Guiadebolsodasifilis 2edicao2016

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Guia de Bolso

2016
2ª edição

São Paulo
2016
Marisa Ferreira da Silva Lima
Diagramação e ilustrações: Denis Delfran Pereira, Daniel Cherubim
Pegoraro

Agradecimentos: a Luiza Harunari Matida (in memoriam) e Wong


Kuen Alencar (in memoriam) por suas contribuições na elaboração
da primeira edição deste Guia.

Versão digital do Guia está disponível em "Publicações" no site:

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978-85-99792-28-5

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Figura 1: Modelo lógico do Plano de Eliminação da Sífilis Congênita no estado de São Paulo*

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Fases Primária Secundária Latente

VDRL 78% 100% 95% 71%


FTA-Abs 84% 100% 100% 98%
TPHA 79% 100% 100% 98%

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Tempo

3 meses 1:64 para 1:16


6 meses 1: :8
2 anos 1: :8

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FTA - ABS
100
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% 80 VDRL
Casos Campo Escuro
Reativos 70 Positivo
60
0

Lesões 2 árias
Recrudescimento Terciária
Curso Latente Latente
Cancro 1 ário das lesões
Clínico recente tardio
2 árias

Cicatriz
3-8 sem

10-90 d 6 sem-6 m 4-12 sem


Interv. entre Cicatriz. das 2 a. após 10 a. após
Exposição
doença 1ária e 2 árias lesões 2 árias a 1ária a 1ária
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*O Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo recomenda Penicilina G benzatina, na dose de 4.800.000 UI para mulheres grávidas com sífilis primária, secundária e latente
recente, visto que, algumas evidências sugerem que uma terapia adicional é benéfica para estas mulheres.
Gestantes com alergia confirmada à penicilina25

- Como não há garantia de que outros medicamentos


consigam tratar a gestante e o feto, impõe-se a
dessensibilização e o tratamento com penicilina G
benzatina.

- Na impossibilidade de realizar a dessensibilização


durante a gestação, a gestante poderá ser tratada com
ceftriaxona 1 g, IV ou IM, 1x/dia, por 8 a 10 dias. No
entanto, para fins de definição de caso e abordagem
terapêutica da sífilis congênita, considera-se tratamento
inadequado da mãe, e o RN deverá ser avaliado clínica e
laboratorialmente.

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**

Doxiciclina 100mg 12/12h


Via Oral (VO), 15 dias, ou
Ceftriaxona 1g, IV ou IM,
1 vez/dia, por 8 a 10 dias

Doxiciclina 100mg 12/12h


Via Oral (VO), 15 dias, ou
Ceftriaxona 1g, IV ou IM,
1 vez/dia, por 8 a 10 dias

Doxiciclina 100mg 12/12h


Via Oral (VO), 30 dias, ou
Ceftriaxona 1g, IV ou IM,
1 vez/dia, por 8 a 10 dias

Ceftriaxona 2g, IV ou IM,


1 vez/dia, por 10 a 14 dias

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**Os pacientes devem ser seguidos em intervalos mais curtos (a cada 60 dias), para serem avaliados com teste não-treponêmico e
retratamento se necessário
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1. Caso o serviço identifique uma gestante com sorologia
treponêmica reagente que refira TRATAMENTO ANTERIOR,
devo notificar o caso?
O profissional deve fazer a investigação clínica, laboratorial e
epidemiológica do caso. Com a confirmação de uma reinfecção
ou de tratamento inadequado anterior o caso deverá ser
novamente tratado e notificado.
Importante: cada gestação em que haja identificação da
infecção por sífilis deverá ser efetuada uma nova notificação.
2. Caso identifique uma gestante com sífilis na MATERNIDADE,
devo notificar a gestante com sífilis?
Não, a gestante com sífilis deverá ser notificada apenas no
pré-natal. Nesta situação, a parturiente deverá ser notificada
como sífilis adquirida (se preencher os critérios de definição de
caso) e o recém-nascido deverá ser notificado como caso de sífilis
congênita.
3. Devo realizar duas notificações de gestante com sífilis na
gestação gemelar?
Não, deverá apenas ser preenchida uma ficha de gestante
com sífilis. Os recém-nascidos decorrentes desta gestação se
tiverem sífilis congênita, deverão ser notificados em FNI
separadas.
4. QUAIS UNIDADES de saúde devem investigar e notificar o
caso de sífilis em gestante?
As principais fontes de captação de casos são os serviços que
realizam o pré-natal, ou realizam a assistência a gestante e/ou
mulheres em idade reprodutiva. É importante destacar que as
gestantes devem ser captadas precocemente para possibilitar
diagnóstico e tratamento adequado da gestante e seu parceiro
sexual.
5. Quais informações relativas à sífilis na gestante devem ser
anotadas na CARTEIRA/CARTÃO DE GESTANTE para levar à
maternidade?
Devem ser anotadas as informações relativas ao
diagnóstico, tratamento da gestante e do parceiro sexual (data
do tratamento, droga e dose utilizados).
6. Devo iniciar o tratamento da gestante com apenas um TESTE
NÃO-TREPONÊMICO REAGENTE?
Sim, se os resultados das provas sorológicas não estiverem
completos, segundo o fluxograma laboratorial preconizado pelo
Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da
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Saúde, o tratamento deverá ser iniciado para a gestante e
parceiro sexual enquanto se aguarda a conclusão da
investigação laboratorial.
7. Devo tratar a gestante com TESTE RÁPIDO para sífilis
REAGENTE?
Sim, o tratamento deverá ser iniciado e deve ser colhida
amostra de sangue para realização de teste convencional - teste
não-treponêmico (VDRL/RPR).
8. É necessária a REALIZAÇÃO DE FTA-ABS-IGM para a
confirmação do teste não- treponêmico reagente?
Não, o teste laboratorial FTA-Abs-Igm apresenta dificuldade
técnica para a sua realização e interpretação, pode apresentar
resultados falso negativos. Deve ser realizado apenas o FTA-Abs
como teste treponêmico para confirmação diagnóstica.
9. Posso realizar o TESTE RÁPIDO TREPONÊMICO NA
MATERNIDADE, na ocasião do parto?
Sim, e se o resultado for reagente deverá ser realizado teste
não-treponêmico e uma detalhada investigação da parturiente.
10. Posso APLICAR PENICILINA G BENZATINA na Unidade Básica
de Saúde (UBS)?
Sim, a penicilina G benzatina deve ser aplicada em todas as
UBS.
11. Como saber se a gestante com sífilis tem REAÇÃO
ANAFILÁTICA à penicilina G benzatina?
Deve constar da anamnese o relato de reação alérgica
prévia, se o relato for positivo deve-se aplicar questionário
especifico para avaliar o tipo de reação descrita. Após a
aplicação de questionário, se a suspeita de alergia a penicilina
persistir deve ser realizado teste de sensibilidade a penicilina e,
no caso de teste positivo, proceder a dessensibilização em
ambiente hospitalar.
12. Devo realizar TESTE DE SENSIBILIDADE à penicilina em
TODAS as gestantes?
Não, apenas nas gestantes com suspeita de alergia a
penicilina durante a anamnese.
13. Existe alguma indicação para o tratamento da gestante com
sífilis com eritromicina?
Não, a Eritromicina não está mais indicada para o
tratamento alternativo de gestante com sífilis, uma vez que não
trata a gestante, nem o bebê.

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14. Como proceder se APÓS O TRATAMENTO ADEQUADO (com
medicação e doses adequadas para a fase da doença),
OCORRER ELEVAÇÃO DO TÍTULO de teste não-treponêmico
(VDRL) da gestante em duas vezes?
Deve ser investigado o tratamento correto da gestante e do
parceiro sexual, além de avaliar a possibilidade de nova
exposição – outro parceiro sexual. O tratamento deverá ser
reiniciado imediatamente com a gestante e parceiro(s)
sexual(is).
15. No caso de gestante, o que é considerado PARCEIRO COM
SÍFILIS?
Será considerado parceiro com sífilis, aquele que apresentar
sorologia reagente em teste treponêmico ou teste não-
treponêmico, sem tratamento prévio documentado, e/ou
apresentar sinais/sintomas de sífilis adquirida.
16. Parceiro com sífilis é um dos critérios para tratamento
adequado ou inadequado da gestante. No caso do PARCEIRO
SEXUAL que RECUSA COMPARECER ao serviço, como saber se
ele TEM SÍFILIS OU NÃO?
Na situação, em que o parceiro mantém relações sexuais
com a gestante e se recusa a comparecer no serviço de saúde,
deve ser avaliada a fase clínica da sífilis na gestante. Se a
gestante está com sífilis na fase primária, secundária ou latente
recente, a transmissão horizontal (passagem do treponema da
gestante para o parceiro e vice-versa) pode ser elevada, devido à
alta treponemia e, se o parceiro não for tratado, ele pode
reinfectar a gestante. Neste caso, é possível considerar
presumivelmente o parceiro com sífilis.
17. Qual é o critério de TRATAMENTO CONCOMITANTE do
parceiro sexual da gestante com sífilis?
É considerado como concomitante aquele que ocorrer entre
a data de início até a data de aplicação da última dose do
tratamento da gestante. Nas situações em que o parceiro sexual
encontra-se ausente, fora do convívio da gestante e sem relações
sexuais com a mesma, o tratamento deverá ocorrer antes de
voltar a ter contato sexual com a gestante tratada.
18. Gestantes tratadas com penicilina G benzatina, na dose
certa para a fase clínica da doença e o parceiro tratado
concomitantemente, com outra droga (Doxiciclina ou
Ceftriaxona) será considerado ADEQUADO do ponto de vista da
prevenção da Sífilis Congênita?
Sim, o tratamento do parceiro será considerado adequado se
receber a medicação conforme protocolo (dose e duração
adequados para a fase da doença) e seguimento sorológico, pois

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a Doxaciclina e a Ceftriaxona são drogas alternativas para
tratamento de sífilis em pacientes alérgico a penicilina.
19. Em um PARCEIRO SEXUAL de gestante com sífilis recente
(fase primária, secundária ou latente recente), se o TESTE
RÁPIDO ou outro TESTE PARA SÍFILIS for NÃO REAGENTE, devo
realizar o tratamento? Com qual esquema?
Sim, o tratamento deve ser realizado presumivelmente,
mesmo com prova sorológica não reagente para sífilis, se o
parceiro sexual foi exposto nos últimos 90 dias (ele pode estar em
período de janela), neste caso, o parceiro poderá ser tratado com
esquema para a sífilis recente (penicilina G benzatina 2.400.000
UI, IM, dose única). Os parceiros sexuais expostos há mais de 90
dias deverão ser avaliados clinica e laboratorialmente e tratados
conforme achados diagnósticos ou, na ausência de sinais e
sintomas e na impossibilidade de estabelecer a data da infecção,
deverão ser tratados com esquema para sífilis latente tardia.
20. Parceiros expostos há MAIS DE 90 DIAS com exames para
sífilis NEGATIVOS, os médicos referem que não tem porque
tratar visto que, a exposição foi há mais de 90 dias. Como
devemos orientá-los?
Os parceiros sexuais expostos há mais de 90 dias,
principalmente os precedentes ao diagnóstico de SÍFILIS
PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA ou LATENTE PRECOCE da gestante,
mesmo com resultados de provas sorológicas não reagentes ou
se o resultado dos testes não estiver imediatamente disponível,
devem ser tratados presumivelmente, uma vez que, nestas
situações (gestante com sífilis recente) a transmissão horizontal
da sífilis pode ser elevada, devido à alta treponemia. No caso de
parceiros de gestantes na fase de LATÊNCIA INDETERMINADA
OU TARDIA, expostos há mais de 90 dias, com sorologia negativa
não precisa ser realizado o tratamento, a menos que os testes
não estejam imediatamente disponíveis, neste caso, você não
sabe se o parceiro está ou não infectado, devendo tratar
presumivelmente o parceiro sexual.
21. Os PARCEIROS de GESTANTES COM SÍFILIS na fase de
LATÊNCIA INDETERMINADA OU TARDIA, expostos NOS
ÚLTIMOS 90 DIAS devem ser tratados presumivelmente,
mesmo com testes não reagentes. Nesta situação, alguns
médicos nos questionam o seguinte: “O tratamento é iniciado
concomitantemente, é feito uma dose de penicilina e quando
chega o resultado do teste, este é negativo, precisa dar mais
doses de penicilina, visto que o parceiro foi exposto à gestante
com sífilis e se estivesse em período de janela, uma dose já
proporcionaria o tratamento”. O que devemos responder?
Nesta situação, em que o parceiro recebeu uma dose da

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penicilina G benzatina de 2.400.000 UI, IM e o resultado de testes
treponêmico E não-treponêmico for não reagentes, uma dose já
teria tratado o parceiro, porque o mesmo provavelmente estaria
com sífilis recente. No entanto, se o parceiro apresentar testes
reagentes deverá ser tratado com esquema para sífilis latente
tardia, na ausência de sinais e sintomas e quando for impossível
estabelecer-se a data da infecção ou, ser tratado conforme os
achados clínicos da sífilis, segundo a fase da doença.
22. Gestante e parceiro usuários de drogas e não aderente ao
tratamento ou se recusam a realizar o tratamento. Como
proceder? Fazemos a comunicação para qual órgão? Conselho
Tutelar? O feto está em risco.
Realmente esta é uma situação muito difícil. Devem ser
articuladas ações intersetoriais, com a prevenção das IST/aids e
entre Secretarias.
23. Nos casos em que a gestante trata e o parceiro não trata
(muitas vezes a gestante não o comunica) a busca do parceiro
deve ser consentida, mas se o bebê está em risco, podemos
contatá-lo sem o consentimento da gestante?
É importante trabalhar o convencimento da gestante em
comunicar o parceiro. Outra possibilidade é trabalhar o pré-
natal do homem, junto com o programa de saúde do homem.
Desta forma, o parceiro poderá participar do pré-natal da
gestante e também cuidar da saúde dele, com realização de
exames. Esta inserção do parceiro (casal grávido) permite a
participação do homem durante todo o processo, pré-natal,
parto e puerpério.
24. Como posso ENCONTRAR A FICHA DE NOTIFICAÇÃO de
sífilis em gestante?
A ficha de notificação de sífilis em gestante encontra-se
disponível no: “formulários de notificação de doenças”, no link
abaixo em "Documentação" -> "SINAN NET 4.0/Patch 4.2
( V e r s ã o e m u s o ) " - > " F i c h a s " .
http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb . A ficha também se
encontra disponível nos sites do Programa Estadual DST/AIDS-SP
e do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) da Secretaria de
Estado da Saúde de São Paulo: www.crt.saude.sp.gov.br e
www.cve.saude.sp.gov.br respectivamente.
25. Após o preenchimento da ficha de notificação de sífilis em
gestante no serviço de atendimento para onde encaminho a
ficha?
A ficha de notificação e investigação deve ser enviada ao
serviço de vigilância epidemiológica municipal, e através de
rotina estabelecida previamente, para a vigilância regional,

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seguindo para o estadual e nacional. É importante que os
profissionais conheçam o fluxo estabelecido no serviço para que
as notificações sejam encaminhadas de forma correta e em
tempo hábil.
26. Gestantes notificadas e tratadas, que durante a gestação
apresentem aumento do título com provável reinfecção,
devem ter preenchida uma nova ficha de notificação de
gestante?
Primeiro deve ser observado se o caso é de reinfecção ou
subtratamento; ou se temos uma neurolues, cuja penicilina
benzatina não tratou ou se ocorreu falha de tratamento
(coinfectados HIV). Na análise dos dados, se notificarmos duas
vezes o caso teremos dificuldades para identificar no Sinan se
trata-se de uma reinfecção (nova notificação) ou uma
duplicidade. No momento, a orientação é para realizar uma
notificação, uma vez que estamos notificando o evento gestação
com sífilis, e digitar no Sinan (na notificação já realizada), no
campo "Observações", que está no final da parte de
investigação no sistema (este campo não consta na ficha, apenas
no sistema, portanto, escrever no verso da ficha a informação),
os seguintes dados: "reinfecção 12/01/2015, título 1/32" (data
da coleta e título do VDRL que apresentou elevação, após
tratamento adequado com cura documentada).
27. Quem consolida os dados e analisa as informações de sífilis
em gestante?
A consolidação e análise dos dados devem ser realizadas nos
diversos níveis de VE: nos serviços de saúde dos níveis municipal,
estadual, federal e no próprio local. É importante que as
informações analisadas sejam devolvidas aos serviços que
notificaram os casos, assim como o nível municipal trabalhe e
discuta as informações com os serviços envolvidos no
atendimento materno infantil. Cada nível hierarquicamente
superior deverá enviar as informações a fim de que cada
município/região possa discutir, avaliar e planejar suas ações.
No estado de São Paulo o profissional de saúde pode tabular
informações sobre este agravo no site do Programa Estadual
DST/Aids - SP: www.crt.saude.sp.gov.br.

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2. Sífilis Congênita
2.1. Definição
A sífilis congênita é o resultado da disseminação
hematogênica do Treponema pallidum, da gestante
infectada não tratada ou inadequadamente tratada
para o seu concepto, geralmente por via transplacentá-
ria1. Os principais fatores que determinam a probabili-
dade de transmissão vertical do Treponema pallidum
são o estágio da sífilis na mãe e a duração da exposição
do feto no útero. Ocorre aborto espontâneo, natimorto
ou morte perinatal em aproximadamente 40% dos con-
ceptos infectados a partir de mães com sífilis precoce,
não tratadas. Mais de 50% das crianças infectadas são
assintomáticas ao nascimento, com surgimento dos
primeiros sintomas durante os primeiros três meses de
vida. Por isso, é muito importante a triagem sorológica
da mãe na maternidade e o seguimento ambulatorial do
recém-nascido.
A transmissão da sífilis ao concepto pode ocorrer
em qualquer fase da doença, mas é bem maior nas eta-
pas iniciais, quando há “espiroquetemia” importante,
ou seja, quanto mais recente a infecção, mais trepone-
mas estarão circulantes e, portanto, mais gravemente o
feto será atingido. Inversamente, a infecção antiga leva
à formação progressiva de anticorpos pela mãe, o que
atenuará a infecção no concepto, produzindo lesões
mais tardias na criança. A taxa de transmissão vertical
em mulheres não tratadas é de 70 a 100%, nas fases
primária e secundária da doença, e de aproximadamen-

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te 30% nas fases tardias da infecção materna (latente
tardia e terciária)1.
A passagem materno-fetal da doença faz-se basica-
mente por via transplacentária. O Treponema pallidum
provoca uma placentite caracterizada macroscopica-
mente por uma placenta grande, pálida e grosseira, e
microscopicamente por vilosite, vasculite e imaturidade
relativa do vilo. A transmissão hematogênica da sífilis
implica o fato de o concepto já iniciar a doença na sua
fase secundária. Além da via transplacentária, o micro-
organismo pode ainda migrar da placenta para a câmara
amniótica, atingindo também o feto, porém essa é uma
forma bastante rara de infecção1.
A transmissão direta do Treponema pallidum por
meio do contato da criança com o canal de parto é
excepcional, podendo ocorrer apenas se houver lesões
genitais maternas. Durante o aleitamento materno, a
transmissão pode ocorrer apenas se houver lesão
1
mamária por sífilis, o que também é muito raro . O leite
materno não transmite a sífilis da mãe para a criança.
Anteriormente, se acreditava que a infecção do
feto não ocorresse antes da 18ª semana de gestação
devido às características placentárias, entretanto, já se
constatou a presença do Treponema pallidum em fetos
a partir da 9ª semana de gestação e em estudos de
abortamentos de mães com sífilis não tratadas, mos-
trando, portanto, que ela pode ocorrer em qualquer
1
fase .
Acredita-se que as lesões não são clinicamente
60
aparentes até a 18ª ou 20ª semanas de gestação, por-
que só nesta fase o concepto adquire certa competência
imunológica, podendo então apresentar o processo
inflamatório reacional típico da sífilis congênita, obser-
vado nas fases mais avançadas da gravidez ou no perío-
1
do neonatal .
A criança com sífilis congênita ao nascer já pode se
encontrar gravemente doente ou com manifestações
clínicas menos intensas ou até com aparência saudável
(a maior parte dos casos, atualmente), vindo a manifes-
tar a doença mais tardiamente, meses ou anos depois,
quando sequelas graves e irreversíveis podem se insta-
lar. Não há, portanto, um período de incubação estabe-
1
lecido como regra para a criança desenvolver a doença .

2.2. Assistência à criança com sífilis congênita

A sífilis congênita é uma doença de amplo espec-


tro clínico. Pode se manifestar por meio de aborta-
mentos, óbitos fetais (muitas vezes hidropsia), morte
perinatal, com quadro clínico tipo “septicêmico”, ou
se manter em forma subclínica nos recém-nascidos
assintomáticos, que poderão apresentar alterações
em fases subsequentes da vida. Atualmente, predo-
minam as formas óligo ou assintomáticas. Mais de
50% das crianças infectadas são assintomáticas ao
nascerem, com surgimento dos primeiros sintomas,
geralmente, nos primeiros três meses de vida. Por
isso, é de suma importância a triagem sorológica da
mãe também na maternidade1.
61
2.2.1. Aspectos do diagnóstico clínico
Essa variedade de apresentações clínicas é decor-
rente de alguns fatores como o tempo de exposição
fetal ao treponema (duração da sífilis na gestação sem
tratamento), a carga treponêmica materna, a virulência
do treponema, o tratamento da infecção materna, a
coinfecção materna pelo HIV ou outra causa de imuno-
1
deficiência .
Didaticamente, dividimos a doença em precoce ou
tardia, conforme a manifestação clínica tenha aparecido
1
antes ou depois dos dois primeiros anos de vida .

Sífilis congênita precoce


Surge até o segundo ano de vida e deve ser diagnos-
ticada por meio de uma investigação epidemiológica
criteriosa da situação materna e de avaliações clínica,
laboratorial e de estudos de imagem na criança. Entre-
tanto, o diagnóstico na criança representa um processo
complexo. Como já descrito, mais da metade das crian-
ças podem ser assintomáticas ao nascer ou ter sinais
muito discretos ou pouco específicos, necessitando de
avaliações complementares para determinar com preci-
são o diagnóstico da infecção na criança. Por isso, ressal-
ta-se a importância da associação dos critérios epide-
miológicos, clínicos e laboratoriais para todos os casos1.
Quando a criança apresenta sinais e sintomas,
estes surgem logo após o nascimento ou nos primeiros
dois anos de vida, comumente nas cinco primeiras sema-
nas. Os recém-nascidos podem apresentar baixo peso
62
ao nascer (peso inferior a 2.500 g) e parto prematuro
entre a 30ª e 36ª semana de gestação. O retardo de
crescimento intrauterino é ocasional, entretanto o défi-
cit no crescimento pôndero-estatural na fase pós-natal
é usual em crianças não tratadas, mesmo que óligo ou
assintomáticas. O Quadro 7 apresenta as principais alte-
rações clinicas em crianças com sífilis congênita. A sífilis
congênita pode ocasionar icterícia, anemia, tromboci-
topenia, rinite com coriza serossanguinolenta, obstru-
ção nasal, hepatomegalia, esplenomegalia, gânglios
aumentados (presença de gânglios epitrocleares), pên-
figo palmoplantar, exantema maculo-papular, condilo-
ma plano, fissura orificial, alterações respiratórias ou
pneumonia, pseudoparalisia dos membros, corioretini-
1
te, glaucoma e uveíte .
A osteocondrite, periostite ou osteíte e osteomieli-
te costumam ser bilaterais e simétricas, acometem
ossos longos, costelas e alguns ossos cranianos e podem
ser uma das causas do choro ao manuseio e recusa em
mover o membro envolvido (pseudoparalisia de Parrot).
O envolvimento assintomático do sistema nervoso cen-
tral ocorre em cerca de 60% dos casos de sífilis congêni-
ta, por essa razão é fundamental a punção lombar para
exame de líquor. Quando há sintomatologia, geralmen-
te essa aparece como meningite aguda, até o sexto mês
de vida, ou mais raramente, no fim do primeiro ano de
vida1.
A anemia muito grave pode evoluir para “cor anê-
mico” e, quando instalado no período ante-natal, pode
levar à hidropsia fetal. O feto hidrópico habitualmente
63
encontra-se bastante descorado, com hepatoespleno-
megalia e anasarca, havendo uma elevada taxa de mor-
1
talidade para esse tipo de situação . Habitualmente a
placenta é volumosa, com lesões e manchas amareladas
1
ou esbranquiçadas . Quando ocorre invasão maciça de
treponemas e/ou esses são muito virulentos, a evolução
do quadro é grave e a letalidade é alta. Considera-se
“Óbito fetal” (natimorto) todo feto morto após 22 sema-
nas de gestação ou com peso igual ou maior que 500
gramas e “Aborto” toda perda gestacional, ocorrida
antes de 22 semanas de gestação, ou com peso menor
1
que 500 gramas .

Sífilis congênita tardia


Os sinais e sintomas são observados a partir do
segundo ano de vida, predominantemente dos cinco
aos 20 anos de idade, dependendo do órgão compro-
metido. Essa fase da doença caracteriza-se pelo apareci-
mento de estigmas que, em geral, resultam de processo
inflamatório crônico, da cicatrização de lesões iniciais
ou reações de hipersensibilidade provocadas pelo tre-
ponema18,19. Neste grupo destacam-se: fronte olímpica,
nariz “em sela”, região maxilar curta com palato em
ogiva e protuberância relativa da mandíbula, rágades
periorais, alargamento esternoclavicular (sinal de
Higoumenaki), tíbia em sabre e defeitos da dentição
bastante característicos - dentes de Hutchinson (incisi-
vos superiores centrais pequenos, separados e com
fenda na porção média) e molares em “amora” (primei-
ros molares pequenos com cúspides múltiplas e malfor-
64
1
madas) . As outras alterações que aparecem na sífilis
congênita tardia parecem se dever mais às reações de
hipersensibilidade do que a processos cicatriciais.
Fazem parte desse grupo a ceratite intersticial (que
podem levar a opacificação da córnea, inclusive evoluin-
do para cegueira), surdez neurológica (por acometi-
mento do oitavo par craniano, sendo geralmente pro-
gressiva) e as articulações de Clutton (edema indolor de
1
ambos os joelhos – sinovite uni ou bilateral) .
Além disso, como consequência tanto do processo
inflamatório continuado como da cicatrização dessa
inflamação, são manifestações relevantes às alterações
neurológicas, como deficiência cognitiva, hidrocefalia,
convulsões, dificuldades de aprendizado, problemas
motores, entre outras. A remissão espontânea da doen-
ça é improvável. O tratamento adequado dos casos
diagnosticados tanto da sífilis precoce quanto a tardia
promove remissão dos sintomas em poucos dias.
Porém, as lesões tardias, a despeito da interrupção da
evolução da infecção, não serão revertidas com a antibi-
oticoterapia1, sendo importante manter o seguimento
ambulatorial de longo prazo.

Importante:
Em casos de sífilis congênita tardia deve ser realiza-
da sempre uma investigação para a exclusão de sífilis
adquirida (agressão ou abuso sexual).

65
Quadro 7: Principais alterações clínicas em crianças com diagnóstico de sífilis congênita

66
Alterações Alterações Alterações Alterações
Alterações
do sistema no sistema do sistema do sistema Gastro-
mucocu- Renais Oculares Pulmonares
retículo- hemato- músculo- nervoso intestinal
tâneas
endotelial lógico esquelético central

- Exantema - Hepatite - Anemia - Osteocon- - Meningite - Síndrome - Corioreti- - Pneumonia - Infiltrados


máculo- neonatal drite aguda nefrótica nite com Alba na submu-
papular - Leucoci- (Pseudo- pura ou alterações cosa do
-Espleno- tose paralisia - Alterações mista em fundo de intestino
- Pênfigo megalia de Parrot) meningo- olho - “sal e delgado
palmo- -Trombo- vasculares -Glomeru- pimenta”
plantar - Linfade- citopenia - Periostite crônicas lonefrite - Síndrome
nopatia do tipo - Glaucoma de má
- Condilo- - Púrpura - Osteo- - Hidrocefa- membra- - Uveíte absorção
ma plano mielite lia progres- nosa ou
- Petéquias siva membrano- - Fotofobia
- Rinite proliferativa
serossan- - Paralisia de - Lacrime-
guinolenta nervos jamento
cranianos excessivo
- Outras
alterações - Lesões - Diminuição
de pele vasculares da acuidade
no cérebro visual

- Convulsões
2.2.2. Aspectos do diagnóstico laboratorial
Embora os testes laboratoriais apresentem um
bom desempenho, não existe um teste sorológico ideal
para o diagnóstico da sífilis congênita. É importante
para o diagnóstico da sífilis congênita a associação dos
critérios epidemiológicos, clínicos e laboratoriais para
todos os casos, uma vez que, mais da metade das crian-
ças podem ser assintomáticas ao nascer ou ter sinais
muito discretos ou pouco específicos. A avaliação com-
plementar da criança com sífilis congênita baseia-se na
realização de um conjunto de exames laboratoriais (san-
gue e líquor) e de imagem. Quando possível, pode-se
realizar pesquisa do Treponema pallidum por meio de
microscopia.
O diagnóstico laboratorial da sífilis congênita pode
ser realizado por pesquisa direta, com identificação do
1
agente etiológico ou testes sorológicos .

Pesquisa direta
A pesquisa direta do Treponema pallidum em mate-
rial coletado de lesão cutâneo-mucosa, secreção nasal,
de biópsia ou necropsia, assim como, de placenta e de
cordão umbilical, por meio do campo escuro, é um pro-
cedimento que apresenta sensibilidade de 70 a 80% e
especificidade que pode alcançar 97%, dependendo da
experiência do avaliador. A preparação e a observação
em campo escuro, imediatamente após a coleta, permi-
1
tem visualizar os treponemas móveis .
Quando a observação não pode ser realizada logo
67
após a coleta, a imunofluorescência direta está indica-
da. Esta técnica apresenta sensibilidade de 70 a 100% e
especificidade de 89 a 100%, sendo importante para
materiais provenientes de regiões onde existem trepo-
nemas saprófitos (boca e nariz). É bastante sensível para
detecção da espiroqueta em cordão umbilical, órgãos e
tecidos de natimortos portadores de sífilis congênita.
Os fatores que diminuem a sensibilidade do teste são:
coleta inadequada, tratamento prévio e coleta nas fases
finais da evolução das lesões, quando a população de
1
Treponema pallidum estará muito reduzida .
Além das técnicas descritas, podem ser realizados
estudos histopatológicos para a identificação do Trepo-
nema pallidum em material de biópsia ou necropsia, por
meio da coloração pela prata ou de outras colorações, é
pouco sensível e específico pelo fato de artefatos técni-
cos e outros treponemas poderem ser confundidos com
1
o agente da sífilis .

Testes Sorológicos
a) Testes não-treponêmicos (VDRL e RPR): Recém-
nascidos de mães com sífilis, mesmo os não infectados,
podem apresentar anticorpos maternos transferidos
passivamente pela placenta até o sexto mês de vida.
Nesses casos, em geral, o teste não-treponêmico pode-
rá ser reagente, devendo ser comparado o título do
VDRL ou RPR do recém-nascido com o título do VDRL ou
RPR materno, realizado na admissão para o parto1.
A coleta de sangue de cordão umbilical para a reali-
zação do teste está contraindicada pela baixa sensibili-
68
dade. Deve-se coletar sangue periférico de todo recém-
nascido, cuja mãe apresentar teste para sífilis reagente
no momento do parto. A negatividade sorológica do
recém-nascido não exclui a infecção, principalmente
quando a infecção materna se dá no período próximo ao
parto. Recém-nascidos com sorologias não reagentes,
mas com suspeita epidemiológica, devem repetir estes
testes após o terceiro mês, devido à possibilidade de
1
positivação tardia .
b) Testes treponêmicos (FTA-Abs, TPHA, ELISA):
São testes qualitativos para detecção de anticorpos
antitreponêmicos específicos, úteis para confirmação
do diagnóstico, mas de uso limitado em recém-
nascidos, pois os anticorpos IgG materno ultrapassam a
barreira placentária. Sendo assim, a utilização de testes
treponêmicos não auxilia na confirmação dos casos em
recém-nascidos; recomenda-se, então, a análise clínico-
epidemiológica de cada caso, especialmente o histórico
da doença materna, para aplicação das condutas clíni-
cas. No entanto, em crianças maiores de 18 meses, um
resultado reagente de teste treponêmico confirma a
infecção (que pode ter sido tratada ou não), pois os
anticorpos maternos transferidos passivamente já terão
desaparecido da circulação sanguínea da criança. Não
se preconiza a realização de FTA-Abs para detecção de
anticorpos da classe IgM, uma vez que não tem boa
sensibilidade, acarretando resultados falsos negativos
1
antitreponêmicos .

69
PCR
Mais recentemente, testes para amplificação de
ácidos nucléicos, como a reação em cadeia polimerase
(PCR), vêm sendo desenvolvidos e avaliados com resul-
tados que indicam aumento da sensibilidade (91%)
para o diagnóstico da infecção pelo Treponema palli-
dum. Entretanto, esses testes, além do elevado custo e
da complexidade de realização, ainda não estão dispo-
níveis comercialmente, estando limitados a centros de
1
pesquisa .

Radiografia de ossos longos


O achado de anormalidades em radiografias de
ossos longos é comum na sífilis congênita sintomática
(de 70 a 90%). A metafisite é o sinal mais frequente e
precoce, presente em 50 a 90% dos casos. Ela se carac-
teriza por alternância de zonas de maior ou menor den-
sidade na metáfise e evolui para completa desorganiza-
ção da região. É geralmente bilateral e simétrica, inci-
dindo com maior frequência no rádio, ulna, tíbia, fêmur,
úmero e fíbula. A periostite e a osteíte estão presentes
em 70% e 20-40% dos casos, respectivamente, e tam-
bém representam achados importantes, podendo apa-
recer em ossos longos, no crânio, nas vértebras e nas
costelas. O sinal de Wimberger, considerado como um
“sinal radiológico maior” na sífilis congênita, é caracteri-
zado por erosão bilateral do côndilo medial da tíbia,
ocorrendo em cerca de 20 a 30% dos casos1.
Sugere-se, ainda, que em cerca de 4% a 20% dos
recém-nascidos infectados, a única alteração encontra-
70
da seja a radiográfica, o que justifica a realização deste
exame nos casos suspeitos de sífilis congênita1.

Exame do líquido cefalorraquidiano (LCR)


A coleta do LCR é obrigatória para pesquisar a neu-
rossífilis. Nos casos em que não é possível colher o LCR,
deve-se considerar a possibilidade de neurossífilis,
seguindo o tratamento recomendado. O LCR deverá ser
avaliado assim que cessar o impedimento de sua coleta.
Neurossífilis confirmada: quando o VDRL no líquor
é reagente, independente do valor do VDRL sérico e da
existência de alterações na celularidade e/ou na protei-
1
norraquia .
Neurossífilis possível: quando existem alterações
na celularidade e/ou no perfil bioquímico liquórico,
acompanhadas de VDRL sérico reagente, mesmo que o
VDRL no líquor seja não reagente, ou quando não for
possível a realização de exame liquórico, em qualquer
recém-nascido com diagnóstico de sífilis congênita1.
Considerar o LCR alterado no período neonatal (até
28 dias de vida) se o número de células (> 25 célu-
las/mm³) e/ou proteínas (> 150 mg/dL) for elevado.
Após 28 dias de vida, a pleocitose é definida com núme-
ro de células acima de 5 células/mm³ e a hiperproteinor-
raquia com concentração proteica superior a 40
mg/dL19,20. A ocorrência de alterações no LCR é muito
mais frequente nas crianças com outras evidências clíni-
cas de sífilis congênita do que nas crianças assintomáti-
cas (86% e 8%, respectivamente)1.
71
Importante: A presença de leucocitose e o elevado
conteúdo proteico no LCR de um recém-nascido, com
suspeita de sífilis congênita, devem ser considerados
como evidências adicionais para o diagnóstico. Uma
criança com VDRL positivo no LCR deve ser diagnostica-
da como portadora de neurossífilis, independente da
existência de alterações na celularidade e/ou na protei-
norraquia, porém, um resultado negativo não afasta o
1
diagnóstico da afecção do sistema nervoso central .

Radiografia de tórax
Nos casos com “Pneumonia Alba” observa-se míni-
ma aeração alveolar, com presença de broncogramas
aéreos, semelhante à síndrome do desconforto respira-
tório neonatal grave1.

Hemograma completo
Alterações hematológicas como anemia, leucocito-
se (em geral com linfocitose ou monocitose) e plaqueto-
penia são os achados mais frequentes na sífilis congêni-
ta. Considerar hemograma alterado diante de hemató-
crito inferior a 35%, número de plaquetas abaixo de
150.000/mm³ e/ou leucopenia ou leucocitose de acor-
do com as curvas de normalidade para as horas de vida1.

Outros exames laboratoriais


Com relação à avaliação bioquímica na dosagem de
bilirrubinas pode-se observar elevação tanto da bilirru-
bina indireta, com teste de Coombs negativo (por hemó-
lise), como da direta (por hepatite neonatal). Neste
72
último observa-se também elevação moderada das
transaminases1.

2.2.3. Diagnóstico Diferencial


O múltiplo comprometimento de órgãos e sistemas
impõe o diagnóstico diferencial com septicemia e
outras infecções congênitas, como rubéola, toxoplas-
mose, citomegalovirose, infecção generalizada pelo
herpes simples e malária, listeriose e eritroblastose
fetal. Lesões mais tardias podem ser confundidas com
sarampo, varicela, escarlatina e até escabiose1. Na sífilis
congênita tardia a presença das manifestações clínicas é
bastante característica e dificilmente confundida com
outras patologias.

2.2.4. Manejo do recém-nascido na maternidade


O fluxograma apresentado na Figura 7 resume o
conjunto de procedimentos que serão realizados para o
tratamento adequado a cada situação. A penicilina é a
droga de escolha para todas as apresentações da sífilis
congênita. Não há relatos consistentes na literatura de
casos de resistência treponêmica à droga. A análise
1
clínica do caso indicará o melhor esquema terapêutico .
Manejo adequado do recém-nascido na materni-
dade1,15,16:

1. Realizar teste não-treponêmico em amostra de


sangue periférico de todos os recém-nascidos
cujas mães apresentaram sorologia reagente para
73
sífilis na gestação, no parto ou na suspeita clínica
de sífilis congênita1;
2. O sangue do cordão umbilical NÃO deve ser
utilizado para o diagnóstico sorológico devido à
presença de sangue materno (com anticorpos
maternos) e ocorrência de atividade hemolítica, o
1
que pode determinar resultados falsos ;
3. Deve ser realizada radiografia de ossos longos,
hemograma e análise do LCR em todos os recém-
nascidos que se enquadrem na definição de caso
de sífilis congênita;
4. Realizar tratamento imediato dos casos detecta-
dos de sífilis congênita e sífilis materna, incluindo
o parceiro sexual;
5. Nenhum recém-nascido deve ter alta da materni-
dade até que pelo menos a sorologia materna seja
conhecida, já que parte considerável das sífilis
maternas é diagnosticada neste momento, o que
possibilita a pesquisa e diagnóstico, com posterior
tratamento da sífilis congênita1;
6. O acompanhamento é imprescindível para todos
os recém-nascidos expostos a sífilis materna e
deve ser realizado na puericultura para detecção
de sinais clínicos ou sorológicos. O pediatra na alta
hospitalar deve esclarecer a mãe sobre os riscos
da sífilis, especialmente sobre manifestações
tardias, como surdez e déficit de aprendizagem,
que são sutis, mas que podem se apresentar, de
15,16
modo irreversível, no futuro .

74
Figura 7: Fluxograma de condutas no recém-nascido exposto a sífilis materna

Fonte: Adaptado de Brasil. Ministério da Saúde. Secretária de


Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Diretrizes

75
para controle da sífilis congênita: manual de bolso14, 2006.p59
Nota explicativa:

Tratamento INADEQUADO para sífilis materna*17


•Tratamento realizado com qualquer medica-
mento que não seja a penicilina; ou
•Tratamento incompleto, mesmo tendo sido feito
com penicilina; ou
•Tratamento inadequado para a fase clínica da
doença; ou
•Instituição de tratamento dentro dos 30 dias que
antecedem o parto; ou
•Parceiro com sífilis** não tratado ou tratado
inadequadamente.

*Nas situações em que a gestante não manteve mais contato sexual com
o parceiro ou não possui parceiro sexual, após o tratamento adequado
para a fase clínica e instituído antes dos 30 dias que antecedem o parto, o
tratamento será considerado adequado para a sífilis materna. Observar
queda de títulos na sorologia não-treponêmica da gestante.

Importante: Elevação de títulos em sorologia não-


treponêmica ou ausência de queda (exceto quando o
título inicial for menor ou igual a 1:4), após tratamen-
to considerado adequado, pode ser devido à reinfec-
ção da gestante, falha terapêutica ou a tratamento
inadequado.

76
**Será considerado parceiro com sífilis:

• Parceiro com teste treponêmico ou teste não-treponêmico


reagente, sem tratamento prévio documentado ou parceiro
com sinais e/ou sintomas de sífilis adquirida.

Excepcionalmente, nas situações em que o parceiro mantém


relações sexuais com a gestante e se recusa a comparecer no
serviço, para realizar o diagnóstico, poderá ser considerado
presumivelmente parceiro com sífilis:

• Parceiro de gestante com sífilis recente (fase primária, secun-


dária ou latente recente); ou

• Parceiro de gestante assintomática, com títulos elevados em


testes não-treponêmicos (≥1:16, como "proxy" de sífilis
recente), independentemente do tempo de infecção. Ressal-
tamos que títulos elevados em teste não-treponêmico não
definem caso sífilis latente recente.

Nas situações acima mencionadas, a transmissão horizontal


(passagem do treponema da gestante para o parceiro e vice-
versa) pode ser elevada, devido à alta treponemia e, se o parceiro
não for tratado, ele pode reinfectar a gestante. Por este motivo, o
parceiro será considerado presumivelmente com sífilis, de acor-
do com a forma clínica da gestante.

Ressaltamos que todos os parceiros sexuais devem ser avaliados


e tratados, independentemente da forma clínica da sífilis e dos
valores de títulos em testes não-treponêmicos na gestante. A
utilização dos dados clínicos da gestante, para classificar presun-
tivamente o parceiro com sífilis, foi utilizada exclusivamente para
avaliar o tratamento da sífilis materna, se adequado ou inade-
quado, para avaliação dos casos de sífilis congênita.

2.2.5. Tratamento do recém-nascido com sífilis


congênita
A penicilina cristalina e procaína têm sido as drogas
77
de escolha para o tratamento da sífilis congênita, embo-
ra alguns estudos mostrem que a penicilina cristalina
determina níveis liquóricos mais altos e constantes
quando comparada com a procaína, por isso é a droga
utilizada para tratar a neurossífilis. A penicilina benzati-
na tem pouca penetração liquórica, podendo não atin-
gir ou manter níveis treponemicidas em sistema nervo-
so central. Além disso, relatos de falha terapêutica com
o uso de penicilina benzatina na sífilis congênita são
1
relativamente frequentes . Dessa maneira, não se reco-
menda o uso da penicilina benzatina para tratar o caso
suspeito ou confirmado de sífilis congênita. Não há tam-
bém indicação de uso de outros antibióticos com resul-
tados eficazes no tratamento da sífilis congênita. O
esquema de tratamento atualmente recomendado pelo
Ministério da Saúde é o que se segue 14,15,16,17:
2.2.5.1. No período Neonatal (antes de 28 dias do
nascimento)
A - Nos recém-nascidos de mães com sífilis não
tratada ou inadequadamente tratada, independente-
mente do resultado do teste não-treponêmico (VDRL)
no sangue periférico do recém-nascido, realizar: hemo-
grama, radiografia de ossos longos, punção lombar (na
impossibilidade de realizar este exame, tratar o caso
como neurossífilis) e outros exames, quando clinica-
mente indicados. De acordo com a avaliação clínica e de
exames complementares:
•A 1 - se houver alterações clínicas e/ou sorológi-
cas e/ou radiológicas e/ou hematológicas, o trata-
mento deverá ser feito com penicilina G cristalina

78
na dose de 50.000 UI/Kg/dose, por via intravenosa,
a cada 12 horas (nos primeiros 7 dias de vida) e a
cada 8 horas (após 7 dias de vida), durante 10 dias;
ou penicilina G procaína 50.000 UI/Kg, a cada 24
horas (dose única diária), via intramuscular, duran-
te 10 dias (se houver perda maior do que um dia na
aplicação da penicilina G procaína a criança deverá
1,4
reinicializar o tratamento );
•A 2 - se houver alteração liquórica ou se não foi
possível colher o líquor, o tratamento deverá ser
feito com penicilina G cristalina, na dose de 50.000
UI/Kg/dose, por via intravenosa, a cada 12 horas
(nos primeiros 7 dias de vida) e a cada 8 horas (após
7 dias de vida), durante 10 dias;
•A 3 - se não houver alterações clínicas, radiológi-
cas, hematológicas e/ou liquóricas e a sorologia
de sangue periférico do recém-nascido for negati-
va, o tratamento deverá ser feito com penicilina G
benzatina, na dose única de 50.000 UI/Kg, por via
intramuscular. O acompanhamento é obrigatório,
incluindo o seguimento com titulações de teste
não-treponêmico (VDRL) sérico após conclusão do
tratamento (ver seguimento, adiante). Na impossi-
bilidade de garantir o seguimento clínico-
laboratorial, o recém-nascido deverá ser tratado
com o esquema A1.
B - Nos recém-nascidos de mães adequadamente
tratadas: realizar teste não-treponêmico (VDRL) em
amostra de sangue periférico do recém-nascido; se este
for reagente, com titulação maior do que a materna
e/ou na presença de alterações clínicas, realizar hemo-
79
grama, radiografia de ossos longos e análise do LCR:
•B 1 - se houver alterações clínicas e/ou radiológi-
cas, e/ou hematológica sem alterações liquóricas, o
tratamento deverá ser feito como em A1;
•B 2 - se houver alteração liquórica, o tratamento
deverá ser feito como em A2;
C - Nos recém-nascidos de mães adequadamente
tratadas: realizar teste não-treponêmico (VDRL) em
amostra de sangue periférico do recém-nascido:
•C 1 - se for assintomático e o teste não-treponê-
mico (VDRL) não for reagente proceder apenas ao
seguimento clínico-laboratorial. Na impossibilida-
de de garantir o seguimento realizar o tratamento
com penicilina G benzatina, na dose única de
50.000 UI/Kg, via intramuscular.
•C 2 - se for assintomático e tiver o teste não-
treponêmico (VDRL) reagente, com título igual ou
menor que o materno o tratamento deverá ser
feito como em A3.
2.2.5.2. No período Pós-Neonatal (com 28 dias ou
mais de vida)
Crianças com quadro clínico e/ou sorológico suges-
tivos de sífilis congênita devem ser cuidadosamente
investigadas: as sorologias e o tratamento materno
(incluindo a análise dos títulos de teste não-
treponêmico, para observar se ocorreu queda ou eleva-
ção após tratamento) e a sorologia de teste não-
treponêmico da criança, assim como os prontuários
devem ser revisados para avaliar se é um caso de sífilis
80
congênita ou de sífilis adquirida por agressão ou abuso
sexual.
Em caso de sífilis congênita, deve ser realizada radio-
grafia de ossos longos, hemograma e análise do LCR.
Mediante confirmação diagnóstica, realizar o tratamen-
to com penicilina G cristalina na dose de 50.000
UI/Kg/dose, por via intravenosa, a cada 4 horas por 10
dias, respeitando a dose máxima de 200.000 a 300.000
4
UI/Kg/dia .
Se a criança não apresentar manifestações da doen-
ça e o exame de LCR constar como normal poderá ser
realizado o tratamento com penicilina G procaína
50.000 UI/Kg, de 12/12 horas, intramuscular, durante
10 dias (se houver perda maior do que um dia na aplica-
ção da penicilina G procaína a criança deverá reiniciali-
1,4
zar o tratamento ).

Importante:
•Os dados da literatura científica nacional e internaci-
onal, disponíveis até o momento não permitem reco-
mendação de outro antibiótico para o tratamento da
sífilis congênita, conforme já foi descrito; isso é válido
também para crianças que têm o diagnóstico da sífilis
congênita no transcorrer de algum outro tratamento
(por exemplo, ampicilina para sepse), devendo ser
“desconsiderado” esse curso de antibiótico prévio
(que não foi a penicilina) e iniciar o esquema preconi-
zado para sífilis conforme recomendação acima1,4.
•Em relação à biossegurança hospitalar, são recomen-
dadas precauções de contato para todos os casos de
81
sífilis congênita até 24 horas do início do tratamento
15
com penicilina .
•Os filhos de mães soropositivas para o HIV não preci-
sam de regimes terapêuticos diferenciados, podendo
seguir as diretrizes acima propostas.

2.2.6. Seguimento e controle de cura de recém-


nascido com sífilis congênita ou expostos a sífilis
materna
Todo recém-nascido cuja mãe é soropositiva para
sífilis deve ser acompanhado por pelo menos dois anos,
1,14,15,16
de acordo com os seguintes parâmetros :
Recém-nascidos com critérios de sífilis congênita e
tratados no período neonatal
•Realizar seguimento ambulatorial mensal até o 6º
mês de vida, bimensal do 6º ao 12º mês e semestral
até 24 meses, com exames clínicos minuciosos;
•Realizar teste não-treponêmico (VDRL), com titula-
ção, com 1, 3, 6, 12, 18 e 24 meses de vida;
•Interromper a coleta do teste não-treponêmico
(VDRL) seriado após a obtenção de dois exames conse-
cutivos não reagentes;
•Realizar teste treponêmico (TPHA ou FTA-Abs) a par-
tir dos 18 meses de vida (Figura 8);
•Se os títulos de testes não-treponêmicos (VDRL) esti-
verem caindo nos primeiros três meses e forem negati-
vos entre 6 e 18 meses de vida, a criança foi tratada de
maneira correta;

82
•Caso sejam observados sinais clínicos compatíveis
com a sífilis congênita, ou não ocorra a queda esperada
de títulos, deve-se proceder à repetição dos exames
sorológicos, ainda que não esteja no momento previs-
to acima e reavaliação da criança para conduta ade-
quada;
•Diante de elevação do título sorológico ou da sua
não negativação até os 18 meses de idade, reavaliar o
paciente e proceder ao retratamento, se necessário;
•No caso de neurossífilis, repetir o exame de líquor a
cada seis meses, até a normalização bioquímica, cito-
lógica e sorológica;
•Espera-se que o teste não-treponêmico (VDRL) do
líquor se apresente negativo por volta do sexto mês de
vida e que o líquor esteja normal ao fim do segundo
ano;
•Alterações liquóricas persistentes indicam necessida-
de de reavaliação clínico-laboratorial completa e retra-
tamento;
•Em toda criança com diagnóstico de sífilis congênita,
recomenda-se o acompanhamento oftalmológico,
neurológico e audiológico semestral até os dois anos
de idade;
•Nos casos de crianças tratadas de forma inadequada,
na dose e/ou tempo do tratamento preconizado, deve-
se convocar a criança para reavaliação clínico-
laboratorial e reiniciar o tratamento, obedecendo aos
esquemas anteriormente descritos;

83
Recém-nascidos que não atingiram os critérios diag-
nósticos de sífilis congênita não tratados no período
neonatal
•Realizar exame clínico minucioso com 1, 2, 3, 6, 12 e
18 meses de vida;
•Realizar teste não-treponêmico (VDRL), com titula-
ção, com 1, 3, 6, 12 e 18 meses de vida;
•Interromper a coleta do teste não-treponêmico
(VDRL) seriado após a obtenção de dois exames conse-
cutivos negativos;
•Realizar teste treponêmico (TPHA ou FTA-Abs) a par-
tir dos 18 meses de vida;
•Se os títulos de testes não-treponêmicos (VDRL) esti-
verem caindo nos primeiros três meses e forem negati-
vos entre 6 e 18 meses de vida, acompanhados por um
teste treponêmico negativo após os 18 meses de vida,
considera-se que o lactente não foi afetado pela sífilis
ou foi tratado de maneira apropriada durante a vida
fetal. Caso contrário, deve-se realizar a reavaliação
diagnóstica e o tratamento adequado.

Importante:
As crianças que apresentarem o teste treponêmico
reagente aos 18 meses deverão realizar seguimento por
longo prazo, pelo menos até os cinco anos de idade,
para monitoramento de possíveis alterações tardias da
sífilis (visuais, auditivas e de desenvolvimento), mesmo
que estas crianças tenham recebido tratamento ade-
22,23
quado na maternidade .
84
Figura 8: Diagrama de seguimento do recém-nascido (RN) exposto à sífilis materna

85
1,14,15,16
Importante :
O prognóstico da sífilis congênita parece estar liga-
do à gravidade da infecção intrauterina e à época em
que o tratamento foi instituído. Quanto mais precoce
tiver sido a terapêutica, menos estigmas aparecerão no
desenvolvimento desta criança. O tratamento após o
terceiro mês de vida pode não evitar a surdez (por com-
prometimento de pares cranianos), nem a ceratite
intersticial, nem o aparecimento das articulações de
Clutton.

2.3. Vigilância epidemiológica


A sífilis congênita é um agravo 100% evitável desde
que a gestante seja identificada e as medidas recomen-
dadas sejam aplicadas oportunamente. Entretanto,
apesar de todos os esforços, a sífilis congênita permane-
ce como um problema de saúde pública e a sua ocorrên-
cia evidencia falhas dos serviços de saúde, particular-
mente da atenção ao pré-natal, pois o diagnóstico pre-
coce e o tratamento da sífilis em gestante são medidas
simples e efetivas na sua prevenção.
A vigilância da sífilis congênita tem como objetivo
desenvolver ações para reduzir a morbimortalidade,
conhecer o perfil epidemiológico no país e suas tendên-
cias, identificar os casos para subsidiar as ações de pre-
venção e controle, intensificando-as no pré-natal e
acompanhar e avaliar as ações para a sua eliminação.
A notificação da sífilis congênita é compulsória
desde 1986 (Portaria GAB/MS nº 542, de 22 de dezem-
bro de 1986) para todos os casos detectados, incluindo
os natimortos e abortos por sífilis. A notificação deve ser
86
realizada por médico ou outro profissional de saúde,
através do preenchimento e envio da ficha de notifica-
ção e investigação epidemiológica de caso de sífilis con-
gênita (Anexo 6), e registrada no Sistema de Informação
de Agravos de Notificação (Sinan). A ficha
de notificação pode ser encontrada no endereço:
www. crt.saude.sp.gov.br e www.cve.saude.sp.gov.br.
As principais fontes de notificação da sífilis congêni-
ta são as maternidades (onde se realiza a triagem para
sífilis na admissão para o parto ou curetagem) e ambula-
tórios pediátricos (onde se realiza a puericultura), prin-
cipalmente para crianças que nasceram de parto domi-
ciliar ou não foram diagnosticadas na maternidade.

2.3.1. Definição de caso de sífilis congênita


Para fins de vigilância epidemiológica foram esta-
belecidos quatro critérios de definição de caso de sífilis
1,14,15,16,17
congênita .

1º critério:
· Criança cuja mãe apresente, durante o pré-natal
ou no momento do parto, testes para sífilis não-
treponêmico reagente com qualquer titulação e
treponêmico reagente, e que não tenha sido tra-
tada ou tenha recebido tratamento inadequado;
· Criança cuja mãe não foi diagnosticada com sífilis
durante a gestação e, na impossibilidade de a
maternidade realizar o teste treponêmico, apre-
sente teste não-treponêmico reagente com qual-
quer titulação no momento do parto;
87
· Criança cuja mãe não foi diagnosticada com sífilis
durante a gestação e, na impossibilidade de a
maternidade realizar o teste não-treponêmico,
apresente teste treponêmico reagente no
momento do parto;
· Criança cuja mãe apresente teste treponêmico
reagente e teste não-treponêmico não reagente
no momento do parto, sem registro de tratamen-
to prévio.

2º critério:
Todo indivíduo com menos de 13 anos de idade
com pelo menos uma das seguintes evidências
sorológicas:
· Titulações ascendentes (testes não-treponêmi-
cos);
· Testes não-treponêmicos reagentes após 6
meses de idade (exceto em situação de segui-
mento terapêutico);
· Testes treponêmicos reagentes após 18 meses de
idade;
· Títulos em teste não-treponêmico maiores do
que os da mãe, em lactentes;
· Teste não-treponêmico reagente com pelo
menos uma das alterações: clínica, liquórica ou
radiológica de sífilis congênita.

3º critério:
Aborto ou natimorto cuja mãe apresente testes
para sífilis não-treponêmico reagente com qual-
88
quer titulação ou teste treponêmico reagente, rea-
lizados durante o pré-natal, no momento do parto
ou curetagem, que não tenha sido tratada ou tenha
recebido tratamento inadequado.

4º critério:
Toda situação de evidência de infecção pelo Trepo-
nema pallidum* na placenta ou no cordão umbilical
e/ou em amostras da lesão, biópsia ou necropsia de
criança, produto de aborto ou natimorto, por meio
de exames microbiológicos.
Tratamento inadequado para sífilis materna
• Tratamento realizado com qualquer medicamento
que não seja a penicilina; ou
• Tratamento incompleto, mesmo tendo sido feito com
penicilina; ou
• Tratamento inadequado para a fase clínica da doença;
ou
• Instituição de tratamento dentro dos 30 dias que
antecedem o parto; ou
• Elevação de títulos em sorologia não-treponêmica
(VDRL ou RPR) ou ausência de queda de títulos (exce-
to quando o título inicial for menor ou igual a 1:4),
após tratamento adequado; ou
• Parceiro com sífilis** não tratado ou tratado inade-
quadamente.

*É considerada evidência do Treponema Pallidum a presença da espiro-


queta em exame de campo escuro realizado pelo laboratório
89
** Será considerado parceiro com sífilis:
• Parceiro com teste treponêmico ou teste não-treponêmico rea-
gente, sem tratamento prévio documentado ou parceiro com
sinais e/ou sintomas de sífilis adquirida;
Excepcionalmente, nas situações em que o parceiro mantém rela-
ções sexuais com a gestante e se recusa a comparecer no serviço,
para realizar o diagnóstico, poderá ser considerado presumivel-
mente parceiro com sífilis:

• Parceiro de gestante com sífilis recente (fase primária, secundá-


ria ou latente recente); ou

• Parceiro de gestante assintomática, com títulos elevados em


testes não-treponêmicos (≥1:16, como "proxy" de sífilis recente),
independentemente do tempo de infecção. Ressaltamos que
títulos elevados em teste não-treponêmico não definem caso
sífilis latente recente.

Nas situações acima mencionadas, a transmissão horizontal (passa-


gem do treponema da gestante para o parceiro e vice-versa) pode ser
elevada, devido à alta treponemia e, se o parceiro não for tratado, ele
pode reinfectar a gestante. Por este motivo, o parceiro será conside-
rado presumivelmente com sífilis, de acordo com a forma clínica da
gestante.

A utilização dos dados clínicos da gestante, para classificar presunti-


vamente o parceiro com sífilis, foi utilizada exclusivamente para
avaliar o tratamento da sífilis materna, se adequado ou inadequado,
para avaliação dos casos de sífilis congênita.

2.4. Medidas de controle


A medida de controle da sífilis congênita mais
efetiva consiste em oferecer a toda gestante uma
assistência pré-natal adequada. No entanto, mais ações
envolvendo a realização de sorologia para sífilis devem
ser realizadas em outros momentos nos quais há
possibilidade da mulher se infectar.
90
Principais medidas de controle6:

1. Enfoque à promoção em saúde por meio de ações


de informação, educação e comunicação para as ques-
tões relacionadas às doenças sexualmente transmis-
síveis;
2. Prevenir doenças sexualmente transmissíveis em
mulheres em idade fértil;
3. Prática de sexo protegido (uso regular de preserva-
tivos - masculino ou feminino);
4. Realizar triagem de sífilis para mulheres em idade
fértil e parceiros sexuais;
5. Realizar VDRL em mulheres que manifestem inten-
ção de engravidar nas consultas dentro das ações de
saúde sexual e reprodutiva, nas consultas ginecológi-
cas, incluindo as consulta de prevenção do câncer de
colo de útero e de mama;
6. Garantir assistência pré-natal para todas as gestantes;
7. Captar precocemente a gestante para início do pré-
natal;
8. Realizar no mínimo, seis consultas pré-natais com
atenção integral qualificada;
9. Realizar VDRL como rotina no 1º trimestre de gesta-
ção ou na primeira consulta do pré-natal, no início do
3º trimestre (28ª semana) e no momento do parto;
91
10. Realizar ações direcionadas para a busca ativa de
gestantes faltosas ou em abandono do pré-natal, a
partir dos testes reagentes (recém-diagnosticadas ou
em seguimento);
11. Tratar e acompanhar adequadamente todas as
gestantes diagnosticadas com sífilis e seus parceiros
sexuais;
12. Documentar os resultados das sorologias e trata-
mento da sífilis da gestante e seu parceiro sexual, na
carteira da gestante;
13. Orientar a gestante que tenha a carteira da ges-
tante na admissão ao parto;
14. Investigar os recém-nascidos filhos de mães com
sorologia reagente para sífilis;
15. Garantir o diagnóstico e tratamento adequado
para todos os casos de sífilis congênita;
16. Acompanhar (clínico-sorológico) todos os recém-
nascidos expostos à sífilis materna;
17. Notificar à vigilância epidemiológica todos os
casos de sífilis na gestante e sífilis congênita;
18. Identificar as oportunidades perdidas para que
estas possam orientar o planejamento, o monitora-
mento e a avaliação das ações necessárias, afim de
que as metas propostas para eliminação desse agravo
sejam atingidas.

92
2.5. Perguntas frequentes de sífilis congênita

1. Se a mãe apresentar teste não-treponêmico rea-


gente no parto independentemente do título, SEM
história de TRATAMENTO PRÉVIO de sífilis, devo
REALIZAR TRATAMENTO E NOTIFICAR A CRIANÇA?

Sim, independentemente do título se a mãe apre-


sentar teste não-treponêmico reagente no parto, sem
história de tratamento anterior de sífilis, a criança
deverá ser tratada e notificada como sífilis congênita,
segundo o critério vigente de definição de caso.

2. Se, na maternidade a mãe apresentar teste NÃO-


TREPONÊMICO REAGENTE e relatar TRATAMENTO
ADEQUADO, tenho que notificar a criança?

O profissional deverá avaliar antes as seguintes


condições:
Ÿ Mãe com documentação (carteira de gestante)
que comprove o tratamento adequado e
queda de títulos do VDRL após o tratamento
(exceto quando o título inicial for menor ou
igual a 1:4, nesta situação é esperado títulos
estáveis no parto).
Ÿ Comparar os títulos do teste não-treponêmico
da mãe (no parto) com o resultado do teste
não-treponêmico do recém-nascido (RN), cole-
tado no sangue periférico do RN. Se o título do
teste não-treponêmico (VDRL) do RN for maior
do que da mãe, a criança deverá ser tratada e
notificada como caso de sífilis congênita.
Ÿ Se o VDRL da criança for reagente (qualquer
titulação, menor que o materno) realizar inves-
tigação clínica, laboratorial (incluindo exame
93
de líquor) e radiológica. Se constatada altera-
ção nos exames, a criança deverá ser tratada e
notificada como caso de sífilis congênita.
Ÿ Se a mãe foi comprovadamente tratada de
forma adequada e a criança é assintomática,
apresentando teste não-treponêmico não rea-
gente ou com título menor que o materno, com
investigação clínica laboratorial sem altera-
ção, o caso não deverá ser notificado, uma vez
que não preenche critério de definição de caso
de sífilis congênita. No entanto, a criança deve-
rá ser acompanhada ambulatorialmente,
como caso de criança exposta à sífilis materna.

3. Se a MÃE da criança NÃO apresentou QUEDA DE


TÍTULOS no momento do PARTO, devo considerar
esta criança como sífilis congênita?

Neste caso devemos considerar:


Ÿ Mãe tratada adequadamente, mas no final da
gestação (40 dias antes do parto), pode não
apresentar queda de 2 títulos, porque não
houve tempo suficiente de seguimento ou por-
que o título inicial era menor ou igual a 1:4.

Nesta situação, deverá ser feita a investigação


conforme resposta da pergunta acima (pergunta 2).
Ÿ É importante o seguimento da criança e da
mãe (com sorologias) após o parto, para obser-
var se os títulos maternos em sorologia não-
treponêmica vão apresentar a queda espera-
da. Caso a mãe não apresente a queda espera-
da na titulação e o recém-nascido não preen-
cheu critério para tratamento na maternidade,

94
o mesmo deverá ser avaliado e investigado e
tratado se indicado.

4. O que é considerado TRATAMENTO MATERNO


ADEQUADO para prevenção de sífilis congênita?

É considerado tratamento adequado: o tratamen-


to completo com penicilina de acordo com a fase
clínica da sífilis materna; instituído antes dos 30 dias
que antecedem o parto; parceiro sexual com sífilis
tratado concomitante a mãe e, idealmente, observar
a queda de duas titulações em sorologia não-
treponêmica (VDRL ou RPR) ou títulos estáveis, se
inicialmente for menor ou igual a 1:4.

5. Pode ser considerado TRATAMENTO adequado,


uma gestante com sífilis tratada com
CEFTRIAXONA?

Não, durante a gestação somente será considera-


do como tratamento adequado para prevenção da
sífilis congênita, o uso de penicilina G benzatina, na
dose adequada para a fase clínica. Ainda não se tem
garantia de que outro esquema terapêutico possa
atravessar a barreira transplacentária e tratar o feto.

6. Devo realizar a sorologia TREPONÊMICA NA


CRIANÇA para o diagnóstico ao nascer?

Não, na criança, o exame treponêmico (FTA-Abs,


ELISA, TPHA) não terá valor diagnóstico ao nascimen-
to, pois, a passagem de anticorpos maternos para o
95
recém-nascido, poderá ocasionar resultado falso posi-
tivo. A sorologia treponêmica deverá ser realizada a
partir dos 18 meses de idade.

7. É possível ocorrer TÍTULOS ASCENDENTES do


teste não-treponêmico no SEGUIMENTO DA
CRIANÇA, que não foi considerada sífilis congênita
na maternidade?

Sim, a criança poderá apresentar títulos ascen-


dentes no seguimento, no caso de mães que se infec-
taram no final da gestação. Por isso é importante o
seguimento clínico-sorológico de todos os recém-
nascidos expostos à sífilis materna (tratados ou não
na maternidade).

8. O que considerar no CAMPO TITULAÇÃO


ASCENDENTE para o preenchimento correto da
ficha?

Refere-se à comparação dos títulos da sorologia


não-treponêmica realizados durante o acompanha-
mento da criança. Considera-se titulação ascendente
a elevação de título sorológico.

9. Após a alta hospitalar como deve ser o


ENCAMINHAMENTO DO RECÉM-NASCIDO com diag-
nóstico de sífilis congênita?

Sempre na alta da maternidade, o recém-nascido


deve ser encaminhado para um serviço de acompa-
nhamento de pediatria, ou seja, unidade básica de
96
saúde (UBS), idealmente que tenha garantido o agen-
damento prévio dessa consulta. Essa avaliação inicial
deve ser realizada o mais precocemente possível, não
ultrapassando 30 dias da alta hospitalar.
No momento da alta hospitalar, a criança deve
receber o resumo de internação com:
Ÿ anotação dos dados referentes ao parto;
Ÿ dados antropométricos do nascimento e da
alta;
Ÿ intercorrências apresentadas no berçário;
Ÿ informações sobre os resultados de exames
para sífilis e tratamento da sífilis congênita no
recém-nascido;
Ÿ alimentação;
Ÿ vacinação, além de outras informações perti-
nentes à situação.

10. Qual a DATA DE DIAGNÓSTICO da criança com


sífilis congênita?

No caso da sífilis congênita precoce, quando o


diagnóstico é feito na maternidade, a data de diag-
nóstico é a data de nascimento do recém-nascido. Em
outras situações, como por exemplo, a sífilis congêni-
ta tardia, a data do diagnóstico será a data da evidên-
cia laboratorial e/ou clínica da doença de acordo com
a definição de caso vigente no momento da notifica-
ção.

11. Como preencher o campo “NOME DO PACIENTE”


na ficha de notificação de sífilis congênita, quando
tratar-se de casos de ABORTO E NATIMORTO?
A sugestão é que a ficha seja preenchida com o
97
nome da mãe seguido da palavra ABORTO ou
NATIMORTO (o mesmo vale para RN). Exemplo:
Maria da Luz - NATIMORTO ou Maria da Luz - RN. No
caso de gemelar, informar GEMELAR 1ou PRIMEIRO
GEMELAR no final do nome.

12. APÓS 18 MESES de acompanhamento do caso


verifico que o resultado de teste TREPONÊNICO É
NEGATIVO, posso excluir o caso notificado do Sinan?

Não, o caso não deve ser excluído do Sinan. O caso


notificado preencheu critério de definição de caso de
sífilis congênita no momento da notificação. Um estu-
do canadense mostrou que crianças com sífilis congê-
nita tratadas logo após o nascimento, negativaram o
teste treponêmico. Portanto, um teste treponêmico
reagente aos 18 meses confirma um caso de sífilis
congênita, mas se negativo não descarta.

13. Qual serviço de saúde deve NOTIFICAR o caso de


sífilis congênita?

O caso de sífilis congênita deve ser notificado na


maternidade no momento do parto ou no serviço de
pediatria que realizou o diagnóstico na criança.

14. Após o PREENCHIMENTO DA FICHA de notifica-


ção de sífilis congênita no serviço de atendimento
para onde ENCAMINHO A FICHA?

A ficha de notificação e investigação (FNI) deve ser


enviada para o serviço de vigilância epidemiológica
98
municipal, através de rotina estabelecida previamen-
te. Para a vigilância regional, seguindo a estadual e
nacional será através do Sinan. É importante que os
profissionais conheçam o fluxo estabelecido no servi-
ço para que as notificações sejam encaminhadas de
forma correta e em tempo hábil.

15. Quem CONSOLIDA OS DADOS e analisa as infor-


mações de sífilis congênita?

A consolidação e análise dos dados devem ser


realizadas nos diversos níveis de vigilância epidemio-
lógica: nos serviços de saúde dos níveis municipal,
estadual, federal e no próprio local. É importante que
as informações analisadas sejam devolvidas aos ser-
viços que notificaram os casos e que sejam discutidas
com os serviços envolvidos no atendimento materno-
infantil.

16. Como posso ENCONTRAR A FICHA DE


NOTIFICAÇÃO de sífilis em gestante?

A ficha de notificação de sífilis em gestante encon-


tra-se disponível no: “formulários de notificação de
doenças”, no link abaixo em "Documentação" ->
"SINAN NET 4.0/Patch 4.2 (Versão em uso)" -> "Fi-
chas". http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb . A
ficha também se encontra disponível nos sites do
Programa Estadual DST/AIDS-SP e do Centro de Vigi-
lância Epidemiológica (CVE) da Secretaria de Estado
da Saúde de São Paulo: www.crt.saude.sp.gov.br e
www.cve.saude.sp.gov.br , respectivamente.

99
17. O “PROTOCOLO PARA INVESTIGAÇÃO DE CASOS
DE SÍFILIS CONGÊNITA” deve ser preenchido?

Sim, este protocolo proposto pelo Ministério da


Saúde é muito importante, pois busca identificar pos-
síveis causas envolvidas no processo de transmissão
vertical da sífilis. Cada caso dever ser discutido junto
aos profissionais e gestores dos serviços envolvidos
para que medidas sejam tomadas para evitar novas
ocorrências.

18. Qual é o fluxo para o ENCAMINHAMENTO DO


INSTRUMENTO “Protocolo para Investigação de
casos de Sífilis Congênita”?

O fluxo pode ser o mesmo estabelecido para as


notificações da sífilis congênita. O serviço de saúde
envia uma cópia do protocolo para a vigilância epide-
miológica ou conforme determinado em cada Estado.
É importante que o protocolo seja encaminhado para
o Programa Municipal e Estadual de DST/Aids, atra-
vés da vigilância do município/regional e que o
mesmo seja discutido nos Comitês de investigação de
casos de TVHIV e de sífilis congênita, para que medi-
das sejam tomadas, evitando novas ocorrências.

19. Como tenho ACESSO ao INSTRUMENTO “Proto-


colo para Investigação de casos de Sífilis Congêni-
ta”?
O protocolo e o manual de preenchimento encon-
tram-se disponíveis nos sites do Departamento de
DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde
http://www.aids.gov.br.

100
101
102
103
25. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde.
Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Protocolo Clínico
e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral as Pessoas com
Infecções Sexualmente Transmissíveis. Brasília: Ministério da
Saúde, 2015, 120p.

104
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109
110
Verso

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