualquer qualidade q foflem, mof- 'g "
trar em cerros dias publicamente os fiados, teas, J&n^
cufturas,&lauores,em que fe tinhaó occopado saraius:
naquelle anno,& aquellaque moftraua ter traba- li, t-
lhado mais que as outras, ficaua mais honrada, & Lacera:^
tn Polt
engrandecida; Eílando Itália toda cheade cfpan-
r ca
f.
o J n « P- vbi
to,& medo pelios terrores, & ameaços com que r„prílt "
Annibal vinhafazerlhe guerra: & procurando a
gente delia algúa forçofa interceíTaô, com q fof~
fempedir foccoroa íuno.náoacháraõoutra mais
accomodada, que fiarem, & tecerem as piínci-
paes matronas por fuás mãos húa veftidura, q lhe
foraõ ofTerecer ao teraplo, como indicio de íua
honeftidadeJ& recolhimento, em pago do qual a
queriáo obrigar a que lhe acuJiííe; conferuando
a quietação, & liberdade daquelle Rr-yno,em que
não auia molheres ociofas:& a pratica,queellas fi-
zeraó, refere com muyca propriedade Sillio Itáli-
co,parce da qual faó os veríos íeguintes-
Huc ades, o Regina Deum, gens cafia precamur, Lib.f^
Btjenmus digno qu&cunque efl nomme turba
^Anfomdkm^ulcrum^^ acujub tegminefulm
Quod nojlra ne itere mams^enerahtle donum.&c.
Quer dizer, o Raynha dos deofes (fallauaõ como
infiéis) nos as molheres Italianas, que por fugir-
mos fempre da ociofidadc merecemos dinaméte
Mj ©nome
i3i • Cajdmenfo
o nome de honeftas, vos rogamos que nos acorri
panheis,& foccorrais nefte trabalho;, & pera mais
Vos obrigarmos oferecemos efte tico prefentefia*
do,& tecido por noflas mãos.* E coftumeera
muy ordinário entre os Reys,& Príncipes be con
íidetados, mandar eníinar efte mefmo exercício a
todas fuás filhas, como circúfíancia tam importã-
te pera fe conferuar o recolhimento: & entre elles
'Stteton. Augufto Cíefar depois de fer Emperador de Ro-
in Auga mafez aprender a fiar,& cofer a fua filha Iulia,& a
c
*h 44- fuas netas Iulia^ôd Agrippina. No mefmo exercí-
cio fempre fua molher Liuia Drufilia: & efereuem
■FrAHt delia que viodoa vifitar húa Romana muito illu-
xirnen. ftre, que fempre cuftumaua eftar ociofa, & não
t*tti. tinha boa fama na Republica, lhe mandou trazer
íe
^ fr húa roca pera que fiaííe diante delia: & efeufan-
aptid La. tíolccora
j r li
lnc j.
dízer , r.
cerd. in > <5«c BUflca tal víara, nem a-
feliti. prendera} a fez logo ir pella porta fora} dizen-
do, que com razão cftaua tão mel aualiada: pois
quem paíTauao tempo ociofamente, bem mere-
cia que a teueflem por deshonefía: & logo man-
dou publicar por ley esprenV, que todas as mo-
lheres5deíde a mais nobre are a mais humilde,
que não fia/Tem ou Jaurafícm, foííem defterradas
iáaq.uetta Republica como vicioías, & malfeito-
ras. E até nos í^eyiios bárbaros, & remotos, ouue
fempre o conhecimento defta verdade; pois le-
mos
Mkta
I r—~»* F* t "•*«<
perfeito. . . 183
5os nas relações da China referidas por Fr. Ioão
de Lacerda na Tua poIicica:que o primeiro Rey da- '
quclla Monarchia.ern quem não auia ainda o tra- vhifuf,
to polido, nem bom gouerno, que depois vieraó
ater feus decendentes: com tudo não deixanclo
de eoníiderar o muyco que ímporcaua a oceupa-,
ção pêra as mulheres,mandou com ley muy apcr-(
tada que codas as do feu Reyno íiaííem, ou cofef-'
fem: ôc com taí continuação que em nenhúas ho
ras do dia as podeííem achar defoceupadas, & fez
com que 3s primeiras que a guardaflem foflfe fua
própria molher, ôc filhas, ôc com feu exemplo a«.
ficarão guardando de melhor võcade todas as ou--
eras: & veofe a ley a conuercer em coítume cam'
órdinario,& inuiolauel, que tinhão a oceupação
por honra, ôc a ocioíídade por vitupério. Do con.
trario naó temos para que apontar hiftorias:por q
as molheres defte Reyno: com as quais fomente
falíamos: todas faõ,& foraõfempre muy oceupa-
das,& pello cõfeguinte,muy virtuofas: ôc conué-
Ihe mais exemplos de boas, que as animem que
de viciofas, que as efpantcm: & pois tracaõ com
tanta eííicacia de ferem honeftas, entendáo que
1
não podem ter mais efficaz remédio pêra fegu-
rarde todo a honeftidade, que perfeuerar fempre
em oceupaçoés, fem confentir ociofidades, nem
dar entrada a penfamenros, & pêra iíío oução.a
M 4 Ouuidiq
184 Cafamenti
Ouuidio meílrc das laciuias , 6c amores profanos:
7>ereme O tia JitolUsrferiere cubidinis artes-
ão aw- çomo fc áiflera. Vedes vós, as artes- embuftes, &
manhas de cupido, com que coftuma a vencer,&
penetrar os corações mais izentos,& acautelados:
pois todas ellas não montaõ nada, íe fe tirar do
r
Andr. mundo a ociofidade : & os Santos chamarão a
*'*' qualquer licito exercício, fundamento da vida ho
nefta, o qual parece que tira as forças ao mefrno
demonio:porque d3 gloriofa fanta Brifida(que foy
a mais perfeita caiada, que ouue em íeu tempo,)
Tome 4 efereue Surio. "Re^nquam Sathana tentandi mate*
ee
™ -i ' riam otfer-ret ah otio^aldeabhormit-J?ompiue>&fan-
ais exercitijJemper vacam, ofteri manuam incumbe*
bat,<?c. Qu. di. Sempre fugio de cftar ociofa, por
não fer tentada do demonio:.não celíando de tra-
balhar com as mios em oceupaçoes honeftas, &
fantas. * O mefmo nos enílnáo os documétos de
Saõleronymo, & em particular oquefe fegue.
uo /
i^íptid. ^■^q " o^usfacitO) vt te diabolus inueniat occuba-
Ebo>ef. tum\ non enim■ ab $0 facile capitur qui bcnc\acat
ybificp. exercida. Quef dizer. Occupaiuos em algúa cou-
fa pêra refiílirdes ao demónio: porque não enga-
na elite tam facilmente, aos que fe entretém em
bós. exercícios.* Não perfuadimos,pello menos ás
que íaõ ricas, & feruidas, que tudo fejaõ rocas, &
almofadas: porq não faltaõ outras occupaçoés,&
■ oihi L-O '• H . exer-
perfeito. 185
cxercicios,em cjfe poíTaõgaftaralgúashoras,co-
rno ler por Huros deuotos,q he a lição mais conue
niente, & accomodada pêra coda a géce Chriftaã;
ou cambem d'hiftorias, com canco que não fejaò
lacioas, nem amorofas; porque neftes há muytos
perigos, mal encendidos que âs vezes caufam da-
nos bem cercos Recolherfe em feus apofcncos,ou
Oracorios a traçar hum pouco com Deos,ou me-
tal, ou vocalmente, conforme ao cabedal de feu
efpirito: Afsiíbr nos lauores, & cufturas de Tuas
criadas, & concarlhe amigauelmence exemplos
deuocos, & curiofos do que tem lido, que lhe íír-
uaÕ de aliuio no trabalho , & de exortação para a
virtude: Paíladaalgua parte do dia neftes, ou ou-
tros bons exercícios; tornem ao de fuás cufturas,
& fiados: que não deuem nunca largar de todo,
por fer o mais accomodado, & conueniente, que
podem vfar as molheres cafadas, & em que fem-
prefe efmeráraõ táto as mais illuftres, qualifica-
das, & perfeitas: & a gloriofiísima Virgem no (Ta
Senhora: a quem o Cco adoraua, & o Inferno tã-
to temia, tam liure, & fegura de qualquer íombra
de peccado, que por mais ociofa que eftiueUe,
não podia nunca ter parte nella, nem húa peque-
na leuiandade;com tudo" viuia,pera exéplo noíTo,
cõ tantos refguardos, & cautelas nefta matéria-, q
já mais deixou de cftar occupaJa cm nenhuns
heras
I IúG €dfdmentô
I horas, nem momentos: porque as primeiras três
\â • L dodia(rcfercoaísiíàntoEpiphanio)galtauacmre
hcrd.vbi zar com o feruor,& deuaçaõ,que podemos confi-
fut>. Me- derar cm tal fpirito: as outras três q íe lhe feguiaõ
\uphratf. em gar ol3 tecer (quem pudera comprar algúa va-
ew
! *P j "- ra je(\e pano) ou cncanelar os feus nouelos-, com
o qual officio fe (uftcntaua: & o de mais tempo
cm meditar nas coufas diuinas, & ler pella Efcri-
tura Sagrada:& com tam foberano, & diuino exê>
plojque RaynliSjOU que Princefa,não digo ja dou
tro ertado nem qualidade poderá ter atreuimento
pêra paífar a vida ocioramente5

• C A PIT V L O. XXIII.
■Oue efeufem enfeites demdíiados.

Trás deixamos feito algíía menfaõ do pre-'


JUÍZO, que coftumaõ caufar os exceífos de
gaftos,cV trajos nas molhores,que procu-
raõ viuer quietas: agora trataremos hum pouco
dos enfeites, per {er matéria que fe não deue tratar
. fô de paflagem, fenao com particular difeurfo, ÔC
eííe muyto encarecido: & primeiro que tudo lhe
encomedamos que fe feus maridos leuarem gofto
deellasandarem muyto compoítas,& bem orna-
das3tem obrigação de fc ornarem, & comporem
cora todas as galas;& atauios, que fuás poííes deré
defy:
/*•-«.
perfeito. 187
cie fy: porem a elles aduirtimos/peíe contentem
de as ver ornadas com moderação, & honefíida-
de, pellas razoes, que logo daremos: & Te a cafo .
ouuer algõas^cujos maridos lho naõ impedem,ou
por ram defcuydados,cj naõ aduirten^ou por tam
rroxos, que não fe atrcucm, a eíías pedimos q ou-
ção5& ponderem miudamête eftas palauras deS.
Cypriano. Si tu te [umptuofius comas& per publicu ip A
notabiliter moedas, óculos in te itwetutis allicias.fuf- Càrih-
piria adolefcetw pojl te tralus) concupi.fcendi libidine defcm.
nutrias, peccàndifowitefuceerdas^t & fi jpfa m pe- cu^' &,
reas,aliostamen perdas-^velutgiadturnjár y>enenum*UC'

àicus ornatus.Qo.di.Se vos infeitais demafiadamê-


tc,& andais em publico,arrabis os olhos dos roan -
ccbos3& leuais có vofco os Teus fufpiros^c riais fer,
uoresna cócupicenciáJ& acedeis a ifca dos pecca-
dos,& fe vos os não cometieis, fazeis cõ qoutros
os comettaõ, feruindo de efpada, ou de peçonha
com q lhe matais as conciencias-, nem vos podeis
be efeufar cõ fer honeíta no interior: porq vos ac-
cuíaó as moftras exteriores, que faó efícs mefmos
voíTos enfeires tam per|udiciais,& deshoneftos.*
Baftante era efta lembrança afsi pclía authoridade
do eícritor_,como pclla cífícacia das palauras, pêra
fe darem as molheres por perfuadidas,quando ou-
uer ai-
-^
it!g ' Cafamento
ucr alguas que fejaõ delia necefsitadas: mas pêra
juíhficar maisefta doutrina, ferà rezáo que tam-
bém moftremos que não fomente as taes dema-
fias eraó eftranhadas da virtude dos Santos, fe
não da profanidade dos Gentios: & deixado, por
ir abreuiandeo que muytos. diíleraó, nos vamos
. a hum lugar deCrates Philofopho: que tem pala-
uras merecedoras de não fairem nunca da memo-
Stobe.to. ria. Omamentum eB auod ornat-y ornat autem juod
2, de pr<e honefliorem mulieremjacit^ talem "vero p-eííat non
cfp.câffj. auru,m^ nonfmcragàus, non coecus, fed quacunejue
fframtath^moderatioms, & pudoris fpecimen adht-
hent. Quer dizer. O ornamento he aquillo que
orna, & nenhúa coufa orna as molheres, fe não o
que as faz fer mais honeftas: & ifto não be, o ou-
ro ou efmeraldas, cõ que íê enfeitaõ, nem a graã,
& purpura de q fe veftem, fe não fomente aquel-
las coufasjCÍ faõ indicios de refpeito, moderação,&
honeftidade.* E o antigo.Propercio,cuja vida foy
húa pura continuação dedesboneílidades-, fofreo
tam mal os demafiados enfeites das molheres,que
diíle contra as que víauaõ delles.
Lib.» & Illtfab terrisjiant mula, multa puella
legi sd Ou>di mentitafuas vertit inepta comas. .
Cfnth- QU ^i. Mal hajão as que fe andão enfeitando, &
ignorantemente enganão o mundo com feus ca-
b.ellos eferenhados. * São eítas demaíías de que
tratamos
perfeita. i gç>
tratamos indicio ordinário, pofto que muytas vt-
zesenganofo, de ruins coítumes,que pode fer que
já ouueíTe alguas aualiadas por pouco honefhs,
íô por andarem muyto enfeitadas^ fabida de raiz '
toda a verdade, viuiáo muy cafta, &honrádamé-
ce. E creãoas que teuerem efta inclinação que fe
ouue húa ludich que fe enfeitou demaíiadamente
pêra fazer hum feruiço aDeos, não .faltarão muy-
tas Floras, Laydas, & Cleopatras que víarão dos
mefmos enfeites pêra fazer moycos ao demónio/
& que com eflás vás curioíidade.s. desfeáo a virtu-
de, fendo honeftas, & âs vezes o rofto, fendo fer-
mofas: & fazem com que hús ponháo os. olhos
nellas, outros as línguas, & todos as fofpeitas, Ôc
fícáo em manifdlo perigo, de que os que as.vem,.
as inquietem, os que murm.urão as vituperem, os
que fofpeitão as. defacatem,. & por fuprir as. faltas
dafermoíura offendem as perfeições.da íingelezai
como, ofFendéráo antigamente, as. duas. Virgens Tit.liuu
Veílaes.Minucia, & Claudia, que com, ferem, ho- Dec- '\
neftas em todo. o-efrremo/ó pella.dcmafia.de feus. Ub' *'
enfeites foráo julgadas por más molheres^ húa Q ...
foy condenada á.morte,& a outra.enterrada viua.. %%} ,
Edashiftoriasfagradasconíta que vendo Iudas a. '
Thamar fuanoradisfraçada, ôc com. trajos, mais Canbi.
galantes do que era jufto a julgou, por molher de tom' *•
ruy m traco,& dahi lhe naceo o feu peccado,& nas
_ : • . . pro-
.jf>o ' Cafamento
rtutére; pr°fenas lemos que mandando hu Rey de Sicília
invrx- cercos veftidos, & toucados de rauyco preço &
cep- calancaria às filhas do grande Lyfandro cam ceie*
covja. brado dos autores Gregos, o pay lhos tornou a
mandar, dizendo,queellasficauáo defeompoftas,.
& não ornadas com femelhantes atauios: & que
o Emoerador Alexandre Seuero crazendolhe hús
embaixadores de prefente pêra a Emperatris duas
pedras prcciofas de valia mcftimauel, não confen-
'• rio q ella as trouxéflc.nem ainda que as pofíuiíTe,
LutrL & foy as por fua máo oíTerccer ao céplo de Vénus,
inPoliú batido a entender q não cõuinháo dnfeites eufto-
». ., fos, fenão pêra fc fazer offerca delles á Deofa da
tnfè»i deshoncftidade, & fempre fezeõ que fua molher
featauiafletam moderada, & honeftamente, que
foyefpanto pêra os Reynos eftranhosí& húa per-
petua reformação pêra as matronas da fua republi-
ca. De Sócrates contão, que fendo cafado com
Xamippci Sc védoa ir muyto enfeitada pêra buas
tofcbh. fe^aSj}[1C ^í(Te *ftm ytffeães o multer, froficifeeris,
taTíok* fedtfjpe&eris. Qu.di. Não ides pêra ver as feitas,
a nJia. íenáo pêra fer viíta atilas. * E do Emperador Oc-i
MuL tauiano que indolhe a cafa fua filha Iulia cafada ja
com Marco Agrippa, com mais galas & enfeites
■Enfnms ^o ^ conuinha, fe deu por tam mal facisfeito, q
pl\ ella fe toucou da hi pordianre com a moderação
LMer.fy conueniente.yindo húa molher illuítre de Cara-:
Volu. •■-■■ ^ pania
perfeità • ]<?i
pania a Roma, & íendo hofpcda daqtiella honra-
|da Cornélia máy dos Graccos,lhe molhou diuer-
íidadedetoucados,que pêra fe enfeitar trazia con-
digo, & pedio que lhe moítraííe os feus, refpon-
deolhe Comelia,que os tinha fora de cafa, porem yAkrii.'
que não tardariáo muyto, & dahi a pouco vindo Maxim.' '
feus filhos da efcola, lhos moftrou dizendo, que ''•*• <"•*•
aquelies erão os feus enfeites. Contafe na vida po-.
litica de Fr. íoão de Lacerda que hum cura muyto
s
fanto de certa frcgucíia eílãdo pêra dizer miíTa vio *i
r
entrar húa molher co trajos muy defeompoftes,
& deshoneítos,& que começarão todos a porlhe
os olhos cada hum com os intentos que lhe mi-
niftraua fua larga ou eftreka confciehcia: 3c eftra-
nhando,& fentindo o fanto varão fomente no in-
terior, o exce-íío daquellas gaias, Sc o perigo da-
quellas almas, a vio toda cercada de demónios,& ■:-
hus fe lhe hiáo metendo por dentro do fayò, ou-
tros como joyas Sc louçainhas lhe vinháo péden-
do do toucado: pos fe logo cm oração, pedindo
tnuytoanoííoSenhorfofíe feruido q todos vifsé
o que elle via pêra que cila fe confundifle, Sc os de
mais fe efear menta íTcm: no rnefmo ponto forão
os demónios viftos de todos,& cila fe foy pêra fua
cafaconfufa, enuergenhada, Sc arrependida, Sc ■
viueo dahi por-diante não fó reformada nos tou-
cados/enáo efmerada na virtude. Porem fe efta fe
melhor-
«

)9i CafAmento
melhorou por interceflaõ de hum homem Íant5
não faltarão muytas que fe perderão com os en-
contros dos profanos: pellaqual rezao os Iurifcõ-
fultos refpeitando aos prejuízos que trazem con.
..:■ • •. íígo eftas d.émafias,determinàtão que as pudeííe
defender com graues. penas rodos os. Bifpos,&
juizes: .& o Papa Cregorio decimo^naquelle con-
cilio geral,que celebrou em Leão de França, as de-.
fendeocom varjos decretos, & porfe clles depois"
irem relaxando com a continuação; & coílume
do tempo, os renouou, & fezexecutar o bemaue-
Canhn- turado Sam Carlos. Barrome.u no feu Arcebifpado
tom. 4- ^ç Milão, como tudo apponta hum autor grane,
& outrodenão menos grauidade afflrma tábem
Steptia. q ícdeclaraua nas leys antigas, que fe hum home
GttazM- fezeíTe húa publica &afrontofa defeortefia a qual»
3- quer molhe.r,pór illuftre que fofl"e> que andaffe em
trajos pouco honeftos, fenáo podeííe chamar in-
. juria, nem recebefle por cila.nenhum caftigo: &
Ludoui. muytosannos antes defenderão os Romanos os
Viues. m.efmos excejfíos naleyQpia, a.quai confirmou
ap.Lace. depois.Catão çotra a vontade dç dous fenadpres,
v
■*"?' aquém, por não encontrar a de foas molheresj pa-,
TruMcif. tecia bem que fe derogaíle; & fe: pos em Roma
xime» .• hum-edição publico, que,toda amolhercjue ixw.U
apnd eU tafíe-algum.género..de;eraj.o.j ou de' toucado1.diffe*'
dem. renté tCj0 qUç. fç yfaua,; fotfe logo defterrada.com.
• . . " feu
terfekô. x^v
(ca marido, ella porque o inucntàra, & ellc, porq
oconfentíra, &osccnforestinháo obrigação de
lho mandar pinrar fobre todas as portas, pêra que
íbubcílem as de mais a rezão, porque a's deftetrá-
ráo: & ate nos lugares pêra ondeie hiáo ficauáo
mal quiftas, & dcfprezacfas. Tambcm fabemos Ldccrd*
dos Lacedemonios que não permittiáo demafia *&h
de enfeites/enão fomente nas molheres publicas:
& dos Locrenfes, & feu legislador Zaleuco que da D;âj.r-
mefma maneira a não cõíentiáo fenáo fó naqllas, shu.tik,
que quifeflem confeílar que crão adulteras: ôcaiz,
rezáo, em que hús1 & outros fe fundáráo.,era muy
difeteta, & bem atinada, porque como todas as
molheres de qualidade fe prezão tanto de fere ho-
neftas,de força auiáo de fugircom grande cuyda-
do de tudo o que as fezeíTe parecer o contrariou
com efta traça alcatifarão com honra, & fem tra-
balho a reformação que pretendião. Mas ainda ã
(cjáo tam apertados eftes rigores, tem fuás diftin-
çóes muy difpenfadas; & quem quifer perfuadir
fem cilas cfta doutrina, moftrarfe há muy atreui-
do, ou mais do que he jufto efcrupuloío. Os en-
feites, & atauios andáo à medida das idades, quali-
dades,» & fazendas, ou mais ou menos tempo de
cafadas, com tal ordem, & conformidade, que o
que em huas hé moderação,ferà em outras dema-
fia: & o perigo deíla matéria coníifte mais nas
N ^delpor*
194 Cdfamento
fèfproporfões, que nos exccífos: porque quánt
do húa,que for moça iliuftre,& rica trouxer as ga-
jas & ornamentos que lhe competem, com os
quaes fe veíte mais por decência, que por liuian-
dade, parece que tem mão no defejo dos ociofos,
& ria liberdade dos.atrcuidos; porque a mefma
filofofia nos cníína que ncnhúa coufa no íeu cen-
tro fica pefada, nem perigofa: pello contrario pa-
rece que por hum & outro defeonto eftà chama-
do, a que tendo mais annos, & menos cabedal,
& qualidade, fe enfeita com os mcfmos trajos, &
galantarias: & como o follicitar amores profanos
contra a ley, & amor de Dcos, hé mera doudice,
& defuario, o mefmo bom defcuríoeílà raoftfan
• oo que não pode fazer tanto cfíeitq nas que em
fe enfeitar Ceguem a rezão, como naqucDas que
a preucrtem.
E porque as pofturas do rofto nao deixão de
ter muyto parentefeo com a demaíia dos enfeites,
não vinha muytò fora de occaííáo dar noticia lar-
ga de feus encargos, pofto que não aja nefte Rey-
V\o pêra quem firua, porque he menor inconue-
niente aduirtir íem neccísidade, que poder auer
erro fera aduertencia: porem não hê matéria efta
pêra queixas geraes, nem documétGs particulares:
Omnes Vejafe o que nclla dizem Tanto Agoítinho, fanto
i*<Kni<i Thomas,S.Cyp'riano>S. Ioão Grifoftomo, São
Gregório
perfeito. I9J
Gregório Nazianzeno, Clemente Alexandrino, ap Cáfm
Aurélio Prudencio, Antiphanes Cómico, Flauto, ibá^cn,
Tibullo, & outros .rcuytos: & cm todos elles, ÔC tom,4.
cada hum por íi,íe acharão infinitas pragas, inuc-
diuas, & vitupérios contra efta hipocreíía de fer-
mofuraXemos.deLycurgoquedeftcrrou da Re- D,
J
, ,. , _ o 1 PlUÍ&YC.
publica de biparta, pera nunca mais aella tornare jH LACBn
r

todas as pefíoas que faziáo ou vendião confeições âtôk,


pera fe por no rofto, & dos Gregos antigos que
coftumauão a zombar defte defeito, como éffeito
muy próprio da ignorância: o que fe moftra com
mais clareza naquelíe Epigrama de Luciilio, que
começa. . *
TXV KíÇO.?<K;J cT-avlia- wfiíyúo-o.v vsòít jgpr^íí &TC.Oqiiaí Cfilil
todo íinirica. Tingis a cabeça, mas nuca podereis &beâ-l$.
tingir a idade, encheis o rofto de pofturas3mas riu **'**'■ &
ca lhe podereis tiraras verrugas,deixai de lhe por.
tfícs vngucntos:por.q não pareça q vos em maíca-
raftes: acabay já com voífas doudices, ôc fabeí q
não ha confeição que vos torne fermofa, & mo-
ça, fe acertaftes de fer velha, ou disforme. * E fc
acafo ouuer pera quem feja neceflaria efta lembra^
ça, faibaqne não iemos de molher nenhúaquc
porvfarde pofturasno rofto alcanfaiíe mais do
mundo que afrontas, dcfprezos, 6c defterros., & cj
dehúa Afpaíla conrãoas hyftorias, que íendo fi-
lha de hum homem particular, fò porque no fca
N 2. rofto
196' Cafameriii
rofto não punha nada,veyo a fcrRaynha de dous
mais celebres, & poderofos Reynos que teueo
mundo naquella idade,porquc delia afora outros,
nos diz Eliano, que Cyro, Rey que então era dos
Medos,& Perfas, a efeolheo por fua molher. ?ro*
Zib. t*. per cantem ommfuco pulchritudinem. Qu.di. Por-
jihísf ^llC era fàinofa fera por no rofto. * £ vejão qual
Jf
" lhe eftarâ milhor, fe merecer honra de Raynhas,
fe vitupério de defterradas.

CAPITVLO. XXIIII.

Quefejão caiadas» & fofridas.

Sta moderação de toucados, & trajos hà de


fer fempre mifturada com outra não menos
importante,&'fuftencia|,q hè a da língua:
porq efeufado feria mefírarfe nua molher honefta
cm fua peíToa, íefe moílrafíe defenuolta em fuás
palauras; antes neftas era o perigo ainda mais
certo,a perdição mais ordinária, & a rcftauraçáo
mais trabalhoíà;-pois como pcllas palauras fe dá
noticia clara dos intcntos,todos os que vc a qual-
quer molher dcfenuoka nellasjulgão que não po
de fer regiftada nclles:& pêra fazer femelháces mi-
zos
/
perfeito'. 197
zos nos dàlicença Vgo de Sáão VJ&or dizendo. ^/>. #«
afJt
OuaJis [ermo ofícnâitur, tal is antmiM apWobatur, h -
6e
auomam ex abunaanúa corais osloanitur. Qu. diz.? J F"-
Qual he a tenção, taes faõ as palauras, porque o
que a boca falia, he de abundância do coração. *
Com cites indicios,que em matérias de tal cálida -
de nunca deixáo de ler cridos, ficáo fem compa- -
ração mais arriícadas as que fallaõ com foltura,
que as que fe enfeitáo com dema(ia:.por.que com
cftas íc atreuem os bornes muyto mais por ferem
ellas as que folicicaõ, que com as outras, q ainda
hão miíicr folicitadas: da certeza deftes perigos íc
pode infmr quam ordinária ficara fendo a perdi-
ção das que os procuráo com fallar muyto, pois
bem fe declara na doutrina dos virtuofos,que que.
ama os perigos não poderá efeapar delles: & fai-
bão as que fe fentem tocadas deite vicio, que não
lhe bafta ferem bonradas,& recolhidas, peia dei-
xarem de parecer vás, & efcandalofas, ainda com
mais razão,que as enfeitadas, porque cíías podem
ter muyto boa diículpa fe vfarem dos enfeites pêra
contentar mais a feus maridos: antes fe elles o
mandarem, não farão ellas o que deuem, quando
fezerem o contrario: & as q falláo demafiadame-
te não podem nunca ter rezão q as obrigue, nem
occafião q as defculpe:& tanto não tem bua nem
outra, que diz.a Diuina Sabedoria das que faõ de-
N 3 forde*
I 198. Cafameniô
I f^t?dl fordenadas em fuás palauras. Verfemlum \nu mn
m ulam j
I ZM, * { - Qí e «ão andão pcllo caminho da fal-
' < • uação.* Mas deixando eftes perigosa que poucas,
ouninhúaseftaráofogeitas, ao menos daquellas
j ác quem falíamos, paflemos a outras aduertécias
q feruem mais pêra noflb intento. Não ha duuida
| que a toda a molher, efpeçialmccc a que for cafa-
. o>, importa muyto a moderação da hngoa, aísi
fora de caía, como dentro nella, afsi cõ os homés
eftranhos, como com feus próprios maridos: por
que com fallarem pouco não fomente foaem de
Jiuiandades que tara mal eftão cm molheres hon-
radas, íenão acquirem refpeito, & áuthoridade, q
faõ os efmakes da nobreza. Por efta rezáo achou
- Demócrito q nãoauia pêracilas ornamento mais
cqmperente,quca temperança nas palauras,quan-
Sub.tom do diffe. Sermo farcus mid';ercm or??at% Qo. di. O
^ ' faHar pouco héornaméto das molheres. * E Plu-
tarco ainda faz o negocio mais rigur.ofo,dizendo.
De $r&- Debct i>x$r aut cum mavko} aut per maritum lowi,
cepjccn- Qp. di. A molhe* caiada hà de fallar fornece com
fcU marj
Mciàt. d^ ou por boca delle com todos os ou-
n s nrauão os
ímble. ° - * ^ antigos a Deufa Vénus com os
200. pés emeima de hum cagado, & a rezáo era, porq
s.efajt. como efte aniraal,por não ter voz nenhúa,né fair
Stàtbta. mm% ou p0UCâS vczes^0 lUg5v em -^ poft<J^
cra 0 cio
'/>/&«. .^^^l ^^55 A acolhimento, queriáo
perfeito". ]<??
que as molheres,íignificadas pclla imagem de Ve-
nus/c lcmbraíkm que tinháo obrigação de andar
pouco, & fallar menos. E íoy fempre tam eílra-
nhada;& mal recebida, particularmente nas caia-
n
das,' qualquer pequena foltura de iingoa, q Numa i \
Pompúio,o fegundo, & milhor Rey de quantos numJ.
Reynaráo em toda Itália, lhe mandou com Icy Lycurg.
muy rigurjDÍaque vniuctfalmence guardaííem íi-
lcncio1, &• quando cfteueíTem em preíença de feus
maridos não podeííem arguir pratica algua, nem
ainda de coufas muy neceílarias. Em Vimilio a-
chames: q a Deufa íuno fe queixou nua vez muy-
to de Vénus, porq a obrigou a quebrar o íilencio.
Onid me altaplentia cogk 'ALncid\
Rumbeve? & obauBum veréú wlgare do!cr em. lib-1*$'
Qu.di, Pêra que meobrigaftesa quebrar cite meu
tam profundo íílencio, & a tomar palauras na
boca pêra declarar meu fentiméto. * È em Stacio
que quado Argia filha de Adrafto Rey de Grécia,
& rnolherde PolinicesReyde Thebas tinha nos
braços o corpo morto de feu marido, chegou ao
mcftno lugar Antigone fua cunhada, & começa-
do de longe aíallar com ella com muycas laftimas
& fufpiros, diz o mefmo Poeta.
c
Nihílilladm}fed'm oramariti 7hcbá\
D cijcit, mcjjuos ps.riter"pelamind yultus. Htb. \*
_- —^

ÇHí. di. Calloufe, & não lherefpondeopermuyto


:
X :;" .' N4 ~' efpaço.
zoo Cdfdmerito
.cfpaço, antes cobrio o feu rofto, & o de feu mari-
do. * Que parece que ainda afsi morto como elle
eftaua náo oufou afaliar com outrem em fua pre-
cn a Da
TebU.;. ^ Ç ' W^her de Tobias a moço nos contáo
as (agradas letras q foy tam reportada nas palaúras,
que dizendolhe húa criada fua muytas,& muy in-
juriofas; lhe não refpondeo,nem tornou por íi,&
\ fó fe pos em oração a Dcos,& lhe pedip que acu-
"^•^diííeporella^de Sufanna que fendo aceufada
falfaméte por adultera, não fa lou nem húa fò pa-
laura em. íua defefa. Lemos também da bem auen
'Lãcerd curada fanta Mónica máy do gloriofo Douótor S>
in Poln. Ago (linho que já mais lhe viáo deitar pela. boca,
^^ queixa algúa, fendo cafada com o mais cruel &
T •: defatinado homem,que podia inuencar a. malícia
hnmana.E era o filencioantigamente tam temi-
<\Q>?k rcípcicado até dos meímos de iam adores, que
Virgílio, que o foy tam grande dá Raynha DidoA
& com tanta folcura Sc atreuimento. lhe. affacou.
teftemunhos. cõtra a pureza-, náo fe atreueo a lhos
aífacar contra.o íilencio: porque quando finoio cj
. os Embaixadores. d'Eneas. lhe forão a Caitaso
pedir (ocorro,, diz, quando cila lhe- deu reoofta..
m Ul tcY
P 'd ®^°~)>u demijjfa ^rofatur..
Ubi-t. : QíL<& Miou Dido pouco,& cõ o roft.o baixo/
ttc ulencio tam.importante pêra as caiadas, tam
•encomendado dos efeutores, ateribuido- entre os
Gentios
perfeito %é t
Gentios até ás Deofas, &i Raynhas, guardado fem
pre entre os fieis das mais nluftres3 & virtuofas, te
obrigação as molheres d'Hefpanha de o guardar
com mayor cuydado que todas as outras: porque ,.
foy atributo, & perfeição particular dos Hefpa-
nhoes/óeftar calados, & com tanto excedo, que .,
dizdelleloão Boemo entre outros louuores. For- Crf* 2^
tioriliis tdciturmídtís cura, ^u<im Wa. Ou. di. ti-
nbão mais cuydado de guardar o íilencio, que de
coníeruar fua própria vida. f Porem não aduerci-
mos com tanto rigor: pois eftâ claro que foliará
mais do que he ju(tosque lhe diííer q não fallem
nunca, ao menos neíte tempo, em q faõ ja muy
differétes os eftiios, humores & naturezas: fô lhe
encomendamos que todasfuas praticas fejão com
cautela, & moderação, não fe moftrando defen-
uoltas com os eftraahos, nem atreuidas com feus
maridos:& como no que toca à defenuokura te-
mos pouco que lhe aduertir^pois as eníina a ferem
modeftas & reportadas fua mefma honra & ho-
neftidade, (ómente em ordem ao arreuimento, cj
ás vezes he cauía de grandes defgojftos, faremos
alguas aduertencias, A primeira feja (falíamos cõ
as de bom juizo^queasque o teuerem ruim ferão
por milagre bem cafadas ) que o gofto q os ma-
ridos tem de (e ver com molheres bé entendidas^
lho não facão cilas perder com ferem demafíada-
mente
20 í Cafamento
mente falladoras: porque fe por qualquer via, ou
occafíão lhccomeçareadardefgoítos, loco não
podem efpcrar deíles fenáo defgraças, ou defauen-
cas;mais ou menos arrifcadas,conrorme á {uas in-
clinações, & coníciencias: pêra ifto deuem trazer
fempre no fentido q o principal cffeito dò ícu bõ
entendimento ha de confiftir mais nas obras,q nas
palaurasí bufeando occaftôcs,em que os contente,
& não dizendolhe coufas, com q os defgoíiero:
porguc não he tanta difcriçáofaber achar hiá ditto
agudo, como faberdifsimular cõ elle, quando vé
a boca fora de ternpo;Defta moderação, que pêra
toda a gente he muy neceflaria, tem mais neceísi-
dade as molheres caiadas cm refpeito de feus ma-
ridos-: porque lhe podem vir cõ húa repoíta,pofto
que feja muyto difereta em horas, ou occaíióes, q
lhe cu fie caro. Já fc algúas fentirerh delles q náo
clcfpontio muyto de entcndidos,(quedecudo hc
ci
fértil a natureza) a hy Iheffica mais importante
obilgaçáo de refreara lingoa, fenão lhe querem
ver defenfreados os impuljfos daimpacienciarporq
onde náo ha juizo claro pêra cair em fucilczas,hé
a payxáo mais arrojada pêra vingar atreuimentos:
pcllo que fe guardem ainda mais"cõ elles de bons
ditos, & juntamente lhe difsimulem com feiis
defcuydos & groífarias fem fe fazeré meftras,nem
repreníbias:pois em lugar de em medas q aprouei-
tão
perfeito'. 20 }*%

tão poucos lhe farão ofFenf3s,q ellcs fincão muyto,


& nunca pode fer de taco proueito a reprcnfàò dos
inferiores, que não íeja de muyto mayor dano o
íentimento dos offendidos. Conbeceo bem o an-
tigo Satyrico os perigos, & eótrapefos^ q trazem
configo eftas liberdades: porque encomendando
a todas as ca fadas em hú difeurfo muyto elegante
ene não ícjão letradas nem Rhetoricas, ne íc pre-
zem de ler muytos liuros, nem de faber muytas
hiílorias, conclue dizendo. uiuen.
SoUctfmum licetfeàffe mdrito. #' •
Qa. di. Deixem errar a íèus maridos os termos, &
modos da linguagem. *Ebem nos moftra a ex-
periência q em ellas quererem moftrar fuperiori-
dade lhe dão grande occaíião de defcofiança-, que
he pêra efte nofio efhdoa ruynade todos os gof-
tos, & a cauía mais mamfefhy& âs vezes mais de
fauenturada da imperfeição;. &ç defgraça delle: &
como o fer defeonfiados he a mais certa proprie-
dade dos ignorátes; & a falca da cõííatiça a mayor
defauentura dos-mal cafados, vejáo fe lhe impor-
ta tratar de maneira os que fabem pouco, que os
nao ponhão nuca em riíco de as fazerem padecer
-muyto: & tudo ficará remediado íc os effeitos de
fua prudecia forem moderação, & íoíTego da lin-
gòa: & pêra que fe poíía bem conferuar efta tem-
perança de palauras*hc neceffario que íe funde em
ran
g ".
20 4 Cafamento
grande cabedal de fofrimento: ncfte deue.m em-
pregar com grande cuyd.ado toda aperfcição dos
entendimentos, por fer o dcfenííuo mais efficaz, 5
podem procurar as molheres cafadas cõtra osdef-
goftos quealguas padecem quando fao duras as
condições, ou fracos os juizos de feus maridos: &
como o principal de todos o pos hum douto&
antigo mcftre deita ciécia nos preceitos cõjugaes
q deu às molheres de fua pátria. 'Principio (lulu a-
Naama. gentem- tolera, ejl enim neceffarwm nec dicas omni-
Af.Stab. ym auafacit, fedfola deppientem moneasjdq leniter
vb'f»P',,J
•> <■ )>t/decet^nam
/ contumcha
v J i prudentem' Quok
• •'"■ ir
)>irum
tar i fá o\ atjimalisfocijs- conjunãus malm euadat,
ne ad verfus iffum o filia contendas. Qu. di. Primei-
ramente fofrey as ignorâncias de voflb marido,
porque aísi vos he necefíario, nem digais a todos
os defgoftos que elle vos der, amoeftay o có brá-
dura como hé jufto^ôi cohueniente,porque as pa-
iauras altas, .&.defcompoftas metem ás vezes em
payxáo até aos prudentes>& reportados: & fe por
caufa de ruins amizades fe vier a deprauar em feus
coítumes,nern por iíTo o trateis cõ menos bran-
dura & fofrimento. * E aqui lhe dà. cfte autor li-
cença pêra que poííaõ amoeftar a feus maridos,
com tanto que feja.com brandura, fummifíaõ, &
fuauidade, eípreitando* os tempos conuenientes,.
& conjunções acc.omodadas; Outro Phylofopho
rematou
M

per jeito zoy


rematou no fofrimento os bondades' da molher
caiada. 'Bona mulicris eft omma.toíerare. Qu.di.Das id. ihi. \
molheres boas he fofrerem tudo. * E ifto hê na
verdade o que mais 1 hc importa, & o contrario o
que menos lhe ferue: porque entre peííoas huma-
nas, & cam mifticamente conuerfadas 3 náo pode
faltar hua vez por outra algúa leue defeonformi-
dade,afsi o diííe Iuuenalhàmuytosannos.
Semper habet rixas, alterna,^ )uf-gia leBu-s, _
Qu. di. Nunca faltão entre caiados occafioês de
defauenças. * E em faltando fofriméto, que as to-
pete, & facilite, efpecialmente nas molheres.aquc
por rezáo elle mais pectenee; podem com as pro-
íias ir cngroííando, & com a frequência degene-
rando em Cais difeordias, & defgoftos, que raçáo
femelhaute ao mefmo Inferno híi eftado, q Deós
inftituhio pera pouoar o Paraifo.Por cfte refpeito
eracuftume entre os antigos. fecundo autores
muyto graues, pintar tambem a image de Vénus
junto com a de híia Deofa por nome Suada, com
aqual elles fiogiáo que fe obrigauáo as vontades
pera enfinar a todas as caiadas. Yt ju*\>ellents (co- xnprAi
mo diz Plutatco ) imp.eírare deberent, ferfuadendo, cepC
ncnrixando.-Q^. di. Pera que o que alcanfaflem covjttg,
de feus efpofos foííe com rogos, & não com bri-
gas. *Eo mefmo Plutarco aponta fer coftume
muy celebrado na prouincia de Beocia,ornarfe as
• " que
10.6 Cafdntenú'
[ que cafauão no dia do recebimento co os ramos
de húa certa aruorc, que fe chamaua Asfaragonia
aqual tinha a raiz muyto amargofa, & o rruyto
' em eftrcmo fuaue, pêra íinificar que fe no cafamé
to acbaíTem defeontos, & cótrapcfos, foíTcm tam
fofiidas neliesque dcíTas mefmas occaííoes de tra-
balho, & defgoílo uraífem. erTeicos muy deleito-
fos de quietação , 6c fuauidade. E nefte mefmo
tbid. autbor achamos que em Lepca cidade antiga das
prouincias d'Africa tinháoas molbcres por coftu»
me no mefmo dia,crn que cafauão mandar pedir
algúacoufaa fuás fogra», & fe as não tinháo, a
quaeíqucr outras moihercs que teueííem parentef-
co com feus maridos: Ôc eftas de propofito lhe
Regauáo tudo com muytas afrontas,& afperezas,
Si eiias com a repoíla tinháo obrigação de abay-
xar a cabeça fem refpondcr palauraalgúa: porque
mandaua quem fez as leys daquella Republica 6
com tal cofcme , & ceremonia entendeílem as
que tocauão aquelle eílado, que a principal virtu-
de cm que feauião de exercitar, erão os actos de
fofriment-o.E não íe enganem as que defprezarem
cí'ca doutrina, com o exemplo de Sócrates, q húas
Bhg. vezes fofriaa fua molher q lhe pifaífe & encheííe
L&er.
deterraiiodoocomcrque lhe punhãona mefa,
outras q lhe lança fie fobre a cabeça licores inmu-'
dos, &c maIcheyrofos:& fcmp'rc que o vituperaííc
• publi-'
perfeita. 2.Í7
publicaméte copaiauras alras,& defccpofías: nem •
com o do noflb varão iníígne Simão Goniez ( q £A. £/#,
afsi o podemos intitulai- por fuás heróicas & íin~ Viu
guiares virtudes) que-fofriaáfua mandaiio com 'jffitt
termos afperos, & afrótofos bufear quartas d'agoa
aos chafarizes: porq em lugar deites dous;& dou-
tros algús, q poderá auer, lhe daremos infinitos,
q por muyto leues occaíipés.& ás vezes (cm cilas,
fczcrãocftrago miferaucl nas honras, & vidas de
fuás molhercs.O que tudo íoppofto lhe encomé-
damos.,q fe feus maridos leuados d'algua payxão,
ou enfadamento fc queixarem delias, poíto que
ifenca, & afperamcnte: por nenhum cafo Iheref-
pondáo com ifcnçãomem afpereza.,ainda que fa£
bãodefique náoeíláoculpadas, nem menos fe •
ponhão em porfias pera os diffuadir do que eiuam
cuydão, porque de húa, & outra coufa nacé mais
-graues'inconuenicntes do q he eftarem elles quei*
xofos delias em quanto lhe bufeáo tempo pera os
abrandarem, & perfuadirem, que entre os bons
cafados eftas occafióes náo tardão muyto. Afsi o
encomenda Plutarco com aquelle coníelho tatu
celebrado, 'Prudentes matrona)>ír'isexirawcifera- vbi pt&
tétis tacenti file-ates colloquio âemiúgam, Qu. di.As
molheres prudentesjquandoos maridos failáo al-
to com algúa payxáo,cítlo caladas,como os vem
fora delia, entam os perfuadem brandamente. *.
Ecreani
2.c8 Cafamento
E cream que quaefquer côtcndas de palauras.ain-
daásmuytoleucs, & moderadas, ccftu mão al-
guas vezes como por degraos a ir fubindo a largas
abúdancias de defgoítosj&o modo nos moftrou
Ludouico Ariofto no Teu Orlando furiofo com
eftes dous verfos.
G*nt /♦ Venner de leparole} ale conte/èy
^Aigridi3 a le minacie, a la batagha.
Qií. di. Vierão de palauras a porfias: deporfiasa
gritos, de gritos a ameaços, de ameaços a fe mata-
rem hú com outro. * E nenhúa coufa dcftas pó-
. de acontecer em quanto efteuer em pé o fofrimé-
to: porque como elle he feraprc o freo da língua,
& ella o primeyro degrao pêra trabalhos,& deíc5
certos, em quanto ouuer molher que fofra, rara-
mente auerá marido que neftas.occaíioés fedefcõ-
ponhaj & onde cilas fazem o contrario náo há
amor, que fe conferue, nem defauentura q'ue não
fe efpere.Vio por feumalefta verdade húa Ro^
Geft. Ro mana por nome Paulina, a qual fendo muyto re-
munom. portada .pêra coníeruar a honeftidade, era náo
menos atreuida pêra altercar com feu maridojem
acabar cem fua condição deixar de lhe refponder
' em rodo o tempo moy defeortes, &: afperamete:
enfadauaíe elle com os defgoftos caufados de tam
íeues fundamentos,.& naõ ceílaua ella com afpc-
rezas cauíadoras de danos muyco pefados. Con-
cinuando
perfeito! *íot>
*

tinuando eftes defcontos, & difíerençasí não fal-


tou, outra lingoa, ainda de peor qualidade, q fem
auer rezão, 9 perfuadio a íofpeirar mal de fua fir-
meza, hê fácil em crer, & fe refoluer hú coração •
cfcandalizado: tratou logo de a matar, & bufcaua
occafião em que ofezefle mais a feu faluo,teue ella
noticiado que o marido detreminaua,& não fiou
tanto das confianças da innocencia,que quifeííe
eíperarosimpulfosdàira: foyfede caía fecreta-
mente, pêra por em feguro a vida, pofto que foíTe
com dcfpefa da honra: entre tanto fe veyo elle a-
cercificar de toda a verdade, & arrependido da pri-
mcyra detriminação,lhe mandou pedir fegunda
amizade, a ííegurandoa có proteftos, fatisfações,cV:
juramentos.-^ como ella eftaua fem culpa achou
que não auia rezáo pêra duuidar na fegurãça.Foy a
elle b.ufcár com animo quieto & affeiçoado,efpe-
rando moílrarlhe cõ boas obras que íe enganara
nas ruins fofpeitasmo caminho quiz ella juftificar
fua honeftidade: o q fez có tam defatínada multi-
dão dequeixas, pragas, injurias, & vitupérios: fem
lhe efeutar por muy largo efpaço palaura algúa,nc
de branduras, nem de defeargas: atêq arrebatado
elle de rayua, & fúria, lhe meteo.hu punhal pella
garganta, & a morte de q efeapou por reformada
nos cuftumes, veyó breueméte a padecer por def-
compoíta nas palauras. Não teue muyta^enueja a
~ ~ "* O cfta
aio Cdfdmento ■
Bx tr*- cftá outra cafada da noua HefpanhaTquc tambe,
ditiofí. cxafpcraua muyto a feu marido cõ gritos, rcquci
Amtric. tas,& repoftadas: viofe dle hú dia tWappretado
cjue foy pedir acerto capitão dosJeuancados,ã an.
dauãoem companhia de Ioão Piçarro, homeiJ
cruel, & facinorofo, que pois gouemaua aquellal
prouincias,lhe denWgumremedio em fevsdef
goftos:promctteolhoelle muyto fácil, & tím
efficaz, q já niaisella fe defcoraporia, rtá lhe da
lia dcfgoílo nem trabalho :& entrou íogo pêra fei
apofento,em q ella actualmente eftatia exercicap,
dofeuscuftumados gritos, & dcfatinos, veyooi
hy apouco, & diíTe ao marido que já ficaua bcrA]
reprendida, & foííegada, & cfteueffe- certo q náoj
aucria-.mais entre eiiés difienfoês, nem enfadamê-
tos: foy o marido logo bufcar pêra começar a lo~
Çrarfe da paz, q o capitão lhe prométerh,,&.achou.
q eftaua enforcada de hum dos tirantes da própria
caía. Acto bárbaro Peruei, como de- homéíèm
•Icy, nem Chriíbndade, qual ocraaquelle, bê no,
meado & abominnado.naquellas hyftqrias: mas
parece que permittiráo os juizos diurnos* cpambé
efta pêra exemplo d outras pagafle cõ húa morte
Lícerd. não merecida as culpas,da íingoa demafkda.Foy,
ia rolit fegundo confio, cepta mal caiada queixarfe a húa
áVM1 Tua vizinha da ruym condição de feu marido,a
..cjiialcomofabia que todos [eus enfadame'tos lhe
procediáq
_.
rfelidi *n
OTorcáiâõ de fatiar muyco,ihe deu hua pouca d a
L em hua arredoma, dizendo, q fc o queria vec
pacifico,& feu amigo, cnchcflca boca daquclla
Loa quando o fenciffc apaixonado^ por nenhu
cafo alançaíícfora cm quanto cllc fe não calafic,
porq tinha muy particular virtude pera remediar
aqueile trabalho: leuouella a agoa, & vfou logo-
h medicina, & em poucos dias lhe veyo dar os
•agtadecimccos do grande betarç lhe fezera, & lhe
pedio q lhe tornaffe a encher a fua arredoma por-
Ifcnãoatrcuiaacftat hum momento fcmcaaa.
ncccCíario, & approuado rcm«dio:rcfpondcolhc a
outra defenganandoa da verdade, q a virtude da- i
quellc remédio não conílftia em ter agoa na boca,
fenáo em eftar c5 ella fcchada,quando íeu man<fc»
pclejaffe. Efte confciho dado^poc aquella molher
lufticamcnte, confirma o Efpirito, Santo dizcdo
tios proúcrbios de Salamão. Zeftonfo wlltsfid»- C*?. i£
iit ium.Q^. di: A repofta branda arríanfa a ira. ,
Confirma o mefmo confciho S.Ambrofio quado
diz. Irdm4nftteiuJinefilwmr.Qa. di. A iranaofe ^^
desfaz ícnáo com brandura. * Muyto antes, delle renJê.tt
tinha ja dito Séneca Pnylofopho- Cadttftattmjí- #
tnulus d aíteu furte deferia. Qu. di. Logo feaca* ***
ba a dèfauença como fc calla hua das partes. E r• \ ,
pois he còfelho efte dado por Dcos,pelios fantos, -»
pellos gentios, q em matérias tam conformes a
D
* - O i boa
• .?.
#lt Cafamenã-
boa rezlo fa.S muy femelhantes, os do cunientoT
«fffiinyligadas as oonuemeriçias, q molher.auerà
quenao trate em todo o-cempo a leu marido Á
crfofomcntoi & moderação queas tezões do feU
.citado lhe eftao pedindo.' Com ifto fe podem ir
taséndoalegresjVenturofas, & defcanfadas, enitã-
«tomuytas defgraças, remediando muy tos degof,
tos,& merecendo muyros louuorcs, quaes os me-
receoGsraíma Raynha de Sicília, tia de S. Vrfula
^martyrizada em Colónia com rodas as outra/
como atras deixamos efcrito: tinha hum marido
^ condoo pcrucríàJl& que a cracaua com dcfcõ-
*m>hu pofiçocs, &afperezas,& ao Reyno com cruel.
a*'/'/* dades &tyranaiasi& foubeo tratar com tanto
mex, logciçao, & brandura,que 0 fez pêra íi ver-
dadeyro amante,& muy brando,& liberai íenhor
pêra íeus. vaffalios. E lemos doutra femelhante
•;: .• :• Raynha dos Godo^molher do infoIece;& barba-
Paul. ro Ataulfo,q-cõ brandura de repoftas, & comedi-
n»„. méto-de palauras o rende* tãto a fua vótade,q ef-
:, •'/• qnecido da-naturalcrueza, & ferocidade com que
. vinhadeftruindooipouo^Romano, elle mcfmo
• hecometteo pazes,& lhe reftituhio liberalmente
honras, fazendas, '& liberdades: q eftes & outros
• muyros inccrcflc&cuftomáoíçmprcgrãgcàrasc©
- diçoes.amorofas,& brandas, &âsWoas quietas
«âfKgiftadas,& pbftó^os homéSjço.mo Útemos
aduertido
ferfeito". 2,13
aduertiáo, tem particular, & prccíía obrigíção de
as tratar branda & amoroíamcutcTem lhe dar riú-
ca occafiáo de forçaré a paciência, có tudo nellas
fica cLta obrigação rriais apertada, por ferma^or
o {eu perigo, & mais inferior fua dinidade: & de
paííagem Lhe aduirtimos que não figão a opinião1
ou cegueira d'algúas,q codas íuas obrigações que-
rem cifrar na honeftidaderporque he engano ma-
nifefto, & âs vezes muyto perjudiciat, ou perigo-
fo: que as virtudes morais cem entrefi cam eílreita
[iança, qem faltando húa, logo fe perde ou arrif-
ca nas outras toda aperfeiçáo, & merecimento.

GAPITVLO XXV.
Que fe guardem de conuerfafoes demajtddas,
pojlo me parefão licitas.

COmo o fílencio, & o fofrimento faõ cir>


cunftancias cam neceílarias pêra a quietação
"das molheres cafadas, a boa rezão, & dif-
curfo rnoftrão que o não fica fendo menos a co»
ueríaçáo de pouca gente, pois claro eftà q quan-
do íe lhe encomenda que fallcm pouco, também
fe lhe deue encomendar que fallcm com poucos-,
& quando fe lhe pede que íejão fofridas, também
í fe lhe deue pedir que fe guardem de occafiões que
' as pòílaô fazer impacientes: &perahua & outra
--"* -' O 3 ' fegu5
2.14 Cafamenfo
fegurança coimem que eflas poucas peíToas com
quem tratarem/cjão na lingoa cam regiftadas,q0e
cõrezões pouco importantes Ibenáofaçáo per-
der, ou arriícar duas perfeições que caco imporcão
como he o fofrer, & calar, fem as quais não pode
viuer quietas, nem bem caiadas: porq ferâmuyto
pofsiucl,que tratando com húa fó pefíoa, íeja cila
tam defatàda na lingoa, que por fi venha afaliar
mais que hua multidão muy copioía: & que não
faltem pello mudo deftas lingoas nos certificou
IuuenaWizedo da.lgúas;q já conhecia no feu têpo.
[áty. â. Verkornm tanta cada )nx
Totfariterfekesi & tintinndlmU dicas
*Puffari, iam nemo ttéav, atj- arafatigeb
Vna.lahoranti \>otcritfuccurrere luna.
Qu- & He neftas canta a quantidade de pafauras; •»

que*não bà ja pêra que ninguém vfe de círromé-


tos, que facão eftrondo, porque hua fó delias hé
baftante pera foccorrer a Lua no feu trabalho, * E
pêra que não fique por declarara rezlo dcftc en-
carecimento/aibaõ os poucos viftos nas hiftorias
antigas^que quando amjgamétea Luafe eciipfaua,
imaginauão os gentios que por algua rezão fe in-
triftecia, & pera lhealiuiarem a trifteza coituma-
uão a fe ajuntar os pouos todos có quantos efíro-
mentos podiáo achar, que fizcíTem eítrondo, ôc
traquinada^&andauáo barbaramente tangendo
. - ' • —i ' — «-. • !«•

' r O nelles
perfeifõl 2.15
hellcs naqúclíe efpaço que duratia o Eclipfè,& to-
dos eftauáopcríuadidosqoacabarfeelle não era
outra coufa, fenão tornarfea alegrar a Lua có tam
brutal, & gentílicafefta. E pêra Iuuenal encarecer
o rebuliço; cftrondo,& fúria deftas lingoas defen-
freadas, diz q húa fó delias pode aliuiar a trifteza
da Lua, que he o mefmo q fazer rnayores nuno-
res,& doudices,do que faziáo aqueiles-ignorantes
•com feus tachos, trombetas, & campaynhas. E fe
.as peflbas,com quem tratará as molheres caiadas
acertarem de ferda condiçáo,ou arte de£hs,pofto
õ fejão poucas, & efcolhidas,fempre cilas efhrão
aparelhadas a não menos defaftres, ou defgoftos,
que fe conueríàrao com toda a terra: porque eín
fe admittindo feraelhante gente, efpeoiàlmente fe
faõ molheres, ( &L claro eftà, q G haó de (cr, pois
■com homés não fe permitte conueríàr particular-
mente nem- caladas, nem folteyras ) por algúa
experiência vemos- q fe efeapáo de eníinar liuian-
dades contra afirmeza,pode fer que fe entremetáo
em dar documentos contra a concórdia, perfua-
dindolhe.quenãofofráo tal,ou tal defeonto a feus
maridos: & logo lhetrazem exemplos doutras, q
fazem em tudo fua vontade, & como eftas aduer-
tencias nunca faõ de muyto defgofto pêra as ca-
fadas,lanção ás vezes mão delias tanto de fifo que
fe põem em rifeo de fazer doudices: & com eftes
*" P 4 ~ goucrnos
,*íé Cafdmenlâ
.goucrnos fe defgouerna a paz de hÚa alma,a quie:
cação de bua famjlia, & a perfeição de hum cafa-
mento: & por atalhar aos encargos delles, a priJ
. meyra circunftancia que aponta Euripidcs,& que
encomenda com muyta efficacia nos preceitos cõ
jugaisqtrazStobeo,he náofc permitrirem cafa.
tal forte de gente. Mutuam, nunqmm-, non emm I
Suh femeluntlm dicam j mente hahentes, fermittere o\
£?'/*/• prtet^uihus^xorefk^tàomuaâ ipfim ingredun*
tur alU nrnlieres-ydocent emm res tòâUsJtfoeefi aud
domus^ Virorum m<ile hdent. Qu^ di. N u n ca, n u n ca
q o não digo húa fó vez, os homés cafados q tem
juizo deixem entrar quaifquer molheres, onde as
fuas.eíteuercm,porque não faó boas as coufas que
lhe eníinâo, & daqui vem ferem algúas cafas tam
ma! regidas. * Eno mcfmo lugar, cujo latim por
fer muyto largo não efereuemos: fe achara dizer
elVinÍjgneautbo^quehúaslhe folicitao a ho-
neftidade pello proueito que lhe refulta de ferem
terceiras,outras por terem cahido em algus erros,
lhe perfuadem por inueja,ou defeulpa que os co-
mettão, outras por ignorância ddaduerrida fe en-
tremetem em dar confelhos defencaminhados, q
fempre vem a caufar dano, ou defgofto. Aponta
Plutarco húa miferauel exclamação q razia certa
'mòlher Grega por nome Hcrmione em dcfcõtos
q por çófelho & conueríàçào de algúas deitas lhe
fobrcuie-
perfeita' 117
fobreuierao có feu marido,naqual repetia muytas
vezes Me perdidemm aâ me adoentando mulicres l»pr<ec.
maU. Qadi. Deitarãomc aperder ruins molheres <•}* «*•
que entrauáo & conuerfauáo em minha cafa. * E'"£ st0'
v
por diante vay encarecendo o mefmo Plutarco o y*°'
mal que fazem, & a quanto fcarrifcão,as que não
fechão a eftas taes não fô os ouuidos fenáo-as por-
tas: & depois vem a rematar todo odifeurfo com
eftas excellétes pafauras,'merecedoras de as trazer
fempre na memoria roda a q quiíerviuer quieta.
Cum muliercuU calummatrices dicent tibr. amantem
fui tey & pudica wV mifue traãat: Quid ergo, dices)
fet ft odijfe eum, & tnjurijs afficcere incipiam. Qu.
di.Qíiando eftas agulhas ferrugentas vos forem
dizer que voíTo marido He muy ruim homem, &
vos trata mal fendo vos tam honefta, & íua ami-
ga, & por iííoquifercm aconfclhar que o não fc-
jais:re(pondeilhe:fecUe me trata afsi fendo ea
cíía, como me tratara fe vir que lhe quero mal3&
lhe faço injurias. *£ (obre tudo lhe encomenda- .
mos quefe guardem de húas velhas de meya au-
thoridade, que còftumáo entrar em muytas caías,
& faltar na rua có muytos homens: & juntamete
d'outras a que vulgarmente chamamos Adelas, cj
tem comunicaçáocom toda agente por occafiáo
dasalfayas que vendem: porque temos também
experiência de quam per judicial & arrifeado feja
o trato
i5.8 ^ * Cafamento
o trato,& conúerfação de qualque r deílas: pois já
pode fer q accnteceíle trazerem fe cartas amoro-
fas dcbayxo de capellos authorizados,& entre en-
uolcorios de veftidos fe efcondcré outras do mef-
mo feicio, & fazerfe com que cilas, ou aquellas fe
áceicaííem de quéacê então não tinha noticia da
pretenção de quem as mandaua, & as que não
íeuarem cartas,pofsiuel fera que leuem recados,ou
comecem por elles, pêra depois vfarem dellas/ai-
canfando pêra iíío licença com força d'embuíles
& lifonjarias, & que não fe lhe aceitando dapri-
mcyra vez, inftaflem fegunda, terceira, & quarta,
efperando com a frequêcia de-íeus enganos alcan-
far o cfieito de feu intcrcfle, & a efperança he muy
importuna, & a importunação muy poderofa,& •
neftes cafos as qué fe entrcgão,ficáo perdidas:'&
asquereíiílem, pcrigofas: porque faó muy incer-
tas as refiílencias entre profias continuadas. Im-
porta ifto muyro a todas as molhercs de qualquer
. qualidade, ou eílado que fejão: pois temos alcan-
fado-.q a continuação de fe.melhantes entradas hè
muy arrifcada pêra as honras, & muy prejudicial
pêra asconfciencias. Morauaem cerco lugar que
não nomeamos, húa donzella orfaã & pobre, de
bom parecer, & de pouca idade, viuia honrada,&
honçílametc enrre pobreza,& fermofura,que faõ
os barrancos mais perigofos de coda a honra, &
1
honcfti-
*
honeftidade, entendco nella hum perfonagc de
roupas largas, que também o era na confeiencia:
& depois de lhe não aproueitaré rogos.promeflas
& diligencias, entregou foa pretençáo a hú deites-,
capellos entremetidos; bufeou a velha occaíioes
de lhe ir a cafa,& trauou com ella eftreita amiza-
de: hua vez em pratica lhe começou a louuar feu
recolhimento;, & a fe compadecer de (eu defem-
páro, & perguntoulhe meudamente qualauia de
íer o (eu modo de vida ,' refpondeolhe ella com
muyta magoa que o não fabia,porque feu cabedal
era tam pouco que a não deixaua ter efperanças de
fer cafada ré religiofa: diflelhe a peruerfa,& aftuta
enimiga, que fe quiíeííe faber o cftado de vida,que
a vétura lhe tinha ordenado, fe pofeííe a rezar per
çincOjOU féis noites nafua janella,& aduertiíle bé
no que ouuifle na rua: tomou a moça o enganofo .
coníelhocomfmgeleza, & fimplícidade, enco-
mendando a Deos aquelle negocio, fem aduertir.
que náo era aquillo deuaçáo, que o obrigaua3fenâo
luperftiçáo que ofendia: naquellas horas que ella
rezaua,pafíauahum moço pellarua, por ordem
&induftria da própria^ velha, cantando en altas
vozes as ladainhas, & detinhafe por algum efpaço
ao pê da janelk: paííados aquelles dias lhe tornou
a caía, & perguntoulhe fe fezera a deuaçáo, & o q
delia refukàra, & tanto que lhe diííe o que ouuira •
cantar
zio Cafamento
cantarem todasaquellas noitcs:lhe refpondeo cõ
cfficaz refoluçáo q era íinal muy infalhuel de ella
vir a poder de algua peífoa quefoííc,ou ouucíle de
fer ecclen*aftica,& pois q fem duuida eftaua guar-
dada pêra eftas fadas: ella conhecia hum homem
muyto rico daquelle eftado,que a poderia ter muy
a feu gofto,dkoía3 feruida, & regalada, & q logo
lhe hia pedir que a recolheíle, pêra que não cou-
befle por forte a outro,com que não teue0e tanto
defeanfo, &da hy fe foy com muyto aluoroço.
darlhe rezáo do que tinha traçado. Ficou a moça
entre fufpenfa & perfuadida, dando credito como
ignorante, & duuidádo como virtuofa.refolueofe
com tudo ( que fempre a virtude fegue o melhoc
caminho ) em dar conta do cáfo a hum Relipjofo
que a confeffaua: & dellefe informou dos enga-
nos & traças que não alcanfaua; & quando a ve-
lha veyo pêra dar cffeito ao que ordenara, leuoti a
repofta q merecia. Não falta noticia doutros fuc-
ceífos que procederão do trato & conuerfação de
tais pcííoas, & com pior fim do que vemos que
teue o deíta donzella, & porque nem todas pode
ter a fua ventura, ou aduerrencia, aduertimos nos
ôc pedimos, muyto que fe guarde de admittir em
caía femelhantes amigas, íem ter primeiro de fua
virtude largas, & cahflcadas experiências: porque
• hé tam antigo, & coftumadoíeie eilas inftruméto
de grandes
ferfekoí 21 [
de grandes defaftres; q o principaLcV mais impor
tance documento q os antigos dauÃo ás molheres
cafadas,era çlizerlhe. Improbam anum domi nunjua tfa(t?»a •
receberis: mulierubene conditas família pefTundede. eh. apu.
sp
m nt anus. Qu.di.Náo admittais em voíía caía ve- °^- ^f
lhas de que entenderdes q não faõ virtuofas:porq r*conl\
eílas taes tem jà dcftrnido muyto honradas famí-
lias. * Outros perfuadidos da mefma efperiencia3
tabem âifeváo.'. Ego vero )>etuUs cauenda* con(ulo3 Nicottta,
conÇúia intemperantia plenafuggerunt. Qu. di. O tp-eund^
meu coníelho hc qtodas fe guardem de tais ve- tom' 2'
lhas: porq íempre os q cilas dáo,faõ encontrados
com a temperança. * Plaut© introduz a hum ho-
mem nobre q fe queixaua muyto de bua deftas,&
depois de lhe chamar diuerfos nomes, t,odos muy
accomodados a feu orneio, &. nofíb intento, re-
mata as queixas com eftas palauras.
Scelejliorem me hâc anu vidi cerlefeto
Vidiffe nuntfua, nimifj, ego hac metuo mald> In Att-
*Ne mim ex iníidijs verba imwudenú dmt, lulfcen[
Ona w occipicio quo^ habet óculos. *'
Qu. di. Náo vi nunca velha rnais ruym queefta, .
& tenho grande medo q me engane fem eu faber
como, com feus embuíles^ filadas: porq també
tem olhos no toutiço. * Ouidio referindo aquella
fabularam íabida de quando Iuno fez queimara
Semeie mãy de Bacho cm vingãça do adultério/
: :
. . -: ~ ' ~' A™
222. Capjnentõ
Mcidm. fluci *upitcr com e^a comettérn: não achou mais
lib.y accomodado artificio pêra fingir 5-Iuno pôs em
7 " eíFeito efta vingança, que cornar .ena a figura de
liúa velha, & irlhe dar a caía taes confelhos, q fo-
ráo a total dcftruição de fua vid*'E |e o trato def-
tas com ferem molheres, he tão ."'judicial, &
arrifeado, que fará o doshomens,em quem o.pe-
ligo cftâ tanto mais perto, quanto vay de fer per-
Stôbl tenfor, a fer rercciroí5 Appertáráo os antigos táto
çteftjh. com efta doutrina, que nem ainda cõ os criados
quaefquer qfoíIem,permittião.praticas demaíia-
das, & fobre efte particular eícreuéráo muytas íea
tenças, & documetos-: & rezão he que ainda hoje
fe não permittão, porem mais por autoridade, <j
por perigo: porque pêra poderem ter algum, hc
Hecef&mo concorrerem duas -circunftancias, que
muyraramentefeacháojuntas,quefaõ muytoa
' 'treuimento nèlles, & muyta dafenuoltura liellas,
■&i nunca, ou poucas vezes acõcecc chegarem am-
ebas eftas coafas a tanto eftremo,q fe poffaó delias
formar receyos, que fejáo certos, né bem funda-
dos: & fealgua vez acòteceííe. faóiíío monftruo-
(idades qne fetiáo reduzem ado.cumetos: "porque
onde ouucr (de q Deos nos guarde.) ta© depraua-
das naturezas, nem pays com filhas, nem irmãos
Com irmãs eftaráo feguros, & nos tratamos do q
íe confirma com a rezão,& não do que a excede
: &def-
ferfeitâ -113
& desbarata. Alg"H* querião também que foflem
perigofaseftas '$p 'iças, por podereos criados fer
medianeyros aè algiía pretençáo de pcíloas de
fora: mas nem ajsi me achamos bõ fundamento:,
porque íoppeff ~ iue os que feruem em caía não
podem deixnPRtallar nua vez por outra coma
íenhora delia para trégocios,& occafíocs q fe offe-
recern, nunca lhe pode faltar tempo.,quando qui-"'
zerem fer traydores, para efíes aluitres, ou embai-
xadas, com mais ou menos breuidade, (egundo a
occaííão em que fe derem: por onde pêra os
criados, &■ criadas não há outro nenhum re-
paro, ícnão fabellos efcolher ( que afsi hé muyto
riecefíario ) de tais cuftumes, & procedimentos^
fefaça dell"es verdadeira confiança conforme ao
parecer & defeurfo humano. O em q fe deuc ter
muyto cuydadojhè em não confentir das poitas a-
den$>ro a conuerfaçao de algús fenhores que com
titulo de parentefeos arro deados, ou de correfp5-r
denciasindifcretasjtomão liberdades que nao fe
lhe deuem-, le que às vezes procedem taes defeon-
certos, q quando fe acode a vfar do remédio, jâ o
dano eíU íenhor da honra-, & a todos fe atalhara -
com facilidade, fe quádo os homês teuerem ami-
zade com eítes ( que pouco mais ou menos logo
faó bem conhecidos) tratarem delia das portas a
fora. De muytos exemplos que neífce pardcular fe
2.14 Cdfamento
nos oíFcreccm, eícolhemos hum que merece fct
muyto notorio3afsi pella nouidade do fuccefío3co
Martin, mo pella authoridade do Efcritor. Em húa cidade
dehius, longe defte Reyno viuia hurcvhomem principal,q
difqni. ^nha a molher fermofa & moça, muyto cõpofta,
U
ll^ & recolhida, hialhe a caía hnm certo amigo,cujo
qax» 2. cftado não declaramos, que era tam deprauado
noscoftumes, quanto exemplar nas apparencias:
fallaua com ella muytas vezes com as liberdades.
que fempre nacemda conuerfaçãocõtinuada:náo
reparaua nellas o marido, poíto que a molher as
eftranhaua rnuyto-.porn a boa reputação coftuma
fermuvconfiada: íokoufé elle tanto em lhe de-
J

clarar léus ruyns intentos^que veyo ella a pedir ao


maridojéj não confentifle em cafa aquelle amigo.
E por então lhe não diííe a caufa por recear muy-
to as dependências. Elle, q era menos coníldera-
- do, lhe não quis nunca vir no que pedia, fem pri-
meyro faber a rezão,que a obrigaua,& como por
derradeiro remédio lhe diíle a verdade, mandou
que felhefingifleafFeiçoadaJ& ofizefTe vir húa
noite a cafa, pêra lhe dar hum exemplar caftigo:
,'efcufoufe ella por muytas vezes, dizendo que não
conuinha que fe publicaflem aquellas matéria^
nem queria que a teueíie por entre tãto em ruym
.:conta aquelle atreuido, & lafciup amante: defejâ-
ua elle tanto de o caftigar como merecia,que fem
-.—;-". - admiteir
perfeitol £y*
ndmittirtam honradas efcufas, ã obrigou logo ao
q lhe mandaua. Chegou a noite determinada, Sc
veyo elle com efpada Sc rodella, cjue erão diuifas
muy differemes das q coftumaua trazer de dia,re-
colhêráofe ambos em hum apofento, junto.do
qual eftaua o marido vigiando com feus criados,
pêra q em íentindo entrar o peruerfo amigo, faif-
íem a. dar fobrelle de fupito: começarão elíes a tar
dar em lhe vir dar o caftigo,& elle a fe apreíTar em
querer dar effeito afeu defatino, affligida ella&
fobreíTaltada, fe queixou em altas vozes contra o
marido, de a meter naquelleappetto, Sc fe deter
tanto em lhe dar o foccorro: tornou agritar q lhe.
acudiííem antes que roubaííe a honeftidade aqlle
traydor, que a tinha nos braços, porem nem elles
vinháo, nem elle afloxaua, Sc a honefta matrona
em affliçao tam apertada, à moeftauacomo pru-
dente, Sc reíiftia como valerofa:hião lhe jà faltan-
do as forças, Sc via o feu fenfual,& oufado inimi-
go com certas efperanças de vitoria, quãdo a cafo
foy dàr.coma mão em hum punhal q elle tinha
na cinta, Sc com mais q varonil atreuimento, pu-
xou por elle, & lhe deu duas punhaladas, cõ que
cahio morto diante della,foyfe logo á cafa de den-
tro a ver o q era feito do marido, Sc dos criados,
achou a todos em hum fono tam profundo, Sc
defeaníado, que os não pode efpertar nunca, cõ
Pu brados*'
*K Cafdmento
> bíados, forças, oê artificiosa & do mcfmo modo
| lhe aconteceo com as mais peflbas de fua caía: tor
noufc enram ao corpo morto, & cila fô o arraftou
pella efcada abayxoJ& foy o por no meyo da rua,
rÒt tornando a fechar as portas todas, fe recolheo
pêra o fcu apofento. E em amanhecédo foy acha-
do, & lcuado o miferauel corpo com moyto cõ-
curfo, & efpanto da gente: na camará em q ellé
dormia, fe achou ardendo hu pedaço de vela que
daua hu lume efcuro, & trifte. E cotejadas as ho-
vi ras & momentos fe vio q no mefmo ponto,cm q
cfta vela foy apagada^acordárao os outros que cf-
tauao dormindo: & por iíío a elie lhe daua pou-
co de cila gritar>q a foccorreííem:porque parece q
era tam douto na feitiçaria, quanto deprauado na
fenfualidade. Ficou ella com tal fucccíTo muy re-
alçada em feu valor, & honcílidade, & o marido
igualmenteefcarmentado em fuás facilidades, &
cofia nças3 pêra não admittirem caía mais amiza-
des fem larga experiência de virtudes. Mas podo
õeftes & outros defaftres, ou manifeftos perigos
delles> refultáo femprc, de terem as molhercs, ef-
pecialmente as que faó cafadas, conuerfaçáo, oa
trato com muyta gente, com tudo não rcftringi-
rtfos tanto efte documento,que lhe ponhamos o-
brigaçáo de profeílarem vida Eremitica no meyo
dos pouos. & cidades: bufquem enibora conuer-
T . iaçoes,
pcrfettd 127
/
fáçoes, & paflaterttpos: façao vh ítas]& romarias,'
teu hão fuás amizades, obrigações, & correfpon-
dencias: porque não ha íey que as defenda, nem
opinião que as contradiga : porem faibão fazer e-:
leição de taes peííòas, que com o exéplo de fuás
vidas lhe efpertem a reformação de feus coílumes,'
& guardarfe com muy aperrada vigilâeia das que
comamifturadefeus vicios lhe poííaõ por tro-
peços na virtude: que muytos annos ha que o bé
auenturado S. Gregório deu aosChriftáos o raef-
mo confelho dizendo. Ouos aâuerfarios in Via dei
patimur aiienâo, <£r fugtendo nefeiamus. Qu. ài. Os ln Stt*',
que nos defuiarem do caminho do Ceo, fujamos **
delles, & não lhe queiramos bera, antes façamos
de conca que os náo conhecemos.
E ainda que a;a outras muytas aduertencias, q
fe poííaõ propor a todas as molheres daquelle eí-
tado pêra poderem alcanfar a verdadeira perfeição
dellc, coni tudo as mais importantes fe podem
facilmente reduzir, a eílas poucas que lhe temos
propofto, ícm fazer particular menfaõ de quada
húa j porq fora iflb não acabar nunca: pois as que
por natureza forem enimigas da honefíidadc>&
recolhiméco,das quaes (como já temos dito)auera
muy poucas ncfte Reynoj logo feráo honeftas &
• recolhidas, tanto que fugiré de eftar ociofas, pois
bernmanifcfto&prouado fica que a oceupação
P 3 das
Iz8 Cafamenio
das teas, lauores,& cofturasfenão compadece cc
a frequência de viftas,'conuerfaçoés,& liuianda-
des: & as que derem defgofto a feus maridos por
não gaftarem com feus aparatos a mayor parte de
íua fazenda,fobre que temos viílo alguas inquie-
tações, & diferenças, tanto que acabarem cõ fua
condição querer andar menos, cuftofas,logo a re-
záo eftámoftrando que viuirão mais. defeanfadas»
Na mefma conformidade as que acertarão de fer
teimofas, & contumazes, q nem com boas obras
fe quietáo, nem cõ boas rezoes fe perfuadem:. ou
ãs.q fazem hõra,& honeítidade de ferem- efquiuas.
a feus maridos, as vezes, em dano da confeiencia
dellas,&delles,nomefmo ponto,que guardarem
as leys do filencio,& fofrimeto, fe acabarão todos
os efteitos de fuás teimas,contumacias,& efquiuã.
gas: & as q andão fazendo qu eixas defneceíTarias,
& feguindo confeihos impertinentes>tudo contra
a quietação de fua vida,& perfeição deíeti eftado^
íe conuerfarem cõ pouca gente, '& eíía qualifica-
da em prudência, & virtude) nem podem teròc-
caíiâo de fe andar queixandb, nem ãrrifearfe: aos:
trabalh:os,& difeorciiasy q cóítumão^caufal:" ruyns.
coofelheiros:pois eftá claro que as. taes peííoas. lhe'
•não, deuem nunca coníentit palauras, fenâo- muy
^(coibidas, &• concertadas,,'riem- menos darlhe
r ;
nenhús.eõfellios' fetàáo muy acertados, & prouéi-
• ■'■ tofosi
. tofos,& o q ellas deuem fcguir,& abraçar cõ todas
fuás forças,he o de que lhe encomedar q tragão se
pre o penfamento na ley de Deos,& a oceupaçáo
em obras de virtudc,entre os limites da vida q pro
feííaõ: poro; como íe gouernàré por efta eftrella,
não pode nunca errar o caminho da conjugal fe-
licidade.
CAPITVLO XXVI.
Os froueitos yuefe tirão da perfeição do Cafitmentà

& Pontadas as aduertencias,quc nos parecé-


míus
J~\ rá° importantes pêra efta perfeição,
de que tratamos,refta q declaremos breue
mente os bens,de que gozáo os perfeitos cafados,
pêra que auendo algús que a não procurem pella
obrigação de fazer o q deué,ao menos a queiráo
procurar pello incerefle dos bens,que recebem, O
primeiro, & principal hehúa efperança bem fun-
dada de ferem todos predeftinados, que he o re-
mate das felicidadesi & como eftc bé fenáo pode
confeguir fenão com foIida,& verdadeira virtude,
& os cafados pêra o ferem perfeitos hê neceííario
q tenhão a rnefma, como atras deixamos proua-j
do, bé fe infere quam particular correfpondencia
tem a faluação das almas com a prefeiçao dos ca-
famentos. Eíeouuerquem argua dizendo, que
bem pode auer algus no mundo, q entre ti fequei-
V $ *"'" ião
£*o Cafdmènfo
ião muyto, & guardem de parte a parte perfeita-
mente as obrigações de feu eftado, cada vez com
tnais vnião, & conformidade: & com tudo pode
ter vícios por outra via,q os facão fer ruyns Chrif-
tãosfem perderem o nome de bõs cafadosjO qual
náo conlifte em. mais que na corrcfpondcncia'
cTentrelles ambos: rcfponderemos q náo he pof-
ííuel, pois como náo hà perfeição de cafamchto
fem grande cabedal de perfeita virtude, & cõ cila
fe náo poíía compadecer rafto algum, nem fom-
bra de vicio, claro parece que os perfeitos cafados
não poderão nunca fer viciofos:poréjninguedeue
negar q todo o peccado hc corrompedor de boas
téçoés,& oscafados,por muyto quefc ame, 6efc
conforme, fe por outra parte faõpeccadores, não
podem ter a fuatençáo regulada pellas leys diui*
nas: porq fe a teucráo, náo no foráo,- tendoa afsi
corruta, & deprauada, logo fícáo muyto arrifea-
dos, ou.aperder o amor que fetem, em todas as
cecafioes que íè oferecerem, ou a fe amar com
tanta defordem-j que não reparem em offender ao
snefmofenhor, por fe fazerem bú ao outro quaef-
quervontadesdefòrdenadas,& ambasefíascoufas
/ direitamente faõ encontradas eonva-perfciçáo dos
cafametos, como tudo em feus lugares deixamos
vifto,,& declarado. Epofto que também ifto co-
ntenda aos. demais eíhdos, pois fera virtude ne-
nbum
perfeito. *■$*,
"nhúm fe pode guardar direitamente: & com ella
todos podem ter iguaes efperáças da gloria eterna,
com tudo pêra o dos caiados fica efte bem ( fe o
podemosafsi dizer)demayor eftima,peitasmuy-
tas occaíroés, que concorrem nelle de fe encarre-
gar a confcicncia: & a virtude q fe conferua onde
eftes perigos íaõ mayorcs, eíía he a mais merece-
dora de honra, louuor, & agradecimento. O ou-
trobem que fe fegue a efte he a perfeita alegriaco
que fempre viuem, cô aqual não tem compara-
ção nenhía outra felicidade. Bem fauorece hum
Grego antigo efte noÉTo encarecimento quando
diz có outro femelhante, OyUW^owJT^íMv Entifti
, , ~ •v ■' „ ^r ap* vou

^?,.como fe diiTera. Ne riquezas.né outra ncnhíia Mo^


felicidade dá tão perfeito contentamento , como fol.f^
çozão entre íi os bós cafados, *&í a^rneíma rezão
&. difeurfo moílráo os effeitos defta verdadecom
ferdemaíiadamente encarecida, porque a todos
confta manifeftame.ntc cj hum dos grades goftos,
ou por ventura o mayor, que té qualquer amante
verdadeyro, he ver q lhe paga com outro igual a
peíloa amada, & como o mais arreigado funda-
' mento da conjugal perfeição & felicidade he o a-
maréfe os cafados có todas as forças do feu cora-.
cão,, bem manifefto, & prouado:fica, q quando a
quada hum confta claramente quam bem fe lhe *
. ~ " P 4 Pag^
( Í3'ã Cdfttmeniõ
| pagão os exceííos d'AmorJ deuem gozar ambos
I intenfamente de hu cxcefsiuo contentamento: 8c
[ efte não há moleftia, q o desfaça, né inquietação,
[ que o perturbe: donde veyo a dizer entre outros
• ., muytos Aulo Gellio,allegando a opinião de Me-
tâp.â, tc^° Numidio. Sed contra illuâ potius orAtionem
debuiffejumiduebat^t & nuílasplerumí effe in m(t
trimonio moléstias affeueraffet3 & f qua ume acci-
acre non nunjuam yiderentur^ paruasi cr Ienesyfacu
lcf% effe toleratu diceret, maioribufj eas emolumcntu
cbliterari. Quer ifto dizer, q dizia aquelíe efcntor
tantos, & tam grandes bésdo ca fa mento ( enre-
demos o q he perfeito ) q affirmaua não fe com-
padecer cõelles molcília algúa, & q quando por
impofsiuel as ouueíle, nunca podião fer tamanhas
q fem côparação náofoííem mayoies os prouei-
tos, defeanfos , & alegrias q coílumáo lograr os
bem cafados. Não he béde menos valia o aliuio,
& confolaçácque nunca pôde faltar entrrelles em
quaefquer defgraças, ou infortúnios : fem fer ne-
ceflario pedir íbecorro ao entendiméto, q algúas
vezes monta pouco, quãdo os trabalhos apertão
rnuyto. Efte lhe comunica em abúdancia o amor
verdadeiro: & por iíío diziaõ os antigos do cafa-
Stob, êe tncnto Dem ordenado. ^Ammi triBuia obltmonem
Uud. iwucit. Que traz>coníígo efquecimento das trifte-
nu?, zas & moleftias do coração. * E Mufonio diz dos
caiados,,'
perfeita Z33 ]
caiados que viuem cora a conformidade de que
traçamos, Cu)us prefentU wagis idónea ad leuanda /^, j^,
triflitiam, )>el mgendum gaujium, \>el cdamitatem
mitigandam? Qu. di. Que vifta há mais accomo-
dada pêra mitigar rrjalenconias,acrecentar conté-
tametiros, &aliuiar adueríidades? * Confirma a
mefma opinião o douro Heroclio dizendo com
mais efficacia^cV mayor clareza. 'Nibiltam- onero- jniMdi
fumett, <fuodvir,& vxor nonfaciliméfer-ant concor- nttpi.
des.Qp. di.Nenhum mal pode auer no mundo
tam pefado, & trabalhofo q o não fofrão muy fa-
cilmeteo marido & molher, viuédo cõ amorofa
conformidade. * Efcreuem os autores de Crates Mafonu
Pbiloíopho,q chegou a tam extrema necefsidadc, *p Stob.
que não tinha húa caía em q fe recolhcfle, né húa *°m- *•
cama,em q dormifle, nem húa cadeira em quefe-''^'^*.
aderna (Tc, & que veyo a morar cõ fua molher em
hús alpendres públicos d'Athcnas: &• como eráo S4fíjgu
perfeitos cafados, ncfteabiímode males, & mife- tom. 2.*
rias viuiáo ambos com tanto foííego, & conten-
tamento como feefteueflem fauorecidos de muy
abundantes felicidadcs.O mefmofe cota de Ade-
' laíia molher de Aleramo, ella filha do Emperador
de Alemanha, &elis do Duque de "Saxonia, os '
quaes por vários contraíres da Fortuna chegarão a
vida tam miferauel 3 q pêra fuítcntaçáo, & reme- v
idio della,tomárão oíHcio de caruoeyros,& como
"" V " fe amauáo
j.j4 Cafamento
fcamauão perfeitamente, viuerao ftuiytos annos
naquelle aperto tam defeanfados > & contentes,
como nas riquezas, &; delicieis,em que primeyro
foráo criados. He cambem interefle de muyta
importada a geração dos filhos caís i o diííe o pró-
prio auror.que agora allegamosTT^//^ ejje nuptias
ÍJerocli. affero^uÍA' âiuiwm re vera fru&um producunt9
vbi.fap.Jiierorumgeneratio&em.Qu^di. Affirmo que hc
coufa muy proueitofa ocaiamento, peilo diuino
fruto, q.produz qual Ké o dos filhos, * Não tece
luno premio de rnayor valia, que oflferecer a Eolo
Rey dos ventos quando lhe foy rogar que os foi-
YttviL ta^e contra Eneas, que caíallp com Deiopeia3pe-
JEndui li queteueífe filhos, cõ o goílo dos quaes ficaua
ellemilhor pago que com quaefquer outros pré-
mios, ou imereíles. Também na outra fabula tam
recontada de quando Plutão Rey do Inferno fur-
tou Profer pina filha de Ceres com tantas anilai
cftrondos, & terremotos, não lhe dao outra ne-
Claadia- nfofta caufa/enáo o defejo de ter filhos.Delles pro
de rt.pt. cccjcro ^ous kcns mUy neceflatios 4 & defejados,
lib x qua^s 'aG grande goltOj <k grande proueito ( en-
tendemos ifto dos legítimos, q os baífordos pclla
inayor parte faõ imperfeições da Chriftaiadade,
como os aleijados da natureza ) que o goftofeja
muy excísiuOj de todas as pefíbas hé labido^ & de
todos os pays experimentado, & prouaíe com os
""•-■"■ difeuc-
perfeito. 23/
difcurfos da rezáo, & com os cffeitos da mefma
natureza: donde veyo chamarem os antigos a. j
todos os filhos. Thiltmm humana menus, que Stob.vbi
queria dizer,feitiços que bebe o coração humano, fifc
• "*£, ainda que não ouuera mais rezão, nem ex- .
periencia, que o muyto , que naturalmente Teus
pays lhe querem , iflo baftaua por larga proua,
& fufíiciente encareciméto, porq o gofto fcmpre
fe mede pélto amor, como dcpendécia fua "muyto
vniforme, & infeparauel, com a qual he regra in-
falliuel que tanto goftamos da coufa amada,quan
to hé o amor, q lhe temos: & como o amor dos
pays pêra os filhos não tem copnraçáo cõ nenhu
outro, muy claraméte fe fica infirindo q também
o gofto que fe tem delles hà de exceder a todos e* ■
outros., Que o proueito feja muy grande, não ha
autor q o não apregoc,nem juizo q o nãoalcanfe,
nem geração q o não exprimente. Hús lhe cha-
mão arrimo da velhice, outros colunas das fami-
lias, outros alegria, & defeanfo da vida, outros có
folação,ou remédio da morte. Que fora de Creílo farofa.
Rey de Lydia já com o peito nas efpadas de feus in cito.
inimigas, fenáo teuera hú filho tão proueitofo,q citi.li.il
fendo mudo,fallou de repente pêra ohurar de tam
' certo perigo. Ecomocfcapárao velho Anchifes ytr^i
■ da atreiçoada,& deshumana fúria da gente deGre- /En.it.%
' cia, íe feu filho Encas o não leuara fobre feus hõ-
.__,_. _ ^
t

2.5.Ó Cafamento
. bros por entre os incédios, Sc crueldades em õ os
de mais Troyanos perderão ss vidas. Era rifcoeí-
taua de ficar vécido3 abatido, & prefo na batalha
ehrem- do Touro o noílo Rcy D. Afonfo o V- Te o Prin-
Lfífittc. cjpe D.Ioáo lhe não acudira aflegurádolhe a vito-
ria,repuraçáo, & liberdade. Vejáoíe os autores an-
tap* 4*
ti^os& modernos,efpecialméte Valério Máximo,
lib. S. Baptifta Fulgofo, Baprifta Eguacio , André Ebo~
cap, 4* renfe, & nelles fe acharão exéplos raros,& admi-
lib. 5. ' raueis de cjuão proueitoíos faõ os filhos pêra feus
cap* 4* pays,hús dando por elles* prodigamente vidas,fa-
tom. 2.
Valer. zendas, & HberdadeSjOutros fazêdo tão eftranhos
Max. v- exceflbs,ój tem o mundo muy eftrcita capacidade
bifup. pêra olimite de (eus louuores. E não íómente dos
filhos machos refultão aos pays eftes intereííes, fe
não tambê de muytas fêmeas: pergútemos ifto a
Cimon Romano, cj eftãdo em hú eftreito cárcere
defemparado miferauelméte de todo o foccorro,
Y mantimeco: o fuílentou -muyto tépo húa filha
ua co e te
i^/tnâr. ^ ' fó ° l i de feus peitos. Perguntemolo ao
Ebor. pay dacjlla antiga Claudia virgé de Vefta, q indo
vbifup. rriunfando pellas ruas de Roma, & querendo cõ
grande violência eftrouarlhe o trionfo hú tribuno
do pouo feu enimigo,acudio ella cò outra mayor,
& o laçou logo do carro abayxo,èc leuou feu pay
ao Capitólio fem contradição, nem impediméto.
Tàrabcm feria boa teítemunha o affligido, &
pobre
A —.
ferfeltól 2.37
pobre Édipo Reyde Thebas, a quem fomente íua Sut^
filha Antigone deu confolação nas afflições,& rhcb&i
fuftentação nas necefsidades- Em fim hecam no- lib. 12.
Se
taucl o intereíle que reíulta de nacerem filhos,que ^-«
eA
diz S. Paulo, que fe haõ de faíuar as molheres ca- '
fadas. ¥erfiliorum genWdúonem. Que quer dizer, ^^j-17?
pella geração delles. * Entendefe ifto quando por epji, 2
vícios, ou defnarios não perderem ellas o mereci- cap. 2.
mento. E quinto Mecello, &: depois delle Iulio,& Alsx.t
ex
Augufto fezeráo húa ley, na qual mandauáo dar ;
grandes prémios, & priuuegios a todos os nomes
q ciueíTem filhos: & entre os Lacedemonios auia i£, iyu
também outra rnuy exprefla, & pracicada,que to- &Uih*
do o homem que teuefie até três filhos,o não pu- ,.%ar;
deffem obrigar a ir aos rebates nem vigias :'& ten- J .
do mais, nao pagafle ninhum tributo^uem le en- " "
tendefíe nelle encargo algum dos moradores da
quella Republica. Porem eítes goftos3& intereífes
nao lao muyto pertos em todos' os; pays: porque
faem algús filhos tam áueíTos,&r mal concertados
auelhe conuertem eítas deícanfos & alegrias, em
inquietações, fufpirôs>& lagrimas, &. os bens de
queeoítumaprocedcrtanco:proueito, em males,
&c dèígraças irreparaucis, fó pêra os perfeitos cafa-
dos fe pode todos cftes bens chamar excefsiuos,&
verdadeiros: porq o gofto de tere filhos.hé nelles
:
muytó rhayor que cm quáefqtier outros daquellc
cílado:
2j 8 Ccifamenii
citado, & os quê delles nacercm nunca põdeni
degenerar da virtude,& nobreza de feus pays,auòs,
j & antepaííados, nem deixar de lhe caufar muytos
' proueitos & alegrias:& húa & outra coufa fe mof-
' tra claramente com regras de bem fundada Phy-
lofophia. Bem fe fabe cjue os filhos faõ penhores
d'Amor, & por iíTo na fraíl Latina, efpccialmen-
ce da Poeíía, o mefmo hé dizer penhores, que di-
zer filhos: também não auerá quem ponha duui-
da q lhe foy pofto efíe nome, por náo auer coufa
de mayorgcíloperaoscafados: logo parece que
bem fe infere que tanto feráo efles penhores mais
agradaueis, & deleitofos, quanto for mais intenfo,
$C aferuorado o Amor que fe tem os que os gera-
rão^ como o Amor dos perfeitos cafadospor
tantas rezões,& fundamentos hé fempre auentaja-
do ao de todos os outros; por igual confequencia
fe fícamoftrando que ferà nelles mayor com grã-^
des ventagensa confolação, & gofto dos filhos:
Ôc que todos os q nacerem delles hajáo de fair vir-
tuoíbs, & obediétes, a mefma Pbylofophia o eftá
declarando.Sabida coufa he entre os Phylofophos,
& bem ventilada entre os curiofos,que coftumáo
os filhos a tomar femelança daqucllas coufas, em
ã feus pays,ou mãys põem eííicaz imaginação. As
rezões>& declarações defta Phylofophia q em La*
tim faõ muyto ejegantes,& Pbyloíbphicas,& em
Português
ferfekc. 2.39 \
Português terão algúa coufa de indecentes: fe po-
dem ir bufcar em Martinho dei Rio,S. Iíidoro, Lib.t.
Plinio, &outros;& particularmente em hum tra- ™p 3>
tado, que compôs oveneraucl MartyrThomas ***/•.■£
â
Moro. E nellas íe achará que em refpeito da natu- ? ,* *
rai Phylofopbia,fe pode duuidar pouco defta ver- eandem
dade : aqual também fe confirma com exemplos, ap. eun •
em
Conta Torquemada de húa molher cafada do feu ^ -
A !ld
tempo, cujo marido veyo de certa feíbcom húa ? : .
mafeara de diabo poda no rofto : de q cila teue u}°?
grade medo, & elle rez graça de a nao querer tirar
ate o outro dia: & da hi a noue mefes íhe naceo
hum filho com o rofto fem tirar nem por feme-
lhante ao da própria mafeara, & logo cm nacen-
do começou a correr,& faltar, & afazer outras o-
bras, & marauilhas, como fe reuera o diabo no
corpo. Celio Rhodogino efereue doutra, que em
L 2
tempo de Hipócrates foyaccuíada barbaramente ^- \
por adulterio,por lhe nacer hum filho muyto fer- "?'IJ*
mofo, tendo hum marido maytofeoj como ella
também o era, & toda a mais gente daquella caí-
ta, & por eftar na cafa,em que elles dormião hua j
imagem pintada muyto perfeita,com quem fe o
minino parecia, a liurou Hipócrates do caftigo,
raoftrando as rezões daqaelle fegredo.No Textro
íagrado temos milhor calificadosos efTcicos defta clp là
l %
PP^fo & Pty °f°phia,c|uando conta que o Pa- ~
triarcha
z'fO Cafdmento
m

triarcha Iacob pcra lhe nacer gado de cores diuer-


fas, pos ramos floridos diante dos olhos das fuás
ouelhas. Efta própria femelhãça affirma,& proua
Martinho dei Riofer muyto mais certa,& experi-
mentada, quando as mays no difeurfo dos noue
meies tomáo vehemente imaginação cm algúa
couía: & logo conta de húa molhec Romana, q
em tempo do Papa Niculao terceyro, continuan-
do em hum apoícnto que tinha hús vrfos pinta-
dos pellas paredes,pos com tanta frequência o te-
to nelles, que no cabo dos noue meies veyo com
hum filho com rofto de vrfo. Edoutra morado-
ra em Antuérpia que por andar em todos eiles cõ
hum bugio fempre no collojoccu pádofe toda err*
goftar de fuás graças, Sc trauefluras, naceo de s.
húa filha com tanta femelhança de bugio,que no
parecer, nos meneos, nos efgares tinha pouca dif-r
íirença dos verdadeiros '.& também conta doutra,
que andando jà nos dcrradeyros dias, acertou a
cafo de ver ir hum homem a enterrar, queleuaua
o rofto defeuberto, de que ficou efpantada, Sc
inedrofa,& com a imaginação muy pronta nelle,
8c pouco depois lhe naceo hum filho que tinha
o rofto de corpo morto, com o qual ficou toda
fua vida. E o mefmo Martinho dei Rio affirma q
. bautizou em Fíandes hum minino filho de húa
Ibidem, moiher nobre, a qual em todo o difcmfo daqlles
metes
— #» • - r—~^
ferfettê M*
ínèfes andou muyto medrofa & fobrefialtada por
refpeito de hus inimigos que queriáo matar a fea
marido: & o minino reprefeutaua no gefto & o-
lhos os mefmos temores,& íobreflaIcos:& depois
de crecido lhe ficou de maneira efte próprio gdto
que moftraua andar aueado medo de tudo qua«-
!to fc lhe ofFerecia. Em Alemanha oauc outra D^ R.,
molher muito grande herege^que era inimiga ca- vfofap%
pitai dos facerdotes da Igreja Romana>& nuca os
largaua do penfamento, pellos muitos defejos que
fempre tinha de os ver mortos, &deftruidos: S>C
defta veyo a nacer hu filho com húa coroa aberta
muito bem feita, comofe teuera ordens de Mifia:
& ainda que ifto podia fer juizo diuino pera con*
fufaõdeíua herefia, também fe pode atribuir a
cffeito natural pera cófirmaçáo defta doutrina* em
que vemos fundamentos táo efficazcs>& experic-
cias tão verdadeiras^ que bem fe pode julgar por
cerra fem prefunçao, nem temeridade. E vifto co-
mo a efíicaz imaginação faznaquellas occafioés
táo admiraueis & certos effeitos defta íemelhança
de que tratamos: parece geralmente faltando, que
não deuem fair inquietos nem viciofos os filhos
que nacerem dos perfeitos cafados: porque como
pcraelles guardarem inteiramente a perfeição do
conjugal eirado que profcflaó,fc dcuem amar
com o fentido pofto em Deos, & na rezáo( q afsi
Q " odcixât
JAí Cdfkmento
o deixamos atras moftrado bem manifeíta, &
clirTuíamente ) & iftc com tanta continuação ÔC
vehemencia, que nunca fe apartem da vontade
diuina por nenhua occaíiáo, né penfamentomem
percáo a imaginação de fuás virtudes em nenhum
lugar, nem exercício: de crer he que eftes taes fi-
lhos deuem tomar naturalmente a íemelhança
daquellas coufas em que feus pays & mãys ima-
ginão, que he a virtude,& feruiço de Deos-,& fen-
do virtuofos por natureza, & juntaméte por cria-
ção: porque fempre os pays a dão aos filhos con-
forme a fuás vidas,& cuftumes: não podem dei-
tar de lhe caufar muito grande gofto quando na-
cem; & muyto mayor depois que crecem>& def-
çanfallos na velhiee cõ tão proueitofa mocidade.

LAVS DEO

»*
PEDE O AVTOR MVYTO A QVEM
ler efte Liuro^que primeyro que o lea queira
áduirtir nos erros da impreffaó, que aqui
váo apontados, & emmendallos
na forma feguinte,
P^ K^igtna. ii. regra. /?. Mum, leafeillatn, pagwa.tf*
' reg. xi. GaudL, le. Gwdia\pag. S*- reg. *j; refe-
luçaoje.refolução: pag- s$. reg 24. dtfcrito, lea.
difereto pag. só. re* $. repredededojea. repre?tdendo*pag.
64*teg 4> muliere:le.multcri:namffmapêg. cr reg.re-
mitteriyle.remiticre:pag.7i' reg.<>. deliberao, le. deli-
berado: pag* SS. reg* 1. pofio nao> le. poftoquenaoipa-x \o.
reg. 21. molhes, le molhtres:pag 119. reg. 26. dcgoHos,
le defgoftos:pago226.reg. 2z. quehâje. qtsehe.pag.13t
reg 1 6. C*ya, le Cayo, & acreeentefe, ft rey eu Cay£:pag.
144. reg. t.MaunoJe. Manno\pa 150 naallegaçaopoíiá
na margem, onde diz, li. vitimo le- ky vitima, na me(ma
állegaçâo ondediz> Auw, le. ^jítiro:pag. >j3*reg» f).ana-
ritta, le. ãua7Ísia:pag.i76. regai & ficarem, k* emfica-
rem: pag. %77.Y2g. 9 enÇwbfíomle. enfinâfft?»: pag* itz,
reg- i a. WQ mefmo exercido le>no mejrxoje exercitou.pag.
l%4.re. 14 exeteitij, le. exercittjr.pa. 192*?? j, Htif-
confnltoSy le** Legijladwes:pag. 1 fò- reg- \ 2 Jufiencialje^
JuftMcial: pag 20t. reg. 7 deHe} le. delles. pag 206* reg,
20 toc&uao le tomauÃo:pâg. 2 \ o. reg. jó.foyojefojaoi
pÃg. 2 tio reg. 7. de^ojíos} le- defgofto*: pag zij.teg- rj0
cuw, le-eum:pag- 2t9 reg- 2/. que efiendia k. q o offen-
dia: pag. 222. reg. vitima, confirma, le. conforma: pa.i2<$*
reg. 74. c)%e rovbafíe, Uo qt*elheroubafe. pa z}* reg %f0
I iriftitia, fa trifistiâ: pag %$t. ttft. 2,4-fewekfi(êà le. fe<-
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