Relampago 38 Ismar Tirelli Neto
Relampago 38 Ismar Tirelli Neto
Relampago 38 Ismar Tirelli Neto
Desistfilm
LEIO EM algum lugar que o Léo Ferré escreveu “Avec Les Temps”
em duas horas.
O que vejo é cinema, não tal & qual. O que vejo, sabe-se,
isto é que é pior, SABE-SE, o governo – incompetente, etnocida,
imperdoavelmente ambíguo com relação às únicas pautas que
importam de fato: direitos humanitários, a criação e a
manutenção a qualquer preço de condições primárias a todos os
seus sujeitos e a salvaguarda das minorias –, o governo deposto
por coisa indizivelmente pior. Dá-se como num filme, governa-
do pelos mesmos pressupostos hipnóticos, e é real. Dá-nos a ver,
é explícito, substancial, e na mesma assentada oculta tudo, uma
espécie de antimanifestação. E as notas, o regime de desbarato
em que foram escritas e também coligidas e “depuradas”, par-
ticipam igualmente desta desconexão fundante, esta impotência
– “tudo começa na alienação”, diz o Morin em alguma parte de
“O Cinema, ou o Homem Imaginário” – que é, talvez, a cláusu-
la maior do contrato cinematográfico.
Senta Berger!
Torceduras.
Exigências do cinema plasmadas à vida real.
O mais vago sentido.
Ao lado, meu avô.
Começa agora o nosso “longo adeus”.
Ainda não sei que estou indo.
Naquele momento, no entanto, eu me tornava para ele
irrecuperável.
Assim como meu avô é agora, para mim, irrecuperável.
Esta foi minha infância, ou melhor, seu momento mais
decisivo.
Houve isto de idílico, enfim.
A imensa felicidade em falar com o avô dos filmes antigos
que ele gosta de ver na tevê, de noite.
Mas há algo de errado.
Isto é claro.
Não se trata apenas da anedótica defasagem temporal.
Não se trata apenas de dois excêntricos simpáticos, um
muito novo, um muito velho.
Não se trata apenas de uma aliança forjada na irrealidade.
Coloco-me em público.
Tenho onze anos de idade, sei um bocado sobre filmes
antigos.
Como toda criança, sou cabotino e irrefreado.