Livro Unico Biodireito
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Biodireito
Presidente
Rodrigo Galindo
Conselho Acadêmico
Ana Lucia Jankovic Barduchi
Camila Cardoso Rotella
Danielly Nunes Andrade Noé
Grasiele Aparecida Lourenço
Isabel Cristina Chagas Barbin
Lidiane Cristina Vivaldini Olo
Thatiane Cristina dos Santos de Carvalho Ribeiro
Revisão Técnica
Carolina Meneghini Carvalho Matos
Gustavo Henrique Campos Souza
Editorial
Camila Cardoso Rotella (Diretora)
Lidiane Cristina Vivaldini Olo (Gerente)
Elmir Carvalho da Silva (Coordenador)
Letícia Bento Pieroni (Coordenadora)
Renata Jéssica Galdino (Coordenadora)
ISBN 978-85-522-0712-2
CDD 570
2018
Editora e Distribuidora Educacional S.A.
Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza
CEP: 86041-100 — Londrina — PR
e-mail: [email protected]
Homepage: http://www.kroton.com.br/
Sumário
Unidade 1 |Biodireito: Introdução 7
Vamos lá!
Unidade 1
Biodireito: Introdução
Convite ao estudo
Você saberia distinguir Ética, Bioética e Biodireito? Poderia
estabelecer correlação entre eles? A Ética permeia quase
toda a nossa vida, é o desafio permanente de encontrar o
caminho para agir, sem que haja qualquer tipo de agressão
às outras pessoas e a nós. Há, porém, um fator que dificulta
essa proposta ética: o tempo. Sim, vivemos numa realidade
em constante transformação. Não somos mais como éramos.
É o que Heráclito de Éfeso chamou de fluição (tudo passa,
tudo se transforma). Portanto, reconhecemos que a ética deve
se apresentar em todos os avanços e em todas as realidades.
U1 - Biodireito: Introdução 7
que nos remetem ao direito à vida, à saúde e à integridade física,
para que possamos ter uma visão mais abrangente e atualizada
do Biodireito e, dessa forma, chegar a esses aspectos atuais
refletindo sobre a autonomia da vontade.
8 U1 - Biodireito: Introdução
você irá participar de uma entrevista/debate ou dar pareceres
ou opiniões como se advogado ou jurisconsulto fosse.
U1 - Biodireito: Introdução 9
Seção 1.1
Ética, Bioética e Biodireito
Diálogo aberto
Estudante, ao trabalharmos em nossa situação-problema é
importante que você mobilize os conteúdos abordados em seu
Livro Didático, na seção: Não Pode Faltar, a fim de resolvê-la com
propriedade. Por isso é tão importante que seja responsável pelos
seus estudos pré-aula.
10 U1 - Biodireito: Introdução
Para auxiliá-lo nesse processo, assista ao programa “Roda Viva
| Leandro Karnal | 04/07/2016” da Rede Cultura, transmitido em
4/7/2016, tendo como entrevistado o historiador Leandro Karnal,
para compreender o funcionamento, a roteirização e a mediação de
um programa de entrevista. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=JmMDX42jOoE>. Acesso em: 2 set. 2017.
Nessa seção da Unidade 1, vamos conhecer a relação existente
entre avanço tecnológico, Ética e Bioética e usar o Direito
Constitucional e o Direito Internacional sob a ótica dos Direitos
Humanos e a sua influência sobre o ser humano. Dessa forma
poderá responder com propriedade as perguntas que os convidados
direcionarão a você.
U1 - Biodireito: Introdução 11
Nesse momento, internacionalizamos os Direitos Humanos, e assim
mudamos o comportamento humano, primeiro de forma política, pois
foi a partir desses momentos históricos que surgiu o Constitucionalismo
Social, que pode ser conceituado como um sistema que defende o
regime constitucional, ou seja, que os governos sejam regulados por
uma Constituição, evitando-se assim o livre arbítrio dos governantes e
impulsionando a construção da cidadania.
Pesquise mais
12 U1 - Biodireito: Introdução
De posse do contexto de direitos exposto e seus impactos sobre
o ser humano é importante considerar que a tecnologia avança
constantemente e não poderíamos deixar de compreender seu
impacto nos aspectos biológicos. Todo esse contexto também
tem alterado rapidamente os padrões do comportamento humano,
sedento, principalmente no campo da biotecnologia, por longevidade,
saúde e qualidade de vida e por que não dizer, de beleza.
Para Namba (2009, p. 1), “Mais que uma conduta geral correta,
esfera da Ética, a Bioética veio responder à segunda indagação,
ou seja, do mínimo necessário para inexistir a violação de outros
valores além dos que já estavam em foco”.
U1 - Biodireito: Introdução 13
que restringe o direito àquele círculo onde se aplicam penas
materiais, salientando que as mesmas só devem existir para
os casos em que o bem resultante da aplicação das mesmas
for maior que o mal que as mesmas provocam. Porque o
mal produzido pelas penas é uma despesa que o Estado faz,
tendo em vista um lucro, o desaparecimento dos crimes.
Numa perspectiva contrária, Fichte refere que as normas
jurídicas e as normas morais são contraditórias, salientando
que as mesmas só devem existir para os casos em que o bem
resultante da aplicação das mesmas for maior que o mal
que as mesmas provocam. Porque o mal produzido pelas
penas é uma despesa que o Estado faz, tendo em vista um
lucro, o desaparecimento dos crimes. Numa perspectiva
contrária, Fichte refere que as normas jurídicas e as normas
morais são contraditórias, salientando que as normas
morais exigem, categoricamente, o cumprimento dos
deveres, enquanto as normas jurídicas permitem, mas não
impõem, que se cumpra o próprio dever, acrescentando
que se as leis morais proíbem o exercício de um direito,
ele não deixará, por isso, de ser direito. Os autores
desta cepa admitem assim uma graduação da moral, só
possível numa moral hedonisticamente entendida. A tese
está intimamente ligada ao contratualismo utilitarista,
do modelo benthamiano (the greatest happiness to the
greatest number is the foundation of morals and legislation)
à ideia de que é possível a realização do máximo de utilidade
com o mínimo de restrições pessoais, numa perspectiva
que reduz o direito a uma simples moral do útil coletivo.
Em todas estas famílias está a redução do contrato social à
mera composição de um conflito de interesses, do bellum
omnium contra omnes, considerando-se que os indivíduos
renunciam a uma parte das suas liberdades naturais para
garantirem o mínimo de convivência social, dado que
o homem não é naturalmente um animal social, mas
um animal a-social, individualista, um lobo do homem.
Portanto, a sociedade não é uma coisa natural, mas antes
algo artificial, visando o finalismo de poderem gozar-se
certas utilidades (ISCSP, 2017).
14 U1 - Biodireito: Introdução
Reflita
Considerando a Teoria do Mínimo Ético, reflita sobre a seguinte situação:
Um vizinho mal-humorado passa por você e não lhe cumprimenta, e
você, furioso, lhe dirige palavras ofensivas e injúrias.
Nesse contexto, procure refletir: a ação que está apenas no campo da
moral se distingue daquela que se volta para o campo do Direito?
Exemplificando
Como bem anotou Segal, (2008, p. 3) “Tudo que é direito envolve a moral,
mas nem tudo que concerne à moral tem repercussão no direito”.
Por exemplo, se você deixa de cumprimentar alguém propositadamente,
estará incorrendo em falta moral, mas que ficará no campo mental,
quem sabe, com certo remorso. Agora, se a mesma pessoa calunia a
outra, a falta é moral e jurídica, portanto, merecedora de reparação no
campo judicial.
U1 - Biodireito: Introdução 15
Para começar, citamos Reale:
Assimile
A Ética vem ordenar a conduta, ou seja, normatizar a ação. Assim, um
estudioso, em 1978, chamado Reich, ensinou que bioética é “o estudo
sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e da atenção
à saúde, enquanto que esta conduta é examinada à luz dos princípios e
valores morais.” (REICH, 1978, p. 116)
16 U1 - Biodireito: Introdução
E agora, vamos conhecer um pouco mais sobre a Bioética?
A Bioética é uma disciplina autônoma, pois não se preocupa em
ser exata, como uma ciência, e considera a diversidade, a pluralidade
de realidades e reflexões como a sua base. Como dissemos, ela
nasce em 1971, nos Estados Unidos, precisamente na Universidade
de Wisconsin, através das pesquisas do médico oncologista Van
Rensselaer Potter. Ela se tornou conhecida através de famosa obra
de Potter, Bioethics: bridge to the future (Bioética: uma ponte para o
futuro), onde ele aponta que a Bioética deveria ser uma nova forma
para se enxergar o mundo, tendo como parâmetro a Ética.
Entretanto, o que se assistiu, motivado em grande parte pelo
Relatório de Belmont (1978) e pela obra de Beauchamp e Childress
(1979) – The Principles of Bioethics –, foi uma limitação do espectro
original, e a redução desse ao que se convencionou chamar de
principialismo – uma orientação prática da Bioética que se resumia à
observância de quatro princípios fundamentais, a saber: Autonomia,
Beneficência, Não maleficência e Justiça.
A partir dos anos 1980, durante o processo de expansão e
consolidação da Bioética, a redução de seus campos de ação e a
discussão ao domínio da ética biomédica (DURAND, 2003, p. 15), a
supremacia da individualidade, a ênfase à autonomia fizeram com
que o mundo conhecesse essa disciplina autônoma como uma ética
aplicada meramente ao campo da saúde, em muito preocupada com
a disposição de preceitos deontológicos. Tal disposição transportou
a Bioética do público para o particular; do coletivo para o individual.
Além disso, a mudança principialista trouxe consigo uma ação
transformadora dos objetivos primeiros, oriundos da proposta de Potter,
para uma prática baseada numa teoria puramente fundamentalista, que
acaba por se converter em parâmetros, referenciais éticos universais,
excluindo assim, qualquer disposição contrária.
Essa disposição impositiva do principialismo como caminho bioético
acaba por fomentar o nascimento de uma nova etapa, posterior
à década de 1990, chamada de revisão crítica. Dentro desse contexto,
o primeiro movimento considera a pluralidade moral, cultural, étnica
e a impossibilidade de desconsideração dessa realidade, inclusive
dos comportamentos e ações extremos dela derivados, tais como
violência, injustiça, xenofobia, misoginia, homofobia, entre outros.
U1 - Biodireito: Introdução 17
O segundo movimento alavanca a discussão e a atenção da Bioética
para questões urgentes no que tange à responsabilidade social, pública
e estatal para com os cidadãos.
Sobre a Bioética, para iniciarmos nossos estudos, vamos
tomar duas grandes linhas do pensamento, que são a liberal e a
conservadora, o que nos dará o tom e o direcionamento para uma
reflexão madura e multifocal.
Nesse contexto, vejamos o que Namba (2009, p. 12 e p. 13),
nos traz por vertentes, as quais podem ser verificadas no Quadro
1.1 que segue:
Quadro 1.1 | Vertentes da Bioética
Perguntas Para os conservadores Para os liberais
1. O que precisamos Para eles os seres huma- O ser humano não deve se
impedir? nos têm liberdade e não há sujeitar às posições públicas e
discussão sobre o tema, mas sociais, tampouco a qualquer
as novas tecnologias suscitam reserva à sua liberdade indivi-
problemas individuais e sociais, dual, pois a sua moral o torna
que ainda não foram equaliza- responsável pelo seu futuro e
dos por falta de conhecimento por isso, não deve sujeitar-se
das implicações dos resultados aos possuidores do conheci-
e por isso, se houver dúvida, mento ou do poder público.
deve-se descontinuar os
experimentos e indicar outros
especialistas que tenham
melhor poder de decisão e
intencionalidade.
3. No que tange ao esta- O ser humano é um organismo Ao ser humano cabe exercer
tuto do corpo humano, dotado de liberdade para seu sua liberdade natural e ao ser
qual a natureza biológica próprio aperfeiçoamento, mas estudado, considerando sua
deste? essa liberdade é constantemen- liberdade, não há uma ideia
te maculada pelas descobertas unificada do ser humano com
tecnológicas que atentam con- uma moral universal.
tra sua natureza. Por isso, expe-
riências devem ser suspensas,
pois violam a liberdade humana.
As pesquisas genéticas, princi-
palmente, devem ser vistas com
total cautela.
18 U1 - Biodireito: Introdução
Considerando as reais divergências que acabamos de encontrar,
esse é o momento propício de compreendermos o Biodireito como
agente regulador.
Basicamente um novo ramo do Direito e da Filosofia, no campo
ético, a bioética dominou a esfera do direito como “pano de fundo”
de debates de situações controversas, já contando com algumas
normas sobre a consideração de valores, instigando as discussões.
Exemplificando
A despeito dessas discussões, de forma ponderada, um bom exemplo é
a análise da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54
Distrito Federal - ADPF 54, disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/
cms/noticianoticiastf/anexo/adpf54.pdf>. Acesso em: 31 set. 2017.
U1 - Biodireito: Introdução 19
- A tecnologia e sua influência na vida humana, que por certo
influencia o comportamento humano, deve considerar apenas os
benefícios no que diz respeito à biotecnologia?
Uma das possíveis soluções em sua entrevista, lembrando que você
está no papel de um advogado especializado em Ética e Biodireito, e
adotando uma postura liberal, seria responder que o ser humano não
deve se sujeitar às posições públicas e sociais, tampouco a qualquer
reserva à sua liberdade individual. Porém, os debates devem gerar a
tolerância e garantir a resolução dos conflitos por meio do consenso,
sem dissuasão e com liberdade.
- Quais avanços o Direito Constitucional e Internacional
trouxeram no que diz respeito à influência dos Direitos Humanos
sobre o ser humano?
Uma das possíveis respostas seria apontar, de acordo com o Livro
Didático, o histórico dos direitos humanos, o constitucionalismo
social e o que mudou no comportamento humano, ou seja, o que
sobreveio das lutas por dignidade e cidadania.
- No que concerne aos princípios da Bioética, poderia
distinguir Bioética de Biodireito e sua existência como limitador
dos avanços em determinados aspectos, a exemplo do direito de
permanecermos vivos? O que sopesar?
Nesse aspecto, uma provável resposta seria utilizar as distinções
trazidas ao Livro Didático, mas quando for abordar o Biodireito como
limitador dos avanços, procure a postural liberal de que é limitador
no sentido de proteção do ser humano contra o livre arbítrio dos
governantes e de tecnologias mal-intencionadas, e não como limitador
da liberdade humana. O que se deve sopesar é que a dignidade da
pessoa humana deve ser assegurada dentro de uma concepção jurídico-
constitucional aberta e compatível com os desafios da biotecnologia.
Então, acho que o debate não foi difícil assim, certo?
20 U1 - Biodireito: Introdução
Avançando na prática
ESTUDO DE CASO:
Dever de Proteção à vida no caso: SCHLEYER
Descrição da situação-problema
Resolução da situação-problema
U1 - Biodireito: Introdução 21
Faça valer a pena
1. Analise o excerto abaixo:
22 U1 - Biodireito: Introdução
2. Ainda que possivelmente o opressor nunca venha a deixar de existir,
o intolerante passa agora a não ser tolerado por uma nova frente de
intolerantes. Quer se dizer: o século XXI está se tornando cada vez mais
intolerante com os intolerantes, por três motivos:
I – porque o resultado dos códigos e tratados trouxe para a humanidade
um nível cada vez maior de sensibilidade, de esclarecimento acerca do
sofrimento humano e da dignidade.
II – porque a era da informação via internet, considerando necessariamente
as redes sociais, permitiu que a voz daquele que não era ouvido,
ganhasse potência e altitude.
III – porque houve uma mudança estratégica onde o mais fraco passou a
manifestar uma força nunca antes imaginada. (SABINO, 2017, p. 11)
Nesse contexto, é correto o que se afirma em:
a) I, apenas.
b) II, apenas
c) III, apenas.
d) I e II, apenas.
e) I, II e III.
U1 - Biodireito: Introdução 23
Seção 1.2
Direitos Humanos e o Biodireito
Diálogo aberto
Olá, estudante!
Nessa seção,iremos correlacionar os Direitos Humanos ao
Biodireito, numa perspectiva que aborde o princípio da dignidade
humana no que concerne ao direito à vida, saúde e integridade
física e claro, com aplicação a caso concreto durante a resolução
da situação-problema.
Pensando numa abordagem crítica sobre o Biodireito, vamos
começar pela efetividade dos direitos da pessoa humana, a fim de
compreendermos a necessidade do respeito ao direito à dignidade.
Você já ouviu falar sobre o princípio da dignidade da pessoa
humana aplicado ao Biodireito? Quantas vezes teve contato direto
ou ouviu “por aí” histórias sobre pessoas que preferiram morrer com
dignidade e sem dor em vez de se submeterem a tratamentos com
poucas chances de sobrevivência?
Chegando a sua resposta, sente-se preparado para o segundo
bloco do programa?
Estamos agora na segunda parte do nosso debate estudantil
promovido pela Kroton, aos alunos dos últimos semestres de
formação dos cursos de direito e convidados jurisconsultos na área
de instituições públicas e privadas.
Lembre-se que, como advogado especializado em Ética e Biodireito,
você foi convidado a participar do programa “Debate Estudantil”,
promovido semestralmente e ao vivo pela Kroton Educacional.
Para este segundo momento da entrevista lembre-se de que a
abordagem passará pelo princípio da dignidade humana, considerando
o direito à vida, à saúde e à integridade física através dos direitos
humanos, respondendo aos temas para os quais também encontrará
o embasamento no livro didático.
24 U1 - Biodireito: Introdução
Lembre-se de que, para esta seção, deve assumir uma postura
liberal e, depois, uma postura conservadora em seu discurso, a cada
questionamento dos convidados, por meio dos seguintes temas
propostos pelos entrevistadores:
• Devemos lançar mão de qualquer meio disponível em prol da
vida e da saúde em face do princípio da dignidade humana?
• Qual a relação entre Direitos Humanos e o Biodireito em
situações que remetem ao direito à integridade física,
a exemplo do doente terminal, que tem a opção de
experimentar, ou não, nova droga para a qual ainda não
existem dados relevantes sobre cura ou grau de sofrimento,
preservando sua integridade física, mesmo em estágio que
fatalmente o levará a óbito?
O conteúdo no qual você, caro aluno, deve se basear para r esponder
as indagações apresentadas abrange os temas do direito à vida, à saúde
e à integridade física, que serão aprofundados nessa seção.
Tenha em mente que estas reflexões são essenciais para a
compreensão dos temas propostos nesta etapa de estudos. Dessa
forma, busque aprofundar sua pesquisa para fazer um bom trabalho!
Desejamos sucesso em sua empreitada!
U1 - Biodireito: Introdução 25
Mas antes de continuarmos, que tal algumas reflexões?
Assimile
O conceito de Bioética na definição de Amaral (1999, p. 36), “é a disciplina
por intermédio da qual se [...] examina e discute os aspectos éticos
relacionados com o desenvolvimento e as aplicações da biologia e da
medicina, indicando os caminhos e os modos de respeitar os valores da
pessoa humana”. No mesmo percurso conceitual, Leo Pessini aborda que
a Bioética investiga a moralidade da conduta humana no contexto das
ciências da vida, incluindo também a ética da medicina com foco nos
problemas éticos, muitas vezes negligenciados pelas ciências biológicas.
(PESSINI, 2008, p. 11).
Reflita
Será que poderíamos dizer que a Bioética é a positivação jurídica de
autorizações para ações médico-científicas e de penalidades para o
descumprimento dessas normas?
26 U1 - Biodireito: Introdução
Marmelstein (2009, p. 21) entende que “os direitos fundamentais
são normas jurídicas, intimamente ligadas à ideia de dignidade
da pessoa humana e de limitação do poder, positivadas no plano
constitucional de determinado Estado Democrático de Direito, que,
por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o
ordenamento jurídico.“
Assimile
José Afonso da Silva refere-se à dignidade da pessoa humana como “um
valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do
homem, desde o direito à vida.” (SILVA, 2003, p. 109).
U1 - Biodireito: Introdução 27
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos dessa Constituição. (BRASIL, 1988, art. 1º).
28 U1 - Biodireito: Introdução
Exemplificando
Um exemplo bem explícito do valor fundamental, então, é a vida física,
pois é sobre ela que se desenvolvem os demais valores do ser humano.
Pesquise mais
Para aprofundar seus conhecimentos, leia o artigo “Reflexões em ética,
bioética e biodireito” disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.
br/site/index.php?artigo_id=7601&n_link=revista_artigos_leitura>.
Acesso em: 20 set. 2017.
Direito à vida
U1 - Biodireito: Introdução 29
Nesse aspecto, o âmbito de proteção da inviolabilidade do direito
à vida se concentra nas violações do Estado e de terceiros contra o
cidadão, e a irrenunciabilidade protege a vida de seu próprio titular.
Reflita
Atentando-nos aos movimentos conservadores ou liberais, é importante
destacar que: O direito à vida costuma ser compreendido em dupla
acepção. Em sua acepção negativa consiste no direito de todo e qualquer
ser humano de permanecer vivo. Trata-se aqui de um direito de defesa
que confere ao indivíduo um status negativo (em sentido amplo), ou seja,
um direito à não intervenção em sua existência física por parte do Estado
e de outros particulares. A acepção positiva costuma ser associada ao
direito a uma existência digna, no sentido de ser assegurado ao indivíduo
o acesso a bens e utilidades indispensáveis para uma vida em condições
minimamente dignas. (CUNHA JR.; NOVELINO, 2016, p. 35)
Caro estudante, nessa reflexão procure perceber a dicotomia entre o direito
de permanecer vivo, considerando até que ponto devemos considerar
esse direito, uma vez que a existência humana deve trazer dignidade.
Exemplificando
Um policial, agindo no estrito cumprimento do seu dever, que atira e leva
à morte um sequestrador para salvar a vida do refém, entra na hipótese
de excludente de ilicitude, previsto no Código Penal, artigos de 23 a 25.
Vamos lá conferir em “Código Penal, disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>.
Acesso em: 22 set. 2017.
30 U1 - Biodireito: Introdução
O Código Penal brasileiro também prevê duas hipóteses para
que não haja punição ao aborto. Os casos são de aborto necessário,
quando o feto coloca em perigo a vida da gestante e de aborto
sentimental, quando a gravidez é resultante de estupro.
Pesquise mais
Vamos nos aprofundar nessa ADPF? Consulte o voto do então
(à época) SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) na ADPF 54/
DF, disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/
anexo/adpf54.pdf>. Acesso em: 20 set. 2017. Leitura de fundamental
importância para seu posicionamento como profissional.
Reflita
Consulte a lei 11.105/2005 e a ADI 3.510/DF, para que possa se
posicionar e dar o seu voto, afinal, precisará dessa experiência em
situação-problema da próxima Unidade de Ensino.
U1 - Biodireito: Introdução 31
O direito à vida não está dissociado do direito à saúde e à
integridade física. O capítulo II da CF de 1988, que elenca nossos
direitos sociais, assim se expressa em seu artigo 6º:
32 U1 - Biodireito: Introdução
Finalizamos a seção exaltando os valores da preservação da vida
humana, que devem ser garantidos pela melhoria efetiva dos serviços
de saúde (sua real efetivação), preservando-se assim o patrimônio
genético, a proteção da integridade física, mental e emocional, dentre
outros direitos correlatos, sob o teto da ação incansável que se espera
dos particulares e dos poderes públicos.
U1 - Biodireito: Introdução 33
- Qual a relação entre Direitos Humanos e Biodireito em situações
que remetem ao direito à integridade física, a exemplo do doente
terminal que tem a opção de experimentar, ou não, nova droga para
a qual ainda não existem dados relevantes sobre cura ou grau de
sofrimento e escolhe o não tratar, preservando assim sua integridade
física, mesmo em estágio que fatalmente o levará a óbito.
Nesse quesito, um conservador diria que os direitos humanos
conquistados ao longo da história e que foram se consolidando
ou, melhor, sendo tipificados como direitos e muitos até com as
garantias já previstas, não colocam o ser humano em posição de
dispor de sua própria vida.
Já os liberais diriam que acima de qualquer outro direito está o
princípio da dignidade humana, ressaltando os direitos do cidadão ao
seu próprio corpo e liberdade na escolha do melhor tratamento para si.
Desejamos sucesso em sua entrevista, afinal, é um grande desafio
abordar mais de uma visão sobre um mesmo tema.
Avançando na prática
João decide morrer
Descrição da situação-problema
João Paulo Mendonça Lima e Bragança descobriu um tumor
maligno no fígado e seu médico informou que seria possível optar
por um tratamento recentemente implantado na medicina brasileira,
embora a doença já esteja em estágio avançado. Entretanto, João tem
sentido fortes dores e, segundo adiantado pelo médico, o tratamento
também será doloroso, de forma que o paciente se recusou a fazê-lo,
dada a pequena chance de sucesso. Verônica, filha de João, foi
informada de que a expectativa de vida do pai é de apenas dois meses
se este não se submeter ao tratamento. Desse modo, foi consultar
você, caro aluno, e pediu a elaboração de um breve parecer indicando
se ela poderia obrigar o pai a se submeter ao tratamento médico.
Elabore o parecer requerido por Verônica, considerando a acepção
positiva para responder se o desejo de João deve ser respeitado.
Resolução da situação-problema
Caro estudante, se levarmos em consideração a dimensão
objetiva e acepção positiva, que primam pela dignidade e qualidade
34 U1 - Biodireito: Introdução
da sobrevivência do ser humano, seu parecer deve ter como ponto
de partida o respeito ao desejo de João.
Fundamentando seu parecer, informe à Verônica que a acepção
positiva costuma ser associada ao direito a uma existência digna, no
sentido de ser assegurado ao indivíduo o acesso a bens e utilidades
indispensáveis para uma vida em condições minimamente dignas.
Utilize em sua abordagem, também, o disposto no art. 15 do Código
Civil, que assim discorre:
“Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco
de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica” para
esclarecer Verônica que ela não pode obrigar o pai a se submeter
ao tratamento médico.
U1 - Biodireito: Introdução 35
Sobre as asserções, assinale a alternativa correta:
a) As asserções I e II são proposições verdadeiras e a II justifica a I.
b) As asserções I e II são proposições verdadeiras e a II não justifica a I.
c) A asserção I é uma proposição verdadeira e a II, falsa.
d) A asserção I é uma proposição falsa e a II, verdadeira.
e) Ambas as asserções são proposições falsas.
36 U1 - Biodireito: Introdução
3. Leia a seguir, um trecho do voto dado à Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental - ADPF 54:
U1 - Biodireito: Introdução 37
Seção 1.3
Aspectos atuais do Biodireito
Diálogo aberto
Olá, estudante!
Nessa seção iremos direcionar nossa atenção para a autonomia
da vontade em transversalidade com os tratamentos cirúrgicos, os
valores religiosos, o direito ao corpo e à mutilação, sob a ótica dos
seus alcances e das suas limitações. A abordagem, considerada a
questão da integridade física do ser humano, também nos levará
aos aspectos da responsabilidade médica.
Sob tais aspectos, procure lembrar-se de fatos ocorridos que
remetam às histórias ou notícias sobre o drama de pacientes e famílias
nas difíceis escolhas no que concerne a tratamentos médicos, cirurgias
e consentimento.
Após essa reflexão e os estudos dispostos em seu livro didático,
vamos ao terceiro bloco do programa?
Estamos agora na terceira parte do debate estudantil promovido
pela Kroton para os alunos dos últimos semestres de formação dos
cursos de Direito de todas as marcas atuantes no país e convidados
jurisconsultos na área, advindos de instituições públicas e privadas.
O tema final trará a abordagem de um aspecto atual do Biodireito,
pois nesse bloco da entrevista, o mediador a ser escolhido dentre
os jurisconsultos convidados apresentará o caso de uma família
que se nega a permitir que um ente querido receba tratamento
médico adequado, por meio de uma cirurgia, por entenderem que
a idade avançada do paciente, acometido também da doença de
Alzheimer, não permitirá seu consentimento, ofendendo o princípio
da autonomia da vontade, desconsiderando o parecer médico.
Como o tema é único, porém abrangente, e considerando a
escolha para esta seção, traga à sua apresentação uma opinião a
favor da autonomia da vontade e outra, contrária, que deve preservar
a vida do paciente. Não se esqueça de buscar suas fontes no livro
didático e suas indicações de leitura.
38 U1 - Biodireito: Introdução
Não pode faltar
U1 - Biodireito: Introdução 39
Pesquise mais
Conheça a íntegra da Declaração Universal dos Direitos Humanos
de 10/12/1948, na biblioteca virtual de Direitos Humanos da
Universidade de São Paulo em: <http://www.direitoshumanos.usp.
br/index.php/Declara%C3%A7%C3%A3o-Universal-dos-Direitos-
Humanos/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.html>
Acesso em: 4 out. 2017.
Reflita
Olhando para o cenário atual brasileiro, você acha que de fato algo mudou
se considerarmos o exposto no parágrafo anterior? Vivemos uma ditadura
disfarçada ou vivemos em um país democrático?
40 U1 - Biodireito: Introdução
Nesse aspecto, temos no artigo 5o uma proteção implícita que
é a autonomia da vontade, o que significa dizer que o ser humano
possui o poder de tomar decisões em seu âmbito particular, de
acordo com seus interesses e prioridades. É o reconhecimento
individual de que podemos fazer o que é de nossa vontade, mas
por certo limitados ao direito dos outros indivíduos, pois somos
responsáveis pelas nossas escolhas e suas consequências.
Assimile
Embora a proteção seja fruto da dignidade da pessoa humana, não existe
qualquer dispositivo na Constituição brasileira que estabeleça claramente
o direito à autonomia privada, mas, como dissemos, está implícita nos
direitos de liberdade e de personalidade.
Exemplificando
Usaremos agora uma decisão prolatada pela Suprema Corte norte-
-americana que ilustra essa proteção, em um trecho do voto proferido
pelo juiz Kennedy, no caso Lawrence vs. Texas. Disponível no site da
Escola Superior do Ministério Público da União, no artigo intitulado:
A Suprema Corte dos Estados Unidos e o direito à intimidade.
Disponível em: <http://boletimcientifico.escola.mpu.mp.br/boletins/
bc-28-e-29/a-suprema-corte-dos-estados-unidos-e-o-direito-a-
intimidade> Acesso em: 7 out. 2017.
U1 - Biodireito: Introdução 41
Historicamente, em nosso país, a primeira Constituição, de
1824, instituiu a religião católica durante o Império como a oficial,
e as demais ficaram circunscritas a casas fechadas, sem direito à
exteriorização. Apenas com a proclamação da República, essa regra
começa a mudar e a nos transformar em um país laicizado (Estado
laico, onde a religião deve ser separada do Estado).
Pesquise mais
Nesse sentido, pesquise a ADI 2076/DF do STF, da lavra do relator
Ministro Carlos Velloso, j. 15/8/2002, que aborda a individualidade da
crença, disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.
jsp?docTP=AC&docID=375324> Acesso em: 7 out. 2017.
42 U1 - Biodireito: Introdução
Em contraponto ao exposto sobre os ícones em locais públicos
podemos citar que na Alemanha, a colocação de crucifixos nas
escolas públicas fere a Constituição, justamente por conta da
liberdade de crença.
Reflita
A respeito de todo o contexto apresentado, e após reflexão, qual o seu
ponto de vista referente ao entendimento do CNJ de que os crucifixos em
espaços públicos não ferem a Constituição?
Reflita
O que você faria se, em caso de extrema dor, um médico lhe dissesse
que precisa de uma cirurgia de emergência? Teria o discernimento
para perguntar sobre algum tratamento paliativo? Ou ainda, no mesmo
quadro de sofrimento extremo, se precisasse de transfusão de sangue não
permitida por sua religião, como procederia? O direito à vida está acima
de qualquer outro estudado até agora?
U1 - Biodireito: Introdução 43
dando oportunidade ao exercício da autonomia livre e consciente.
A Bioética chama a atenção para que o médico tenha uma prática
de paternalidade, de cuidado com o paciente, caso este não consiga
exercer livremente sua opinião.
44 U1 - Biodireito: Introdução
E, ainda, o artigo 927, preceitua: “aquele que por ato ilícito, causar
dano a outrem, é obrigado a repará-lo.”
Pesquise mais
U1 - Biodireito: Introdução 45
Sob a ótica dos direitos fundamentais e da autonomia da vontade,
o tema é de extrema relevância, principalmente quando pensamos
em seres humanos juridica e mentalmente capazes.
Reflita
46 U1 - Biodireito: Introdução
Sem violar a distinção estrutural entre as espécies de
direitos, a unidade da ordem jurídica autoriza que alguns
ou todos os direitos da personalidade sejam qualificados
como direitos fundamentais e possibilita que os direitos
fundamentais sejam contidos aos direitos de personalidade,
numa operação de transposição (e não de sobreposição) de
uma espécie à outra. (2012, p. 26).
Não se tem a intenção de demonstrar a predominância de
uma espécie de direito sobre a outra, ao invés, prestigia
uma dogmática incentivadora de relacionamento entre
os direitos da personalidade e os direitos fundamentais,
como um valioso instrumento de reforço à tutela geral da
personalidade em diferentes ramos do Direito. (2012, p. 26).
Os direitos de personalidade são concebidos pelo direito
civil para as relações entre particulares, enquanto os
direitos fundamentais são concebidos para as relações
entre particulares e o Estado, embora uns e outros
possam vincular sujeitos diversos conforme sua posição
de paridade ou supremacia. (2012, p. 32). O ingresso dos
direitos da personalidade no normativo constitucional gera
imediatamente o reforço de sua tutela, que supera o âmbito
das relações particulares e passa a atuar também contra
ofensas ou ameaças provindas dos entes públicos. (2012,
p. 32-33).
U1 - Biodireito: Introdução 47
O Código Civil trata unicamente da relação entre a proteção do
corpo e a disposição da vontade do paciente, o que não significa
que a vontade seja ilimitada, pois existem ocasiões nas quais o ser
humano não pode dispor no todo ou em parte do seu corpo.
48 U1 - Biodireito: Introdução
outros órgãos duplos. O ato de doação deve ser de plena vontade
e gratuito, mas com relação aos órgãos, esses devem ser duplos,
para evitar que o doador, em ato heroico, morra para salvar outra
vida. Estão fora das limitações partes destacáveis e regeneráveis
do corpo, a exemplo dos cabelos, leite materno, etc. porém, é
necessária a autorização daquele que deles dispõe, para que não se
configure ato ilícito.
U1 - Biodireito: Introdução 49
Sem medo de errar
E agora, vamos resolver a situação-problema oportuna para
esta seção?
50 U1 - Biodireito: Introdução
Avançando na prática
Transplante de pai para filha
Descrição da situação-problema
Rui Levine, viúvo, hoje é um pai feliz por ter criado sozinho e com
muito amor a sua filha, Ana Levine, que, por um infortúnio, aos 14 anos,
apresenta uma doença cardíaca grave, para a qual a única salvação é
o transplante. Mas a doença tanto se agrava que as chances na fila de
espera por um doador fatalmente a levarão a óbito.
Resolução da situação-problema
O caminho para sua sentença deve dispor que não existe nenhum
dispositivo na Constituição brasileira que estabeleça claramente o
direito à autonomia privada, mas essa está implícita nos direitos de
liberdade e da personalidade, sendo objetivo dessa proteção atribuir
ao indivíduo o direito de autodeterminação do seu destino. A vontade
do pai em salvar a filha é fruto de coação interna, que o impede de
entender que este não é um caso de autodeterminação e sim, de
suicídio. O Código Civil trata unicamente da relação entre a proteção
do corpo e a disposição da vontade, o que não significa que a vontade
seja ilimitada, pois existem ocasiões nas quais o ser humano não pode
dispor no todo ou em parte do seu corpo. Por isso, o ordenamento
jurídico brasileiro coíbe atos que possam comprometer o direito à
vida, bem maior a ser preservado. Nessa escala de hierarquização,
quanto à inalienabilidade do corpo, a lei coíbe o ato de doação, que
apesar da plena vontade e gratuito, envolve órgão único e vital, para
impedir que o doador, em ato heroico, morra para salvar outra vida.
U1 - Biodireito: Introdução 51
Faça valer a pena
1. O artigo 5o da Constituição da República Federativa do Brasil positivou
os Direitos e Garantias Individuais e Coletivos por meio do estabelecimento
dos direitos civis e garantias processuais, ao enunciar que todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
52 U1 - Biodireito: Introdução
3. Os valores éticos servem como moderadores do debate sobre a
objetificação do corpo.
Nesse contexto, avalie as seguintes asserções e a relação entre elas
proposta:
I – O corpo humano não é objeto ou mercadoria para fins de qualquer
utilização ou modificação que a pessoa, detentora do direito ao
próprio corpo e com autonomia da vontade, possa desejar.
PORQUE
II – O ordenamento jurídico brasileiro coíbe, através de limitações legais,
atos que possam comprometer o direito à vida, bem maior a ser
preservado.
U1 - Biodireito: Introdução 53
Referências
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limite. A moralidade dos atos científicos. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde/Fiocruz
– Fundação Osvaldo Cruz, 1999.
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2009: A prova o código de ética médica. Diário Oficial da União. Brasília, 24 set 2009.
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jus.com.br/artigos/30892/analise-da-adi-3510-df-de-200’8 acessado em 19/09/2017.
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______. Supremo Tribunal Federal. Súmula. Plenário do STF. ADPF (Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental) 54/DF Plenário do STF. 2012. disponível
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Biodireito: Responsabilidade civil médica – aplicabilidade do dano moral e sua
reparação no erro médico. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/
artigos/?cod=f71b273d03661de9> Acesso em: 7 out. 2017.
U1 - Biodireito: Introdução 55
Unidade 2
Apresentação da unidade
Olá! Bem-vindo(a) à Unidade 2!
Vamos ao caso!
Assimile
Pesquisas biotecnocientíficas são modos de atuação das
ciências, em especial as ligadas à área da saúde, chamadas
de ciências da saúde, que visam promover, ou desenvolver,
tecnologias diversas (medicamentos, técnicas, operações)
que ampliem as capacidades humanas, visando a saúde e o
bem-estar dos humanos e não humanos, normalmente por
meio de alteração biológica.
<https://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=
10005168>. Acesso em: 4 nov. 2017.
Pesquise mais
Busque aprofundar seus conhecimentos pesquisando um
pouco mais sobre os seguintes documentos:
Assimile
Reflita
E você? Já pensou sobre o tema? Procure acessar os materiais
de referência e busque formar sua opinião a respeito. Feito isso,
procure seus colegas e proponha um debate. Assim, todos os
participantes terão condições de ampliar seu conhecimento,
bem como aprofundar os próprios argumentos.
Avançando na prática
Respeito à pessoa
Descrição da situação-problema
Jane Anfor, hoje com 70 anos, descobriu ainda jovem que era
portadora de Esclerose Amiotrófica Lateral. Essa doença atinge o
sistema nervoso e deteriora os músculos, afetando as funções físicas.
Entretanto, ela ainda conseguia se comunicar, com muita dificuldade.
Internada em um hospital de sua cidade, consciente de sua condição
e das consequências de sua doença, ela decidiu sobre todos os
procedimentos até o presente momento. Vendo que sua condição
estava em situação agravada, o médico determina a colocação de
uma sonda para alimentação, procedimento este que não implicaria
nenhum agravamento no quadro já existente ou colocaria a vida da
paciente em risco. A paciente se recusou a receber a sonda, apontando
que não queria mais viver. O médico, diante da situação, acionou
seus dois filhos, para que eles permitissem com o procedimento. Os
dois filhos se negaram a consentir, ficando ao lado da mãe. Diante
disso, o médico decidiu acionar o advogado do hospital, solicitando
que ele conseguisse autorização judicial para colocar a sonda.
Agora, no papel de advogado(a) do hospital, como você
argumentaria em sua solicitação ao(à) juiz(a)?
Resolução da situação-problema
Ouvidas as partes, o primeiro passo a considerar é o que dispõe a
Constituição Federal acerca da vida, em seu Artigo 5º, caput. Assim, é
dever constitucional a defesa da vida. Em segundo lugar, o médico,
em conformidade com o seu juramento e seu código ético, deve
preservar a vida a todo custo e de todas as formas. Por fim, por mais
que do ponto de vista da Bioética a vontade da senhora devesse ser
respeitada, em nossa cultura não há a disposição para o entendimento
da autonomia dessa forma. Infelizmente, a realidade moral ainda pesa
sobre o julgamento de questões como a relatada, em que não é raro
encontrarmos pessoas que acabam por condenar a paciente por sua
decisão. Enfim, a vontade do médico acabará cumprida.
Pesquise mais
Até mesmo a certeza da morte pode mudar, se considerarmos
os inúmeros avanços da biotecnociência. Uma dessas realidades
é a técnica desenvolvida por cientistas japoneses para o
rejuvenescimento de células. Pesquise mais sobre ela em: <http://
www.bbc.com/portuguese/ciencia/2009/11/091112_ovulos_
pesquisa_rw.shtml>. Acesso em: 4 nov. 2017.
<https://mundoestranho.abril.com.br/ciencia/como-
funciona-a-criogenia/>. Acesso em: 4 nov. 2018.
Assimile
Instituições sociais são organismos criados pelos humanos
com o intuito de possibilitar, ou mesmo facilitar, a organização
social. Entre essas, há algumas que são tidas como fundamentais
ou primordiais, a saber: família, escola, religiões, Estado, política,
economia, entre outras.
Pesquise mais
Para contribuir com sua reflexão, veja o Código Penal em
seus Artigos 121 e 122 (BRASIL, 1940). Consulte também o
Código de Ética Médica, em seus Artigos 6 e 66 (BRASIL, 2009).
Pesquise mais
Para contribuir com sua reflexão, consulte as seguintes
referências:
1. Lei 9.434, de 1997;
2. Decreto 2.268, de 1997;
3. Portaria 3.407, de 1998, do Ministério da Saúde.
Reflita
Acesse o site <https://www.guttmacher.org/fact-sheet/abortion-
latin-america-and-caribbean> (acesso em: 4 nov. 2018) e analise o
gráfico comparativo entre as taxas de aborto em 1990 e 2014 para
você ter uma ideia da situação preocupante que estamos tratando.
Reflita
Sobre a interrupção da gestação nos casos de fetos
anencéfalos, veja o documentário da professora e pesquisadora
da UnB, Debora Diniz, chamado Uma história Severina, disponível
no endereço abaixo. Ao assisti-lo, busque pensar sobre o
conflito entre direitos envolvidos, bem como sobre a ideia de
que submeter uma mulher a levar a gestação de feto com
anencefalia até o nono mês de gravidez seria algo equivalente
à tortura. Esse foi um dos argumentos utilizados pelo Ministro
Marco Aurélio, relator da ADPF/54, para fundamentar seu voto a
favor da interrupção da gravidez.
Pesquise mais
Fundamentação:
Avançando na prática
Histocompatibilidade
Descrição da situação-problema
Maria Fernanda é uma adolescente de 13 anos e possui insuficiência
renal progressiva. Ela não tem se adaptado bem à hemodiálise. Em seu
desespero, os familiares começaram a realizar testes em familiares.
Sua irmã tem o procedimento descartado, pois possui 4 anos, e sua
mãe não é compatível, portanto, não pode ser doadora. Entretanto,
o seu pai realizou o exame e foi percebida a histocompatibilidade
(quando há semelhança genética). Em uma consulta a sós, o médico
responsável explica ao pai que há a possibilidade de fazer o transplante
de um de seus rins, porém, com prognóstico incerto, uma vez que há
a possibilidade de rejeição. Com medo da cirurgia, da retirada de um
dos rins, e do prognóstico incerto, o pai informa que não quer fazer
o transplante. Considerando o caso apresentado, responda se esta
decisão encontra fundamento no direito brasileiro.
2 Verificou-se, a partir das leituras feitas, que há países que liberam totalmente
ou parcialmente o abortamento e os que proíbem completamente a
realização do aborto.
Com base no disposto no Código Penal e em seus estudos sobre o aborto e as
permissões para fazê-lo em território nacional, aponte qual a alternativa correta:
Reflita
Pesquise mais
A reprodução assistida heteróloga tem complicado o entendimento
da paternidade/maternidade tomada a partir da coincidência genética.
Nesse sentido, essa realidade tem deixado de ser referência para as
decisões no campo do Direito “de Família”. Assim, sugerimos que você
consulte a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com o
processo de seguinte número: 70019125285 (Inteiro Teor).
Assimile
Segundo o artigo 10, I, da Lei 9.263/96, é exigido para os procedimentos
definitivos que:
“I -e
m homens e mulheres com capacidade civil plena e
maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos,
com dois filhos vivos, desde que observado o prazo
mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade
e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa
interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade,
incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar,
visando desencorajar a esterilização precoce” (BRASIL, 1996).
Fundamentação:
Conforme se observa da legislação brasileira, a presunção
de filiação no caso da reprodução assistida heteróloga se dá no
momento em que o pai, antes da realização do procedimento, dá
seu expresso consentimento para que ele aconteça.
A primeira providência seria verificar se houve tal anuência. Caso
ela tenha existido, trata-se de presunção absoluta da filiação, sendo
ela reconhecida e protegida em todos os seus aspectos jurídicos.
Avançando na prática
Barriga de Aluguel
Descrição da situação-problema
Laís tentou engravidar de seu esposo, André, por anos, sem sucesso.
Descobriram por fim, que Laís não possuía condições de levar ao fim a
gestação. Certos de que nasceram para ser pais, procuram Bruna, prima
de Laís, para propor a ela a ideia de ser barriga de aluguel para a gestação,
e ela aceita imediatamente. Assim, fertilizado o óvulo de Laís com o
esperma de André, conseguem 1 embrião viável que é inseminado em
Bruna. Conforme transcorre a gravidez, André se vê encantado pela
prima de sua esposa, sentimento em que é correspondido. Juntos,
decidem informar a Laís que André se separará dela e que ficarão com
a criança. Desesperada, Laís procura ajuda de advogados, em busca de
uma solução para sua situação. É possível que André e Bruna fiquem
com a criança para si?
Resolução da situação-problema
No que diz respeito à gestação que se utiliza de barriga de aluguel
para que seja viável, dispõe o ordenamento jurídico brasileiro, no artigo
1597-A, que a presunção de maternidade nesse caso é de quem cedeu
o material genético.
Contraria-se, dessa forma, a definição da mater semper certa est,
ou seja, de que certa é a mãe que gera a criança. No que diz respeito
à multiparentalidade, por exemplo, não se faz possível a parturiente
também exigir registro na certidão da criança como mãe.
Por último, convém anotar que se foram seguidos todos os
parâmetros estabelecidos pela Resolução 2121/2015 do CFM, há, entre
os envolvidos, termo de compromisso dispondo sobre as questões
da filiação.
______. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Família. Apelação Cível
nº 70019125285, Oitava Câmara Cível, Julgado em 28/06/2007. Relator: José Ataídes
Siqueira Trindade. (SEGREDO DE JUSTIÇA). Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>.
Acesso em: 29 nov. 2017.
DINIZ, Maria Helena de. O Estado Atual do Biodireito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Abril, 1973.
(Coleção Os Pensadores).
MORATO, Antônio Carlos. Quadro geral dos direitos da personalidade. Revista de Direito
da USP. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67941>. Acesso
em: 10 dez. 2017.
Convite ao estudo
Caro Aluno,
Seja bem-vindo à Unidade 3 de Biodireito! Nesta unidade
vamos estudar a experiência com seres humanos e os
alimentos transgênicos. Com certeza você já ouviu falar sobre
esses temas, correto? Mas sabe responder, por exemplo, que
requisitos necessitam serem cumpridos para que seja possível
uma pesquisa com seres humanos? Qual o posicionamento
da justiça brasileira sobre o aborto de fetos anencéfalos e
pesquisa com células-tronco embrionárias? Será que os
alimentos transgênicos causam danos ao meio ambiente ou à
nossa saúde? Pois bem, nesta unidade, buscaremos explorar
o tema proposto e responder estas e outras perguntas de
acordo com o saber jurídico que contorna nossa atuação!
Veja agora o contexto de aprendizagem elaborado para
contextualizar a matéria desta unidade.
Alberto é um famoso médico e pesquisador brasileiro,
experiente na área de biomedicina. O local de seu trabalho
é de difícil acesso, no meio da Amazônia, e ele lida
constantemente com os problemas locais. Ele lidera uma
equipe composta por outros cientistas, ambientalistas,
biomédicos e dois estagiários, um de química e um de
direito, este último estuda os impactos éticos, ambientais e
consequentemente jurídicos da atuação de Alberto.
Com o aparecimento de uma doença, que atingiu,
principalmente, as gestantes ribeirinhas de sua cidade, ele se
Diálogo aberto
Caro aluno,
Assimile
Além dos princípios do Biodireito, já elencados em seções anteriores,
como o da autonomia, beneficência, justiça e sacralidade da vida humana,
destaca-se outro:
Reflita
As pesquisas médico-científicas sempre envolvem muito interesse
econômico, sempre que há muita relativização, a comunidade mundial
tem que tomar cuidado e providências, alguém arcará com essas
consequências, e provavelmente, os direitos humanos serão afetados.
Como proteger os mais vulneráveis de pesquisas que possam colocar
em risco sua saúde? Será que os princípios e legislações vigentes são
suficientes e protegem a dignidade da pessoa humana?
Pesquise mais
Reflita
Com a decisão da ADPF 54, o STF feriu o princípio de separação dos
poderes e acabou legislando sobre matéria penal quando deveria apenas
decidir? Para responder à pergunta é necessário relembrarmos sobre
ativismo jurídico.
Vocabulário
Direitos de humanidade: Aqueles direitos que são concedidos pelo
simples fato de ser humano. Aplicável erga omnes.
Lembre-se
Para ajudar a entender essa parte da matéria, é necessário relembrarmos
sobre a parte geral do Código Civil. O seu artigo 1º e 2º falam sobre a
personalidade e a capacidade de adquirir direitos. Eles dispõem que toda
pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil, sendo que essa
personalidade se inicia com o nascimento com vida, mas a proteção do
nascituro é garantida desde a concepção.
Exemplificando
Um bebê anencéfalo nasce, com vida, respira e após uma semana falece.
Contados três dias do nascimento do bebê, seu genitor falece, deixando
herança, sem testamento. Como ficam os direitos sucessórios? Veremos
a seguir que esses poderão ser debatidos de duas formas distintas.
Pesquise mais
Em 2016, foi impetrada no STF a ADI n. 5581 que incluía o pedido de
interrupção da gravidez como possibilidade excepcional para mulheres
infectadas pelo vírus zika, que causa microcefalia e má formações
fetais. O processo ainda não foi julgado, mas discute-se alguns pontos
contrários. Isso porque, caso houvesse a descriminalização, também a
questionaríamos em caso de outras anomalias, exemplo das Síndromes
de Down e Edwards, o que poderia levar um ressurgimento da eugenia.
Avançando na prática
O reconhecimento de direitos sucessórios
a fetos anencéfalos
Descrição da situação-problema
Resolução da situação-problema
2. Camila, grávida de três meses, teve o diagnóstico, emitido por laudo
médico, de que seu bebê era anencéfalo, ou seja, não teria o desenvolvimento
completo do cérebro. Após a confirmação de outros dois médicos e
sabendo que a situação era irreversível, Camila, mesmo sem correr risco
de vida, decidiu pela interrupção da gravidez, o que foi imediatamente
concedido pelo médico
O julgamento foi procedente, o STF declarou, portanto, que se constatada
a anencefalia e a mãe queira realizar o aborto, dentro do direito penal, esta
decisão provoca a:
a) inexigibilidade de conduta diversa.
b) criminalização da mãe e aplicação da pena legal.
c) perdão judicial.
d) exclusão da tipicidade.
e) exclusão da antijuridicidade.
Diálogo aberto
A proteção do Direito à vida, à integridade física, à saúde, ao
planejamento familiar e à pesquisa científica são os princípios a
serem debatidos quando se fala de pesquisa com células-tronco
embrionárias. Tratam-se de células existentes no embrião humano,
que se multiplicam facilmente e têm grande capacidade de
diferenciação, dando origem a diversos outros tipos celulares e
tecidos do corpo humano.
O debate legal e ético é focado em dois pontos de vista: de um
lado os cientistas alegam que ao permitir a pesquisa, estaria ferindo
o direito à vida, já que se tratam de um potencial ser humano. E,
também, há uma insegurança em relação ao desenvolvimento
celular e o formato que a célula criada teria. Por outro lado, outros
cientistas falam da observância do direito à saúde e pesquisa científica
sendo indispensável o estudo das células-tronco embrionárias, pois
trazem enormes benefícios para pessoas já vivas. Vamos, então,
entender como o Direito brasileiro se posiciona?
Veja agora a situação-problema da Seção 3.2, será que conse-
guimos auxiliar a equipe do nosso cientista a resolver as demandas
de Bioética?
A equipe de Alberto está eufórica. O teste com as grávidas da cidade
no interior do Amazonas estava encaminhado e logo saberiam se o
remédio tinha funcionado. Enquanto não obtinham os resultados, os
cientistas continuavam com outros projetos paralelos. Eles estudavam
os impactos do vírus nos fetos e bebês atingidos pela doença
transmitida pelo mosquito. Depois de uns dias, eles perceberam que
estavam travados. Eles já tinham usado todos os meios possíveis para
saber como a célula se desenvolvia e nada de resultados.
De acordo com os relatórios médicos das crianças acometidas
pela doença, sabia-se que desenvolveram uma má formação no
Mas, por outro lado, questões éticas foram colocadas. Ora, essas
células advêm de embriões humanos. Será que essa manipulação
de material genético não violaria o direito à vida? Mas, e o direito à
pesquisa e descoberta de novas terapias que ajudariam pessoas já
vivas? O objetivo da presente seção é apresentar todos esses debates
para que possamos, em conjunto, ponderar direitos. Vamos lá?
Vocabulário
Células-tronco embrionárias: são “células pluripotentes que crescem
in vitro na forma de linhagens celulares de embriões humanos” (ZAGO,
2006, p. 18-19). São as células que são capazes de se transformar em
qualquer tecido de um organismo.
Saiba Mais
As células-tronco germinativas podem ser utilizadas para procedimentos
de teste de medicamentos como também para o melhor funcionamento
de um organismo vivo como uma alternativa terapêutica de algumas
doenças como câncer, Parkinson, Alzheimer, Huntington, esclerose
múltipla e lateral, amiotrófica, além de traumas pós-acidentes na medula
espinhal. São importantes, não são?
Lembre-se
O artigo 225, parágrafo 1o, II e V da Constituição Federal de 1988 foi
inserido em resposta a direitos de terceira geração consagrados
internacionalmente. Esses artigos falam sobre o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado sendo uma obrigação como indivíduo
e como coletividade lutar por sua proteção. Para isso é necessário
preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país
e controlar a produção, comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, qualidade de
vida e o meio ambiente.
Exemplificando
Um casal que não conseguiu reproduzir-se de forma natural procura
o hospital ou uma clínica de fertilização, para a reprodução assistida,
a chamada fertilização in vitro ou “bebê de proveta”. Para que essa
reprodução ocorra é necessário que ocorra os seguintes procedimentos:
a retirada de vários óvulos; a fertilização da maior quantidade possível,
pois é alto o risco deles se tornarem inviáveis; e implantação de um óvulo
fecundado no útero da genitora. Somente um desses embriões será
implantado, o restante pode ser congelado. Com o passar do tempo, o
casal genitor poderá autorizar a utilização desses embriões remanescentes
para a pesquisa de suas células-tronco. O pesquisador interessado tem
que ter um projeto de pesquisa aprovado pelo comitê de ética de sua
instituição e não pode pagar qualquer valor para o acesso a esse material.
Reflita
A sociedade civil foi chamada para se manifestar nesse julgamento.
Cientistas, religiosos, portadores de deficiência e interessados se
manifestaram em audiência contra ou a favor da pesquisa com células-
-tronco embrionárias. Como você articularia a sua manifestação se
tivesse participado como “amigo da Corte”? Conseguiria ponderar os
direitos em discussão?
Pesquise mais
O programa Grandes Julgamento do STF, realizado pela TV Justiça é
uma ótima forma de aprofundar e verificar como se deu em específico
os votos dispendidos em plenário. Destaca-se a sessão de julgamento,
compreendida no vídeo:
TVJUSTIÇA. Grandes Julgamentos do STF - Lei de Biossegurança parte 2.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6NmZjGWuNcQ>.
Acesso em: 2 dez. 2017.
Avançando na prática
Direito à vida e o Direito à pesquisa: como balancear direitos
Descrição da situação-problema
Resolução da situação-problema
Diálogo aberto
Caro aluno, seja bem-vindo à última seção desta unidade.
Já percorremos um intenso caminho até aqui, vimos sobre as
pesquisas com seres humanos, aborto de fetos anencéfalos e
pesquisas com células-tronco embrionárias. Discutimos o direito à
vida, à integridade física, à pesquisa científica. Mas ainda nos falta
um ponto a ser estudado: o dos alimentos transgênicos. Eles fazem
parte da realidade de todos nós. É normal vermos notícias sobre
esses produtos na televisão, internet e jornais. Recorda-se de alguma
vez vê-los nos supermercados?
O Brasil é hoje o segundo maior semeador de transgênicos
do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos da América.
Portanto, essa questão tem muito impacto no Direito.
Esta Seção 3.3 trata sobre questões relacionadas aos alimentos
transgênicos, sua proteção, análise atual da biotecnologia alimentar,
seus aspectos legais e riscos. Ufa, beba muita água, coma muitas
frutas, para ter fôlego para prosseguir! Veja agora uma situação-
problema desenvolvida para debatermos melhor esse assunto.
Vamos lá?
Alberto, nosso grande pesquisador e cientista, ficou muito
contente com o resultado de sua pesquisa com as grávidas da
população ribeirinha do interior do estado do Amazonas. O
“fitomedicamento” encontrado através de um princípio ativo de uma
planta correu como esperado. O medicamento de origem vegetal
elaborado com extratos padronizados gerou resultados positivos
para a prevenção da doença transmitida por um mosquito.
Fazendo suas leituras diárias, em busca de novas terapias, Alberto
se deparou com uma publicação científica a favor dos organismos
geneticamente modificados. Este artigo técnico explicava que a
modificação genética dos alimentos poderia trazer benefícios à
saúde. Alberto fez logo a ligação com seu “fitomedicamento”. Ora,
Assimile
Biossegurança: “condição de segurança alcançada por um conjunto de
ações destinadas a prevenir, controlar, reduzir ou eliminar riscos inerentes
às atividades que possam comprometer a saúde humana, animal e meio
ambiente”. (ANVISA, 2008, p. 1).
Exemplificando
Os transgênicos podem estar presentes em nosso dia a dia em uma ida
ao mercado podemos nos deparar com esses alimentos. Isso porque
existem técnicas de melhoramento genético que tiram os fiapos das
mangas, colocam gomos no abacaxi e retiram as sementes da melancia,
uva e tangerina. A realidade é que o cientista pode escolher a forma como
quer apresentar os alimentos.
Saiba Mais
A Convenção sobre diversidade biológica foi assinada por 157 países em
1992 no Rio de Janeiro e inserida no ordenamento jurídico brasileiro pelo
Decreto Legislativo n. 2 de 1994. Ela tem como objetivo a conservação
da diversidade biológica, utilização sustentável de seus componentes
e a repartição justa e equitativa dos benefícios e acesso aos recursos
genéticos. Os Estados parte têm o direito soberano de explorar seus
Pesquise mais
A empresa Monsanto é a líder mundial em biotecnologia, produzindo
90% dos organismos geneticamente modificados do mundo. Ela é
detentora da patente da única variedade de soja modificada existente no
mercado. De acordo com seu website, seu objetivo é ajudar agricultores
a produzir mais alimentos e reduzir o impacto da agricultura no meio
ambiente. Mas pode ser que essa intervenção tenha outros impactos.
É isso que o documentário “O mundo segundo a Monsanto” procura
demonstrar. Que tal buscá-lo para saber um pouco mais sobre esse
novo mundo?
Reflita
A biodiversidade é maior em locais mais quentes do planeta, principalmente
nas florestas tropicais. Mesmo sendo enorme a variedade de espécies que
existem no mundo sabemos que muitas estão em risco. Para termos ideia
dessa biodiversidade, tomamos como exemplo as azeitonas. As azeitonas
são frutos advindos da árvore oliveira. Todos nós conhecemos, colocamos
em saladas, na pizza, a azeitona verde e/ou a preta. Mas, na realidade, pelo
mundo são mais de 270 tipos. Isso é biodiversidade! Mas ela está sendo
colocada em risco pelos transgênicos. Por que será?
Saiba Mais
Tratam sobre o direito à informação: todos têm direito a receber dos
órgãos públicos informações de seu interesse particular, coletivo ou
geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da
sociedade e do Estado (BRASIL, 1988, art. 5, XXXIII).
Direito do consumidor: São direitos básicos do Consumidor: a
informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços,
com especificação correta de quantidade, características, composição,
qualidade e preço, bem como os riscos que apresentem (BRASIL, 1990,
art. 6, III).
Saiba Mais
Por outro lado, há um projeto de lei que pode colocar em causa esse
direito ao consumidor. Trata-se do Projeto de Lei n. 34/2015, que altera
a Lei de Biossegurança para que sejam rotulados apenas alimentos que
contenham 1% ou mais de transgênicos em sua composição. Além da
necessidade expressa de análise laboratorial do alimento. Acontece que
a transgenia não é detectada quando o alimento é processado. Com
esse projeto corremos o risco de consumir OGMs e não termos o
conhecimento. O que será pode ocorrer se esse projeto for aprovado?
Alberto também tem que ter ciência sobre os riscos à saúde que
pode causar a manipulação genética. Bem como os danos ao meio
ambiente. Essa alteração pode causar danos à biodiversidade. Estudos
Avançando na prática
As laranjas transgênicas de Patrícia
Descrição da situação-problema
Patrícia é uma grande agricultora da cidade Transgenópolis.
Ela ganhou diversos prêmios por ter desenvolvido técnicas com
o plantio de laranjas. Isso porque uma das características dessa
cidade é possuir uma terra com muitas rochas, que não é o ideal
para o plantio dessa fruta, pois precisa de um solo permeável e
profundo. Ela plantou muitos hectares de laranjeiras e ainda fez
no fundo de seu quintal uma pequena produção de sucos. Esses
sucos são engarrafados e vendidos de forma informal pela cidade
Transgenópolis. Mas Patrícia tem um segredo. As mudas de laranjas
foram produzidas em viveiros, advindas de um pesquisador de outro
país. Ele prometeu que as laranjas nasceriam em qualquer tipo de
terreno, ela só precisava, depois do fim da safra, voltar a comprar
novas mudas. Ela não poderia comercializar com ninguém sem o
avisar e pagar uma pequena quantia pela patente dessa muda. Essas
mudas eram geneticamente modificadas, pois foi colocado um
gene que as adaptou ao tipo de terreno da cidade.
Por ser muito famosa, Patrícia dá muitas entrevistas a jornais
locais. Em uma dessas entrevistas, Patrícia aproveitou para fazer
Resolução da situação-problema
Patrícia merece todo o destaque por seu perfil empreendedor,
entretanto, ainda tem muito o que aprender dentro da Biossegurança
e do direito do consumidor. As mudas eram geneticamente
modificadas, portanto, tratam-se de produtos transgênicos. Ela não
pode fazer o plantio desses OGMs sem que ninguém o saiba! A Lei
de Biossegurança autoriza o plantio de organismos geneticamente
modificados, entretanto, coloca alguns requisitos para isso, bem
como estudo de impacto ambiental e autorizações do CTNBio,
por exemplo. Ultrapassada essa barreira, Patrícia também não os
pode comercializar sem o aviso prévio ao consumidor de que se
trata de um produto transgênico. A rotulagem, com a inserção de
um T em fundo triangular amarelo, é obrigatória.
2. Como resposta aos possíveis riscos que os cientistas colocam sobre
a alimentação contínua de alimentos transgênicos, a agroecologia se
tornou moda. A alimentação orgânica está se desenvolvendo e cada
dia mais ganha mais adeptos. A agroecologia propõe assim alternativas
saudáveis e ainda com a intenção de minimizar a artificialização do
ambiente natural. É uma forma sustentável de garantir a diversidade de
culturas alimentares sem o uso, inclusive, de agrotóxicos.
Tendo em consideração a legislação internacional estudada, bem como os
princípios articulados de nossa Constituição Federal, elenque os princípios
que se relacionam com Biossegurança e os alimentos transgênicos.
a) Direito à Genética, Direito ao Meio Ambiente, Direito à Biodiversidade e
Biossegurança, Direito à alimentação orgânica.
b) Direito à Vida, Direito à Saúde, Direito à Integridade Física, Direito ao
Estudo, Direito ao Desenvolvimento Sustentável.
c) Direito à Biologia, Direito à evolução, Direito ao desenvolvimento
sustentável, Direito à Informação, Direito à pesquisa.
d) Direito à Biodiversidade, Direito ao patrimônio comum genético não
manipulável, Direito à saúde, Direito da Precaução, Direito à informação,
Direito à pesquisa e ao avanço científico.
e) Direito à Biodiversidade, Direito ao Meio Ambiente não manipulado,
Direito à vida, Direito da Precaução, Direito a futuras gerações, Direito
ao Desenvolvimento sustentável.
Transfusão de sangue,
Transplante de tecidos,
órgãos e partes do corpo
e Mudança de Sexo
Convite ao estudo
Seja bem-vindo, prezado aluno, à nossa última unidade de
Biodireito.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 157
Dr. Amado é um conceituado médico-cirurgião da cidade
“Liberdade”. Ele passa a maior parte de seu tempo dentro do
Hospital Nova Esperança, isso porque sua rotina de plantões
não o deixa pensar em outra coisa senão no trabalho, mas ele
adora. Ajudar pessoas e salvar vidas é sua missão. Em um desses
plantões, Dr. Amado foi avisado que havia acontecido um acidente
na principal avenida da cidade e saiu correndo para atender o
máximo de pacientes que poderia ajudar. Ele se envolverá em
três casos de urgência e enfrentará grandes desafios. Será que
ele precisará do jurídico do hospital? O Biodireito e o direito
médico poderão ajudá-lo com esses impasses!
158 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
Seção 4.1
Transfusão de sangue
Diálogo aberto
Olá, prezado aluno. Vamos iniciar nossos três últimos debates
sobre Biodireito?
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 159
marido de Carolina liga, então, para sua advogada que consegue
rapidamente uma liminar para que o plano de saúde acoberte todas
as custas do hospital para que os procedimentos ocorram sem
hemotransfusão.
160 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
Uma dessas situações é a da transfusão de sangue. Como fica
a situação de alguém que, por suas crenças religiosas, não aceita a
hemotransfusão mesmo que a negativa lhe cause inúmeros danos
ou inclusive a morte? Ou, se pensarmos se tratar de uma criança em
que os pais negam o tratamento. Eles têm legitimidade para colocar
questões religiosas acima da vida desta criança? E, penalmente?
Alguém será responsabilizado? Evidentemente, temos aqui um caso
de conflito de direitos fundamentais que precisamos resolver!
Pesquise mais
Tem curiosidade e quer saber mais sobre como se dá a transfusão de
sangue? Quais as etapas desde a doação até a transfusão? Este curta nos
mostra uma ideia de como funciona todo esse procedimento.
CIÊNCIA 2.0. Curta: Da doação à transfusão de sangue. Publicado
em 23 de julho de 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=0k-acj0L-nM>. Acesso em 18 mar. 2018.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 161
A problemática do Biodireito se inicia quando há a recusa dos
pacientes em receber a transfusão de sangue. Os devotos da religião
Testemunhas de Jeová têm como premissa o não recebimento de
sangue de outra pessoa. Eles recusam a transfusão de sangue, mesmo
em caso de risco de vida. Portanto, em situações como essa, o
médico tem que ponderar direitos ao respeitar a religião e a vida dessas
pessoas. A legislação e a jurisprudência brasileira e internacional já se
posicionaram como deve ocorrer nesses casos, vamos ver?
162 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
Outro direito também protegido pela nossa Constituição é o
da religião. Sabemos que nosso Estado é laico, não possui uma
religião oficial. Trata-se de um princípio político que rejeita a
influência da religião na esfera pública do Estado, em aspectos
legislativo, executivo e judiciário. Mas não é por isso que o Estado
deixa de garantir a liberdade religiosa. Essa também faz parte
da liberdade de expressão e até liberdade política e necessária
para a plena democracia. Trata-se de um direito que deve ser
sempre preservado; é uma limitação do poder estatal. O grande
constitucionalista Jorge Miranda já tinha feito essa relação ao dizer
que somente há plena liberdade política se houver plena liberdade
religiosa, nos diversos tipos a serem concedidos e compatibilizados
com os poderes do Estado.
Reflita
A liberdade religiosa foi um direito conquistado com muita luta. Por causa
desse artigo, podemos, hoje em dia, ser da religião que quisermos e
professá-la sem que ninguém se intrometa nisso. Mas será que este direito
está efetivamente garantido? Temos visto notícias de pessoas que violam
diretamente o direito à religião de outras, queimando templos ou outras
formas de intolerância religiosa. O que podemos fazer para que essas
violações de direitos humanos não mais se repitam?
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 163
Sob o ponto de vista jurídico, o direito à liberdade compreende
o poder de agir de cada pessoa e de escolher por si, desde que
respeitados os limites impostos pela lei ou que não fira o direito de
outrem. Assim, outra obrigação é imposta ao Estado: ele não pode
compelir ninguém, nem mesmo por obrigação imposta em Lei, a
fazer algo que seja contrário à sua crença religiosa.
Exemplificando
O direito à liberdade de expressão é consagrado também pela nossa
Constituição. Podemos expressar nossos pensamentos livremente,
entretanto, ele pode ser limitado pela proibição do racismo. Foi o que
ocorreu no julgamento do Habeas Corpus 82.424/RS, trata-se de um
escritor que colocou em seus livros conteúdo antissemita. Os ministros
164 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
deixaram claro que, “como qualquer direito individual, a garantia
constitucional da liberdade de expressão não é absoluta, podendo
ser afastada quando ultrapassar seus limites morais e jurídicos, como
no caso de manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude
penal”.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas-corpus n. 82.424. Brasília,
Relator Min. MOREIRA ALVES. Relator para Acórdão: Min. Maurício
Correa. Julgado em 17 de setembro de 2003. Publicado no Diário de
Justiça em 19 de março de 2004.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 165
Jeová, portanto, eles não podem, por vontade médica, serem
constrangidos a sofrer determinada intervenção médica. Uma lei
nesse sentido seria até inviável, já que pode haver a possibilidade de
tratamento alternativo. Então, sim, a recusa é constitucional e eles
podem se recusar a receber o referido tratamento.
Assimile
Ninguém pode ser constrangido a consultar um médico ou
submeter-se a um tratamento contra sua vontade livre e consciente
manifestada. Assim, quando ciente de um tratamento que deve ser
realizado e seus riscos, o paciente dá uma declaração, chamada de
consentimento informado.
Assimile
O Código de Ética Médica, instituído por meio da Resolução CFM n.
1.246/88, de 8 de janeiro de 1988, estabelece que é vedado ao médico:
166 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
Portanto, interpretando o Código de Ética Médica, se o paciente
correr risco de vida, o direito à vida deve prevalecer, inclusive sequer
há necessidade de intervenção judicial em caso da necessidade
iminente de utilizar a transfusão de sangue para salvar a vida da
pessoa. O médico deve fazê-lo, pois deve empreender todas as
diligências necessárias para o tratamento do paciente.
Saiba mais
A Convenção Europeia para proteção de Direitos do Homem e da
Dignidade do Ser Humano prevê em seu artigo 5º a necessidade de
consentimento livre e esclarecido de qualquer intervenção no domínio
da saúde, mas no seu artigo 8º dispõe que em casos de urgência,
quando não for possível colher o consentimento, poderão ser feitas as
intervenções médicas necessárias para garantir a saúde do paciente.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 167
Mas, caso haja risco de vida, a situação é vista diferente. De
forma mais específica, vamos analisar o Estatuto da Criança e
do Adolescente. Esta legislação não coloca expressamente essa
questão, mas chegamos lá com a leitura dos artigos 17 e 13, pelo
respeito à integridade física e a intervenção do Conselho Tutelar.
A verdade é que os pais não podem dispor da vida do filho, então
essa recusa pode ser substituída em prol de interesses maiores,
principalmente se tratando de direito à vida, sendo necessário o
médico recorrer ao Ministério Público para um parecer e decidir
qual a melhor solução no caso concreto. Por esses motivos que
alertamos que a ponderação de direitos deve ser feita somente
no caso concreto, para, assim, determinarmos qual direito deve
prevalecer sobre o outro.
168 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
em 30.08.1989), a conduta do médico não foi tipificada como
constrangimento ilegal, mesmo contrariando a vontade expressa
do responsável. Estava comprovado o risco de vida da criança
e o médico agiu e ministrou a transfusão de sangue, mesmo
contrário à vontade dos pais. Nesse mesmo caso, os pais também
foram acusados de omissão de socorro, por não terem aceitado
a hemotransfusão, mas ficou comprovado o uso de técnica
terapêutica distinta. Assim, o juiz entendeu não haver justa causa,
pois não houve falta de assistência.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 169
Sem medo de errar
Iniciamos nossa seção com a apresentação de uma situação-
problema. Tratava-se do caso do Dr. Amado, médico cirurgião
que se deparou com uma questão extrema, uma gestante, que
professa a religião Testemunha de Jeová se recusou a transfusão
de sangue para ela e para o seu filho. O bebê nasceu com uma
má-formação no coração e precisou de cirurgia. Os pais correram
atrás e conseguiram uma liminar para que o hospital arcasse com os
custos de um tratamento alternativo à hemotransfusão. Acontece
que o bebê estava em risco de vida e precisou da transfusão. Era a
última alternativa do médico, senão aceitar a morte do bebê.
Você foi chamado como advogado do hospital. O médico sabia
da posição dos pais e mesmo assim fez a transfusão de sangue,
colocou a vida da criança acima do direito à religião.
Foi pedido para você esclarecer para o Dr. Amado quais os riscos
que ele correu, ministrando o sangue. Ele era obrigado a encontrar
métodos alternativos, mesmo com a vida da criança em risco? Pode
ser responsabilizado civil ou penalmente pelo ocorrido?
É evidente que o caso é de ponderação de direitos. De um lado o
direito à vida e do outro o direito à religião. Ambos direitos fundamentais,
com igual valor. Como não temos direitos absolutos, temos que
observar o caso concreto para compatibilizar os dois direitos.
Pelo relatado, o paciente estava em risco de vida. Vimos que o
Código de Ética Médica é claro ao determinar que é vedado ao médico:
Art. 46 - Efetuar qualquer procedimento médico sem o
esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu
responsável legal, salvo em iminente perigo de vida.
Art. 56 - Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente
sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em
caso de iminente perigo de vida.
Art. 57 - Deixar de utilizar todos os meios disponíveis de diagnósticos
e tratamento a seu alcance em favor do paciente.
Então, como advogado do hospital, o ideal é começarmos
pensando o que aconteceria se Dr. Amado consentisse com o pedido
170 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
dos pais e não procedesse com a transfusão de sangue? O bebê
podia morrer. Claro é que, como há o risco de vida, como médico ele
tem que agir de todas as formas possíveis para salvar a vida do bebê.
Não utilizar da transfusão, em um caso como este, é aceitar a morte.
Sendo assim, se Dr. Amado não o fizesse, poderia ser condenado em
homicídio por dolo eventual, assim como os pais da criança. Como
o caso foi assertivo ao dizer que há o risco de morte e a urgência, o
médico tinha que proceder com a transfusão de sangue.
O que se indica é, de acordo com o Estatuto da Criança e do
Adolescente, chamar o Conselho Tutelar, bem como requerer
judicialmente, em caráter de urgência, a autorização para continuação
do tratamento.
Mesmo assim, ainda civilmente, os pais poderiam ajuizar uma
demanda cível contra o hospital, requerendo danos morais. É
legítimo, entretanto, como vimos, se o fizerem, o caso poderá ser
julgado improcedente, pois há o risco de vida da criança, o que vem
em primeiro lugar no caso concreto.
Nesse e nos demais casos a serem vistos nesta unidade,
podemos utilizar a pesquisa jurisprudencial como uma ferramenta
para auxiliar a defender a nossa posição. Vamos treinar, a partir do
que foi estudado, e utilizar a jurisprudência indicada para confirmar
as teses acima levantadas?
Avançando na prática
Métodos alternativos e o direito à diferença
Descrição da situação-problema
Jacob é um menino de 7 anos, filho de Catarina e Joaquim.
Jacob estava brincando na rua de casa quando foi atropelado por
um carro desenfreado. No caminho do acidente para o hospital,
os paramédicos tentaram de tudo para mantê-lo vivo, mas ele
estava perdendo muito sangue. Seus pais o acompanharam até o
hospital e apresentaram um documento, oficializado em cartório,
em que toda a família era da religião Testemunhas de Jeová e já
avisaram para que não houvesse qualquer transfusão de sangue
na criança.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 171
Os médicos do hospital fizeram as intervenções necessárias.
Os pais chamaram, também, o médico da família para auxiliar nos
cuidados, que também professava a religião Testemunha de Jeová.
Ao encontrar o médico do hospital, responsável pelos cuidados da
criança, o alertou sobre uma nova terapia, alternativa ao sangue,
que eram os expansores do volume do plasma. Essa era tão eficaz
quanto a hemotransfusão, no caso de Jacob.
Resolução da situação-problema
Essa situação se torna mais séria diante da negativa expressa
da paciente e a ação do médico exatamente contrária. Vimos que,
se houver o risco de vida inevitável, o médico pode ultrapassar o
direito à religião e prosseguir com a transfusão de sangue, mas caso
contrário, o direito à religião é tão importante quanto o direito à
vida, eles são direitos fundamentais horizontais.
172 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
A criança não sofria risco de vida e havia meio alternativo,
portanto, deve-se respeitar o direito à religião e o direito à diferença,
mesmo que não concordemos.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 173
c) Tulio e Juliana serão inocentados, eles sequer poderiam ter sido acusados
de omissão de socorro, já que, mesmo com o meio alternativo, eles a
auxiliaram na recuperação.
d) Tulio e Juliana serão inocentados pelo crime de omissão de socorro, mas
deveriam ser condenados por tentativa de homicídio em dolo eventual,
pois colocaram a vida da colega em risco.
e) Tulio e Juliana serão condenados por omissão de socorro e deveriam
ser condenados também por tentativa de homicídio em dolo eventual,
pois colocaram a vida da colega em risco.
174 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
Seção 4.2
Aspectos legais sobre o transplante
Diálogo aberto
Caro aluno, seja bem-vindo à Seção 4.2. Vamos continuar no
ambiente médico e estudar sobre transplante de órgãos e tecidos. Se
recorda que na seção anterior estudamos transfusão de sangue e o
direito de recusa? Nela estudamos um pouco sobre o Código de Ética
Médica, certo? Aqui seguiremos com essa temática, dando enfoque a
um sério problema que é a ausência de doadores de órgãos diante de
uma grande quantidade de pessoas na lista de espera.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 175
todo o possível para que Salvador fosse para o topo da lista única
de transplantes. Entretanto, ele ainda estava em terceiro lugar, pois
haviam pacientes em estado mais grave.
A mãe de Salvador, Janaina, entrou em contato com o advogado
da família como sua última esperança, para que ele iniciasse um
processo requerendo ao juiz que Salvador fosse para o topo da lista
e o próximo a receber o coração, afinal Salvador era uma pessoa
famosa, necessitava mais do coração do que outros doentes;
solicitou que ele fizesse um texto oficial para veicular na televisão
e nas redes sociais o estado de Salvador e pedir publicamente
para que alguém lhe destinasse o coração de algum doador post
mortem; e, por fim, o colocou a parte da negativa do plano de
saúde de lhe cobrir o tratamento e transplante, uma vez que estava
no contrato que o plano não cobria esses procedimentos. Em
contrapartida, Janaina teria que pagar cem mil reais por toda a
cirurgia do filho.
Imagine que você é o advogado contratado pela família. É
necessário fazer um parecer oficial para apresentar a Janaina sobre
a viabilidade de seus pedidos junto ao Judiciário. Com isso, já
podemos treinar para o parecer jurisprudencial que será entregue na
próxima seção. Hum, vamos necessitar do Biodireito para responder
a essas perguntas. Vamos lá?
176 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
A todo tempo, vemos na TV, nos jornais ou lemos na internet,
problemas envolvendo essa temática, como, por exemplo, a
escassez de órgãos para transplante. Existem milhares de pessoas
que foram diagnosticadas com alguma doença cujo único
tratamento é o transplante. Essas pessoas poderiam, então, voltar
a sua vida diária e ao mercado de trabalho. A sociedade cumpre,
assim, o princípio ético da beneficência.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 177
com o tráfico de órgãos. A atuação dessas quadrilhas se apoia na
desigualdade social, vai até países pobres e pagam para que pessoas
ricas e influentes possam obter os órgãos que necessitam para viver.
Pesquise mais
Parece cena de filme de terror, aquela em que a pessoa acorda em
uma banheira com gelo, possivelmente sem algum órgão no corpo.
Infelizmente, essa é a realidade em alguns países ao redor do mundo.
É o que mostra o documentário “Tráfico de Órgãos – Terceiro crime
organizado mais lucrativo do mundo”. (Assistir 00:00 – 08:29)
Reflita
E se o comércio de órgãos fosse legal, desde que fossem cumpridos
todos os requisitos de segurança e saúde? O estudioso de Bioética,
Joel Pinheiro, entende que a proibição de venda reduz as chances de o
paciente conseguir o transplante, e a venda poderia dar esperança para
famílias carentes. O que você acha sobre essa posição?
178 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
Exemplificando
Rechaçar o comércio ilegal de órgãos é uma medida necessária para
combater a relativização do valor da pessoa humana. Foi a forma
decidida na jurisprudência do TRF da 5ª Região no Habeas Corpus HC
1839 PE 2004.05.00.004735-8 (TRF-5) e Habeas Corpus HC 2179 PE
2005.05.00.015836-7 (TRF-5). Destaca-se aqui a parte final:
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 179
Saiba mais
Após a morte encefálica e o consentimento da família para a doação
de órgãos, o procedimento para a doação é o seguinte: 1. notificar as
Centrais Estaduais de Transplantes (CET) da unidade federada onde
ocorreu a morte; 2. caso o estabelecimento de saúde não tenha
autorização para o transplante, deverá permitir que a equipe médico-
cirúrgica de remoção e transplante tenha acesso ao paciente e ainda
fornecer todo o apoio operacional; 3. a equipe de remoção poderá
ressarcir o estabelecimento de saúde, caso seja necessário; 4. o
cadáver então, após a retirada dos órgãos ou tecidos, é necropsiado
e condignamente recomposto para ser entregue aos familiares para
sepultamento.
180 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
civil. O artigo 4º da Lei n. 9.434/97, esse que prevê o consentimento
de um membro da família, somente será válido se houver o silêncio
do potencial doador. Caso tenha se manifestado em vida, valerá a
vontade do doador.
Reflita
Mesmo sendo informado previamente sobre as consequências e riscos
possíveis da retirada de tecidos ou órgãos, o seu ato de liberalidade é
uma forma de dispor de um direito fundamental que é a integridade
física. Como é possível a lei permitir esse transplante? Para você, qual é
a possível justificativa do legislador?
Assimile
De acordo com a Lei n. 9.175/2017, que regulamenta a já citada Lei
n. 9.434/97, em seu artigo 29, §4º, a doação entre vivos somente
será válida com documento escrito firmado por duas testemunhas,
contendo: I - o tecido, o órgão, a célula ou a parte do seu corpo que
doará para transplante ou enxerto; II - o nome da pessoa beneficiada;
e III - a qualificação e o endereço dos envolvidos.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 181
incapaz, a manifestação é feita por seus pais ou representantes
legais. Ele também tem que consentir com os riscos, tidos pela
equipe médica de transplante como aceitáveis. Esses requisitos são
cumpridos para respeitar a dignidade do receptor.
182 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
órgãos) atribuídos a quem de direito segundo os critérios técnico-
médicos e o lugar da lista de cada receptor, até que chegue a vez da
autora” (TJSP, 2005). Ou seja, os critérios médicos que determinam
o local da fila de cada pretenso receptor.
Exemplificando
Os pretensos receptores para transplante de fígado têm que fazer
exames periódicos a fim de mensurar a gravidade de sua doença,
através de um índice matemático (chamado Model for End-stage Liver
Disease). Quanto maior o resultado, mais à frente na lista o paciente
está. Ou então, pode ser que fique disponível um órgão com tipo
sanguíneo A, por exemplo, então o receptor será o primeiro da lista
com esse tipo sanguíneo, não necessariamente na ordem da lista.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 183
autora, de forma alguma pode ser compensada financeiramente,
até porque a dor por ela sentida não tem preço”, e ainda completou,
“se não foi completa diante da não realização do transplante do
fígado, foi bem sucedida com relação a outros órgãos, também
doados (rins e córneas), o que vem a demonstrar que não houve
descaso” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL. Apelação
Cível n. 20040111103744. Relator Desembargador Luciano Moreira
Vasconcelos. Julgado em 19.10.2011).
184 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
complexidade da cirurgia para saber se o plano de saúde abrange
ou não o procedimento.
Atenção
Entretanto, a fim de proteger o consumidor, o Tribunal de Justiça de
São Paulo sumulou sobre o assunto da seguinte forma:
Súmula 96: “Havendo expressa indicação médica de exames associados
a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de
cobertura do procedimento”;
Súmula 102: “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a
negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento
da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de
procedimentos da ANS”
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 185
Sem medo de errar
A situação-problema proposta nesta seção trata de Biodireito
e direito médico. Para responder, necessitaremos de um estudo
aprofundado da Lei de Transplantes e a jurisprudência colacionada
no “Não pode faltar”. Vamos lá?
186 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
social de anúncios sobre a publicidade de estabelecimentos
autorizados a realizar transplante; apelo público para doação de
tecidos ou órgãos; e apelo público para arrecadação de fundos para
o financiamento de transplante ou enxerto.
Avançando na prática
Legitimidade para autorizar a doação de órgãos ou tecidos
Descrição da situação-problema
Tobias era considerado um ativista, se envolvia em diversas causas
para tentar ajudar a sociedade em que vivia, fazia constantemente
trabalhos de caridade no hospital e viu a realidade das pessoas que
estavam na lista de espera de transplante. Preocupado com isso, fez
um documento em cartório em que deixava clara a sua vontade de
doar todos os seus órgãos quando falecesse. Infelizmente, sua morte
foi precipitada diante de um acidente. Depois de constatada a sua
morte cerebral pela equipe de remoção e transplantes, os pais de
Tobias foram procurados para consentir a doação de seus órgãos.
A verdade era que Tobias ainda respirava por causa dos aparelhos.
Os pais não aceitavam a morte prematura do filho, por isso pediram,
primeiro, para que a morte encefálica de seu filho fosse constatada
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 187
pelo médico de família, o que não foi autorizado pelo hospital.
Depois, mesmo cientes da vontade expressa de Tobias, os pais não
consentiram com a doação. Não queriam ver seu filho desfigurado
e ainda achavam que a morte cerebral podia ser revertida por
algum tratamento. Os médicos tiveram conhecimento do referido
documento e recorreram ao advogado para que tomasse as
medidas judiciais cabíveis.
Resolução da situação-problema
Importante ressaltar que houve dois procedimentos equivocados
por parte dos médicos, os quais é papel do advogado informar
ao hospital. Primeiro, a morte encefálica deve ser constatada
por dois médicos, mas não podem fazer parte da equipe de
remoção e transplante. Isso para dar transparência e objetividade
na constatação da morte do pretenso doador. Além disso, a lei de
transplantes autoriza que um terceiro médico, indicado pela família,
possa também fazer os exames para constatar a morte cerebral.
188 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
Faça valer a pena
1. O transplante de órgãos e tecidos é um dos procedimentos médicos
mais complexos, isso porque se tem que agir contra o tempo para que
o órgão retirado de um doador esteja em condições para ser implantado
no receptor. Isquemia é o nome do período de tempo determinado por
cientistas desde a retirada até a efetivação do transplante. Acontece que
há duas situações em que se pode fazer a doação de órgãos e requisitos
determinados para isso.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 189
a) De acordo com o princípio bioético da beneficência, os médicos devem
fazer o bem ao paciente, portanto o correto é destinar o fígado ao
adolescente de acordo com o seu tempo de espera.
b) De acordo com o princípio da igualdade, não cabe aos médicos indicarem
quem tem o direito à vida, devem respeitar a objetividade do exame MELD
e a lista de transplantes.
c) De acordo com o princípio bioético da justiça, a distribuição justa dos
recursos técnicos e dos serviços da saúde, deve se destinar o fígado ao
adolescente que lhe fará melhor proveito.
d) De acordo com o princípio bioético da sacralidade da vida humana, os
médicos devem fazer o bem ao paciente, portanto o correto é destinar o
fígado ao adolescente, de acordo com sua idade.
e) De acordo com o princípio bioético da qualidade de vida, o fígado deve
ser destinado ao adolescente, já que Sergio é alcoólatra.
190 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
Seção 4.3
Direito e a identidade sexual
Diálogo aberto
Boas-vindas à nossa última seção, caro aluno! É certo que
tivemos um longo percurso pelas possibilidades do Biodireito,
mas ainda, precisamos de um último grande debate. Chegamos,
nesta última seção, a um importante assunto: o direito e a
identidade sexual.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 191
Marcele, desenvolveu depressão porque é transexual, não se
identifica com o gênero mulher. Desde criança sente que “nasceu
no corpo errado”. Sua depressão piorou desde que sua solicitação
de mudança de registro civil não foi acatada pelo cartório de sua
cidade. Marcele, em seu dia a dia, já é tratada por Marcelo e desejava
modificar os seus documentos. A Lei de Registros Públicos era bem
clara, o seu nome não é vexatório, portanto, não há motivo para a
alteração. Após os cuidados paliativos necessários para que Marcele
não corresse mais risco de vida, Amado tem obrigação legal de
reportar o caso à psicóloga e psiquiatra do hospital, Dra. Roberta.
Essa, fez uma análise do quadro geral de Marcele, mas já conhecia
esses sintomas, Marcele somente ficará bem quando fizer a cirurgia
de redesignação sexual.
Ao conversar com Marcele, a Dra. Roberta entendeu que os
problemas psicológicos somente seriam resolvidos assim que se
pudesse resolver os problemas jurídicos para a modificação do registro
civil. Como não entendia muito bem sobre a posição legal e como se
dão os procedimentos para requerer a cirurgia de transgenitalização
e quesitos sobre a alteração do nome na certidão civil, requereu ao
jurídico do hospital um parecer formal, para que pudesse expor e
auxiliar Marcele.
Imagine que você é o advogado requisitado, o ideal será
apresentar um parecer jurídico, com a colação de jurisprudências
para saber como os tribunais estão se posicionando sobre o assunto.
Não se esqueça que o parecer tem que ser técnico e fundamentado,
também, na legislação e doutrina. Vamos estudar o que o Biodireito
nos ensina sobre direito à identidade sexual e as possibilidades de
redesignação do estado sexual, para assim, conseguirmos auxiliar
Marcele, ou melhor, seu real nome, Marcelo?
192 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
recusa de transfusão de sangue devido o respeito à religião? O
direito à diferença foi destacado para demonstrar a necessidade
de inclusão e de respeito a direitos que, a princípio, não seriam
observados, como a possibilidade de recusa.
Lembre-se
O direito à igualdade é um daqueles direitos fundamentais que
assume forma de princípio, assim como o direito à liberdade. É o
Estado, através do direito, intervindo no dia a dia para trazer uma
existência minimamente digna. Pode ser dividido em igualdade
formal – é a igualdade perante a lei – e igualdade material – real,
substancial, tem por finalidade igualar os indivíduos que são essen-
cialmente desiguais.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 193
(acessibilidade); o sistema de cotas raciais; os casos de violência de
gênero, etc. O mesmo pode ser pensado quando tratamos sobre
os direitos dos transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais.
É necessário garantir a igualdade material, para que essas pessoas
tenham a sua dignidade garantida, em todas suas vertentes
enquanto cidadãos.
194 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
Assimile
Importante assinalarmos a diferença entre transexual e homossexual,
para nos esclarecermos diante de alguns mitos impostos pela
sociedade. A transexualidade não tem nada a ver com orientação sexual
da pessoa. A transexualidade busca definir a pessoa dentro do sexo
em que ela se sente, depois é que se verifica a sua orientação sexual.
Ou seja, uma pessoa pode ter nascido com um determinado gênero,
mas na realidade, psicologicamente, se sente e quer se determinar no
sexo oposto. A partir daí sua orientação sexual pode ser heterossexual,
homossexual ou bissexual.
Vocabulário
Além da questão de orientação sexual e transexualidade, também é
necessário saber diferenciar outras nomenclaturas:
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 195
Importante ressaltar que, apesar de ser visto como um
transtorno psicológico, não se deve dizer que pessoas com
identidades de gênero diferentes precisam ser curadas. Esse
tipo de discurso apenas corrobora para que não se desenvolvam
políticas públicas destinadas a garantir a igualdade material, bem
como para combater a violência contra esses indivíduos. Aliás, a
despatologização, para que as pessoas transexuais não sejam mais
consideradas por documentos médicos oficiais como portadores
de transtornos mentais, é uma de suas demandas.
O que tem que ser observado é que essas pessoas são mortas,
como forma de discriminação, devido, somente, a sua condição
e escolha de identidade. O estudo revela, também, que essas
pessoas morrem invisibilizadas, não constam nas estatísticas de
mortalidade e muitas vezes são enterradas como indigentes.
Esse preconceito destinado às pessoas transexuais e travestis é
chamado de transfobia.
196 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
Saiba mais
No Brasil houve um projeto de Lei n. 122/2006, que tinha como objetivo
criminalizar a discriminação motivada pela orientação sexual ou pela
identidade de gênero. Entretanto, foi arquivado, após oito anos sem
andamento no Senado Federal. No Distrito Federal, também houve
uma tentativa para aprovação de uma lei anti-homofobia que previa a
punição por constrangimento, preterimento e violência motivada pela
orientação sexual da vítima, mas foi derrubada pela Câmara Legislativa.
Pesquise mais
“Discriminação rouba de transexuais o direito ao estudo” é uma matéria
jornalística feita pelo Correio Braziliense, em que demonstra como o
preconceito pode levar à evasão educacional. CB. Discriminação rouba
de transexuais o direito ao estudo. Publicada por Wellington Hanna
e Thaís Cunha: <http://especiais.correiobraziliense.com.br/violencia-e-
discriminacao-roubam-de-transexuais-o-direito-ao-estudo>. Acesso em:
1 jan. 2018.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 197
1997 do Conselho Federal de Medicina a legalizou, com o propósito
terapêutico de adequar a genitália ao sexo psíquico. Sendo, então,
considerada a etapa mais importante no tratamento de pacientes
com transexualismo.
Saiba mais
A cirurgia não é o único tratamento para que a pessoa se adeque ao
seu sexo psicológico, como expresso na Portaria 457 da Secretaria
de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, há terapias hormonais,
psicopedagógicas, medicamentosas, entre outras. Ou seja, isso
significa dizer que a mudança da genitália não é necessária para que
se considere alguém transexual.
198 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
o que implementar, há somente 5 hospitais públicos em todo o
país habilitados para as cirurgias.
Atenção
Ao contrário dos transexuais, os intersexuados querem que seja
definido com precisão o sexo ao qual pertencem, e que lhe permitam
funcionalidade. Na prática, os pais são aconselhados a registrar tais crianças
somente após os resultados dos exames médicos, que identifiquem o
sexo e a cirurgia corretora é recomendável tão logo seja possível.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 199
mudança de sexo e de nome próprio no registo civil. Esta lei está
prestes a sofrer modificações para permitir a cirurgia em indivíduos
com 16 anos, bem como, não ter que demonstrar qualquer parecer
psiquiátrico. No Brasil, a situação é diferente e há uma lacuna
legislativa, sendo necessário recorrer ao judiciário para que haja a
alteração do registro civil.
Lembre-se
A Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6105/73) diz que o prenome só
pode ser alterado quando expuser a pessoa ao ridículo. O pedido
deve ser feito pelo interessado e não pode prejudicar o sobrenome de
família. O artigo 1.604 do Código Civil também dispõe: “Ninguém pode
vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento,
salvo provando-se erro ou falsidade do registro”.
200 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
Esta decisão do STJ foi ainda mais importante, por autorizar a
alteração do sexo e do prenome nos registros civis. A autorização
foi interpretada de acordo com o artigo 55, combinado com
o artigo 109 da Lei n. 6105/73. Evidente que a manutenção do
nome masculino, quando já houve a alteração física da pessoa
para seu sexo psicológico a expõe em uma situação vexatória.
“Vetar a alteração corresponderia, portanto, a colocá-lo em uma
insustentável posição de angústia, incerteza e conflitos”. (SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2009)
Reflita
Algumas críticas são colocadas às decisões que acatam a alteração do
gênero e do prenome, como se o judiciário praticamente alterasse a
legislação. O que você acha sobre isso?
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 201
a modificação de seu registro civil. Através da Resolução n. 175, o
Conselho Nacional de Justiça, de 2013, dispôs sobre a possibilidade da
celebração de casamento e conversão de união estável entre pessoas
do mesmo sexo. Portanto, não há óbices legais para o casamento e
está vedada qualquer recusa de celebração do casamento.
202 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
Dr. Amado a encaminhou para a Dra. Roberta, psicóloga e
psiquiatra do hospital. Ela fez uma análise do quadro geral de
Marcele, mas já conhecia os sintomas, Marcele somente ficará
bem quando fizer a alteração de sexo. Assim, na tentativa de
auxiliar Marcele, requereu a presença do advogado do hospital,
para lhe explicar como se dão os procedimentos para requerer
a cirurgia de transgenitalização e quesitos sobre a alteração do
nome na certidão civil.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 203
para as cirurgias. Assim questiona-se se é necessária a cirurgia para
que seja alterado o registro civil.
Como visto, para que Marcelo consiga alterar o seu registro
civil é necessário ajuizar uma demanda judicial, tendo em vista a
disposição da lei contrária a essa alteração. Importante ressaltar que,
muitas vezes, o processo pode ser indeferido, caso o juiz se baseie
unicamente na legislação.
Entretanto, há importantes precedentes do STJ. O direito à
alteração do registro civil é necessário para a consagração da
dignidade da pessoa humana, é a sua forma de autodeterminação.
A identidade de gênero da pessoa tem que ser respeitada pelo
Estado, órgãos, agentes, em seu ambiente de trabalho, escola,
enfim, todo o corpo social. A forma como a pessoa lida com seu
cotidiano, e esta tem que refletir com o seu sexo psicológico.
Assim, foi concedida a alteração do gênero no recurso especial
n. 1008398/SP e ainda sem haver necessidade de ter realizado a
cirurgia no recurso especial n. 1626739 - RS.
Evidente que a manutenção do nome masculino, quando já
houve a alteração física da pessoa para seu sexo psicológico
o expõe em uma situação vexatória. “Vetar a alteração
corresponderia, portanto, a colocá-lo em uma insustentável
posição de angústia, incerteza e conflitos”. (STJ, 2009). Além
disso, nos documentos pessoais não devem constar a indicação
da alteração feita judicialmente. A inscrição estará apenas nos
livros cartorários.
Avançando na prática
204 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
político. Já tinha sido prefeita de sua cidade e deputada estadual.
Resolveu, então, se candidatar a deputada federal. Seria uma
forma de fazer a diferença para essas pessoas. Após ter ganhado
as eleições, Roberta procurou ouvir os clamores das pessoas
transexuais e transgêneros para que pudesse criar dois projetos de
lei para protege-los, criminalmente e civilmente. Imagine que você
foi selecionado para ser assessor na Câmara dos Deputados e para
auxiliar a Deputada Roberta com essa demanda tão importante.
Redija um texto, com base nos princípios bioéticos e com a
matéria estudada de direito à identidade sexual, para que seja uma
minuta das “exposições de motivos” dos projetos de lei a serem
apresentados para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias
da Câmara dos Deputados.
Resolução da situação-problema
A apresentação das “exposições de motivos” de uma lei nada
mais é do que a sua justificativa. Demonstrar qual a necessidade
da lei e porque deve ser aprovada. A matéria estudada nesta seção
coloca duas vertentes em que o direito brasileiro é omisso.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 205
Faça valer a pena
1. Como sabemos, o ser humano é um animal racional, um ser social, que
necessita viver em comunidade. Com isso, são criadas diversas relações, e
complexas estruturas nas quais é possível interagir. Por isso, o ser humano
não vive apenas para o determinismo biológico, cria sempre novas vertentes.
Assim, no que se refere a identidade de gênero e orientação sexual, o gênero
se reporta a elementos dinâmicos da identidade, psicológicos e culturais.
Em 2007 foi publicada uma declaração, uma legislação internacional de
direitos humanos em relação a orientação sexual e à identidade de gênero,
que dispõe: “orientação sexual e a identidade gênero são essenciais para
a dignidade e humanidade de cada pessoa e não devem ser motivo de
discriminação ou abuso”
206 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
3. O novo Código de Processo Civil em seu artigo 140, dispõe que o juiz
não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade da lei. É
este o argumento utilizado para a análise dos pedidos dos transexuais para
a alteração do registro civil. O Superior Tribunal de Justiça já tem julgado
o pedido favorável e autorizado a alteração.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 207
Referências
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mar. 2018.
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humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Publicada em
04 de fevereiro de 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
L9434.htm>. Acesso em: 18 mar. 2018.
______. Saiba quais são os critérios da lista de espera por transplantes. Disponível
em: <http://www.brasil.gov.br/saude/2016/09/saiba-quais-sao-os-criterios-da-lista-
de-espera-por-transplantes>. Acesso em: 18 mar. 2018
208 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. rev. Coimbra:
Livraria Almedina, 1993.
CB. Receber cuidados médicos é desafio para transexuais. Publicada por Hellen
Gracie. Disponível em: <http://especiais.correiobraziliense.com.br/receber-cuidados-
medicos-e-desafio-para-transexuais>. Último acesso em: 18 mar. 2018.
CORREIO. Apenas cinco hospitais fazem cirurgia transgenital pelo SUS no Brasil.
Publicado em 29.05.2016. Disponível em: <http://www.correio24horas.com.br/
noticia/nid/apenas-cinco-hospitais-fazem-cirurgia-transgenital-pelo-sus-no-brasil/>.
Último acesso em: 18 mar. 2018.
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 3. ed. aum. e atual. conforme o
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U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 209
JESUS, Jaqueline Gomes. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e
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210 U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo
______. Apelação n. 001509-65.2004.8.26.0150. 6ª Câmara de Direito Privado.
Relatora Desembargadora Ana Lucia Romanhole Martucci. Julgado em 5.09.2013.
U4 - Transfusão de sangue, Transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo e Mudança de Sexo 211
Anotações
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