Revista Al-Madan Online N.º 17 Tomo 1
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(1982-1986) como colaborar
...
IIª Série
(1992-...)
uma edição
EDITORIAL
3
ÍNDICE
A Componente de
Desenho de Estruturas
Cultos Mistéricos e Cristianismo
na Intervenção Arqueológica
em Tróia: uma perspectica
no Mosteiro de S. João
escatológica dos enterramentos
de Tarouca |
tardios da Necrópole da Caldeira |
Luís Sebastian ...119
João Pedro Almeida ...39
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
O Reaproveitamento de Materiais de Intervenção Arqueológica no Morro
Construção: o caso da capela de São Pedro do Castelo de Ourém: estudo preliminar
da Capinha | Constança Guimarães dos do espólio | Armandina Silva e Jaqueline
Santos e Elisa Albuquerque ...155 Pereira ...184
A Arte Rupestre do Alqueva (Revisitada):
projecto de estudo do estado de conservação |
Alexandra Figueiredo e Cláudio Sondagens Arqueológicas
no Sítio da Olaria Romana
Monteiro ...159
do Morraçal da Ajuda (Peniche) |
Guilherme Cardoso, Severino
Estelas Discoidais Encontradas em Rodrigues, Eurico Sepúlveda
S. Pedro da Cadeira e no Maxial e Inês Alves Ribeiro ...189
(Torres Vedras) | Guilherme Cardoso
e Isabel Luna ...162
Restauro de
De Volta à “Cava de Viriato” (Viseu) | Pano de Muralha
Rodrigo Banha da Silva ...163 do Castelo de Torres Vedras |
Guilherme Cardoso e
Castro de Baltar (Paredes): notícia preliminar |
Isabel Luna ...190
Rui Pinheiro ...165
5
OPINIÃO
RESUMO
ABSTRACT
RÉSUMÉ
INTRODUÇÃO
Présentation d’une vision intégratrice du Patrimoine culturel,
prêtant en particulier attention aux expériences de nouveaux
retende-se apresentar uma visão integradora do Património cultural, que pode ser
usages sociaux du Patrimoine archéologique.
L’auteur propose une Archéologie appliquée à la gestion
intégrée du Patrimoine archéologique, dans le cadre de
politiques culturelles intégratrices du Passé et prenant en
exemple le territoire du Parc Archéologique de la Vallée du
Côa (qui intègre l’art rupestre classé au Patrimoine de
P utilizada para experimentar novas referências de uso social do Património arqueo-
lógico. Partindo do pressuposto de que existe uma realidade “subjectiva”, em que
a paisagem não existe se não através do observador, e que é a cultura, no entanto, que
l’Humanité).
gera e ao mesmo tempo é gerada pela organização social, a responsável pela forma e sen-
tido da paisagem, utilizamo-la como um instrumento, um modelo para analisar, actuar
MOTS CLÉS: Vallée du Côa; Art rupestre;
Archéologie du paysage; Gestion du patrimoine.
ou justificar uma acção e, desta forma, entendemos a paisagem como território percebi-
do na sua configuração formal, como traço da sociedade sobre a natureza e as paisagens
anteriores. Daqui parte, justamente, o entendimento da paisagem como Património, fac-
to que tanto aproxima as políticas paisagísticas e do Património cultural.
Na actualidade, os processos de valorização do Património arqueológico são constituídos
por políticas multifacetadas, que integram disciplinas como a Economia, a Arqueologia,
a Geografia, entre outras, e que consideram que o Património tem uma ordem social de
primeira dimensão.
Falamos de sistemas culturais territoriais, em que a protecção e conservação fazem parte
de um complexa relação, materializada através da elaboração de instrumentos metodoló-
gicos para a valorização do Património arqueológico na planificação do desenvolvimento
local sustentável.
A gestão integrada proposta, parte do princípio que a utilização social do espaço implica
uma acção paisagística e, assim, reivindicamos a integração da paisagem nas políticas ter-
ritoriais de gestão patrimonial, bem como a consolidação de um conceito integrador, tal
I
Arqueólogo ([email protected]). como propõe a Convenção Europeia da Paisagem (Florença, 2000).
[texto entregue para publicação em Dezembro de 2009,
Propomos assim uma Arqueologia patrimonial, que converta a Arqueologia numa ciên-
com revisão pontual em Março de 2012] cia aplicada para a gestão integral do Património arqueológico, e apresentamos a possibi-
7
OPINIÃO
Esta proposta coloca-nos, perante várias questões: formação da realidade presente, através da plena inserção nas políti-
– Como gerir esse Património, com que recursos, que critérios utili- cas de gestão do meio ambiente, ordenamento do território e desen-
zar para conservar este sítio arqueológico em detrimento de outros? volvimento local.
– Como se concilia esta ampliação do conceito de Património ar- A paisagem como valor natural e cultural, resultado da interacção dos
queológico com a contenção do gasto público, com o “emagrecimen- seres humanos com o meio que os rodeia (físico, biótico), é um siste-
to” do Estado? ma de influência mútua, pelo que a Arqueologia da Paisagem intro-
– De que modo pode a iniciativa privada cobrir este espaço? duz um conceito de paisagem como figura histórica, arqueológica e
Neste contexto, não parece haver outro caminho se não insistir na de gestão, passando a paisagem, através do seu valor histórico-arqueo-
“revalorização do património cultural”, ou seja, na sua valorização lógico, a ser tratada como um documento histórico. Os vestígios das
através de uma estratégia orientada no sentido da reconversão das actividades passadas sedimentam-se na paisagem, sendo, por isso,
entidades patrimoniais em recursos culturais, bens públicos para acti- fonte de informação arqueológica, enquadrando-se nas políticas de
vidades sociais, de ócio, turismo, desenvolvimento comunitário e em- gestão territorial, patrimonial e cultural, pelo que consideramos de
presarial. grande interesse a interligação operacional da Convenção Europeia de
O conceito de Património arqueológico, entendido enquanto acervo Protecção do Património Arqueológico Revista (La Valetta, 1992),
de bens susceptíveis de serem estudados com metodologia arqueoló- com a Convenção Europeia da Paisagem (Florença, 2000).
gica, oferece, do ponto de vista metodológico e pragmático, possibi- Conscientes de que a paisagem representa uma componente funda-
lidades para os arqueólogos e para a reconfiguração da Arqueologia mental do Património cultural e para a consolidação da identidade,
como actividade liberal e profissional, bem como para a pacificação reconhecendo que as evoluções das técnicas do ordenamento do ter-
de alguma crispação existente dentro da disciplina e entre os seus di- ritório e urbanismo permitem minimizar os impactes negativos da
versos agentes, que permita ensaiar uma gestão arqueológica do Pa- transformação das paisagens, e desejando responder à vontade das po-
trimónio cultural. pulações de usufruírem da preservação da sua memória, implicando a
Assim, entendemos a “arqueologia como tecnologia de gestão integral sua protecção e a gestão de direitos e responsabilidades para cada
do património cultural”, e a sua aplicação no âmbito do planeamen- cidadão, reivindicamos o entendimento da paisagem como Patrimó-
to do território como um “saber-fazer” para tratar das necessidades nio, facto que tanto aproxima as políticas paisagísticas com as do Pa-
actuais e sociais do Património, nomeadamente o seu inventário, es- trimónio cultural.
tudo e valorização, para além da investigação básica, como conheci- Esta linha de acção – Arqueologia da Paisagem orientada para o estu-
mento aplicado para desenhar um modelo de gestão do mesmo, ou do da paisagem, concebida como objectivação sobre o meio de práti-
seja, como um “saber-poder” para satisfazer as necessidades sociais do cas sociais de carácter material e imaginário, e Arqueologia aplicada
direito ao Património. como prática social para a produção e socialização do Património ar-
queológico (CRIADO BOADO 2005) –, leva-nos a trabalhar em torno
dos conceitos definidos na Convenção Quadro do Conselho da Eu-
PLANIFICAÇÃO INTEGRADA DO ropa, sobre o valor do Património cultural para o desenvolvimento da
PATRIMÓNIO ARQUEOLÓGICO NO TERRITÓRIO : sociedade (Faro, 2005), tais como:
O CASO DO VALE DO CÔA – A necessidade de colocar a pessoa e os valores humanos no centro
de um conceito alargado de Património cultural;
No entanto, precisamos de referências pragmáticas, pelo que apresen- – O direito ao Património cultural é inerente ao direito de participar
tamos o exemplo do Parque Arqueológico do Vale do Côa na plani- na vida cultural;
ficação integrada do Património arqueológico no território, através de – A sua utilização sustentável tem por fim o desenvolvimento e a qua-
uma prática arqueológica enquanto conhecimento que identifica pro- lidade de vida, incluindo aqui todos os aspectos referentes ao meio
blemas, realiza o seu diagnóstico e oferece respostas. Investigação prá- ambiente resultantes da interacção entre as pessoas e os lugares atra-
tica e orientação aplicada marcam o seu quadro de referência e o espa- vés do tempo, para chegar ao conceito de “comunidade patrimonial”,
ço concebido como território leva a que, mais do que uma investiga- composta por pessoas que valorizam determinados aspectos do Pa-
ção cronológica, a sua actividade procure uma compreensão espacial, trimónio cultural, que desejam, através da iniciativa pública, conser-
formal e diacrónica do registo arqueológico. var e transmitir às gerações futuras.
Pretendemos desta forma desenvolver um programa sistemático e E esta é, sem dúvida, uma responsabilidade da prática arqueológica
integral de investigação, baseado na Arqueologia da Paisagem e orien- em contexto de Arqueologia pública: incentivar as pessoas a partici-
tado para a gestão do Património cultural através da Arqueologia, pa- par no processo de inventário, estudo, interpretação, conservação e
ra que esta possa ter um papel nas dinâmicas de construção e trans- apresentação ao público do Património cultural.
9
OPINIÃO
Na realidade, o seu estudo permite entender melhor o passado e per- Partindo do exame da paisagem, a nossa pretensão é integrar os sítios
mitirá construir melhor o presente. As paisagens arqueológicas for- arqueológicos no seu contexto e estabelecer a relação que têm com o
mam parte fundamental do nosso Património cultural, como realida- meio, pelo que temos a necessidade de interligação com várias disci-
de com um valor estético e documento histórico. plinas.
O desenvolvimento da Arqueologia da Paisagem está ligado às novas
exigências sociais da planificação do espaço. É precisamente essa pro-
GESTÃO PATRIMONIAL DAS PAISAGENS jecção social que nos permite passar da investigação à gestão patri-
monial das paisagens, através desta visão histórica da paisagem, a par-
No ano de 1995, o Conselho da Europa definia a paisagem como “uma tir da qual esta se pode converter num recurso económico, baseado
manifestação formal das múltiplas relações que existem entre uma pessoa no turismo interpretativo.
e uma sociedade como um espaço topograficamente definido durante um
período de tempo determinado”. Ou seja, a configuração actual da pai-
sagem é o resultado da acção, ao longo do tempo, de factores naturais O PAPEL DO PARQUE ARQUEOLÓGICO
e humanos, recomendando a conservação dos lugares culturais. NO PLANEAMENTO E GESTÃO DO TERRITÓRIO
No ano de 2000, a European Landscape Convention reconheceu a pai-
sagem europeia como uma realidade que se deve proteger e, neste âm- O Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC), foi criado enquanto
bito, de acordo com as propostas da Europae Archeologiae Consilium, serviço do ex-Instituto Português de Arqueologia I.P., através do
deve ser, por um lado, impulsionado um reconhecimento legal do Decreto-Lei n.º 117/1997, de 14 de Maio, que aprova a orgânica des-
carácter arqueológico da paisagem, e, por outro, levadas a cabo em te instituto público e define como objectivos fundamentais do PAVC
todos os países europeus políticas direccionadas para o estudo, a pro- a gestão, a protecção, a musealização e a organização para visita públi-
tecção, e a divulgação do conhecimento das paisagens arqueológicas, ca dos monumentos incluídos na zona especial de protecção do Vale
produzidos pela Arqueologia da Paisagem. do Côa. Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 131/2002, de 11 de Maio,
Neste mesmo sentido, em 2005, a Generalitat de Catalunya, aprovou que estabelece a forma de criação e gestão de Parques Arqueológicos,
a Lei de Protecção, Gestão e Ordenamento da Paisagem, que afirma vem dizer, na alínea 1) do Art.º 6.º, que os parques arqueológicos dis-
que as paisagens são o resultado de uma longa acção humana, e con- põem obrigatoriamente de um plano especial de ordenamento do ter-
clui valorizando a paisagem como Património cultural e histórico. ritório, que adiante se designa por plano de ordenamento de parque
De acordo com esta legislação, as paisagens têm de ser geridas através arqueológico.
de catálogos de paisagem, elaborados a partir de um estudo da se- A alínea 3) do mesmo artigo vem definir o regime aplicável – “À ela-
quência evolutiva da paisagem, devendo identificar as primeiras pai- boração, aprovação e execução dos planos de ordenamento de parque
sagens culturais, assim como as formas e estruturas de paisagens ar- arqueológico aplica-se o regime relativo aos planos especiais de ordena-
queológicas que se conservaram até aos nossos dias. mento de território previsto no Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Se-
A paisagem arqueológica, como realidade fundamental do nosso tembro, com o conteúdo material e documentais definidos nos artigos
Património, da qual se deve ter um conhecimento através da investi- seguintes” –, sendo que a alínea 6), define parque arqueológico – “En-
gação dentro desta perspectiva integral, necessita de um marco jurí- tende-se por parque arqueológico qualquer monumento, sítio ou conjun-
dico que permita a sua conservação, assim como de centros de inves- to de sítios arqueológicos de interesse nacional, integrados num território
tigação que possibilitem a implementação no nosso País desta linha envolvente marcado de forma significativa pela intervenção humana pas-
de investigação, tendo como objectivo a transferência e transmissão sada, território este que integra e dá significado ao monumento, sítio ou
de conhecimentos, com vista a uma gestão adequada das paisagens conjunto de sítios cujo ordenamento e gestão devem ser determinados pela
culturais, e a concretização de um trabalho de consciencialização so- necessidade de garantir, a preservação dos elementos arqueológicos exis-
cial que dê conta da importância que tem, como Património, a pai- tentes” –, enquanto a alínea 7) nos dá a definição de território envol-
sagem arqueológica que todos os dias destruímos. vente – “o contexto natural ou artificial que influencia estática ou dina-
A Arqueologia da Paisagem constitui um programa de investigação micamente, o modo como o monumento, sítio ou conjunto de sítios é per-
em Arqueologia que permite explicar os sítios arqueológicos no seu cebido”.
contexto espacial, reconhecendo que a paisagem se foi transforman- A Lei de Bases do Património Cultural (a Lei n.º 107/2001, de 8 de
do ao longo do tempo, e que estes sítios não são mais do que ele- Setembro), no seu artigo 6.º alínea C, fala da coordenação, articulan-
mentos dessas paisagens, e, ao contrário de muitos dos seus críticos, do e compatibilizando o Património cultural com as restantes políti-
esta linha de investigação não constitui a eliminação do tempo, mas cas que se dirigem a idênticos ou conexos interesses públicos ou pri-
a sua parcial absorção pelo espaço. vados, em especial as políticas de ordenamento do território, de am-
11
OPINIÃO
da Côa Parque - Fundação para a Salvaguarda e Valorização do Vale entre o Património cultural, os anseios do território e os modelos de
do Côa, com os respectivos estatutos (Dec.-Lei n.º 35 de 2011). desenvolvimento, inserindo-se na noção de desenvolvimento susten-
Segundo o referido Decreto-Lei, a Côa Parque tem como objecto “ge- tável e redefinindo as acções de “patrimonialização” dentro das polí-
rir e coordenar o Museu do Côa e o Parque Arqueológico do Vale do Côa ticas da sustentabilidade.
(PAVC) e explorar os seus recursos complementares”. Ou seja, a questão económica deve ser fundamental neste processo,
Face ao exposto, reivindicamos a urgente elaboração do documento através do estabelecimento de indicadores que permitam uma evolu-
final que servirá de base técnica para a promulgação do Decreto Re- ção do conceito de gestão do Património cultural e a sua adaptação a
gulamentar pelo Conselho de Ministros, efectivando a criação do novos paradigmas, mas também a questão territorial, uma vez que o
PAVC e a aprovação do seu Plano de Ordenamento. Património cultural deve ser uma referência de marketing territorial,
Os nossos argumentos são de que o plano de ordenamento e a cria- na gestão do espaço e na construção de uma referência atractiva nas
ção efectiva do Parque Arqueológico do Vale do Côa podem con- diversas regiões do mundo, em resposta à sua classificação como Pa-
substanciar um plano de desenvolvimento, acrescido ao facto de que, trimónio Mundial.
sem este, a gestão do parque (que não possui um plano de gestão, Por último a questão da identidade. O Património cultural deve fa-
como sugerido pela recomendação da UNESCO para os sítios classifi- vorecer a construção da identidade colectiva do território e participar
cados e integrantes da Lista de Património Mundial, que a arte rupes- na transformação da vida quotidiana, através de uma redefinição da
tre e outros elementos classificados como Monumento Nacional no vida das populações, assente na multifuncionalidade da paisagem,
Vale do Côa integram desde 2 de Dezembro de 1998), não poderá al- reconhecida pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 116/2006
cançar o objectivo proposto, de promover o desenvolvimento econó- – “À secular vocação vitivinícola, o Douro tem vindo a associar mais
mico e a qualidade de vida das populações. recentemente, o aproveitamento das suas reconhecidas potencialidades no
sector do turismo, reforçadas nos últimos anos, com a classificação como
património mundial de duas significativas áreas do território: a paisagem
OS DESAFIOS DA FUNDAÇÃO CÔA PARQUE cultural, evolutiva e viva do Alto Douro Vinhateiro e as gravuras rupes-
COMO ENTIDADE PROMOTORA DE tres do Vale do Côa”.
DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL Este diploma cria a Estrutura de Missão para a Região Demarcada do
Douro, na dependência do ex-Ministro do Ambiente, do Ordena-
O Património cultural, e nomeadamente o arqueológico, é no pre- mento do Território e do Desenvolvimento Regional, e tem na sua
sente, dentro do âmbito europeu, objecto de acções que têm por missão como objectivos:
objectivo o desenvolvimento de territórios, assentes na premissa de – Acompanhar e zelar pelo cumprimento das exigências decorrentes
que a valorização do Património se deve abrir às questões humanas, do Plano Intermunicipal de Ordenamento do Território do Alto
sociais, políticas e a novas formas de resposta por parte da economia Douro Vinhateiro (PIOTADV) e da classificação da paisagem cultural e
de mercado. viva do Alto Douro Vinhateiro como Património mundial, numa
A diversidade de formas e de usos permite ver o Património cultural perspectiva de salvaguarda dos valores paisagísticos, ambientais e cul-
de maneira diferente, e convida a comparar os seus usos à escala inter- turais em presença;
nacional, assim como a estudar concretamente as reivindicações patri- – Colaborar com o Instituto de Turismo de Portugal na implemen-
moniais nos diferentes territórios europeus e mundiais. tação do Plano de Desenvolvimento Turístico do Vale do Douro, ga-
Como? Porquê? Com que ferramenta poderá utilizar-se o património rantindo, junto dos diversos promotores, que as infra-estruturas,
da área do PAVC, ou seja, como o podemos instrumentalizar com o equipamentos, tipos de unidade e serviços turísticos a instalar, poten-
objectivo de este se traduzir no motor de desenvolvimento regional? ciem o desenvolvimento local e se concretizem, no respeito pelas ca-
Como pode este debate incorporar as questões sociais e políticas do racterísticas específicas do território.
território, porque a referência ao Património de excelência paisagísti- O Piotadv é um instrumento de gestão da paisagem cultural que arti-
ca (nomeadamente do concelho de Vila Nova de Foz Côa, em que cula a estratégia e coordena as iniciativas intermunicipais de valoriza-
parte do seu território se encontra de igual modo abrangido pela clas- ção do Património natural e cultural, no qual se insere parte do terri-
sificação de Paisagem Cultural pela UNESCO) se traduz na actualida- tório do concelho de Vila Nova de Foz Côa.
de em algum pessimismo por parte das populações e comunidades A articulação do Plano de Desenvolvimento Turístico do Douro com
locais? Como seguir adiante e cumprir os objectivos estabelecidos o Plano de Desenvolvimento Turístico do Vale do Côa, em fase de
aquando da sua criação? implementação pela Associação de Municípios do Vale do Côa, deve-
A resposta a estas questões passa pela incorporação definitiva por par- rá constituir uma oportunidade fundamental para reorientar o mode-
te do seu gestor(a) de formas de análise que problematizem a relação lo de gestão do Parque Arqueológico do Vale do Côa, no sentido da
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13
OPINIÃO
RESUMO
N
et de sécurité dans l’exercice de l’Archéologie au Portugal,
englobant les professionnels, les entreprises et les étudiants de
cette filière.
em toda a sociedade, a consciência da importância do “trabalho seguro”, do tra-
S’agissant d’une activité de risque élevé, et en dépit d’une balho realizado em condições dignas, garantindo a segurança e a saúde de todos
participation relativement réduite, l’auteure suggère que la
situation actuelle est inquiétante, et justifie le développement
os intervenientes nos processos de trabalho. Fruto de crescentes debates e numa constan-
des études et l’adoption de mesures urgentes, dans les te busca pela segurança, as questões da protecção dos trabalhadores estão na ordem do
domaines législatif, formatif et de coopération entre les
différents agents du processus.
dia, quer ao nível da Europa Comunitária, quer ao nível nacional (LOPES 2009).
Neste sentido, observou-se que, em Portugal e para o caso particular da Arqueologia por-
MOTS CLÉS: Hygiène et sécurité au travail; Formation.
tuguesa, o debate da segurança laboral ainda não se iniciou. Isto vem salientar, ainda
mais, as questões da precariedade laboral na Arqueologia nacional, enfatizando a urgên-
cia do desenvolvimento de uma análise preliminar da segurança laboral para os trabalhos
arqueológicos em Portugal (IDEM).
A actividade arqueológica envolve, claramente, riscos elevados, não só pela singularidade
e diversidade dos sítios arqueológicos, como, e em específico para o caso português, pela
pressão veiculada pela precariedade da profissão.
A singularidade e diversidade dos sítios arqueológicos levam a que os trabalhos arqueoló-
gicos decorram nos mais variados locais, como grutas, abrigos ou túneis, enquadráveis no
conceito de espaço confinado, pelas suas aberturas limitadas de entrada ou de saída, ven-
tilação natural desfavorável, e nos quais se podem produzir condições atmosféricas peri-
gosas. São, de igual forma, numerosos os sítios arqueológicos associados a lixeiras ou a
pântanos, locais de atmosferas com insuficiência de oxigénio ou contaminadas com gases.
I
Doutoranda em Arqueologia Pré-Histórica e Arte Rupestre Ou, até mesmo, sítios arqueológicos que envolvem riscos de queda de materiais e objec-
(Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro). Grupo de
Quaternário e Pré-História do Centro de Geociências (FCT). tos, esforços excessivos no acesso ao local, electrocussão provocada por equipamentos ins-
Investigadora do Instituto Terra e Memória (Museu de Arte talados, contaminação por agentes biológicos, risco de acidentes ou doenças profissionais
Pré-Histórica de Mação) ([email protected]).
por fadigas físicas, risco de incêndio ou explosão por concentração de gases ou vapores
[texto entregue para publicação em Abril de 2010] inflamáveis e de intoxicação por inalação de contaminantes, etc. (FREITAS 2003).
15
OPINIÃO
número de FIG. 1 − Resultados da participação
participações nos diferentes questionários.
Importa ainda referir que o universo era de 308 municípios, e que
60
apenas 112 procederam ao preenchimento do questionário. A fraca
52
representatividade dos resultados não permite conclusões objectivas 50
sobre a importância dos municípios na actividade arqueológica nacio-
nal. No entanto, e de acordo com ALMEIDA (2007), “empiricamente, 40
sim | 15 % sim | 19 %
não | 85 % não | 81 %
mento de maquinaria, ou até mesmo desprendimento de terras (este últi- Quanto a acções de formação na área da higiene e segurança no tra-
mo exemplo já aconteceu a um arqueólogo que perdeu a vida). Mas os ris- balho, 69 % dos inquiridos afirmou nunca ter participado em qual-
cos associados não correspondem apenas a obras, na actividade programa- quer tipo de formação na área.
da e de investigação também não estamos imunes. Por exemplo, escava- Os inquiridos foram ainda questionados sobre a legislação específica
ções de antas, silos, etc., correspondem a escavações onde os perigos e o ris- de higiene e segurança no trabalho para o sector arqueológico. Os re-
co deverão ser medidos de uma forma programada”. sultados obtidos demonstraram que 73 % considera que existe ausên-
4. “Considero a Arqueologia de emergência uma actividade de risco por cia de legislação específica, enquanto 19 % consideram que a legisla-
vários motivos: ção actualmente em vigor é suficiente; 4 % não respondem e outros
1) Na maioria das situações, o trabalho é executado em ambiente de 4 % dizem não saber.
obra, estando a equipa de Arqueologia sujeita aos perigos normais de uma
obra de construção civil; 3.2. EMPRESAS DE ARQUEOLOGIA
2) Os profissionais de Arqueologia não recebem formação em Higiene e
Segurança no trabalho; Das empresas contactadas, apenas cinco procederam ao preenchi-
3) O desconhecimento das regras de segurança relativas a desaterros: mento e envio dos questionários.
numa sondagem de 2 x 2 metros, a partir de que profundidades se devem Quanto à data de criação das empresas e números de profissionais nos
utilizar mecanismos de entivação? As empresas de Arqueologia possuem quadros, as informações obtidas indicam-nos que três das empresas
estes mecanismos? foram criadas durante a década de 1990 (1993, 1995 e 1997), com
4) A coação exercida pelos Arqueólogos proprietários de empresas, para as duas restantes em 2001 e em 2008. Relativamente ao número de
que se esqueçam algumas regras elementares de segurança, de modo a que trabalhadores nos quadros, pode observar-se que estes são em núme-
o trabalho seja executado mais rapidamente”. ro reduzido: 21, 13, 11, dois, sendo que uma das empresas tem ape-
Quando questionados sobre o fornecimento de equipamentos de pro- nas um trabalhador nos seus quadros.
tecção individual por parte das entidades empregadoras, 67 % dos in- Quanto ao tipo de trabalhos realizados com mais frequência, temos
quiridos afirma tê-los à sua disposição. Por outro lado, 79% já adqui- os acompanhamentos de obra, seguidos dos trabalhos de escavação,
riu equipamentos de protecção individual no decurso da sua activi- de laboratório e de prospecção.
dade profissional. Questionadas se consideram que trabalham num sector profissional
Relativamente aos acidentes de trabalho (Fig. 3), 19 %, ou seja, dez de risco, a resposta é maioritariamente sim. Apenas uma das empre-
dos profissionais inquiridos, afirma já ter sido vítima dos mesmos. sas respondeu que não.
Quando inquiridos sobre a forma do acidente, as respostas foram va- Relativamente aos seguros de trabalho, referem-nos que todos os pro-
riadas: torções, cortes, quedas em altura, quedas ao mesmo nível e fissionais das cinco empresas se encontram abrangidos por este tipo
quedas de objectos em altura, e um acidente de descompressão em de seguros. Por outro lado, apenas quatro das empresas dizem ter ao
trabalhos de Arqueologia subaquática. dispor de todos os seus profissionais equipamentos de protecção indi-
Por outro lado, 44 % dos inquiridos afirmou já ter assistido a aci- vidual. Todas afirmam recorrer à contratação de serviços de arqueó-
dentes de trabalho no decurso da sua actividade, maioritariamente logos externos à empresa.
com duas ou mais vítimas envolvidas. Importa também referir o caso Duas das empresas afirmam já terem ocorrido acidentes de trabalho
de um inquirido que assistiu a dois acidentes graves, com um total de com trabalhadores seus, sendo um deles na forma de choque contra
cinco vítimas mortais. objectos e o outro não especificado.
17
OPINIÃO
Sobre a formação em higiene e segurança dos colaboradores, quatro Concluindo-se, pela análise do tipo de trabalhos realizados pelos pro-
das empresas afirmam nunca a ter fornecido, mas uma delas diz que fissionais de Arqueologia, que esta é uma actividade de risco elevado,
está a organizar e a calendarizar formação na área. Apenas uma em- são preocupantes alguns dos dados obtidos com a realização deste in-
presa diz já ter fornecido, aos trabalhadores, formação na área. quérito. Num país onde é obrigatoriedade legal a existência de segu-
Finalmente, quando questionados sobre a ausência de legislação de ro de trabalho para o exercício de qualquer actividade profissional, re-
higiene e segurança para trabalhos arqueológicos no quadro normati- munerada ou não, 19 % dos profissionais de Arqueologia inquiridos
vo nacional, uma das empresas considera existir esse vazio legal, en- exerce sem este tipo de seguro.
quanto duas entendem que não e duas outras não respondem. Por outro lado, numa actividade profissional onde são inexistentes in-
dicadores sobre acidentes de trabalho, 19 % dos profissionais inqui-
3.3. ESTUDANTES DE ARQUEOLOGIA ridos já foi vítima dos mesmos e 44 % afirma ter assistido a aciden-
tes de trabalho no decurso da sua actividade profissional.
Obtiveram-se respostas de alunos de diversas instituições de ensino – Segundo os dados obtidos, 85 % dos inquiridos considera exercer
Instituto Politécnico de Tomar, Universidade de Trás-os-Montes e Al- uma actividade de risco, mas apenas 31 % já teve algum tipo de for-
to Douro, Universidade do Minho, Universidade de Évora, Univer- mação na área de higiene e segurança no trabalho.
sidade de Coimbra, Universidade de Lisboa e Universidade do Al- Relativamente às empresas de Arqueologia, a situação torna-se ainda
garve –, num total de 23 questionários preenchidos, maioritariamen- mais preocupante quando apenas cinco das empresas contactadas
te enviados por alunos de mestrado, seguidos dos alunos de licencia- procederam ao preenchimento e envio dos questionários, deixando
tura e doutoramento. desta forma transparecer alguma incúria perante estas questões.
Dos estudantes inquiridos, 83 % já exerceram profissionalmente na Quando analisada a questão da preparação dos futuros profissionais
área de Arqueologia. No entanto, apenas 35 % já teve algum tipo de de Arqueologia para esta problemática, apenas 35 % dos estudantes
formação em higiene e segurança no decurso da sua actividade pro- afirmam ter tido algum tipo de formação na área da higiene e segu-
fissional. rança no trabalho. Apesar disso, os futuros profissionais mostram-se
Sobre a frequência de formação desse tipo ao nível académico, e ape- sensibilizados para estas questões, uma vez que 83 % consideram fun-
sar de não existirem módulos de segurança laboral nos cursos nacio- damental este tipo de formação no seu percurso académico.
nais de Arqueologia, 22 % dos inquiridos afirma já a ter tido. Uma Finalizando, é urgente intervir nos campos legislativo, formativo e de
questão testou a sensibilidade dos inquiridos para a importância des- cooperação entre os diferentes intervenientes. Sendo, de igual forma,
ta formação a nível académico: 83 % consideraram importante inte- fundamental a realização de um estudo de base para a actividade ar-
grar a formação em higiene e segurança nos cursos de Arqueologia. queológica em Portugal, traçando um quadro geral deste sector e todo
o percurso evolutivo da actividade, identificando claramente interve-
nientes, metodologias de trabalho, zonas de maior fluxo de trabalhos
4. CONCLUSÕES arqueológicos, dados sobre a integração da Arqueologia na constru-
ção civil, indicadores de acidentes de trabalho, etc. Um estudo que
A informação obtida com o inquérito à segurança laboral na Arqueo- permita identificar áreas prioritárias de intervenção e desenvolver
logia nacional permite-nos, salvaguardada a fraca adesão de profissio- uma metodologia correcta para atingir um nível satisfatório de segu-
nais, empresas e estudantes, retirar algumas conclusões. rança para os trabalhos arqueológicos.
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(Alcobaça) na ABSTRACT
Antiguidade Tardia Parreitas site (Alcobaça, Leiria) in the 5th century AD,
based on structural remains and materials identified
during various archaeological excavation campaigns.
This article is included in the author’s scientific debate
with another author, who considers the evidence found
insufficient to identify Parreitas as a Roman
glass manufacturing workshop.
Ana Sofia Tamissa Antunes I
KEY WORDS: Roman times; Glass.
RÉSUMÉ
19
OPINIÃO
mente publicada uma planta geral (simplificada e incompleta) e qua- Indica que refiro a existência de dois fornos (CRUZ 2009: 260), mas
tro fotografias (BARBOSA 2008: 10-13). na verdade reconheço apenas um e reflicto acerca de outra estrutura
Sobre esta questão apenas tenho a dizer que a omissão verificada, não de planta circular, cuja funcionalidade como forno acabo por consi-
só foi completamente alheia à minha responsabilidade e à minha von- derar menos provável, lançando como hipótese de trabalho que “[…]
tade, como também me surpreendeu, já que esses dados deveriam poderá talvez antes corresponder a uma base de apoio onde o vidreiro
constar do(s) capítulo(s) que desenvolveria(m) especificamente os tra- fazia rodar a pasta vítrea para lhe dar forma” (ANTUNES 2008: 203).
balhos de campo, as evidências arqueológicas e a leitura global do Sublinho, talvez.
sítio. Devo ainda esclarecer que desde logo sublinhei a necessidade de Alega que aplico os conceitos de frita e de escória de vidro sem os
corrigir a situação, mediante outra publicação que colmatasse as lacu- esclarecer previamente (CRUZ 2009: 260-261), o que me surpreende,
nas e permitisse, no caso dos vidros, responder às questões levantadas já que desenvolvo o assunto no ponto 4.3, no qual se distinguem
mediante análises laboratoriais. tipos de matéria-prima intermédia, e no ponto 5, dedicado ao “Ciclo
Apesar de ter sido publicado em 2008, o texto foi maioritariamente produtivo do vidro artesanal”, no qual houve precisamente a preocu-
escrito em 2003, com excepção para o capítulo dedicado às estrutu- pação de explicar a frita e o seu enquadramento nesse processo (AN-
ras que estarão relacionadas com o fabrico de vidro, cuja redacção TUNES 2008: 180-181 e 198-200).
aguardou a entrega da necessária documentação por parte dos respon- São particularmente redutores os comentários que o autor profere
sáveis pela monografia, tendo sido remetidas apenas em 2007 algu- relativamente aos testemunhos da produção de vidro apresentados,
mas plantas gerais do sítio (distintas da que integra a monografia), a reconhecendo apenas os elementos pétreos com vestígios de pasta
partir das quais se encetou uma descrição global, a complementar vítrea agregada e valorizando os indícios aos quais atribuo na verdade
com a documentação de pormenor, que não chegou a ser disponibi- menor preponderância na análise, em função da sua escassez ou da in-
lizada. certeza na sua classificação, para além de omitir outros (CRUZ 2009:
De qualquer modo, as estruturas que estudo são efectivamente des- 261).
critas (e problematizadas) por mim no ponto 6, de Este para Oeste e No caso do possível resquício de vidro bruto, sou eu própria que cau-
de Norte para Sul (ANTUNES 2008: 200-204), com a minúcia permi- telosamente indico tratar-se de uma possibilidade remota, já que po-
tida pelos dados de que dispunha, com base na observação in loco, derá corresponder ao fragmento de um recipiente, pelo que não o
complementada pela documentação fornecida. O facto de não ser valorizo na análise global (ANTUNES 2008: 274). A escória de vidro,
apresentada documentação gráfica e fotográfica não significa, todavia, embora escassa, corresponde, não a um, mas a quatro exemplares
que as estruturas e os dados sejam inexistentes, e muito menos justi- (ANTUNES 2008: 328-329).
fica qualificar como “logro” a oficina de Parreitas (CRUZ 2009: 224), O autor considera incongruente da parte da signatária defender a
já que nada existe de ardiloso ou de fraudulento no trabalho que rea- produção de vidro em Parreitas, apesar de assinalar a inexistência dos
lizei. utensílios específicos utilizados pelo(s) vidreiro(s) e dos restos de fa-
Apesar das dúvidas que manifesta, o autor não procurou obter quais- brico originados pela separação do objecto da cana de soprar (CRUZ
quer esclarecimentos junto da signatária antes de redigir os seus co- 2009: 260). Não reconheço a incongruência, na medida em que, con-
mentários (contrariamente ao que fez relativamente a dados de outros siderando o panorama global da produção de vidro romano, mesmo
sítios – CRUZ 2009: 255 e passim), sendo evidente que a sua rejeição em locais com uma abundante evidência de oficinas (como, por
liminar de Parreitas como local de fabrico de vidro deveria ter sido ali- exemplo, a Gália – FOY e NENNA 2001: 41), são escassos os colos e,
cerçada numa deslocação ao sítio. Da mesma forma, as dúvidas que sobretudo, os utensílios de vidreiro conhecidos, como o próprio autor
suscita no que respeita à correcta identificação da frita e da escória de reconhece na sua dissertação (CRUZ 2009: 187 e 191).
vidro (CRUZ 2009: 260), acabam por ser retóricas, já que não procu- Para além do exposto, houve o cuidado de enfatizar que o registo ar-
rou previamente esclarecê-las, pelo que seria justo que concedesse o queológico se encontra particularmente truncado e incompleto,
benefício da dúvida a quem as classificou. observando-se um elevado grau de destruição (em particular no seg-
Verifica-se ainda que a crítica não é fundamentada, invocando, por mento Este da área escavada, onde se situam as estruturas estudadas
exemplo, a ausência de clarificação de conceitos que foram efectiva- – por exemplo, ANTUNES 2008: 200-202, 273, 276), tendo origina-
mente esclarecidos ou atribuindo-me afirmações que não proferi. do assimetrias aleatórias de presenças e ausências artefactuais e de
associações contextuais, em particular nos depósitos sedimentares su-
perficiais, dos quais provém a maioria das evidências estudadas. O en-
saio de leitura que efectuei das evidências nos contextos dos quais
foram recolhidas (ANTUNES 2008: 276-279) demonstrou que a asso-
ciação patente nos registos de campo traduz mais os processos pós-de-
posicionais que afectaram o sítio desde o seu abandono, do que rela- ente) e das fontes clássicas, assinalando o facto de os dados reunidos
ções e funcionalidades originais, pelo que não podem ser valorizadas através das análises laboratoriais ao vidro bruto ocidental identificado
presenças / ausências ou quantificações. em oficinas secundárias e em naufrágios (sobretudo na Gália), revela-
Para que fique claro, por fenómenos pós-deposicionais entendo a to- rem a sua identidade química com a das areias da costa sírio-palesti-
talidade dos eventos de distinta origem (antrópica, biológica, geoló- niana, local onde seria transformado em matéria-prima intermédia
gica, tectónica, etc.) que podem ter actuado sobre qualquer tipo de nas oficinas primárias (que são todavia desconhecidas do registo ar-
contexto arqueológico (estrutura, depósito) após a sua formação ori- queológico na época imperial, altura em que são mencionadas nas
ginal, transformando-o, o que abrange diversos agentes. Em última fontes). Nas oficinas ocidentais, ocorreria assim já a fase secundária
instância, a intervenção do arqueólogo constitui o derradeiro fenó- do processo, mediante a transformação do vidro bruto em pasta vítrea
meno pós-deposicional para muitos contextos. (ANTUNES 2008: 167-168; FOU e NENNA 2001: 13-46). Os dados
O autor alega que interpreto Parreitas como oficina primária, desco- das análises químicas agora efectuados para o Noroeste peninsular
nhecendo o facto de oficinas deste tipo serem inexistentes em todo o (CRUZ 2009) não alteram a questão de fundo.
Ocidente do Império Romano (CRUZ 2009: 260), o que merece di- Portanto, não ignoro esta problemática, nem a desvalorizo. No entan-
versos comentários. to, também não considero que existam dados suficientes para afastar
Em primeiro lugar, ao longo da “Discussão” (ponto 8), reflicto sobre por completo e a priori a possibilidade de existência de oficinas pri-
a possibilidade de Parreitas ser apenas uma oficina secundária (o que márias em outras áreas do Império, em particular pela escassez e pela
parece mais plausível), embora não deixe de referir a hipótese de ter assimetria regional das análises químicas efectuadas, sobretudo numa
funcionado como ateliê primário, dada a presença de frita (que requer época em que os mecanismos de produção e de distribuição seriam
explicação), sublinhando a necessidade de efectuar análises químicas distintos dos referidos pelas fontes clássicas, entre os séculos I a.C. e
comparativas dos objectos, das areias locais (recordando que se trata I d.C.
de uma região de tradição vidreira) e da frita, assumindo sempre a Outros autores, reconhecendo que os dados revelam o monopólio e a
existência de questões em aberto (ANTUNES 2008: 273 e passim), que longevidade da área sírio-palestiniana no fabrico e na exportação de
mantenho. vidro (suplantando inclusive o Egipto, fornecedor de natrão), admi-
Em segundo lugar, problematizo o ciclo de fabrico do vidro em fun- tem que “[…] on ne peut encore totalement exclure l’existence d’ateliers
ção da documentação existente no Império (no Ocidente e no Ori- de matière brute en Europe occidentale”, atendendo ainda à informação
21
OPINIÃO
de Plínio (N. H., XXXVI, 194) sobre as areias hispânicas, gálicas e itá- Uma grande quantidade de areia branca foi igualmente identificada
licas, e ao facto de as análises químicas realizadas sobre vidro bruto e junto aos fornos bretões de Coppergate (York) e de Wroxeter –
sobre peças acabadas definirem grupos de produção incluindo areias Viriconium Cornoviorum (XUSTO RODRÍGUEZ 2001: 130).
de origens diferentes, ainda não localizadas, datando alguns da Anti- O autor critica também as referências feitas pela signatária a Cacia e
guidade Tardia (FOY e NENNA 2001: 14, 32-33 e 37). a Santarém como locais onde se documentou o fabrico de vidro
O próprio autor, após submeter a referida passagem de Plínio em (CRUZ 2009: 260).
latim à tradução de José de Encarnação, que sugere a correcção da lei- No que respeita a Cacia (Marinha Baixa), por lapso não referi a docu-
tura para “Na verdade, já assim é temperada a areia tanto nas Gálias co- mentação que avança alguns dos dados que invoco, patente em rela-
mo nas Hispânias”, reconhece que se mantém válida, já que remete tórios de escavação.
para a adição de substâncias na areia durante o processo de fabrico, o A sua sistematização pode ser consultada no relatório final do projec-
que permite ponderar a existência de oficinas primárias nas províncias to de investigação do Povoado da Torre (associado à ocupação da Ma-
citadas (CRUZ 2009: 177-178). rinha Baixa), coordenado por Ale-
1
A possibilidade de existência de produção primária na Hispânia tem xandre Sarrazola e Inês Mendes Apresentei já justificações
sido mantida também por alguns dados arqueológicos, adquirindo 1
da Silva , no qual é discutida a sobre o assunto aos referidos
investigadores, que amavelmente
destaque o caso de Augusta Emerita, onde foram efectuadas análises produção de vidro em função do desvalorizaram a situação.
químicas às areias do Guadiana, que revelaram a identidade destas tipo de fornos e de outras estrutu-
com a dos vidros fabricados no local (CALDERA DE CASTRO 1983: 68; ras e contextos identificados e é
ORTÍZ PALOMAR 2001: 14). O autor não afasta totalmente essa pos- problematizada a hipótese da pluri-funcionalidade do espaço indus-
sibilidade, embora sublinhe que não existem evidências das estrutu- trial, embora agora já matizada pela escassez de dados directamente
ras necessárias à produção primária, e que as análises químicas não são reveladores de uma produção oleira (SARRAZOLA e SILVA 2006).
conclusivas, já que as dioritas ocorrem em percentagens distintas nas Scallabis é evocado como uma referência, enquanto local onde se
areias de Mérida e nos vidros aí fabricados, sendo necessário recorrer identificaram vestígios secundários de produção de vidro (tal como
à produção experimental de vidro a partir das dioritas de Mérida e à são apresentados inúmeros outros sítios), nomeadamente escória e
comparação de resultados (CRUZ 2009: 262-263). pingos de vidro (ANTUNES 2008: 182). A monografia de Parreitas não
Por outro lado, na costa mediterrânica peninsular, em associação aos seria certamente o cenário adequado para estudar de modo desenvol-
fornos de grande dimensão e aos restos de fabrico da villa de Torre vido as evidências de Santarém, enquadradas num projecto de inves-
Llauder (Mataró, Barcelona), documentou-se uma grande quantida- tigação próprio, coordenado por Ana Margarida Arruda e Catarina
de de areia / pedra siliciosa branca, ligeiramente esverdeada / verde- Viegas.
-azulada (RIBAS BERTRAN 1966: 39; RIBAS BERTRAN 1972: 130-131 Termino sublinhando que o avanço do conhecimento nasce tanto do
e 175), evidências que, embora não tenham sido sujeitas a análises esforço individual da investigação como da cooperação e do diálogo,
químicas, merecem ponderação, até por não surgirem isoladas. que devem ser cultivados.
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RESUMO
ABSTRACT
da rua de São Mamede Introduction of a set of medieval ceramics collected
during urban archaeology works at the
(Lisboa) Rua de S. Mamede, in Lisbon.
The ceramics, which were partially deposited in the filling
of a silo, consist mainly of local production from
the 12th and 13th centuries and include pieces used
for preparing, serving and storing food.
RÉSUMÉ
23
ARQUEOLOGIA
2. A INTERVENÇÃO
25
ARQUEOLOGIA
0 50 cm
FIGS. 6 E 7 − Em cima, pormenor da
unidade 15 e do crânio humano.
1,44 m Em baixo, fotografia da face inferior
A somar à cota da estação 70L3 da imposta recolhida no fundo do silo
(Serviços Topográficos da CML). da sondagem 1, sendo perceptíveis
os biselamentos laterais
No entanto, lembramos a proximidade da antiga ermida de São Ma- grar dentro das tipologias estilísticas típicas da arquitectura visigótica
mede, junto à qual foi detectada a sepultura do período visigótico e a (Fig. 7). De qualquer forma, isto são deduções meramente conjectu-
que já fizemos referência supra. rais, que dificilmente poderão ser comprovadas.
Nesta situação, podemos pensar num caso de revolvimento de depó-
sitos associados à existência de um pequeno núcleo sepulcral aí insta-
lado, que eventualmente foram reposicionados dentro deste silo, ar- 3. AS CERÂMICAS
rastando o crânio em causa.
Esta sepultura não é a única evidência de uma necrópole nas proxi- 3.1. SONDAGEM 1
midades. A reforçar esta ideia, existe ainda uma inscrição paleo-cristã
recolhida no jardim do Palácio Penafiel e datada do século IV, onde A unidade [16] do silo da sondagem 1 é constituída por um depósi-
se pode ler na primeira linha DEPO[SITIO] 11 (DIOGO 1994). to heterogéneo, com tonalidades variáveis entre o castanho e o esver-
Já no que respeita a eventuais revolvimentos dos terrenos junto à anti- deado que correspondem a margas em depósito secundário, mistura-
ga ermida de São Mamede e recolocação nos silos (ou proximidades) das com carvões e cinzas. Apresenta elementos de argilas rubefactas,
da Rua de São Mamede, convém aqui referir que, no fundo do silo cerâmica comum e de construção, pedras de pequeno e médio calibre
da sondagem 1, foi recolhida uma imposta (inacabada ou com aca- e elementos de fauna malacológica e mamalógica. A cerâmica é escas-
bamento tosco) que, pelas suas características formais, se poderá inte- sa, sendo de destacar uma panela decorada com pintura a branco e de
bordo extrovertido, de secção subtriangular. Os restantes elementos
correspondem a dois bordos de copos (ou púcaros), com bordo bolea-
9 do, diferenciado pela existência de uma canelura.
As apófises mastóides são parte do osso temporal. Localizam-se no lado
do crânio, logo atrás da orelha. A sua morfologia difere entre géneros, Foi ainda recolhido o bordo de uma segunda panela, sem decoração
sendo portanto uma característica a observar na determinação do género. aparente e com bordo extrovertido e boleado (Fig. 9). O tipo de pas-
10
Bossas parietais são eminências localizadas nos ossos parietais, ou seja, ta é comum a todos os elementos. Corresponde a uma pasta de colo-
na parte lateral superior e posterior do crânio, sendo a sua existência
maioritariamente associada ao género feminino.
ração alaranjada, de fractura irregular com aspecto arenoso, com cal-
11
Este elemento encontra-se publicado com o n.º de inventário 284 cites e quartzos, integrando-se no tipo de fabrico das produções
no catálogo da exposição “Lisboa Subterrânea” (Lisboa, 1994). locais.
27
ARQUEOLOGIA
RSM 29
0 5 cm
0 5 cm
A atestar uma cronologia integrada no século XII, destacam-se ainda versificado, estando representados exemplares de utilitários de cozi-
dois fragmentos de candis, ambos com parte do depósito e arranque nha, de servir e de armazenagem. Do ponto de vista decorativo, ape-
de asa preservados. O primeiro foi acabado com um revestimento vi- nas a pintura a branco se encontra presente, tendo sido aplicada nas
drado, de tonalidade amarelo-esverdeada; o segundo exibe um vidra- panelas, jarritas/púcaros e cântaros. Tendo em conta o número de
do parcial em tons melados. Ambos apresentam uma pasta bem de- exemplares de cerâmica vidrada existentes, é de referir, por compara-
purada de cor bege, de fractura regular, com raros desengordurantes. ção, a inexistência de cerâmicas com pintura a almagro.
Correspondem a tipologias bem aferidas cronologicamente e largamen- As sertãs (formas comuns à grande maioria dos contextos islâmicos),
te atestadas em contextos almorávidas (KEMNITZ 1999: 449, fig. 14). pela constância tipológica que os nossos exemplares exibem, não se
Todos os exemplares se encontram bem documentados na região de apresentam como indicador cronológico viável, mesmo considerando
Lisboa e arredores, em contextos do século XII. Referimos para os pequenas variações estilísticas no bordo. Foram recolhidos dois exem-
copos os paralelos existentes no Castelo dos Mouros, em Sintra (COE- plares, ambos com bordo introvertido, tendo o primeiro um ressalto
LHO 2000: 219, n.º 20), no Claustro da Sé de Lisboa (AMARO 2001: externo.
185, n.º 6), e na Alcáçova de Santarém (VIEGAS e ARRUDA 1999: 115, Ainda relacionado com formas de preparação alimentar, encontramos
n.º 18), estes dois últimos paralelos apresentando decoração com pin- as panelas. Dois dos nossos exemplares apresentam um bordo de sec-
tura a branco. Para as panelas, referimos os exemplares n.º 47 da En- ção triangular, com canelura incisa e corpo de perfil “em saco”, deco-
costa de Santana (CALADO e LEITÃO 2005: 467), e o n.º 4 da Sé de rado com pintura a branco. O terceiro exemplar apresenta um bordo
Lisboa (AMARO 2001: 183). extrovertido recto, com rebordo interior e um pequeno colo com res-
salto. O último exemplar é uma panela de bojo com perfil abatido,
3.2. SONDAGEM 3 colo vertical e bordo ligeiramente extrovertido e boleado, diferencia-
do do colo por canelura. A asa tem início no bordo, terminando na
A unidade [17] da sondagem 3 é um depósito homogéneo de tons es- inflexão do bojo. O ângulo de inflexão da asa apresenta-se num pon-
verdeados, medianamente compacto, correspondente a margas em to superior ao limite do bordo. Tem um acabamento em vidrado par-
depósito secundário com pedras de médio calibre, com maior con- cial por escorrimento no exterior, e vidrado total no interior. O vidra-
centração de cerâmica de construção e cerâmica comum do que as do varia entre os tons melados e o verde-escuro (Figs. 10 e 11).
duas unidades que a sobrepõem, apresentando também uma tonali- Embora não tenhamos encontrado paralelos perfeitamente idênticos,
dade ligeiramente mais escura, devido à menor concentração de argi- em Lisboa, para os dois primeiros exemplares, parece-nos existir uma
las e maior quantidade de areias misturadas com carvões. O conjun- relação directa entre os nossos exemplares e as formas produzidas nos
to cerâmico exumado desta unidade, embora reduzido é bastante di- fornos identificados na Rua dos Correeiros, que, segundo as autoras,
0 5 cm
29
ARQUEOLOGIA
Embora não apresente um acabamento vidrado, encontramos parale- Esta variedade, aliada ao reduzido número de peças, poderá indicar a
los para esta peça no exemplar CR/BR/0006, novamente com prove- presença de um pequeno núcleo familiar. Os tipos de fabrico sugerem
niência de Mértola e enquadrado entre o século XII e a primeira preferência das produções locais para as formas não vidradas, e de
metade do século XIII (GÓMEZ MARTINEZ 2004). importação para as formas vidradas; isto tendo em conta as pastas be-
Todas as formas não vidradas possuem as mesmas características de ges que encontram maior profusão (se não mesmo características) nas
pasta das peças já descritas na unidade [16] da sondagem 1. Quer o regiões mais meridionais do Garb, e que distinguem o nosso ataifor e
ataifor, quer a jarra agora exposta, têm uma pasta de cor bege, fractu- jarra.
ra irregular, aspecto laminado com poucos desengordurantes. Já a pa- Os paralelos para a panela vidrada também se encontram a Sul, seja
nela vidrada, tem uma pasta de tons negros (possivelmente devido a em Évora, onde são datados por dinheiros de Sancho II, seja em Mér-
uma cozedura redutora), aspecto arenoso, fractura irregular de aspec- tola (igualmente com cronologias do século XIII). É de referir que
to laminado, com pequenas calcites e quartzos. não encontrámos paralelos em Lisboa para o nosso exemplar, o que
reforça a ideia de importação e de imediato nos sugere continuidades
das redes comerciais, independentemente dos condicionalismos polí-
4. CONCLUSÃO E DISCUSSÃO ticos durante os séculos XII e XIII. Tal situação não poderá ser de for-
ma alguma estranha, e terá óbvias influências nos gostos estilísticos
Como já foi referido, o conjunto cerâmico da sondagem 3 abrange das produções cerâmicas lisboetas, ainda claramente influenciadas
peças destinadas à preparação, serviço e armazenagem. por uma tradição oleira com raízes islâmicas.
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31
ARQUEOLOGIA
AS DIACRONIAS DE OCUPAÇÃO
DE TORRE VELHA 3
Ainda que reduzidos, os materiais polidos calcolíticos são diversificados, mara funerária, que apresentava uma forma genericamente ovalada,
muitos deles relativamente “pesados”, associados a actividades de trans- base aplanada e paredes de tendência côncava. A ligação entre a ante-
formação do meio com forte carácter agrícola, o que pressupõe uma câmara e a câmara era, na grande maioria dos casos, vencida em ram-
ocupação permanente ou pelo menos relativamente estável no local. pa, com três casos onde foi adoptado um escalonamento ou degrau.
Em Torre Velha 3 foi possível identificar, seja em utilização primária A condenação da câmara realizava-se mediante a erecção de blocos
ou em reutilizações, três tipos de estruturas negativas da Idade do Bron- pétreos colocados em cutelo e ligeiramente inclinados sobre os enchi-
ze com enterramentos humanos: em fossa (sete ocorrências), em ni- mentos da câmara. Em 13 casos constatou-se a utilização de uma ar-
cho / gaveta escavado na parede de uma fossa (um caso), e em hipogeu gila muito rígida de grão grosseiro, colocada sobre os elementos pé-
(25 situações). Estes dois últimos tipos de estruturas negativas foram treos, preenchendo e de algum modo impermeabilizando os espaços
construídos e utilizados com fins exclusivamente funerários, diferindo vazios entre eles, fosse numa perspectiva funcional ou ritual (Fig. 5).
da situação observada nas fossas, que se presume
tratar-se de contextos originalmente construídos
para servirem de apoio a um núcleo habitacional e
posteriormente reutilizados como sepulcros.
Com excepção do monumento de Belmeque
(SCHUBART 1974; SOARES 1994), com paralelos na
sepultura 95 de Fuente Álamo (SCHUBART et al.
1989), ou seja, conectado com o mundo argárico da
região de Almería, até ao momento, poucas eram as
publicações portuguesas (VALERA e FILIPE 2010)
com referência a este tipo de contextos, tradições e
arquitectura funerárias, que indicassem semelhan-
ças com aquela área peninsular.
A construção das estruturas do tipo hipogeu inicia-
va-se pela escavação no substrato geológico de um
átrio ou antecâmara. Posteriormente, numa das pa-
FIG. 5 − Hipogeu [1489]-[1490].
redes desta, era efectuado o corte da interface da câ-
33
ARQUEOLOGIA
Deste modo, fica evidente uma normalização do ponto de vista do Refira-se apenas que o enterramento feminino [1799] (FERREIRA
planeamento arquitectónico, ainda que cada monumento apresente 2009), acompanhado por um recipiente do tipo 6a, difere do tradi-
particularidades do ponto de vista morfológico, relacionadas com o cionalmente conhecido no mundo argárico, em que esta forma cerâ-
tipo de inumações e de espólio associado, ou mesmo com o processo mica, em contextos funerários, é associada a sepulturas masculinas,
de sedimentação estratigráfica. com armas e espólio rico.
A presença de átrio, à semelhança do que ocorre no mundo argárico, As jarrinhas com uma decoração caracterizada por uma repetição de
seria, em nosso entender, o local onde ocorreriam os rituais de co- nervuras verticais em forma de gomo, cobrindo toda a superfície do
mensalidade, cujos testemunhos se materializam nas oferendas detec- bojo e atravessando perpendicularmente o corpo deste vaso esferoi-
tadas no interior da câmara, que acompanhavam os cadáveres. dal, com colo estrangulado, gargalo curto e bordo fortemente exver-
A opção pela construção de um átrio de forma quadrangular é supe- tido, encontram fortes paralelos nos sepulcros das necrópoles de
rior às demais, com dez registos, seguida pelos átrios rectangulares (se- Alcaria, Peral, ou mesmo na sepultura VI3 de Atalaia (SCHUBART
te), ovalados (quatro) e circulares / em poço (dois). Em cinco das an- 1965: fig. 18h).
tecâmaras rectangulares, a câmara é escavada na extremidade oposta à Tal como sucede nos rituais de enterramento das sociedades argáricas,
do acesso ao átrio; nos restantes, a câmara é construída numa parede também em Torre Velha 3 foram identificados vestígios do sacrifício
lateral, permitindo um acesso menos directo, desde a entrada do e consumo de espécies maioritariamente bovinas, na forma de oferen-
átrio, em L invertido. das cárneas. Estas surgiam isoladamente ou associadas a outro tipo de
Tanto as estruturas funerárias como os indivíduos inumados possuem espólio, tratando-se de um fenómeno que reflecte rituais de comensa-
orientações diversificadas, reflectindo a ausência de uma padroniza- lidade e sugere uma alternativa material às diferentes classes sociais
ção aquando do planeamento e construção dos sepulcros e consequen- (ARANDA JIMÉNEZ e ESQUÍVEL GUERRERO 2006). Considera-se que o
te colocação dos corpos no interior das câmaras. Foi possível recupe- consumo de alimentos contribuía para afirmar o sentido de comuni-
rar do interior destes sepulcros 23 esqueletos, seis reduções, dois ossá- dade, aparentando ser um acto ritual / simbólico recorrente, numa as-
rios, dois registos de ossos isolados e 48 oferendas funerárias. Neste sociação preferencial com as estruturas funerárias do tipo hipogeu.
conjunto de hipogeus, em apenas três não foi possível observar qual- As estruturas negativas em fossa, cujos depósitos de enchimento são
quer tipo de oferenda a acompanhar o inumado. atribuíveis à Idade do Bronze, contabilizam sete exemplares, possuin-
Como é apanágio deste âmbito cronológico, o tipo de deposição dos do um ou mais episódios de inumação, totalizando onze esqueletos,
indivíduos sepultados em Torre Velha 3 foi invariavelmente fetal, sal- uma redução e um ossário. Merece destaque a identificação da fossa
vo uma excepção, cuja explicação deverá relacionar-se com a dimen- [1064], na qual surgiram dois esqueletos, [830] e [831], de ambos os
são corporal do indivíduo, ou com a condição física do morto e com sexos, orientados de Sudeste para Noroeste, e cuja deposição consti-
o espaço disponível para a sua inumação. O indivíduo [2032] encon- tui excepção no sítio arqueológico, por terem sido depositados em
trava-se, assim, em decúbito dorsal, com os membros inferiores flec- decúbito ventral, junto à parede Sudeste da estrutura e abraçados
tidos. pelas costas. Por algum motivo que desconhecemos até ao momento,
Numa primeira análise, é perceptível a ausência de uma uniformida- os membros inferiores, um dos superiores de cada indivíduo, coluna
de artefactual na combinação dos objectos que acompanhavam os de- e vértebras estavam ausentes do registo arqueológico. Os restantes
funtos. Em seis casos, registou-se a associação entre um recipiente ce- vestígios osteológicos exumados estavam em perfeita conexão anató-
râmico e um artefacto metálico; em quatro, a combinação consistiu mica, o que faz deste caso uma das situações a analisar com maior
nestes dois últimos tipos, acrescentados por uma oferenda cárnea; em pormenor numa posterior investigação laboratorial antropológica.
três sepulcros apenas surgem peças cerâmicas; noutro o inumado Pretende-se, desta forma, confirmar eventuais episódios de ordem
ostentava um colar de conchas de búzio e, num caso, apenas uma ofe- ritual ou de acções relacionadas com desmembramento intencional, a
renda cárnea e um recipiente cerâmico. título de exemplo.
Em regra, o artefacto metálico consistia num punção e surgia sempre Por norma, os enterramentos em fossa não possuem espólio associa-
associado a outros artefactos, metálicos, cerâmicos ou oferendas cár- do e são colocados junto a uma das paredes da estrutura negativa.
neas. Esta associação foi observada em quatro situações. Mais uma vez, a fossa [1064] constitui uma excepção, dado o apare-
As formas cerâmicas mais representadas nos hipogeus de Torre Ve- cimento de espólio cerâmico e lítico associado aos esqueletos, com ta-
lha 3 são as formas 3 e suas variantes (3b2 e 3a) e 5 (com a variante 5a) ças carenadas e denticulados (Fig. 6).
de Schubart (RISCH e SCHUBART 1991), seguidas das formas 6 (vari- Num contexto extremamente violado pela acção de corte das estru-
ante 6a) 7, 8 e 10 e do tipo Atalaia, com expressão mínima. turas [1060] e [1044] da ocupação mais recente do sítio, detectou-se
a única estrutura funerária sob a forma de um nicho lateral tipo gave-
ta, com a inumação de uma criança, na unidade estratigráfica [1045].
O indivíduo encontrava-se em posição fetal, com a fronte virada para [1722]. Trata-se de uma estrutura que continha nos seus enchimen-
a entrada do nicho, não possuía redução nem ossário ou qualquer ofe- tos uma quantidade e diversidade de utensílios e restos líticos bastante
renda, e estava em muito mau estado de preservação. expressivos do processo de debitagem. Se a entendermos como uma
Dentro deste espectro cronológico, o conjunto de estruturas negati- micro-realidade, representativa de um local de talhe, o estudo deste
vas escavadas no substrato geológico [224] com maior expressão conjunto artefactual poderá acrescentar linhas à investigação para o
numérica em Torre Velha 3, corresponde a estruturas de apoio habi- conhecimento da indústria lítica da Idade do Bronze regional.
tacional do tipo silo / fossa, com 70 exemplares). Morfologicamente, O contexto da I Idade do Ferro pouco ou nada acrescenta ao conhe-
assiste-se a uma maior frequência dos perfis em U e rectangulares, cimento dos padrões da cultura material – entenda-se, das realidades
sendo dominantes as potências estratigráficas conservadas com mais de construção desta cronologia, uma vez que não surgiram no regis-
de 100 cm. to arqueológico quaisquer evidências de estruturas. De qualquer mo-
Os enchimentos destas estruturas, sem excepção, não denunciam a do, a presença de abundantes fragmentos de um mesmo pithos e de
presença dos vestígios de depósitos primários associados à utilização uma fíbula de dupla mola coloca este sítio no panorama das ocupa-
das interfaces para a armazenagem de géneros alimentícios, mas sim ções mais antigas da I Idade do Ferro no Baixo Alentejo interior. Este
níveis de pedra e sedimentos com pouco material arqueológico, o que tipo de recipiente cerâmico associa-se maioritariamente a contextos
parece evidenciar uma relativa rapidez na colmatação das mesmas. habitacionais, como elemento de armazenagem, sendo menos recor-
Podemos desde já adiantar que ficou perceptível a diferença entre a rente a sua utilização em contextos funerários de incineração. A peça
tipologia dos recipientes ofertados em contexto fúnebre e os exuma- de Torre Velha 3 caracteriza-se por possuir um bordo exvertido e, pelo
dos do interior dos contextos domésticos. Para além de existirem for- menos, uma asa conservada, que arranca do bordo, e por ter o corpo
mas que não estão presentes no segundo, as matrizes decorativas de- separado do colo cónico através de uma moldura (TORRES ORTIZ
tectadas nos recipientes ofertados não têm paralelos nos restantes con- 1999). Estes descritores, algo vagos (tanto mais que urge uma acção
textos. de restauro realizada sobre os inúmeros fragmentos identificados
Quanto às formas de tratamento, regista-se uma paridade, já que em durante a escavação), apontam para uma cronologia centrada no séc.
ambos detectámos recipientes com brunidos muito espessos e de VII a.C.
muito boa qualidade, à semelhança do que sucede no povoado e A fíbula de dupla mola identificada neste contexto é do subtipo
necrópole de Fuente Álamo (SCHUBART 2004). Schüle 2a/Ponte 3-A, com uma cronologia dilatada e iniciada, segun-
No que respeita aos restantes materiais arqueológicos recuperados, me- do alguns autores, durante o Bronze Final, com paralelos, por exem-
rece especial destaque o conjunto de líticos provenientes do silo / fossa plo, na Quinta do Marcelo, Almada (PONTE 2006: 98), mas datada
35
ARQUEOLOGIA
de uma ocupação da Idade do Ferro no Castro dos Ratinhos, Moura, paço não se afigura fácil, sendo de presumir que deveria tratar-se de
onde se integra na fase 1-a, datada da segunda metade do séc. VIII uma estrutura fechada, sem vãos de passagem, apenas acessível a par-
a.C. (BERROCAL-RANGEL e SILVA 2010-304). tir do seu topo. Poderia corresponder a um tanque, com eventual fun-
A estratigrafia de Torre Velha 3 parece colocar de parte a possibilida- ção de armazenamento de águas pluviais. O Ambiente II partilha a
de da existência de um contexto funerário, o que confirmaria a utili- orientação e a morfologia, e, apesar de destruído a Nordeste, é de su-
zação do pithos como vaso de armazenamento. Encontrava-se disper- por que aqui se encontraria o acesso a um espaço definido por muros
so ao longo de oito unidades estratigráficas e num contexto devoluto, de largura razoável, observação que, associada à área conservada do
com os restantes materiais despejados no interior de uma extensa vala / compartimento, deverá fazer entender a existência de um espaço ori-
/ depressão [1946]. ginal de proporções consideráveis, pelo menos da ordem dos 40 m².
No âmbito da Antiguidade Tardia, o grupo de estruturas negativas Foi identificado um momento de utilização, materializado num piso
com função primária destinada à armazenagem de produtos agrícolas de terra batida e numa lareira. Este compartimento deverá ter fun-
e com reutilização enquanto lixeira e/ou inutilizadas por um entulha- cionado como habitação ou como uma oficina.
mento indiferenciado, é, sem dúvida, o de maior representatividade Já no que respeita a contextos funerários, foi identificado um con-
no sítio, com 143 presenças. junto de 28 sepulturas rectangulares, estruturadas ou não, que carac-
Predominam os perfis em U e as potências estratigráficas que oscilam terizam o sítio de Torre Velha 3 como um dos mais importantes do
entre os 100 e os 200 cm. Em muitas delas, a primeira acção de en- Baixo Alentejo. A estes enterramentos somam-se os esqueletos e os
chimento materializa-se no depósito de um ou dois lattere inteiros, ossários / ossos soltos identificados em seis fossas (Fig. 7). A atribui-
como que sentenciando o uso primário enquanto silo e reutilizando- ção de uma cronologia tardo-antiga para estas evidências advém, não
-as, por exemplo, enquanto lixeira. Outro caso relaciona três silos / só da observação simples de que em nenhum caso se observou espó-
/ fossas (dois deles espacialmente próximos), na medida em que se re- lio associado, não obstante o bom grau de conservação das estruturas
moveu da primeira unidade de enchimento de cada um deles um rectangulares, como, e principalmente, da leitura que a estratigrafia e
fragmento de uma mesma mó circular de granito, com orifício cen- os materiais saídos das fossas permitiram.
tral. Também aqui este facto é sintomático de uma intenção declara- Relativamente à orientação das sepulturas, estruturadas ou não,
da em abandonar o uso das estruturas, entulhando-as, com a particu- observa-se a ausência de um padrão único, podendo no entanto assu-
laridade de ter sido verificada a proximidade desta acção no tempo. mir-se que as estruturas com uma mesma orientação e espacialmente
Os sedimentos de enchimento são maioritariamente carbonatados e próximas deverão pertencer a uma mesma família ou geração (CU-
possuem abundantes elementos de substrato geológico desagregado, NHA 2004: 52). Quanto à posição em que se encontravam os esque-
o que poderá significar uma amortização simultânea à abertura de ou- letos, verifica-se que nas sepulturas estruturadas com elementos de
tras estruturas negativas espacialmente próximas, já que o sedimento construção, os indivíduos eram inumados em decúbito dorsal e, nas
extraído teria de ser depositado noutro local. Outra hipótese poderá restantes, a maioria deles era inumada em decúbito lateral direito. A
relacionar-se com a morosidade da sua colmatação, o que resultaria excepção é feita nos sepulcros em fossa, com deposições variadas.
num derrube da parede e do bocal das estruturas, mesclando-se com Do espólio cerâmico recuperado destacamos o facto de os fragmentos
os sedimentos depositados por mão humana e deformando assim a de cerâmica de construção recolhidos terem sido detectados tanto em
sua morfologia original. Foram ainda identificados casos de enchi- contextos devolutos no interior das estruturas negativas de apoio a
mento rápido, mediante a colocação indiferenciada de sedimentos um núcleo habitacional, como revestindo alguns dos covachos sepul-
estéreis e depósitos com massas pétreas densas. crais deste período. Importa ainda referir que o cruzamento das quan-
No que concerne às estruturas de tipologia silo, foram registadas três tidades do espólio de cerâmica comum com as quantidades do espó-
ocorrências. Trata-se de interfaces abertas no substrato geológico, pre- lio de cerâmica fina evidencia uma comunidade modesta, com uma
enchidas por grandes recipientes cerâmicos (talhas / dolia). residual aquisição de peças de serviço de mesa que podiam ser local
Mas nem só de estruturas negativas se caracterizou a estratigrafia tar- ou regionalmente fabricadas. As pastas evidenciam precisamente isso,
do-antiga de Torre Velha 3. Destaca-se a identificação de dois com- com uma larga percentagem que deverá ser de origem local ou regio-
partimentos fechados, os Ambientes I e II, de características espaciais nal, acessíveis e aptas para as necessidades do quotidiano. Só em casos
muito distintas e para as quais se podem apontar várias vias de inves- raros se conseguiu apurar uma origem mais longínqua para as produ-
tigação, no que respeita às suas funcionalidades. ções cerâmicas, (quase) sempre procedentes das zonas costeiras da Bé-
O Ambiente I era definido por quatro muros, perfazendo um rectân- tica. Assim, dos poucos fragmentos de cerâmica fina recuperada, des-
gulo orientado de Noroeste para Sudeste, fechando um espaço cujo tacamos um bordo de uma peça de forma indefinida com provável
pavimento era em opus signinum, sobreposto a blocos de granito afei- fabrico africano, aparentemente idêntico à forma 3 de Hayes de terra
çoados e dispostos na horizontal. A caracterização funcional deste es- sigillata foceense, datado dos sécs. V-VI d.C.
O acervo material tardo-antigo de Torre Velha 3 é vasto e diversifica- Neste panorama, o mundo funerário afigura-se como a realidade que
do, carecendo de um estudo que nos permita afinar cronologias e melhor define e se começa a conhecer destas populações, atenuando
analisar os novos dados que enriquecem este período cronológico, a lacuna latente entre o Calcolítico e o Bronze Final. O Bronze do Su-
ainda tão pouco conhecido. doeste forma-se na tradição do Calcolítico – Horizonte de Ferradeira
(SCHUBART 1971) –, acentuando-se a utilização funerária de espaços
naturais e a convivência, por exemplo, de fossas com reutilizações
CONSIDERAÇÕES FINAIS funerárias, típicas do III mas também do II milénio a.C.
A grande novidade e, mais que isto, a confirmação registada em Torre
A ocupação calcolítica de Torre Velha 3, como a de outros sítios pró- Velha 3, refere-se a um tipo de sepulcros / hipogeus, num total de 25,
ximos, é certo que acrescenta pontos no mapa, mas individualmente “parentes” da sepultura 95 de Fuente Álamo. A similitude entre o
não altera o vazio regional que se faz sentir para esta cronologia. De mundo argárico e este contexto reside, igualmente, na proximidade
facto, estes “pequenos” sítios com estruturas escavadas na rocha, por das formas cerâmicas ofertadas e na presença de um ritual funerário
vezes com inumações humanas no seu interior, demonstram somen- muito característico, traduzido em oferendas cárneas, decorrentes de
te que estes espaços eram ocupados por sociedades agropastoris rela- rituais de comensalidade, típicos deste mundo.
tivamente estáveis, não permitindo conhecer as características e a or- As práticas funerárias da 1ª metade do II milénio a.C. da margem es-
ganização do seu povoamento ao longo dos IV e III milénios a.C. querda do Guadiana sugerem assim, cada vez mais, uma multiplici-
O mesmo se passa com a investigação arqueológica referente à Idade dade de opções e variações, sendo que a forte influência do mundo ar-
do Bronze do Sudoeste peninsular, num estado muito embrionário, gárico não fere a individualidade do Bronze do Sudoeste, apenas acres-
situação que resulta maioritariamente da nossa realidade histórica, centa novos e estimulantes dados, proveitosos num futuro próximo.
uma vez que os poucos dados disponíveis relacionam-se com achados Os materiais sidéricos identificados em Torre Velha 3 num contexto
isolados decorrentes de fenómenos de violação de contextos arqueo- devoluto deverão, muito presumivelmente, ser originários de outro
lógicos, ou de empreendimentos públicos sujeitos a acompanhamen- local não muito afastado, ou mesmo de outro ponto do terreno des-
to arqueológico que colocam a descoberto este tipo de evidências, e te sítio arqueológico. Esta observação, sobretudo no que respeita di-
que se aliam muitas vezes à parca publicação de dados. rectamente ao pithos e à fíbula de dupla mola do subtipo Schüle 2a/
37
ARQUEOLOGIA
/Ponte 3-A, colocam este sítio no mapa da I Idade do Ferro regional, mente interessantes no que à Idade do Bronze diz respeito, com dados
perspectivando novidades num período ainda tão mal conhecido. como os directamente relacionados com os rituais funerários ou com
Se os vestígios materiais do Alto Império romano na região de Pax as vivências do quotidiano. O mesmo pode ser apontado para os da-
Iulia (Beja) se encontram razoavelmente conhecidos, o mesmo não se dos das restantes ocupações identificadas no local.
poderá dizer do Baixo-Império. A situação complica-se após a divisão A divulgação dos resultados da intervenção arqueológica de Torre
do Império no séc. V, e, neste particular, com as poucas evidências da Velha 3 deverá ser pensada a médio prazo, não só porque a quantida-
religião cristã que, aos poucos, ao longo dos séculos, consegue des- de, a qualidade e a diversidade dos dados assim o obriga, como a
tronar o paganismo: “[…] as provas arqueológicas da presença real do Arqueologia, enquanto campo do saber, deve, imperiosamente, inte-
cristianismo em contexto rural no território lusitano permanecem escassas grar-se no seu tempo, permitindo a divulgação do seu trabalho à
[…]” (CUNHA 2004: 85). comunidade em geral.
Os contextos identificados em Torre Velha 3 inserem-se nesta proble- Neste aspecto, encontra-se já constituído um grupo de trabalho plu-
mática e carecem de uma análise sistemática (a efectuar atempada- ridisciplinar, numa colaboração com o Instituto Tecnológico e Nu-
mente), já que as suas características evidenciam um potencial infor- clear e com o Instituto de História do CCHS-CSIC de Madrid, in-
mativo que não é de menosprezar e que proporcionará dados esclare- cluindo diversos investigadores, como António Monge Soares para as
cedores para a compreensão deste período cronológico. questões relacionadas com o Bronze do Sudoeste e datações radiocar-
A relevância de Torre Velha 3 decorre não só da quantidade dos con- bónicas, Pedro Valério para a Arqueometalurgia, e Marta Moreno
textos, mas, sobretudo, da sua qualidade e diversidade, particular- García no âmbito da Zooarqueologia.
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A
documentation de terrain de la décennie
de 1940, a permis à l’auteur de clarifier
-0002), localizada no distrito de Setú- et de préciser la zone alors fouillée et
bal, concelho de Grândola, represen- d’intégrer historiquement et
chronologiquement les incinérations et
tada na folha 465 da Carta Militar Portuguesa inhumations effectuées dans la
à escala 1: 25000, com as coordenadas X 134,2 / nécropole, entre la moitié du 1er siècle
et le Vème siècle ap. J.C.
/ Y 169,1, situa-se no extremo ocidental da Pe-
nínsula Ibérica, na área da antiga província ro- MOTS CLÉS: Époque romaine;
Tróia (Setúbal); Pratiques funéraires;
mana da Lusitânia e do Conventus Pacencis Nécropole; Christianisme.
(Fig. 1) (ALARCÃO 1988: 128-131). O sítio foi
FIG. 1 − Localização de Tróia. 0 150 km
instalado numa pequena parcela da extensa
península com o mesmo nome na margem es-
querda do Rio Sado, a Sul da cidade de Setúbal, banhada a Sul pelo Oceano Atlântico,
numa área conhecida como Costa da Galé, e a Norte pelo Rio Sado (Fig. 2). É uma área
classificada como Monumento Nacional por decreto-lei datado de 16 de Junho de 1910,
publicada no Diário do Governo n.º 136, de 23 de Junho de 1910, e considerada uma
Zona Especial de Protecção segundo o Diário do Governo n.º 155, de 2 de Julho de 1968.
I
Esta zona é relativamente pobre em termos geológicos, assentando na grande bacia ceno- Fundação para a Ciência e a Tecnologia / UNIARQ –
Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa.
zóica do Tejo-Sado, com elevada concentração sedimentar, traduzindo-se genericamente [texto entregue para publicação em Julho de 2010,
em areias fluviais e dunas. com revisão pontual em Abril de 2012]
39
ARQUEOLOGIA
BREVE HISTORIAL
FIG. 2 − Pormenor da Carta Militar,
folha 465, escala 1: 25 000.
As primeiras referências conhecidas sobre o
sítio arqueológico de Tróia são feitas por Gas-
par Barreiros e An-
1
dré de Resende 1 ain- De antiquitatibus
da no século XVI, Lusitaniae, IV - De
Caetobriga.
mas as primeiras in-
tervenções de que há
notícia são feitas sob o patrocínio da Infanta
D. Maria I, depois de uma passagem pelo Sa-
do em direcção à Herdade do Pinheiro (COS-
TA 1933). Ainda hoje, o local onde a futura
rainha passeou é conhecido pela Rua da Prin-
cesa. Em 1850, inicia-se a primeira campanha
da Sociedade Arqueológica Lusitana, um ano
depois de ter sido constituída em Setúbal,
tendo na figura do Padre Manuel da Gama
Xaro um dos seus principais promotores.
Neste ano começam as escavações sistemáti-
cas, sob a protecção real de D. Fernando II e
o patrocínio do primeiro Duque de Palmela.
Esta Sociedade pretendia constituir um mu-
seu público e promover um conjunto de
acções culturais, através da constituição de
uma biblioteca e de um plano editorial con-
sistente, baseado nos seus trabalhos futuros.
FIG. 3 − Localização da sepultura de Galla,
Teve, no entanto, um tempo de vida curto, segundo COSTA (1924).
entre 1849 e 1857, um ano após a última das
duas campanhas em Tróia. Destes trabalhos
resultaram os Annaes da Sociedade Archeolo-
gica Lusitana (SAL), publicados em três volu-
mes onde, sucintamente, se descrevem alguns
materiais dispersos, assim como algumas das estruturas encontradas. CONCELOS 1897). Em 1895, José Leite de Vasconcelos, com a cola-
Mesmo depois da extinção da SAL, e durante toda a segunda metade boração de um funcionário do Museu Nacional de Arqueologia
do século XIX, vários monarcas se mostraram fascinados pelo sítio, (MNA), Maximiano Apolinário, procedeu à escavação da conhecida
inclusive D. Carlos I, que promoveu uma exploração no sítio (VAS- sepultura de incineração de Galla, da qual conheceu a inscrição fune-
41
ARQUEOLOGIA
FOTO: João Almeida.
PROPOSTA DE LOCALIZAÇÃO E nesta área de vegetação mais densa, que, como veremos adiante, cor-
LIMITES DA NECRÓPOLE DA CALDEIRA responderá à última fase de escavação da necrópole, precisamente
onde se situam os enterramentos mais antigos, no interior de uma es-
É importante referir que a escavação da necrópole da Caldeira não trutura construída para o efeito.
deixou nenhum tipo de vestígio material que possa ajudar a localizar A segunda fase da escavação parece ter-se iniciado depois de um hia-
a área escavada com precisão. É certo, porém, que a grande depressão to de cinco anos, cujos motivos não se afiguram fáceis de compreen-
no terreno que se observa quando chegamos ao sítio é genericamen- der. A data constante no caderno de campo n.º 3 é de Maio de 1954,
te aceite como a área onde se localizava a necrópole escavada por Ma- e só voltamos a encontrar registo de uma data em Agosto de 1955, no
nuel Heleno (Figs. 5 e 6). Concordamos obviamente com esta evi- caderno n.º 4, sendo que o último destes registos (caderno n.º 5) ape-
dência física. No entanto, a área intervencionada não se circunscreve nas refere o ano de 1955. Uma vez que o início da última fase da esca-
apenas a esta zona, principalmente quando sabemos que grande par- vação já se encontra registado no caderno n.º 3, podemos afirmar que
te das sepulturas escavadas a Oeste desta perturbação no terreno esta- a fase em questão terá sido das campanhas mais curtas, acrescentan-
vam a uma cota superior, deixando muito poucos ou praticamente do o facto de que estas intervenções devem ter decorrido em regime
nenhuns vestígios de intervenção, especialmente se atendermos à mo- sazonal, sujeitas a condições meteorológicas favoráveis. Esta segunda
vimentação rápida dos terrenos que cobriram qualquer indício de in- campanha estendeu-se em direcção a NE e aparentemente não foi
tervenção. Felizmente, foi, apesar de tudo, produzida grande quanti- escavada até aos níveis mais antigos da necrópole. Identificaram-se
dade de informação gráfica, o que nos permite, dentro do possível, re- várias sepulturas tardias, que se situam na sua maioria nos séculos IV-
constituir a evolução das próprias intervenções. Assim, na planta 1 -V d.C., a uma cota superior àquela observada na primeira fase de
(Fig. 7) estamos perante a primeira fase de escavação, decorrida sen- escavação. É muito provável que a necrópole se estenda paralelamen-
sivelmente entre os finais de 1948 e uma fase indeterminada do ano te à lagoa, ou seja, em direcção a Este, uma vez que a tendência das
de 1949, e que colocou a descoberto um número significativo de se- intervenções não foi continuar em profundidade nesta segunda fase,
pulturas, que correspondem grosso modo às nossas Fases 1B, 1C, 2A, mas sim alargar em direcção a Norte a primeira fase de escavação. É
2B e 2C e, em número menos significativo, a alguns contextos da assim que chegamos à área sob o pinhal e com vegetação mais densa,
Fase 2D (ALMEIDA 2008: 28). Esta primeira fase de escavação situou- atingindo-se a maior potência estratigráfica da escavação – entre 5 a
-se no limite da linha de praia a Sul e desenvolveu-se em direcção à 7 metros. Esta zona corresponde, num primeiro momento, às sepul-
vegetação de arbustos e pinhal (Fig. 8), embora não tenha penetrado turas mais tardias, que continuam a surgir em cotas mais elevadas
43
ARQUEOLOGIA
Ao contrário de outras áreas do sítio arqueológico de Tróia, a área on- O estudo e a análise das inumações ditas tardias na necrópole da Cal-
de se implantou a necrópole situada a Sul do complexo industrial não deira aconselham, em primeiro lugar, o seu enquadramento históri-
tinha sido alvo de intervenções até aos finais da década de 1940, se- co-cronológico, de forma a compreender e definir o ambiente em que
gundo a informação de que dispomos hoje. A escavação em Tróia, em estes enterramentos foram praticados, em oposição, por exemplo, ao
particular na necrópole da Caldeira, fez-se com a presença intermi- Alto Império, onde o ritual praticado e os vestígios arqueológicos são
tente de Manuel Heleno no terreno. substancialmente diferentes.
Conhecemos esta situação sobre- Embora a historiografia e a arqueologia tendam geralmente a fechar
2
tudo pela correspondência 2 reme- Epistolário de Manuel Heleno. alguns períodos em datas de referência, não significa que, de um dia
tida por Jaime Roldão e Bandeira Arquivo Museu Nacional para o outro, uma civilização tenha acordado num período histórico
de Arqueologia.
Ferreira, os colaboradores que pas- diferente do anterior. De qualquer forma, o que define o termo ou ex-
saram a maior parte do tempo no pressão “Antiguidade tardia / Baixo Império” é sobretudo a lenta mu-
local. A escavação propriamente dita era feita sob a orientação destes, dança dos modelos políticos, económico-sociais e religiosos no Im-
com mão-de-obra local, e, chegada a fase de registo fotográfico, era pério em torno dos meados do século III d.C., fruto da dificuldade
solicitada a presença de Heleno, que aliás se encarregou da maior par- em controlar e gerir uma área extremamente vasta, sujeita a pressões
te dos registos e da memória descritiva dos contextos escavados fixa- várias, quer dentro do Império, quer junto às fronteiras, onde os ata-
da nos famosos cadernos de campo. ques e incursões se tornam mais frequentes e difíceis de enfrentar.
O volume de informação e a sobreposição de escavações em vários Esta instabilidade tem o seu expoente máximo em Março de 235,
pontos do país fez com que Manuel Heleno acumulasse bastante in- quando Alexandre Severo é assassinado às mãos das suas próprias tro-
formação, a maior parte dela inédita durante toda a sua vida. A reco- pas. A partir deste episódio, e durante cerca de 50 anos, o Império
lha destes materiais no MNA permitiu assim que muitos destes sítios mergulha numa grave crise, sobejamente conhecida como a Crise do
possam agora ser estudados, tal como a necrópole da Caldeira, que Século III, onde mais de duas dezenas de candidatos ao imperialato
aqui se apresenta. se enfrentaram e acabaram por desmembrar o Império Romano co-
mo até então o conhecíamos.
45
ARQUEOLOGIA
proliferaram, tornando-se cada vez mais populares à medida que os dade, sobretudo quando sabemos que a liturgia mitraica pressupõe a
contactos com o Mediterrâneo oriental amadureciam. existência de um ou mais sacerdotes que iniciam os novos seguidores
nesta doutrina (CUMONT 1903: 150-174). A difusão deste culto está
geralmente associada à presença de forças militares, partindo do prin-
A EVIDÊNCIA MISTÉRICA EM TRÓIA cípio que em algum momento tomaram contacto com esta realidade
no limes do Império, e, por outro lado, à presença de comerciantes
Em 1925, foi descoberto em Tróia um dos mais importantes vestígios que, através dos contactos com várias províncias, trouxeram em deter-
do culto mitraico no território hoje português. Referimo-nos ao frag- minada altura uma nova crença que se generalizava um pouco por
mento de tríptico do qual apenas resta o último quadro, com a repre- todo o Império. No caso de Tróia, será bastante difícil encontrar algu-
sentação do banquete com Hélios, antes da sua ascensão apoteótica ma validade na primeira hipótese, remetendo-nos assim com grande
(Fig. 12). A presença deste ornamento parietal implica forçosamente probabilidade para a chegada deste culto através da transmissão de
a existência de um local de culto dedicado a Mitra, já que aquele pai- ideias ou de pessoas que lhe seriam afectas por força da máquina
nel não tem outra função que não seja a de fazer parte de um templo comercial. Não é de descurar igualmente a hipótese de que esta mes-
mitraico. Infelizmente, não se pode identificar com precisão o local, ma transmissão se possa ter efectuado por outras vias, uma vez que o
nem relacioná-lo estratigraficamente com a restante estação, embora, contacto com a capital da província foi uma constante.
através da análise estilística do painel, pareça consensual que a sua Certo é que o culto mitraico atinge durante o século III d.C. o seu
cronologia nos remete para o século III d.C. (GARCÍA Y BELLIDO auge, e encontra-se disseminado um pouco por todo o Império, mes-
1949: n.º 398; MACIEL 1996: 128-131). mo nos seus extremos, como é o caso de Tróia.
Apesar da exposição e do contacto que a comunidade de Tróia teve Uma das características dos cultos mistéricos/orientais reside precisa-
seguramente com as transformações filosóficas da época e as novas mente no seu secretismo e na ausência de elementos fora do contex-
correntes religiosas, sobretudo devido à sua localização e vocação to habitual, nomeadamente a escultura e as aras votivas, quase sem-
comercial, foi necessário que existisse alguma receptividade e meca- pre relacionadas com o próprio local de culto – mitreum. Indepen-
nismos legais que permitissem a introdução deste culto na comuni- dentemente de não existir até à data uma evidência cabal da presença
47
ARQUEOLOGIA
de cultos mistéricos em contexto funerário na necrópole da Caldeira, calmente oposta, aproximando-se neste caso dos modelos funerários
é absolutamente inegável a presença deste em Tróia. cristãos.
Ainda assim, é extremamente difícil e, portanto, muito subjectivo Um dos melhores exemplos é o espólio da sepultura 22 (ALMEIDA
identificar e reconhecer a influência dos cultos mistéricos no ritual 2008: 55-56), datada dos finais do século III-inícios do IV d.C. Esta
fúnebre, principalmente quando lidamos com a ausência de elemen- extraordinária sepultura parece contrariar o típico enterramento cris-
tos que permitam uma associação directa a um ou mais cultos em tão, por um lado, devido à sua orientação SE-NO, e, por outro, pela
particular, como sucede, por exemplo, na necrópole de Carmona, on- sumptuosidade do espólio recolhido (Fig. 13), pouco compatível com
de Bendala Galán sugere que a conhecida Sepultura do Elefante re- a humildade que caracteriza os enterramentos ditos cristãos.
flecte um culto a Ísis e Átis, datado da época do imperador Cláudio.
Segundo este autor, é esse imperador que “[…] introduce sus fiestas en
el calendario romano y abre a los ciudadanos las puertas de la participa- O TRIUNFO DO CRISTIANISMO
ción, a la vez que lima ciertas asperezas que repugnaban a los gustos de
su pueblo […]” (BENDALA GALÁN 1976). Um dos temas mais interessantes da Antiguidade tardia é o da difu-
Estes cultos em particular mantêm a sua popularidade (e populismo) são do Cristianismo e da sua implementação no Ocidente Peninsular.
durante muito tempo, inclusive durante todo o século III, altura em Apesar dos inúmeros vestígios deste culto e da abundância de fontes,
que outro culto oriental – o mitraísmo – foi amplamente praticado, sobretudo após a sua oficialização em 380 d.C. no Édito de Tessalónica
como já tivemos oportunidade de comentar. É por isso incontornável por Teodósio, não é de todo claro de que forma este chegou à Lusi-
que o leque religioso romano absorveu grande parte das influências tânia. Mesmo antes do seu pleno reconhecimento oficial por parte do
que encontrou nos limites orientais do Império, sendo que esta per- Estado, existiam já várias comunidades cristãs organizadas na Penín-
meabilidade não se estendeu ao Cristianismo, fortemente reprimido sula Ibérica, como se depreende da análise das fontes mais antigas
pela autoridade, uma vez que não reconhecia qualquer outra divin- onde estas comunidades são referenciadas, como são os textos de
dade e proclamava silenciosamente uma Teocracia Messiânica. Ireneu de Lyon dos finais do sécu-
4
Uma das revelações surpreendentes do estudo das inumações da ne- lo II d.C. 4, e de Tertuliano no iní- Aduersus Haereses - Contra as
crópole da Caldeira prende-se com a orientação do cadáver, depois da cio do século III d.C. . 5 Heresias I: X.
5
Aduersus Judaeos - Contra os
análise atenta dos cadernos de campo e das descrições das sepulturas. Apesar destas referências, em certa
Judeus VII.
Apesar da dúvida e da fragilidade dos argumentos inerentes à inter- medida exagerando a importância
pretação das orientações funerárias, uma vez que se tratam em última do Cristianismo na época (BLÁZ-
análise de propostas subjectivas, parece-nos plausível que existem dois QUEZ MARTÍNEZ 1978: 260), será apenas no século IV, em 311 d.C.,
padrões de enterramento nas inumações da necrópole da Caldeira. através de édito do imperador Galério em Nicomédia, que o Cristia-
O primeiro refere-se às sepulturas que se situam nos finais do século II- nismo se torna uma religio licita (MARTÍNEZ TEJERA, no prelo: 109),
-primeira metade do século III d.C. até aos finais do século III d.C. e concedendo liberdade de culto a todos os cristãos, após as grandes
apresentam, na sua esmagadora maioria, uma orientação solar (?), ge- perseguições de Diocleciano e do próprio Galério, em 303 d.C. Será
nericamente SE-NO (cabeça-pés). Quanto ao segundo padrão, cujas a partir de 313 d.C. e da tolerância religiosa que visava o fim das per-
orientações são genericamente opostas às observadas anteriormente, seguições, sobretudo aos cristãos, do Édito de Milão proclamado por
surgem ainda na segunda metade do século III d.C., mas correspon- Constantino, que o ambiente religioso cristão conhece a sua estabili-
dem sobretudo às últimas inumações, datadas dos séculos IV e V d.C. dade definitiva, traduzida na sua difusão sem precedentes.
Através desta análise, revela-se muito tentador distinguir estes dois pa- Como já tivemos oportunidade de comentar, a noção de renascimen-
drões, sobretudo quando existe grande consensualidade quanto às ori- to é uma das principais características dos cultos e religiões orientais,
entações NO-SE corresponderem aos típicos padrões cristãos, orien- e, quando se trata de compreender o fenómeno cristão e a sua disse-
tando o indivíduo para Oriente. Entre estas fases, verifica-se uma co- minação, é fundamental a análise do seu contexto sócio-político. Em
existência dos dois padrões entre a segunda metade e o início do sécu- termos muitos genéricos, a aceitação da figura de Cristo como o Mes-
lo IV, embora, à medida que nos aproximamos do final do século III, sias na cultura judaica abriu uma nova página na história das religiões,
as orientações NO-SE aumentem exponencialmente. já que aquilo a que podemos chamar – sem nenhuma intenção pejo-
Naturalmente que se torna difícil e por vezes perigoso estabelecer rela- rativa – de judeus dissidentes, abre caminho à implementação do
ções intencionais entre uma determinada orientação e o seu significa- Cristianismo propriamente dito. Significa isto que uma parte da co-
do, mas, neste conjunto de sepulturas, o padrão é por demais eviden- munidade judia abraçou a figura de Cristo como o Messias, ao mes-
te e não parece ser possível fazer outra leitura que não esta, até por- mo tempo que outra não lhe reconheceu autoridade divina, dando
que na fase seguinte as orientações conhecem uma configuração radi- continuidade à antiga tradição judaica. ...50
0 5 cm
0 3 cm 0 3 cm
FOTOS: João Almeida.
0 3 cm
49
ARQUEOLOGIA
6
48... Este fenónemo, observado Segundo Estrabão (Geographia
numa zona específica – a provín- liv. XV-34-38, 40, 46), Iudaea foi
o nome da província romana que
cia romana da Iudeae, mais tarde englobava genericamente a área da
Syria-Palestina 6 –, é a bifurcação Galileia e Samara entre os anos 6 e
observada no tronco comum en- 135 d.C., altura em que, após uma
rebelião, o imperador Adriano
tre as duas religiões, que mudará alterou o nome para Syria-
mais tarde toda a concepção filo- Palestina, de forma a confirmar a
memoria damnatio sobre os judeus.
sófica e religiosa da Antiguidade.
Não é objecto deste trabalho ten-
tar compreender como evolui esta nova tendência religiosa, embora o
momento e a constante opressão romana sobre uma área muito sensí-
vel à mudança religiosa tenham seguramente despoletado uma onda
de descontentamento e revolta, quando uma comunidade se vê ago- FIG. 14 − Sepultura 89: ânfora Keay 78 reutilizada
(Arquivo Museu Nacional de Arqueologia).
ra reduzida a uma província de uma força estrangeira. Este ambiente
frágil e de mudança iminente foi um campo fértil para o triunfo do
Cristianismo, baseado na promessa de libertação da comunidade. Es- Este é, porventura, um dos pilares filosóficos do Cristianismo desta
ta nova consciência religiosa faz parte do chamado Cristianismo pri- fase, que justifica em larga medida as orientações funerárias O-E ou
mitivo, rapidamente disseminado nesta área geográfica, assim como NO-SE, embora, como também já referimos, este argumento não se-
na Península Itálica, onde a linguagem moral passava pela salvação co- rá totalmente estanque, sobretudo quando se conhecem enterramen-
lectiva após a segunda vinda do Messias, ao contrário da missão teo- tos plenamente cristãos com outras orientações. Para além dos cons-
lógica de Paulo, onde a salvação individual estava ao alcance de cada trangimentos físicos do espaço, há que ter em conta a importância
homem. A individualidade e o afastamento da radical transformação que o próprio culto dos mártires teve durante toda a história do Cris-
social são geralmente relacionados com o facto de tornar o movi- tianismo e sobretudo nos séculos IV e V d.C. Neste sentido, a orien-
mento “aceitável” ao estilo religioso mais lacónico das cidades gregas, tação baseada no modelo NO-SE poderia ser relegada para segundo
para onde os missionários Paulinos se dirigiam (DAVIES 1999: 9-10) plano, para dar lugar à proximidade de um sepulcro onde foi sepul-
e a partir das quais se mesclou com outros movimentos até chegar a tado um mártir. Com os dados actualmente disponíveis, resultantes
todo o Império. da área escavada, não parece ter existido uma sepultura de inumação
É importante sublinhar que a noção de um Dia do Julgamento – na necrópole da Caldeira com estas características, o que sublinha a
quando o indivíduo é pesado na balança moral de Deus – é simulta- homogeneidade das orientações mais tardias, não só nesta necrópole,
neamente uma característica do universo religioso do Antigo Egipto mas um pouco por todo o sítio arqueológico, incluindo os enterra-
e dos cultos persas. Associada a esta noção existe uma franca preocu- mentos que reaproveitam áreas entretanto abandonadas, como cetá-
pação com o corpo, durante a vida e nos rituais praticados, assim co- rias, por exemplo (ver abaixo).
mo em manter a identidade do falecido (IDEM: 7). É esta forma de A maior dificuldade reside precisamente na datação destes contextos,
encarar a morte, transversal a variadíssimas culturas orientais, que uma vez que o espólio é praticamente inexistente, impedindo assim
subsiste na cultura judaico-cristã da nossa Era e amadurece à medida uma datação afinada. Um dos principais problemas foi a fraca impor-
que o Cristianismo se implanta definitivamente no Império Romano. tância atribuída pelos responsáveis da escavação aos elementos reco-
lhidos na chamada área de frequentação da necrópole.
Existe, de facto, uma quantidade apreciável de fragmentos de terra
O REGISTO ARQUEOLÓGICO sigillata recolhida durante os trabalhos destas zonas exteriores, mas
não é possível recuperar a sua estratigrafia, impedindo-nos assim de
Seguindo o mesmo modelo de orientações anteriormente referido, as relacionar estes materiais com os contextos funerários. As escavações
últimas inumações da necrópole da Caldeira orientam-se, na sua recentes em Pupput, Tunísia (BEN ABED e GRIESHEIMER 2004), dão-
grande maioria, num eixo NO-SE (cabeça-pés), colocando o indiví- -nos uma ideia geral da importância do estudo deste material, permi-
duo orientado para Jerusalém ou tindo assim afinar a cronologia da necrópole e identificar ritmos de
Oriente, onde, segundo a literatu- 7
“Tal como o relâmpago rasga o céu utilização destes espaços, o que, infelizmente, será impossível de fazer
ra cristã, surgirá o Messias na sua desde o oriente até ao ocidente, assim no estudo da área escavada por Manuel Heleno na necrópole da Cal-
segunda vinda terrena, no dia do será a vinda do Filho do Homem” deira. Este facto é ainda mais frustrante quando tentamos datar as
(Mateus 24:27).
Julgamento Final 7. inumações mais tardias, precisamente aquelas que menos – ou ne-
FIG. 15 − Cabeceira de sepultura decorada com três cruzes páteas pintadas a fresco.
8
nhum – espólio apresentam. Quer isto dizer que, sem métodos cien- cristão no nosso território, é uma Esta representação iconográfica
tíficos actuais, tornamo-nos reféns de largos espectros cronológicos, sepultura de inumação implanta- foi apresentada em Dezembro de
2010 no encontro “Leituras do Sul
baseando-nos sobretudo no material anfórico reutilizado e converti- da já depois do abandono de um Cristão em Mértola”, por Inês Vaz
do em sarcófagos infantis (Fig. 14), e na tentativa de recuperar a sua edifício junto ao rio, com orien- Pinto, Patricia Magalhães,
relação com os enterramentos imediatamente anteriores, onde se con- tação genericamente O-E, cuja ca- Patricia Brum e o signatário e,
mais recentemente, em Abril 2012,
seguiu estabelecer uma boa cronologia. No entanto, o cenário não é beceira estava decorada com três no “1º Encontro de História de
tão mau como parece, já que a necrópole não foi escavada na sua tota- cruzes páteas 8 pintadas a fresco Arte da Antiguidade da FCUNL”.
lidade e existe certamente um potencial enorme por explorar. (Fig. 15). Este vestígio remete-nos
À medida que nos aproximamos de épocas mais tardias, nomeada- claramente para uma cronologia pós-oficialização do Cristianismo,
mente a partir do século IV, assistimos a um fenómeno de contracção sobretudo pela própria iconografia. É visível a tentativa de reproduzir
das cidades e a alterações no urbanismo, ao mesmo tempo que as ne- as letras do alfabeto grego alfa e ómega, tal como surgem associadas
crópoles ocupam áreas abandonadas no seu interior e se aproximam ao crismón, mas apenas está pintada a letra maiúscula alfa por baixo
cada vez mais de locais de culto – basílicas, túmulos de mártires, por dos braços da cruz.
exemplo –, convivendo assim com o mundo dos vivos, ao contrário Na necrópole da Caldeira, e na ausência de edifícios, este fenómeno
do que sucedia no Alto Império, mesmo com impedimentos legais traduz-se sobretudo na aproximação dos enterramentos entre si e,
(Codex Theodosianus XVI, 5,7,3, citado por DE MAN 2005: VI.III). inclusive, na reutilização de sepulturas para enterramentos duplos,
A utilização destes espaços é por demais evidente no interior do com- fruto talvez do aumento exponencial de população e da gestão do es-
plexo industrial de Tróia, principalmente junto da basílica, onde o paço, uma vez que não conhecemos a totalidade da área consagrada à
interior e exterior do edifício estão praticamente cobertos de enterra- necrópole. Como já tivemos oportunidade de comentar, a ausência
mentos, mas também um pouco por toda a estação, onde algumas ce- de espólio destas últimas fases é uma constante, e esta ausência mate-
tárias entretanto abandonadas e entulhadas receberam inumações no rial no depósito funerário foi aparentemente uma opção, uma vez que
seu interior. Outro dos locais onde este fenómeno de contracção se no contexto “cemitério” foram recolhidas várias lucernas tardias com
observa, porventura o mais espectacular vestígio inequivocamente representação claramente cristã, assim como grande quantidade de
51
ARQUEOLOGIA
sigillata clara D, ambas totalmente ausente nos contextos funerários, Embora este número seja reduzido, a sua explicação poderá dever-se
sublinhando portanto a humildade inerente aos enterramentos cris- à fraca importância atribuída a estes materiais pelos responsáveis pela
tãos. Mais uma vez não temos registo nem informação que nos per- escavação, já que existem nas descrições dos cadernos de campo refe-
mitam relacionar estes materiais recolhidos na área de frequentação rências a pregos no interior das sepulturas que não encontram corres-
com o espaço envolvente e com as estruturas funerárias, cujo contri- pondência no inventário do MNA.
buto para a datação desta fase seria sem dúvida muito útil. Há ainda
a assinalar a presença de pregos em algumas sepulturas, provavelmen-
te relacionados com a construção de um caixão de madeira.
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[212 766 975 | 967 354 861] 3: 201-220.
[travessa luís teotónio pereira, cova da piedade, almada]
da Piedade ABSTRACT
N
Archéologie urbaine; Patrimoine; Jardins historiques.
Quinta Municipal da Piedade, localizada na Póvoa de Santa Iria (Vila Franca
de Xira). Estes trabalhos foram realizados no âmbito do acompanhamento ar-
queológico do projecto de renovação de infra-estruturas pluviais, desenvolvido pelos Ser-
viços Municipalizados de Água e Saneamento (SMAS) da Câmara Municipal de Vila Fran-
ca de Xira, efectuado pela empresa de Arqueologia Crivarque e sob responsabilidade cien-
tífica da signatária.
As sondagens arqueológicas realizadas enquadram-se no projecto de reconstituição dos
jardins históricos (responsabilidade da Dr.ª Maria Miguel Lucas), cujo principal objecti-
vo é a identificação e definição dos vários programas de jardins existentes, desde o sécu-
lo XVI ao século XVIII, na Quinta da Piedade.
Estas sondagens prévias aos trabalhos de abertura de valas para colocação da infra-estru-
tura tiveram como finalidade a realização de medidas de minimização, com vista à iden-
tificação de contextos arqueológicos que poderiam ser afectados. Enquadram-se na Lei de
Bases do Património, relativamente a trabalhos a realizar junto de imóveis classificados, e
foram solicitadas pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira.
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ARQUEOLOGIA
O sítio intervencionado localiza-se no centro da freguesia de Póvoa de to da actual EN115-5, a cerca de 400 metros para Sudoeste da povoa-
Santa Iria, estando os terrenos em redor da Quinta da Piedade total- ção. A localização da Póvoa de Santa Iria, muito próximo de Olisipo
mente urbanizados, quer por habitações particulares, como por diver- e a caminho de Vila Franca de Xira (possível Ierabriga), certamente
sos edifícios destinados a actividades industriais e empresariais. propiciou uma ocupação intensa de populações limítrofes ao grande
Geomorfologicamente, encontra-se numa pequena elevação sobran- centro habitacional da época, provavelmente com características ru-
ceira à margem direita do rio Tejo, em frente do Mouchão da Póvoa. rais (agricultura), sem esquecer a ligação e importância do rio Tejo na-
Possui um excelente domínio visual sobre o Tejo, quer para montan- quela época.
te, como para jusante, beneficiando ainda da ausência de acidentes O Morgadio da Póvoa foi instituído no século XIV e desenvolveu-se
geográficos significativos nas restantes direcções. a partir da Quinta da Piedade. No início do século XVI, o proprietá-
rio da Quinta e sétimo senhor da Póvoa era D. Martinho de Castelo
Branco, primeiro conde de Portimão, adquirindo a localidade a desig-
3. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO - ARQUEOLÓGICO nação de “Póvoa de D. Martinho”.
Os habitantes da Póvoa tinham como actividades tradicionais a pes-
3.1. A PÓVOA DE SANTA IRIA ca, a agricultura e o trabalho nas salinas e nos telhais. A partir de 1867
iniciou-se a actividade industrial com a “Fábrica da Póvoa” de produ-
Está referenciada a presença de ocupação humana desde o período Pa- tos químicos e, em 1877, da “Companhia de Moagens de Santa Iria”,
leolítico na área da freguesia de Póvoa de Santa Iria, como atestam os para moagem de cereais. A criação da Soda-Póvoa instituiu uma for-
achados isolados de Bragadas, Salvação e Casal da Serra, onde nesta te industrialização na freguesia, que cresceu exponencialmente nas úl-
última foram recolhidos diversos materiais líticos caracterizados como timas décadas do século XX, devido à proximidade física com Lisboa,
pertencentes ao Paleolítico Superior (PARREIRA 1985). Certamente a tornando-se essencialmente num local de dormitório.
região permaneceu ocupada. Porém, não são ainda conhecidos sítios
enquadráveis na Pré-História recente, bem como de períodos proto- 3.2. A QUINTA MUNICIPAL DA PIEDADE
-históricos.
O Período Romano encontra-se melhor conhecido, com diversos A Quinta da Piedade é património municipal e encontra-se classifi-
achados isolados de ânforas junto do mouchão da Póvoa e do rio Tejo, cada na categoria Imóvel de Interesse Público (Dec. N.º 29/84, DR
e uma lápide epigrafada (reutilizada posteriormente) encontrada jun- 145, de 25 de Junho de 1984).
Trata-se de um conjunto de edifícios constituídos por solar / palácio, possuindo várias parcelas agrícolas, que se estendiam até ao rio Tejo.
zonas de lazer com lagos e fontanário, e diversos edifícios de cariz reli- A arquitectura do palácio é genericamente barroca e rococó, enquan-
gioso (Igreja de Nossa Senhora da Piedade, Ermida de Nossa Senhora to os diversos edifícios de carácter religioso apresentam características
da Piedade, Oratório do Senhor Morto e Oratório de São Jerónimo). arquitectónicas manuelinas e barrocas (Fig. 1).
Actualmente, o palácio funciona como biblioteca e serviços adminis- A Quinta é de planta rectangular irregular, implantada em terreno de
trativos da Câmara, existindo nos jardins uma quinta pedagógica e forte pendor, tendo ao centro uma zona plana. Organiza-se em dois
parques infantis e de lazer. eixos perpendiculares, pavimentados a terra batida: o NE-SO, que li-
A origem da Quinta de Nossa Senhora da Piedade remonta a 1348, ga os acessos à Quinta e passa pelo centro do Palácio, com amplo pá-
ano em que o cónego da Sé de Lisboa, Vicente Afonso Valente, insti- tio na fachada posterior, onde se implantam a antiga Casa do Feitor,
tuiu, em testamento, este vínculo. Por matrimónio entre os Valente e anexos agrícolas, um baluarte e vestígios de um jardim; e o eixo NO-
os Castelo Branco, a Quinta passou para a posse dos segundos, nobi- -SE, onde surgem os edifícios religiosos, a Ermida de Nossa Senhora
litados como Condes de Vila Nova de Portimão. Na segunda metade da Piedade, o Oratório de São Jerónimo e o Oratório do Senhor Mor-
do século XVII, transitou para um ramo secundário dos Lencastres, to, três lagos e uma cascata. No interior da quinta surgem, ainda, um
que, entre outros títulos, se tornaram, a partir de 1789, Marqueses de nicho, um fontanário, a zona dos animais e algumas manchas de bos-
Abrantes. Durante o século XVI, D. Francisco de Castelo Branco que, vestígios da primitiva mata, jardim e zonas de cultivo (DIREC-
Valente, camareiro-mor de D. João III, foi senhor da Quinta e nela ÇÃO…) (Fig. 2).
teve bastante importância, nomeadamente na configuração de uma O jardim actual encontra-se muito adulterado, possuindo, na zona do
propriedade de cariz intimista, meditativo, totalmente dedicada, atra- pátio interior do palácio, um amplo relvado, com algumas árvores e
vés de um amplo programa iconográfico, à evocação do Senhor Mor- um poço circular. A zona frontal ao Palácio apresenta vários vestígios
to e de Nossa Senhora da Piedade, levando assim à edificação da er- dos canteiros primitivos, com alguns apontamentos de buxo e várias
mida da N. Sr.ª da Piedade, do oratório de São Jerónimo e da lapa do árvores de grande porte, sobretudo na zona junto às capelas.
Senhor Morto. Esta última foi reedificada posteriormente, no final do Os jardins que existiram neste local tiveram provavelmente a sua ori-
século XVII, estando revestida por painéis evocativos de milagres de gem num frondoso bosque, onde existia também uma nascente natu-
N.ª Sr.ª da Piedade (IPPAR). ral. Este primeiro jardim natural era o local ideal para o programa ico-
A Quinta da Piedade era uma quinta rural, ligada a um morgadio de nográfico e religioso do século XVI, existindo já nesta primeira fase
produção de vinho, sal, azeite, produtos hortícolas e árvores de fruto, uma faixa de terreno marginal ocupada por um pomar de citrinos.
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há mais na internet
uma edição
arece evidente que o olhar sobre o vidro na Antiguidade começa a ganhar novos
P
MOTS CLÉS: Verre; Époque romaine.
2.1. A ORIGEM
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A rápida disseminação deste inovador processo por todo o Império tectura é uma realidade bem documentada, pelo menos, a partir de
Romano, além de se encontrar bem atestada pelos abundantíssimos meados do século I d.C. A sua aplicação em pavimentos (mosaicos),
vestígios arqueológicos presentes em sítios com esta cronologia, che- em revestimentos e em janelas é hoje uma realidade perfeitamente
ga-nos também através dos testemunhos de Plínio, o qual refere que comprovada, ainda que, no último caso, não se tenham eliminado
esta técnica se estende ao Norte da Península Itálica, à Gália, ao Vale completamente técnicas anteriores a esta inovação, onde eram aplica-
do Ródão, à Península Ibérica, ao Vale do Guadalquivir, a Mérida, dos outros materiais (CORTÉZ PISANO 2001).
onde aliás está documentada desde o reinado Júlio-Cláudio (CAL- Pompeia e Herculano, devido ao seu elevado estado de conservação,
DERA DE CASTRO 1983: 69; SORROCHE CRUZ e DUMONT BOTELLA constituem dois dos locais onde melhor se documentaram estas prá-
2005: 29; CASTELLANO HERVÁS 2006: 69). Como bem apontou ticas, comprovando também a antiguidade da utilização do vidro na
Mário da Cruz, podemos subentender com esta afirmação de Plínio Arquitectura (SORROCHE CRUZ e DUMONT BOTELLA 2005: 30; COR-
que se trata, provavelmente, de centros produtores secundários, ain- TÉZ PISANO 2001). No entanto, não resulta fácil a identificação em
da que coloque a possibilidade da existência de uma qualquer produ- sítios arqueológicos de vidros utilizados na Arquitectura durante o Pe-
ção primária por identificar (CRUZ 2009: 175-178). ríodo Romano. Tal dificuldade deriva de dois motivos: o elevado esta-
O conhecimento desta nova técnica constituiu uma clara solução para do de fragmentação que o vidro desta cronologia alcança, e a sua re-
os elevados preços aplicados até então, quer dos artefactos de vidro, fundição para posterior reutilização.
quer dos produzidos com outras matérias, como parece ser o caso dos O vidro plano era obtido vertendo-se para uma superfície plana, a
recipientes metálicos, que viram no mercado um forte concorrente. qual poderia ser de mármore, de metal, ou inclusive, de madeira hú-
Outra clara vantagem do vidro é poder ser reutilizado e refundido, mida (KISA 1908; CORTÉZ PISANO 2001; SORROCHE CRUZ e DU-
facilitando a fundição dos minerais a mais baixas temperaturas e me- MONT BOTELLA 2005: 30; CRUZ 2009: 201 e 202, fig. 4.3.2.2a).
lhorando a homogeneidade da pasta vítrea (ORTÍZ PALOMAR 2001: A partir do momento em que a cana de sopro é introduzida, e pelo
16; CRUZ 2009). elevado trabalho que implicavam, todas as anteriores técnicas produ-
Com efeito, o Período Romano estabelece o momento durante o qual tivas parecem entrar em decadência, ainda que não tenham sido com-
se alcançam as maiores inovações na arte de transformação do vidro. pletamente eliminadas.
Esta realidade parece resultar da assimilação das várias técnicas usadas Para alguns investigadores esta inovação foi introduzida na Península
pelas diversas culturas que operavam esta actividade (SORROCHE Ibérica durante o reinado de Tibério (14-37 d.C.), momento a partir
CRUZ e DUMONT BOTELLA 2005: 30). Por um lado, inspira-se na do qual se inicia a produção de objectos de vidro nas três províncias
aplicação e na utilização de decorações elaboradas patentes nos cen- hispânicas (AGUILAR-TABLADA e SÁNCHEZ DE PRADO 2006: 190;
tros produtores de Alexandria, recorrendo também à utilização de CASTELLANO HERVÁS 2006: 69). No entanto, esta realidade não im-
diferentes cores; por outro, usa-se a técnica de sopro na produção de plicou o abandono da importação de produtos oriundos de outras
peças esteticamente mais simples, mas variadas na sua morfologia, áreas geográficas, como parece ser o caso da Península Itálica, da Gá-
prática aplicada inicialmente na área geográfica da Síria, ainda que lia, do Norte de África e até do Mediterrâneo Oriental.
com as devidas reservas (SORROCHE CRUZ e DUMONT BOTELLA Este facto, mais do que uma novidade, confirma as relações econó-
2005: 30). micas que a Península Ibérica mantinha e que já outros tipos de mate-
É característica intrínseca da mentalidade romana esta concepção prá- riais, como as cerâmicas, haviam permitido corroborar.
tica, na qual se fundem os vários conhecimentos oriundos de práticas Contrariamente às cerâmicas, os vidros apresentam uma dificuldade
culturais e técnicas diversas que, quando aplicados no máximo da sua acrescida no momento da identificação da sua origem e da associação
potencialidade, permitem que o vidro deixe de ser maioritariamente dos fragmentos a distintas proveniências. De facto, e dada a grande
de uso sumptuário e acessível a apenas alguns membros da comuni- homogeneidade do vidro, não resulta fácil a associação de determina-
dade, para passar a ser considerado de uso utilitário e de ampla difu- das peças a centros produtores precisos e, automaticamente, a deter-
são social. minação da proveniência exacta.
Para alguns investigadores, é neste período que se dá a transição do No caso das cerâmicas, as pastas são obtidas sem que se dê uma fusão
vidro colorido para o vidro incolor, que terá sido introduzido pelos dos seus componentes, conservando-se características distintivas entre
vidreiros egípcios, os quais, aliás, trazem também a aplicação do vidro os diferentes centros produtores, assemelhando-as a “assinaturas” que
à arquitectura (HARDEN 1981). Não obstante, permanece por esclare- permitem a identificação, mesmo que aproximada, da sua origem.
cer se, com efeito, o vidro translúcido é conseguido somente no Pe- Os vidros, após uma reacção química que funde todos os seus com-
ríodo Romano. ponentes, ocultam essa mesma “assinatura”, ficando com característi-
Ainda que a questão cronológica da introdução do vidro translúcido cas idênticas independentemente do centro produtor, podendo variar
se afigure problemática, certo é que a aplicação do vidro na Arqui- apenas a qualidade do vidro.
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uma edição
Alto-Imperial del Castrejón de Capote. La historia de Colabore... Leia...
una ciudad sin historia, pp. 159-168 (Memorias de
Arqueología Extremeña, 5). Comente... Divulgue...
GADD, C. J. e THOMPSON, R. C. (1936) – “A
Middle-Babylonian Chemical Test”. IRAQ. 3: 87-96.
67
ARQUEOLOGIA
RESUMO
ABSTRACT
Bronze Final do
Preliminary approach to the study of pattern-burnished
pottery found during archaeological excavations at the Santa
Sudoeste da
Margarida and Entre Águas 5 habitats (Serpa, Beja),
corresponding to upper Bronze Age occupations.
The origin of these ceramics will be determined by studying
the chemical, mineralogical and textural composition of the
Bacia do Enxoé
ceramic pastes, based on different methodologies and
analytical techniques. (Serpa)
KEY WORDS: Bronze age; Decorated pottery;
Chemical analysis; Petrographic analysis.
INTRODUÇÃO
69
ARQUEOLOGIA
0 5 cm
71
ARQUEOLOGIA
0 3 cm
Os fragmentos em estudo apresentam decoração brunida apenas no As amostras são bombardeadas com raios x, os quais são difractados,
exterior, à excepção de dois fragmentos, um proveniente de Santa produzindo-se padrões característicos da estrutura cristalina de cada
Margarida e um outro de Entre Águas 5, que apresentam decoração espécime (ALBERS et al. 2002).
brunida no exterior e no interior. A composição química das pastas cerâmicas será determinada através
No conjunto, a cor das pastas varia entre tons de cinzento-escuro e de espectrometria de fluorescência de raios X, dispersiva de energias
castanho alaranjado. Algumas pastas apresentam indícios de terem (EDXRF) 2.
2
sido cozidas numa atmosfera redutora e arrefecidas em atmosfera oxi- Esta técnica tem como base o A realizar no Departamento de
dante, o que lhes confere uma tonalidade quase negra na zona do efeito fotoeléctrico, segundo o Conservação e Restauro da
Faculdade de Ciências e Tecnologia
núcleo. Em alguns casos, a decoração brunida é realizada sobre um qual cada elemento emite uma ra- da Universidade Nova de Lisboa.
engobe previamente aplicado, noutros a decoração é aplicada sim- diação característica quando su-
plesmente sobre a pasta previamente alisada. jeito a uma excitação apropriada.
Neste caso, optou-se pela utilização do espectrómetro ARTTAX PRO
XRF, que permite a realização de análises em áreas muito pequenas
METODOLOGIA DE ANÁLISE (cerca de 70 x 50 µm²). Desta forma, foi possível reduzir o tamanho
da amostra necessária.
O conjunto que está a ser objecto de análise é composto, para além Por outro lado, tendo em conta a reduzida área de análise e eventuais
dos fragmentos de cerâmica com decoração brunida atrás referidos, heterogeneidades na superfície da pastilha a analisar (obtida a partir
por amostras de argila recolhida no depósito argiloso sobre o qual o da prensagem de pó da pasta cerâmica após moagem), as determina-
povoado de Entre Águas 5 se encontra implantado, e de um tijolo ções efectuam-se, para cada amostra / pastilha, em vários pontos, ge-
produzido num forno moderno (século XIX), localizado na margem ralmente três, da superfície da mesma.
esquerda do Enxoé, sensivelmente a meio caminho entre os dois sí- Após a documentação dos fragmentos cerâmicos, através de fotogra-
tios. fia e desenho (Fig. 5), procedeu-se à recolha de amostras com o auxí-
1
A análise petrográfica em lâmina A realizar no Departamento de lio de uma máquina de corte, provida de um motor de rotação com
1
delgada envolve a observação Ciências da Terra da Faculdade de disco de diamante.
Ciências e Tecnologia da
com luz polarizada de amostras Universidade Nova de Lisboa. Para a análise através da Difracção de Raios X foram moídas 4 g de
de materiais que contenham mi- cada amostra num almofariz de ágata. Para a análise por Espec-
nerais (REEDY 2008). trometria de µ-Fluorescência de Raios X, foram igualmente moídos
Esta técnica permite caracterizar eficazmente as pastas cerâmicas 0,5 g de cada amostra até se obter um pó fino, completamente homo-
quanto à sua textura e porosidade, e avaliar a percentagem, orienta- géneo, que foi posteriormente compactado em pastilhas através de
ção, distribuição, forma e cor das inclusões não plásticas. A observa- uma prensa de alta pressão, que as sujeita a uma pressão de cerca de
ção de lâminas delgadas permite também obter informação detalha- 10 toneladas. Para a preparação das lâminas delgadas cortaram-se “fa-
da da composição mineralógica das pastas, a qual é geralmente com- tias” da amostra com cerca de 2 cm² de área. Estas são alisadas e cola-
plementada com análises por Difracção de Raios X (BARCLAY 2001). das a lâminas de vidro. Posteriormente, as amostras são desbastadas
Com a Difracção de Raios X, é possível identificar as fases cristalinas através de um disco diamantado controlado por um parafuso micro-
nos materiais cerâmicos. métrico e, por fim, são polidas com abrasivos de alumina (de granulo-
metria variável, entre 5 e 0,05 µm) até terem aproximadamente 0,3 mm
de espessura (BARCLAY 2001).
BIBLIOGRAFIA
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Out the 3rd Millennium B.C. on a Local Águas 5 (Serpa)”. In Actas del IV Encuentro de Arqueologia. Lisboa. 8 (1): 111-145.
73
ARQUEOLOGIA
RESUMO
ABSTRACT
São João de Tarouca
Results of the archaeobotanical study of a set of carbonised
vegetable material from the archaeological excavation of a
(Viseu)
17th century kitchen dump at the Cistercian Monastery
of S. João de Tarouca (Viseu).
The author presents a first list of the plants used by the
monks, as well as a preliminary approach to the monastery’s
ecoproductive territory.
RÉSUMÉ
conjunto de sementes
conjunto de carvões
conjunto de carvões
recolha individual
recolha individual
recolha individual
recolha individual
recolha individual
amostra flutuada
(230,57g)
indeterminados
total 5,61 %
75
ARQUEOLOGIA
[continuação]
amostra de sedimento
amostra de sedimento
conjunto de sementes
conjunto de carvões
conjunto de carvões
recolha individual
recolha individual
recolha individual
recolha individual
recolha individual
amostra flutuada
Vicia faba minuta
4,00 %
(352,28g) Hordeum vulgare
(230,57g)
4,00 %
total
Castanea sativa Corylus avellana
frutos e sementes [número de frutos e sementes inteiras]
20,00 % 4,00 %
árvores e arbustos de fruto
Castanea sativa (aquénio) (castanha) 1 1 1 2 5
Corylus avellana (semente + aquénio) (avelã) 1 1 Rubus idaeus
Juglans regia (frag. endocarpo) (noz) 2 2 4 8,00 %
Olea europaea (endocarpo) (azeitona) 3 3
Pinus pinea (semente) (pinhão) 2 3 5
Prunus persica (frag. endocarpo) (pêssego) 3 3
Rubus idaeus (endocarpo) (framboesa) 2 2
cereais e leguminosas
Hordeum vulgare (cariopse) (cevada) 1 1
Vicia faba minuta (frag. cotilédone) (fava) 1 1
plantas silvestres
Briza minor (bole-bole) 1 1
Prunus persica
total 1 2 10 1 1 1 10 26 Pinus pinea
20,00 % 12,00 %
sementes não carbonizadas [número de fragmentos analisados]
Sambucus nigra (sabugueiro) 20 20
Juglans regia
Erica cf. umbellata (queiró?) 11 11
16,00 %
total 31 31 Olea europaea
12,00 %
outros macrorrestos [número de fragmentos analisados]
Quercus (bugalha) (carvalho) 1 1
Erica sp. (folha) (urze, queiró) 1 1
Erica cf. umbellata (folha) (queiró?) 1 1
FIG. 2 − Valores percentuais das diferentes espécies
total 1 1 1 3
de frutos e sementes comestíveis identificadas.
3.1. BREVE DESCRIÇÃO MORFOLÓGICA DOS Semente amendoada subesférica com cerca de 7 mm de diâmetro,
MACRORRESTOS IDENTIFICADOS : com base achatada e ligeira ponta apical.
3
0 3 mm
Corylus avellana
3. Fruto e semente;
4. Vista exterior do fruto; 5
5. Vista interior do fruto (note-se a
marca da área de ligação da semente);
6. Semente.
FOTOS: P. Queiroz.
6
Juglans regia
7 7. Fragmentos de endocarpos.
77
ARQUEOLOGIA
76...(QUEIROZ 2004a), pelo que não podemos neste caso optar por Secção radial: raios homogéneos, formados exclusivamente por célu-
qualquer uma das espécies. las prostradas. Pontuações intervasculares grandes. Pontuações radio-
vasculares grandes, opostas, alongadas radialmente. Placas de perfura-
PINACEAE ção simples.
Pinus pinea L. (pinhão) – Fig. 4.
Fragmentos de testa lenhosa indicando sementes elípticas lisas, com- Quercus robur (carvalho-alvarinho) – Fig. 6.
postas por duas valvas mais ou menos ventralmente achatadas. Secção transversal: porosidade em anel. Anel formado por cerca de
duas (a quatro) fiadas de poros grandes (uma fiada nos anéis mais es-
ROSACEAE treitos). Madeira de Verão com poucos poros pequenos, em fiadas ra-
Prunus persica (L.) Batsch (pêssego) – Fig. 4. diais / oblíquas a flamejantes. Parênquima paratraqueal e apotraqueal
Fragmentos de endocarpo lenhoso fortemente sulcados com sulcos reticulado. Raios multisseriados grandes presentes.
profundos Secção tangencial: raios unisseriados, homogéneos, formados por cé-
lulas aproximadamente circulares em corte tangencial. Raios multis-
Rubus idaeus L. (framboesa) – Fig. 4. seriados largos, com muitas fiadas de células, presentes.
Endocarpos elípticos, assimétricos, com um lado direito e o outro Secção radial: raios homogéneos, formados exclusivamente por célu-
curvo. Apresentam uma superfície muito erodida mas onde ainda é las prostradas. Vasos grandes, por vezes com tilos. Pontuações inter-
perceptível um padrão de esculturação, formando um reticulado de vasculares grandes. Pontuações radiovasculares grandes, opostas, alon-
pequenas cristas. gadas radialmente.
LEGUMINOSAE JUGLANDACEAE
Vicia faba L. var. minuta (Alef.) Mansf. (favinha) – Fig. 5. Juglans regia (nogueira) – Fig. 7.
Cotilédone elíptico muito alongado, reniforme, com uma face plana Secção transversal: porosidade difusa. Anéis de crescimento indistin-
e a outra de secção semicircular. tos. Poros pouco frequentes, grandes, em múltiplos radiais de dois a
três (quatro) poros.
POACEAE Secção tangencial: raios com uma a três células de largura, compridos,
Hordeum vulgare L. (cevada vulgar) – Fig. 4. com até cerca de 20 células de altura.
Cariopse de forma lenticular, com contorno dorsal / ventral elíptico Secção radial: raios homogéneos formados exclusivamente por células
e os extremos atenuados; contorno lateral achatado, com a zona mais prostradas. Alguns raros raios ligeiramente heterogéneos, com uma
espessa na parte central. fiada marginal de células quadradas também presentes. Fibras curtas.
Pontuações intervasculares alternas, relativamente pequenas. Placas
Briza minor L. (bole-bole) de perfuração simples. Cristais prismáticos solitários raros.
Cariopse subcircular, achatada, muito pequena (cerca de 1 mm), com
um pequeno hilo basal. BETULACEAE
Corylus avellana (aveleira) – Fig. 7.
3.1.2. Tipos xilomórficos Secção transversal: porosidade difusa. Poros em múltiplos radiais de
três a cinco (sete) poros, pouco frequentes e mais ou menos alinhados
FAGACEAE em fiadas radiais. Poros e fibras com paredes finas.
Castanea sativa (castanheiro) – Fig. 6. Secção tangencial: raios um a três seriados, estreitos e compridos.
Secção transversal: porosidade em anel. Poros de Primavera grandes, Secção radial: raios ligeiramente heterogéneos, com uma a duas fiadas
formando um anel contínuo. Poros de Verão pouco abundantes, em marginais de células erectas. Pontuações areoladas alternas grandes e
filas estreitas de poros orientadas radialmente, ou ligeiramente oblí- abundantes nos vasos. Placas de perfuração escalariformes, com até
quas em prolongamentos flamejantes. Parênquima ausente ou muito seis barras espessas.
disperso.
Secção tangencial: raios predominantemente unisseriados, com até SALICACEAE
30 células de altura. Alguns raios bisseriados presentes, por vezes em Populus (choupo, álamo) – Fig. 8.
filas tangenciais. Secção transversal: porosidade difusa. Poros grandes, abundantes, em
múltiplos de dois-três (quatro), com orientação radial. ...80
Olea europaea
1. e 2. Endocarpo fragmentado.
Pinus pinea x
3. e 4. Testa lenhosa fragmentada.
3 4
Prunus persica
5. Fragmento de endocarpo.
0 3 mm
5
Rubus idaeus
6. Endocarpo.
Hordeum vulgare
7. Cariopse, vista dorsal;
8. Cariopse, vista ventral.
6 7 8
FOTOS: P. Queiroz.
0 1 mm 0 3 mm
FIG. 4 − Olea europaea, Pinus pinea, Prunus persica, Rubus idaeus e Hordeum vulgare.
79
ARQUEOLOGIA
78...Secção tangencial: raios exclusivamente unisseriados, compridos, Secção radial: raios heterogéneos. Pontuações intervasculares com até
com até 20 células de altura. Raios com células ovais em secção tan- 4 µm. Placas de perfuração simples.
gencial.
Secção radial: raios exclusivamente homogéneos. Vasos densamente Erica cinerea (urze-roxa, torga) – Fig. 9.
pontuados. Pontuações intervasculares alternas, grandes. Pontuações Secção transversal: porosidade difusa. Poros isolados, mais raramente
radiovasculares grandes, simples. Placas de perfuração simples. em pequenos grupos radiais de dois a três poros. Poros pequenos,
com cerca de 20-35 µm de diâmetro.
ROSACEAE Secção tangencial: raios um a seis seriados, relativamente curtos.
Prunus cerasus / avium (gingeira / cerejeira) – Fig. 8. Raios multisseriados frequentes.
Secção transversal: porosidade difusa. Poros pequenos (até cerca de Secção radial: raios heterogéneos, com células prostradas no centro e
30 µm), abundantes e em múltiplos irregulares. Poros com inclusões uma-três fiadas de células erectas nas margens. Vasos densamente
gomosas abundantes. pontuados, com pontuações circulares, pequenas. Pontuações nas
Secção tangencial: raios um a três seriados, muito compridos e estrei- fibras muito pequenas (cerca de 2 µm). Placas de perfuração simples
tos.
Secção radial: raios heterogéneos, com uma a três fiadas marginais de Erica umbellata (queiró) – Fig. 10.
células quadradas. Placas de perfuração simples. Espessamentos espi- Secção transversal: porosidade difusa. Poros isolados, mais raramente
ralados finos e largamente espaçados, presentes nas paredes dos vasos. em pequenos grupos radiais de dois a três poros. Poros pequenos,
Cristais prismáticos raros. com cerca de 20-35 µm de diâmetro.
Secção tangencial: raios um a dois seriados, curtos, com até dez célu-
Prunus domestica (ameixeira) – Fig. 9. las de altura.
Secção transversal: porosidade difusa. Poros em grupos de orientação Secção radial: raios heterogéneos, com células prostradas no centro e
radial e oblíqua, com dois a quatro poros. Poros abundantes, com até uma-três fiadas de células erectas nas margens. Vasos densamente
30 µm de diâmetro. pontuados, com pontuações circulares, pequenas. Pontuações nas
Secção tangencial: raios dois a seis seriados, na maioria com mais de fibras muito pequenas (cerca de 2 µm). Placas de perfuração simples
três células de largura, não muito compridos.
Secção radial: raios homogéneos e heterogéneos, formados por célu- THYMELAEACEAE
las prostradas, por vezes com algumas fiadas marginais de células qua- Daphne gnidium (trovisco)
dradas. Cristais em fiadas longitudinais presentes. Vasos com espessa- Secção transversal: porosidade difusa. Poros infrequentes, em peque-
mentos espiralados finos, em espirais largas, espaçadas entre si. Placas nos grupos. Tecido vascular pouco diferenciado do tecido de suporte;
de perfuração simples. tecido fibroso de paredes ligeiramente mais espessas que o tecido vas-
cular.
ERICACEAE Secção tangencial: raios unisseriados, relativamente curtos (raros raios
Arbutus unedo (medronheiro) bisseriados presentes). Células dos raios elípticas, alongadas longitu-
Secção transversal: porosidade difusa. Poros isolados e em pequenos dinalmente. Fibras largas e curtas, fusiformes.
múltiplos radiais ou ligeiramente oblíquos de dois a quatro poros. Secção radial: raios heterogéneos, formados por células quadradas e
Secção tangencial: raios até cinco seriados, relativamente curtos, de erectas. Placas de perfuração simples.
contorno fusiforme.
Secção radial: raios heterogéneos, com células prostradas no centro e 3.1.3. Outros
uma a três fiadas de células quadradas e erectas nas margens. Vasos
com fortes espessamentos espiralados. Placas de perfuração simples. ( FAGACEAE)
(Quercus sp.) (carvalho) – Fig. 5.
Calluna vulgaris (urze-roxa) – Fig. 10. Estrutura esférica de parede lisa, muito leve, com cerca de 13 mm de
Secção transversal: porosidade difusa. Poros isolados, pequenos, com diâmetro. Parede lisa e pequeno pedúnculo de ligação ao tronco da
cerca de 20 µm de diâmetro, abundantes. Anéis de crescimento visí- planta. Apresenta um pequeno orifício tubular, localizado mais ou
veis, marcados por uma estreita banda sem poros no final da camada menos a meio da superfície, correspondendo ao local de saída do
de crescimento. insecto do interior da estrutura. Identificada como um bugalho de
Secção tangencial: raios exclusivamente unisseriados, formados por Quercus.
células quadradas e erectas. ...82
1 2
0 3 mm
6
3
0 1 mm
Quercus
4. Bugalha, vista lateral
(note-se o orifício a meio da superfície);
5.Bugalha, vista basal
(note-se o pedúnculo de ligação ao tronco); 5
7
6. Detalhe do pedúnculo;
7. Detalhe do orifício de saída do insecto. 0 3 mm
Sambucus nigra
8. Sementes não carbonizadas.
0 1 mm 0 1 mm
FIG. 5 − Vicia faba minuta, Erica cf. umbellata, Quercus e Sambucus nigra.
81
ARQUEOLOGIA
80... 4. COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES identificação de espécies botânicas, só possível face a exemplares com-
pletos, frescos ou herborizados.
Os conjuntos arqueobotânicos identificados acumulados na lixeira de Assim, se em alguns casos a identificação é realizada ao nível específi-
cozinha do Mosteiro de São João de Tarouca reflectem parte dos re- co, e a relação entre tipo morfológico e espécie botânica é biunívoca,
cursos vegetais utilizados pela comunidade cisterciense durante o sé- noutras situações a identificação é referida a um nível taxonómico de
culo XVII, em particular no que se refere à alimentação, a matéria- menor resolução, sendo a entidade reconhecida (tipo morfológico)
-prima de construção, e/ou lenha. comum a um conjunto de diferentes taxa botânicos.
Com o presente trabalho, iniciamos uma Lista das Espécies da Flora de Nestes casos, e seguindo o princípio do actualismo, os critérios coro-
Portugal utilizadas pelos monges cistercienses, com base na evidência lógicos e de distribuição geográfica em Portugal actuais poderão con-
arqueobotânica (ver pág. 87). tribuir para a inferência mais detalhada do elenco específico associa-
Incluímos ainda uma primeira abordagem ao Território Ecoprodutivo do a determinada entidade morfológica, de acordo com o padrão de
do Mosteiro e seu couto, com base no reconhecimento das entidades probabilidade mais sustentável.
de paleovegetação regionais (ver pág. 96).
Refira-se que a identificação realizada corresponde a um reconheci-
mento de tipos morfológicos (carpológicos, dendrológicos), e não à Ver referências bibliográficas completas nas páginas 95-100
6. Juglans regia.
4. Juglans regia. 5. Juglans regia. Secção radial, vaso com
Secção radial, raios homogéneos. Secção radial, raio heterogéneo. pontuações intervasculares.
83
ARQUEOLOGIA
4. Populus.
Secção radial, raios homogéneos.
5. Prunus cerasus / avium. 6. Prunus cerasus / avium. FIG. 8 − Populus e Prunus cerasus / avium.
Secção transversal, porosidade. Secção transversal, porosidade (detalhe).
FOTOS: P. Queiroz.
9. Erica cinerea.
7. Erica cinerea. 8. Erica cinerea. Secção tangencial, raios
Secção transversal, porosidade (detalhe). Secção radial, raios heterogéneos. multisseriados.
85
ARQUEOLOGIA
1. Erica umbellata. Secção transversal, porosidade. 2. Erica umbellata. Secção transversal, detalhe.
5. Calluna vulgaris. Secção transversal, porosidade. 7. Calluna vulgaris. Secção radial, raios heterogéneos.
87
ARQUEOLOGIA
89
ARQUEOLOGIA
Segundo os padrões desenhados pelas curvas polí- Como planta medicinal, são várias as utilizações Árvore originária da China, Afeganistão e Irão, o
nicas da Olea nos diagramas polínicos, parece da oliveira, usando-se várias partes da planta. As pessegueiro é cultivado em Portugal pelo menos
haver desde cedo um favorecimento de natureza folhas são usadas para baixar a febre e a tensão arte- desde o período medieval-islâmico, tendo sido en-
antrópica a esta espécie, porventura prévio ao rial e como diurético; as azeitonas são um tónico contrados caroços de pêssego e madeira de pes-
seu cultivo directo. estomacal e estimuladoras do apetite. Lyte (sécu- segueiro em sítios arqueológicos desta cronologia
Em Portugal, sementes de zambujeiro têm sido lo XVII), refere o uso de cataplasmas de folhas de e posteriores. É provável que o seu cultivo se te-
encontradas em contextos arqueológicos pré-his- oliveira no tratamento de úlceras e inflamações da nha difundido a partir do Período Romano.
tóricos e romanos. Caroços de oliveira cultivada boca e dos olhos. A árvore é cultivada essencialmente pelos seus fru-
carbonizados ocorrem em contextos romanos e tos – pêssegos. Estes são consumidos frescos ou se-
posteriores. Madeira carbonizada, bem como Referências: MATTIOLI 1548; DODOENS 1554; cos. São também usados em culinária e doçaria,
pólen de Olea (não sendo possível distinguir as LAGUNA 1570; LYTE 1619; GERARD 1633; AL- na preparação de diversos pratos, compotas, etc.
duas variedades), ocorrem com frequência em MEIDA e FERREIRA 1967; FONT QUER 1981; De floração precoce, o pessegueiro simboliza a Pri-
contextos de todas as cronologias. HOPF 1981; CHEVALIER e GHEERBRANT, 1982; mavera, a renovação e a fecundidade.
Desde a Antiguidade que os frutos de oliveira, as FRANCO 1984; PINTO DA SILVA 1988; MATEUS A infusão ou o xarope de flores de pessegueiro
azeitonas, têm sido largamente utilizados na ali- 1992; FIGUEIRAL 1994; 1998b; VAN DER KNAAP eram utilizados como laxante, embora o seu uso
mentação, quer directamente consumidos, quer e VAN LEEUWEN 1995; 1997; VILMORIN e CLÉ- possa ser perigoso, dada a concentração de amig-
como óleo alimentar (azeite). O azeite foi também BANT 1991; PAIS 1996; FIGUEIRAL e SANCHES dalina nas flores (variável em cada árvore), que po-
utilizado como medicamento, bálsamo, unguen- 1998-1999; VAN LEEUWAARDEN et al. 1999; MA- de provocar envenenamentos. Lyte refere o valor
to, perfume, combustível para a iluminação, lu- TEUS e QUEIROZ 2000; VAN LEEUWAARDEN e das nozes de pessegueiro no tratamento de doen-
brificante e impermeabilizante de tecidos. QUEIROZ 2001; 2003a; QUEIROZ e VAN LEEUWA- ças do fígado e dos pulmões, bem como na recu-
O papel místico e simbólico da oliveira é também ARDEN 2004a; 2004b; 2004c; QUEIROZ e peração de apoplexias.
significativo. Símbolo de paz, sabedoria e vitória, MATEUS 2001; 2006; QUEIROZ et al. 2002b;
teve um forte papel no desenvolvimento das civi- 2003; 2006a; 2006b; 2007; QUEIROZ 1999; Referências: FUCHS 1543; DODOENS 1554; LYTE
lizações mediterrânicas. Nos antigos jogos Olím- 2004a; 2005; 2007; 2008; 2009a; 2009d; 2009f; 1619; ALMEIDA e FERREIRA 1967; FONT QUER
picos, os vencedores eram distinguidos com co- 2009h; 2009l; QUEIROZ e TERESO, no prelo. 1981; CHEVALIER e GHEERBRANT 1982; PAIS
roas feitas de ramos de oliveira; Noé é avisado do 1996; CASTROVIEJO et al. 1998; BAKELS e JACO-
fim do Dilúvio com o regresso da pomba trans- Pessegueiro MET 2003; VAN LEEUWAARDEN et al. 1999; VAN
portando um ramo de oliveira… Também o azei- (Prunus persica (L.) Batsch; Rosaceae) LEEUWAARDEN e QUEIROZ 2001; 2003a; QUEI-
te é sinal de luz, de pureza e prosperidade para os Restos identificados no Mosteiro de S. João de ROZ e MATEUS 2006; QUEIROZ et al. 2002b;
povos mediterrânicos e do Próximo Oriente. Ao Tarouca: frutos (Fig. 6) 2006b; 2007.
azeite têm sido atribuídas também virtudes mági-
cas, como o poder de capturar as radiações malig- Ameixeira
nas. Nas tradições judaicas e cristãs é um impor- (Prunus domestica L.; Rosaceae)
tante símbolo, fazendo ainda hoje parte dos ri- Restos identificados:no Mosteiro de S. João de
tuais de muitas cerimónias religiosas. Teria cer- Tarouca: madeira (Fig. 7)
tamente um papel fulcral no quotidiano monás-
tico durante os séculos de prosperidade do Mos- A ameixeira é uma árvore originária do Sudeste
teiro. Europeu e Sudoeste Asiático, muito cultivada
O zambujeiro teve provavelmente o mesmo tipo pelos seus frutos. Estes são consumidos frescos,
de utilização que tem sido atribuído à oliveira. secos ou sob diversas formas de conserva, com-
Mattioli e Laguna, no século XVI, dizem que as potas, etc.
azeitonas silvestres (de zambujeiro) são bastante Caroços de ameixa, bem como restos de madei-
menores que as domésticas, mas muito mais sa- ra carbonizada, têm sido encontrados em depó-
borosas e abundantes. Diz ainda Mattioli que na sitos arqueológicos medievais-islâmicos e poste-
Toscânia são poucos os camponeses a colher azei- riores.
tonas de zambujeiro para o azeite, dada a abun- As ameixas são bem conhecidas pelas suas pro-
dância de oliveiras domésticas, o que não deixa de priedades laxantes.
constituir um sugestivo indício da sua utilização.
Também Gerard se refere às virtudes e usos da oli- Referências: DODOENS 1554; LYTE 1619; AL-
veira incluindo as duas variedades, a doméstica e MEIDA e FERREIRA 1967; FONT QUER 1981; PAIS
a silvestre. 1996; CASTROVIEJO et al. 1998; VAN LEEUWA-
ARDEN e QUEIROZ 2001; BUGALHÃO e QUEIROZ
2005; QUEIROZ e MATEUS 2006; QUEIROZ et al.
2002b; 2006b; 2007; QUEIROZ 2009h.
FIG. 6 − Persica, Fuchs, 1543.
Medronheiro
(Arbutus unedo L.; Ericaceae)
Restos identificados no Mosteiro de S. João de
Tarouca: madeira (Fig. 9)
91
ARQUEOLOGIA
De facto, o teor em alcalóides desta madeira con- diferentes cronologias. Madeira de carvalho-alva- O carvalho – Árvore Sagrada em muitas tradições
fere-lhe propriedades calóricas e de facilidade no rinho ocorre também com frequência em con- – assume um forte poder simbólico, sendo sinó-
atear dos fogos, aparentemente desde sempre textos arqueonáuticos (estruturas e elementos nimo de força e sabedoria.
apreciadas. Mais raramente têm sido também construtivos de navios e embarcações). Gerard, no século XVII, indica a prática de pre-
encontrados medronhos carbonizados. A presença de madeira de carvalho no registo ver o futuro do ano através da quebra de bugalhas:
Para além da utilização do lenho como combus- arqueobotânico testemunha a recolecção desta consoante o que for encontrado lá dentro (formi-
tível, o medronheiro é apreciado pelos seus frutos, madeira nos carvalhais que então se distribuíam ga, verme ou aranha), assim se prognostica uma
com alto teor em álcool quando passam a matu- provavelmente na envolvente do Mosteiro, em boa colheita de cereal, doenças no gado ou algu-
ração. Os medronhos maduros, para além de se- áreas mais preservadas do seu couto, ainda cober- ma pestilência nos homens.
rem consumidos frescos, são também usados para tas pela floresta natural. A presença de uma buga- A qualidade adstrigente dos carvalhos, particu-
aromatizar aguardentes. Laguna e Lyte, nos sécu- lha (pequeno tumor que se desenvolve em reac- larmente da casca, tem sido usada no tratamen-
los XVI e XVII, alertam para o facto da ingestão ção a picadas de um insecto e que lhe serve de ca- to de hemorragias, para a cicatrização de úlceras
de medronhos ser nociva para o estômago e cau- sulo) junto dos espectros antracológicos testemu- e feridas várias, no tratamento de hemorróidas e
sar fortes dores de cabeça. Gerard refere ainda que nha a utilização directa de ramos de carvalho re- como desinfectante ginecológico.
se trata de um mau alimento, embora seja con- colhidos propositadamente para lenha, para além AMATO LUSITANO (1558) refere a utilização das
sumido pelas pessoas mais pobres. de uma eventual utilização de lenha de reapro- bugalhas no estancamento do sangue. LAGUNA
As folhas do medronheiro são antisépticas e uti- veitamento proveniente de antigas estruturas de- (1570) diz que as bolotas comidas fazem dores de
lizadas no tratamento de diarreias e de infecções gradadas, fabricadas em madeira de carvalho. cabeça e provocam gazes. Tanto Laguna como
urinárias. Dada a sua melhor qualidade, a madeira de car- GERARD (1633) referem que as bolotas provocam
valho destinar-se-ia provavelmente a matéria-pri- a urina, embora sejam boas contra os venenos. Re-
Referências: DODOENS 1554; LAGUNA 1570; ma para a construção de estruturas, caixilharias, ferem ainda as propriedades adstringentes já
LYTE 1619; GERARD 1633; FONT QUER 1981; revestimentos, mobiliário, etc. comentadas, no conjunto de órgãos da planta a
HOPF 1981; FIGUEIRAL 1988-1989; 1997; 1998b; Para além da utilização polifacetada da madeira, utilizar, incluindo as bugalhas.
PINTO DA SILVA 1988; CASTROVIEJO et al. 1993a; comummente conhecida, os carvalhos, através das
FIGUEIRAL e SANCHES 1998-1999; VAN LEEUWA- bolotas, constituíam ainda fonte de alimento, Referências: LAGUNA 1570; GERARD 1633; FONT
ARDEN et al. 2000a; 2000b; 2000c; VAN LEEUWA- especialmente para os animais. Todas as partes do QUER 1981; CHEVALIER e GHEERBRANT 1982;
ARDEN e QUEIROZ 2001; 2003a; 2004a; QUEIROZ carvalho são muito ricas em taninos e têm fortes CASTROVIEJO et al. 1990; LIEUTAGHI 1991;
e MATEUS 2001; 2006; QUEIROZ e VAN LEEUWA- propriedades adstrigentes, já reconhecidas desde QUEIROZ e PIMENTA 1999; VAN LEEUWAARDEN
ARDEN 2003; 2004a; 2004b; 2004c; 2004d; a Antiguidade, sendo utilizadas para curtir as pe- e QUEIROZ 1999; 2000; QUEIROZ et al. 2002a;
QUEIROZ et al. 2003; 2005a; 2006a; 2006b; les, bem como no fabrico de tintas e corantes. QUEIROZ 2009h.
TERESO e QUEIROZ 2006a; 2006b; QUEIROZ
2003a; 2003b; 2007; 2009a; 2009c; 2009d; Choupo
2009e; 2009f; 2009h; 2009i. (Populus; Salicaceae)
Restos identificados no Mosteiro de S. João de
2. OUTRAS ÁRVORES E ARBUSTOS Tarouca: madeira (Fig. 11)
93
ARQUEOLOGIA
3. PLANTAS HERBÁCEAS
CULTIVADAS
Cevada
(Hordeum vulgare L.; Gramineae)
Restos identificados no Mosteiro de S. João de
Tarouca: fruto (Fig. 14)
95
ARQUEOLOGIA
O Território Ecoprodutivo
do Mosteiro de São João de Tarouca
habitats e tipos de vegetação representados no registo
arqueobotânico do mosteiro
Na descrição do território ecoprodutivo de São importância relativa das formações vegetais reco- dos de caminhos e envolventes de hortas, com as
João de Tarouca, no século XVII, utilizamos os nhecidas, em termos de paisagem regional, bem suas comunidades ruderais; 3) a vegetação natu-
conceitos teóricos para a caracterização do Ter- como uma ideia mais precisa acerca da sua locali- ral dos próprios espaços edificados do mosteiro –
ritório Antigo desenvolvidos por MATEUS (1990; zação geográfica concreta no espaço ecoproduti- as formações rupícolas nos muros e telhados.
2004). O Território Antigo, enquanto entidade vo, torna-se difícil. Optamos assim por enunciar
histórico-arqueológica e histórico-ambiental, é uma primeira listagem das unidades de vegetação 2.1. CULTURAS ARVENSES
marcado por uma heterogeneidade paisagística e unidades ecoprodutivas identificadas, de natu- Está testemunhado no conjunto carpológico o cul-
onde aos ecossistemas naturais se sobrepõem os reza qualitativa. tivo de leguminosas (fava). Trata-se, provavel-
padrões de uso da terra de uma sociedade huma- mente, do reflexo de hortas no espaço do mosteiro,
na concreta. Como resultado, as porções de ter- 1. FORMAÇÕES DE onde as práticas agrícolas se deveriam caracterizar
ritório vão ficar marcadas por um determinado CARÁCTER DOMÉSTICO por uma intensa modelação de todos os subsis-
grau de ecoartefactualização, isto é, o grau de temas ecológicos.
impacte humano inscrito de forma organizada nos No espaço ecoterritorial doméstico, correspon-
biótopos e biocenoses, por vezes com carácter irre- dente ao espaço de habitat sensu stricto, ocorre uma 2.2. POMARES DE FRUTA
versível (ver MATEUS 2004). profunda artificialização dos ecossistemas com Alguma diversidade de árvores de fruta está repre-
A natureza discreta dos padrões de ecoartefac- acção directa nas fitocenoses e artificialização dos sentada nos restos identificados. A sua localização
tualização provoca uma partição do espaço eco- biótopos, através da cultura confinada a vasos, com no espaço, no entanto, é difícil de reconhecer a
territorial, ou ecoartefactual, zonada, em zonas solo, nutrição, irrigação e microclima totalmen- priori, correspondendo porventura a árvores de
concêntricas de decrescente grau de impacte. te artificiais (MATEUS 1990; 2004). É ainda o espa- fruto plantadas mais ou menos isoladamente nos
MATEUS (Idem) reconhece cinco principais zonas ço do consumo de plantas exóticas não cultivadas canteiros dos espaços ajardinados, a espaços de
ecoterritoriais, na caracterização do território directamente pela comunidade, mas adquiridas pomar no espaço interior murado, ou a pomares
ecoprodutivo de uma sociedade – zona domésti- através de circuitos (comerciais, ou outros), exter- plantados noutros locais explorados pelo mosteiro
ca, adjacente, próxima, periférica e remota –, de nos aos fluxos ecoprodutivos do mosteiro. e para aí transportados para consumo.
decrescente grau de artefactualização. Dos resultados até agora compilados, não pos- Foi identificado o consumo das seguintes frutas:
A inventariação e descrição dos habitats e unida- suímos informação directamente associável ao – Frutas secas: castanhas, pinhões, avelãs, nozes
des de paisagem reconhecidos através dos elencos espaço ecoterritorial doméstico. (note-se que parte destas frutas, em particular as
florísticos identificados seguirão de perto esta castanhas, pinhões e avelãs, poderão ter origem na
partição ecoartefactual da paisagem em cinco 2. FORMAÇÕES DE CARÁCTER recolecção dos frutos em espaços ecoterritoriais
unidades discretas. ECOARTEFACTUAL ADJACENTE menos modelados, de natureza próxima a perifé-
Para a reconstituição das unidades de vegetação do rica, como adiante se referirá);
passado (entidades de paleovegetação) contribui No espaço ecoterritorial adjacente ocorre uma – Frutas carnudas: pêssegos, ameixas, cerejas / gin-
o elenco florístico identificado no registo fóssil, a ecoartefactualização intensiva. Não se trata ape- jas, framboesas.
partir do qual se definem grupos ecoestratigráfi- nas de alteração do ecossistema, mas sim da sua Outras frutas, embora não directamente identi-
cos (carpológicos, dendrológicos), combinando, modelação, com acção directa nas biocenoses e ficadas, poderiam corresponder a recolecções no
por um lado, os padrões de co-ocorrência, e por biótopos – cultura intensiva, arranque de dani- espaço envolvente (próximo e periférico) – medro-
outro, informação de carácter sinecológico obti- nhas, utilização de pesticidas (na actualidade), afei- nhos.
da a partir de análogos actuais, reconhecidos de çoamento de terraços, adição de nutrientes, afei-
forma referencial, para as entidades do passado. çoamento de sistemas de irrigação… É o espaço 3. FORMAÇÕES DE CARÁCTER
A caraterização ecológico-ambiental das entida- das hortas de agricultura intensiva, da envolven- ECOARTEFACTUAL PRÓXIMO
des de paleovegetação, para além do contributo te imediata dos sítios de habitat, com forte nitri-
directo dos dados de natureza proxy reconhecidos, fização dos solos, pisoteio acentuado… (MATEUS Incluímos neste ponto a descrição das parcelas de
é inferida a partir do reconhecimento de contex- 1990; 2004). território com um grau de ecoartefactualização
tos correspondentes dos análogos actuais consi- No espaço ecoprodutivo do mosteiro, incluímos extensivo. Ocorre também alteração antropica-
derados como viáveis, quando existam. aqui: 1) as hortas, pomares e espaços cultivados mente induzida dos biótopos e biocenoses através
Note-se ainda que, sem resultados sustentados por intramuros, as suas culturas e comunidades sel- do cultivo de espécies, controlo de competidores
séries temporais fidedignas, a quantificação da vagens de adventícias; 2) os espaços não cultiva- pela pastagem, fogo… É o espaço das culturas ex-
97
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Lisboa: IPA. 7.
Arqueológica ABSTRACT
S. João de Tarouca He talks about the criteria behind the execution methods and
representation norms, presenting several types of application.
desenvolvimento da RÉSUMÉ
1. INTRODUÇÃO
101
ARQUEOLOGIA
Dada a quantidade e variedade dos fragmentos de faiança recolhidos, Mais recentemente, e por isso ainda no prelo, temos em 2010 a entre-
cedo se assumiu como prioritário o estudo desse género cerâmico, ga para publicação do texto “Caracterização dos Materiais Pétreos do
tendo-se dado preferência ao seu tratamento. Assim, o grande pro- Alçado Sul da Igreja do Mosteiro de S. João de Tarouca” (MARQUES
gresso dos trabalhos ao nível do tratamento do material cerâmico deu- et al., no prelo), com metodologia e resultados em “A Pedra na Cons-
-se sobretudo na área da faiança, produzindo as colagens um número trução do Mosteiro de S. João de Tarouca” (MARQUES, CATARINO e
total de 4714 peças, das quais 3622 seriam de faiança, sendo 1191 SEBASTIAN, no prelo).
correspondentes a diferentes tipologias. Demorando-se no prelo mantém-se “O Levantamento Gráfico da
No conjunto, desde o início do projecto, em Abril de 1998, desenha- Igreja do Mosteiro de S. João de Tarouca”, entregue em 2003 no âm-
ram-se 1791 peças, das quais 1211 seriam de faiança. bito do 2º Encontro Nacional de Museus com Colecções de Ar-
Este considerável volume de trabalho ao nível do registo gráfico levou queologia (SEBASTIAN, no prelo) e, em versão actualizada, em 2004
a que a metodologia inicialmente desenvolvida, e exposta no texto de no Congresso de Arqueologia Peninsular (SEBASTIAN et al., no prelo).
2003, sofresse uma natural evolução, consequência da acumulação de Assim, e considerando o avançado estado dos trabalhos, considera-
experiências e, sobretudo, da crescente disponibilização e acesso a so- mos ser a altura certa para actualizarmos a informação divulgada em
luções informáticas. 2003, mantendo a mesma despretensiosa intenção de partilha de ex-
Tendo-se desenrolado o registo gráfico do espólio cerâmico em para- periências, resultados e, não menos importante, erros, com os quais
lelo com os trabalhos de escavação arqueológica, logo a partir de Abril aprendemos por vezes bem mais. Uma vez que com a adopção do
de 1998, a sua realização foi inicialmente levada a cabo com respeito desenho informático vectorial impôs-se, como única alteração às re-
pelos métodos tradicionais, ou seja, recorrendo ao desenho a tinta-da- gras de representação expostas no texto de 2003, a inclusão de cro-
-china sobre papel vegetal. matismos, abandonando-se assim a utilização tradicional de tramas
Contudo, com a evolução do desenho informático de linguagem vec- monocromáticas em representação das diferentes cores utilizadas na
torial, verificada ao longo desse mesmo período, considerou-se logo a decoração das cerâmicas pintadas, optamos nesta actualização por
partir de 2002 que a sua adopção em detrimento do método tradicio- abordar apenas o registo gráfico da faiança, uma vez que o registo da
nal resultaria em claras vantagens ao nível do manuseamento, (re)edi- restante cerâmica comum não sofreu qualquer alteração substancial
ção, armazenamento, gestão e qualidade final dos registos efectuados, ao nível das regras de representação.
incluindo redução de custos a longo prazo, mesmo considerando o
atraso de refazer os registos já realizados.
Predominante nesta opção foi a entretanto crescente vulgarização de 2. MÉTODOS DE EXECUÇÃO
elevadas capacidades de memória ao nível dos hardwares, permitindo
de forma rentável, em termos de prazos e custos, a realização, gestão 2.1. REGISTO
e armazenamento de grandes quantidades de imagens.
A lógica que desde 1998 nos levou a iniciar a publicação de uma série O método tradicional de desenho manual de cerâmica inicia-se por
de textos metodológicos mantém-se, a nosso ver, pertinente. regra com a determinação do diâmetro do bordo, ou fundo, através
Para além da metodologia de desenho cerâmico publicada em 2003, do que convencionalmente se designa por folha de raio, composta por
fazem parte deste esforço os textos “A Componente de Conservação círculos concêntricos espaçados entre si não mais de 5 mm. Assim, a
Cerâmica na Intervenção Arqueológica no Mosteiro de S. João de Ta- justaposição do segmento de círculo de um qualquer fragmento a esta
rouca: 1998-2002” (CASTRO, FONSECA e SEBASTIAN 2004), e “A Fai- folha de raio permite determinar qual o seu raio aproximado, admi-
ança Portuguesa no Mosteiro de S. João de Tarouca: metodologia e tindo por princípio um erro máximo de 2,5 mm, o que no conjunto
resultados preliminares” (SEBASTIAN e CASTRO 2009), ao qual deve- do diâmetro chega a uns consideráveis 5 mm. Ainda assim, dado o
mos ainda juntar o poster “Photogrammetry Applied to Archaeo- notável desvio que se regista em qualquer peça modelada no torno
logical Ceramics Drawing”, apresentado no 9th International Sym- rápido, incluindo variações de volume durante o enxugo e cozedura,
posium on Virtual Reality, Archaeology and Cultural Heritage (SE- dupla no caso da faiança – cozedura de enchacotagem e de vidragem
BASTIAN, CATALÃO e CASTRO 2008). –, tal desvio pode não ser tão significativo quanto ao princípio se pos-
sa pensar, ainda que a situação ideal passe, obviamente, pela sua eli-
minação.
À folha de raio pode-se ainda substituir a determinação do diâmetro
de uma peça através do processo geométrico com recurso a compas-
so, sendo que este método garante uma margem de erro bem menor
(MADEIRA 2002: 21; GRIFFITHS, JENNER e WILSON 2002: 51-53).
FIG. 2 − Esquema de distribuição de pontos manualmente pontos posicionados no plano inferior de projecção,
identificados nos três registos fotográficos, incluindo quatro facilitados pelo recurso a uma grelha.
- 450 00 + 450
103
ARQUEOLOGIA
A substituição do tratamento gráfico final a tinta-da-china pelo dese- templada. Assim, e no sentido da automatização máxima do esforço
nho vectorial, realizado sobre a ortofotografia previamente produzi- de registo, passou-se a estipular a utilização única de três espessuras de
da, permitiu assim um grau de precisão métrica superior e um ritmo traço empregues, sendo elas a 0,10 mm, 0,13 mm e 0,18 mm. Além
de trabalho mais elevado, com a consequente redução de custos. Por de se incluírem nas séries mais utilizadas de entre as inúmeras cor-
outro lado, o ficheiro digital obtido oferece uma solução versátil e re- rentes gráficas em Arqueologia, correspondem à sequência inicial da
editável, em detrimento do anterior suporte estático. As inúmeras mais utilizada das duas séries comerciais standard internacionais
opções de exportação actualmente disponíveis permitem a sua rápida (GRIFFITHS, JENNER e WILSON 2002: 18-19; CUNHA 1999: 68), cor-
transformação nos mais variados formatos de imagem, incluindo respondendo por isso igualmente à sequência inicial da série empre-
imagens Raster correntemente empregues em publicação – por regra gue no tratamento gráfico dos registos de campo realizados na inter-
em formato JPEG ou TIFF –, garantindo em todas as situações uma venção arqueológica no Mosteiro de S. João de Tarouca: 0,10 mm -
qualidade máxima de impressão, ou nos casos de divulgação online ou 0,13 mm - 0,18 mm - 0,25 mm - 0,35 mm (SEBASTIAN et al., no pre-
visualização em base de dados informáticas, a reprodução de imagens lo).
de baixa resolução de qualidade variável. O critério de aplicação destes três diferentes níveis de espessura foi:
Uma outra melhoria que o desenho vectorial veio permitir foi o aban- – A espessura 0,10 mm foi reservada exclusivamente para a represen-
dono do registo dos objectos a diferentes escalas, segundo a relação da tação de linhas de fractura, secundarizando-as graficamente em rela-
sua dimensão original e as limitações impostas pelos formatos de ção à informação determinante em termos de fabrico, intencional e
papel empregues, passando-se a desenhar invariavelmente à escala não intencional;
real. Deste modo o registo gráfico tornou-se mais preciso, sendo que – A espessura 0,13 mm foi empregue na representação de inflexões,
quaisquer reduções de tamanho, correntes em contexto de publica- entendidas como linhas que determinam toda e qualquer acentuada
ção, podem ser ajustadas em função das necessidades imediatas, evi- mudança de plano na superfície da peça cerâmica;
tando-se a deturpação das diferentes espessuras de traço empregues, – A espessura 0,18 mm aplicou-se na determinação e realce dos limi-
essenciais à correcta leitura do desenho e tantas vezes adulteradas, tes físicos da peça cerâmica, incluindo por isso a linha de eixo, o per-
quando não mesmo eliminadas, em situações de redução extrema. fil, o plano de abertura e o plano da base. Por iguais motivos de real-
Em termos das espessuras de traço seleccionadas, e novamente como ce, a este papel essencial juntaram-se-lhe ainda os acessórios de ser a
consequência da passagem do desenho manual para o desenho vecto- espessura aplicada nas linhas de seccionamento em caso de secção
rial, introduziu-se, como alteração em relação ao método exposto no transversal, e, em caso de utilização do efeito contraluz, de servir de
texto de 2003, uma terceira espessura, de 0,10 mm, antes não con- espessamento às linhas de inflexão 0,13 mm.
105
ARQUEOLOGIA
Porém, a maior alteração que se deu com a passagem do desenho ma- De forma a facilitar o processo de vectorização e posteriores utiliza-
nual para o desenho vectorial foi, sem dúvida, a introdução da cor. ções, todo o trabalho gráfico foi distribuído por diferentes layer’s (ca-
Como consequência da introdução da ferramenta cromática, sentiu- madas).
-se que a expressão correntemente aplicada com diferentes gradações Esta organização lógica de cada registo gráfico foi feita antes de mais
de pontilhado, no sistema tradicional, poderia neste novo sistema as- pelas diferentes espessuras de traço empregues, correspondendo a ca-
sumir um papel mais interpretativo, superando o meramente expres- da espessura um layer de designação homónima. A estes juntaram-se
sivo. Isto foi atingido utilizando manchas de cor com diferentes níveis um layer para a secção e um outro para a escala gráfica.
e sentidos de gradação, obtidas com a aplicação de semi-transparên- Em caso de decoração pintada, esta levou ao isolamento de cada uma
cias. Assim, procurou-se que a cada acção ou, se quisermos, pincela- das cores num layer correspondente, podendo-se em casos de elevada
da, correspondesse uma mancha de cor que respeitasse a orientação complexidade decorativa distribuir uma mesma cor por diversos
de tons, normalmente decrescente no sentido da acção. A um nível layer’s.
superior de interpretação, realçando pela sobreposição de semi-trans- No total, esta reformulação do registo gráfico veio impor uma abor-
parências as diferentes manchas de cor, salientaram-se intencional- dagem menos representativa e mais interpretativa, cruzando de forma
mente as diferentes acções que, no conjunto, resultaram no tema de- íntima o registo com a interpretação das técnicas de fabrico e opções
corativo final, aspirando o registo gráfico produzido a um registo de decorativas e formais, tornando o desenho um exercício de interpre-
acções, caracterizadoras da técnica de fabrico, e não a uma mera re- tação científica de significado acrescido.
produção visual (Fig. 5). Tal como para a fotogrametria, a diversidade de softwares actualmen-
Por outro lado, na aplicação de cromatismos não se pretendeu uma te disponíveis na área do desenho vectorial é enorme, variando ainda
representação real das cores observadas, inviabilizada pelas suas infi- mais neste caso as soluções e preços apresentados.
nitas variações, heterogeneidades de fabrico e sujeição a fenómenos Evitando referir qualquer produto ou marca específica, salvaguar-
pós-deposicionais, aos quais teríamos ainda que juntar a complexida- damos apenas que alguns destes softwares se encontram mais voca-
de que constituiria, no acto de publicação, a pretensão de respeitar na cionados para o desenho técnico de construção, sendo importante
impressão a correspondência a uma qualquer paleta cromática stan- optar por um produto mais vocacionado para a área da ilustração, por
dard. Optou-se, por conseguinte, por estabelecer uma paleta de cores norma mais versátil ao nível da cor e sua manipulação em diferentes
que esquematizasse, num número limitado de gradações, os diferen- gradações, a que se junta igualmente por regra a tendência para uma
tes cromatismos observados, assumindo-se a cor como representação maior versatilidade no que diz respeito à compatibilidade de diferen-
e não reprodução (Fig. 6). tes formatos.
FIG. 5 − Esquema de vectorização tendo por base corresponda um objecto de cor, respeitando de mais escuro – início do movimento
a ortofotografia, procurando que a cada pincelada inclusive a sua orientação, perceptível na gradação – para mais claro – fim do movimento.
107
ARQUEOLOGIA
2283
1494
0 3 cm
5633 3335
109
ARQUEOLOGIA
2229
132 0 3 cm
46
0 3 cm
2374 24
Na mesma linha de raciocínio, sempre que necessário, recorreu-se à Como tal, perante a necessidade de representação total de uma vista,
total representação do objecto em mais do que uma vista, seleccio- não se deixou de apresentar a secção apenas até ao eixo de rotação,
nando no entanto apenas aquelas que contribuíam com acréscimo de pressupondo assim a sua simetria, sem repetição de informação: peça
informação, como no caso da peça 1083. Neste caso em concreto, a 1589.
eleição da vista principal constitui ainda excepção por imposição da Quando a decoração se desenvolve de forma não repetitiva, ou sem-
fragmentação do objecto, devendo esta recair na representação da pre que o seu módulo de repetição exceda a área de representação dis-
peça na sua posição natural, o que, no caso de possuir apenas uma asa, ponível, preteriu-se excepcionalmente o método de desdobramento
deve ser feito com esta à direita. Optou-se então pela apresentação da de vistas a favor da projecção plana dentro do esquema geométrico da
vista posterior, do desdobramento da vista superior desta, seccionan- forma correspondente, representada à direita se exterior e à esquerda
do-se por completo a vista principal devido à sua assimetria. A não se interior: peça 3946.
existência das vistas laterais direita e esquerda pressupõe a simetria da Apesar da funcionalidade de qualquer um destes métodos de repre-
decoração. sentação, sempre que possível tentou-se reduzir a decoração à sua área
correspondente e disponível dentro da representação formal mínima
da peça. Optou-se por isso, como critério para o uso, ou não, do des-
dobramento das vistas superior ou inferior, as características angula-
res do seu perfil, ou seja, caso o ângulo entre o perfil e o plano da base
1589
0 3 cm
1083
0 5 cm
111
ARQUEOLOGIA
0 3 cm
763
fosse igual ou superior a 45º, entendia-se a decoração como mais inte- 153
ligível se apresentada numa vista lateral, logo incorporada na repre-
sentação principal da peça, desde que os seus limites ou repetição o
permitissem. Se o ângulo entre o perfil e o plano da base fosse infe- mente afirmadas, temos as peças em que a decoração interior, aliada
rior a 45º, impôs-se o desdobramento das vistas superior ou inferior, à ausência de bordo ou de qualquer outra linha de inflexão interior,
para a evitar deformações. levou à representação a tracejado de linhas de inflexão externas na vis-
A peça 2283 (ver p. 109) é exemplo de uma situação em que a redu- ta superior, como forma de estabelecer a necessária relação posicional
ção da decoração à sua área correspondente, dentro da representação entre decoração e forma: peça 5426. De salientar ainda que nestes
formal mínima da peça, torná-la-ia ilegível. Por outro lado, situações casos, em detrimento da opção inicialmente lógica de representar a
como a da peça 153 impõem a apresentação da decoração ao longo tracejado todas as linhas de inflexão da vista exterior, se optou por
do bordo interior na vista principal, por o ângulo do perfil ser supe- apenas representar uma linha de inflexão, por regra correspondente à
rior a 45º, enquanto que a decoração do fundo interno obriga à apre- linha exterior do fundo, procurando assim diminuir tanto quanto
sentação da vista superior. possível a sua interferência na leitura da vista superior.
A mesma solução se emprega na peça 763, onde, a par da presença As normas para a decoração propriamente dita dividiram-se por duas
de decoração no fundo interno, a dupla orientação do perfil a isso principais técnicas de representação:
obriga, repetindo-se o caso, para a decoração externa, na peça 24 (ver – A primeira refere-se à decoração pintada, que, pela sua complexi-
p. 110). dade e maior interdependência do sistema de desenho vectorial
Caso a decoração se contivesse dentro da representação principal da empregue, foi já alvo de atenção no subcapítulo anterior.
peça, a regra foi sempre a de respeitar a sua linha de eixo, mantendo – A segunda resulta da aplicação desenvolvida do conceito de contra-
a informação relativa ao exterior à direita e a relativa ao interior à luz, adaptando-se à decoração plástica. Nesta técnica de representa-
esquerda. No entanto, situações houve em que se impuseram excep- ção, a leitura é facilitada pelo relevo conseguido através do espessa-
ções, como a da peça 1071, levadas ao extremo em casos como o da mento a 0,18 mm das linhas tradutoras de inflexão na superfície do
peça 3856. Nestes, a linha de eixo é por isso interrompida, não tocan- objecto opostas a um centro irradiador de luz, colocado superior-
do na representação do(s) fragmento(s). mente à esquerda. Produz-se assim um efeito de sombra indicador
Dentro dos casos em que excepcionalmente nos vimos forçados a dos diferentes planos e profundidades da superfície da peça, sendo
introduzir novas soluções, por ausência de resposta dentro das actual- disso resultado a peça 3274.
0 3 cm
3856
3274
113
ARQUEOLOGIA
0 3 cm
834
747
1054
Ao invés, quando a orientação é atingível mesmo na ausência do bor-
do ou fundo, o que acontece através da observação das estrias inte-
riores e exteriores da parede da peça consequentes ao seu torneamen-
to, não admitimos a perda da informação daí resultante. Por extremo,
situações em que à ausência de bordo e fundo se juntou a indefinição
do diâmetro e orientação, vimo-nos forçados a aplicar o princípio da
representação a tracejado da linha de plano de abertura ou plano de
base à linha de eixo: peça 1576. 20
0 3 cm
1576 3043
115
ARQUEOLOGIA
1566
0 3 cm
3882
117
ARQUEOLOGIA
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de ser.
Sendo a igreja o único edifício do conjunto monástico a manter-se integralmente após a
extinção das Ordens Monásticas em 1834, preservado pela continuidade das suas funções
como igreja paroquial, o carácter imprimido à sua recuperação e valorização não se pau-
tou, dentro do amplo projecto em desenvolvimento, por uma abordagem de cariz ar-
queológico, mas sim de restauro e conservação, quer dos seus elementos móveis interio-
res quer do seu todo estrutural. Reservando-se à Arqueologia o natural papel de salva-
guarda e orientação, nomeadamente através do constante acompanhamento, registo e
análise, esta última foi desenvolvida numa óptica dúplice em relação às oportunidades de I
Arqueólogo, Direcção Regional de Cultura do Norte
investigação pura que se foram proporcionando (Fig. 1). ([email protected]).
Consequentemente, a natureza desta intervenção na igreja impôs desde cedo a concen- Versão revista e actualizada do texto “O Levantamento
tração de diferentes vertentes técnicas e científicas, como sendo a Arqueologia, Arqui- Gráfico da Igreja e Área de Escavação do Mosteiro de S. João
de Tarouca”, entregue em 2004 para publicação na Actas do
tectura, Geologia, Conservação e Restauro ou Engenharia. A solução daí resultante deri- 4º Congresso de Arqueologia Peninsular, da responsabilidade da
vou, por sua vez, na imperativa necessidade de criar linguagens e ferramentas de articu- Associação para o Desenvolvimento da Cooperação em
Arqueologia Peninsular (ADECAP).
lação que permitissem o conveniente aproveitamento dos esforços reunidos, através do
cruzamento de dados e rentabilização de meios. [texto entregue para publicação em Julho de 2010]
119
ARQUEOLOGIA
FOTOS: L. Sebastian.
FIG. 1 − Vista geral dos alçados exteriores da igreja.
Destacando-se como ferramenta base para qualquer uma das verten- os mesmos instrumentos de estudo e gestão. Esta segunda fase, de
tes envolvidas, o completo levantamento gráfico da igreja impôs-se Agosto de 2003 a Maio de 2007, desenvolveu-se, ao contrário do
logo inicialmente como uma necessidade premente, implicando o de- levantamento da igreja, segundo as naturais condicionantes da inter-
senvolvimento de um método de registo rigoroso e discriminadamen- venção arqueológica, dependendo do seu maior ou menor progresso
te interpretativo sobre um suporte gráfico único, abrangente e versá- em termos da exumação de novas estruturas (Figs. 4 e 5).
til, salvaguardando toda a informação res-
peitante ao estado actual de conservação do
edifício e à análise directa de todos os ele-
mentos de cariz arqueológico, arquitectó-
nico e histórico (Figs. 2 e 3).
Perante os resultados satisfatórios obtidos
com o método empregue no levantamento
gráfico da igreja, realizado de forma des-
contínua entre Novembro de 2001 e De-
zembro de 2003 1, considerou-se vantajoso
alargá-lo aos vestí- 1
A sua vectorização
gios dos restantes decorreu entre
edifícios monásti- Outubro de 2002 e
cos, exumados em Dezembro de 2003.
FOTOS: L. Sebastian.
contexto de escava-
ção, procurando-se assim uniformizar lin-
FIGS. 2 E 3 − Vista geral da nave central da igreja.
guagens gráficas e estender a esta nova área
De acordo com as necessidades e objectivos definidos, procurou-se A primeira preocupação a que foi necessário dar resposta foi a da sal-
desenvolver um sistema híbrido entre o desenho arqueológico tradi- vaguarda do rigor métrico das medições directas a recolher, respon-
cional, interpretativo, de rigor e pormenor, e a actual tecnologia in- dendo assim quer às volumosas dimensões do objecto de levanta-
formática corrente, traduzindo-se a expressão gráfica original para lin- mento quer ao grau de pormenor de alguns dos seus elementos cons-
guagem vectorial, versátil, dinâmica e reutilizável. titutivos.
FOTOS: L. Sebastian.
121
ARQUEOLOGIA
FOTOS: L. Sebastian.
Laser Station NPL-350” da “Nikon” (Fig. 6),
oferecendo uma margem de erro helicoidal má-
FIG. 7 − Vista geral dos trabalhos de levantamento gráfico da área de escavação arqueológica.
xima da ordem de um milímetro.
Não obstante a complementaridade de algumas
medições secundárias com fita métrica, todo o registo efectuado teve Neste sentido, o conceito base que presidiu a todo o levantamento foi
como base medições tridimensionais fornecidas pelo aparelho selec- que apenas a soma do desenho individual de cada elemento deveria
cionado, não se admitindo procedimentos de risco como margens de resultar, por fim, no registo total de cada plano, sendo só aí feita uma
erro de estacionamento superiores a 3 mm, a medição de pontos com análise final e geral à significação do todo, evitando-se igualmente
ângulos de leitura superiores a 45º em relação ao plano de levanta- assim deturpações inconscientes por interpretação prévia abusiva.
mento ou a utilização do laser em superfícies semi-reflectoras sem Como resultado, não se entendeu o registo de um alçado, corte ou
posterior confirmação, das quais o exemplo da cobertura azulejar é a planta como um conjunto de linhas unindo pontos principais, dese-
mais paradigmática (Fig. 7). nhando-se antes cada elemento individual teoricamente sem cons-
Não se tratando de um registo gráfico indiferente ao valor interpreta- ciência do seu contexto, ambicionando com este conceito preservar
tivo do produto final, não se estabeleceu qual-
quer critério de número máximo ou mínimo de
pontos cotados por forma / elemento, sendo
antes realizada uma análise prévia e constante às
necessidades específicas de cada situação.
Respondendo assim de forma ajustada à com-
FOTO E DESENHO: L. Sebastian e H. Pereira.
0 10 m
todas as suas características construtivas, intencionais ou não, inclusi- das coordenadas horizontais fictícias, sendo a coordenada Z o seu va-
ve imperfeições, tradutoras de ineficiências construtivas e efeitos pós- lor real.
-construtivos. Assim, todos os planos horizontais realizados foram-no de acordo
A definição da rede de coordenadas a partir da qual o levantamento com a mesma base de coordenadas, reduzindo-se todo o conjunto
foi elaborado fez-se segundo dois critérios distintos, conforme se tra- monástico a uma planta geral final, potencializando-se a inclusão do
tassem de planos horizontais ou verticais. vasto e diversificado manancial de levantamentos localizados de por-
Nos planos horizontais, a rede de coordenadas definida correspondeu menor que se foram reunindo, mesmo quando correspondentes a so-
à tradicional solução de ter por base a quadrícula materializada no ter- breposições de planos horizontais sucessivos, facilitada pela prática e
reno para referência e gestão dos trabalhos de escavação arqueológica, eficaz gestão de layers proporcionada pela base vectorial em que todos
orientada de acordo com o Norte magnético e à qual foram atribuí- os registos foram realizados (Fig. 9).
123
ARQUEOLOGIA
ESQUEMA: L. Sebastian.
FIG. 10 − Localização dos registos efectuados Este princípio foi então aplicado ao edifício da igreja de acordo com
que compõem o levantamento da igreja. o plano do principal segmento de cada volume, resultando, no exem-
plo dos alçados longitudinais exteriores, na definição de eixos segun-
do o corpo da igreja em detrimento dos braços do transepto ou da
capela-mor. Quanto aos cortes interiores, pautaram-se pela definição
No caso dos planos verticais, quer se tratassem de alçados ou cortes, de eixos criados entre dois pontos centrais aos alçados a seccionar per-
optou-se por criar um sistema de eixos independentes e específicos a pendicularmente, num compromisso pela representatividade axial ge-
cada registo. ral, que implicou criteriosas projecções através do ligeiro deslocamen-
Esta opção deveu-se, naturalmente e antes de mais, ao desvio exis- to da linha de seccionamento sempre que irregularidades construtivas
tente entre a orientação magnética da quadrícula de escavação e a ge- o impusessem ou, numa interpretação mais lata, sempre que se ofere-
neralidade do complexo monástico, calculada para o núcleo original cesse como vantajosa a projecção nessa linha de secção de elementos
em cerca de 10º com orientação Nordeste-Sudoeste. de interesse para a leitura do edifício, desde que relativamente próxi-
Quanto à hipótese de estabelecer uma segunda rede de coordenadas mos e representados a tracejado (Fig. 10).
de acordo com a orientação geral do complexo monástico, viu-se irre- No que diz respeito à sua aplicação às dependências monásticas,
mediavelmente comprometida pelas acentuadas diferenças de orien- optou-se regra geral pelo registo do plano médio de cada alçado, con-
tação entre os diferentes volumes que o compõem, impostas pela ne- seguido através da definição de linhas de secção térreas o mais próxi-
cessidade da sua adaptação ao acidentado terreno de implantação mo possível ao seu traçado (Fig. 11).
e/ou à sua incontemporaneidade. Daqui resultou que entre cada registo vertical independente apenas
Por fim, a terceira hipótese, constituída pela criação de uma rede de haja correspondência entre as coordenadas altimétricas, projectando-
coordenadas específica a cada volume arquitectónico, viu-se limitada -se nos planos levantados a sua intersecção pelas respectivas linhas da
às pontuais situações em que a sua regularidade e/ou características quadriculagem arqueológica, com a consequente distorção da sua
particulares o permitiram ou aconselharam, dados os significativos equidistância linear aumentada pela sua projecção diagonal.
desvios de orientação da maioria dos alçados.
Assim, a opção de criar um sistema de eixos independentes e especí- 2.1. LEVANTAMENTO GRÁFICO
ficos a cada registo, de acordo com as características da vista a consi-
derar, impôs-se como a mais apropriada, resultando contudo numa O levantamento gráfico dos registos seleccionados foi realizado se-
aplicação tendencialmente distinta entre igreja e dependências mo- gundo o método convencional de desenho de Arqueologia, efectuado
násticas, o que se explica pelas suas óbvias diferenças volumétricas. a carvão e à escala 1:20 (Fig. 12).
Sebastian.
ESQUEMA: L.
FIG. 12 − Aspecto do levantamento gráfico na fase
de registo segundo o método convencional de desenho
de Arqueologia, efectuado a carvão à escala 1:20.
DESENHOS: H. Pereira.
125
ARQUEOLOGIA
Este factor de escala foi ponderado tendo em conta a sua já vasta apli-
cação a registos arqueológicos (MADEIRA 2002: 64), revelando equilí-
brio entre a sua capacidade de preservar satisfatórios níveis de detalhe
e a relação tempo e esforço exigidos (Fig. 13). Já tendo sido, por este
motivo, seleccionado como escala referencial para o registo dos traba-
lhos de escavação arqueológica, procurou-se igualmente manter uma
desejável estandardização, consumada quando necessário em casos
excepcionais no seu desdobramento por múltiplos, como sendo 1:5,
DESENHO: H. Pereira.
1:10, 1:40, 1:80 e, como única ressalva, 1:100.
O suporte do registo de campo foi igualmente alvo de alguma aten-
ção. Tendo obrigatoriamente que passar por um fundo de quadricu-
lado milimétrico, essencial para a diminuição do tempo e esforço in- FIG. 13 − Exemplo dos níveis de detalhe considerados, através
vestidos no posicionamento dos pontos cotados, este factor foi igual- de um pormenor da parede interior da nave lateral Norte da
mente considerado chave para a posterior calibração do desenho na igreja, onde se realçam áreas picadas para assentamento de
argamassa, marcas de canteiro, azulejo e argamassas.
fase de tratamento gráfico.
Desta forma e de modo a evitar o agravamento da margem de erro fi-
nal, preteriu-se o papel de quadriculado milimétrico corrente, im- A par do rigor métrico, teve-se especial atenção à caracterização ex-
presso comercialmente, em favor da elaboração de uma base específi- pressiva do desenho, vital para a sua correcta e rápida leitura, criando-
ca às necessidades criadas. Esta passou pela criação de uma malha mi- -se uma linguagem gráfica baseada na diferenciação de espessuras de
limétrica em software de desenho vectorial, possibilitando a sua im- traço e aplicação de tramas representativas, a ser desenvolvida aquan-
pressão calibrada por áreas de 55 x 80 cm em folhas de formato A1, do da sua transposição para a base vectorial.
oferecendo uma margem de erro máxima longitudi-
nal de 0,5 mm, o que à escala real corresponderia a
0,625 mm de erro máximo por metro (Fig. 14).
O papel empregue foi igualmente considerado, uma vez
que a sua característica porosidade resulta numa eleva-
da sensibilidade às variações de temperatura e humida-
de, resultando em consideráveis deformações da super-
fície desenhada através da sua dilatação e contracção.
Apesar da posterior calibração do desenho na fase de
tratamento gráfico, dado o princípio a utilizar basear-se
na circunscrição geométrica de desvios, este tipo de
deformação revelar-se-ia sempre incontrolável, tendo
assim que ser minorada na origem pela utilização de
papel estável. Este foi por isso restringido a papel bri-
lhante, intenso, com gramagem mínima de 90 g/m2.
Apesar de menor no resultado final, a espessura e a de-
finição do traço a carvão mereceram igualmente algu-
mas considerações. A imperatividade de manter um
traço limpo e nítido que transmitisse a necessária pre-
cisão importaria na selecção de minas finas e de eleva-
da dureza. Contudo, a textura de baixa rugosidade do
papel empregue implicou como solução de compro-
misso a diminuição desta para níveis médios, recaindo
a escolha sobre minas 0,5 F (CUNHA 1999: 61).
ESQUEMA: L. Sebastian.
127
ARQUEOLOGIA
DESENHOS: H. Pereira.
FIG. 17 − Exemplo
de acréscimo de
informação
suplementar à planta
da igreja, resultante
da realização de
três sondagens
arqueológicas.
129
ARQUEOLOGIA
DESENHO: H. Pereira.
feita sentir pela crescente complexidade da
planta de escavação, de diminuir a expressão
desta informação que, se bem que sempre im-
portante, se entende como secundária em rela-
FIG. 20 − Exemplo da expressão gráfica decorrente
ção à delimitação física dos elementos pétreos constituintes das estru- da diferenciação volumétrica pela aplicação de
turas desenhadas. diferentes espessamentos de linha.
0 10 m
131
ARQUEOLOGIA
0
5m
133
DESENHO: L. Sebastian, H. Pereira e aC. Guimarães. DESENHO: A. Marques e H. Pereira.
ARQUEOLOGIA
AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao Desenhador Técnico de Arqueologia Hugo Pereira o profissionalis-
mo e dedicação revelados durante o longo processo de desenho de campo e gabine- DESENHOS: H. Pereira.
te, entre 2000 e 2007. A Sílvia Pereira, Cristina Guimarães e Mónica Ginja (Munis,
Lda.) agradece-se a sua importante contribuição no tratamento gráfico dos desenhos
de campo.
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University College London.
Arqueológico ABSTRACT
ste texto tem como objectivo geral produzir conhecimento no quadro teórico da
tivista, que considera o programa da ciência como um movimento de acumulação contí- [texto entregue para publicação em Março de 2010, com
nuo (BOURDIEU 2003). actualização pontual em Março de 2012]
135
ARQUEOLOGIA
137
ARQUEOLOGIA
Esta análise através da fisiografia e morfologia do espaço, tenta reali- Os símbolos, enquanto manifestações culturais e, concretamente, o
zar a reconstrução de como o espaço foi percebido e qual foi a in- conjunto em análise, devem ser entendidos e valorizados, mais do que
fluência que os elementos naturais e artificiais exerceram sobre os pelo seu carácter estético, como elementos sociais de significados par-
observadores pretéritos. tilhados pelo grupo, pelo que a base metodológica utilizada para o seu
A geografia da mobilidade, através da vinculação a vias naturais de estudo deve ser a interpretação destas “materialidades”, em que a “rea-
trânsito que possibilitam o acesso a lugares de comunicação, áreas de lidade do meio” é representada pela materialização do pensamento do
recursos ou territórios distintos, permite a reconstrução das estraté- sujeito individual que realiza a acção e a individualidade social. Es-
gias através das quais a paisagem social expressava o seu sentido para paço e tempo, são os elementos constitutivos desta realidade.
os indivíduos que conheciam o seu código visual e simbólico. Estes eixos básicos, espaço e tempo, são abstracções que a percepção
Assim, entendemos por território a dimensão naturalista de um con- deduz da realidade observável (ELIAS 1992; HERNANDO 1999, 2002).
ceito social que pretende definir a conversão do espaço em recurso, O espaço é objectivado através da referência a objectos imóveis e per-
por um grupo humano, enquanto a paisagem representa a dimensão manentes (topogramas), o tempo através de um movimento recor-
cultural da Natureza, através da transformação em arte dos espaços rente de objectos que nasce da ordem de sucessão e dos ritmos dos
contemplados ou percebidos. Isto significa que entendemos a arte fenómenos naturais que servem de referência à acção humana.
rupestre paleolítica de ar livre (inter-relacionada com a organização e O conceito de espaço gerado terá permitido ordenar a experiência,
percepção pré-histórica do território, a exploração dos recursos e o para uma melhor organização do meio e das actividades nele realiza-
movimento dos grupos humanos sobre o espaço), como sistema de das de caça, recolecção e pesca, obtenção de matérias-primas e socia-
comunicação entre o grupo e instrumento de relacionamento com os lização entre os diversos grupos humanos, e terá levado à elaboração
distintos grupos que se moveram por este território, numa hipotética de um movimento que indicia uma relação permanente no tempo
dinâmica de agregação. com a Natureza, marcada no território pela simbologia parietal.
O território é constituído por mais do que uma paisagem e esta en- A arte rupestre paleolítica de ar livre reflecte o horizonte imaginário
contra-se sobreposta por vários lugares. O lugar é o elemento base na sua relação com a Natureza, aonde se movimentaram homens e
fundamental para analisar as interacções existentes numa paisagem animais, e a projecção do tempo no universo das formas imaginadas
arqueológica, sendo que os lugares da arte rupestre delimitam a fron- representadas na natureza mineral dos afloramentos rochosos reflecte
teira entre a “floresta natural” e a “floresta dos símbolos”. o seu carácter fundamentalmente cerebral.
O processo de domesticação simbólica do espaço e da experiência do Na Natureza viviam homens e animais, num tempo presente e em
tempo, através do movimento, produz-se através dos painéis com arte consonância com os fenómenos naturais que marcariam os ritmos da
e da sua visibilidade (ou o seu contrário) de forma intencional, o que sua vivência. O território seria marcado pelas imagens desse simbolis-
permite uma manipulação do espaço através da construção de uma mo que conjuga Sociedade e Natureza e na actualidade paisagem ar-
paisagem cultural, organizada mediante mecanismos de ordem visual. queológica, que no presente trabalho valorizamos na sua concepção
A análise da mobilidade dos grupos humanos pelos espaços topográ- espácio-temporal.
ficos, através da interpretação de diferentes lugares na paisagem, pode Esta valorização pode ser entendida como um apelo à dimensão geo-
definir os espaços sociais desses grupos, e a compreensão das interac- gráfica das sociedades pretéritas, e uma proposta de trabalho aplicada
ções entre elementos permite alcançar a estrutura e dinâmica do(s) à arte parietal paleolítica de ar livre, que reconhece que a localização
grupo(s), através das análises dos aspectos socais, culturais e econó- de um objecto no espaço não é possível senão for acompanhado da
micos dessas relações. sua posição no tempo, mas que, no entanto, valoriza a dinâmica de
Uma das críticas que se podem fazer a alguns estudos que partem da relação entre uns objectos e outros, neste caso, a comunicação por
perspectiva da Ecologia cultural para estudar grupos humanos de meio de símbolos que variam no tempo, mas que ganham o seu sen-
caçadores-recolectores, é a falta de reconhecimento de que o espaço é tido no espaço, pelo que a sua geografia deve ser reconhecida como
sobretudo social e cultural, e que segue um padrão cíclico de agrega- tão importante como a sua historicidade.
ção e dispersão, mediante a disponibilidade de recursos. Partimos do princípio de que o que tem lugar na dimensão simbóli-
Apesar de ser o meio natural que determina o que se explora e quan- ca, tem lugar no espaço e no tempo. Assim, se defendemos a função
do, são as relações sociais que definem a forma da sua realização, pelo da arte paleolítica de ar livre como meio de orientação e interacção
que estas devem ser consideradas como primordiais na interacção social, esta pode ser vista como linguagem. Através da mensagem que
Homem / meio natural, devendo a mobilidade ser entendida como originalmente transmitia de uma pessoa para outra, no conjunto do
componente da exploração dos seus recursos. seu grupo social, os Sapiens sapiens adquiriram estes símbolos e apren-
deram a usá-los como componente da língua e, simultaneamente, co-
mo meios de comunicação e orientação.
139
ARQUEOLOGIA
4. ARQUEOLOGIA PATRIMONIAL, ARQUEOLOGIA Perante esta conjuntura, entendemos que o Parque Arqueológico do
SOCIAL E A ARTE PALEOLÍTICA DO PAVC Vale do Côa, para além da sua função de investigação, conservação,
gestão e divulgação do Património, deve reivindicar a sua reconversão
Entendemos a Arqueologia como uma prática social contemporânea, num espaço de educação e de ócio, com base nas políticas de turismo
que visa produzir discursos acerca dos processos sociais do passado cultural sustentável.
criando valores no presente, através da apropriação social dos mes- Tendo presentes as funções culturais e educacionais que possui, rei-
mos. Desta forma, propomos o desenvolvimento de uma Arqueologia vindicamos para o PAVC a construção de um discurso que possibilite
Patrimonial que tenha como objectivo a formação do conceito de uma maior acessibilidade física e intelectual ao Património arqueoló-
Património arqueológico, enquanto construção social. gico e à investigação realizada, aplicando o Código de Prática da Asso-
A Arqueologia Patrimonial trata da produção e da gestão do Patri- ciação Europeia de Arqueólogos, aprovado em Ravenna, a 27 de
mónio arqueológico, enquanto construção social rumo a um conhe- Setembro de 1997 (http://www.e-a-a.org/EAA-Codes-of-Practice.pdf),
cimento ético e socialmente comprometido, que deve permitir o aces- que obriga a levar a cabo todos os processos necessários para informar
so à sua produção e aos seus resultados. o público dos objectivos e métodos da prática arqueológica.
Esta linha de investigação pretende converter a Arqueologia numa O visitante da “arte rupestre” do Vale do Côa tem sido guiado atra-
ciência social emancipada, ao serviço da humanidade global, em que vés de um modelo de apresentação parcial do fenómeno “artístico”,
o passado e as suas materialidades representem uma forma de comu- que resulta da inexistência de uma interpretação holística sobre a
nicação entre os processos de investigação e de gestão do Património “actividade artística pré-histórica” desenvolvida com base nas coorde-
arqueológico, e tragam à colação os fundamentos teóricos de uma Ar- nadas espácio-temporais. São, pois, necessárias novas fórmulas de
queologia activa sociopoliticamente, concebida como ferramenta de “mostrar” para que se verifique, nos indivíduos que observam este
construção social, através da reconstrução da Memória. bem cultural, uma apropriação simbólica com o espaço que os envol-
Esta perspectiva, se aplicada, contribuirá para uma valorização social ve, de capital importância para introduzir diferentes níveis de signifi-
da prática arqueológica, para uma maior consciencialização patrimo- cação nos “processos de patrimonialização”.
nial por parte de todos, e para aumentar o potencial de satisfação do A arte paleolítica é uma “arte” apenas enquanto objecto de contem-
público face à Arqueologia, perante as novas necessidades de cidada- plação pelo sujeito contemporâneo, que a visualiza como possuidora
nia. de um enorme poder de atracção estética.
Na actualidade, assistimos a uma nova reinterpretação do Património A arte dos caçadores-recolectores do Paleolítico superior não seria vi-
cultural, não só como valor simbólico, mas também como objecto de vida como algo externo à vivência humana, mas sim como parte de
consumo por parte das pessoas que encontram nele uma forma de um sistema simbólico de apropriação e de construção social da paisa-
deleite, de distinção, reconfigurando-se a cultura de um modo mais gem, produto da interacção entre os grupos humanos e o meio natu-
individualista e menos colectivo. Considera-se que a cultura combina ral. A sua apresentação pública deve evidenciar esta postura, assim co-
a sua função simbólica com outra mais tangível, que é converter-se mo a mensagem de que não existe uma separação entre os aspectos
numa fonte geradora de riqueza e de actividade. Neste sentido, há um “rituais” e “quotidianos” no seio destas comunidades.
enorme interesse político e institucional em comprovar as inter-rela- Nesta perspectiva, cabe ao guia, intérprete do Património, intervir no
ções entre a Economia e a Cultura, mais concretamente na forma de processo para guiar a experiência, corrigir a recepção e estruturar o
dimensionar as suas possibilidades como estratégia de desenvolvi- conhecimento. Esta deve ser a última fase da “Cadeia de Valor do Pa-
mento económico. trimónio” – sequência de instâncias que intervêm no processo de estu-
Na actualidade a “Economia da Cultura” vem adquirindo uma im- do e gestão do Património.
portância crescente nos estudos relativos ao desenvolvimento econó- Para que um objecto possa ser considerado bem patrimonial, deve ser
mico. Tal deriva de diversas circunstâncias, a saber: os efeitos econó- o resultado final da implementação das sucessivas fases da Cadeia de
micos que o sector cultural gera na criação de emprego, investimen- Valor: Identificação; Documentação; Significação; Avaliação; Con-
to e produção; a utilização da cultura como ferramenta eficaz no âm- servação; Valorização e Recepção.
bito das estratégias de políticas económicas regionais e urbanas; e o A Cadeia de Valor do Património Arqueológico é paralela à “Cadeia
crescimento do denominado turismo cultural, associado a uma maior de Valor da Ciência” (produção, transferência, difusão e serviços téc-
valorização do ócio na sociedade actual. nicos), e tem por objectivo criar uma Tecnociência do Património, co-
A democratização do acesso à cultura situa, cada vez mais, o Patri- mo forma de acesso cognitivo ao mundo que não se limita a analisar
mónio arqueológico no âmbito do mercado, pelo que este passa a ser a realidade e gerar um conhecimento auto-suficiente, mas construir e
entendido como recurso económico, segundo uma gestão de carácter transformar a realidade através da sua plena inserção no sistema pro-
público-privado, aberto ao grande público. dutivo.
141
ARQUEOLOGIA
A partir desta perspectiva, o Património arqueológico é uma nova tituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação (IAPMEI)
forma de “produto cultural”, através do qual alguns lugares se con- e pela Universidade do Minho (Guimarães, Maio, 2007), em colabo-
vertem em destinos turísticos (KIRSHENBLATT-GIMBLETT 2001), no ração com a Rede Europeia de “Living Labs” e a Direcção Geral da
âmbito de uma lógica de “gestão do Património” que ganha terreno Sociedade de Informação e Media da Comissão Europeia.
face a uma “lógica da conservação” e que reconfigura a Arqueologia As paisagens aparecem ao observador como um documento territo-
como uma tecnologia para a sua produção e gestão. A arte paleolítica rial para ser lido e interpretado, e as paisagens arqueológicas de que
do Vale do Côa deve assim ser entendida, pela acção do PAVC e do seu tratamos exigem dos arqueólogos uma descodificação e releitura do
museu, como um “pró comum”, através de uma apropriação pública seu sentido original, visando a construção de um discurso acerca da
mediante formas de trabalho e colaboração comunitárias. territorialização da paisagem, ou seja, o reconhecimento de que cada
O passado vive no presente, exerce uma influência nos processos de território se manifesta paisagisticamente numa fisionomia singular,
identidade e nos processos económicos e políticos sobre o mundo através de uma pluralidade de imagens sociais.
contemporâneo e, como tal, deve ser protegido como recurso da cria- Nesta perspectiva, os espaços de arte rupestre deixam de ser percebi-
ção social de investigação científica e conhecimento público, que é de dos como manifestações de auto-explicação subjectiva, e passam a ser
todos em geral e de ninguém em particular. experiências culturais de simbolismo colectivo.
Concretizando, defendemos que o PAVC deve ser um laboratório vivo, Através da sua integração na lista do Património Mundial, passa a ser
dentro do conceito de “living labs”, aberto à inovação em contexto ru- a comunidade internacional que lhe dá significado, através de uma
ral, através da participação do utilizador final, que é co-produtor do aproximação multicultural de experiência estética, mediante a qual o
que é produzido, assim como de inovação social, através de novas sítio é categorizado como de significação mundial.
ideias, que tenham como fim alcançar objectivos e satisfazer necessi-
dades socais, através de actividades e serviços inovadores.
Este conceito foi introduzido em Portugal por Carlos Zorrinho (coor-
denador do Plano Tecnológico e da Estratégia de Lisboa), no âmbito
do Seminário Europeu de “Living Labs”, organizado pelo Gabinete
Nacional da Estratégia de Lisboa e do Plano Tecnológico, pelo Ins-
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RESUMO
ABSTRACT
1. INTRODUÇÃO
arqueologia subaquática é uma disciplina muito recente, que possui ainda enor-
143
PATRIMÓNIO
1
Numa óptica de colaboração, o Organização Não Governamental este motivo, dificultam a identificação e a caracterização histórica do
Instituto Politécnico de Tomar Projecto de Arqueologia achado. Até ao momento, o levantamento arqueológico na enseada
Subaquática, que possui como
(IPT) e a ONGPAS 1, que desen- coordenador geral Marcelo não localizou outros vestígios do período colonial, sendo premente a
volve, desde 2004, estudos nesta Lebarchon Moura, como realização de prospecções que permitam ter um conhecimento mais
região na área da Arqueologia coordenador técnico Alexandre amplo do local.
Viana, e como coordenador
subaquática (VIANA et al. 2004; científico Francisco Silva Noelli. Contudo, os vestígios não se limitam a naufrágios, estendendo-se a
NOELLI s.d; NOELLI et al. 2009), outros tipos de estruturas, como fortificações, instalações portuárias,
associados a outras instituições de antigas ocupações pré-coloniais, por exemplo, sendo necessário o de-
renome, vêm somar esforços no desenvolvimento de um projecto de senvolvimento de um registo efectivo e mapeamento do Património
análise e pesquisa histórico-arqueológica da zona frontal da Praia dos submerso, realizado por uma ampla equipa interdisciplinar.
Ingleses, localizada na zona Nordeste da Ilha de Santa Catarina, em
Florianoplis, podendo posteriormente expandir-se a toda a costa da
ilha. 2. OBJECTIVOS DO PROJECTO
Nesta zona, conhece-se uma embarcação naufragada, ainda por iden-
tificar, mas onde os objectos exumados e a análise documental permi- Neste projecto integra-se como objectivo principal o reconhecimen-
tem datar o naufrágio de 1687 (NOELLI et al. 2009). to dos vestígios arqueológicos submersos que jazem nesta região, con-
Foi, exactamente, por volta desta época, que se deu a ocupação por- siderando como intuito a compreensão da História naval, da Cultura
tuguesa na área, podendo estes vestígios ter uma ligação com as acti- material, da conservação de artefactos, da tecnologia náutica, da
vidades que se desenvolviam nesta região. No entanto, para já, as téc- Economia marítima, da História da época pré e pós-colonial e, sobre-
nicas construtivas da embarcação apontam para uma origem espa- tudo, o desenvolvimento de uma base de suporte digital de toda a
nhola, podendo estar ao serviço de Portugal ou de outras nações informação, associada a um sistema de gestão de informação geográ-
(IDEM). fica, que permita um mapeamento e um registo efectivo do Pa-
Também não podemos deixar de referir os saques dos corsários es- trimónio reconhecido durante os trabalhos de prospecção e escava-
trangeiros e os furtos de embarcações que se verificavam e que, por ção.
0 1m
3. ÁREA DE PESQUISA ,
METODOLOGIA E INCIDÊNCIA DO PROJECTO
145
PATRIMÓNIO
Esta fase englobará uma equipa interdisciplinar, que tentará reunir e – Prospecção na costa e em meio submerso dos vestígios já conheci-
pesquisar informação sobre a Ilha de Santa Catarina. Parte deste tra- dos, ou em áreas de maior probabilidade de estes aparecerem;
balho decorrerá nos arquivos documentais portugueses e espanhóis, – Realização de um Sistema de Informação Geográfica para o devido
tentando buscar as origens e as ordens emitidas para a ocupação da mapeamento dos dados registados e inserção na base de dados (Geo-
Ilha, bem como os descritores que permitam auxiliar na identificação database).
da embarcação já conhecida, ou na de outros naufrágios descritos, Numa segunda etapa, os esforços estarão concentrados na realização
que se tenham verificado e se encontrem relatados nestes documen- de uma campanha de prospecção, ao longo da costa da ilha e em meio
tos. submerso, atendendo aos pontos que já se conhecem, às zonas físicas
A este levantamento de referências documentais serão adicionadas in- mais propícias e às áreas com probabilidade de se registarem vestígios.
formações orais dos pescadores cataranienses e das gentes locais. A base que dará origem a este plano estará assente nos resultados obti-
O registo será efectuado em base de dados, associado a um sistema de dos no ponto anterior. A prospecção será realizada atendendo ao uso
informação geográfica, permitindo posteriormente considerar áreas de sonares e a técnicas de visualização directa. Os resultados obtidos
de prospecção com probabilidades de aparecimento de outros vestí- e as áreas prospectadas serão mapeadas e associadas a informações
gios, não conhecidos até ao momento. Esta estrutura, em suporte di- observadas no local, desenho de estruturas ou objectos, bem como
gital, servirá de base a futuros estudos e projectos e estará voltada para das condições físicas registadas na altura das intervenções. Isto permi-
a localização de novos vestígios, até agora registados somente em do- tirá posteriormente, em gabinete, uma análise mais cuidada dos da-
cumentos. dos, bem como percepcionar zonas de anomalias ou identificar novos
vestígios com interesse patrimonial.
3.2. PROSPECÇÃO ARQUEOLÓGICA
3.3. ESCAVAÇÃO ARQUEOLÓGICA
Prospecção, em redor da ilha, e mapeamento em sistema de informa-
ção geográfica de todas as estruturas e anomalias detectadas. Em ter- Estudo e escavação da embarcação conhecida, numa tentativa de
mos práticos serão desenvolvidos: identificação e recuperação do maior número de dados.
FIGS. 7, 8 E 9 − Em cima, vasos de cerâmica dispersos; Em paralelo com estas actividades, serão conduzidas diversas acções e
ao centro e em baixo, etiquetagem e recuperação do material. eventos de sensibilização patrimonial e ambiental, dirigidas às popu-
lações locais. Durante o projecto serão realizados workshops, seminá-
rios e exposições, abertos a todos os participantes e de entrada livre.
Esta fase envolverá trabalhos de tratamento informático, conservação Pretende-se com isto criar uma estrutura local de alerta ao apareci-
e restauro dos materiais recuperados, e um estudo pormenorizado da mento de vestígios patrimoniais e à sua preservação, motivando os or-
cultura material exumada. ganismos públicos, privados e as populações locais na defesa e valori-
– Preparação da monografia da embarcação; zação do seu Património, com vista a uma gestão integrada dos recur-
– Construção do sistema de informação geográfica referente à embar- sos para um significativo desenvolvimento turístico e cultural.
cação; Associado ao público, será desenvolvido um projecto de sustentação
– Escavação; museológica para divulgação e exposição do espólio e vestígios reco-
– Desenvolvimento de conteúdos em 3D e audio-visuais. lhidos.
147
PATRIMÓNIO
Como resultados finais dos trabalhos, com vista à investigação e di- O projecto de estudo e análise do Património subaquático da ilha de
vulgação do Património, serão realizados: Santa Catarina é um dos vários projectos estabelecidos entre o Insti-
– Publicação dos dados de Prospecção Subaquática da Ilha de Santa tuto Politécnico de Tomar e as organizações / instituições que se dedi-
Catarina, com todas as informações, pontos de interesse patrimonial cam ao estudo histórico-arqueológico de Florianópolis, pretendendo
e referências documentais registadas; criar uma ponte interdisciplinar no desenvolvimento da investigação,
– Preparação de uma monografia detalhada da embarcação registada da gestão, da preservação e da musealização do Património.
na Ilha de Santa Catarina; É o caso do projecto de estudo do Património Arqueológico de Santa
– Construção de um Sistema de Informação Geográfica e Geodata- Catarina, coordenado entre o IPT e a Universidade de São Paulo
base digital com todos os registos, permitindo uma base de análise (USP), com apoio do Instituto do Património Histórico e Artístico
para o projecto e futuros trabalhos na região; Nacional (IPHAN), e no âmbito do qual se desenvolvem estudos sobre
– Realização de conteúdos didáctico-pedagógicos para exposição dos a transição para o agropastoralismo na ilha de Santa Catarina, bem
dados e desenvolvimento de uma política preventiva do Património como sobre a Arqueologia do contacto no litoral da grande Floria-
subaquático, para a sensibilização da população local; nópolis.
– Divulgação dos trabalhos em eventos nacionais e internacionais É também o caso do projecto “Porto Seguro”, coordenado pelo IPT
(seminários, conferências, mesas redondas, workshops, etc.); e apoiado pela Comissão Europeia, que integra no Brasil a USP, a
– Consolidação da pesquisa científica de Arqueologia subaquática e Fundação do Museu do Homem Americano (FUMDHAM), o Instituto
da colaboração entre as instituições brasileiras e portuguesas; do Património Histórico e Artístico Nacional – Superintendência
– Desenvolvimento de um museu local. Regional de São Paulo (IPHAN-SP) e o Núcleo de Estudos Negros de
Santa Catarina. No âmbito deste último, foi recentemente criada
uma extensão do Instituto Terra e Memória (que tem sede em Mação,
149
PATRIMÓNIO
RESUMO
KEY WORDS: Chapel; Middle Ages (Christian); Telmo António I e Fernando Robles Henriques I
Modern age; Heritage.
RÉSUMÉ
151
PATRIMÓNIO
O relato resultante desta visitação permite verificar que, neste perío- bastante recomendáveis por serem
4
do, já existiriam alguns problemas de conservação do edifício, tal de boa esculptura […]. O estado do ANTT. Ministério das Obras
como dos respectivos ornamentos. Por outro lado, esta descrição con- edifício é bastante ruinoso especi- Públicas, Comércio e Indústria,
Maço 504.
fere uma visão muito nítida do espaço, a começar pelas dimensões do almente no que respeita a madei-
mesmo. Assim, a capela-mor teria um comprimento total de 5,5 ras…” 4.
metros por cerca de 3,85 metros de largura, enquanto o corpo da Segue-se um levantamento das reparações a efectuar, nomeadamente
ermida teria um comprimento aproximado de 9,35 metros por 5,5 restauro do telhado, madeiramentos, vigas e paredes a serem picadas
metros de largura. Refira-se, ainda, a tipologia de construção relativa- e rebocadas.
mente precária, com um aparelho, pelo menos de forma parcial, No que concerne ao edifício em si, foram estes os dados que se obti-
baseado em blocos de pedra unidos por barro e uma cobertura asse- veram mediante a pesquisa documental efectuada, o que não invalida
gurada por telha vã. que uma futura pesquisa mais abrangente, incluindo outras fontes
O retábulo mencionado em visitação anterior é agora descrito com documentais, possa vir a fornecer novos elementos. Por outro lado,
maior pormenor, descrevendo-se uma representação do Espírito no que respeita à utilização da ermida no quotidiano da população,
Santo descendo sobre Nossa Senhora e os Apóstolos, representando foi possível obter alguns dados relevantes para um melhor conheci-
uma iconografia bastante recorrente à época. mento da sociedade da época.
Não voltarão a surgir referências ao retábulo após esta data, pelo Conforme exposto acima, relacionadas com o culto ao Espírito
menos nos relatos das visitações da Ordem de Santiago. O seu desti- Santo, existiam confrarias organizadas um pouco por todo o país des-
no é desconhecido, em concordância, aliás, com o destino que a pin- de a Idade Média. Nas visitações de 1564-1565, é definido pelos visi-
tura retabular quatrocentista portuguesa terá tido no seu conjunto. tadores o modo de escolha dos “mordomos das confrarias e ermidas”.
Aos nossos dias apenas chegaram algumas dezenas de painéis atribuí- Essa nomeação seria efectivada por eleição anual, a realizar no dia de
dos ao século XV, cuja origem é, na maioria dos casos, obscura. A res- invocação do santo da confraria
5
tante produção desta riquíssima iconografia ter-se-á perdido irreme- ou no domingo seguinte 5. ANTT. Ordem de Santiago e
diavelmente ou foi, pura e simplesmente, reutilizada em obras execu- No caso específico da Ermida do Convento de Palmela, Livro 206.
tadas durante o século XVI (CARVALHO 1995). Espírito Santo, a referência à con-
Logo em 1533, segundo a narra- fraria que lhe estaria associada sur-
ção de nova visitação, o estado de 3
ANTT. Ordem de Santiago e ge apenas no ano de 1607, no livro de visitações da paróquia de Santa
degradação parece ter-se agrava- Convento de Palmela, liv. 262. Maria do Castelo: “E os Padres desta matriz diram as missas da Con-
do: “Esta Irmida estaa para cahir fraria de Nossa Senhora da Graça sitta na hermida do Espiricto Santo
[… ]” 3. sua anexa […] como esta mandado nas visitaçois passadas […] E man-
Com alguma probabilidade esta situação terá decorrido dos impactos do a Juis e officiais da ditta Confraria de Nossa Senhora da Graça man-
do terramoto de 1531, que se sabe ter atingido a região de Lisboa dem dizer as missas da ditta Confraria nos dommingos e dias sanctos de
com uma magnitude extremamente elevada. O aparelho de constru- guarda pellos padres da ditta matriz por seu giro porque desta maneira
ção, bastante perene, como vimos, ter-se-á ressentido, motivando não sentiram a falta que de ordiná-
6
uma reconstrução ou, pelo menos, algum tipo de reabilitação num rio se tem […]” 6. ADSTB. Paróquia de Santa Maria
momento posterior, não sendo claro se a actual edificação correspon- Com base na documentação con- do Castelo, Pasta I-M: visitações.
de, ainda que parcialmente, a essa fase de reestruturação. sultada, esta foi a única alusão à
A descrição do edifício na visitação de 1527 será a última a fornecer Confraria de Nossa Senhora da Graça, sedeada na Ermida do Espírito
elementos tão completos. Nas visitações posteriores será apenas men- Santo, o que pode, parcialmente, ser explicado pelo facto de os regis-
cionada de modo breve, em poucas linhas, ou simplesmente referida tos das visitações da paróquia estarem muito incompletos, resumin-
e integrada no rol de ermidas e capelas que, ao longo do século XVI, do-se a algumas folhas soltas. A citação correspondente a visitações
se foram construindo em Almada. passadas, com instruções neste âmbito, deixa apreender que a confra-
Muito tempo depois, em 1898, um processo do Ministério das Obras ria existiria seguramente há algum tempo.
Públicas relativo à realização de obras de reparação urgentes na ermi- Outro aspecto do enquadramento social deste templo está relaciona-
da, traça, na memória descritiva respectiva, um quadro desolador do com a vida e a morte, ou seja, com o seu papel em cerimónias co-
quanto ao estado do edifício: “[…] A capela-mor é espaçosa com dois mo os casamentos, ou enquanto espaço religioso sepulcral. Foram
altares encimados por nichos em forma de oratório, nos ângulos do corpo consultados os registos da paróquia de Santa Maria do Castelo, que
da ermida com o arco cruzeiro e a chamada Capela do Senhor dos Passos, administrava a ermida, e onde constam os assentos de óbitos, casa-
onde estão depositadas as imagens que compõem a Procissão de Ramos, mentos e baptizados no período compreendido entre 1584 e 1835.
153
PATRIMÓNIO
sepultado o Padre Manuel da Entre 1800 e 1833, data do último assento de enterramento na ermi-
Foncequa e Silva natural da villa 7
ADSTB. Paróquia de da, surge uma série de registos, todos executados no seu interior, mas
de Alvarenga, Bispado de Lamego Santa Maria do Castelo. sempre numa situação excepcional, mencionando invariavelmente o
[…]” 7. padre, expressões como “por licença minha” ou “com permissão minha”.
A consulta dos registos paroquiais correlativos a estes primeiros anos Pôde constatar-se, em alguns casos, que essa prerrogativa se prendia
parece indicar que os enterramentos das pessoas mais pobres desta fre- com o facto de cônjuges e filhos dos falecidos já se encontrarem
guesia passaram a fazer-se no adro da igreja de Santa Maria, enquan- sepultados no interior do espaço religioso.
to os restantes passaram a sê-lo na ermida do Espírito Santo, a fun- Pelo que esta documentação deixa transparecer, a ermida do Espírito
cionar como sede da paróquia de Santa Maria do Castelo durante Santo terá sido amplamente utilizada como espaço sepulcral após
algumas décadas. 1755 e, em dado momento do final deste século, terá perdido o esta-
No último quartel do século XVIII começam a surgir referências a tuto de sede de freguesia, passando a simples filial. As inumações aqui
deposições funerárias no cemitério da ermida do Espírito Santo, qua- efectuadas foram, a partir de então, pontuais, provavelmente por von-
se sempre com a indicação de “pobre” na margem do assento. Durante tade expressa em testamento de alguns falecidos.
alguns anos continuam a ser referenciados sepultamentos em simul- Ainda pertença da Igreja Católica, abandona a função religiosa em
tâneo no cemitério e na ermida. Esta permanece descrita como sede finais de século XIX, passando a funcionar, através de arrendamento,
de freguesia, até que, em finais do século XVIII, os registos passam a como sede da Academia Almadense entre 1919 e 1942.
restringir-se unicamente ao cemitério da ermida até 1800. Um regis- A partir de 1974 transita, com utilização similar, para a posse do
to de óbito de 1800 especifica Grupo Desportivo Cultural de Almada. É no decorrer do século XX
mesmo que a ermida “serviu nou- 8
ADSTB. Paróquia de que adquire a designação pela qual muitos almadenses, por razões
8
tro tempo de freguesia” . Santa Maria do Castelo. óbvias, ainda hoje reconhecem o edifício: Salão das Carochas.
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155
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
FIG. 8.
FIG. 12.
FIG. 9.
157
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
É ainda de salientar a presença de duas aras em grande parte das pedreiras, não significando, por Paralelamente, assiste-se ao aumento do uso das
granito de grandes dimensões, tendo sido uma isso, a inexistência de canteiros, pois mesmo estes argilas em detrimento das argamassas, tal como su-
delas retirada no decorrer da primeira campanha materiais reutilizados necessitavam de cuidados de cede em São Pedro, designadamente nos para-
de trabalhos arqueológicos. adaptação às novas estruturas. mentos de alvenaria do interior do edifício.
Esta encontrava-se no cunhal Sudoeste da cape- Progressivamente, as pedreiras são substituídas, Atendendo ao que foi referido, poder-se-á dar a
la e, embora muito desgastada devido aos vários como fonte de matéria-prima, pela recolha de ma- ideia de um dinamismo limitado durante este pe-
reaproveitamentos, foi ainda possível observar teriais de construção em edifícios arruinados, lo- ríodo cronológico, considerando as dinâmicas
duas letras (…AE), correspondentes ao nome de calizados nas proximidades das novas construções. de reutilização de material.
uma divindade, possivelmente TOGA ou REVA O processo construtivo sofre, então, uma simpli- Contudo, o recurso à dita prática resultaria de
(Fig. 13). Pela moldura que apresenta, podemos ficação, face ao aumento da necessidade de reu- uma soma de necessidade e vontade, factores que
datá-la do século I d.C. (SANTOS e ALBUQUERQUE tilização dos materiais de construção, tanto no que pesaram mais ou menos, consoante o espaço e o
2008: 98; ALBUQUERQUE e SANTOS 2009). A se refere a silhares, materiais arquitectónicos e de- momento (VIZCAÍNO SÁNCHEZ 2002: 218).
outra ara, colocada na parede Norte, apresenta os corativos, como também de revestimento e cober-
toros do capitel, assim como uma marca resultante tura, nomeadamente telhas e ladrilhos.
de reaproveitamentos anteriores (Fig. 14).
Ainda dentro do contexto dos materiais cons-
trutivos reaproveitados no local, é importante BIBLIOGRAFIA
referir a piscina baptismal, constituída por silha-
ALBUQUERQUE, Elisa e SANTOS, Constança (2009) – de la Lusitania: las áreas rurales”. In IV Reunió
res de granito aparelhados de grandes dimensões
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e um lintel reutilizado como uma das paredes da
Ficheiro Epigráfico, 87. Barcelona, pp. 359-375.
estrutura, representando, assim, mais uma clara
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rações ter-se-á dado ao nível da desactivação de “Cristianización y Arqueología Cristiana Primitiva
Parte dos dados utilizados neste artigo podem ser consultados no projecto EuroPreArt.net
(www.europreart.net), desenvolvido em parceria entre várias instituições europeias, incluindo
o Instituto Politécnico de Tomar e a Asociación Cultural Colectivo Barbaón.
O PROJECTO
159
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
FIG. 5 − Imagem de uma das equipas, junto à poita de marcação FIGS. 8 E 9 − Mapa
da localização do moinho. do rio Guadiana
depois do
enchimento da
barragem e imagem
desta estrutura
(europreart.net).
FOTO: Entrada.
159... Desta primeira etapa de projecto, foram Os mergulhos de reconhecimento realizados per-
objectivos: mitiram perceber que toda a área próxima ao
– Reconhecimento do fundo e da zona onde se moinho se encontra coberta por uma camada de BIBLIOGRAFIA
localizam as gravuras; lodo pastoso e gorduroso, negro, com um cheiro
– Recolha de amostras do fundo e sua análise ge- fétido acentuado e persistente. Esta camada che- BAPTISTA, A. M. (2002) – “Arte Rupestre na Área de
ral; ga, em algumas partes, a atingir os 30 cm de al- Influência da Barragem do Alqueva em Portugal”.
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– Selecção de uma área, sua limpeza e identifica- tura. Sobre esta registou-se ainda um sedimento
CALADO, M. (2001) – Levantamento e Estudo da Arte
ção das gravuras com as anteriormente inventa- de tom acastanhado, muito fino, com menos de
Rupestre do Guadiana. Relatório de prospecções
riadas; 1 cm de espessura, elevando-se facilmente em sus-
(inédito).
– Produção de elementos gráficos e visuais das gra- pensão, se remexido. A camada inferior é já pesa-
COLLADO, H. (2002) – “Arte Rupestre en la Presa de
vuras; da, caindo literalmente, se afastada.
Alqueva. El conjunto de grabados del Molino
– Percepção do estado de conservação e registo de No solo jazem ainda alguns arbustos, que chegam Manzanez (Alconchel-Cheles, Badajoz)”. Al-Madan.
patologias que possam ser identificadas, como des- a ter cerca de 1,5 a 2 metros de altura, e, junto à IIª Série. 11: 196-201.
gaste, fendas, actividade biológica, etc. margem, é possível verificar, à superfície, a copa COLLADO, H. (2006) – Arte Rupestre en la Cuenca
de algumas árvores submersas que dificultam a tra- del Guadiana: el conjunto de grabados del Molino
O AMBIENTE SUBAQUÁTICO vessia das embarcações. Manzánez (Alconchel - Cheles). Beja: EDIA
A temperatura da água ronda em média os 20 (Memórias d’Odiana. Estudos Arqueológicos do
Os primeiros mergulhos de prospecção foram graus à superfície, no Verão. Após os 15 metros de Alqueva).
realizados na zona próxima ao Molino Manzanez. profundidade desce significativamente, atingin- COLLADO, H.; Girón, M. e FERNÁNDEZ, M. (2003) –
A escolha desta área prendeu-se com questões es- do os 10 graus no fundo. Também até aos 15 me- “Paleolithic Rock Art in Molino Manzanez Area
tratégicas de maior facilidade para a identificação tros, sensivelmente, verifica-se uma visibilidade ex- (Alconchel-Cheles, Badajoz, Spanien)”. Quartaer.
do local, bem como por questões de segurança. tremamente reduzida, devido à grande suspensão 20: 1-21.
161
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
Fomos informados pela Sr.ª D. Elisa Henriques, por besantes, nomeadamente provenientes das
zeladora da Igreja Paroquial de S. Pedro da Ca- igrejas de Nossa Senhora da Luz, na Carvoeira, e
deira, no concelho de Torres Vedras, da existên- de Santa Susana, no Maxial, bem como um exem-
cia, naquela igreja de um fragmento da parte su- plar que deverá ser originário da ermida de Nossa
perior de uma estela funerária discoidal (Fig. 1). Senhora do Amial.
A peça, proveniente de alguma obra realizada Nestes casos, o talhe, a robustez das peças e a sig- FIG. 2 − Descrição
nas imediações da igreja, encontrava-se esque- nificativa semelhança existente com os motivos
cida no quintal da casa paroquial, de onde a Sr.ª decorativos que figuram em moedas da primeira Face 1 – Cruz umbicada, com besante
central de onde partem os braços de
D. Elisa a recolheu para uma dependência da igre- dinastia, até ao reinado de D. Pedro I (cruz pá- extremidades perladas, inscrita num círculo
ja, onde se encontra agora em maior segurança. tea, com besantes entre os braços), contribuíram ligeiramente rebaixado;
Até ao momento, eram já conhecidas três estelas para a atribuição de cronologias relativamente Face 2 – No campo central, em baixo
funerárias provenientes daquela igreja. recuadas, nomeadamente entre os séculos XII e relevo, estão esculpidos dois instrumentos
Duas integram o espólio do Museu Municipal XIV.
Leonel Trindade, em Torres Vedras, e foram refe- Já a presente peça, talhada num calcário regional
renciadas por Beleza Moreira (MOREIRA 1982: cinzento, poderá ser datada dos finais da Idade
33). Uma outra encontra-se na posse de um par- Média, designadamente de entre os séculos XIV
ticular, numa habitação muito próxima do tem- e XV, atendendo a alguma rusticidade do talhe
plo, tendo sido recolhida nos entulhos resultan- (não tão evidente como nos casos anteriores) e aos
tes das obras de conservação efectuadas na igreja, motivos decorativos que apresenta. firmado pela existência de uma sepultura antro-
na década de 70 do século passado (CARDOSO e pomórfica, datada de entre os séculos VIII e IX,
LUNA 2006: 437, n.º 20). Uma segunda estela (Fig. 2), do mesmo período escavada no Alto dos Moinhos, a menos de tre-
da anterior, foi recolhida por Salvador Cunha zentos metros do local.
No concelho de Torres Vedras, não é conhecida Braga no meio de entulhos junto à escola primá- São já várias as estelas com motivos de profissões
qualquer outra estela com a representação da ria do Maxial, a escassas dezenas de metros do local encontradas no concelho de Torres Vedras, sendo
cruz de braços curvilíneos formada a partir da jun- onde foi encontrada uma outra cabeceira de esta a segunda que revela que o defunto seria
ção de quatro anéis. sepultura já por nós publicada (CARDOSO e LUNA um mestre carpinteiro. A cruz perlada surge pela
No entanto, são conhecidos diversos exemplares 2006: 433-435). primeira vez na área territorial do município,
figurando o pentalfa com os braços intercalados Trata-se da parte superior de uma estela discóide, embora fosse uma forma de decoração muito
de calcário oolítico branco. No sítio aparecem ves- comum em cruzes processionais medievais.
tígios romanos e medievais, possivelmente restos Este tipo de estela era para ser colocada no local
FIG. 1 − Descrição
de um casal agrícola e de um campo santo, con- sagrado do enterramento de um cristão velho, no
Dimensões – Largura: 34
cm; Diâmetro do campo de
gravação: 27 cm; Cercadura:
3,5 cm; Espessura: 13 cm.
1
A “Cava de Viriato”, junto à cidade de Viseu, é Suportam esta atri- O plano, elaborado
uma poderosa marca paisagística humana, das de buição lacónicas refe- pelo autor em
maior dimensão do actual território português. rências documentais colaboração com Nuno
Mota e Nuno Gamboa,
Construção de carácter militar, ostenta várias das às campanhas de Al-
chegou a ser
características das estruturas deste tipo correntes mansor, que apon- apresentado pelo
desde a romanidade: quatro portas axiais ainda tam para um papel projectista (Gonçalo
visíveis no século XVII, mas, e sobretudo, o seu relevante então de- Byrne, Arq.) à
talude e fosso de grandes dimensões, muito bem sempenhado por Vi- ParquExpo, mas não foi
articulado com os veios de água próximos que o seu, e um paralelo por esta implementado.
2
alimentavam, ilustrando a mestria hidráulica dos formal para a perfei- Excelente o contributo
de carpinteiro, serra e enchó ou machado, seus construtores. ção octogonal da recente de Vasco
inscrevendo-se o conjunto num círculo rebaixado; Mantas, em número
Alvo de reabilitação cuidada no âmbito do POLIS- “Cava” no acampa-
anterior desta mesma
Dimensões – Largura: 24 cm; Diâmetro do campo -Viseu, a “Cava” acabou em 2007 despida do cu- mento militar Omía- revista (MANTAS 2003).
de gravação: 20,5 cm; Cercadura: 1,5-2 cm; nho ideológico com que foi revestida durante o da das proximidades 3
Ver bibliografia em
Espessura: 7 cm. Estado Novo. de Samarra (Iraque), MANTAS 2003.
Porém, a intervenção ficou aquém do planeado datado dos finais do
em matéria de Arqueologia 1, tendo-se perdido século VIII 3.
mais uma oportunidade para o esclarecimento das A hipótese deve-se a Vasco Mantas, depois refor-
interrogações que se acumulam com o passar dos çada por Helena Catarino e, apesar das conve-
anos 2. nientes cautelas avançadas pelos próprios autores,
Durante muito tempo rotulada de fortificação cas- parece ir colhendo a progressiva adesão favorável
Maxial, mostrando a importância do mester do trense romana, a sua origem foi atribuída em da comunidade. Também Jorge de Alarcão, em
indivíduo ali sepultado, na sociedade em que se data recente ao final do século X. texto recente, admite uma origem muçulmana
inseria.
Travassós
ntiago
Abraveses
BIBLIOGRAFIA
ribeira de Sa
ç
S. P
edr
ç
Luz (Carvoeira, Torres Vedras)”. Revista de Vo
uze Cava
la
Arqueologia da Assembleia Distrital de Lisboa. Lisboa.
3: 55-66.
CARDOSO, Guilherme e LUNA, Isabel (2006) – “Novas
Cabeceiras de Sepultura do Concelho de Torres Templo (?) da
Carreira dos Cavalos
Vedras”. O Arqueólogo Português. 3 (suplemento):
423-477 (Actas do VIII Congresso Internacional de
Viseu
via
Estelas Funerárias).
Pa
rio
ual
del
è
To
163
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
4. CONTEXTO GEOMORFOLÓGICO
FIG. 2 − Vista geral.
O Castro de Baltar está localizado no vale do Sou-
sa, onde dominam os granitos monzoníticos por-
firóides de grão médio e duas micas, essencial-
1. INTRODUÇÃO 2. LOCALIZAÇÃO mente biótiticos. Em termos de relevo, desta-
cam-se os “relevos de dureza”, que são serras com
A prospecção realizada para a conclusão da Pro- O Castro de Baltar localiza-se no Monte de São orientação predominantemente NW-SE, embo-
va de Aptidão Profissional da Escola Profissio- Silvestre, freguesia de Baltar, concelho de Pare- ra existam manchas de rochas sedimentares do pe-
nal de Arqueologia e defendida em Junho de des, distrito do Porto. Apresenta as coordenadas ríodo Devónico.
2000, com o título A Cultura Castreja no Concelho Lat. 41º 11’ 14”; Long. 8º 23’ 53”, e está a uma No geral, os solos apresentam uma textura ligei-
de Paredes, permitiu, além de relocalizar alguns altitude de 395 metros (Carta Militar de Portugal ra, são permeáveis e relativamente pouco profun-
povoados castrejos já conhecidos, a localização de 1/25 000, folha 123, 1999 – Fig.1). dos, sendo ácidos e ricos em potássio e sais de fer-
dois povoados da Idade do Ferro inéditos à altu- ro e alumínio.
ra. 3. CONTEXTO ARQUEOLÓGICO A nível hídrico, o vale do Sousa apresenta uma
Esta pequena notícia pretende dar a conhecer densa malha de cursos de água, que acompa-
um deles, localizado na freguesia de Baltar, con- A ocupação da região durante o período denomi-
celho de Paredes. nado de Cultura Castreja, onde o Castro de Bal-
165
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
FIG. 5 − Segundo pano de muralha. FIG. 6 − Segundo pano de muralha (alinhamento exterior).
nham os principais vales que existem na região, A nível de material, foram recolhidos durante a importava estudar melhor, de modo a com-
tendo o rio Sousa por espinha dorsal. prospecção vários fragmentos de cerâmica (Fig. 7), preender as interligações entre os diversos povoa-
A nível climático, apresenta temperaturas amenas, incluindo um arranque de asa em cerâmica micá- dos.
embora possa chegar no Inverno a valores nega- cea de cor cinzenta de modelação manual, um
tivos (-6 ºC). fragmento de bojo com decoração incisiva cur-
A precipitação é bastante elevada de Outubro a vilínea, junto com um movente e um dormente BIBLIOGRAFIA
Maio (1500 mm) mas, nos meses de Verão, espe- de uma mó de vaivém (Fig. 8), e um bloco de gra-
cialmente Julho e Agosto, os valores de pluviosi- nito que, numa das faces, tem uns sulcos longi- PINHEIRO, Rui P. P. C. (2001) – A Cultura Castreja
dade atingem o seu limite mínimo. tudinais e que, provavelmente, terá sido algum ele- no Concelho de Paredes, Porto. Prova de Aptidão
mento arquitectónico. Profissional apresentada à Escola Profissional de
5. A ESTAÇÃO Arqueologia (policopiado).
SILVA, Armando C. F. (1986) – A Cultura Castreja
O Castro de Baltar, povoado atribuível à Idade do no Noroeste de Portugal. Paços de Ferreira: Museu
Ferro, está localizado no cabeço de S. Silvestre, Arqueológico da Citânia de Sanfins.
com uma grande preponderância sobre a região
envolvente, o Vale do Sousa, pois, apesar de não
ser uma elevação muito elevada, apresenta encos-
tas com grande inclinação (Fig. 2).
A nível de estruturas vêem-se o que parecem ser
dois panos de muralhas, estando o primeiro em
muito mau estado de conservação, já que por cima 0 1 cm
foi rasgado um caminho (Fig. 3). Desta muralha
só se vêem pequenos trechos do que poderá ser o
enchimento (Fig. 4) e o caminho que lhe passa por FIG. 7 − Cerâmica micácea.
cima deve corresponder, grosso modo, à sua loca-
lização. A largura máxima desta estrutura ronda
os 1,80-2 metros. Não foi possível localizar mais estruturas, se é que
A cerca de 50 m, em direcção ao topo da elevação, existem, ou recolher outro material, já que o ca-
existe um outro pano de muralha, maior e mais beço está densamente arborizado e com uma for-
bem conservado, de que se pode observar o ali- te vegetação rasteira.
nhamento exterior (Figs. 5 e 6).
Quer esta estrutura quer a anterior parecem aca- 6. CONCLUSÃO FIG. 8 − Dormente de mó de vaivém.
bar na vertente SE, onde o declive é muito acen-
tuado e onde existem diversos cabeços de grani- Este povoado da Idade do Ferro, embora não se-
to, o que facilitaria a defesa da encosta sem recur- ja muito grande, insere-se na forte e densa rede de
so à construção de outro tipo de estruturas mais povoamento que existiu durante o denominado
duráveis. período da Cultura Castreja, Idade do Ferro, que
167
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
FOTO: J. M. Cardoso.
Parcialmente no espaço interno do Bastião W foi
registada uma grande estrutura circular (G3) que
FIG. 3 − Pormenor da estrutura constituída por blocos de quartzo de filão. É possível visualizar a concentração
acompanha de forma paralela a parede interna do de fragmentos de elementos em granito (a Oeste da estrutura) e o arranque da Grande Estrutura Circular 4.
bastião, distanciando-se desta entre 1,20m e
1,40m e que, no lado Sul, acaba por quase encos-
tar à face interna do bastião. É possível que exis-
tisse uma área de circulação entre as paredes do
bastião e da estrutura, mas esta é interrompida no
limite Este do bastião. Parece existir uma passa-
gem no lado Oeste da grande estrutura circular,
o que, a verificar-se, permitiria a entrada nesta pelo
estreito vão formado pelas paredes do bastião e da
estrutura circular. Esta estrutura é delimitada por
lajes de xisto colocadas de forma vertical ou oblí-
qua (tendo em consideração o seu eixo maior) dis-
postas de forma tendencialmente circular, e pare-
ce ser, num troço, reforçada por uma outra linha.
O espaço compreendido entre estas duas linhas
FOTO: J. M. Cardoso.
(formadas ambas por pedras fincadas paralelas
entre si) é de cerca de 60 cm. A leitura estratigráfica
permite a distinção entre cinco níveis conectados FIG. 4 − Vista geral sobre a Grande Estrutura Circular 4.
com esta mesma estrutura: depósito caracteriza-
do por sedimentos areno-argilosos, de cor amarela,
pouco compacto e com elevada frequência de Parece encontrar-se conectado com uma possível Esta grande estrutura circular, tal como a anterior,
elementos artefactuais, normalmente designado estrutura formada por lajes de xisto, que perfaz um é definida por lajes de xisto colocadas na vertical
por camada 3, que parece cobrir a estrutura e en- arco genericamente abraçando parte da estrutu- ou oblíquas, tendo em consideração o seu eixo
costar ao topo das lajes que a delimitam; nível ra constituída por elementos em granito. Imedia- maior. Foi realizada escavação em profundidade
constituído por pequenas lajes de xisto, forman- tamente a Este desta estrutura encontra-se uma numa pequena área, junto à linha que define a
do uma espécie de cascalheira; 2º nível de peque- estrutura formada por blocos de quartzo leitoso estrutura. A primeira unidade sedimentar era de-
nas lajes de xisto, apenas numa área localizada, de filão, que numa primeira análise se revela- finida por sedimentos pouco compactos, de cor
referente genericamente a 4 m2; depósito carac- ram, na sua maioria, termoclastos, e encontram- amarela (chamada camada 3). Esta unidade cobria
terizado por sedimentos argilosos, de cor amare- -se organizados de forma tendencialmente circu- um depósito constituído por sedimentos com-
la, muito compacto; e depósito constituído por lar. pactos também de cor amarela clara. Sob este nível
sedimentos areno-argilosos, pouco compacto, de Foram registados três níveis de blocos de quartzo foi detectado um depósito pouco compacto de cor
cor cinzenta clara, identificado apenas numa área (poderão não corresponder a uma deposição deli- amarela acastanhada, que parece ir por debaixo das
definida. A escavação do espaço delimitado pelas berada em três fases), envolvidos por um sedi- lajes que delimitam a estrutura.
linhas de pedras fincadas não identificou nenhum mento pouco compacto de cor cinzenta clara, com Na designada camada 3 foram registados 102 frag-
buraco de poste e apenas foram registados dois excepção de um conjunto de quartzos registados mentos de barro de revestimento, 30 dos quais
fragmentos de barro de revestimento, de peque- como pertencendo ao terceiro nível, em que se en- com impressões de ramos, num total de 2704 g.
nas dimensões. contram numa argila compacta amarela. O nível caracterizado por um sedimento com-
Genericamente no espaço interior da G3, foi re- Esta estrutura formada por blocos de quartzo pacto registou sete fragmentos de barro de reves-
gistada uma estrutura constituída por cerca de 18 parece estar também em conexão com outra gran- timento, dois dos quais com negativos de ramos,
unidades de granito e um grande seixo rolado de de estrutura de tendência circular (G4). No en- num total de 398 g. Por fim, no depósito de cor
quartzito de cor castanha alaranjada clara, agru- tanto, é posterior à colocação das lajes que defi- amarela acastanhada identificaram-se 15 frag-
pados de forma tendencialmente circular. nem a G4. mentos, sete dos quais com vestígios de ramos,
num total de 444 g. No total, foi possível nesta des estruturas circulares 5 e 6. A G5 parece com- O M4 encontra-se interrompido por passagem
estrutura identificar 125 fragmentos de barro de portar também, tal como a G3, uma dupla linha (N.º 16) colmatada por um nível de lajes de xis-
revestimento (o que equivale a 36,7 % do con- definidora. O espaço compreendido entre estas to. Tal como as outras estruturas tipo murete, a sua
junto de fragmentos de barro de revestimento re- duas linhas de lajes de xisto fincadas é de cerca de identificação ocorreu logo após a remoção dos de-
colhidos na camada 3), com 3546 g (o que equi- 40 cm e encontra-se preenchido por um nível de pósitos de topo associados com a actividade agrí-
vale, em termos de peso, a 48 % da totalidade de pequenas lajes de xisto. cola. A Norte do Murete 4, foram ainda detecta-
fragmentos de barro de revestimento recolhidos Continuando para Este, foi intervencionado o das duas estruturas circulares, com um diâmetro
na camada 3 durante a campanha de 2009). Bastião P (integrado no murete 3). Esta interven- de cerca de 3 m, definidas por lajes de xisto que
Na área intervencionada foi possível identificar ção constou apenas da decapagem da camada 2. não se encontravam fincadas, mas praticamente
ainda uma pequena “fossa”, de contorno generi- Após a remoção deste depósito identificou-se um colocadas na horizontal. Tais estruturas parecem
camente circular, aberta no sedimento pouco nível definido por lajes de xisto de média dimen- ser definidas por mais do que uma linha de lajes
compacto e preenchida por um sedimento cin- são no espaço interior do bastião, que não se es- de xisto e, no seu interior, foi registado um nível
zento-escuro, onde se notava um buraco de pos- tende até à face interna da estrutura, definida por de pequenas lajes de xisto.
te, em negativo, de contorno genericamente sub- um depósito de pequenas lajes de xisto assentes Com a intervenção no interior do recinto, iniciada
quadrangular, também preenchido por um sedi- num sedimento argiloso compacto. em 2009, entrámos assim em contacto com dis-
mento de cor escura. Ambas as estruturas apre- Sensivelmente a meio do Recinto Principal foi positivos arquitectónicos de características distintas
sentavam apenas uma profundidade de 10cm. detectado o murete 4. Contrariando a orientação às dos muros e bastiões. São estruturas que apre-
Em G3 e G4 foram recolhidos milhares de frag- dos muretes que definem a morfologia do sítio sentam novos modos de construção e circunscre-
mentos cerâmicos. Nos decorados é maioritária a (M1, M2 e M3), constrange o espaço interno des- vem espaços distintos. Entre a sólida presença do
técnica de impressão penteada. Contudo, numa ta área definida genericamente pelo contorno do M4 e a dificuldade em definir os limites da G5,
análise preliminar, foi possível contabilizar dez M3. Este murete apresenta um sistema constru- por exemplo, emerge novamente a condição pre-
fragmentos onde a técnica de incisão está presente, tivo que se assemelha àquele utilizado na cons- cária com que podemos discursar sobre o Casta-
oito com a técnica de puncionamento, e ainda dois trução do M3, ainda que seja posterior à cons- nheiro do Vento. A profusão de díspares elemen-
decorados com pastilhas repuxadas, um com im- trução do mesmo (ou pelo menos ao troço a que tos arquitectónicos e artefactuais, as diferenças en-
pressão ungulada e dois com impressão de cana. encosta, junto ao arranque Sul do Bastião M). Este tre os depósitos que compõem a estratigrafia, a
No conjunto dos materiais líticos, há a destacar três murete foi detectado ao longo de 15 metros, des- imensidão de um dispositivo em diálogo com uma
pontas de seta e três machados de pedra polida. de o seu arranque junto do M3 e com orientação paisagem igualmente imensa… invocam uma in-
Para Este destas duas estruturas registaram-se mais Este/Oeste. Parece depois estar destruído e não se comensurabilidade de ligações com as quais pode-
duas unidades semelhantes às primeiras: as gran- detectou a sua continuação. mos construir a memória do Castanheiro.
169
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
materiais esquecidos
O Espólio Cerâmico de
Armazenamento (dolia) do Alto da
Fonte do Milho, Peso da Régua
Em 1946, o arqueólogo Fernando Russel Cortez do que parte dele se encontrava, até há muito pou- de material: ter decidido fazer uma recolha selec-
foi encarregado pelo presidente do Instituto do co tempo, no local onde Cortez o havia deixado tiva (apenas fragmentos de dolia); ter decidido re-
Vinho do Porto (IVP) de proceder a uma série de após a escavação, há meio século atrás. colher cerâmicas apenas na cella vinaria e zona cir-
prospecções arqueológicas no vale do Douro. cundante; ou ainda porque, devido ao pouco
Esta missão, pela qual o arqueólogo receberia OS MATERIAIS tempo em que realizaram as campanhas, apenas
uma bolsa, enquadrava-se perfeitamente numa se recolheu o material mais visível. Qualquer que
época em que o conhecimento da história pré- O espólio e dados científicos provenientes do seja a hipótese, deparamo-nos com uma quanti-
-medieval no Douro era, no mínimo, escasso. Alto da Fonte do Milho encontraram guarida em dade ínfima de cerâmica comum.
Da viagem de Cortez resultou um relatório (COR- vários locais: o Museu de Lamego recebeu alguns, Em 88 fragmentos, conseguimos detectar facil-
TEZ 1947b), no qual descrevia uma série de sítios outros foram entregues ao cuidado do IVP, no mente duas bacias de tipo Beltran 962 (Beltran
arqueológicos com interesse potencial e, no ano Porto, outros ainda mantiveram-se no espólio 1990) e pelo menos cinco vasilhames / recipientes
seguinte, receberia fundos do IVP para iniciar tra- da família de Cortez. Todavia, a maior parte do de líquidos de mesa.
balhos de escavação no Alto da Fonte do Milho, material, nove caixotes em madeira repletos de pe-
em Canelas, no concelho de Peso da Régua. O ças cerâmicas, seria depositada à guarda da Casa OS DOLIA
sítio, implantado ao longo da meia encosta de um do Douro, no Peso da Régua. E acabou esqueci-
vale sobranceiro ao rio Douro, já havia sido alvo da com o passar das décadas. Recipientes cerâmicos de grandes dimensões,
de um estudo anterior: Carlos Teixeira, em 1913, No início de 2009, normalmente utilizados para conservar e/ou ar-
1
foi convidado para o visitar aquando da descoberta com o auxílio de fun- Aproveitamos aqui mazenar alimentos, líquidos e outros produtos, os
de uma “piscina” recoberta a mosaicos, tendo es- cionários da Casa do para agradecer à dolia constituem a maior parte do espólio encon-
crito uma nota sobre o achado (TEIXEIRA 1939). 1
Douro , foi-nos pos- Dr.ª Isabel Mamede e trado nas instalações da Casa do Douro. A gran-
aos funcionários do
Todavia, desta descoberta sabemos muito pouco. sível recuperar os ma- armazém 51 da Casa do de disparidade quantitativa relativamente aos
Quanto às campanhas de escavação de Cortez, teriais à guarda desta Douro, por toda a fragmentos de outras peças leva-nos a crer que
iriam demorar-se até 1948 e, em 1951, publica “As instituição e proceder disponibilidade e R. Cortez decidiu apenas recolher materiais na
Escavações Arqueológicas do Castellum da Fonte à sua limpeza, inven- auxílio prestado. zona da cella vinaria.
2
do Milho. Contributo para a demogenia durien- tário e estudo. Este Infelizmente, se Cor- A situação da Fonte
se”, nos Anais do Instituto do Vinho do Porto. Será pequeno artigo é o resultado desse trabalho. tez publica imagens do Milho, tão próxima
com base neste artigo, e noutros do mesmo autor Desde o início, decidimos manter uma das caixas dos fragmentos des- do rio Douro, associada
ao facto do peso possuir
(por exemplo, CORTEZ 1948a; b), que iremos as- em reserva científica, sem proceder nem ao seu tra- cobertos por Teixeira,
caneluras na sua parte
sistir a um maior desenvolvimento, lento e mes- tamento nem ao respectivo inventário. As restantes não refere onde estes superior, leva-nos a
mo, por vezes, tumultuoso, da investigação ar- oito caixas continham um total de 949 fragmen- terão sido armazena- considerar seriamente
queológica no vale do Douro. tos de cerâmica e tegula, dos quais 88 serão frag- dos, factor que pode- esta hipótese.
Entre as décadas de 1950 e 1970 não se realizam mentos de cerâmica comum, essencialmente de ria ter ajudado sobre- 3
O projecto de
estudos de grande envergadura na região. Será es- cozinha, 817 de dolia de armazenamento e trans- maneira ao nosso tra- re-escavação e
sencialmente a partir da década de 1980 e, espe- porte, e 37 de tegula e imbrex. Existia ainda num balho, devido a um musealização,
cialmente, da década de 1990, que, embora uti- dos caixotes um peso em xisto, muito provavel- fragmento de dolium a decorrer neste
momento no sítio
lizando os artigos de Cortez, se produzem novos mente utilizado para pesca 2. com o grafito “LF”
do Alto da Fonte
dados e realizam novos estudos. Embora estejamos seguros da existência de uma presente. do Milho, da
O sítio do Alto da Fonte do Milho constitui uma quantidade muito mais significativa de cerâmica Esta marca demons- responsabilidade de
referência recorrente quando se fala da produção comum, a recolha da mesma aparenta ter sido tra, até prova em Paulo Amaral
de vinho na Antiguidade, em território português. remetida para segundo plano. Podemos apresen- contrário 3, que exis- (DRC-Norte), poderá
Todavia, se a funcionalidade do sítio foi e é am- tar uma série de hipóteses para explicar o facto de te uma ligação, pelo dar novas perspectivas
sobre este assunto.
plamente discutida, o seu espólio nunca o foi, sen- Cortez não ter recolhido mais elementos deste tipo menos comercial, en-
FIG. 3 − Fragmentos
de dolia com várias
0 5 cm
tipologias decorativas.
fragmentos
não decorados
0 5 cm
dolia sem
Fragmento de dolium
revestimento com possível marca
de oleiro
Fragmento de bordo
com inscrição [AR (...)]
tegula / imbrex
cerâmica comum ânforas
0 5 cm
Fragmento de
dolia dolium com decoração
em ocre vermelho
7
tre a Fonte do Milho, Rumansil II e Zimbro II 4. do, espessas e com uma canelura central. A pas- O mesmo se passa Como Vale do Mouro
O sítio da Fonte do Milho foi escavado nos anos ta varia entre o laranja e o avermelhado, muito si- com as peças que re- ou Zimbro II (Murça,
40 do século passa- milar às pastas de tegulae e imbrex, com uma ceberam decoração Freixo de Numão).
8
do. Logo, o facto de 4
Expomos este grande abundância de desengordurantes. penteada (Fig. 3) ou Podemos observar este
não possuirmos lei- assunto com maior O conjunto de peças pode distribuir-se, maiori- decoração linear sim- facto em inúmeras
pormenor no nosso estações arqueológicas
turas estratigráficas tariamente, por dois grandes grupos: os dolia de ples (Fig. 3). locais, desde
trabalho de mestrado
nem tipologias exaus- armazenamento de vinho, impermeabilizados Apenas uma peça sai Castanheiro do Vento
(PEREIRA 2008).
tivas sobre estes ma- 5 com pez (38%), e os dolia sem revestimento dos esquemas “típi- (Horta do Douro,
A única publicação
teriais na região do sobre este tipo de peças
(62%), utilizáveis para a conservação de cereais ou cos” das estações ar- Vila Nova de Foz Côa),
Douro 5, leva-nos a resulta da escavação de outros produtos, embora possam ter servido tam- queológicas conheci- até ao Buraco da Pala
estabelecer uma cro- bém para vinho, sendo revestidos de outros mate- das: a peça assinalada (Passos, Mirandela).
Rumansil II (COIXÃO e
nologia relativa por SILVINO 2006 e 2008; riais 6. na Fig. 4, que apre-
comparação com Ru- COIXÃO et al. 2003). A nível decorativo, podemos notar vários esque- senta uma decoração pintada a ocre vermelho, re-
mansil II (Murça, mas decorativos nos dolia armazenados na Casa presentando uma seta e um traço lateral.
Freixo de Numão, Vila Nova de Foz Côa), Vale do do Douro. Embora nenhum seja inusual ou dís- Os fragmentos de dolia provenientes do Alto da
Mouro (Coriscada, Meda) e São Cucufate (Vilar par dos analisados 6
Fonte do Milho são, na sua maioria, anepígrafos.
de Frades, Vidigueira, Beja). noutras estações 7, Como podemos Todavia, tivemos a oportunidade de analisar algu-
observar no estudo de
Os dolia podem ser divididos entre uma primei- podemos apresentar mas peças epigrafadas, que apresentamos aqui.
A. Tchernia sobre os
ra fase de produção, datando entre os séculos I e uma tabulação rápida dolia vinários O primeiro exemplo é uma peça com a epígrafe
II d.C., e uma fase posterior, que coincide com de esquemas decora- mediterrânicos, “XI”. Esta peça, a nível da pasta e coloração, in-
uma segunda vaga produtiva, entre os séculos tivos predominantes. estes podiam, sere-se no tipo III. O facto de ser uma epígrafe nu-
III e IV d.C. As decorações de tipo excepcionalmente, meral indicará uma inventariação do material de
O primeiro grupo de cerâmicas caracteriza-se ondulado simples e receber uma armazenamento. O segundo e terceiro exemplos
por possuir uma pasta cinzenta ou bege, compacta ondulado composto impermeabilização de poderão representar marcas de propriedade, uma
cal ou, dependendo da
e com poucos desengordurantes. O segundo gru- (Fig. 3) são recorren- pasta, não receber
vez que as epígrafes foram gravadas pós-cozedu-
po, compondo a maior parte dos fragmentos, tes em peças cerâmi- nenhum destes ra, embora também possam ser marcas de produ-
caracteriza-se por possuir uma grande diferença cas desde a Pré-Histó- tratamentos (TCHERNIA ção. Todavia, o tema das marcas de produção
formal: duas ansas, directamente abaixo do bor- ria recente 8. e BRUN 1999). em dolia no território português não se encontra
171
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
Tipo I
FIG. 5 − Tipologia de formas
de dolia presentes no espólio do
Alto da Fonte do Milho
0 5 cm
conservado na Casa do Douro.
Tipo II
173
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
A INTERVENÇÃO
0 1m
FIG. 4 − Corte Sul da área intervencionada.
175
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
ESTELAS BIBLIOGRAFIA
FIGS. 7 E 8.
Estela 2,
Rua do Calvário, FIG. 9 − Estela 3, localizada num quintal da Rua do Calvário.
n.º 15.
FIG. 1 − Localização da
estação arqueológica na
CMP à escala de 1/25 000,
folha 365, Lisboa: Serviços
1. CIRCUNSTÂNCIAS Cartográficos do Exército.
E NATUREZA DA DESCOBERTA
No seguimento do projecto de estudo sobre a ocu- Face a esta ocorrência e perante o interesse de uma do primeiro signatário ocorrida pouco depois, foi
pação pré-romana na área de Porto do Sabugueiro estação desta época para o entendimento do po- decidido apresentar um pedido de autorização
(PIMENTA e MENDES 2008), dois dos signatários voamento na Idade do Ferro da área em análise, para a realização de trabalhos arqueológicos ao
(JP e HM) tomaram conhecimento, através da ba- efectuámos uma visita de reconhecimento ao lo- IGESPAR, por este subscrito, apresentado a 9 de
se de dados Endovélico do IGESPAR, da existência, cal no mês de Março de 2010. Julho de 2010 e superiormente autorizado a 21 do
nas imediações daquele sítio arqueológico, de uma Ao contrário do que seria espectável, não nos de- mesmo mês, para a realização de prospecções in-
outra ocorrência arqueológica, correspondente parámos com uma estação proto-histórica, mas tensivas, susceptíveis de permitirem a identifica-
à identificação, na década de 1980, de uma necró- sim com uma invulgar estação pré-histórica data- ção da área de maior concentração de vestígios, a
pole da Idade do Ferro, aquando da construção do da do Neolítico Antigo. Foi a percepção do signi- qual seria, numa segunda fase, objecto de esca-
centro de saúde de Cortiçóis. ficado desta descoberta e da sua relevância cien- vação.
Trata-se do sítio de Alqueva da Branca, situado tífica e patrimonial que conduziu ao contacto com O interesse em proceder, de forma rápida e atem-
junto à povoação de Cortiçóis, freguesia de Ben- o primeiro signatário deste artigo. pada, à pretendida intervenção arqueológica de-
fica do Ribatejo, concelho de Almeirim, apresen- Confirmado o elevado interesse científico desta corria da intensidade da construção de moradias
tando o Código Nacional de Sítio n.º 4791. ocorrência, numa nova deslocação em companhia unifamiliares na área de interesse arqueológico, as
177
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
0 3 cm
DESENHOS: F. Martins.
FIG. 3 − Exemplar cerâmico decorado,
aquando da sua recolha, à superfície do terreno.
quais, a breve trecho, poderiam atingir a totalidade frustre ocupação de cariz rural. Entre os materiais Ainda assim, mercê do bom entendimento esta-
da zona com maior concentração de vestígios, ins- recolhidos destaca-se a presença de cerâmica de belecido com os promotores da urbanização, a em-
crevendo-se, por conseguinte, na categoria D de construção – tegulae, imbrices e lateres – e um bo- presa Malfeito Ferreira, Investimentos Imobi-
trabalhos arqueológicos. cal de ânfora romana Lusitana do tipo Almagro liários Lda., na pessoa da Sr.ª Dr.ª Helena Xavier
A estação pré-histórica de Cortiçóis desenvolve- 51C. da Cunha e sua Exm.ª Família, foi possível efec-
-se para Sul da povoação homónima, numa exten- tuar uma intervenção arqueológica limitada a um
sa área de antigos terrenos agrícolas arenosos, 2. LOCALIZAÇÃO E TRABALHOS EFECTUADOS dos lotes ainda não vendidos, dirigida pelo pri-
correspondentes à superfície de um baixo terraço meiro signatário, em colaboração com o Prof. An-
da margem esquerda do Tejo. A estação estende-se por vasta área de declive tónio Faustino de Carvalho, da Universidade do
Dispersos pelo terreno eram visíveis inúmeros suave para o vale do Tejo, possuindo o ponto cen- Algarve. Os respectivos resultados serão apresen-
fragmentos de cerâmica manual e elementos líti- tral as coordenadas de 39º 8’ 13,96” Lat. N e tados em futuro próximo e confirmaram a excep-
cos de sílex e de quartzito, muito aumentados pe- 8º 40’ 56,71” Long. W de Greenwich. cional abundância de achados cerâmicos e líticos
los trabalhos de prospecção intensiva efectuados A prospecção aturada da superfície do terreno per- do Neolítico Antigo (talvez já de uma fase evo-
posteriormente no local. mitiu localizar uma área mais circunscrita onde se lucionada adentro do respectivo faseamento).
A par desta ocupação neolítica, dispersos pelo ter- verificava maior concentração de materiais ar- Nestes termos, as conclusões por ora possíveis,
reno detectaram-se materiais cerâmicos de época queológicos. Infelizmente, tal área já se encontrava perante as evidências recuperadas (tanto da pros-
romana tardia, indicadores aparentemente de uma muito prejudicada pela construção de diversas pecção, como da escavação, realizada entre 13 e
moradias unifamiliares, apresentando-se total- 25 de Setembro de 2010), apresentam-se de se-
mente loteada. guida.
0 3 cm
0 3 cm
DESENHOS: F. Martins.
3. CONCLUSÕES PRELIMINARES ras mecânicas, que atingiram mais de um metro tade do V milénio a.C. (cerca de 5000-4500 a.C.),
de profundidade, até ao substrato geológico, com base nos materiais exumados.
3.1. Trata-se de uma estação do Neolítico Antigo constituído por areias amarelo-alaranjadas, rela-
Evolucionado do território português e a pri- cionadas com um terraço plistocénico da margem 3.4. Entre o espólio, avulta a cerâmica decorada,
meira que se investiga na margem esquerda do vale esquerda do Tejo. No entanto, a prova de que tais especialmente a ornamentada por motivos de
do Tejo a montante dos célebres concheiros meso- estruturas deveriam ter existido na área inter- um evidente barroquismo, produzidos por im-
líticos de Muge. Terá sido ocupada após o aban- vencionada, é fornecida pela recolha de numero- pressão de matrizes de diversas formas na pasta
dono destes, cerca de 5000 a.C. sos termoclastos (seixos rolados de quartzito e de fresca da superfície dos recipientes. Tais motivos
É, assim, muito provável que descendentes dos quartzo estalados pelo fogo), utilizados em empe- estão associados a decorações plásticas (mamilos,
derradeiros habitantes dos concheiros, pratican- drados que, depois de aquecidos, funcionavam cordões em relevo) e, mais raramente, a ornatos
tes de uma economia de pura caça/recolecção, te- como grelhadores. incisos.
nham sido substituídos por outros, que adopta- As indústrias líticas são quase exclusivamente
ram, pela primeira vez na região, uma economia 3.3. A cronologia desta importante ocupação, de sílex (estando também presente o cristal-de-
de produção (agricultura e animais domésticos, que se desenvolvia através de núcleos de carácter -rocha), matéria-prima que era explorada na mar-
sobretudo ovino/caprinos e bovinos). habitacional pouco afastados uns dos outros, ao gem direita do Tejo, especialmente na região de
longo de toda a suave encosta arenosa que pende Rio Maior (de onde provinha a variedade casta-
3.2. A escavação não revelou nenhumas estrutu- para o Tejo, com uma particular concentração na nho-avermelhada, muito frequente), a partir da
ras de carácter habitacional, devido ao intenso re- zona mais alta, correspondente à área parcial- qual se talharam diversos utensílios, com destaque
volvimento dos terrenos provocado pelas lavou- mente investigada, deve remontar à primeira me- para os característicos micrólitos de forma geo-
179
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
0 3 cm
DESENHOS: F. Martins.
0 3 cm
métrica (crescentes ou segmentos), providos de No entanto, aceitando esta hipótese, dada a assi- BIBLIOGRAFIA
finíssimos retoques nos bordos, os quais eram nalável abundância de materiais exumados, pode
montados em cabos, ou, em alternativa, utiliza- admitir-se que se trataria de um grupo que, ao lon- CARDOSO, J. L. (2002) – Pré-História de Portugal.
dos como pontas de projéctil. go de muito tempo, retornaria ao mesmo local. Lisboa: Verbo.
Infelizmente, a natureza muito ácida dos terrenos Pode dizer-se que se trata da primeira evidência de PIMENTA, João e MENDES, Henrique (2008) –
não permitiu a conservação de restos orgânicos povoamento organizado na região, através de “Descoberta do Povoado Pré Romano de Porto do
(conchas e ossos de animais), susceptíveis de for- uma pequena comunidade, pioneira na produção Sabugueiro (Muge)”. Revista Portuguesa de
necerem indicações precisas sobre as bases ali- dos seus alimentos, e não apenas caçadora/reco- Arqueologia. Lisboa. 11 (2): 171-194.
mentares da comunidade ali sediada e, por con- lectora, como as suas antecessoras da região de
seguinte, a natureza mais ou menos prolongada, Muge/Salvaterra de Magos.
da respectiva ocupação.
Entre as razões que conferem ao local evidente
3.5. As conclusões gerais apontam, assim, para interesse científico, avulta o facto de ser a primeira
uma comunidade constituída por algumas deze- vez que, como se disse, se identifica na região uma
nas de pessoas, no máximo, habitando de forma estação desta época, potenciando um amplo con-
pacífica e provavelmente sazonal o local, já que não junto de comparações com as suas antecessoras
foram encontrados elementos que indiquem uma mesolíticas, e, por esta via, um conhecimento das
ocupação peri-anual, como elementos de moagem vias que presidiram à génese das primeiras comu-
de cereais. nidades produtoras da região.
INTRODUÇÃO
ENQUADRAMENTO HISTÓRICO-ARQUEOLÓGICO
181
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
No decorrer do acompanhamento arqueológico O Muro 2 (Fig. 3), composto por pedras de gra- trução romana fora do recinto (HAUSCHILD e
foram registadas vinte e três ocorrências arqueo- nito e xisto com alguma argamassa como ligante, FIALHO 1991).
lógicas. Destas, quinze correspondem a muros apresentava cerca de 1,20 m de largura e corres- O tanque de água (número 7) do templo roma-
com argamassa, quatro a possíveis pisos, três a es- ponderá à Cerca Velha (LIMA 1996), dado que se no também foi detectado (Fig. 5), sendo obser-
truturas escavadas no afloramento rochoso, sen- encontra no alinhamento do pano de muralha lo- vado o fundo do pavimento em opus signinum,
do interpretadas como possíveis silos/fossas, e calizado sob o Jardim de Diana, em direcção à apresentando um certo grau de destruição. O
uma corresponde ao espelho/tanque de água do Torre das Cinco Quinas, pertencente ao Palácio não aparecimento da sua totalidade deve-se a
templo romano, já identificado anteriormente dos Duques de Cadaval. destruições provocadas por valas de condutas de
(HAUSCHILD e SARANTOPOULOS 1995-97). O Muro 6 (Fig. 4), composto por pedras de pe- água e electricidade. O tanque de água aparece em
Algumas destas evidências revelaram informa- quenas dimensões envoltas em bastante argamas- toda a extensão da vala compreendida entre as son-
ção compatível de ser cruzada com os dados de ou- sa, apresenta uma largura de 70 cm. Este muro dagens 29A e 29D, realizadas durante os trabalhos
tros trabalhos, apesar das limitações à interpreta- encontra-se a Norte do Templo Romano, perto da arqueológicos de 1996 (HAUSCHILD e SARANTO-
ção, que são consequência da própria natureza da sondagem 17 de T. Hauschild, onde se identifi- POULOS 1995-97).
intervenção e da exiguidade do espaço interven- cou um muro exterior ao pórtico, supondo a O piso com o número 11 apresentava-se em mau
cionado. existência de um contraforte ou de outra cons- estado de conservação e é composto por algumas
183
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
Intervenção Arqueológica
no Morro do Castelo
de Ourém
estudo preliminar do espólio
Armandina Silva e Jaqueline Pereira [Texto: Out. 2010]
1. INTRODUÇÃO
Os trabalhos de arqueologia preventiva (limpeza Em 1384, D. João I concede a Vila e o território, Sul, verificamos terrenos agrícolas; a Norte exis-
e estudo da área, nomeadamente do troço de ca- bem como o título de Conde de Ourém, ao tem alguns edifícios devolutos já em ruínas e, entre
minho em calçada e abertura de sondagens), rea- Condestável do Reino, D. Nuno Álvares Pereira eles, um espaço destinado a estacionamento, on-
lizados no âmbito do projecto de construção de (3.º Conde de Ourém). de haviam já sido demolidas algumas construções.
um edifício, no morro de Ourém, decorreram nos Já no século XV, é com o neto do dito Con-
meses de Abril e Maio de 2009. destável, D. Afonso, 4.º Conde de Ourém e Mar- 3. METODOLOGIA
Desmatou-se a área dos prédios rurais a interven- quês de Valença, que o território condal conhece
cionar, procurando perceber-se a antiga distribui- um período bastante dinâmico. É nessa altura que No âmbito da memória descritiva é avançada
ção urbana. as muralhas do primitivo castelo são rasgadas pa- uma caracterização geral do urbanismo e das
Procedeu-se à limpeza do traçado de via referido, ra edificação do conhecido Paço do Conde, sito composições arquitectónicas, considerando-se o
demarcando, desenhando e cotando as pedras a Sul do actual castelo triangular. Foi também com tipo de aparelho, paramentos e afins.
da calçada; e, num momento posterior, dada a difi- este Conde que a Vila reafirmou a sua centralidade No que concerne aos trabalhos de escavação ar-
culdade em compreender se a calçada conhecida regional, reformando o casario e valorizando os es- queológica, foram seguidos os pressupostos meto-
se prolongava, realizaram-se duas sondagens de paços públicos e o próprio castelo. dológicos avançados por Barker e Harris, procu-
um metro quadrado no caminho de terra batida Até meados do século XVIII, o povoamento da- rando seguir a sequência lógica da sua formação.
sito a Sul do dito troço, para auferir essa confir- quela área teria sido O registo das Unidades Estratigráficas (UE) in-
1
mação. regular e ininterrupto O censo de 1527 cluiu a descrição das suas principais característi-
1 regista, para esse
no tempo . Apenas cas e das inter-relações físicas / cronológicas.
2. LOCALIZAÇÃO E HISTÓRIA DO LOCAL depois do terramoto momento, cerca de 120
fogos na vila de Ourém
de 1755, que se sen- 4. TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS DE CAMPO
(GOMES 2004: 101).
O monte do castelo onde decorreram os traba- tiu em todo o país, é
lhos apresenta as coordenadas UTM 535097 e que a maioria da po- A área de incidência é de 2834,40 m2, está abran-
4388224 e tem uma cota máxima de cerca de pulação da vila de Ourém se deslocou para a pla- gida pela serventia administrativa do Castelo de
330 metros. Encontra-se estrategicamente situa- nície, hoje o centro da cidade de Ourém. A julgar Ourém e Paço do IV
2
do no centro do país, sendo ponto de passagem pela destruição ocorrida no edifício da Colegiada, Conde de Ourém 2 e Monumento
entre o litoral e o interior e o Norte e o Sul; está onde apenas resistiu a Cripta tumular do 4.º inserida no urbanis- Nacional, por decreto
na confluência de antigas vias, vindas de Coimbra Conde, a devastação do conjunto habitacional de- mo da vila, classifica- de 16-06-1910, DG
136 de 23-06-1910.
para Lisboa e de Tomar para a área de Leiria. E cor- ve ter sido enorme. Logo de imediato, as invasões da de Imóvel de In-
responde a uma zona com diversos recursos natu- francesas e as lutas liberais vieram dar o golpe final teresse Público, pelo
rais elementares à sobrevivência e fixação de co- à antiga vila de Ourém. decreto 40 361, DG 228 de 20-10-1955.
munidades humanas. A ocupação daquele pon- O terreno, sito a Norte do Castelo, alonga-se no A área urbana onde se procedeu ao trabalho ar-
to cimeiro aconteceu, pelo menos, desde o Cal- sentido N-S e a área toma a forma de um prisma queológico caracteriza-se pela existência de edi-
colítico. arqueado; fica situado entre a Rua da Saudade que, ficados construídos com recurso a blocos de cal-
Esta área foi reconquistada por volta de 1136, e vindo da porta de Santarém, leva ao cemitério cário mais ou menos aparelhados, de variadas
o território defendido pelo castelo que o primei- (situado a Sudeste), e a rua de S. João, que segue dimensões, e algumas cerâmicas.
ro rei aí manda construir é doado pelo monarca, da porta de Santarém para o centro do aglomerado Em algumas áreas das paredes surge um estuque
em 1178, à sua filha Infanta Dona Teresa, que lhe urbano. Do ponto de vista geomorfológico, o ter- em argamassa branca, colocando-se a hipótese das
atribuiu foral em Março de 1180. reno caracteriza-se por apresentar, no sentido paredes terem sido totalmente rebocadas. O ele-
A grandeza do território é materializada no facto longitudinal, uma escarpa na cota mais alta e do mento de ligação dos blocos é igualmente uma ar-
de ter estado ligado à coroa ou associado ao títu- lado Leste (criando-se dois a três patamares dife- gamassa de cor branca, composta de areia de
lo de conde. rentes). No lado voltado para a rua de S. João, a grão médio / grande. Com área inferior a 100 m2,
0
0 15 m
os edifícios apresentam uma cobertura feita com A sondagem III revelou estruturas de edificados
telha de canudo e, naqueles em que é possível veri- do período moderno, a considerar os vestígios
ficar, apenas uma água. materiais detectados, nomeadamente a faiança e
Os muros divisórios ou de suporte de terras exis- um ceitil recolhido num dos níveis mais baixos da
tentes no local são constituídos, sensivelmente, escavação. Também nesta sondagem ficaram visí-
pelo mesmo tipo de blocos que as habitações veis um nível de incêndio e um muro alvo de de-
consideradas, e também com alguns materiais sabamento.
cerâmicos de construção. O elemento de ligação Das cinco sondagens 3
Percentagem
não aparece, nomeadamente no muro a Sul da cal- arqueológicas, foi na dos fragmentos
çada, que se sobrepõe ao escarpado natural. Os sondagem III 3 que cerâmicos distribuídos
muros divisórios ou de suporte integrados na surgiu maior núme- pelas sondagens
área terão sido compilados no período contem- ro de fragmentos ce- arqueológicas:
8% sondagem I,
porâneo, provavelmente usando blocos de ante- râmicos, designada- 10% sondagem II,
riores edifícios. mente as faianças 70% sondagem III, 0 50 cm
Entre as habitações existentes, voltadas para a presentes neste estu- 5% sondagem IV e
Rua de São João, há a dita calçada, de cariz do. 7% sondagem V.
medieval, que corresponde à única via de acesso FIGS. 2, 3 E 4 − Planta geral da área intervencionada,
intervencionada do ponto de vista arqueológico, 5. CARACTERIZAÇÃO GERAL planta e corte N da sondagem III.
verificando-se que se infiltra sob o actual muro de DO ESPÓLIO CERÂMICO
suporte, a Leste.
Nas sondagens I e II, o limite superior do nível No âmbito da intervenção efectuada, recolheu-se FIG. 5 − Grupos cerâmicos.
geológico confina com uma fina camada de um conjunto cerâmico composto por cerâmica
húmus e parcos materiais arqueológicos (nomea- comum, cerâmica vidrada e faiança portuguesa,
faiança 138
damente cerâmica de construção), que corres- num total de 532 fragmentos (após colagem), com portuguesa
ponderam a um piso de passagem durante algum produções situáveis entre os séculos XVII e XIX. cerâmica 64
período – na sondagem II foi encontrada uma Mediante a análise estatística da totalidade do vidrada
moeda do século XV. Nas unidades de cota supe- espólio, contabilizaram-se 330 elementos de cerâ- cerâmica 330
comum
rior, em ambas as sondagens, recolheram-se faian- mica comum, 64 fragmentos de cerâmica vidra-
0 50 100 150 200 250 300 350
ças dos séculos XVII ou posteriores. da e 138 exemplos de faiança.
185
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
uma lixeira ou a uma deposição pontual de gran- maiores capacidades de impermeabilidade, resis-
de quantidade de variados fragmentos cerâmicos. tência ao lume e ao manuseamento quotidiano do
Este conjunto deverá enquadrar-se, na sua maio- que a cerâmica fina.
ria, nos séculos XVII e XVIII. Identificam-se pela presença de marcas de
Estatisticamente, apurou-se que existe uma pre- fogo nas suas paredes e pelo reconhecimen-
dominância de bordos (187 cerâmica comum; 43 to dos fragmentos de panelas, frigideiras,
cerâmica vidrada; 70 faiança portuguesa), em caçarolas, tigelas, bilhas, isto é, um varia-
relação aos fundos (91 cerâmica comum; 21 cerâ- do conjunto de formas fechadas, com fun-
mica vidrada; 22 faiança), às paredes decoradas (57 dos planos, paredes altas e bordos convexos
cerâmica comum e faiança; 4 cerâmica vidrada) e introvertidos.
e às asas (65 cerâmica comum; 4 vidrada; 0 faian- Um outro grupo, a cerâmica vidrada, desta vez
ça). em minoria (12%), revela a presença de um
Tendo consciência de que a cerâmica é uma fon- habitat que adopta também uma loiça mais
te de informação que caracteriza o progresso tec- fina, com melhores acabamentos, dotando a peça
nológico e o grau de riqueza de uma sociedade, de melhor impermeabilidade e facilitando a sua
0 3 cm
constatamos a existência de um predominante limpeza, e com a presença de decoração. São so-
grupo de loiça vermelha e preta (62%), que niti- bretudo peças vidradas em ambas
damente correlacionamos com uma sociedade as faces a verde e amarelo, e
rural e citadina, de pouca capacidade económica. que, pelas suas características,
não tinham como destino a
Formas da Cerâmica Comum cozedura dos alimentos, mas
antes o seu armazenamento
fundos 91
e apresentação à mesa. Temos
paredes com
57
como exemplos taças de varia-
decoração
das dimensões, alguidares, jarros
0 3 cm
asas 65 e jarrinhos.
O terceiro grupo em análise é dedica-
bordos 187
do à faiança portuguesa, que representa 26%
0 50 100 150 200
do espólio exumado. O capítulo seguinte incidi- FIGS. 11, 12 E 13 − Fragmentos
rá especificamente sobre estas peças. de cerâmica vermelha, vidrada e preta.
Formas da Cerâmica Vidrada
5.1. FAIANÇA
fundos 21
século XVII, associam temas europeus e nacionais,
paredes com
4
A origem da produção da faiança portuguesa tais como “rendas”, cabeças de mulher, faixas
decoração
remonta ao século XVI, com a louça branca dita barrocas, formas geométricas, entre outros.
asas 4 “malegueira”, composta por pastas grosseiras ama- Durante os séculos XVIII e XIX, a cerâmica ca-
relas ou rosadas e sem decoração. racteriza-se por temas regionais e populares de
bordos 43
A moda das cerâmicas orientais no Ocidente ex- densa policromia, nomeadamente azuis, verdes,
0 10 20 30 40 50
plica a decadência da indústria da cerâmica por- cor de vinho, vermelhos, laranjas.
tuguesa na 2ª metade de quinhentos. A crise ve- Nos séculos XVI e XVII, o termo “ratinho” tem
Formas da Faiança Portuguesa rificada nos interesses portugueses no Oriente, no um sentido rústico, plebeu e beirão, dada a região
início do século XVI, estimula o incremento da de onde é proveniente. Os nossos fragmentos, pos-
fundos 22
faiança portuguesa, fazendo surgir uma louça síveis de integrar no grupo “ratinhos” (séculos
paredes com
57
pintada a azul. Inicia-se um período áureo em XIX-XX), podem também ser enquadrados num
decoração
meados do 3º quartel do século XVII, a que se conjunto denominado de “pré-ratinho” (séculos
asas 0 segue posteriormente um período de decadência, XVIII-XIX). Note-se que os seus elementos deco-
enquadrado nos três primeiros quartéis do sécu- rativos aparecem já em peças datadas do século
bordos 70
lo XVIII. XVII. A nossa dificuldade em integrar os frag-
0 20 40 60 80
A faiança do século XVII materializa a influência mentos num destes grupos deve-se à reduzida di-
chinesa na arte europeia. No entanto, os ceramistas mensão dos mesmos.
FIGS. 8, 9 E 10 − Gráficos das formas da cerâmica. do nosso país demarcam-se pela criação de peças De uma forma geral, esta faiança popular de
de características luso-orientais, e, no final do Coimbra cumpre uma necessidade prática e quo-
187
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
6. CONCLUSÕES
Com a finalidade de se entender melhor, no con- Defendemos a hipótese de este bloco ter chegado FIG. 1 − Alinhamento de ânforas.
texto da antiga olaria, o alinhamento de ânforas a Peniche em embarcação que ali aportou para
identificado na campanha arqueológica de 2003, tomar carga, deixando no porto estas pedras que
situado no lado Norte da olaria do Morraçal da serviriam de lastro, e que foram posteriormente raçal, apresentou naquela reunião o tema “Produ-
Ajuda, Peniche, realizaram-se duas novas sonda- aproveitadas nas estruturas da olaria romana. ção e Comércio na Olaria Romana do Morraçal
gens na mesma área. Pela localização geográfica deste tipo de granito, da Ajuda, Peniche (Portugal)”. O tema principal
O primeiro quadrado, aberto à distância de cin- pensamos ser o bloco encontrado no Morraçal da da comunicação, dedicada pelos autores ao
co metros do da campanha de 2003 (5ª campa- Ajuda originário de um porto da fachada atlântica, arqueólogo galego Pedro Alvarez Dias, desenvol-
nha de escavações), revelou uma continuidade do situado no Minho ou na Galiza, provavelmente veu-se sobre as produções dos diversos recipien-
referido alinhamento, bem como do de alvenaria de Pontevedra, onde ainda hoje existem pedreiras tes fabricados na olaria de Peniche e os materiais
seca que se lhe adoça a Sul. Confirmou-se, tam- que exploram este tipo de rocha. A Norte da ola- importados da Bética.
bém, que as ânforas utilizadas no alinhamento ria do Morraçal já tinham sido encontrados blo-
eram todas do tipo Dressel 14, tardias, idênticas cos do mesmo tipo de granito, para além de xis- BIBLIOGRAFIA
a fragmentos encontrados na estrutura das pare- to proveniente de outras regiões, em constru-
des do forno 1. ções romanas identificadas aquando das escavações NETO, N.; REBELO, P.; SANTOS, R. e FONTES, T.
A Oriente do primeiro quadrado foi escavado o arqueológicas levadas a cabo, em 2007, por uma (2007) – “Neoépica, Lda. Principais intervenções
segundo, que revelou um revolvimento recente da equipa da empresa Neoépica (NETO et al. 2007: em 2007”. Al-Madan. II Série. 15: 156-157.
camada superior, enquanto junto à base verificou- 156).
-se a existência de uma entulheira constituída Durante o I Simpósio Internacional
por fragmentos de rejeitados de produção. Gentes del Mar, que decorreu de 16
Entre as recolhas efectuadas, é de realçar o apa- a 18 de Dezembro de 2009, em Lu-
recimento de mais dois selos de produção, incom- anco, Gózon, Astúrias (Espanha),
pletos, com a chancela do produtor Lúcio Arvénio onde foram apresentadas 39 comu-
Rústico, com os quais se atingiu um total de 99 nicações e conferências sobre temas
exemplares marcados, e de um bloco de granito de História e Arqueologia ligados ao
róseo de duas micas. Mar, a equipa de arqueólogos que
Este tipo de granito aflora em pequenas bolsas investiga, desde 1998, com o apoio
numa faixa que vai desde Monforte até à região da Câmara Municipal de Peniche, a FIG. 3 − Trabalhos de laboratório em 2009.
Norte da Galiza, já em Espanha. figlina dos fornos romanos do Mor-
189
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
FIG. 3.
Fragmentos de
cântaros e púcaros
com pintura a engobe 0 5 cm
Fragmentos de
panelas, potes e
testo, séc. XII.
0 5 cm 0 5 cm
FIG. 1.
O concelho de Avis reúne um conjunto de factores Todos estes trabalhos são desenvolvidos com base mento total de 278.735,54€, destinados à recu-
naturais que, desde os tempos mais recuados, na relação directa com a comunidade local, a peração do edifício e à aquisição de equipamen-
constituíram atractivos para a fixação humana. Por qual é efectivada a partir de uma rede de colabo- to necessário ao seu funcionamento.
essa razão, grande parte do território encontra-se radores e voluntários entretanto criada. O Centro de Arqueologia localiza-se no terceiro
povoada pela memória de comunidades diversas Toda a dinâmica gerada em torno da Arqueologia piso do cunhal Sul do edifício monástico cons-
que, ao longo do tempo, transformaram a paisa- estabeleceu novas exigências que tinham de ser truído nos séculos XVI e XVII, e que define, no
gem, deixando inúmeros vestígios da sua pre- correspondidas, de forma a ser possível dar con- lado Sul da igreja, um amplo claustro, onde se
sença. tinuidade e ampliar as diferentes acções imple- integra o dormitório de S. Lambert. Esta zona do
A investigação científica, realizada em regime de mentadas. Mosteiro encontra-se bem assinalada na paisagem
continuidade, tem contribuído, de forma gradual, Neste contexto, o projecto do Centro de Ar- e marca toda uma área que, apesar de se caracte-
para o estudo dessas realidades, constituindo, queologia de Avis adquire expressão e concretiza- rizar pela monumentalidade, encontra-se degra-
simultaneamente, a base das estratégias de gestão -se, criando um novo impulso no estudo e na pre- dada e ocupada por hortas e anexos às habitações
do património arqueológico do concelho. servação do património arqueológico do Con- que rematam o claustro, na sua maioria abando-
Igualmente importante tem sido o trabalho rea- celho. nadas.
lizado ao nível da gestão e ordenamento do ter- Este novo espaço científico e cultural do Muni- O espaço encontrava-se devoluto, tendo sido
ritório, da minimização de impactos sobre vestí- cípio, em funcionamento desde 2011, localiza-se anteriormente utilizado como habitação, facto que
gios arqueológicos e da prevenção e protecção do no Centro Histórico de Avis, ocupando uma das desvalorizou a estrutura do edifício, impondo
património local. fracções do Conjunto Monástico de São Bento de uma organização interna que se revelava pouco
As diversas acções desenvolvidas colocaram a des- Avis, monumento classificado como Imóvel de adequada às funções pretendidas. Por isso, foi
coberto uma pequena parte do património ar- Interesse Público. necessário promover a sua reorganização espacial
queológico do concelho. Para além da compo- O projecto, desenvolvido em 2006, foi aprovado e funcional, de acordo com o programa definido
nente científica, estes vestígios desempenham no âmbito do Plano Operacional da Cultura, para o Centro de Arqueologia, mas respeitando,
um papel significativo ao nível da história e iden- Subprograma 1 (Valorizar o Património Histórico simultaneamente, as características arquitectó-
tidade locais, pelo que se considerou como fun- e Cultural), Medida 1.1 - Recuperação e Animação nicas desta parte do imóvel, recuperando parte da
damental o envolvimento da população na sua de Sítios Históricos e Culturais, com um investi- sua monumentalidade.
protecção, conservação e valorização.
Este envolvimento decorre do con-
tacto directo com as realidades ar-
queológicas e com os diferentes tra-
balhos que lhe estão associados, sen-
do concretizado através da acção pe-
dagógica e de iniciativas diversas de
valorização e divulgação do patrimó-
nio arqueológico.
Neste sentido, foram criadas activi-
dades orientadas sobretudo para a
população escolar, desenvolvendo-
-se, conjuntamente, acções de sensi-
bilização, projectos de valorização de
sítios e monumentos arqueológicos,
organização de visitas e exposições e
edição de publicações, iniciativas di-
reccionadas para um público diversi- FIG. 2 − Centro de Arqueologia de Avis. Biblioteca.
ficado.
191
NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO
A adaptação do edifício foi efectuada com base locais de estudo e divulgação do património ar- volvidos desde 2003 e de acordo com as suas
num programa que visava a valorização do espa- queológico local, valorizando, simultaneamente, componentes de intervenção, das quais se salien-
ço preexistente, integrando, na sua estrutura, as áreas onde se instalariam. A definição de novas tam:
diferentes áreas funcionais que vêm responder às prioridades e a afectação do Claustro Norte, zona – O incremento da componente de investigação,
exigências decorrentes da actividade arqueológi- para onde foi proposta a instalação do Núcleo Mu- com a realização da segunda fase dos projectos
ca desenvolvida no concelho: Reservas de Ar- seológico, a outras funções, adiaram a criação Carta Arqueológica de Avis e da Intervenção Ar-
queologia e Antropologia, Laboratório e In- deste espaço, para o qual estão a ser avaliadas novas queológica no Sítio da Ladeira, Ervedal, e a defi-
ventário, Centro de Documentação – Biblioteca possibilidades de instalação. nição de novas estratégias para a investigação no
e Mapoteca, Gabinetes de Trabalho e Desenho, O Centro de Arqueologia reúne as condições concelho, que passam, por exemplo, pela criação
Serviço Educativo e espaços complementares e de para o desenvolvimento de um conjunto de de uma rede de colaboradores especializados e pelo
apoio. acções no domínio da Arqueologia, vocacionadas desenvolvimento de estudos específicos realizados
A compartimentação geral do edifício em três áreas para o estudo, preservação, gestão, valorização e em parceria e numa perspectiva interdisciplinar;
distintas – piso térreo, edifício principal e piso divulgação do património arqueológico local, – A promoção e a continuação das acções de
superior – facilitou a distribuição das zonas fun- privilegiando a componente pedagógica e o con- natureza preventiva, desde a participação nos
cionais definidas no programa do Centro de Ar- tacto directo com o público. processos de licenciamento até ao acompanha-
queologia e permitiu a diferenciação, de acordo Todo o trabalho é desenvolvido por uma equipa mento em contexto de obra, minimizando os
com as funções a que estavam adstritas, de áreas permanente que, apesar de reduzida, assegura, de impactos negativos sobre o património arqueo-
de acesso ao público, de acesso condicionado e re- forma eficaz e coesa, as necessidades impostas lógico;
servadas. pelas diversas acções inerentes à actividade arqueo- – A definição de estratégias de gestão do patri-
Neste sentido, procurou-se, desde o início, que o lógica desenvolvida pelo Município. Em períodos mónio arqueológico local em articulação com
projecto de arquitectura respeitasse este conceito, específicos, a acção do Centro é apoiada por um os instrumentos de planeamento e gestão terri-
assim como o conteúdo programático definido conjunto de colaboradores que, ao longo dos torial vigentes ou em revisão;
para os diferentes espaços a implementar no edi- últimos seis anos, têm contribuído, de forma sig- – A actualização permanente do inventário, móvel
fício. nificativa, para o desenvolvimento dos trabalhos e imóvel, do património arqueológico local, assim
Na concepção original do projecto, o Centro era arqueológicos. como dos sistemas de gestão de informação;
complementado pelo Núcleo de Arqueologia do O programa do Centro engloba, nesta primeira – A definição de normas e procedimentos apli-
Museu Municipal, de forma a criar-se, em dife- fase da sua actividade, um conjunto de acções cáveis ao eficaz funcionamento do Centro de
rentes pontos do Mosteiro de São Bento de Avis, organizadas na sequência dos trabalhos desen- Arqueologia de Avis;
– A realização de levantamentos e estudos globais – A ampliação do acervo bibliográfico da Bi- uma maior proximidade ao património arqueo-
ou interdisciplinares de avaliação, integrados em blioteca do Centro através de permutas, aquisição lógico e às diferentes fases de trabalho, possibili-
projectos de intervenção em património históri- e recepção de oferta de publicações, disponibili- tando conhecer espaços e materiais que normal-
co-arqueológico; zando ao público, especializado ou não, um acer- mente não são visíveis ao público em geral.
– A elaboração de propostas para o estudo e vo diversificado de temáticas relacionadas com a Pela natureza do espaço e pelas funções desen-
eventual aquisição de colecções privadas de bens Arqueologia. volvidas, todas as visitas e a participação nas ini-
arqueológicos; Em 2012, destacam-se da agenda do Centro os ciativas, salvo indicação em contrário, carecem de
– A criação e manutenção de percursos arqueo- trabalhos relativos aos projectos de investigação em marcação prévia, com excepção da Biblioteca, a
lógicos integrados na Rede de Percursos de Natureza curso, o acompanhamento de obras municipais no qual se encontra aberta ao público, de segunda a
do Concelho de Avis; Centro Histórico de Avis, a apresentação da pri- sexta, das 9h00 às12h30 e das 14h00 às 16h00.
– A avaliação de novas soluções para a instalação meira edição bilingue dos folhetos Sítios, Artefactos O Centro de Arqueologia encontra-se preparado
do Núcleo Museológico de Arqueologia; e Memórias, a publicação do número 7 do Boletim para receber visitas escolares, as quais deverão
– O desenvolvimento e ampliação da actividade de Arqueologia “Da Terra” e a apresentação, em ser marcadas com duas semanas de antecedência,
editorial do Centro de Arqueologia, procurando- Agosto, de uma exposição monográfica sobre o com referência do número de visitantes, idades,
-se assegurar, de forma sistemática e assídua, a pu- sítio arqueológico da Ladeira, a qual constitui o nível de escolaridade/curso, motivo da visita e inte-
blicação de informação através do Boletim “Da ponto de partida para a realização de um conjunto resses específicos, caso se aplique. Todas as ini-
Terra” e da criação de suportes especializados, para de iniciativas que assinalam os 100 anos da inter- ciativas são devidamente calendarizadas e publi-
a edição de relatórios, catálogos e estudos; venção de José Leite de Vasconcelos no local e o citadas.
– O incremento das acções educativas, com a balanço da primeira fase do projecto de investi- As informações sobre o Centro de Arqueologia de
ampliação das Oficinas de Arqueologia e da par- gação aí iniciado em 2006. Este programa inte- Avis e respectivas actividades estão disponibiliza-
ticipação na Agenda Pedagógica, procurando, grará a exposição, patente na Biblioteca do Centro das no sítio do Município de Avis e no Boletim
simultaneamente, revitalizar o Clube de Arqueo- de Arqueologia, a edição de publicações, visitas “Da Terra”, podendo ser directamente obtidas
logia; orientadas e palestras. através do telefone 242 412 219 ou do e-mail
– A manutenção do diálogo constante com o No desenvolvimento das suas actividades, o [email protected].
público a partir de um conjunto de iniciativas di- Centro privilegia o contacto com o público, cons- As edições do Centro de Arqueologia encon-
versificadas, onde se englobam visitas orienta- tituindo um espaço de trabalho dinâmico. As vi- tram-se disponíveis no Centro e no Posto de
das, palestras, oficinas, exposições e actividades sitas são por isso asseguradas apenas pela equipa Turismo, locais onde poderão ser ainda agenda-
lúdicas; de arqueologia, proporcionando, deste modo, das as visitas.
193
LIVROS
A banda desenhada define-se como uma arte Em primeiro lugar, mesmo o arauto do
sequencial 1, baseada na justaposição de imagens estruturalismo pré-histórico não deixou
numa sequência deliberada, destinada a transmitir de afirmar que, apesar da sua natureza
uma narrativa ou, sobretudo em alguns exemplos simbólica, a arte paleolítica serviu como
contemporâneos, a produzir uma reacção estéti- base a um discurso oral, entretanto per-
ca no observador 2. Esta narrativa gráfica pode, ou dido 4. Os diferentes painéis em gruta, ou
não, ser explicitada através da associação de tex- ao ar livre, podem ser assim interpretados
to. Neste sentido, a controvertida questão dos ba- como parte de um discurso coerente,
lões de diálogo na sua definição é relativamente que se baseia na referida justaposição de
secundária, pois grande parte da arte sequencial imagens. Esse discurso pictográfico deri- La Légende de la Grotte de Niaux (Rahan 6, Tomo 10).
não é acompanhada de texto escrito, existindo, por va igualmente de um outro recurso grá- André Chéret (argumento), Jean-François Lécureux (desenho),
outro lado, diferentes formas de associar texto às fico, que está igualmente relacionado Chantal Chéret (cores). Editions Lécureux, 2009, 56 pranchas.
imagens, para além dos referidos balões 3. com a banda desenhada: a animação. ISBN 2-913567-45-2.
Assim, a banda desenhada actual, embora filha da Esta forma de representação do mo-
massificação da imprensa desde finais do século vimento pode ser rea-
4
XIX, tem raízes bem mais longínquas, nos frisos lizada a partir da re- Por exemplo: “Para te herói pré-histórico de compridos cabelos loiros,
dos palácios de Dur Sharrukin, Ninive e Nimrud, presentação de poses além do conjunto colar de garras de urso e faca de marfim. Dotado
na coluna de Trajano, na tapeçaria de Bayeux, no significativas, indica- simbólico das imagens de um pensamento racional e um humanismo que
existiu forçosamente um
códice mixteca Zouche-Nuttall, ou nas catedrais doras de um com- vai transmitindo às primitivas tribos d’“Aqueles-
contexto oral com o qual
góticas. Em diferentes suportes e com diferentes portamento específi- o conjunto simbólico era -que-caminham-de-pé”, “cabelos-de-fogo” realiza
recursos técnicos, todos estes exemplos parti- co, mas também da coordenado e reproduziu pelo caminho invenções técnicas, que o seu racio-
lham um princípio comum: a elaboração de nar- decomposição reali- os valores espacialmente” cínio analítico permite descobrir com milhares de
rativas a partir da justaposição de representações. zada através da sobre- (André Leroi-Gourhan, anos de antecedência, numa espécie de uma ver-
Neste sentido, a banda desenhada aproxima-se posição de imagens O Gesto e a Palavra, são pré-histórica da antecipação científica.
Vol. 1, Editorial 70,
também da arte paleolítica. ou segmentos de uma Está bem de ver que estamos longe de uma ban-
1990, p. 197).
mesma figura. O Vale da desenhada realista, tratando-se antes de uma
do Côa apresenta al- série de aventuras, que decorre numa Pré-História
1
Termo forjado por Will Eisner, El Comic y el guns dos maiores exemplos desta prática de gran- profundamente marcada por alguns preconceitos
Arte Secuencial, Norma Editorial, 1996. de modernidade conceptual, que se estende con- socialmente enraizados e uma visão heróica de um
2
Scott McCloud, Understanding Comics, tudo a toda a arte paleolítica, e que é reinventa- tempo sem heróis, na linhagem de outras como
Kitchen Sink, 1993. da pelo Futurismo, chegando à banda desenhada Tarzan ou Conan. Ainda assim, a Arqueologia e
3
Parece-nos pois bizantino o debate acerca do actual, desde o mangá à mais circunspecta franco- a Pré-História têm servido de pano de fundo a
centenário da banda desenhada, entre os dois lados -belga, passando pelos comics norte-americanos. algumas das aventuras deste herói para além do
do Atlântico, opondo os partidários de Outcalt aos Estas figuras representam uma acção que carrega tempo. Rahan conheceu o homem de Tautavel e
de Töpffer. Os norte-americanos valorizam o
suposto pioneirismo do Yellow Kid de Richard F.
dentro de si um discurso. No mínimo, as figuras desvendou o segredo de Solutré. Desta vez, vai aju-
Outacalt (1863-1928) e a introdução do balão, ao do Côa dizem-nos que o cavalo levantou a cabe- dar o clã de Ni-Óh.
inscrever o texto do discurso na roupa do seu ça, ou que o bode olhou para trás. Arte paleolíti- A aventura começa com a chegada de Rahan a ter-
herói. Já os franco-belgas enfatizam o papel do ca e banda desenhada não estão assim tão distantes ras quentes, onde, ao longo de um conjunto de
suíço Rudolph Töpffer (1799-1846) na como à primeira vista poderíamos supor. dinâmicas e luminosas pranchas, o herói se dedi-
representação sequencial de imagens de forma a Vem tudo isto a propósito da publicação de La ca à satisfação das suas necessidades elementares,
criar uma narrativa. Tantos uns como outros
parecem toldados por algum chauvinismo, uma vez
Legende de la Grotte de Niaux. Rahan, “o filho das através da caça, pesca e recolecção. O facto de, nes-
que a arte sequencial antecede largamente o idades selvagens”, é uma personagem clássica da te caso, se tratar de uma actividade solitária, afas-
século XIX, e, no decurso da sua longa história, banda desenhada franco-belga, criada em 1969, ta a narrativa da realidade que a Pré-História e a
encontrou muitas outras soluções para integrar o na mítica revista Pif Gadget, por André Chéret Antropologia nos descrevem, mas aproxima-a da
texto escrito (filactera, bandeirolas, ideogramas), (desenho) e Roger Lécureux (argumento). Ao dimensão heróica e individualista da série.
do qual o balão é apenas uma, utilizada já, aliás, longo de três dezenas de volumes, e com diferentes A escuridão atinge as pranchas quando Rahan, na
em cartoons ingleses do século anterior.
colaboradores, acompanhamos as aventuras des- sequência do salvamento de um grupo de jovens
195
LIVROS
Este álbum resulta de Magdalenense. No seu Nesta história, a arte é encarada como uma for- 70 000 000 a.C. para as nove da noite de 22 de
uma colaboração com interior, identificaram-se ma de apaziguar os maus espíritos dos animais. O Março de 751 a.C., pelo que não aborda o tema
o Service d’Exploita- vários conjuntos de registo arqueológico surge apenas de forma indi- em análise.
tion des Sites Touris- pegadas de jovens e recta, no propulsor de Mas d’Azil utilizado numa O caso do Côa deu origem a, pelo menos, uma
adultos, salientando-se
tiques de l’Ariège 6, o da Sala das Pinturas,
caçada à rena, numa Vénus de Lespugue ainda prancha da Filosofia de Ponta, de Nuno Saraiva e
responsável pela gru- que regista a passagem completa, ou na de Tursac, disposta junto a Nak Júlio Pinto e, sobretudo, à aparição do Homem
ta de Niaux e pelo de três crianças. ferido. Mais do que isso, ressaltam as figuras pa- paleolítico no Bartoon de Luís Afonso 12. Ambos
Parque da Pré-Histó- Na parede dessa sala rietais inspiradas no registo parietal, como uma os casos são um híbrido entre banda desenhada e
ria, apresentando no surge pintada a versão de um dos cavalos pontilhados de Pech cartoon editorial, ten-
final um conjunto de “bellete”, um dos Merle. do sido publicados 12
Alguns destes
raros mustelídeos cartoons foram editados
textos relativos ao Pa- representados na arte
Apesar de alguma imaturidade anatómica, que o em jornais (O Inde-
trimónio do Ariège e autor virá a perder em obras posteriores, o livro pendente e Público), em Luís Afonso, Côa
paleolítica, singular Bartoon. IGESPAR
à sua visita pública. também pela economia revela-se notável, não pelo seu lado didáctico, mas lado a lado com as (Cadernos do Côa, 5),
Ele revela-se assim e precisão de traço. pela criação de um enredo sob o pano de fundo notícias da polémica, 2009. Nesta publicação
mais uma forma de 6
Agradecemos a Pascal de uma realidade científica bem documentada. e foi sobretudo no não figuram, contudo,
divulgação do Patri- Alard, seu principal Mais afastada do realismo, a arte paleolítica faz domínio do cartoon alguns dos cartoons mais
mónio pré-histórico, responsável, o acesso ao também a sua aparição em L’Âge de Raison 9, ál- que o Côa foi redese- emblemáticos da série:
através de um meio livro em análise. bum premiado em nhado na actualida- a apresentação do
7
Os cinco níveis são: a “Homem Paleolítico”,
massificado e dirigido Angoulême em 2003. 9 Matthieu Bonhomme, de. Em termos de
banda desenhada a visita dos peritos
sobretudo a um pú- Num registo carica- Éditions Carabas, 2003. banda desenhada, re- internacionais, a
documental pré-histórica,
blico jovem. a banda desenhada de
tural, Mathieu Bon- fira-se apenas uma decisão de abandono da
Não é este o primeiro inspiração pré-histórica, homme conta-nos a história de um homem, na edição da edilidade construção da barragem
exemplo de relação a banda desenhada de sua caminhada no sentido da humanização. Nesse de Foz Côa 13. O livro e a inauguração do
entre a banda dese- Pré-História fantástica, percurso, contado sem recurso a discurso escrito apresenta uma forma Parque Arqueológico
nhada moderna e a a caricatura fantástica e descodificável, o Homem surge retratado como pobre, baseada sobre- do Vale do Côa.
13
arte paleolítica. a caricatura documental um ser animalesco, com uma única preocupação: tudo no desenho a António Luís
(Héroes de Piedra en Ferronha e Eliseu
Ao analisar a relação obter alimento. Expulso pelos seus pares, o herói partir de fotografia, e
Papel: la Prehistoria en Gouveia, Foz Côa:
entre a banda dese- el cómic. Complutum, 8, encontra outro grupo, contando as suas aventu- um conteúdo sim- viajar por milénios
nhada e a Pré-His- 1997, pp. 285-310). ras através da arte parietal. No final da história, o plista de natureza do- de história, ELO-
tória, Gonzalo Ruiz 8 Ed. du Lombard, 1989. Animal tornou-se num verdadeiro Homem, atra- cumental, ao narrar -Publicidade, Artes
Zapatero definiu cin- vés da descoberta da Arte e do Amor. uma visita escolar ao Gráficas, Lda, 1998.
co níveis distintos 7, É curioso notar que, apesar da diferença de regis- Côa, o que nos impe-
seguindo dois eixos, o do grafismo (da caricatu- tos nas três obras referidas, a arte paleolítica sur- de de o integrar de pleno direito no seio da 9.ª arte.
ra ao realismo) e o da divulgação (do conteúdo ge em todas elas como uma característica que, A banda desenhada é um poderoso meio de trans-
científico à ficção). Rahan enquadra-se no que embora ainda defina uma certa pré-humanidade, missão de conteúdos e, nesse sentido, pode ser um
chama de banda desenhada de Pré-História fan- é já um veículo através do qual a Humanidade se interessante veículo difusor do discurso científi-
tástica, ainda que, neste volume, ele apresente um liberta e afirma. Neste sentido, para além da di- co, nomeadamente no domínio da arte paleolíti-
maior grau de conteúdo científico do que a gene- vulgação, a banda desenhada poderá servir igual- ca, com a qual partilha, aliás, alguns princípios
ralidade da série. mente para analisar a percepção social em relação básicos. Bastará aproveitá-la, de diferentes formas
Mais próxima do discurso científico, sem contu- à Pré-História e, mais especificamente, à arte pa- e com diferentes objectivos.
do ser documental, a obra de André Houot inse- leolítica, a forma como o discurso científico che- Pessoalmente, enquanto amantes da banda dese-
re-se, por seu lado, na banda desenhada de ins- ga à sociedade e é percebido pelos seus membros. nhada e da Pré-História, preferimos exemplos
piração pré-histórica. Em Portugal, estamos ainda muito longe deste como Tête-Brulée, que, ultrapassam a mera divul-
De entre a sua série Chroniques de la Nuit des tipo de discursos. Em termos de tradução, refira- gação, não caindo em excessos fantasistas, ao
Temps, salientamos Tête-Brulée 8, pelo seu con- -se apenas a edição dos Caçadores da Aurora, de criar um argumento original baseado em con-
teúdo directamente relacionado com a arte pa- Hausmann 10, com uma fugaz aparição do cava- teúdos científicos. É essa, aliás, a virtude das me-
leolítica. Baseando-se em dados arqueológicos, lo de Vogelherd, oferecido como prova de amor. lhores ficções históricas e científicas. Os autores
Houot criou uma história acerca de um grupo de Quanto a produção, menos ainda. Recorde-se a da “lenda da gruta de Niaux” utilizam a Pré-His-
caçadores magdalenenses no maciço de Vercours, edição de À Procura tória de uma forma ligeira, despretensiosa e com
onde relata a luta de um grupo humano contra do F.I.M. 11, com in- 10 grande liberdade. O público deste tipo de banda
Edições Asa, 2003.
um rinoceronte lanudo e as crenças irracionais trodução de Ana 11 desenhada apreciará a aventura e o engenho do he-
António Jorge
com isso relacionadas, que implicariam o sacrifí- Margarida Arruda, Gonçalves e Nuno
rói. Já um mais informado amante da Pré-His-
cio de um jovem. A Razão vence no final e, no mas cuja acção passa Artur Silva, Museu tória, ultrapassados alguns calafrios, tirará proveito
decurso das suas aventuras, Nak, o pintor da tri- das quatro da tarde Nacional de do reconhecimento de pormenores do enredo, di-
bo, inicia um jovem na pintura parietal. do dia 1 de Abril de Arqueologia, 1994. rectamente extraídos do registo arqueológico.
uma edição
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[travessa luís teotónio pereira, cova da piedade, almada]