Os Fenomenos Psicossomaticos
Os Fenomenos Psicossomaticos
Os Fenomenos Psicossomaticos
INTRODUÇÃO
1
Psicóloga, mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Social da UFPA.
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Psicóloga, Psicanalista e Professora Do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia Clínica e Social da Universidade Federal do Pará.
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Psicóloga, membro do Grupo de Pesquisa O Sintoma do Corpo desenvolvido na Clínica de Psicologia da
Universidade Federal do Pará (UFPA) e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e
Social (UFPA).
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Psicóloga, membro do Grupo de Pesquisa O Sintoma do Corpo desenvolvido na Clínica de Psicologia da
Universidade Federal do Pará (UFPA) e Pesquisadora do Laboratório de Psicanálise e Psicopatologia
Fundamental da UFPA.
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No ano passado, em 5 de dezembro de 2007 foi publicada a seguinte matéria na revista Veja (n. 48, ano 40,
edição 2037): “Emoções e Saúde” referindo aos fenômenos psicossomáticos.
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dos Transtornos Mentais (DSM IV/ 1995) são descritos diferentes tipos de transtornos
psicossomáticos. Nestas referências, é possível encontrar um verdadeiro catálogo dessas
doenças. Entre elas destacam-se: a síndrome do intestino irritável, a fibromialgia, a fadiga
crônica, o lúpus, a hipertensão, a dermatite, entre outras. A constatação é que, apesar do
catálogo criado pela medicina para identificar essas doenças, fica ainda uma lacuna a
preencher no sentido de sua etiologia, pois esta foge à competência da medicina devido à
ausência de causas orgânicas. O que se observa são tratamentos voltados, não para a doença
em si, mas para o quê supostamente está causando a doença; o resultado: são receitados
anisolíticos que acabam por calar o sujeito.
De fato, é provável que esses “doentes queixosos” demorem a retornar ao médico com
as mesmas queixas, mas fica a pergunta: Até que ponto isso contribui para a melhora do
sujeito? Como se vê, ao receitar tais medicamentos, a medicina, de certa forma, contribui para
a alienação deste sujeito na medida em que, anestesiado pela medicação, acomoda-se e não se
implica com seu conflito neurótico. Ao ficar preso no significante “sou doente”, o sujeito não
vê outras possibilidades de significar a sua doença, ficando preso num discurso vazio, onde
sua fala se dirige apenas ao órgão lesado ou à doença. É como esta não dissesse nada sobre si,
como se estivesse fora desse sujeito, fosse estranha a ele mesmo.
É preciso ressaltar que qualquer pessoa pode ser afetada por uma doença ou resposta
psicossomática. O que pretendemos enfocar são os casos de cronicidade e persistência da
doença, a ponto desta servir como uma defesa para o sujeito. A psicanálise, diferentemente da
medicina, vem propor uma outra forma de conceber o “psicossomático”6, ao ir além dos sinais
físicos da doença. Para a psicanálise, especialmente para o psicanalista francês Paul-Laurent
Assoun (1997), o sujeito que sofre constantemente de “surtos” do tipo psicossomático,
encontra na doença um substituto para sua própria neurose. Por esta razão, apontaremos aos
fenômenos e não aos sintomas psicossomáticos, pois falar de um sintoma, em psicanálise,
significa apontar para uma neurose, para um sintoma neurótico, resultado de um trabalho do
psiquismo; o que não acontece nos fenômenos psicossomáticos. Como a expressão já diz, é
um fenômeno que surge no corpo do sujeito “sem quê nem porquê”, sem uma causa
justificada.
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A expressão é colocada em aspas, pois não se trata de uma estrutura psíquica e sim de um “modo de ser do
sujeito”.
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Doravante utilizaremos esta sigla para nos referirmos ao fenômeno psicossomático.
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se o sujeito substituísse sua neurose por um FPS, “fugindo” do seu fantasma 10, do seu próprio
desejo.
Ao mesmo tempo, a afecção somática surge como se fosse um “despertador”, um
chamado para a cadeia de significantes que está parada, gelificada, carente de simbolização.
Seria a chamada para a eclosão de um sintoma neurótico. Do mesmo modo que o delírio seria
uma forma de reconstituição do Eu, as afecções somáticas também seriam uma forma de aviso
dirigido ao sujeito, ao sinalizar (através da lesão) que este deve deixar a neurose entrar. É o
verdadeiro encontro entre as pulsões de vida e de morte. Enquanto a pulsão de morte lança o
sujeito para a morte, destruindo os órgãos e causando prejuízo ao sujeito; a pulsão de vida,
através de uma castração pelo real, convida o sujeito a voltar a sua condição. Enquanto o
“neurótico assumido” se utiliza do seu sintoma em nome de uma formação de compromisso, o
“psicossomático” se utiliza de sua doença para “fugir” deste compromisso, na medida em que
assumir este compromisso requer submeter-se às leis do inconsciente e “assumir” sua neurose.
10
Sinônimo de fantasia em Freud, é representado pela matema lacaniano $ ◊ a (lê-se: S barrado punção de a).
Indica a relação particular do sujeito do inconsciente barrado e dividido por sua entrada no universo simbólico.
O fantasma aponta para a neurose do sujeito (CHEMAMA &VANDERMERSCH, 2007).
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Refere-se ao gozo permitido pela lei simbólica, norteado pelo falo, pelo recalcamento, é o gozo parcialmente
satisfeito.
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Diferentemente do Gozo Fálico, é o gozo mítico, não barrado.
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simbolizada, que aliena o sujeito em meio a esse gozo mortífero, que mata o sujeito do desejo
e pode matar também o organismo13.
Ao fugir da lei simbólica, o “psicossomático” paga o preço com sua própria carne. Se
não foi barrado pelo simbólico, é castrado no real do seu corpo. Esta castração, entretanto, é
mais dura, pois se continuar a gozar do corpo, este gozo pode ser mortífero na medida em que
destrói os órgãos e machuca a matéria. Este gozo que chega a causar dor no sujeito está
associado à pulsão de morte. O sujeito é falado por este Gozo do Outro, sem impedimento,
que está para além do princípio do prazer. Todo esse sofrimento na carne para ele é mais
vantajoso do que sofrer da alma. E tudo isso quando ele tem uma outra saída. Só que essa
saída requer assumir que se é um ser faltante, desejante.
O Gozo do Outro impõe ao corpo do “psicossomático” um dever: o de gozar. Este
corpo é complacente ao gozo, pois se coloca à disposição deste gozo mórbido, excessivo,
tóxico, sobre o corpo ou órgão do corpo. A complacência somática14 fornece ao sujeito uma
saída no corporal, já que não encontra outros meios de realizá-lo. A economia do gozo no
corpo se dá pela escrita, por um nome próprio feito não pela metáfora paterna (Nome-do-pai),
mas sim pelo gozo, verdadeiro Nome próprio. É o que Lacan (1975), na Conferência de
Genebra, considerou um Nome próprio, “como um número”, uma vez que para ele o corpo do
“psicossomático” escreve alguma coisa da ordem do número.
Para Sérgio Becker (2003) o “psicossomático” carrega em seu corpo o gozo do Outro
que não cessa em gozar. Esse gozo desaba sobre o corpo do sujeito que se manifesta sem
pedir permissão. Salienta que o Nome próprio é de propriedade do Outro, sendo que na
afecção este Nome próprio é tido como coisa, que “patrocina” a doença. O gozo do Outro
atingiu a Letra do Nome, tornando-se prejudicial. Como podemos observar na afirmação:
Este gozo não barrado, por sua vez, remete à nossa fase mais primitiva, onde ainda não
existe lei, que é o estado de narcisismo, ou mais precisamente antes, ao estágio de auto-
13
Veja o caso das doenças auto-imunes, como o Lúpus, por exemplo, em que a doença ataca os órgãos do doente
de tal maneira que o leva a morte.
14
Por “complacência somática”, Freud (1905), ao estudar os sintomas histéricos, definiu o termo como uma
parte tomada pelo corpo da histérica para designar um significante. Na atualidade, o termo é usado também para
remeter a um real do corpo além do significante.
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erotismo. Seria os FPS um retorno a esse estágio? Respondemos a esta pergunta recorrendo o
pensamento de Assun (1997) quando afirma que as lesões psicossomáticas podem ser vistas
como uma forma regressiva de transformação de uma realidade. Regressiva porque é um
retorno a esse estágio de auto-erotismo. Ao mesma tempo, é transformação da realidade na
medida em que há um desvio do principio da realidade e a volta do princípio do prazer. No
momento em que ocorre esse desvio da realidade ele ativa uma espécie de “paródia do prazer
sexual”. Este auto-erotismo é posto em ação. O “psicossomático” se permite a uma verdadeira
passagem ao ato na ação erótica, na qual o corpo real é o teatro em que se desenrola esta ação.
O corpo sofre de uma paixão que se põe em ato.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSOUN, Paul-Laurent. Corp set Symptôme – Tome 1: Clinique du corps. Paris: Econmica
Ed, 1997.
BECKER, S. O Fenômeno psicossomático além das estruturas. In: Pulsão e Gozo. Letra
Freudiana, ano XI, nº 10/11/12, Rio de Janeiro, 2003.
FREUD, S. (1905). Minhas teses sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses. In:
ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
________ (1915). Pulsão e Destinos da Pulsão. In: Obras Psicológicas de Sigmund Freud
Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente. Tradução Luiz Alberto Hanns. Rio de Janeiro:
Imago 2004. Vol. I,
________ (1926). Inibições, Sintomas e Ansiedade. In: ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
GUIR, Jean. A Psicossomática na Clínica Lacaniana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1988.