Alfabetização de Surdos

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Alfabetização de surdos: apontando desafios

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Graciela Rodrigues
Helenise Sangoi Antunes
.
Com o propósito de fazer algumas reflexões acerca desta etapa de escolarização, consider
ada uma das mais significativas dentro do processo de ensino aprendizagem, este
trabalho abordará algumas questões referentes ao processo de alfabetização de alunos sur
dos. A partir de uma análise na qual a Língua de Sinais-LS é apontada como um dos cami
nhos que tem sido reveladores de uma prática pedagógica que leva em consideração as dive
rsidades destes educandos, alguns desafios configuram-se no trabalho docente e q
ue somente um educador comprometido com as mudanças e consciente que educação é um direi
to de todos, conseguirá efetivar um trabalho reflexivo com a realidade.
Palavras-chave: surdos, alfabetização, Língua de Sinais.

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No decorrer dos anos diferentes visões a cerca da pessoa surda foram surgindo, ass
im como metodologias de trabalho. Durante muito tempo via-se a surdez como patolo
gia e, portanto a pessoa surda era excluída do grupo social por ser considerada um
doente. Todos os esforços eram no sentido de curá-la para que pudesse tornar-se o mais
uniforme possível dos ouvintes, inclusive no setor educacional este era um dos pr
incipais objetivos da educação: normalizar o surdo.
E é justamente na escolarização dos surdos que se apresentam alguns obstáculos, e um des
tes obstáculos considero que seja o processo de alfabetização de crianças surdas, que é so
bre o qual irei fazer algumas considerações e apresentar alguns desafios que se conf
iguram neste processo. Embora se reconheça hoje que a pessoa surda tem uma linguag
em diferenciada e que se utiliza da mesma para poder comunicar-se, várias barreira
s apresentam-se, como por exemplo o desconhecimento da LIBRAS (Língua Brasileira d
e Sinais). Contudo, este é um dos caminhos necessários para um efetivo trabalho peda
gógico de alfabetização dos alunos surdos, por resultar em um aprendizado mais signifi
cativo para ele, uma vez que está respeitando sua linguagem própria que é a Língua de Si
nais-LS.
A busca por uma alfabetização de qualidade requer dos educadores uma constante elabo
ração e reelaboração de suas práticas, além da procura por caminhos que oportunizem a esses
alunos com necessidades educativas especiais a viverem em um ambiente mais solidár
io e cidadão, com direito a uma educação que satisfaça suas necessidades tanto cognitiva
s quanto afetivas. A respeito de necessidades educativas especiais é fundamental não
desconsiderar sua interdependência com as demais necessidades humanas, como aquela
s citadas por Maslow .(Mazzotta 1981p.35). Sendo assim, necessidades fisiológicas, d
e segurança, de participação social, de estima ou reconhecimento e auto-realização estão in
ricadas nas necessidades educacionais comuns e especiais cuja realização inclui a at
uação competente das escolas.
Investigar o processo de alfabetização de crianças surdas torna-se relevante na medida
em que esta etapa de escolarização incorpora neste indivíduo uma série de novas relações e
habilidades, como é o caso da aquisição da palavra escrita e da leitura que é oportuniza
da por meio do contato deste indivíduo com o mundo das letras. Além disso, esta etap
a da aprendizagem é um momento de inicialização de caminhos a serem percorridos pela c
riança e que refletirão em sua vida pessoal, social, psicológica e educacional.
É oportuno considerar que desde seu nascimento a criança encontra-se imersa em relações
socias, sendo a família o primeiro grupo social base a estabelecer vínculos com a me
sma. Dentro deste grupo de relações a linguagem é o instrumento com o qual se torna po
ssível o estabelecimento e a imersão da criança no mesmo. De acordo com Góes:
o modo e as possibilidades dessa imersão são cruciais na surdez, considerando-se que
é restrito ou impossível, conforme o caso, o acesso a formas de linguagem que depen
dam de recursos de audição. Sobretudo nas situações de surdez congênita ou precoce, em que
há problemas de linguagem falada, a incorporação da língua de sinais mostra-se necessária
para que sejam configuradas condições mais propícias à expansão das relações interpessoais
1996 p.38).
A língua de sinais apresenta-se como o elemento indispensável nas relações sociais no qu
al a criança está inserida e também em sua escolarização, pois será o meio de linguagem da
riança surda entre si e com as demais pessoas, sendo também importante no trabalho d
e alfabetização. Tendo em vista que a LS é significativa no processo de alfabetização dess
es alunos, infelizmente nossas escolas, ainda encontram-se despreparadas no sent
ido de um ambiente adequado, pois necessitam, primeiramente, conhecer a LS, cont
ar com a presença de um instrutor surdo que servirá além de modelo de identidade surda
também irá realizar a correspondência, do que está sendo ensinado, em Língua de Sinais à c
iança.
É possível confirmar, segundo Bueno que uma das características mais relevantes no pro
cesso de alfabetização de surdos é a seguinte:
O ensino da leitura e escrita para deficientes auditivos esbarrou sempre nos pro
blemas relacionados com sua dificuldade de comunicação em geral. Como a escrita foi
sempre ensinada às crianças ouvintes em correspondência com a linguagem oral, este tam
bém foi o caminho seguido pelos educadores de crianças surdas.(1982 p.38).
Confirma-se que o objetivo principal dentro do contexto de alfabetização é a aprendiza
gem e a compreensão da escrita e da leitura, porém alfabetizar implica compreender,
também, todos esses fatores: físicos, cognitivos e os sociais. Quando a criança chega à
escola, já possui muitos conhecimentos acerca da escrita e da leitura, porém passa a
utilizar esses conhecimentos num contexto diferenciado daquele natural e cotidi
ano, com o qual está familiarizada, ou seja, depara-se com uma linguagem nova, for
mal e padronizada, a fim de que possa escrever e compreender textos escritos (de
scontextualizar). Buscando exemplificar é oportuno as seguintes questões: como ocorr
e essa troca de contextos com o aluno surdo? Será que podemos fazer alguma comparação
com o aluno ouvinte?
Ao entrar na escola a criança ouvinte traz consigo uma bagagem lexical e as estrut
uras lingüísticas quase todas estruturadas ao passo que o surdo, devido a sua condição p
oderá tardar a sua aquisição. Mas, isto não quer dizer que se encontra menos capacitado
que o ouvinte ou em desvantagem e, é exatamente neste aspecto que reside um grande
desafio na alfabetização desses alunos que é a aquisição da leitura e da escrita em seu s
entido mais amplo e complexo.
Os conhecimentos lingüísticos das crianças surdas podem apresentar sérias deficiências no
que se refere ao domínio de suas estruturas, sobretudo na produção escrita, caso não sej
am mediados adequadamente. De acordo com Fernandes essas deficiências podem ser de
monstradas por:
Dificuldades como léxico, falta de consciência de processos de formação de palavras, des
conhecimento da contração de preposição com o artigo, uso inadequado das preposições, omiss
de conetivos em geral e de verbos de ligação, troca do verbo ser por estar, uso inde
vido dos verbos estar e ter, colocação inadequada do advérbio na frase, falta de domínio
e uso restrito de outras estruturas de subordinação. (1990 p.34).
Porém, pesquisas nesta área afirmam que alguns familiares de alunos surdos em fase d
e alfabetização percebem que o uso dos sinais para eles pode ativar a sua competência
lingüística, facilitando a aprendizagem do Português na modalidade escrita, principalm
ente por aumentar a compreensão.
Vygotsky (1996) em seus estudos relaciona a apropriação da linguagem escrita com o a
madurecimento da representação simbólica; para ler e escrever, as crianças não necessitam
restringir-se aspecto sensorial da fala e do significado das palavras, trabalhar
com o símbolo que é fundamental.
A Língua de Sinais pode, nesse sentido, viabilizar a interação entre os sujeitos, de m
odo a favorecer um contexto propício para a aquisição da linguagem escrita pelo surdo.
As atividades lúdicas podem, também, intermediar o processo de aprendizagem, pois p
ermitem à criança a apropriação de códigos culturais compartilhados por ela e pelo grupo d
ando sentido ao que está aprendendo. Além disso, o aluno surdo descobre-se como um s
er autônomo e responsável, capaz de produzir seu próprio conhecimento em reciprocidade
com seu grupo de sala de aula, seja de ouvintes ou de surdos.
No processo de alfabetização, o despertar para a escrita e a maneira como concretiza
r isso são fatores que devem ser levados em consideração pelo professor, a partir do i
nteresse da criança pelo o que está sendo proposto. Nesse sentido, Battistel salient
a, a importância de se planejar seu ensino de modo que este se torne necessário e ten
ha significado para a criança, que seja incorporado a uma atividade necessária e rel
evante à vida. Que não se desenvolva como uma simples habilidade de mãos e dedos, mas
como uma atividade cultural complexa .(1994, p.53). Sendo assim, não pode ocorrer ap
rendizagem se esta não se encontrar contextualizada com o ambiente sócio-cultural e
nas relações com os demais, pois aprendemos na troca, nas experiências socializadas co
m as pessoas com as quais convivemos.
Em relação ao aluno usuário da LS, torna-se necessário considerar que essa língua irá ser a
mediação entre ele e seus pares, contribuindo para o processo de construção do conhecime
nto, que não ocorre afastado da utilização da linguagem seja ela de sinais ou não. Pode-
se constatar na realidade atual, que a Língua de Sinais vem tomando espaço na sala d
e aula caracterizando-se, portanto como fundamental no contexto escolar. Alunos
e professores demonstram estarem empenhados a contribuir para que se solidifique
e oportunize um contexto lingüístico favorável a uma educação comprometida e de qualidade
aos educandos. É preciso ressaltar ainda, que para a concretização deste ambiente é de
fundamental importância a presença do instrutor surdo no ambiente escolar.
Valorizar os conhecimentos prévios dos alunos na etapa de alfabetização torna-se compo
nente imprescindível, porque cada criança traz consigo diferentes vivências e que na m
aioria das vezes é na escola, principalmente na sala de aula, que se manifestam os
valores oriundos de sua situação sócio-cultural. Realizar um diagnóstico a fim de conhe
cer os saberes que nossos alunos trazem consigo antes de iniciar o processo de a
lfabetização é um aspecto básico, conforme aponta Ferreiro & Teberosky (1979). Neste tra
balho, as autoras afirmam que as crianças não chegam à escola vazias, sem saber nada s
obre a língua. De acordo com a teoria, toda criança passa por quatro fases até que sej
a alfabetizada:
- Pré-silábica: não consegue relacionar as letras com sons da língua falada;
- Silábica: interpreta a letra à sua maneira, atribuindo valor de sílaba a cada letra;
- Silábico-alfabética: mistura a lógica da fase anterior com a identificação de algumas síl
bas;
- Alfabética: domina, enfim, o valor das letras e sílabas.
Respeitar o nível de desenvolvimento e a maneira pela qual a criança adquira o conhe
cimento a respeito da leitura e escrita é importante para que o professor saiba co
mo agir em sua prática. Cabe a este educador organizar atividades que contribuam a
reflexão da criança sobre a escrita, pois é atribuindo sentido e significados ao está f
azendo é que ela aprende. Quanto ao respeito à diversidade dos alunos, no que se ref
ere a alunos surdos, é oportuno destacar algumas considerações de Góes:
A deficiência não torna a criança um ser que tem possibilidades a menos; ela tem possi
bilidades diferentes. A deficiência não deve ser concebida como falta ou fraqueza, já
que o indivíduo pode encontrar, a partir das relações sociais, outras formas de desenv
olvimento com base em recursos distintos daqueles tipicamente acessíveis na cultur
a.(1996 p.35).
A ênfase encontra-se em trabalhar com as competências, com o que a criança é capaz de no
s proporcionar e não se restringir a um trabalho que está voltado somente às falhas e
erros das crianças. Por outro lado, não apontar os erros pode torna-se um processo pas
sivo em que o educador está cumprindo um papel de espectador e não de desafiador dos
progressos das crianças, respeitando-as e encorajando-as a progredirem em seus es
tágios de maturação.
No processo de ensino da leitura e escrita ao surdo, é fundamental que a LS, como
primeira língua dos surdos, favoreça as estruturas cognitivas que o ato de ler e esc
rever demandam. Da mesma maneira, quanto mais precoce for o aprendizado da LS, m
aior será sua contribuição no momento da escrita e, em seguida, essa escrita dará ferram
entas indispensáveis para o enriquecimento do léxico em LS. Sacks ressalta que:
A língua de sinais deve ser introduzida e adquirida o mais cedo possível, senão seu de
senvolvimento pode ser permanentemente retardado e prejudicado, com todos os pro
blemas ligados à capacidade de proposicionar [...] no caso dos profundamente surdos,
isso só pode ser feito por meio da língua de sinais. Portanto, a surdez deve ser di
agnosticada o mais cedo possível. As crianças surdas precisam ser postas em contato
primeiro com pessoas fluentes na língua de sinais, sejam seus pais, professores ou
outros. Assim que a comunicação por sinais for aprendida, e ela pode ser fluente ao
s três anos de idade, tudo então pode decorrer: livre intercurso de pensamento, livr
e fluxo de informações, aprendizado da leitura e escrita e, talvez, da fala. Não há indíci
os de que o uso de uma língua de sinais iniba a aquisição da fala. De fato, provavelme
nte, ocorre o inverso. (1998 p. 44):
Dessa forma percebe-se que a instauração de um trabalho eficiente de alfabetização deman
da o reconhecimento de que a língua de sinais é importante e imprescindível por possib
ilitar o domínio lingüístico e a capacidade de expressar-se de forma plena e segura; e
a aprendizagem da leitura ou escrita em Português possibilitará a comunicação com o mei
o. Nesta perspectiva, a escrita representa o direito de exercer cidadania, através
da participação da vida política, social e econômica do lugar em que vive. É importante d
estacar o papel da família no processo evolutivo da criança, devendo proporcionar um
ambiente de afeto, apoio e aceitação de seu filho, somente assim ele poderá desenvolv
er-se de maneira a ter uma vida ativa, exercendo seus direitos enquanto cidadão.
Diante deste enfoque, precisamos refletir sobre as práticas pedagógicas que estão send
o utilizadas, tendo em vista conhecermos diferentes estudos e enfoques que tem p
ermeado as discussões sobre a alfabetização de surdos, no Brasil e no mundo. Considera
ndo que a educação de qualidade para todo e qualquer indivíduo é um direito, cuja respon
sabilidade para sua efetivação real cabe a cada um de nós, a LS assume o caminho princ
ipal para a efetivação de uma educação de qualidade a esses alunos.
Acrescento que um dos fatores essenciais do desenvolvimento humano a nível social
reside na tolerância e respeito à heterogeneidade das pessoas, que transferindo para
a sala de aula, são as trocas interpessoais que irão favorecer a criança surda enquan
to cidadã o processo de desenvolvimento de relações socias.
A escola, enquanto instituição formal de ensino aprendizagem, deverá considerar o dese
nvolvimento das crianças surdas como um processo social, assim como suas experiência
s de linguagem concebidas como instâncias de significação e de mediação em suas relações cu
rais, nas trocas com o outro. Além disso, a LS dentro do processo de alfabetização con
figura-se como instrumento mediador e cultural neste ato educativo. Referindo-me
as questões metodológicas na alfabetização de surdos, é peculiar que o educador tenha uma
nova postura de trabalho, ou seja, que esteja inserido dentro de um contexto at
ual de educação e que busque o aprimoramento de seus conhecimentos em Educação Especial.

Concluo que os desafios dentro do processo de alfabetização de crianças surdas são compl
exos, mas que gradualmente podem ser superados, desde que não estejamos arraigados
a uma concepção de surdo como um deficiente na esfera lingüístico-comunicativa ou então d
e construção de uma identidade social, pois assim nosso trabalho pedagógico não se torna
rá diferenciado, uma vez que estará impregnado por estes fatores. Devemos conceber q
ue não são nossos traços ou características deficitárias que nos tornam diferentes, mas si
m o processo de construção de identidade de cada um de nós.

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Referências Bibliográficas
BATTISTEL, A.L. O processo de aquisição da linguagem escrita em uma tenra idade. San
ta Maria: UFSM, 1994. Dissertação (Mestrado em Educação), 1994.
BUENO, J. G. Alfabetização do deficiente auditivo: estudo sobre a aplicação de abordagem
analítica. São Paulo: PUCSP, 1982. Dissertação (Mestrado em Ciências), 1982.
FERNANDES, E. Problemas lingüísticos e cognitivos do surdo. Rio de Janeiro: Agir, 19
90.
FERREIRA, E. TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Ed. Artmed,
1979.
GÓES, M. C. R. Linguagem, surdez e educação. Campinas: Autores Associados, 1996.
MAZZOTA, M. J. A educação do deficiente auditivo: escola-família-comunidade. São Paulo:
SE/CENP, 1981.
SACKS, O. Vendo vozes: Uma jornada pelo mundo dos surdos. Rio de Janeiro: Imago,
1998.
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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