Intrometafisica
Intrometafisica
Intrometafisica
Filosofia
J u i .ián M ar ías
Prólogo clc
X a v ie r Z u m u i
Epílogo de
J osé O rt e c ía y ( ía ssi i
Tradução
C lau dia Bi-ri inkr
Revisão técnica
F r a n k l i n L e o p o l d o i S iiv a
Martins Fontes
São Paulo 2004
Esta obra fo i publicada originalmente em espanhol com o título
H IST O R IA D E LA F IL O S O F IA por Alian:a Editorial, Madri.
Copyright © Julián Marías, 1941.
Copyright © 2004, Livraria Martins Fontes Editora Ltda..
São Paulo, para a presente edição.
I a edição
junho de 2004
Tradução
CLA U D IA B E R LIN E R
Revisão técnica
Franklin Leopoldo e Silva
Acompanhamento editorial
Luzia Aparecida dos Santos
Revisões gráficas
Renato da Rocha Carlos
Sandra Garcia Cortes
Dinarte Zorzanelli da Silva
Produção gráfica
Geraldo Alves
PaginaçãolFotolitos
Studio 5 Desenvolvimento Editorial
04-3080_________________________________________________ CDD-109
índices para catálogo sistemático:
1. Filosofia : História 109
/. Os sofistas 39
A analogia do ente 73
IV A r is t ó t e l e s 65 V. O id e a l d o sAbio 95
Vida 65
l. Os moralistas socráticos 98
Obras 67
a) Os cínicos 98
/. Os graus do saber 68 b) Os cirenaicos 99
XVII
H i s t ó r ia d a f i l o s o f i a
Mas tudo isso são apenas as raízes remotas de seu livro. Resta o livro
em si; multidão de idéias, a exposição de quase todos os pensadores e tam
bém dc algumas épocas são obra pessoal sua. Ao publicá-lo, estou certo de
í/nc põe em mãos dos recém-ingressados numa Faculdade de Filosofia um
instrumento de trabalho de considerável precisão, que lhes poupará pesqui
sas difíceis, lhes evitará passos perdidos no vazio e, sobretudo, fará com
que se ponham a andar pelo caminho da filosofia. Coisa que para muitos
parecerá ociosa, sobretudo quando, ainda por cima, se dirige o olhar para
0 passado: uma história..., agora que o presente urge, e uma história da fi
losofia..., de uma suposta ciência, cujo resultado mais evidente é a discor
dância radical no tocante a seu próprio objeto!
if: 5<í
XVIII
Pr ó l o g o à p r i m e ir a e d i ç ã o
X IX
H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
itit,(lo. ns intelectuais de. então voltarão à raiz de onde partiram, tal como
lio/c iclrocedemos para a raiz de onde partimos. E isto é a história: uma si-
liujçüo que implica outra passada como algo real que possibilita nossa pró-
/>/ ia situação.
Ocupar-se. da história daJilosofia não é, pois, simples curiosidade,
(■o próprio movimento a que se vê submetida a inteligência quando em-
preende precisamente a ingente tarefa de pôr-se em marcha desde sua
raiz ultima. Por isso a história da filosofia não é extrínseca à própria f i
losofia, como poderia ser a história da mecânica em relação à mecânica.
A filosofia não é sua história; mas a história da filosofia é filosofia; por
que a entrada da inteligência em si mesma na situação concreta e radi
cal em que se encontra instalada é a origem e a colocação em marcha
da filosofia. O problema da filosofia não é outro senão o próprio pro
blema da inteligência. Com essa afirmação, que no fundo remonta ao
velho Parmênides, começou a existir a filosofia na terra. E por isso Pla
tão nos dizia que a filosofia é um silencioso diálogo da alma consigo
mesma em torno do ser.
Contudo, dificilmente o cientista comum conseguirá livrar-se da
idéia de que a filosofia, se não em toda sua amplitude, pelo menos na
medida em que envolve um saber sobre as coisas, se perde nos abismos
de uma discórdia que dissolve sua própria essência.
É inegável que no curso de sua história a filosofia entendeu de
modos muito diversos sua própria definição como um saber sobre as
coisas. E a primeira atitude do filósofo deve consistir em não se deixar
levar por duas tendências antagônicas que surgem espontaneamente
num espírito principiante: a de tender para o ceticismo ou a de deci
dir aderir polemicamente a uma fórmula, preferindo-a a outras, ten
tando até mesmo forjar uma nova. Deixemos essas atitudes para ou
tros. Percorrendo essa rica listagem de definições, é inevitável que se
lamos invadidos pela impressão de que algo muito grave pulsa sob essa
diversidade. Se forem realmente tão distintas as concepções da filoso
fia enquanto saber teorético, fica claro que essa diversidade significa
precisamente que não só o conteúdo de suas soluções, mas a própria
idéia de filosofia continua sendo problemática. A diversidade de defi-
ni(Ocs atualiza em nossa mente o próprio problema da filosofia,
XX
Prólogo à p r i m e ir a e d i ç á o
XXI
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
iIn o t a/ninho seguro de uma ciência, constituindo-se antes num simples ta
le, u. I: diferentemente do que acontece precisamente na lógica, na mate-
nuitn a, na física etc., a metafísica “não teve até agora um destino tãofavo-
Kivel que lhe permitisse encetar o caminho seguro da ciência, apesar de ser
mais antiga que todas as demais”.
Faz um quarto de século que Husserl publicou um vibrante estudo na
revista Logos, intitulado “A filosofia como ciência estrita e rigorosa”. Nele,
depois de mostrar que seria um contra-senso discuti?', por exemplo, um
problema de física ou de matemática fazendo entrar em jogo os pontos de
vista de seu autor, suas opiniões, suas preferências ou seu entendimento do
mundo e da vida, defende vigorosamente a necessidade de também fazer
da filosojia uma ciência de evidências apodícticas e absoluta. Em última
instância, nada mais faz senão referir-se à obra de Descartes.
Descartes, com grande cautela, mas no fundo afirmando o mesmo,
começa seus Princípios de filosofia com as seguintes palavras: “Como nas
cemos em. estado de infância e emitimos muitos juízos a respeito das coisas
sensíveis antes de possuir o uso íntegro de nossa razão, somos desviados,
por muitos preconceitos, do conhecimento da verdade e acreditamos não
ser possível livrar-se deles a não ser tentando pôr em dúvida, pelo menos
uma vez na vida, tudo aquilo em que encontremos o menor indício de in
certeza. ”
Desta exposição da questão deduzem-se algumas observações im
portantes.
Ia Descartes, Kant, Husserl comparam a filosofia e as demais ciências
do ponto de vista do tipo de conhecimento que proporcionam: possui ou
não possui a filosofia um tipo de evidência apodíctica comparável ao da
matemática ou ao da física teórica?
2a Essa comparação incide depois sobre o método que conduz a tais
evidências: possui ou não a filosofia um método que conduza com seguran
ça, por necessidade interna e não só por acaso, a evidências análogas às
que obtêm as demais ciências?
3a Isso conduz finalmente a um critério: na medida em que afiloso-
/i</ não possui esse tipo de conhecimento e esse método seguro das demais
i iencias, seu defeito se transforma numa objeção ao caráter científico da fi
losofia.
XXII
Pr ó l o g o à p r im e ir a e d i ç ã o
XXIII
H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
XXIV
PRÓLO G O à p r i m e ir a EIMÇÂO
numa nova dimensão que torne, não transparente, mas visível essa outra
dimensão sua. O ato com que o objeto da filosofia se toma patente não é
urna apreensão, nem uma intuição, mas uma reflexão. Uma reflexão que
não descobre, portanto, um novo objeto, seja ele qual for. Não é um ato que
enriqueça nosso conhecimento sobre o que as coisas são. Não se deve espe
rar da filosofia que nos conte, por exemplo, a respeito de forças físicas, or
ganismos ou triângulos, algo que seja inacessível para a matemática, a físi
ca ou a biologia. Enriquece-nos meramente por nos conduzir a outro tipo
de consideração.
Para evitar equívocos, convém observar que a palavra reflexão é em
pregada aqui em seu sentido mais inocente e vulgar: um ato ou uma série
de atos que de uma forma ou outra retornam para o objeto de um ato an
terior através deste. Reflexão não signijica aqui simplesmente um ato de
meditação, nem um ato de introspecção, como quando sefala de consciên
cia reflexa por oposição à consciência direta. A reflexão em questão consis
te numa série de atos por meio dos quais se coloca numa nova perspectiva
todo o mundo de nossa vida, incluindo os objetos e todos os conhecimentos
científicos que tenhamos adquirido sobre eles.
Obse?ye-se em segundo lugar que ofato de a reflexão e o que ela nos
revela serem irredutíveis à atitude natural e ao que ela nos revela não sig
nifica que espontaneamente, num ou noutro grau, numa ou noutra medi
da, ela não seja tão primitiva e ingênita como a atitude natural.
II. Conclui-se, portanto, que essa diferença radical entre ciência efi
losofia não se volta contra esta última como uma objeção. Não significa que
a filosofia não seja um saber estrito, mas que é um saber distinto. Se a ciên
cia é um conhecimento que estuda um objeto que está aí, a filosofia, por
tratar de um objeto que por sua própria índole escapa, um objeto que é
evanescente, será um conhecimento que precisa perseguir seu objeto e
retê-lo ante o olhar humano, conquistá-lo. A filosofia consiste apenas na
constituição ativa de seu próprio objeto, na colocação em funcionamento
da reflexão. O grave erro de Hegel foi no sentido inverso do kantiano. Este,
em última instância, destitui a filosofia de um objeto próprio fazendo com
que ela incida tão-somente sobre nosso modo de conhecimento. Hegel, por
sua vez, substantiva o objeto da filosofia fazendo dele o todo de onde emer
gem dialeticamente e onde se mantêm, também dialeticamente, todos os
demais objetos.
XXV
H is t ó r ia d a f il o s o f i a
* * *
XXVI
PRÓLOGO À PRIMEIRA EDIÇAO
(Jo 17,17). E São João exortava seus fieis a serem "colaboradores da ver
dade” (3jo 8).
Unido neste empenho comum, abraça-o efusivamente seu velho amigo.
X . Z ubiri
XXVII
Reflexão sobre um livro próprio
(Prólogo à tradução inglesa)
XXIX
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
XXX
REFLEXA ó SOBRE UM LIVRO PRÓPRIO
***
XXXI
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
XXXII
REFLEXÃO SOBRE UM LIVRO PRÓPRIO
“a luxúria da mental obscuridade”. Com isso quero dizer que minhas alu
nas pretendiam entender tudo o que eu lhes ensinava, e que era nada menos
que a totalidade da história da filosofia do Ocidente; pediam-me que aclarasse
tudo, justificasse tudo; mostrasse por que cada filósofo pensava o que pen
sava, e por que aquilo era coerente, e se não o era, por quê. Mas isso signi
ficava que eu tinha de entendê-lo, se não previamente, pelo menos durante
a aula. Nunca tive de me esforçar tanto, nem com tantos frutos, como ante
aquele auditório de catorze ou dezesseis moças florescentes, risonhas, às ve
zes zombeteiras, de mente tão fresca quanto a pele, aficionadas por discutir;
com afã de ver claro, inexoráveis. Ninguém, nem sequer meus mestres, me
ensinaram tanta filosofia. A rigor, deveria dividir com elas os direitos auto
rais ou royalties de meus livros.
* * *
XXXIII
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
XXXIV
História da
Filosofia
Introdução
3
H is t o r ia d a f i l o s o f i a
reclamam uma instância superior que decida entre elas. O homem ne
cessita, para saber com rigor a que se ater, de uma certeza radical e uni
versal, a partir da qual possa viver e ordenar numa perspectiva hierár
quica as outras certezas parciais.
A religião, a arte e a filosofia dão ao homem uma convicção total
sobre o sentido da realidade como um todo; mas não sem diferenças
essenciais. A religião é uma certeza recebida pelo homem, dada por
Deus gratuitamente: revelada; o homem não alcança por si mesmo essa
certeza, não a conquista nem é obra sua, muito pelo contrário. A arte
significa também uma certa convicção que o homem tem e desde a qual
interpreta a totalidade de sua vida; mas essa crença, de origem certa
mente humana, não se justifica a si mesma, não pode dar razão de si;
não tem evidência própria, e é, em suma, irresponsável. A filosofia, pelo
contrário, é uma certeza radical universal que é, ademais, autônoma;
isto é, a filosofia se justifica a si mesma, mostra e prova constantemente
sua verdade, nutre-se exclusivamente de evidências; o filósofo está sem
pre renovando as razões de sua certeza (Ortega).
A idéia de filosofia • Convém deter a atenção um instante em
alguns pontos culminantes da história para ver como se articularam
as interpretações da filosofia como um saber e como uma forma de
vida. Em Aristóteles, a filosofia é uma ciência rigorosa, a sabedoria ou
saber por excelência: a ciência das coisas enquanto são. Contudo, ao
falar cios modos de vida inclui entre eles, como forma exemplar, uma
vida teorética que é justamente a vida do filósofo. Depois de Aristóte
les, nas escolas estóicas, epicuristas etc., que pululam na Grécia des
de a morte de Alexandre, e logo em todo o Império Romano, a filoso
fia se esvazia de conteúdo científico e vai se transformando cada vez
mais num modo de vida, o do sábio sereno e imperturbável, que é o
ideal humano da época.
Já no cristianismo, para Santo Agostinho trata-se da contraposi
ção, ainda mais profunda, entre uma vita theoretica e uma vita beata. E
alguns séculos mais tarde, Santo Tomás se moverá entre uma scientia
theologica e uma scientia philosophica; a dualidade passou da esfera da
própria vida para a dos diversos modos de ciência.
Em Descartes, ao começar a época moderna, não se trata mais de
uma ciência ou, pelo menos, simplesmente disso; talvez, de uma ciên
4
INTRODUÇÃO
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H i s t ó r ia d a f i l o s o f i a
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Introdução
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H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
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Filosofia grega
O S PRESSUPOSTOS DA FILOSOFIA GREGA
1. Cf. minha Biografia de Ia filosofia, I. “A filosofia grega desde sua origem até Pla
tão" (Emecé, Buenos Aires, 1954). [Obras, vol. II.1
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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I. OS PRÉ-SOCRÁTICOS
1. A escola de Mileto
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H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
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OS PRÉ-SOCRÁTIC.OS
passa de branca a verde, é e não é branca; se algo que era deixa de ser,
disso resulta que a mesma coisa é e não é. A multiplicidade e a contra
dição penetram no próprio ser das coisas; o grego pergunta, então, o
que são as coisas de verdade, isto é, sempre, por trás de suas muitas apa
rências. Busca, para além da multiplicidade de aspectos das coisas, sua
raiz permanente e imutável, que seja superior a essa multiplicidade e
capaz de explicar a razão dela. Daí o interesse fundamental da pergun
ta inicial da filosofia: o que é de verdade tudo isso, qual é a natureza
ou o princípio de onde emerge tudo? As diversas respostas que vão
sendo dadas a esta pergunta constituem a história da filosofia grega.
A filosofia grega tem uma origem muito concreta e conhecida.
Começa nas costas jônicas, nas cidades helênicas da Ásia Menor, nos
primeiros anos do século VI a.C., talvez no final do VII. Dentro do
mundo grego, a filosofia tem, pois, uma origem excêntrica; foi só tar
diamente, no século V, que a especulação filosófica apareceu na Grécia
propriamente dita. As cidades da costa oriental do Egeu eram as mais
ricas e prósperas da Hélade; nelas deu-se primeiro um florescimento
econômico, técnico e científico, promovido parcialmente pelos conta
tos com outras culturas, sobretudo a egípcia e a iraniana. Foi em Mi-
leto, a mais importante destas cidades, que apareceu pela primeira vez
a filosofia. Um grupo de filósofos, pertencentes a aproximadamente
três gerações sucessivas, homens de grande destaque na vida do país,
tentam dar três respostas à pergunta sobre a natureza. Costuma-se
chamar essa primeira expressão filosófica de escola jônica ou escola de
Mileto, e suas três figuras centrais e representativas são Tales, Anaxi-
mandro e Anaxímenes, cuja atividade ocupa todo o século VI.
Tales de Mileto • Viveu entre o último terço do século VII e
meados do século VI. Os relatos antigos lhe atribuem múltiplas ativi
dades: engenheiro, astrônomo, financista, político; enquanto tal, é
considerado um dos Sete Sábios da Grécia. Talvez de longínqua ori
gem fenícia. É provável que tenha viajado pelo Egito, e atribuem a ele
a introdução na Grécia da geometria egípcia (cálculo de distâncias e
alturas segundo a igualdade e semelhança de triângulos, mas, certa
mente, de modo empírico). Também predisse um eclipse. É, portanto,
uma grande figura de seu tempo.
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
Para o que aqui mais nos interessa, sua filosofia, a fonte princi
pal e de mais valor é Aristóteles, autoridade máxima para as interpre
tações de toda a época pré-socrática. Aristóteles diz que, segundo Ta
les, o princípio (ócpxú) de todas as coisas é a água; ou seja, o estado de
umidade. A razão disto seria que o alimento e a semente dos animais e
das plantas são úmidos. A terra flutua sobre a água. Por outro lado, o
mundo estaria cheio de espíritos ou almas e de muitos demônios; ou,
como diz Aristóteles, “tudo está cheio de deuses”.
A isso se denomina hilozoísmo (animação ou vmficação da ma
téria). Mas o que realmente importa é o fato de Tales, pela primeira
vez na história, se indagar sobre a totalidade de tudo o que existe, não
para se perguntar qual foi a origem mítica do mundo, mas o que na
verdade é a natureza. Entre a teogonia e Tales há um abismo: o mes
mo que separa a filosofia de toda a mentalidade anterior.
Anaximandro • Em meados do século VI foi o sucessor de Tales
na direção da escola de Mileto. De sua vida nada se sabe ao certo. Es
creveu uma obra, que se perdeu, conhecida com o título que poste
riormente se deu à maioria dos escritos pré-socráticos: Da natureza
(rcepi (púaewç). Atribuem-lhe, sem certeza, diversos inventos matemá
ticos e astronômicos e, mais provavelmente, a confecção de um mapa.
À pergunta sobre o princípio das coisas responde dizendo que é o ápei-
ron, tò ÒtKEipov. Esta palavra significa literalmente infinito, não em sen
tido matemático, e sim no de ilimitação ou indeterminação. E con
vém entender isso como grandioso, ilimitado em sua magnificência,
que provoca o assombro. É a maravilhosa totalidade do mundo, em
que o homem se encontra com surpresa. Essa natureza é, ademais,
piincípio: dela surgem todas as coisas: umas chegam a ser, outras deixam
de ser, partindo dessa àp%é, mas ela permanece independente e supe
rior a essas mudanças individuais. As coisas são engendradas por uma
segregação, vão-se separando do conjunto da natureza por um movi
mento semelhante ao de um crivo, primeiro o frio e o quente, e de
pois as outras coisas. Esse engendrar e perecer é uma injustiça, uma
à ô iK Ía , um predomínio injusto de um contrário sobre outro (o quen
te sobre o frio, o úmido sobre o seco etc.). Por causa dessa injusti
ça existe o predomínio das coisas individuais. Mas existe uma ne
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O S PRÉ-SOCRÁTICOS
cessidade que fará as coisas voltarem para esse fundo último, sem in
justiças, o ápeiron, imortal e incorruptível, em que uns contrários não
predominam sobre os outros. A forma com que irá se executar essa ne
cessidade é o tempo. O tempo fará com que as coisas voltem a essa uni
dade, a essa quietude e indeterminação da (púoiç, [physis], de onde saí
ram injustamente.
Anaximandro, além de sua astronomia bastante desenvolvida que
não abordaremos, representa a passagem da simples designação de
uma substância como princípio da natureza para uma idéia desta,
mais aguda e profunda, que já aponta para os traços que irão caracte
rizá-la em toda a filosofia pré-socrática: uma totalidade, princípio de
tudo, imperecível, alheia à mutação e à pluralidade, oposta às coisas.
Veremos estas características aparecer reiteradamente no centro do pro
blema filosófico grego.
Anaxímenes • Discípulo de Anaximandro, também de Mileto, na
segunda metade do século VI. É o último milésio importante. Acres
centa cluas coisas novas à doutrina de seu mestre. Em primeiro lugar,
uma indicação concreta de qual é o princípio da natureza: o ar, que
relaciona com a respiração ou alento. Do ar nascem todas as coisas, e
a ele voltam quando se corrompem. Isso pareceria antes um retorno
ao ponto de vista de Tales, substituindo a água pelo ar; mas Anaxíme
nes agrega uma segunda precisão: o modo concreto de formação das
coisas, partindo do ar, é a condensação e a rarefação. Isso é sumamen
te importante; há não só a designação de uma substância primordial,
mas a explicação de como, a partir dela, se produzem todas as diver
sas coisas. O ar rarefeito é fogo; mais condensado, nuvens, água, ter
ra, rochas, segundo o grau de densidade. À substância primeira, supor
te da variedade cambiante das coisas, acrescenta-se um princípio de
movimento. Nesse momento, o domínio persa na Jônia vai impulsio
nar a filosofia para o Oeste.
2. Os pitagóricos
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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Os PRÉ-SOCRÁTICOS
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O S PRÉ-SOCRÁTICOS
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O s PRÉ-SOÇRATICOS
sim a seu prévio consistir, seja o que for aquilo em que consistem. As
coisas aparecem antes de tudo como consistentes; e é isso propriamen
te o que quer dizer o particípio eón, ón, que é o eixo da filosofia par-
menideana. As coisas consistem nisto ou naquilo porque previamen
te consistem, isto é, consistem em ser o consistente (tò ón). A descober
ta de Parmênides poderia ser formulada, portanto, dizendo que as coi
sas, antes de qualquer ukerior determinação, consistem em consistir.
Com Parmênides, portanto, a filosofia deixa de ser física para ser
ontologia. Uma ontologia do ente cósmico, físico. E ocorre precisamen
te que, como o ente é imóvel, a física é impossível do ponto de vista
do ser e, portanto, da filosofia. A física é a ciência da natureza, e natu
reza é o princípio do movimento das coisas naturais. Se o movimento
não é, não é possível a física como ciência filosófica da natureza. É
este o grave problema que virá a ser debatido por todos os pré-socrá-
ticos posteriores e que não irá encontrar solução suficiente a não ser
em Aristóteles. Se o ente é uno e imóvel, não há natureza, e a física é
impossível. Se o movimento é, necessita-se de uma idéia do ente dis
tinta da de Parmênides. É isso o que Aristóteles consegue, como vere
mos no momento propício. Antes dele, a filosofia grega é o esforço
para tornar possível o movimento dentro da metafísica de Parmêni
des. Esforço fecundo, que move a filosofia e a obriga a indagar sobre
o problema básico. Uma luta de gigantes em torno do ser, para dizê-lo
com uma frase de Platão.
Zenão • É o discípulo mais importante de Parmênides, continua-
dor direto de sua escola. Também de Eléia. Parece ter sido uns quaren
ta anos mais jovem que Parmênides. Sua descoberta mais interessan
te é seu método, a dialética. Esse modo de argumentar consiste em to
mar uma tese aceita pelo adversário ou comumente admitida e mos
trar que suas conseqüências se contradizem entre si ou a contradizem;
em suma, que é impossível, segundo o princípio de contradição, im
plicitamente utilizado por Parmênides.
As teses deste, sobretudo as relacionadas com a unidade do ente
e a possibilidade do movimento, vão contra o que ordinariamente se
pensa. Zenão constrói, para apoiá-las, vários argumentos, que partem
da idéia do movimento e mostram que é impossível. Por exemplo, não
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Os PRÉ-SOCRAT1COS
4. De H eráclito a Demócrito
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a) Heráclito
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Os PRÉ-SOCRATICOS
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b) Empédocles
V id a • Era de Agrigento (Sicília), na Magna Grécia. Ocupava uma
posição preeminente, mas não se contentava em ser rei; queria ser Deus.
Alguns o consideravam um semideus; outros, um charlatão. Percor
ria toda a Sicília e o Peloponeso ensinando e realizando tratamentos e
curas, e muitos o veneravam. Conta uma tradição que, para ter um fim
digno de sua divindade, atirou-se no Etna. Outra tradição diz que foi
levado ao céu, como Elias. É mais provável que tenha morrido no Pe-
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O S PRÉ-SOCRÁT1COS
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H is t ó r i a d a f i l o s o f i a
c) Anaxágoras
Vida • Era de Clazómena (Ásia Menor). Viveu no século V. Era
também de família nobre e destinado a mandar. Renunciou a isso para
se dedicar a uma vida teorética. Anaxágoras foi considerado o homem
que levou essa vida de modo exemplar. Aparece por um lado vincula
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Os PRÉ-SOCRÁTICOS
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H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
d) Demócrito
Os atomistas • São os últimos pré-socráticos. Cronologicamente
chegam quase a coincidir com Sócrates, mas continuam filiados à tra
dição preocupada com a (púmç, e sobretudo com a linha da filosofia
3. Cf. W. Dilthev: Introducción a las ciências del espiritu (trad. de J. Marías. Revista
de Occidente), pp. 171-81.
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O S PRÉ-SOCRÁTICOS
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H i s t ó r ia d a f il o s o f ia
4. Sobre a idéia de serenidade, ver meu estudo “Ataraxia y alcionismo” (em El ofi
cio del pensamiento, 1958). [Obras, VI,]
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II. A SOFISTICA E SÓCRATES
1. Os sofistas
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A SOFISTICA F: SÔGRATI s
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2. Sócrates
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A SOFISTICA F. SóCRATliS
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III. P latão
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
1. As idéias
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P l a t Ao
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H is t ó r i a d a f i l o s o f i a
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P la t ã o
5.1
H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
52
P l ATÀO
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H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
2. A estrutura da realidade
54
P latão
dóxa noüs
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H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
56
Platão
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H is t ó r i a d a f i l o s o f i a
58
P latão
4. O homem e a cidade
59
H is t ó r i a d a f i l o s o f i a
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P lat AO
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
5. A filo so fia
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P la t à o
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IV. A r is t ó t e l e s
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H is t ó r i a d a f i l o s o f i a
sula Calcídica, no ano de 384 a.C. Seu pai, Nicômaco, era médico e
amigo do rei da Macedônia, Amintas II. É possível, como assinala Ross,
que essa ascendência tenha exercido influência no interesse de Aristó
teles pelas questões físicas e biológicas. Aos 18 anos entrou para a es
cola de Platão, em Atenas; ali permaneceu por dezenove anos, até a
morte do mestre, na qualidade de discípulo e de mestre também, in
timamente vinculado a Platão e ao mesmo tempo em profunda dis
crepância. Aristóteles, o único autêntico platônico, mostra qual o sen
tido exclusivo em que é possível um verdadeiro discipulado filosófico.
Com a morte de Platão, Espeusipo encarrega-se da direção da Acade
mia, e Aristóteles sai dela e de Atenas. Foi para a Mísia, onde perma
neceu três anos e se casou; mais tarde, com a morte da esposa, teve
outra mulher, mãe de seu filho Nicômaco; também esteve em Mitile-
ne, na ilha de Lesbos.
Por volta de 343, Filipe da Macedônia convidou-o para se encar
regar da educação de seu filho Alexandre, que tinha .13 anos. Aristó
teles aceitou e rumou para a Macedônia. A influência de Aristóteles
sobre Alexandre deve ter sido grande; sabe-se que divergiam em re
lação à questão da fusão da cultura grega com a oriental, que Aristó
teles não considerava conveniente. Em 334 voltou para Atenas e fun
dou sua escola. Nos arredores da cidade, num pequeno bosque con
sagrado a Apoio Liceu e às Musas, alugou várias casas, que viriam a
constituir o Liceu. Ali tratava com seus discípulos, passeando, das
questões filosóficas mais profundas; por isso foram chamados de peri-
patéticos. À tarde expunha para um auditório mais amplo temas mais
acessíveis: retórica, sofistica ou política.
Aristóteles desenvolveu uma intensíssima atividade intelectual.
Quase todas as suas obras são dessa época. Reuniu um material cien
tífico incalculável, que lhe possibilitou fazer avançar de modo prodi
gioso o saber de seu tempo. Com a morte de Alexandre, em 323, sur
giu em Atenas um movimento antimacedônico, que acabou sendo
hostil a Aristóteles: foi acusado de impiedade e não quis - disse - que
Atenas pecasse pela terceira vez contra a filosofia - referia-se à perse
guição de Anaxágoras e à morte de. Sócrates; por isso, mudou-se para
Cálcis, na ilha de Eubéia, onde a influência macedônica era forte, e ali
morreu 110 ano de 322.
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A r is t ó t e l e s
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H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
1. Os graus do saber
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H i s t ó r i a d a f il o s o f i a
2. A m etafísica
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A r i s t ó t i i f.s
versasse sobre eles seria mais ciência. Mas têm um gravíssimo incon
veniente: não são coisas; existem na mente, mas não fora dela, separa
dos. Se na qualidade de imóveis têm mais dignidade de entes, na me
dida em que não existem como coisas são menos entes.
Como teria de ser um ente para reunir as duas condições? Teria
de ser imóvel, mas separado, uma coisa. Esse ente, se existisse, se bas
taria a si mesmo e seria o ente supremo, o que mereceria em sua ple
nitude a denominação de ente.
D eus • Mas este ente Aristóteles chama de divino, Deus, 0eóç. E
a ciência suprema que trataria dele seria uma ciência teológica. Ou seja,
Deus é em Aristóteles aquele conjunto de condições metafísicas que
fazem com que um ente o seja plenamente. A ciência do ente enquan
to tal e a de Deus, que é o ente por excelência, são uma e a mesma.
Esse ente é, por certo, vivo, porque o ser vivo é mais plenamente
que o inerte. Contudo, além disso tem de bastar-se a si mesmo. Re
cordemos que é possível fazer muitas coisas, e duas possíveis ativida
des são a poiésis e a práxis. A primeira é essencialmente insuficiente,
pois tem um fim fora dela, uma obra. Se Deus fosse Deus por ter uma
poiésis precisaria, para ser, daquelas obras e não se bastaria a si mes
mo. Na práxis, em contrapartida, o fim não é a obra o érgon, mas o
próprio fazer, a atividade ou enérgeia. Pois bem: a práxis política, por
exemplo, tem dois inconvenientes; em primeiro lugar precisa de uma
cidade na qual se exercer, e nessa medida não é suficiente, embora o
seja como atividade mesma; em segundo lugar, o saber do político se
refere sempre à oportunidade, ao momento, é um saber cairológico.
Mas, como vimos, há outro tipo de práxis, que é a theoría, a vida
teorética. Trata-se de um ver e discernir o ser das coisas em sua totali
dade; esse modo de vida é o supremo; portanto, Deus terá de ter uma
vida teorética, que é o modo máximo de ser. Mas não basta; porque o
homem, para levar uma vida teorética, precisa do ente, precisa das coi
sas para sabê-las, e não é absolutamente suficiente. Essa theoría só se
ria suficiente se se ocupasse de si mesma; por isso Deus é pensamento
do pensamento, vóqaiç votíaecoç. A atividade de Deus é o saber supre
mo, e a metafísica é divina por ser ciência de Deus, no duplo sentido
de que Deus é seu objeto e ao mesmo tempo seu sujeito eminente.
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H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
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A r is t ó t e l e s
3. Os modos do ser
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A r ist ót ii IS
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H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
que atingiu seu fim, seu telos, e, portanto, supõe uma atualização. De
Deus, que é ato puro, que não tem, como veremos, potência nem mo
vimento, que é, portanto, atual, mas não atualizado, cabe dizer que é
enérgeia, mas não, a rigor, enteléquia.
Vemos, pois, que os modos do ser, que são quatro, têm uma uni
dade analógica fundamental que é a da substância. Por isso Aristóte
les diz que a pergunta fundamental da metafísica é: “o que é o ser?” e
acrescenta a título de esclarecimento: “isto é, o que é a substância?”
Examinaremos agora a análise ontológica da substância que Aristóte
les faz.
4. A substância
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A r is t ó t e l e s
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Deus é o primeiro moLor imóvel. Que significa isso? Todo móvel preci
sa de um motor. A é movido por B; este, por C, e assim sucessivamen
te. Até quando? Teria de. ser até o infinito, eíç ocneipov, mas isso é im
possível. É preciso que a série dos motores termine em algum mo
mento, que haja um motor que seja primeiro. F. esse motor tem de ser
imóvel, para não necessitar por sua vez de mais um motor e assim até
o infinito. Esse motor imóvel, como o objeto do amor e do desejo, que
move sem ser movido, é Deus. 0eóç aristotélico é o fim, o telos de to
dos os movimentos, e ele mesmo não se move. Por isso tem de ser ato
puro sem mescla nenhuma de potência, e é, portanto, forma sem ma
téria. É, por conseguinte, o sumo de realidade, o ente cujas possibili
dades são todas reais: a substância plena, o ente enquanto tal.
O Deus de Aristóteles é o momento absoluto do mundo. Sua missão
é tornar possível o movimento, e mais ainda, a unidade do movimen
to: é ele, portanto, que faz com que haja um Universo. Mas não é cria
dor; esta idéia é estranha ao pensamento grego, e serã ela que marca
rá a profunda diferença entre o pensamento helênico e o cristão. O
Deus de Aristóteles está separado e consiste em pura theoría, em pen
samento do pensamento ou visão da visão vór|cnç voiíascoç É só nele
que a rigor se dá a contemplação como algo que se possui de modo
permanente. O Deus aristotélico é o ente absolutamente suficiente, e
por isso é o ente máximo. Nessa teoria culmina toda a filosofia de
Aristóteles.
O ente como transcendental • Resta abordarmos, para comple
tar esta rápida visão da metafísica aristotélica, um ponto especialmen
te importante e difícil. Como vimos, Platão considerava o ente gênero
supremo. Esse gênero se dividiria em espécies, que seriam as diferen
tes classes de entes. Aristóteles nega categoricamente que o ser seja
gênero. E a razão que dá é a seguinte: para que seja possível a divisão
de um gênero em espécies é preciso acrescentar ao gênero uma diferen
ça específica-, assim, ao gênero animal acrescento a diferença racional
para obter a espécie homem; mas isso não é possível com o ser, porque
a diferença tem de ser distinta do gênero, e se a diferença é distinta do
ser, não é. Portanto, não pode haver nenhuma diferença específica que
se agregue ao ser, e este, portanto, não é gênero.
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5. A lógica
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6. A física
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7. A doutrina da alm a
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8. A ética
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homem. Embora se seja homem e mortal, não se deve ter, diz Aristó
teles, sentimentos humanos e mortais, mas é preciso se imortalizar
dentro do possível e viver de acordo com o mais excelente que há em
nós, ainda que seja uma exígua porção de nossa realidade. O mais ex
celente é o mais próprio de cada coisa; e “seria absurdo - conclui
Aristóteles - não escolher a própria vida, mas a de algum outro” (Éti
ca a Nicômaco, X, 7).
A s v ir t u d e s • Aristóteles divide as virtudes em duas classes: dia-
noéticas ou intelectuais, virtudes da diánoia ou do noüs, e virtudes éti
cas ou, mais estritamente, morais. E faz o caráter da virtude consistir
no termo médio (laeoóxriç) entre duas tendências humanas opostas;
por exemplo, a coragem é o justo meio entre a covardia e a temerida
de, a liberalidade, entre a avareza e a prodigalidade etc. (Investigar o
sentido mais profundo dessa teoria do mesotes ou termo médio nos le
varia longe demais. Basta indicar, como simples orientação, que está
relacionada com a idéia de medida métron, e esta com o uno, que por
sua vez se refere de modo direto ao ente, já que se acompanham m u
tuamente como transcendentais.)
Afora isso, o conteúdo da ética aristotélica é, principalmente,
uma caracterologia: uma exposição e valoração dos modos de ser do
homem, das diferentes maneiras das almas e das virtudes e vícios que
têm. A Aristóteles devem-se as finas descrições da alma que legaram
para nossa linguagem termos tão acurados e expressivos como mag
nanimidade, pusilanimidade etc.
9. A política
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A r is t O ti LI S
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blemas radicais que coloca e que são, de certo modo, os que a filosofia
posterior encontrou, os que hoje temos de resolver. É um mundo de
idéias: a tentativa mais genial da história de sistematizar em suas ca
madas mais profundas os problemas metafísicos. Por isso Aristóteles
determinou mais do que ninguém o curso ulterior da história da filo
sofia, e o encontraremos a partir de agora em todas as partes.
Fui obrigado a omitir muitas coisas importantes e até mesmo es
senciais. E, ante essa necessidade, optei por prescindir de quase toda a
informação erudita e enumerativa do pensamento aristotélico e expor
com algum rigor, sem falseamento, o problema central de sua metafísi
ca. Considero preferível ignorar a maior parte das coisas que Aristóte
les disse, mas ter uma consciência clara de qual é o problema que o
move e em que consiste a originalidade genial de sua solução. Desse
modo é possível entender como a filosofia helênica alcançou sua ma
turidade na Metafísica aristotélica, e como com ele concluiu-se efetiva
mente uma etapa da filosofia, que depois terá de percorrer longos sé
culos pelo caminho que lhe abriu o pensamento de Aristóteles4.
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V. O IDEAL DO SÁBIO
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H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
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O IDEAL DO SÁBIO
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H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
1. Os m oralistas socráticos
a) Os cínicos
O fundador da escola cínica foi Antístenes, um discípulo de Só
crates, que fundou um ginásio na praça do Cão Ágil, daí 0 nome cíni
cos (cães ou, melhor, caninos) que foi dado a seus adeptos, e que estes
aceitaram com certo orgulho. O mais conhecido dos cínicos é o suces
sor de Antístenes, Diógenes de Sinope, famoso por sua vida extrava
gante e certas demonstrações de engenho, que viveu no século IV
Os cínicos exageram e levam ao extremo a doutrina socrática da
eudaimonía ou felicidade e dão-lhe, ademais, um sentido negativo.
Em primeiro lugar, identificam-na com a autarquia ou suficiência; em
segundo lugar, concluem que o caminho para alcançá-la é a supres
são das necessidades. Isso traz como conseqüência uma atitude nega
tiva ante a vida como um todo, desde os prazeres materiais até 0 Es
tado. O único valor estimável que resta é a independência, a falta de
necessidades e a tranqüilidade. O resultado disso é, naturalmente, 0
mendigo. O nível de vida cai, perde-se todo refinamento, toda vincu
lação com a cidade e com a cultura. E, com efeito, a Grécia se encheu
de mendigos de pretensões mais ou menos filosóficas, que percor
riam como vagabundos 0 país, sóbrios e desalinhados, pronunciando
discursos morais e caindo com freqüência no charlatanismo.
A doutrina cínica, se existe, é bem escassa; é antes a renúncia a
qualquer teoria, o desdém pela verdade. Importa tão-somente 0 que
serve para viver, entenda-se, de modo cínico. O bem do homem con
siste simplesmente em viver em sociedade consigo mesmo. Todo o resto,
O IDEAL DO SÁBIO
b) Os cirenaicos
A escola cirenaica, fundada por Aristipo de Cirene, um sofista
posteriormente agregado ao círculo socrático, tem profunda seme
lhança com a cínica, a despeito de grandes diferenças e até oposições
aparentes. Para Aristipo, o bem supremo é o prazer; a impressão sub
jetiva é nosso critério de valor, e o prazer é a impressão agradável. O
problema consiste em que não é o prazer que deve nos dominar, mas
nós a ele. E isso é importante. O sábio tem de ser dono de si; não deve,
portanto, se apaixonar. Ademais, o prazer transforma-se facilmente
em desagrado quando nos domina e altera. O sábio tem de dominar
as circunstâncias, estar sempre por cima delas, acomodar-se a quais
quer situações, à riqueza e à indigência, à prosperidade e às dificulda
des. Ao mesmo tempo, o cirenaico tem de selecionar seus prazeres
para que estes sejam moderados, duradouros, e não o arrebatem. Em
suma, o suposto hedonismo dos cirenaicos tem uma extraordinária se
melhança com o ascetismo dos cínicos, embora o ponto de partida
seja muito distinto. Não esqueçamos que o importante para os mora
listas socráticos, como também mais tarde para os estóicos e epicuris-
tas, é a independência e imperturbabilidade do sábio, e o secundário,
o modo como estas são alcançadas, pelo ascetismo e pela virtude ou
pelo prazer moderado e tranqüilo de cada hora.
O cosmopolitismo também é próprio dos cirenaicos; a escola
também apresenta traços helenísticos marcantes, e nada mais faz se
não sublinhar e exagerar mais um dos aspectos de Sócrates, encruzi
lhada de onde saem distintos caminhos da mente grega.
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H is t ó r i a d a f i l o s o p i a
2. O estoicism o
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
por sua vez aparece como providência. Todas as coisas estão a serviço
da perfeição da totalidade, a única norma de valoração é a lei divina
universal que encadeia tudo, à qual chamamos natureza. Esta é a cul
minação da física estóica, e disso provém a moral da escola.
A ética estóica se funda também na idéia de autarquia, de sufi
ciência. O homem, o sábio, deve se bastar a si mesmo. As conexões da
moral estóica com a cínica são muito profundas e complexas. O bem
supremo é a felicidade - que não tem a ver com o prazer e esta con
siste na virtude. Essa virtude, por sua vez, consiste em viver de acor
do com a verdadeira natureza: vivere secundum naturam, Kocià cpúatv
Çf]v. A natureza do homem é racional, e a vida que a ética estóica pos
tula é a vida racional. A razão humana é uma parcela da razão univer
sal, e assim nossa natureza nos põe de acordo com o universo inteiro,
ou seja, com a Natureza. O sábio a aceita tal como é, amolda-se total
mente ao destino: parere Deo libertas est, obedecer a Deus é liberdade.
Essa aceitação do destino é característica da moral da Stoa. Os fados,
que guiam quem quer, arrastam quem não quer; portanto, é inútil resis
tir. O sábio se torna independente, suportando tudo, como uma ro
cha que faz frente a todos os embates da água. E, ao mesmo tempo,
obtém sua suficiência diminuindo suas necessidades: sustine et absti-
ne, suporta e renuncia. O sábio deve despojar-se de suas paixões para
alcançar a imperturbabilidade, a “apatia”, a “ataraxia”. O sábio é dono
de si, não se deixa arrebatar por nada, não está à mercê dos aconteci
mentos exteriores; pode ser feliz em meio às maiores dores e aos pio
res males. Os bens da vida podem ser, no máximo, desejáveis e apete
cíveis; mas não têm verdadeiro valor e importância, qualidades exclu
sivas da virtude. Esta consiste na conformidade racional à ordem das
coisas, na razão reta. O conceito de dever não existe, a rigor, na ética
antiga. O devido (môfiKov), em latim officium, é antes o adequado, o
decente (isto é, o que convém, decet), o que fica bem, num sentido qua
se estético. O reto é primariamente o correto (Kaxóp0co|ia), o que está
de acordo com a razão.
O cosmopolitism o antigo • Os estóicos não se sentem tão des
ligados da convivência como os cínicos; têm um interesse muito maior
na comunidade. Marco Aurélio descreve sua natureza como racional
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3. O epicurismo
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4. Ceticism o e ecletismo
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VI. O NEOPLATONISMO
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O NEOPLATONISMO
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Jâmblico, discípulo de Porfírio, morto por volta de 330, era sírio e cul
tivou especialmente o aspecto religioso do neoplatonismo, com gran
de prestígio. Também foi um ncoplatônico o imperador luliano, o Após
tata. O último filósofo importante da escola foi Proclo (420-485),
de Constantinopla, professor e escritor extremamente ativo, que cul
tivou todas as formas filosóficas da época; sua obra de conjunto, sis
tematização pouco original do neoplatonismo, foi a 2/toi%eícocnç
0eoA,oyiKri (Elementatio theologica, como a chamaram os latinos); tam
bém escreveu longos comentários sobre Platão, e outros - muito inte
ressantes para a história da matemática helênica - sobre o livro 1 dos
Elementos, de Euclides; o prólogo deste comentário é um texto capital
para essa história. Entre os pensadores neoplatônicos deve-se tam
bém incluir o_autor anônimo do século V que até o século XV foi tido
por Dionísio Areopagita, primeiro bispo de Atenas, e que costuma ser
chamado de Pseudo-Dionísio. Suas obras - Da hierarquia celestial, Da
hierarquia eclesiástica, Dos nomes divinos, Teologia mística -, traduzidas
várias vezes para o latim, tiveram imensa autoridade e influência na
Idade Média.
* * *
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0 cristianismo
C r is t ia n is m o e f il o s o f ia
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H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
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I. A PATRÍST1CA
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H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
118
A PATRÍSTICA
sempre são impostos por uma verdade religiosa, revelada, que exi
ge interpretação racional. A razão serve, portanto, para esclarecer e
formular os dogmas, ou para defendê-los. A criação, a relação de
Deus com o mundo, o mal, a alma, o destino da existência, o senti
do da redenção são problemas capitais da patrística. E ao lado de
les, questões estritamente teológicas, como as que se referem à es
sência de Deus, à trindade de pessoas divinas etc. Por último, em
terceiro lugar, aparecem os moralistas cristãos, que irão estabelecer
as bases de uma nova ética que, embora utilize conceitos helênicos,
funda-se, no essencial, na idéia de pecado, na graça e na relação do
homem com seu criador, e culmina na idéia da salvação, alheia ao
pensamento grego.
Esses problemas são manejados por uma série de mentes, com
freqüência de primeira ordem, que nem sempre se mantêm na linha
da ortodoxia e às vezes caem na heresia. Apresentaremos brevemen
te os momentos mais importantes da evolução que culmina no pensa
mento genial de Santo Agostinho: os gnósticos, os apologetas, São
Justino e Tertuliano, os alexandrinos (Clemente e Orígenes), os Padres
capadócios etc.
O s g n ó s tic o s • O principal movimento herético dos primeiros
séculos é o gnosticismo. Tem relação com a filosofia grega da última
época, em particular com idéias neoplatônicas, e também com o pen
samento do judeu helenizado Fílon, que interpretava alegoricamente
a Bíblia. O gnosticismo, heresia cristã, também está intimamente vin
culado a todo o sincretismo das religiões orientais, tão complexo e in
trincado no começo de nossa era. O problema gnósikçLé o da realida-
de do m undo, e mais concretamente^do mal. A posição gnóstica é de
um dualismo entre o bem (Deus) e o mal (a matéria). O ser divino
produz por emanação uma série de tones, cuja perfeição vai decres-
cendo: o mundo é uma etapa intermediária entre o divino e o mate
rial. Isso faz com que os momentos essenciais do cristianismo, como
a criação do mundo, a redenção do homem, adquiram um caráter na
tural, como simples momentos da grande luta entre os elementos do
dualismo, o divino e a matéria. Uma idéia gnóstica fundamental é a
da à7toKaxácrTa(Ttç rcávicov, a restituição de todas as coisas a seu pró
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H i s t ó r ia d a f i l o s o f i a
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H is t ó r ia d a f i l o s o f i a
* ik *
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II. S a n t o A g o s t in h o O c .os
2. A vida e a pessoa
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H is t ó r i a d a f i l o s o f i a
Nessa época apaixona-se por uma mulher, e dela nasce seu filho Adeo-
dato. Também nessa época Agostinho encontra pela primeira vez a
revelação filosófica, ao ler o HorLerisLu, de Cícero, que lhe causou uma
impressão muito forte. Desde então tomou consciência do problema
filosófico, e o afã da verdade não mais o abandonaria até a morte.
Busca a Escritura, mas lhe parece pueril, e a soberbia frustra esse pri-
meiro contato com o cristianismo. Então vai buscar a verdade na sei
ta maniqueísta
Manes nasceu na Babilônia no começo do século III e pregou sua
fé pela Pérsia e por"quase todãa Ásia, até a índia e a China. De volta à
Pérsia, foi preso e morreu em suplício. Mas sua influência também se
estendeu pelo Ocidente e foi um grave problema para o cristianismo
até meados da Idade Média. O maniqueísmo contém muitos elemen-
tos cristãos e das diversas heresias, alguns elementos budistas, influên
cias gnósticas e, sobretudo, idéias fundamentais do masdeísmo, da re
ligião persa de Zoroastro. Seu ponto de partida é o dualismo irredutí
vel do bem e do mal, da luz e das trevas, de Deus e do diabo, em
suma. A vida inteira é uma luta entre os dois princípios inconciliáveis.
Santo Agostinho acudiu ao maniqueísmo cheio de entusiasmo.
Em Cartago leciona retórica e eloqüência e se dedica à astrolo
gia e à filosofia. Depois vai para Roma, e dali para Milão onde sua mãe
vai encontrá-lo. Em Milão conhece o grande bispo Santo Ambrógio,
teólogo e orador, a quem escuta assiduamente, e que tanto contribuiu
para sua conversão. Descobre então a superioridade da Escritura e,
ainda não sendo católico, afasta-se da seita de Manes; por último, in-
gressa na Igreja como catecúmeno. A partir daí vai se aproximando
cada vez mais do cristianismo; estuda São Paulo e os neoplatônicos, e
o ano de 386 é para ele uma data decisiva. Num jardim milanês, tem
uma crise de choro e de desagrado consigo mesmo, de arrependimen
to e angústia, até que escuta uma voz infantil que lhe ordena; “Tolle,
lege”, toma e lê. Agostinho apanha o Novo Testamento e ao abri-lo lê
um versículo da Epístola aos Romanos que alude à vida de Cristo ante
os apetites da carne. Sente-se transformado e livre, cheio de luz;_o_
obstáculo da sensualidade desaparece nele. Agostinho já é totalmente
cristão.
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Sa n t o A g o s t in h o
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2. A filo so fia
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do, é imagem de Deus, imago Dei, por ser uma mente, um espírito. Na
triplicidade das faculdades da alma, memória, inteligência e vontade
ou amor, Santo Agostinho descobre um vestígio da Trindade. A uni
dade da pessoa, que tem essas três faculdades intimamente entrelaça
das, mas não é nenhuma delas, é a do eu, que recorda, entende e ama,
com perfeita distinção, mas mantendo a unidade da vida, da mente e
da essência.
Santo Agostinho afirma - com fórmulas análogas à do cogito car-
tesiano, embora distintas por seu sentido profundo e seu alcance filo
sófico - a evidência íntima do eu, alheio a qualquer possível dúvida,
diferentemente do testemunho dubitável dos sentidos corporais e do
pensamento sobre as coisas. “Nestas verdades, não é preciso temer -
diz (De civitate Dei, XI, 26) - os argumentos dos acadêmicos, que di
zem: E se estiveres enganado? Pois se me engano, sou. Pois o que não
existe, na verdade nem se enganar pode; por isso existo se me enga
no. E já que existo se me engano, como posso me enganar sobre o
fato de que existo, quando é certo que existo se me engano? Portanto,
como eu, o enganado, existiria mesmo se me enganasse, sem dúvida
não me engano ao conhecer que existo.”
A alma, que por sua razão natural ou ratio inferior conhece as coi
sas, a si mesma e, indiretamente, Deus, refletido nas criaturas, pode
receber uma iluminação sobrenatural de Deus e mediante essa ratio
superior elevar-se ao conhecimento das coisas eternas.
Qual a origem da alma? Santo Agostinho fica um tanto perplexo
ante esta questão. Hesita, e com ele toda a Patrística e a primeira par
te da Idade Média, entre o generacionismo ou traducianismo e o cria-
cionismo. A alma também é engendrada pelas almas dos pais, ou é
criada por Deus por ocasião da concepção do corpo? A doutrina do
pecado original, que lhe parece mais compreensível se a alma do filho
procede diretamente dos pais, como o corpo, leva-o a se inclinar para
o generacionismo; mas ao mesmo tempo sente a fraqueza dessa teoria
e não rejeita a solução criacionista.
O ho m e m no m u n d o • O problema moral em Santo Agostinho
aparece intimamente relacionado com as questões teológicas da natu
reza e da graça, da predestinação e da liberdade da vontade humana,
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S a n t o A g o s t in h o
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Sa n t o A g o s t in h o
I Ortega acrescenta a seguinte nota: “Como é sabido, esta fórmula, desde sem-
|)ic atribuída a Santo Agostinho, não se encontra em suas obras; mas toda sua pro
dução a parafraseia. Vide Mausbach: Dic Ethik Augustinus.”
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Filosofia medieval
1. A ESCOLÁSTICA
I. A época de transição
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A ESCOLÁSTICA
2. O caráter da Escolástica
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A ESCOLÁST1CA
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H i s t ó r ia d a f i l o s o f i a
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II. OS GRANDES TEMAS DA IDADE M É D IA
1 . A criação
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O S GRANDES TEMAS DA IDADE M ií DIA
2. Os universais
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O S GRANDES TEMAS DA IDADE M É D IA
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O S GRANDES TEMAS DA IDADE M É D IA
3. A razão
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O S GRANDES TEMAS DA IDADE MLIMA
' >Itoinetn, que é razão, fará uma filosofia racional, porque aqui se tra
ia de um lógos. Em contraposição, a teologia é sobrenatural; a razão
pouco tem a fazer nela; é, antes de tudo, pnlxis.
I m Ockham se acentuam estas tendências escotistas. Para Oc
kham, a razão será um assunto exclusivamente humano. A razão é,
sim, própria do homem, mas não de Deus; este é onipotente e não
pude estar submetido a nenhuma lei, nem sequer à da razão. Isso lhe
Ii.ireee uma limitação inadmissível do arbítrio divino. As coisas são
' orno são, até mesmo verdadeiras ou boas, porque Deus quer, se Deus
quisesse que matar fosse bom, ou que 2 mais 2 fossem 19, seriam -
i Ilegarão a dizer os contmuadores do ockhamismo. Ockham é volun-
tarista e não admite nada acima da vontade divina, nem mesmo a ra
zão. 'A partir desse momento, a especulação metafísica se lança, por
assim dizer, numa vertiginosa carreira, na qual o lógos, que começou
.endo essência de Deus, vai terminar sendo simplesmente essência do
homem. É o momento, no século XIV, em que Ockham vai afirmar,
de maneira textual e taxativa, que a essência da Divindade é arbitra
riedade, livre-arbítrio, onipotência, e que, portanto, a necessidade racio
nal e uma propriedade exclusiva dos conceitos humanos.” “No momen
to em que o nominalismo de Ockham reduziu a razão a uma coisa de
/oro íntimo do homem, uma determinação sua puramente humana, e
nao essência da Divindade, nesse momento o espírito humano tam
bém fica segregado desta. Portanto, sozinho, sem mundo e sem Deus,
n espírito humano começa a se sentir inseguro no universo” (Zubiri:
I Irgel y el problema metafísico).
Se Deus não é razão, a razão humana não pode se ocupar dele. A
Divindade deixa de ser o grande tema teórico do homem no final da
Idade Média, e isso o separa de Deus. A razão volta-se para os objetos
aos quais é adequada, aqueles que pode alcançar. Quais são eles? An-
les de tudo, o próprio homem; em segundo lugar, o mundo, cuja mara
vilhosa estrutura começa a ser descoberta então: estrutura não só racio
nal. mas matemática. O conhecimento simbólico a que o nominalismo
nos levou se adapta à índole matemática da natureza. E esse mundo
independente de Deus - de quem recebeu seu impulso criador, mas
que não tem de conservá-lo - transforma-se no outro grande objeto
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I I I . 0.S FILÓSOFOS MEDIEVAIS
1. Scotus Erigena
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2. Santo Anselmo
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O S FILÓSOFOS MEDIEVAIS
111iiie seu perfil definitivo. Por outro lado, contudo, Santo Anselmo
i .t,i imerso na tradição patrística, de. ascendência agostiniana e platô-
nii ,i ou, mais ainda, neoplatônica. Ainda não aparecem nele as fontes
dtst intas das da Patrística - que exercerão tão forte influência na Es-
11 'last ica posterior: os árabes e - através deles - Aristóteles. Santo An-
elmo c um fiel agostiniano; no prefácio de seu Monologion escreve:
Niliil potui invenire me dixisse quod non ccitholicorum Patrum et maxime
b1 1 ili Augustini scriptis cohaereat. É presente sua conformidade cons
um e com os Padres, e com Santo Agostinho especialmente. Mas, por
■'in m lado, já se encontram em Santo Anselmo as linhas gerais que vi-
i ao a definir a Escolástica, e sua obra constitui uma primeira síntese
di Ia A filosofia e a teologia da Idade Média guardam, portanto, a mar-
i .1 profunda de seu pensamento.
Suas obras são bastante numerosas. Muitas de interesse predo
minantemente teológico; inúmeras cartas repletas de substância dou-
n mal; as que mais importam para a filosofia - escritos breves todas
elas - são o Monologion (Exemplum meditandi de rationefidei) e o Pros-
loyion, que leva como primeiro título a frase que resume o sentido de
ioda a sua filosofia: Fides quaerens intellectum; além disso, escreveu a
resposta ao Gaunilonis liber pro insipiente, o De veritate e o Cur Deus
homo.
Fé e razão • A obra teológica - e filosófica - de Santo Anselmo
esta orientada, sobretudo, para as demonstrações da existência de Deus.
I isso o que mais se destaca em seus escritos e está mais intimamente
associado a seu nome. Mas é preciso interpretar essas provas dentro
da totalidade de seu pensamento.
Santo Anselmo parte da fé; as demonstrações não se destinam a
sustentar a fé, mas estão sustentadas por ela. Credo ut intelligam é seu
piincípio. No Proslogion, sua obra capital, escreve: neque enim quaero
intclligcre ut credam, sed credo ut intelligam. Santo Anselmo crê para
i niender, não o inverso. Mas não se trata tampouco de algo separado
da Ic; e a própria fé que tende a saber: a fé que busca a intelecção; e
( ss.t necessidade emerge do caráter interno da fé. Santo Anselmo dis-
i nume entre uma fé viva, que obra, e uma fé morta, ociosa; a fé viva se
lundu num amor ou dilectio, que é o que lhe dá vida. Esse amor faz
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H is t ó r i a d a f i l o s o f i a
com que o homem, afastado pelo pecado da face de Deus, esteja an
sioso para voltar a ela. A fé viva quer contemplar a face de Deus; quer
que Deus se mostre na luz, na verdade; busca, portanto, o verdadeiro
Deus; e isso é intelligere, entender. “Se não cresse, não entenderia”,
acrescenta Santo Anselmo; ou seja, sem fé, ou seja, dilectio, amor, não
poderia chegar à verdade de Deus. Temos aqui a mais clara ressonân
cia do non intratur in veritatem nisi per caritatem de Santo Agostinho,
que talvez só possa ser plenamente compreendido a partir de Santo
Anselmo.
Vemos, portanto, que da religião de Santo Anselmo faz parte de
modo particular a teologia; mas não o êxito desta última. “O cristão -
diz ele textualmente - deve avançar por meio da fé até a inteligência,
não chegar pela inteligência à fé, ou, quando não consegue entender,
afastar-se da fé. Pelo contrário, quando consegue chegar à inteligên
cia, se compraz; mas quando não consegue, quando não consegue
compreender, venera” (Epístola XLI). Esta é, claramente definida, a si
tuação de Santo Anselmo, da qual brota toda a sua filosofia.
O argumento ontológico • Santo Anselmo, em M onologion, dá
várias provas da existência de Deus; mas a mais importante é a que
expõe no Proslogion, e que desde Kant costuma ser chamada de ar
gumento ontológico. Essa prova da existência divina teve imensa re
percussão em toda a história da filosofia. Já nos tempos de Santo
Anselmo, um monge chamado Gaunilon a atacou, e seu autor repli
cou a suas objeções; depois, as opiniões se dividiram e a interpreta
ção do argumento variou. São Boaventura está próximo dele; Santo
Tomás o rejeita; Duns Escoto o aceita, modificando-o; Descartes e
Leibniz fazem uso dele, com certas alterações; posteriormente, Kant,
na Crítica da razão pura, estabelece sua impossibilidade de modo
aparentemente definitivo; mas depois Hegel o reformula em outros
termos, e mais tarde é profundamente estudado por Brentano e, so
bretudo, pelo Pe. Gratry, no século XIX. Até hoje, o argumento onto
lógico é um tema central da filosofia, pois não se trata apenas de
uma simples argumentação lógica, mas de uma questão em que
toda a metafísica está implicada. É essa a razão da singular fortuna
da prova anselmiana.
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3. O século XII
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In d> v.e 11po de obra nas filosofias orientais. O obieto supremo da rr-
lilV ii i e d a lílosofia é o conhecimento de Deus; é preciso pôr de acor-
di • " |u iiicipios e resultados de ambas; o tratado de Maimônides é di-
111*1111» aos que, donos desses conhecimentos, têm dúvidas ou estão
Im 11ile.sos quanto ao modo de tornar compatíveis as duas coisas; tra-
M i de uma indecisão, não de um extravio.
Maimônides é próximo de Averróis, embora divirja dele em vã-
ii" pontos. Não se entrega totalmente à interpretação alegórica da
191di.i. mas admite que é forçoso interpretá-la levando em conta os re-
1111a<los estabelecidos da filosofia, sem se deixar dominar pelo litera-
li in" .Apesar de suas cautelas, a filosofia de Maimônides pareceu sus-
pi ii.i para os teólogos judeus e enfrentou não poucas dificuldades. A
it olo gia de Maimônides é negativa; pode-se dizer de Deus o que não
• mas i i.io o que é. A essência de Deus é inacessível, m as não seus efei-
i'is I .rde uma hierarquia de esferas entre Deus e os entes do mundo;
J V u s se ocupa, como providência, da totalidade das coisas. O intelec
to Iniinano é também único e separado, como em Averróis; o homem
Hi.11\uliial possui o intelecto passivo, e pela ação do intelecto agente
l o i m a se nele um intelecto adquirido, destinado a se unir, depois da
........., ao intelecto agente. Portanto, resta para o homem a possibilida-
11' de salvar algo de si mediante a acumulação que a filosofia realiza.
I'i n ( be se a influência dessas idéias na teoria de F.spinosa. que, como
litili u, leva em conta as obras de Maimônides.
* * *
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6. São Boaventura
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«••in iv.o? Aristóteles fala de Deus e diz sobre ele coisas extremamen-
ii irud.is e interessantes; fala do mundo e do movimento, e da razão
d. I. .m u uma penetração luminosa até então desconhecida. Mas esse
I >ens nao e o Deus cristão; não é criador, não tem três pessoas, sua re-
11- ti >com o mundo é outra; e o mundo aristotélico tampouco é aque-
li que saiu das mãos de Deus segundo o Gênese.
( > problema é muito sério. A Escolástica não pode renunciar a
An .tuteles, não pode ignorá-lo. A filosofia do Estagirita se impõe por
ii.i eMiiagadora superioridade, pela verdade que tão evidentemente
.... tia Mas é preciso adaptá-la à nova situação, aos problemas que
I o • "i tipam os homens do século XIII. É necessário incorporar a men-
i' ii i .totélica à filosofia cristã. Com que conseqüências para esta? Isso
i oitiia questão. A genialidade pujante do aristotelismo talvez fosse
i i ' v.iva para que pudesse ser recebida sem riscos; talvez a influência
d. Ai istóteles tenha obrigado a filosofia cristã a ser outra coisa, e pos-
ilultdadcs originais que poderiam ter amadurecido percorrendo ou-
t u 11 aminho malograram; o problema permanece de pé.
)a São Boaventura acolhe em suas obras a influência de Aristóte-
I' mas apenas de forma marginal, de modo secundário, sem que o
I ii i ipatetismo afete o núcleo central de sua filosofia, que continua sen-
dii essencialmente platônica e agostiniana. Isso não era o bastante. Era
i >ii i iso encarar com determinação a totalidade ingente da filosofia aris-
toieliea; indagá-la, tentar compreendê-la e incorporá-la ao sistema ideo-
Inp.ico da Idade Média. Esta foi a extraordinária empresa assumida e
n ali. ada no século XIII por dois dominicanos, mestre e discípulo, am-
I ms ( anonizados pela Igreja; Alberto de Bollstadt (então chamado Al-
I ii i to de Colônia e hoje Alberto Magno) e Tomás de Aquino.
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mas não deve ser entendida como designação de uma filosofia que in
cluísse a de Aristóteles e a de Santo Tomás. For isso, a rigor, as duas
denominações invocadas acima não são equivalentes, e a segunda não
é correta: não existe uma filosofia aristotélico-tomista, e sim apenas
tomista, e o tomismo é aristotélicõ-escolástico no sentido que acabo de
indicar.
Filosofia e teologia • Para Santo Tomás há uma distinção clara:
trata-se de duas ciências, de dois tipos distintos de saber. A teologia
se funda na revelação divina; a filosofia, no exercício da razão hum a
na; houve quem dissesse, com razão, que a rigor não é o homem que
faz a teologia, mas sim Deus ao se revelar. Filosofia e teologia têm de
ser verdadeiras; Deus é a própria verdade e não cabe duvidar da reve
lação; a razão, usada retamente, também nos leva à verdade. Portan
to, não pode haver conflito entre filosofia e teologia, porque seria
uma discórdia dentro da verdade.
São, portanto, duas ciências independentes, mas com um campo
comum; sua distinção decorre, antes de tudo, do objeto formal; mas
seu objeto material coincide parcialmente. Existem dogmas revelados
que podem ser conhecidos pela razão; por exemplo - indicará Santo
Tomás a existência de Deus e muitos atributos seus, a criação etc.;
não obstante, sua revelação não é supérflua, porque, por meio da ra
zão, apenas muito poucos conhecerão essas verdades. Nos casos em
que é possível compreender racionalmente, isso é preferível à pura
crença. Encontramos aqui uma ressonância atenuada do fides quae-
rens intellectum; Santo Tomás não crê que se possa, a não ser parcial
mente, tentar a compreensão racional do objeto da fé. A razão aplica
da aos temas que são também assunto de fé e de teologia é a chamada
teologia natural, portanto, existe uma teologia natural além da theolo-
gia fidei. Essa teologia natural é para Santo Tomás filosofia, e o que ela
tem de mais importante; a rigor, é a filosofia tomista.
A revelação é critério de verdade. No caso de uma contradição
entre a revelação e a filosofia, o erro nunca pode estar na primeira;
portanto, o desacordo entre uma doutrina filosófica e um dogma re
velado é um indício de que a primeira é falsa, de que a razão se extra
viou e não chegou à verdade, motivo pelo qual se choca com ela. Nes-
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8. R oger Bacon
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( )s finais dos séculos XIII e XIV marcam uma nova etapa na Es-
i nl.is.tica, que se prolonga, em decadência, no século XV. À plenitude
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a) Duns Escoto
V id a e o b r a s • Nasceu nas Ilhas Britânicas, muito provavelmente
na Escócia, em 1266. Entrou na Ordem de São Francisco; estudou e le
cionou em Oxford; em 1304 foi para Paris; em 1308, para Colônia, e ali
morreu nesse mesmo ano, ainda muito jovem. Escoto é um dos poucos
filósofos precoces da história; a filosofia, salvo exceções como a sua ou
a de Schelling, costuma exigir a plena maturidade. Duns Escoto foi des
de cedo um caso de genialidade filosófica e demonstrou um espírito
agudíssimo e penetrante, que lhe valeu o nome de Doctor subtilis. Foi
defensor do dogma atual da Imaculada Concepção da Virgem.
Várias das obras tradicionais atribuídas a Duns Escoto não são
autênticas. As mais importantes entre as seguras são Opus oxoniense,
sobretudo, e o tratado De primo rerum omnium principio.
F ilo s o f ia e te o lo g ia • A situação de equilíbrio em que as duas
disciplinas aparecem em Santo Tomás vai se romper. A distância entre
a filosofia e a teologia é muito maior em Escoto, e o será mais ainda
em Ockham. Não diferem só por seu objeto formal, mas também por
seu objeto material. A teologia se reduz ao que nos é dado por revela
ção, de um modo sobrenatural; em contrapartida, tudo o que a razão
entende naturalmente é assunto da filosofia. A história do final da Ida
de Média e da época moderna será a progressiva dissociação entre o
mundo da natureza e o da graça, e o esquecimento do velho princípio:
gratia naturam non tollit, sed perficit. A teologia não é especulativa, e
sim prática. Desaparece cada vez mais a theologia rationis para dar lu
gar exclusivamente à theologia fidei. Logo a ratio, o lógos, se afasta to
talmente do theós.
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b) Ockham
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I /. Mestre Eckhart
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Filosofia moderna
O Renascimento
I. O M U N D O RENASCENTISTA
/. O contexto espiritual
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O M U N D O R E N A SC E N TIST A
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O M U N D O R E N A SC E N TIST A
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
outros lugares com a tradição medieval, e por isso foi menos visível
No entanto, e no que se refere ao pensamento filosófico, a corrente
cética está representada pelo português Francisco Sánchez, que escre
veu o célebre livro Quod nihil scitur. E, sobretudo, o humanismo an
tiescolástico, mas católico ortodoxo, fiel ao mais substantivo do m u n
do medieval e ao mesmo tempo cheio do espírito do tempo, é repre
sentado na Espanha pela grande figura de Luis Vives (1492-1540),
que nasceu em Valência, viveu em Louvain, em Paris, na Inglaterra, e
morreu em Bruges. Vives, amigo dos homens mais egrégios de sua
época, mais europeu que qualquer outro, é um pensador modesto,
pertencente a um núcleo histórico que não comportava um a filosofia
de altos vôos, mas de indubitável penetração e interesse. Escreveu
muito sobre questões de moral e educação, e seu tratado De anima el
vita é um dos livros mais vivos e agudos que o movimento humanís-
tico produziu.
Também escreveram tratados filosóficos, com um espírito inde
pendente da Escolástica, Sebastián Fox Morcillo e os médicos Vallés
e, sobretudo, Gómez Pereira, autor da Antoniana Marganta, publicada
em 1554, na qual há quem tenha encontrado idéias análogas a algu
mas cartesianas.
Mas o mais importante do pensamento espanhol nos séculos
XVI e XVII não se encontra aqui, mas no esplêndido e fugaz floresci
mento da Escolástica que se produz em torno do Concilio de Trento e
dirige filosófica e teologicamente todo o movimento da Contra-Refor-
ma, vivificado, por outro lado, pela obra dos grandes místicos, em
particular Santa Teresa e São João da Cruz, cujo interesse intelectual,
embora não estritamente filosófico, é muito grande.
In g la t e r r a • A figura mais interessante do humanismo inglês é
Thomas More, chanceler de Henrique VIII decapitado por sua oposi
ção às medidas anglicanas do rei; recentemente foi canonizado pela
Igreja. More escreveu a Utopia (De optimo reipublicae statu deque nova
insula Utopia), um ideal, também de tipo socialista, do Estado, cheio
de reminiscências platônicas, que foi o mais famoso dos tratados so
bre esse tema publicado no Renascimento.
Holanda • O maior dos humanistas europeus, o que encarnou
suas características com mais plenitude, e ao mesmo tempo aquele
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O M U N D O R E N A SC E N TIST A
t)tie obteve mais fama e teve a influência mais extensa, foi Erasmo de
Ki uterdam. Foi um grande escritor latino, que impôs um estilo de pe-
i ullar correção e elegância e teve imitadores e. admiradores em toda a
I in opa, que sentiu por ele vivo fervor. Escreveu uma série de livros
n n in o lidos em todos os países, em especial o Elogio da loucura (Laus
‘.mliiliae), o Enquirídion e os Colóquios. Erasmo, apesar de seu contato
i mu os reformistas, manteve-se dentro do dogma, embora seu catoli-
i i .mo fosse tíbio e sempre mesclado de ironia e crítica eclesiástica.
I t.1.1 no, cônego e próximo do cardinalato, não deixou de ser um cris-
i.iii, talvez de fé menos profunda que a do homem medieval, mas de
• pinto aberto e compreensivo. Com todas as suas limitações e seus
inegáveis riscos, Erasmo, que representa o espírito de concórdia nu-
in.i epoca duríssima e violenta, é o tipo mais acabado do homem re
nascentista.
Alemanha • O Renascimento alemão é de grande importância.
■en caráter é distinto do dos demais países, e talvez tenha maior fe-
. undidade filosófica. Em vez do predomínio do humanismo, com sua
lendêncla marcadamente literária, o pensamento alemão de fins do sé-
i nIo XV e do século XVI está intimamente ligado à mística especulati
va, Suso, Tauler, Angelus Silesius, o autor anônimo da Teologia alemã,
lotlos procedem da mística especulativa de Eckhart; também os místi-
i os protestantes vinculam-se a essa tradição. O Renascimento alemão
inclui igualmente a alquimia, a astrologia e até a magia. Dessa manei-
ia, a especulação mística une-se ao estudo das ciências naturais.
Encontramos essa mescla complexa, e com ela o abandono da fi
losofia racional e rigorosa, em Agrippa von Nettesheim, autor do livro
intitulado De incertitudine et vanitate scientiarum citado acima. Teo-
liasto Paracelso, médico e filósofo singular, levou essas idéias para o
i-studo do mundo físico e do homem, a quem considera um espelho
do universo. A ciência natural deve a Paracelso, apesar de suas extra
vagâncias, alguns avanços.
Maior interesse tem o pensamento religioso e místico. Antes de
i udo, é claro, a teologia dos reformistas, sobretudo de Lutero, e em me
nor grau de Zwinglio; mas essa questão ultrapassa nosso tema. À Re
forma vincula-se o humanismo alemão de Melanchthon e Reuchlin,
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H is t ó r i a d a f i l o s o f i a
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II. O COM EÇO DA FILOSOFIA MODERNA
ginal dos problemas, por homens que não são mais do século X II1,
mas são movidos pelos temas da modernidade. Caso fosse necessária
alguma prova disso, basta assinalar alguns fatos claríssimos: dessa Es
colástica sai algo tão moderno como o direito internacional; seu n ú
cleo principal está formado por jesuítas, os grandes homens de seu
tempo; e, antes de tudo, esses pensamentos têm seu centro no Conci
lio de Trento, ou seja, estão situados no ponto crucial da época m o
derna, na luta da Reforma e da Contra-Reforma. E lembremos a pro
funda influência, mais ou menos explícita, de Suárez em Descartes,
Leibniz e em toda a filosofia alemã até Hegel; sua presença efetiva,
portanto, em toda a metafísica moderna.
1. N icolau de Cusa
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O C O M E Ç O DA F IL O S O F IA M O D ERN A
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2. G iordano Bruno
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O C O M E Ç O DA FILOSOFIA MODERNA
1 A física m oderna
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O C O M E Ç O DA FILOSOFIA M ODERNA
....... l*i His ipio unitário de máxima generalidade. Com os dois gran-
.1. i in ,i i iimeiitos matemáticos do século XVII, a geometria analítica e
>'< d. iil" iu11n 11esimal, a física já pode seguir seu caminho, o “seguro
i iutnI ii i da ciência”, de que falará um século depois Kant.
\n.ii m eza • Aristóteles entendia por natureza o principio do mo-
\
min iiin, iiui ente é natural quando tem em si mesmo o princípio de
............. imciitos, e, portanto, suas próprias possibilidades ontológi-
.............. eito de natureza está muito vinculado à idéia substancial.
A . .un, uin cachorro é um ente natural, ao passo que uma mesa é ar-
iilii ul, obra da arte, e não tem em si princípio de movimento. A físi-
i i ai i .lisielica e medieval é a ciência da natureza, que procura desco
lo u ii pmu Ipio ou as causas do movimento.
1 )e‘,( le o ockhamismo se começa a pensar que o conhecimento
............ uiliecimento de coisas, mas sim de símbolos. Isso nos leva ao
pi ie,ii matemático; e Galileu dirá taxativamente que o grande livro
i ' naiiueza está escrito em caracteres matemáticos. O movimento
Mi .listei ico era um chegar a ser ou deixar de ser; portanto, era enten-
d ii lis de modo ontológico, do ponto de vista do ser das coisas. A par-
iii i li- c ialileu, o movimento será considerado como variação de fenô-
......... . algo quantitativo, capaz de ser medido e expresso matematica
mente A física não será ciência de coisas, mas de variações de fenôme-
M.r, lhante do movimento, a física aristotélica e medieval pedia seu
/>iln< ipio, portanto uma afirmação real sobre coisas; a física moderna
iriiiuu ia aos princípios e só pede sua lei de fenômenos, determinada
mau-niaticamente. O físico renuncia a saber as causas e se contenta com
uma equação que lhe permita medir o curso dos fenômenos. Essa re
nuncia extremamente fecunda separa a física do que é outra coisa, por
•.e m p l o filosofia, e a constitui como ciência positiva; assim se engendra
,i I liste a moderna. (Ver Zubiri: La nueva física.)
O inélodo • Durante muito tempo acreditou-se que o que ca-
ia< teriza a nova física é o experimento. Diferentemente da física esco
la.tica, racional, a de Galileu seria experimental, empírica, e nasceria
da observação da natureza. Isso não é correto; o que diferencia a físi-
-.i moderna é a chamada análise da natureza. O ponto de partida do fí
sico e uma hipótese, ou seja, uma construção a priori, de tipo matemá-
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( ) C O M E Ç O DA FILOSOFIA MODERNA
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O C O M E Ç O DA FILOSOFIA M ODERNA
...........Un Irtlf», ti.to admite que a matéria signata quantitate seja o prin-
ipin iinh\lihi.ilii aclor. O que é decisivo no indivíduo é sua incomuni-
g/'ili./,i,/i , Mi.uez afirma que os elementos constitutivos de cada
mili i in. i.i ..in princípios de individuação: sua unidade modal consti-
ini ..... Ii\tdualidade do composto. As investigações de Suárez sobre
N |ii i iMUilldadc, de interesse trinitário e antropológico, são extrema-
........ .up,mas.
I'.ii.1 '«uarez, a única analogia entre o ser, que é predicado de
..... I " pi i ipi io e absoluto de Deus, e as coisas é que são criadas com
ii I.......... . .1 Divindade. A supressão da distinção real entre essência e
.............. . tido significa uma identificação do ser divino e do ser cria-
d " pnh .ao. respectivamente, a se e ab alio, necessário o primeiro e
..... .ingente o segundo. Suárez concede valor apodíctico para a de-
....... ii.n..io da existência de Deus apenas aos argumentos metafísicos
. ......... ;i impossibilidade de ver e conhecer naturalmente Deus, a
..... a i de maneira indireta, refletido nas criaturas.
Im seU Tratado das leis, Suárez toma posição na questão da ori-
|t; in do poder. Nega a teoria do direito divino dos reis, usada pelos
1111 oi •.limt.es, segundo a qual o rei obteria seu poder imediatamente de
I 'i ii i alii m a a tese da soberania popular; a autoridade real se funda
0.... ii .entimento do povo, que é quem tem o poder, derivado de
1'■11 .| >ode destituir os soberanos indignos de governar2.
^ %
225
(> idealismo do século XVII
227
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
228
I. D e s c a r t e s
229
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
/ () problema cartesiano
231
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
232
D esc a r tes
’ <f h o m e m
233
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
3. Deus
IM^IK *|iH* " laca ver como evidente o mais falso. Então a evidência
fllli «i i \n t.i para nada, e não se. poderia afirmar outra verdade senão
d d*' i|in en existo; e esta porque, é claro, se me enganam, o engana-
dii «nu i n, ou, o que dá na mesma, eu, o enganado, sou. O homem fi-
......li 1111111 \amente preso em si mesmo, sem poder saber com certe-
-.i ii id i .alvo sua existência. Quem poderia enganar-me de tal modo?
I ii ii mi \istisse; não sabemos, mas tampouco sabemos o contrário.
(Km* "da .e que isso se afirma do ponto de vista do conhecimento ra-
........I i lilosófico, sem considerar a revelação, que Descartes exclui
dn Anibiio da dúvida.) Mas se Deus me enganasse desse modo, me fa-
. o, li.. k r o que não é, submergindo-me no erro, não por minha de-
1 i I id. nem por minha precipitação, mas por m inha própria evi-
i n .ii ti n i seria Deus; repugna pensar tal engano por parte da Divin-
I ii li l liio sabemos se existe Deus; mas se existe, não pode me engá7"'
............ m poderia fazê-lo seria algum poderoso gênio maligno. Para
• in in, i , seguros da evidência, para que possamos nos fiar da verda-
li qin .e mostra como tal, com suas provas claras e distintas ao al-
j ..... i la mao, teríamos de demonstrar que Deus existe. Sem isso, não
I" nli iiii is dar mais nenhum passo na filosofia, nem buscar outra ver-
i lin li .euao a de que eu sou.
\demonstração de Deus • Com efeito, Descartes prova a exis-
- 111ia de Deus. E a demonstra de várias maneiras, com argumentos
li ili 11a es diversos. Por um lado, diz Descartes, encontro em minha
un nn a idéia de Deus, isto é, de um ente infinito, perfeitíssimo, om-
l"'ii 111e ,|ue sabe tudo etc. Pois bem, essa idéia não pode proceder
dn nada. nem tampouco de m im mesmo, que sou finito, imperfeito,
h 11;11 eheio de dúvidas e ignorância, porque então o efeito seria su-
|n i n »i a eausa, e isso é impossível. Por conseguinte, a idéia de Deus
..... de tei sido posta em m im por algum ente superior, que corres-
Iniiula a perfeição dessa idéia, ou seja, por Deus ele mesmo; e assim
• |iiova Mia ex istê n cia .
A outra demonstração é aquela que desde Kant se costuma cha
mai de onlológica, isto é, o argumento de Santo Anselmo no Proslogion
' ■n li ,u 11na). No entanto, há profundas diferenças entre o sentido des-
.e ai)',umenio e a prova cartesiana. Descartes diz: eu tenho a idéia de
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
237
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
fill filhoI iiih lliyrir possumus, quam rem quae ita existit, ut nulla alia re in-
......... <i<l , \hicndum. A substância se define, portanto, pela indepen-
h in i.i. . i substancia é não necessitar de outra coisa para existir; tra-
ii t di uma determinação negativa, que não nos diz o que é sersubs-
Iflih i . i |iii ativamente.
li. h i mi ro lado, Descartes adverte que a rigor o único ente inde-
I 11 I• ni. . I )eus, uma vez que os entes criados necessitam dele, e a
|imI i i i mi /"./iinda não se aplica univocamente a Deus e a eles, só se
.i|aii .1 i/nit/iieii amente. Mas é aqui que começa a dificuldade. A mente
*■............ dn .e chamam substâncias porque só precisam de Deus para
■ i in di Descartes; têm, portanto, uma independência relativa,
......... i d a Mas Descartes agrega que não podemos conhecer a subs-
lam i.i /m/ -,i só, porque não nos afeta, e só a apreendemos por algum
im liuin, por exemplo a extensão ou o pensamento. E então temos de
-li ii i |" iguntar: que há de comum entre Deus e os entes criados.
mii |ii i nina chamá-los igualmente de substâncias?
I 'i ,ines aclara que assim se chamam apenas por analogia; mas
uma anali i',ia - como já mostrou Aristóteles - exige um fundamento
111ii . |a, por certo, unívoco. Qual pode ser o fundamento comum da
in iln eii a substância cartesiana? A única característica definitória da
n l' ......... a e para Descartes a independência. Mas esta é também ana-
lurii u, pi ns a independência das substâncias criadas é apenas relativa,
i • li li u lamento da suposta analogia é por sua vez analógico; o que
• que. ale d dizer que a noção de substância em Descartes é equívoca.
' "in i l.-ito, Descartes não tem uma noção suficiente do ser, para ele é
d e n t.in ehvio que acredita poder prescindir de seu sentido para se
"liai diretamente dos entes. E esta é a deficiência radical da metafí-
ii a i ai l e s i a n a , cujas conseqüências afetam toclo o pensamento da
11 un a moderna.
* * *
Vemos, pois, que Descartes tem de passar por Deus para chegar
i" mundo, e que, mesmo renunciando à teologia, há um momento
■m que tem de se ocupar intelectualmente de Deus. Mas certamente
239
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
4. O mundo
240
D esc a r tes
241
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
mente existo entre elas, e a verdadeira realidade são as coisas - res. Sei
quer dizer ser em si, ser independente de mim. O idealismo, pelo contra
rio, pensa que nada sei de seguro exceto eu mesmo (o cogito); que_so
sei das coisas na medida em que as veja, toque, pense, queira etc. (a
palavra cogitatio não significa apenas pensar, mas todo ato psíquico);
ou seja, na medida em que estejam em relação comigo e eu seja teste
munha delas. Não sei nem posso saber como são as coisas separada-,
de mim; nem sequer se existem em m im , pois nada sei delas sem es-
tar presente. O u seja, as coisas aparecem como sendo para mim; são,
gortanto, idéias minhas, e a realidade que lhes corresponde é essa rea-
lidade ideal. O eu funda o ser das coisas como idéias suas; é isso o
idealismo.
Como, ern princípio, a razão não é o ponto em que o homem se
vincula à realidade suprema de Deus, mas algo privativo, reduzido a
sua subjetividade, o racionalismo se converte forçosamente em idea
lismo; por isso será preciso que Deus salve essa subjetividade e garan
ta a transcendência do sujeito.
Descartes funda sua filosofia nesses dois princípios. A partir de
então e até nossos dias, a filosofia será ambas as coisas - racionalista e
idealista - com raras exceções. Foi só nestes últimos anos que a meta
física chegou a posições que, partindo da grande verdade parcial con
tida nos dois princípios cartesianos, corrigem a dimensão de erro que
os aíeta. Por um lado, percebe-se a essencial dependência que o eu,
por sua vez, tem em relação às coisas, com as quais sempre depara em
sua vida; por outro, altera-se a idéia exclusivista da razão especulativa
e de tipo matemático. Na Espanha, Ortega deu um passo decisivo
nesse sentido: sua metafísica da razão vital'.
242
11. O CARTESIANISMO na F rança
I M alebran che
244
O CARTESIANISMO NA FRANÇA
245
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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O c a r t e s ia n is m o n a França
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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( ) ( A RI tiS tA N IS M O NA F R A N Ç A
249
III. E s p in o s a
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
1. M etafísica
252
E s p in o s a
cia única, que. obriga a identificar esta com Deus, por um lado, e com
a natureza por outro: Deus sive substantia sive natura. Nesse momento
surge o panteísmo de Espinosa. Em sua filosofia, praticamente não se
ocupa de outra coisa senão de Deus; mas isso, que poderia parecei
uma nova teologia, não é mais que o estudo metafísico da substância,
e, ao mesmo tempo, a consideração racional da natureza, entendida,
ao modo cartesiano, geometricamente.
No sistema de Espinosa, como em todos os demais do século
XVII, é preciso garantir a existência de Deus. E isso num sentido tal
vez ainda mais extremo, já que tem de atribuir à própria natureza, ju n
to com o caráter substancial, a divindade. Ser não quer dizer em Espi-
nosa ser criado por Deus, mas simplesmente ser divino.
2. Ética
254
IÍS P IN O S A
i III parle da Ética, Espinosa expõe uma idéia do ser como afã
l. pinliii.il n ilimiamente, que importa conhecer, ainda que seja com su-
ffU. In. vnl.icle ioda coisa - diz Espinosa enquanto está em si, tende a
i i ■ . i i i e i n .eu ser, e esse esforço (conatus) não é senão a essência
illllid i Ia m >isa; esse esforço envolve um tempo indefinido, infinito: é um
II , I.........a mar sendo sempre. A mente humana tende a perdurar inde-
1111111a 111e111e e e consciente desse esforço, que, quando se refere ape-
............. uie, se chama vontade, e quando se refere simultaneamente à
11ii 111• i ao corpo, se chama apetite; e esse apetite de ser não é senão a
I o 111 o ia i i ncia do homem: o desejo é o apetite com consciência.
255
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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IV. L e ib n iz
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258
I .litBNIZ
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2. A metafísica leibniziana
260
I HBN1Z
261
H istória d a filo so fia
262
L e ib n i z
263
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Mas Leibniz faz algo mais. Tenta também uma prova a posterion
e experimental. Se o ens a se é impossível, também o são todos os en
tes ab alio, já que estes só existem por este aliud que é, justamente, o
ens a se; portanto, nesse caso não haveria nada. Se não existe o ente
necessário, não há entes possíveis; pois bem, estes existem, já que os
vemos; logo existe o ens a se. Juntas, as duas proposições e n u n c ia d a s
compõem a demonstração leibniziana da existência de Deus. Se o ente
necessário é possível, existe; se não existe o ente necessário, não há nenhum
ente possível. Este raciocínio funda-se na existência, conhecida aposte
riori, dos entes possíveis e contingentes. A fórmula m ínim a do argu
mento seria esta: Existe algo, logo existe Deus1.
3. O con hecim en to
1. U m a análise dos problemas que essa prova coloca pode ser lida em meu en
saio “El problema de Dios en la filosofia de nuestro tiempo” (em San Anselmoy Io insen
sato). 1Obras, IV.]
264
L e ib n iz
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4. Teodicéia
266
L e ib n iz
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
Deus cria os homens, e os cria livres. Isso quer dizer que decidem
agir livremente, embora tenham sido determinados por Deus a cxisili
Deus quer que os homens sejam livres e permite que possam pe< ai
porque é melhor essa liberdade que a falta dela. O pecado aparei <-,
portanto, como um mal possível que condiciona u m bem superiot a
liberdade humana.
D e u s n a f ilo s o f ia d o s é c u lo X V I I • Vimos que, apesar do isola
mento da teologia, Deus não estava perdido. Toda essa filosofia racio
nalista e idealista, de Descartes a Leibniz, pode surgir porque Deus
está lá, seguro embora isolado. A razão talvez não possa conhecer a
essência divina, não possa fazer teologia, mas sabe com certeza que
Deus existe. A situação da época, insisto, é que Deus esíá um tanto
afastado, um tanto inacessível e inoperante na atividade intelectual,
mas, não obstante, seguro. Apóiam-se nele, embora não seja um tema
em que os olhares se detenham com interesse constante. Deixa de sei
o horizonte sempre visível para se transformar no solo intelectual da
mente européia do século XVII.
É isso o que dá uma unidade profunda ao período da história da
filosofia que vai de Descartes a Leibniz. Esse grupo de sistemas apare
ce envolto num ar comum, que revela uma filiação semelhante. Perce
be-se uma profunda coerência entre todas essas construções filosóficas
que se apinham nesses decênios. E esse conjunto de sistemas filosófi
cos aparecerá contraposto a outro grupo de altos edifícios metafísicos:
o chamado idealismo alemão, que começa com Kant para culminar em
Hegel. A filosofia da época romântica dirigirá uma crítica à totalidade
da metafísica do tempo barroco. Nessa objeção, esses sistemas apare
cem formando um todo, sem nenhuma distinção entre eles; interessa
rá ver o sentido dessa qualificação de conjunto. Essa filosofia é denomi
nada dogmática. Que quer dizer isso? Teremos de ver qual o destino do
problema de Deus nas mãos dos idealistas alemães. Esse problema se
expressará na questão do argumento ontológico e nos revelará a situa
ção metafísica da nova etapa da filosofia moderna2.
2. Ver meu ensaio“La pérdida de Dios” (em San Anselmoy el insensato). [Obras, IV |
268
() empirismo
I A FILOSOFIA INGLESA
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1. Francis Bacon
271
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as leis da natureza.
Essa indução baconiana, também chamada incompleta por oposi
ção ã que se baseia em todos os casos particulares correspondentes,
não dá uma certeza absoluta, mas sim suficiente para a ciência, quan
do é realizada com o máximo de escrúpulos. Em certo sentido, esse
método se opõe ao do racionalismo filosófico e também ao da físn a
matemática moderna, desde Galileu. Bacon não teve uma consciência
clara do valor da matemática e do raciocínio apriorístico, e seu empt
rismo foi muito menos fecundo que a nuova scienza dos físicos renas
centistas e o racionalismo dos filósofos procedentes do cartesianismo
2. Hobbes
272
A 1 ILOSOI IA INGLESA
273
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
275
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
/ I oi hc
277
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
278
A FILOSOFIA INGLESA
279
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
280
A i ILOSOt IA INGLESA
in 11 >• ii.e, i r. i spn iiiv, e Deus, que é quem age sobre eles e
tliM .ih i mu 1111111*li • in.iti i ul" Nao só vemos as coisas em Deus, mas,
■ M l U ul» , 'mu I 'i tf vivemos, nos movemos e somos”.
h Hume
|iu ........I„ i iiimu.i lirme. Hume faz uma nova crítica da idéia de
'ili ..... d. .lemdo com a qual a percepção e a reflexão nos dão
ut............... li i lemeutos c|ue atribuímos à substância como suporte
I. li mis ii.lis i in minamos em nenhuma parte a impressão de subs-
I .......un i as impressões de cor, dureza, sabor, cheiro, extensão,
281
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
282
A 1 1 | , I I IA IN* .1 I SA
\i si 11la t ii Oi f sfl
1 i 1111• i|i.ili i ii ..li lis, ,|. .........la ,an I liomas R eid (1710-
» i ii||. 1 ’iis m»ii I ■' III'Ml i ) piinieiin est u v n i An Inquiry
|| 11.1 »>i i.. Mm/ hm ili. ........./i|i i nniniiin '•en m i.ssays on the
11 um i it|ie » i i i'. I .i..'M/In hllvi /Vin-ce. o/ Man; o segun-
I I L un Ml i'/ lln ('lilli' "fin u / l l n lliiinmi ■
\/mi./ i • i i / Í I mi , I)/ Moidl Phi-
l' I M.,1 I„ , i , ,/ ................ 1, 1 M iU n f / ' i n v r r U p o i l i o de p a r -
. m11ia• i m11 ............. |■lis lis............. i)'i in do conhecimento.
MM i * I ti i n ii' ............... i ■ ...........I isis i In elo e Imediato, que
d id |.. I ......... 11 ' -I i i d ............. .is isnii nde a razão sã. A
i i.i o -I i His.........is t li in un n ( in .o ao '.enso comum, ao
iH . I ......... " mu........... ili.nl. m.iMina de certeza; todas
i. i li.......... .I.i' i. , diu ida "Im aia evidência imediata.
i H l h i i iiith i n | ...............I n . .. ................. ai ii.is i i u .as e nos ancora novamen-
................... ii i in i d .......... is i a l i l o s o l i e a d a escola escocesa
i ....... i. i ■................. ..... Inimular de modo tnacluro o
I.i • 1 i. 1111 |. i■ i 11111ii 111i.i isi
i ii di ' i ..... li.is. inlliieiii ia na lirança (Royer-Collard
* ii.i i liaulii nlm i i n li» na ( atalunha, onde suas marcas po-
ili in 11 i . i . i is in 1.111Mi . Moncndez belayo.
,’H i
I I. O I l u m in is m o
1. O Iluminismo na França
a) A Enciclopédia
286
O I l u m in is m o
287
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
288
O ILUMINISMO
289
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
b) Rousseau
Rousseau, apesar de suas ligações com os enciclopedistas, tem
um lugar à parte na história do pensamento. Jean-Jacques Rousseau
nasceu em Genebra, em 1712. Era filho de um relojoeiro protestante
e teve uma infância de precoce excitação imaginativa. Depois, sua
vida foi errante e infeliz, com freqüentes indícios de anormalidade.
Suas Confessions, um livro em que exibe, romanticamente, sua intim i
dade, são o melhor relato dela. Obteve um prêmio oferecido pela
Academia de Dijon com seu Discours sur les sciences et les arts, em que
negava que estas tivessem contribuído para a depuração dos costu
mes. Esse estudo o tornou famoso. Rousseau considera que o homem
é naturalmente bom, e que é a civilização que o corrompe. Seu impe
rativo é a volta à natureza. Este é o famoso naturalismo de Rousseau,
fundado em idéias religiosas, que nascem de seu calvinismo originá
rio. Rousseau prescinde do pecado original e afirma a bondade natu
ral do homem, à qual deve voltar. Essas idéias inspiram outro trabalho
seu, o Discours sur Vorigine de Vinégalité parmi les hommes, e ele as apli
ca ã pedagogia em seu famoso livro Émile. Rousseau representa uma
forte reação sentimental contra a dureza fria e racionalista da Enciclo
pédia e escreve uma novela apaixonada e lacrimosa, que teve imenso
êxito: Julie, ou la Nouvelle Héloise. A esse naturalismo vincula-se a
idéia de religião. Rousseau se converteu ao catolicismo, depois nova
mente ao calvinismo e terminou numa posição deísta; a religião de
Rousseau é sentimental; encontra Deus na Natureza, pela qual expe
rimenta profunda admiração.
Mas o que teve conseqüências mais graves foi a filosofia social de
Rousseau. Sua obra sobre este tema é o Contrato social. Os homens,
ito estado de natureza, fazem um contrato tácito, que é a origem da so-
290
O I l u m in is m o
291
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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O iL U M IN IS M O
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
294
O Il u m in is m o
1 Ver meus livros Los Espaüoles (1962) e La Espaha posible en tiempo de Carlos III
(1963).
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111. A FORM A ÇÃO DA ÉPOCA M ODERNA
/ A filosofia e a história
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A F O R M A Ç Ã O DA ÉP O C A M O D ER N A
3. A R eform a
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A F O R M A Ç Ã O DA ÉPO C A M O D ER N A
4. A sociedade m odern a
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a ) A v id a in te le c tu a l
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A FO R M A Ç Ã O DA É P O C A M O D ER N A
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b ) A t r a n s fo r m a ç ã o s o c ia l
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A F O R M A Ç Ã O DA ÉP O C A M O DF.RNA
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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A F O R M A Ç À O DA É P O G \ M O D ERN A
5. A perda de Deus
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H is t ó r ia d a f il ó s ó p ia
crer, mas não é possível que os que não crêem não estejam instruídos
das razões para crer...”
Assim, mediante essa primazia do negativo a progressiva secula-
rização das crenças vai adquirindo vigência. E isso explica por que,
assim como antes não havia razões particulares em cada uma para
justificar o fato de que tivessem seu fundamento na Divindade, tam
pouco agora existem provas suficientes para explicar a exclusão de
Deus das disciplinas intelectuais. Nosso tempo, com o imperativo de
não partir de nenhuma das cluas atitudes, e de justificar as coisas, te
ria de falhar no que diz respeito a questão tão grave.
Tentei mostrar a que céus desconhecidos e impenetráveis, como diz
Paul Hazard, Deus fora relegado. Mas também vimos que, ape'sar de
tudo, Deus permanecia seguro e firme na filosofia do século XVII.
Como é possível esquecer essa dimensão e só prestar atenção à outra,
que nos afasta da Divindade?
Disse antes que Deus deixa de ser o horizonte da mente para tor
nar-se seu solo. Com efeito, o divino não é mais objeto da considera
ção e da ciência, é apenas seu pressuposto. O homem não vai a Deus
porque lhe interesse, o que lhe importa é o mundo. Deus é tão-somen
te a condição necessária para reconquistá-lo. Uma vez seguro, Deus
não importa mais. O homem, do que menos se ocupa é do solo; pre
cisamente por ser firme e seguro, prescinde dele para prestar atenção
a outras coisas; assim, o homem moderno, esquecido de Deus, volta-
se para a natureza. Na passagem da Idade Média para a Idade Moder
na vemos um exemplo máximo dessa dinâmica histórica que às vezes
transforma em pressuposto, com função tão diferente, o que antes era
horizonte para o homem.
Mas há, sobretudo, outra razão m uito mais decisiva. O processo
a que assistimos brevemente não termina aqui. A metafísica de Des
cartes a Leibniz é só uma primeira etapa. Veremos como o idealismo
alemão, em Kan:, acaba perdendo totalmente Deus na razão especu
lativa, ao declarar impossível a prova ontológica. Portanto, desde O c
kham até o idealismo alemão avança-se nesse afastamento de Deus,
que se perde para a razão teórica. Em Leibniz se está apenas na meta
de do caminho. O que então é ascendente, o que tem mais pujança, o
308
A FO R M A Ç Ã O DA É P O C A M O D ER N A
309
O idealismo alemão
I. K a n t
A) A D O U T R I N A K A N T I A N A
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Kant
I. Idealism o transcendental
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314
K ant
2. A “Crítica da raz ão p u ra ”
a) Os juízos
O conhecimento pode ser a priori ou a posteriori. O primeiro é
aquele que não funda sua validade na experiência; o segundo é aque
le que deriva dela. Este último não pode ser universal nem necessá
rio; portanto, a ciência exige um saber a priori, que não esteja limita-
315
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
316
Miifeíitos a priori, embora pareça uma contradição, e são estes que in-
ti tessam à ciência, porque preenchem as duas condições exigidas:
saia, por um lado, a priori, ou seja, universais e necessários; e, por ou-
tin, sintéticos, isto é, aumentam efetivamente meu saber. 2 + 2 = 4, a
si una dos três ângulos de um triângulo é igual a dois retos são juízos
aiiieiicos a priori; seus predicados não estão contidos nos sujeitos;
11nitudo, os juízos não se fundam na experiência. Também fora da ma-
ti m.tlica, na física e na metafísica, encontramos juízos sintéticos a prio-
i 1 lodo fenômeno tem sua causa, o homem é livre, Deus existe. O pro-
Itlema da possibilidade dessas ciências se reduz a este outro: como são
I hi .síveis - se o são - os juízos sintéticos a priori em cada uma delas?
b ) O e s p a ç o e o te m p o
c) As categorias
O espaço e o tempo nos separam da realidade das coisas em si. A
sensibilidade só apresenta fenômenos ao entendimento, as coisas já
“deformadas” ou elaboradas por ela. Pensar, como bem mostrou O r
tega, é essencialmente transformar. Mas o entendimento, como a sensi
bilidade, tem também suas formas a priori, com as quais apreende e en
tende as coisas; essas formas são as categorias.
Em Aristóteles, as categorias eram moclos ou flexões do ser, às
quais a mente se adaptava. Em Kant, inversamente, a mente já traz con
sigo suas categorias, e são as coisas que se conformam a ela; é essa a re
volução copernicana. As categorias estão no entendimento, e não imedia
tamente no ser. O que nos separa da realidade em si não é mais só o es
paço e o tempo, agora vem a segunda deformação, a das categorias.
Os juízos e as categorias • Kant parte da classificação lógica dos
juízos, modificada por ele de acordo com quatro pontos de vista: quan
tidade, qualidade, relação e modalidade.
1.
Quantidade:
Universais.
Particulares.
Singulares.
2. 3.
Qualidade: Relação:
Afirmativos. Categóricos.
Negativos. Hipotéticos.
Infinitos. Disjuntivos.
4.
Modalidade:
Problemáticos.
Assertóricos.
Apodícticos.
318
Kant
1.
Quantidade:
Unidade.
Pluralidade.
Totalidade.
2. 3.
Qualidade: Relação:
Realidade. Substância.
Negação. Causalidade.
Limitação. Comunidade ou
ação recíproca.
4.
Modalidade:
Possibilidade.
Existência.
Necessidade.
319
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
d ) A c r í t i c a d a m e t a fís ic a t r a d ic io n a l
320
Kant
si que a existência seja uma perfeição que não pode faltar ao ente per-
li His amo. O u seja, interpreta-se a existência como algo que está na
i ciMi Mas Kant afirma que o ser não é um predicado real: Sein ist kein
h (des Prádikat. A coisa existente contém tão-somente a coisa pensada:
< tiao fosse assim, esse conceito não seria dela. Cem escudos reais -
di Kant no seu famoso exemplo - não têm nada que cem escudos
I iiisstveis não contenham. No entanto, continua ele, para mim não dá
na mesma ter cem escudos possíveis ou cem escudos reais; em que
i (insiste a diferença? Os escudos efetivos estão em conexão com a sen
sação; estão aqui, com as outras coisas, na totalidade da experiência,
t >u seja, a existência não é uma propriedade das coisas, é a relação
i li las com as demais, a posição positiva do objeto. O ser não é um pre
dicado real, mas transcendental. Para a metafísica do século XVII ele
i ia real, e por isso admitia a prova ontológica; esse é o sentido do
i (iialificativo que lhe aplica Kant: dogmatismo, ignorância do ser como
transcendental.
As idéias • As três disciplinas da metafísica tradicional não são
\a lidas. A metafísica não é possível como ciência especulativa. Seus te
mas não entram na ciência, mas ficam abertos - sem possível refuta-
i.ao - para a fé: “Tive de suprimir o saber - diz Kant - para dar lugar
a crença.”
Contudo, a metafísica existe sempre como tendência natural do
homem para o absoluto. E os objetos da metafísica são os que Kant
i hama de Idéias; são como as novas categorias superiores correspon
dentes às sínteses de juízos que são os raciocínios. Essas idéias, por
não serem suscetíveis de intuição, só podem ter um uso regulativo. O
homem deve agir como se a alma fosse imortal, como se fosse livre,
(omo se Deus existisse, embora a razão teórica não possa demonstrá-
lo. Entretanto, este não é o único papel das Idéias. As Idéias transcen
dentais unem a essa validade hipotética na razão especulativa outra
absoluta, incondicional, de tipo diferente; reaparecem no estrato mais
profundo do kantismo como postulados da razão prática.
321
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
3. A r a z ã o prática
322
Kant
323
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
324
Kant
B) O PROBLEMA D O KANTISM O
325
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
326
Kant
Portanto temos: I o, que o que é presente hoje não o era faz trin-
i i .mus; conseqüentemente, a realidade do kantismo é dada por cada
I 'N ente em que se atualiza, e vemos que, longe de nos ser indiferen-
i< is 11lio nos interessa é o que o kantismo foi em cada momento. No
limdo, a evocação do kantismo enquanto tal, isolado do que foi para
i is sucessores, é falsa, já que se funda numa pura miragem que é a se-
emiitc: quando pretendo voltar a esse kantismo em si, o que faço é
•iiu.ilizá-lo mais uma vez num presente meu, não no de Kant. Atualizo-o
mim presente, e além disso tomo-o pelo de Kant; aqui está o erro.
O kantismo é aquele que esteve atuando nas diversas filosofias-
' ii.to outro; aquele - e não outro - que encontro em m im como pas-
.11 Io. O que não quer dizer que eu não possa descobrir nele dimen-
.1 iis, novas e que estas não tivessem atuado; quer dizer apenas que es-
s.r, dimensões não teriam realidade atual até agora.
lirata-se de algo que se pode aplicar a toda a história da filosofia.
( ) que justifica dizê-lo a propósito de Kant é que o kantismo foi um
lauto oscilante e teve interpretações muito diversas; houve vários kan-
lisinos diferentes, mais ou menos autênticos. Vamos ver os três prin-
i ipais momentos da interpretação de Kant:
a ) O id e a li s m o a le m ã o • Kant aparece como gerador de um es-
I dendido movimento filosófico: o idealismo alemão. Tanto é assim que
os idealistas começam apresentando suas filosofias como interpreta-
i oes de Kant. Fichte chega a dizer: “Kant não foi bem entendido; eu o
entendi, talvez melhor que o próprio Kant.” Adota u m ponto de vista
dtlerente do de Kant para explicá-lo, e em seguida Fichte e os demais
idealistas fazem suas respectivas filosofias. Portanto, o que fazem com
Kant é: fazer sua própria filosofia pelos caminhos kantianos e, partin
do de Kant, dar continuidade ao que Kant não fez. Em suma, os três
grandes idealistas - Fichte, Schelling e Flegel - pretendem fazer a me
tafísica que Kant não chegou a fazer. Já veremos até que ponto isso é
verdadeiro.
b ) O n e o k a n ii s m o • Vejamos o segundo momento. Convém pres-
tar atenção a seu nome: neokantismo. Uma expressa atualização de um
passado, já que não são kantianos, mas neo-kantianos, isto é, algo que
não é atual, mas que precisa ser renovado, atualizado. Os exegetas do
327
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
328
Kant
2. O con hecim en to
.3. O ser
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Kan t
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Kant
333
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
4. A filo so fia
334
l lia ii.ío aparecem aqui como objetos da razão teórica, e sim da
hw i" piátiea. Não se chega a esses objetos mediante um saber espe-
l itlai t\a1,0 homem apreende a si mesmo como pessoa moral, de m odo
....... li monstrável, mas com imediata evidência para o sujeito. F esse
l,i, 111111 da moralidade exige ser explicado. Que coisas tornam possível
I........ I n unem ser uma pessoa moral? A liberdade da vontade, a imor-
t d id a d e e a existência de Deus. A razão prática nos põe em contato
um mia, incondicional e absoluto com estes seus postulados. A razão
pi.titi a consiste na determinação absoluta do sujeito moral. Este é o
.......dia radical da razão pura kantiana.
II. F ic h t e
337
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
1. A m etafísica de F ich te
338
F ichte
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
340
F ic h t e
........ b|i in, o objeto desse ato. Um ato supõe: um sujeito que o execu-
i .i is pinpiio ato e o objeto para o qual aponta esse ato. Essa idéia da
............... li i . i Iu lade radical do homem determinou toda a filosofia atual.
I ii.iii i estranho que essa filosofia tenha se voltado para Fichte na
qii duI ii le de seu antecedente clássico.
\u ai idade • A posição do eu e do não-eu - ou seja, tudo -resul-
ii . eimdo liichte, num ato. A realidade é, pois, pura atividade, agili-
ilti.li não substância ou coisa. Isso é decisivo e constitui o que há de
..... . |uolundo e original na metafísica fichteana. E como essa realida-
di • i luiida num ato do eu, a filosofia de Fichte é também idealismo.
I n i l ii lite, esse idealismo transcendental é a única filosofia própria
dis I...... e m livre; ele diz, num a frase famosa: “O tipo de filosofia que
m . .. i dhe depende do tipo de hom em que se é.”
2 () idealism o de F ich te
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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I I I . SCHELLING
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S c h e l l in g
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
346
IV. H e g e l
lera que castigou Berlim, no dia 14 de novembro de 1831. Nesse dia ter
minava uma genial etapa da filosofia, e talvez uma época da história.
Além das obras mencionadas, devem-se citar várias outras impor
tantíssimas, publicadas como lições dos cursos de Hegel. Especialmen
te a Filosofia do Direito, a Filosofia da história universal (Vorlesungen über
die Phílosophie der Weltgeschichte), a Filosofia da religião e a História da
Filosojia, primeira exposição da filosofia feita de um ponto de vista ri
gorosamente filosófico.
Hegel foi essencialmente um filósofo. Toda a sua vida esteve de
dicada a uma meditação que deixou uma profunda marca de desgas
te em seu rosto. “Ele era o que era sua filosofia - escreve Zubiri. Sua
vida foi a história de sua filosofia; o resto, sua contra-vida. Para ele, só
teve valor pessoal aquilo que o adquiriu ao ser revivido filosoficamen
te. A Fenomenologia foi e é o despertar para a filosofia. A própria filo
sofia é a revivescência intelectual da sua existência como manifesta
ção do que ele chamou espírito absoluto. O humano de Hegel, tão ca
lado e tão alheio ao filosofar por um lado, adquire, por outro, status
íilosófico ao se elevar para a suprema publicidade do concebido. E, re
ciprocamente, seu pensar conceptivo apreende no indivíduo que foi
Hegel com a força que lhe confere a essência absoluta do espírito e o
sedimento intelectual da história inteira. Por isso Hegel é, em certo
sentido, a maturidade da Europa.”
O pensamento de Hegel é de uma dificuldade só comparável à sua
importância. É a culminação, em sua forma mais rigorosa e madura,
de todo o idealismo alemão. Meu mestre Zubiri, de quem acabo de ci
tar algumas palavras, fez um dos mais fecundos esforços para com
preender e interpretar a filosofia de Hegel. Nas palavras que seguem
se encontrará a marca dessa interpretação.
348
H egel
349
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
2. A “Fenomenologia do espírito”
3. A lógica
350
H egel
Doutrina do ser.
I "gH .1 ....... i Doutrina da ciência.
Doutrina do conceito.
I oDeterminidade (qualidade).
"1 ......... \ 2o Quantidade.
3o Medida.
I oSer (Sem).
2 o Existência (Dasein).
3 o Ser para si (Fürsichsein).
í I o Ser (Sein).
'" i ............. < 2° Nada (Nichts).
[ 3 o Devir (Werden).
351
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
352
H egel
353
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
na, que pân seja theós; no enianto, de outro ponto de vista, nota-se
que o Deus de Hegel, o absoluto, só existe devindo; é, segundo sua
própria expressão, um Deus que se faz (Gott im Werden). A rigor, os
entes finitos não são diferentes de Deus, são momentos desse absoluto,
estágios de seu movimento dialético. E, por último, a criação hegeliana
não é tanto a posição na existência divina, como uma produção ne
cessária na dialética do absoluto.
A ontologia hegeliana • Vemos, portanto, que a Lógica de Hegel,
que começa com o ser, isto é, com o começo absoluto do filosofar, é a
verdadeira ontologia. A Lógica deve ser entendida - diz Hegel - como
o sistema da razão pura, como o reino do puro pensamento. Esse rei
no é a verdade. Portanto, conclui Hegel, pode-se dizer que o conteú
do da Lógica é a exposição de Deus, tal como é em sua essência eterna, an
tes da criação da natureza e de nenhum espírito finito. Depois desse pri
meiro estágio virão, portanto, as outras duas partes da filosofia: a Fi
losofia da natureza e a Filosofia do espírito.
354
H egel
A i A natureza geológica.
li i A natureza vegetal.
i i i ' organismo animal.
355
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
I o Espírito subjetivo.
A) Antropologia: a alma.
B) Fenomenologia do espírito: a consciência.
C) Psicologia: o espírito.
2? Espírito objetivo.
A) O direito.
B) A moralidade.
C) A eticidade.
3? Espírito absoluto.
A) A arie.
B) A religião revelada.
C) A filosofia.
a) O espírito subjetivo
356
H egel
b ) O e s p ír it o o b je t iv o
358
Império Romano; e os povos romano-germânicos (a ancianidade),
' ism ,t contraposição de um império profano e um império espiritual.
I legel vê na história o progresso da liberdade: no Oriente há apenas
um homem livre, que é o déspota; na Grécia e em Roma, alguns (os ci
dadãos); no mundo moderno cristão, todos os homens.
Hegel fazia sínteses grandiosas da história universal: a índia ou o
mmho, Grécia ou a graça, Roma ou o mando... A obra de Hegel é até
Iic>|e a tentativa fundamental de fazer uma filosofia da história. Depois
' li is ensaios de Santo Agostinho (De civitate Dei), de Bossuet (Discoui's
aii l’histoire universelle) e de Vico (La scienza nuova), o livro de Hegel
al jorda com grandeza genial o tema da história. No entanto, nosso tem-
|iis terá de questionar seriamente dois pontos, problemáticos em He-
i'el. Um deles é a denominação de espírito objetivo, aplicado ao Estado,
a história etc. O espírito é a entrada em si mesmo, e depois aparece
nm espírito sem sujeito. Ocorre algo semelhante com a vida social, que
nao é de ninguém, embora a vida se caracterize por ser minha vida, a
vida de alguém. Aqui se vislumbra uma contradição. E o segundo p o n
to inquietante é entender a evolução histórica da Humanidade como
hizão pura, como dialética lógica. Até que ponto é assim? (ver Ortega
y Gasset: La “Filosofia de la histona” de Hegel y la historiología).
c ) O e s p ír it o a b s o lu t o
360
H eg el
361
V. O PENSAMENTO DA ÉPOCA ROMÂNTICA
363
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
2. A escola histórica
364
O P E N S A M E N T O DA É P O C A R O M Â N T IC A
365
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
4. D erivações do idealism o
366
O PENSAMENTO DA ÉPOCA ROMÂNTICA
Í
llerbarl • Johann Friedrich Herbart (1776-1841), contemporã-
ii' is d.is grandes figuras do idealismo alemão, permeado, a contragos-
i" por seu espírito, opõe-se à tendência dominante em sua época e,
i|" iiado no pensamento do século XVIII e, certamente, em Leibniz,
la sua filosofia pessoal, menos brilhante que a de seus coetâneos
I iishte, Schelling ou Hegel, com uma pretensão de realismo. Herbart
368
0 P E N S A M E N T O D A É P O C A R O M Â N T IC A
*.... del Kio • Don Julián Sanz del Rio (1814-69) foi o lunda
Iiii | c In1
,ma principal da escola krausisia espanhola. Balmes e ele
• mi. n,p. uaneos, embora Sanz del Rio tenha vivido vinte e um anos
Egiilft *oi 11 is tlois nomes filosóficos mais importantes da Espanha no
«tli 11lia XIX litn 1843 foi nomeado catedrático de História da Filoso-
|i.i (I i i imvcrsidade de Madri e enviado para realizar estudos na Ale-
...... li i u n I leidelberg foi discípulo de Leonhardi e Roeder e morou
Iiii i i ide Wcber, seu professor de História, onde foi companheiro de
....... I 'i volta à Espanha, foi inspirador de um núcleo filosófico de
M lh 11t.t s italidade, que exerceu influência na vida intelectual e políti-
■i dm.iiiie muito tempo, ao longo de quase todo o século. Apesar dis-
•iii, ia ii valor filosófico é escasso; na hora de entrar em contato com a
11lia -dia alemã, os krausistas escolheram um pensador secundário,
niniiia menos fértil que as grandes figuras da época. Talvez nessa pre
dita, an de Sanz del Rio tenha influído o caráter religioso e moral da
lil i . Ii.i de Krause. O melhor historiador do krausismo espanhol,
I’11•11<* Jobit1, o interpreta como u m movimento pré-modernista, pre-
i in .iai no século XIX da corrente heterodoxa que surgiu em alguns
in ii pias católicos por volta de 1900. Os escritos de Sanz del Rio tive-
..... escassa difusão fora do núcleo de seus discípulos, em parte por
i ii estilo obscuro e ingrato, mas também pelas dificuldades reais do
■u pensamento, que significa u m considerável esforço filosófico, de
i Iel iva importância dentro das possibilidades espanholas de sua épo-
' a As principais obras de Sanz del Rio, que seu autor apresentava
■«iino exposições de Krause, são Ideal de la Humanidad para la vida;
I n i iones sobre el sistema de filosofia analítica de Krause; Sistema de la f i
losofia: Metafísica: Primera parte, Análisis. - Segunda parte, Síntesis; Aná
lisis del pensamiento racional, Filosofia de la muerte; El idealismo absoluto.
O s o c ia l is m o «A influência dos idealistas alemães, sobretudo de
11<gel, e também de Ludwig Feuerbach (1804-72), hegeliano, críti
co da teologia no sentido de um antropologismo ateu, e David Frie-
1. Les krausistes, par l’abbé Pierre Jobit (Paris-Bordeaux, 1936). Cf. meu ensaio El
pensador de Illescas, em Ensayos de teoria (Ohras, IV). Veja-se também El krausismo espa-
úol, de Ju a n López-Morillas (México, 1950).
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
370
O P E N S A M E N T O DA É P O C A RO M Ã N TIC .A
371
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
5. Schopenhauer
372
O P E N S A M E N T O DA É P O C A R O M Â N TIC A
373
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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A filosofia no século XIX
375
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
376
A F IL O S O F IA N O S É C U L O XIX
■11 dele I’or isso, o problema que se colocará para a filosofia depois do
l'n .111\istno é duplo: primeiro, descobrir a realidade autêntica, o que
ili pi ns será chamado de realidade radical, e, em segundo lugar, reivin-
tlii ai a necessidade e a possibilidade da metafísica.
As duas empresas transcorrem simultânea e paralelamente. Não
i li a lazer uma especulação sobre a própria filosofia, em virtude da
qual se mostre a validade do conhecimento metafísico, para depois, já
di posse desse instrumento, investigar a estrutura do real. Pelo con-
i t u io, o esforço do próprio filosofar levará à evidência de que o posi-
n i tno já estava fazendo metafísica, justamente quando pretendia eli
mina la. Fazia metafísica, mas sem sabê-lo, ou seja, de modo pouco
/'iMlIvo, e por isso errôneo e deficiente. E a tentativa de levar a filoso-
li i para sua verdadeira positividade obrigará, por um lado, a reparar
.......ealidades que tinham sido obstinadamente deixadas de lado -
' 'in retamente a esfera dos objetos ideais e a realidade da vida huma
no. com seus peculiares modos de ser e todas as suas conseqüências
' mtológicas; e, por outro, para apreender essas realidades será neces-
■
iíi i o usar instrumentos mentais novos, que darão uma nova imagem
do conhecimento e da própria filosofia.
Desse modo, nosso tempo se encontra na situação de criar uma
nova metafísica que, por sê-lo, está radicada em toda a tradição do
passado filosófico. Depois das antecipações de alguns poucos pensa-
i liares geniais do século XIX, a fenomenologia, a filosofia existencial e
a da razão vital criaram um método de saber e voltaram a atenção
I u r a o m undo ideal e para a realidade da vida. Agora, esta filosofia de
nosso tempo se vê obrigada a descer ao fundo das questões últimas, e
• iam isso adeuire seu máximo radicalismo.
377
p W íjl!
I. A SUPERAÇÃO DO SENSUALISMO
379
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
I . M aine d e Biran
3. Cl. meu estudo El hombrey Dios en la filosofia de Maine de Biran, em San Ansel
mo y el insensato (Obras, IV).
380
A SUPERAÇÃO DO SENSUALISMO
2. O espiritualism o
381
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
382
A SU P E R A Ç Ã O D O S E N S U A L IS M O
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
1. A história
386
O POSITIVISMO DE C O M T E
2. A socied ad e
387
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
388
O POSITIVISM O DE C O M T E
ilio..... in cujo culto se inspira para sua “religião”. E assim chega o fi-
hntili i p. iamvista a resumir seu pensamento num últim o lema: Lamour
1'i'iu /Hun i/>e; l'ordrepour base, et leprogrèspourbut*. Agora vemos o sen-
tyfln pli iiia do título completo da Sociologia de Comte: a política, a so-
|<|<i|.... a e a religião da Humanidade estão inseparavelmente ligadas.
I A ciên cia
* O am or por princípio, a ordem por base e o progresso por fim. [N. da T.]
389
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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O p o s it iv is m o d e C om te
391
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
sua metafísica. Comte talvez não tenha se dado conta disso porque não
tinha a intenção de fazer metafísica; mas a importância central desse
relativismo não lhe escapa. Nele se funda a capacidade de progresso da
filosofia positiva; e com isso, a possibilidade de alterar e melhorar não
só a condição do homem, mas especialmente sua natureza. Nada mais
grave poderia ser dito e, por isso mesmo, nada mais quero fazer a não
ser registrá-lo; um comentário suficiente levaria a problemas que não
podemos nem mesmo formular aqui.
Contudo, não quero deixar de citar umas palavras de Comte, cla
ríssimas e atuais, que evidenciam bem seu pensamento: Hoje é possí
vel assegurar - escreve - que a doutrina que explicar suficientemente o con
junto do passado obterá inexoravelmente, em conseqüência dessa única
prova, a presidência mental do porvir
Vemos, pois, que por trás de seu naturalismo científico há em
Comte, de maneira essencial, um pensamento histórico. E isso é o
que dá à sua filosofia sua maior atualidade e fecundidade. Toda ela
está permeada pelo problema que tentei precisar, no qual se manifes
ta sua unidade mais profunda. E essa unidade é, justamente, o espíri
to positivo.
392
III. A FILOSOFIA DE IN SPIRAÇÃ O POSITIVISTA
1. Os p en sad ores fr a n c e s e s
393
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
394
A FILO SO FIA DE IN SPIRAÇÃO POSITIVISTA
395
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
3. A é p o ca positivista na A lem an ha
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A FILOSO FIA DE INSPIRAÇÃO POSITIVISTA
397
IV. A DESCOBERTA DA VIDA
1. Kierkegaard
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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A d e s c o b e r t a d a v id a
2. N ietzsch e
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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A D ESCO BERTA DA V ID A
403
V. A v o l t a à t r a d i ç ã o m e ta fís ic a
405
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
406
A V O LT A À T R A D IÇÃ O M ETAFÍSICA
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
2. G ratry
408
A V O LT A À T R A D IÇ Ã O METAFÍSICA
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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A filosofia de nosso tempo
I. B r e n t a n o
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
412
Brentano
2. A p sico log ia
414
Br e n t a n o
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
3. A ética
416
B rentano
dos juízps evidentes. Há muitas coisas que nego e outras que afirmo e
ti.is quais creio firmemente, embora o faça por u m juízo mais ou me
nos obscuro, fundado 11a fé, na autoridade, no costume etc. Posso
1 le-lo com absoluta firmeza, mas esses juízos não têm em si mesmos
o fundamento de sua verdade: ou nâo o têm, ou o têm fora deles. Não
tem em si mesmos a justificação de sua verdade, e Brentano os chama
de cegos.
Diferentemente destes, há outro tipo de juízos que Brentano cha
ma de evidentes. Trazem em si mesmos algo como um a luz, que os íaz
aparecer como juízos verdadeiros. São juízos em que não só se acre
dita e que se afirmam, mas que se vê que são verdadeiros, e se vê com
plenitude intelectiva que não podem ser de outra maneira. Creio que
). mais 2 são 4, não porque me disseram, mas porque vejo que é assim
e não pode ser de outro modo. Portanto, os juízos evidentes são os que
trazem em si a razão de sua verdade ou de sua falsidade.
O a m o r ju s to • Voltemos ao problema ético, em que se trata do
bom e do mau. Brentano diz que 0 fato de eu ter amor ou ódio por
uma coisa não prova sem mais nem menos que seja boa ou má. É ne
cessário que esse amor ou esse ódio sejam justos. O amor pode ser jus
to ou injusto, adequado ou inadequado. Pode haver, por outro lado,
um amor que traga em si a justificação de si mesmo. Quando amo
uma coisa porque indubitavelmente é boa, trata-se de um amor justo.
Se amo um a coisa impulsivamente, sem clareza, o amor pode ser ju s
to ou injusto. Quando se vê que a coisa é boa, e pelo fato de ser boa,
0 amor é evidentemente justo. A atitude adequada diante de uma coi
sa boa é amá-la, e ante um a coisa má, odiá-la. E quando um a coisa é
apreendida como boa ou como m á, ela é forçosamente amada ou odia
da. A conduta a ser seguida é outra questão. Brentano lembra 0 verso
clássico: Video meliora proboque, deteriora sequot: A moral, portanto,
está fundada objetivamente. E a estimação, longe de depender do arbí
trio subjetivo, tem de se ajustar à bondade ou maldade das coisas,
como a crença na verdade delas. Dessa ética de Brentano nasceu a teo
ria dos valores, que contém grandes dificuldades internas, mas que
foi um a contribuição central para a ordenação objetiva e hierárquica
do valor e, portanto, para a fundamentação da moral e das demais
disciplinas estimativas.
417
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
4. A existência de D eus
1. Sobre os problemas dessa prova, ver meu estudo El problema de Dios en la/ilo-
sofia de nuestro tiempo, em San Anselmoy el insensato (Obras, IV).
418
II. A IDÉIA DA VIDA
1. Dilthey
419
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
420
A IDÉIA DA VIDA
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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A IDÉIA D A VIDA
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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A IDÉIA DA VIDA
2. Sim m el
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A IDÉIA D A VIDA
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H is t ó r ia d a filo s o fs a
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A IDÉIA DA VIDA
3. B ergson
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A ID ÉIA D A VIDA
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4. Blondel
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A IDÉIA DA VIDA
5. U nam uno
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A IDÉIA D A VIDA
2. Ver m eu livro Miguel cie Unamuno (1943), em que se estuda em sua integrida
de o problem a filosófico que U na m un o coloca e sua contribuição à filosofia atual. Ver
tam bém La escuela de Madrid. (Obras, V).
435
III. A f i l o s o f i a de l ín g u a in g l e sa
1. O p rag m atism o
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A FILO SO FIA D E L ÍN G U A IN G LESA
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A F ILO SO F IA DE L ÍN G U A IN G LESA
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
2. O p e rs o n a lis m o
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A F ILO SO F IA D E LÍN G U A IN G LESA
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A F ILO SO FIA DE LÍN G U A IN G LESA
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A FILO SO FIA DE L ÍN G U A IN G LESA
('• claro que essa clarificação foi feila pela filosofia em todos os tempos,
mas o pensamento inglês atual, sobretudo em Oxford, afirma que a fi
losofia se reduz a isso. Muitos desses pensadores consideram que todo
enunciado científico pode sempre ser reduzido a um enunciado físico,
ou seja, u m enunciado que diga que tal evento se produziu em tal lu-
r,u e em tal momento; isto é, a u m puro enunciado de fato; isso os
leva ao behaviorismo ou descrição da conduta, e em sociologia, a um
behaviorismo social.
Essas posições baseiam-se num a idéia bastante arbitrária da me-
taíísica, identificada com algumas formas muito particulares dela ou,
tnelhor dizendo, com a concepção que esses pensadores forjam dela;
por outro lado, muitas de suas afirmações são tudo menos empíricas
c não se justificam a partir de seus próprios pressupostos. Em geral, a
análise dos “enunciados” deixa de lado aquilo que faz deles enuncia
dos filosóficos, e o pensamento dessa orientação tende mais a fazer
objeções à filosofia que a fazer filosofia. De resto, muitos de seus tra
balhos são contribuições interessantes para o esclarecimento de algu
mas questões.
As relações entre a Europa e os Estados Unidos intensificaram-se
enormemente nos últimos vinte anos e se aceleram cada vez mais. A
lenomenologia, a obra de Heidegger - secundariamente a dos exis
tencialistas -, a de Ortega através de numerosas traduções, a presen
ça de Gilson e Maritain, tudo isso contribui para restabelecer nos Es
tados U nidos a complexidade da filosofia e para superar a unilaterali-
dade da influência inglesa, que dom inou durante alguns decênios.
Por outro lado, o pensamento americano é cada vez mais conhecido
na Europa. É de esperar que nos próximos anos se intensifique a co
municação entre as duas seções da filosofia ocidental, cindida desde o
Renascimento e que desde então só se encontrou em alguns pontos
descontínuos. Somente assim será possível apropriar-se plenamente
da tradição filosófica do Ocidente.
447
IV A F E N O M E N O L O G IA DE HUSSERI
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
1. Os o b je to s id ea is
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2. As significações
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A F E N O M E N O L O G IA D E H U S S E R L
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
qualidade (o caráter do ato que faz com que a vivência seja deste objc
to e desta maneira). Se eu digo “o vencedor de lena” e o “vencido de
Waterloo”, tenho duas representações de u m único objeto intencional
(Napoleão); mas a matéria é distinta, pois num a apreendo Napoleão
como vencedor e na outra como vencido. Resumamos essa explicação
sinopticamente:
Vivência
intencional...'1 >objeto intencional
conteúdos sensações....
não-intencionais sentim entos..
impulsos
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A F E N O M E N O L O G IA D E H U S S E R L
-Acontece que essas vivências são minhas. E que sou eu? A redu-
{iin lenomenológica tam bém tem de se estender a meu eu, e o feno-
11h imlogo “sucumbe” tam bém à epokhé como sujeito psicoíísico, como
I»i i a. ao existencial; resta apenas o eu puro, que não é sujeito histórico,
|U|Ul e agora, mas o foco do feixe que são as vivências. Isso é a cons-
1 1. Mi id pura ou reduzida fenomenologicamente. Portanto, temos ago-
Iti as vivências da consciência pura.
Mas não basta. É preciso dar mais um passo. O fenomenólogo faz
m tcdução fenomenológica e, tendo ficado com as vivências, tem de se
I levar às essências (redução eidética).
As essências • U m objeto qualquer não pode ser descrito porque
in 11 infinitas características. Mas mediante a redução eidética, passa-
'n i li is vivências a suas essências. Que são as essências? Husserl dá um a
■li In lição rigorosa.
O conjunto de todas as características unidas entre si por fundação
i diistítui a essência da vivência.
Suponham os um triângulo; tomo uma característica, a de ser
II |tlilátero; esta característica está unida por complicação ou fundação
i i le ter os ângulos iguais, e assim por diante com muitas outras ca
iai terísticas; todas elas constituem a essência do triângulo eqüilátero.
Husserl distingue entre multiplicidades definidas e não-definidas',
nas primeiras, uma vez estabelecidos alguns elementos delas, dedu-
,nn-se rigorosamente os demais. É o que ocorre com as essências
matemáticas: se estabeleço as características “polígono de três lados”,
deduz-se daí rigorosamente toda a essência do triângulo. Nas outras
multiplicidades não se chega tão simples e exaustivamente à essência.
5. A fe n o m e n o lo g ia com o m étodo
e com o tese id ealista
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6. A filo s o fia fe n o m e n o ló g ic a
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A F E N O M E N O L O G IA DF. H U S S E R L
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
uma decisão, já sou um eu que decidiu de tal modo: o ato passa, a de
cisão fica. Correlativamente, transformo-me a m im mesmo quando
renego m inhas decisões e meus atos. Isso remete ã constituição de um
eu, pessoa permanente, que conserva um “estilo”, u m caráter pessoal.
O eu se constitui para si mesmo na unidade de uma história. Os obje
tos e categorias que existem para o eu se constituem em virtude das
leis genéticas. Por isso a fenomenologia eidética, que para Husserl é
uma “filosofia primeira”, tem duas fases: a primeira, estática, com des
crições e sistematizações análogas às da história natural; a segunda,
genética. Essa gênese se apresenta em duas formas: ativa, na qual o eu
intervém de m odo criador (razão prática), e passiva, cujo princípio é
a associação. Em todas essas constituições, o fato é irracional; mas Hus
serl adverte que “o próprio Jato, com sua irracionalidade, é u m conceito
estrutural no sistema do ‘a priori’ concreto".
A intersubjetividade monadológica • Husserl distingue o eu,
como mero pólo idêntico e substrato dos habitus, do ego em sua ple
nitude concreta, que designa com o termo leibniziano de mônacla. O
ego m onádico contém o conjunto da vida consciente, real e potencial,
e sua explicação fenomenológica coincide com a fenomenologia em
geral. Mas esse solipsismo é corrigido pelo fato de que em m im , ego
transcendental, constituem-se transcendentalmente outros egos, e as
sim u m “m u n d o objetivo” com um a todos. Nela aparece e se dá, por
tanto, um a filosofia com um a “todos nós” que meditamos em comum,
uma Philosophia perennis.
O ego compreende meu ser próprio como m ônada e a esfera for
mada pela intencionalidade; nesta se constitui em seguida um ego
como que refletido em meu ego próprio, em minha mônada; ou seja, co
mo que u m alter ego, que é um análogon, mas ao mesmo tempo outro4
,
trata-se, por conseguinte, da constituição na esfera de m inha própria
intencionalidade do outro como estranho. Essa com unidade de môna-
das constitui, por sua intencionalidade comum, u m único e mesmo
m undo, que supõe um a “harm onia” das mônadas.
Espaço e tempo • Meu corpo, que está imediatamente presente
a todo instante, estabelece uma articulação em minha esfera: me é dado
no modo do aqui, do hic; qualquer outro corpo - e também o corpo
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A F E N O M E N O L O G IA D E H U S S E R L
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
* * *
1. Sobre isso ver Onega: Apuntcs sobre el pensamiento: su teurgiay su demiurgia (O.
C., V, pp. 517-9 e 540-2). Ver tam bém m inha Introducción a lafilosojia: seções “Fenom e
nologia” (cap. IV), "El concepto com o función significativa” (cap. V) e “El problema de
la lógica” (cap. VII). [Obras, II.1
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V. A TEORIA DOS VALORES
1. O problem a do valor
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
coisa boa e não ir atrás dela; mas o que não posso fazer é não estimá-la.
Vê-la como boa já é estimá-la. Os valores não nos obrigam a fazer nada,
exceto essa coisa modesta, pequena e interior que é estimá-los. Va
lor é, portanto, aquilo que as coisas têm que nos obriga a estimá-las.
Mas isso não basta. Temos de nos indagar sobre u m segundo pro
blema. Vimos que há algo que merece e ao mesmo tempo exige o no
me de valor, mas ainda não sabemos nada sobre essa estranha realida
de. E surge a questão fundamental: que são os valores? A resposta a
esta pergunta foi com freqüência errônea; o valor foi confundido com
outras coisas, e só a inconsistência desses pontos de vista equivoca
dos tornou visível a verdadeira índole do valor.
Objetividade do valor • Chegaram a pensar (Meinong) que uma
coisa é valiosa quando nos agrada, e vice-versa. O valor seria algo
subjetivo, fundado no agrado que a coisa produz em m im . Mas acon
tece que as coisas nos agradam porque são boas - ou assim nos pare
cem -, porque encontramos nelas a bondade. A bondade apreendida
é a causa de nosso agrado. Comprazer-se é comprazer-se em algo, e
não é nossa complacência que dá o valor, mas ao contrário: o valor
provoca nossa complacência.
Por outro lado, se a teoria de M einong fosse correta, só seriam
valiosos os objetos que existem, os únicos que podem produzir agra
do em nós; no entanto - como percebeu Ehrenfels -, o que mais va
lorizamos é o que não existe: a justiça perfeita, o saber pleno, a saúde
de que carecemos; em suma, os ideais. Isso obriga Von Ehrenfels a cor
rigir a teoria de Meinong: são valiosas não as coisas agradáveis, mas as
desejáveis. O valor é a simples projeção de nosso desejo. Em ambos os
casos o valor seria algo subjetivo; não algo pertencente ao objeto, mas
sim aos estados psíquicos do sujeito. Mas as duas teorias são falsas.
Em primeiro lugar, existem coisas profundamente desagradáveis que
nos parecem valiosas: cuidar de u m pesteado, ser ferido ou morrer
por uma causa nobre etc. Pode-se desejar mais vivamente comer que
possuir um a obra de arte, ou ter riquezas que viver retamente, e ao
mesmo tempo valorizar muito mais a obra artística e a retidão que a
comida e o dinheiro. A valoração é independente de nosso agrado e
de nosso desejo. Não é algo subjetivo, mas objetivo e fundado na rea
lidade das coisas.
466
A T E O R IA DOS VALO RES
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
opõe o mau; ao belo, o feio etc. O u seja, o valor “beleza” aparece pola
rizado positiva ou negativamente, e assim com todos os demais.
Em segundo lugar, o valor tem hierarquia: existem valores supe
riores e outros inferiores; a elegância é inferior à beleza, e esta à bon
dade, e esta, por sua vez, à santidade. Existe, pois, um a hierarquia ob
jetiva dos valores que aparecem num a escala rigorosa.
Em terceiro lugar, os valores têm matéria, ou seja, u m conteúdo
peculiar e privativo. Não existe simplesmente valor, este se apresenta
segundo conteúdos irredutíveis, que é preciso perceber diretamente:
a elegância e a santidade são dois valores de matéria diferente, e seria
inútil tentar reduzir um ao outro. E a reação de quem percebe os va
lores é diferente segundo sua matéria: a reação adequada ante o santo
é a veneração; ante o bom, o respeito; ante o belo, o agrado etc.
Cabe, portanto, uma classificação dos valores, conforme sua m a
téria e seguindo sua hierarquia; e, em todos os casos, na dupla forma
polar de positivo e negativo. Assim, existem valores úteis (capaz-inca-
paz, abundante-escasso), vitais (sadio-doente, forte-fraco, seleto-vul-
gar), intelectuais (verdade-erro, eviderue-provável), morais (bom-mau,
justo-injusto), estéticos (belo-feio, elegante-deselegante), religiosos
(santo-profano) etc.
Percepção e cegueira para o valor • Os valores podem ser per
cebidos ou não; cada época tem um a sensibilidade para certos valores,
e a perde para outros ou carece dela; há cegueira para u m valor, por
exemplo para o estético, ou para o valor religioso em alguns homens.
Os valores - realidades objetivas - são descobertos, como se descobrem
os continentes e as ilhas; às vezes, em contrapartida, a vista se turva
para eles e o hom em deixa de sentir seu estranho império; deixa de
estimá-los, porque não os percebe (ver Ortega y Gasset: iQ ué son los
valores?, em O.C., VI).
Ser e valer • A teoria dos valores insistiu - talvez cie m odo ex
cessivo - em distinguir o valor do ser. Diz-se que os valores não são,
mas que valenr, não são entes, mas valentes. Mas isso é grave, porque a
pergunta “que são os valores?” tem sentido, e não escapamos do ser
com o subterfúgio do valer. Distingue-se cuidadosamente o bem do
valor; mas convém não esquecer que a metafísica grega dizia ser sem
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A T E O R IA DO S VALO RES
2. Scheler
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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A TEO R IA DO S VALORES
3. H artm an n
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A FILO SO FIA E X IS T E N C IA L DE H E ID E G G E R
1. O problem a do ser
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2. A análise do existir
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A FILO SO FIA E X IS T E N C IA L DE H E ID E G G E R
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
exterior, que não aparece como algo “acrescentado” ao hom em, mas
como já dado com ele.
Nisso se funda a verdade. Heidegger retoma a velha definição tra
dicional da verdade como a d a eq u a tio intellectus et rei, para mostrar sua
insuficiência. A verdade é primariamente descoberta do ser em si
mesmo (àAí|0£ia). E esta descoberta s ó é possível se fundada no “estar
no m u n d o ”. Esse fenômeno, dimensão fundamental e constitutiva do
existir, é o fundamento ontológico da verdade, que aparece fundada,
portanto, na própria estrutura do D asein. Em seu escrito Vom Wesen
d er W ahrheit, 1943, Heidegger coloca a essência da verdade na liber
dade; a liberdade se descobre como o “deixar ser” (S einlassen) do ente;
não é que o homem “possua” a liberdade como uma propriedade, mas
que a liberdade, a “existência” que descobre possui o homem; e Heideg
ger relaciona isso com a historicidade do homem, único ente histórico.
Só “h á ” verdade enquan to e na m edida em que houver existir - diz
Heidegger. O ente só está descoberto e aberto enquanto e na medida
em que há existir. As leis de Newton, o princípio de contradição, qual
quer verdade, só são verdadeiros na medida em que há existir. Antes
e depois não há verdade nem falsidade. As leis de Newton, antes dele,
não eram nem verdadeiras nem falsas: isso não quer dizer que não
existisse antes o ente que descobrem, mas sim que as leis se mostra
ram verdadeiras por meio de Newton, com elas se tornou acessível ao
existir esse ente, e é isso precisamente a verdade. Portanto, só se de
monstraria a existência de “verdades eternas” se se provasse que hou
ve e haverá e x is tir e m toda a eternidade. Toda verdade é, portanto, re
lativa ao ser do existir, o que naturalmente não significa nem psicolo-
gismo nem subjetivismo.
Mas, por outro lado, a verdade coincide com o ser. Só “há” s e r -
não ente - quando há verdade. E só há verdade na medida em que
haja existir. O ser e a verdade, conclui Heidegger, “são” igualmente
originários.
A morte « N a filosofia de Heidegger aparece como u m tema im
portante a questão da morte. O existir é sempre algo inacabado, por
que sua conclusão supõe ao mesmo tempo deixar de ser. Cabe, em cer
to sentido, um a experiência da morte do próximo. Nesse caso, a tota
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1. Sobre esta tradução, ver meu artigo “Estar a la muerte”, em Ensayõs de convi-
vrttcici [Obras, 111].
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* * *
.3. O “ existencialism o ”
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A FILO SO FIA E X IS T E N C IA L DE H E ID E G G E R
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VII. O R T E G A E SUA FILOSOFIA DA RAZÃO VITAL
1. A fig u r a de O rtega
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
termo, que costuma ser chamada de escola de Madri, e à qual estão vin
culados, entre outros, Manuel Garcia Morente, Fernando Vela, Xavier
Zubiri, José Gaos, Luis Recaséns Siches, Maria Zambrano, Antonio
Rodríguez Huéscar, Manuel Granell, José Ferrater Mora, José A. Ma-
ravall, Luis Díez del Corral, Alfonso G. Valdecasas, Salvador Lissarra-
gue, Paulino Garagorri, Pedro Laín Entralgo, José Luis Aranguren e o
autor deste livro.
A partir de 1936, Ortega residiu na França, Holanda, Argentina,
Portugal e Alemanha, com estadas na Espanha desde 1945. Foram
anos de maturação de seu pensamento e de composição de suas prin
cipais obras, durante os quais seus escritos se difundiram no exterior
e podem ser lidos num a dezena de línguas. Por meio dele, o pensa
mento espanhol enquanto tal - Ortega sempre dedicou seu esforço à
meditação sobre a Espanha, e toda a sua obra está condicionada por
sua circunstância espanhola - está presente no m undo. Em 1948 fun
dou em Madri, com Julián Marías, o instituto de Humanidades, onde
ministrou cursos e participou de colóquios sobre vários temas.
E s lilo in t e le c t u a l • Ortega é um grande escritor. Entre a m e ia
dúzia de admiráveis prosistas espanhóis deste século, ocupa u m lugar
insubstituível e, na verdade, n en h u m é superior a ele. Seus dotes lite
rários possibilitaram que levasse a cabo um a transformação na lin
guagem e no m odo de escrever, cuja marca é visível em boa parte dos
autores contemporâneos. Ortega criou um a terminologia e um estilo
filosófico em espanhol, que não existiam; sua técnica - oposta à de
Heidegger, por exemplo - consiste em evitar de m odo geral os neolo-
gismos e devolver às expressões usuais do idioma, profundamente vi
vidas, até mesmo aos modismos, seu sentido mais autêntico e originá
rio, muitas vezes carregado de significação filosófica ou capaz de c o n
tê-la. O uso da metáfora alcançou com ele, além de seu valor de beleza,
outro estritamente metafísico. “A cortesia do filósofo é a clareza”, co s
tumava dizer; e tanto por escrito com o em sua incomparável oratória
docente, atingiu o m áximo de diafaneidade de seu pensamento; Orte
ga extrema o esforço para se tornar inteligível, a ponto de induzir o
leitor, com demasiada freqüência, a crer que, por tê-lo entendido sem
muito trabalho, não tem de se empenhar para entendê-lo por comple
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O rtega e sua filo so fia da razâo vital
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O R T E G A E SU A F IL O S O F IA D A R A ZÃ O V IT A L
a) A crítica do idealismo
R ealism o e id ealism o • A primeira formação de Ortega foi neo-
kantiana; seus anos de Marburgo deram-lhe u m conhecimento m in u
cioso de Kant, um a disciplina intelectual rigorosa, a visão interna cie
uma últim a forma de “escolasticismo” e uma imersão na atitude idea
lista. M uito rapidamente, contudo, como se pode ver em seus prim ei
ros escritos, reagiu de maneira pessoal; pouco tempo depois, Ortega
chegava a posições próprias, determinadas, como veremos, pela sli -
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O r t e g a e s u a f i l o s o f ia d a r a z ã o v it a l
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b) A s etap as da d escoberta
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O r te g a e s u a f il o s o f ia d a r a z ã o v it a l
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
assim como não se pode inventar a realidade, tam pouco se pode fin
gir o ponto de vista.” “Cada hom em tem uma missão de verdade.
Onde está m inha pupila não está outra: o que da realidade m inha p u
pila vê não o vê a outra. Somos insubstituíveis, somos necessários.” E
em 1923 agrega, de forma ainda mais precisa e formal: “A perspectiva
é um dos componentes da realidade. Longe de ser sua deformação, é sua
organização. Uma realidade que vista de qualquer ponto resultasse
sempre idêntica é um conceito absurdo.” “Essa maneira de pensar leva
a uma reforma radical da filosofia e, o que mais importa, de nossa sen
sação cósmica.” “Cada vida é um ponto de vista sobre o universo.” (El
tema de nuestro tiempo. - O .C., III, pp. 199-200).
Razão e vida • Nas mesmas M editaciones del Quijote - a data de
1914 é decisiva para o pensamento de Ortega - inaugura-se um ter
ceiro tema, intimamente vinculado aos anteriores e que interferirá em
ambos ao atingir sua plenitude: o da relação entre a razão e a vida. “A
razão não pode, não tem de aspirar a substituir a vida. A própria opo
sição entre razão e vida, tão usada hoje pelos que não querem traba
lhar, já é suspeita. Com o se a razão não fosse um a função vital e es
pontânea da mesma linhagem que o ver ou o tocar!” “Ao destronar a
razão, cuidem os de colocá-la em seu lugar” (O.C., pp. 353-4). De
forma m uito mais precisa e rigorosa essa idéia reaparece em El tema
de nuestro tiempo, convertida em doutrina da razão vital: “A razão é
tão-somente uma forma e uma função da vida." “A razão pura tem de ce
der seu império à razão vital” (O.C., III, p. 178). E depois: “A razão
pura tem de ser substituída por uma razão vital, em que aquela se localize
e adquira mobilidade e força de transformação.” A filosofia precisa des
terrar seu caráter utópico, “evitando que o que é horizonte flexível e dila-
tável se imobilize em mundo”. “Pois bem: a redução ou conversão do
m undo em horizonte não retira nada de realidade daquele; simples
mente o refere ao sujeito vivente, cujo m undo é, dota-o de um a dimen
são vital” (pp. 201-2). O tema de nosso tempo é, segundo Ortega, a
conversão da razão pura em razão vital: sua filosofia, desde então,
é a realização sistemática dessa tarefa.
O r t e g a e s u a f i l o s o f ia d a r a z à o v it a l
3. A r a z ã o v ita l
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i rcnças em que “se está” e das quais é bem possível que nem sequer se
tenha consciência; quando estas falham, o hom em tem de fazer algo
para saber a que se ater, e isso que o hom em faz, seja o que for, é cha
mado pensamento. Então o hom em chega a ter idéias sobre as coisas.
Pois bem, nem todo pensamento é conhecimento em sentido estrito,
que consiste em averiguar o que as coisas são, o que supõe a crença
prévia de que as coisas têm u m ser e que este é cognoscível para o
homem (ver Apuntes sobre el pensamiento - um breve estudo decisivo,
que contém em germe um a transformação da filosofia. - O.C., V, pp.
513-42).
O conhecimento é, portanto, uma das formas essenciais de su
perar a incerteza e nos leva a possuir não as coisas - estas já as tenho
perante m im e por isso são questão para m im -, mas seu ser. O ser é
algo que eu faço\ mas faço, entenda-se bem, com as coisas; é uma inter
pretação da realidade, meu plano de atença a respeito delas. Esse ser-
e não as coisas - é o que passa para a minha mente no conhecimento:
o ser da montanha, e não a montanha em si mesma. Portanto, o co
nhecimento é uma manipulação, ou melhor, um a “mentefatura” da
realidade, que a deforma ou transforma; mas isso não é uma deficiên
cia do conhecimento, e sim sua essência, e é nisso precisamente que
consiste seu interesse.
O hom em não está nunca em puro saber, mas tampouco no puro
não saber. Seu estado é o de ignorância ou verdade insuficiente. O ho
mem possui muitas certezas, destituídas no entanto de u m fundamen
to últim o e em colisão umas com as outras. Necessita de uma certeza
radicai, um a instância suprema que dirima os antagonismos; esta cer
teza é a filosofia. A filosofia é, portanto, a verdade radical, que não su
ponha outras instâncias ou verdades; tem, além disso, de ser a instân
cia superior para todas as outras verdades particulares. Tem de ser,
portanto, um a certeza autônoma e universal, diferentemente das ciên
cias, que são parciais e dependentes de suposições prévias. Vias a filo
sofia é, ademais, prova de si mesma, é responsável e feita pelo homem, o
que a distingue da religião, que se funda na revelação e vem, portanto,
de Deus, e da poesia ou da experiência de vida, que são “irresponsá
veis” e não consistem em prova, embora tenham universalidade. A fi
507
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
4. A vida humana
509
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
510
O r t e g a e s u a f i l o s o f i a d a r a z ã o v it a l
tiicni é fiel a essa voz que o chama a ser um a determinada coisa e que
por isso recebe o nome de vocação, é vida autêntica', quando o homem
,'.c abandona ao tópico c recebido, quando é infiel a sua ínlima e ori
ginal vocação, falseia sua vida e torna-a inautêntica. A moralidade
consiste na autenticidade, em levar a seu máximo de realidade a vida;
\iver é viver mais. A moral consiste em que o hom em realize seu des-
tino pessoal e insubstituível.
5. A v id a histórica e so cia l
511
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
512
O R T E G A E SU A F ILO SO F IA D A R A Z Ã O V IT A L
513
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
% %
514
O r t e g a e s u a f il o s o f ia d a r a z ã o v it a l
6. A E sco la d e M adri
515
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
d a d e , a s s im c o m o a d e o u t r o s m e m b r o s d o g r u p o , se d e s e n v o lv e u d e
fo r m a s m u ito d iv e rsa s e in d e p e n d e n te s , o q u e c o r r e s p o n d e ta m b é m à
e x ig ê n c ia d e c ir c u n s t a n c ia lid a d e e a u te n tic id a d e q u e c a r a c te r iz a to
d o s Os m a tiz e s d o p e n s a m e n to o r te g u ia n o .
Morente • Manuel Garcia Morenle (1886-1942) nasceu em Ar-
jo n illá (Jaén), estudou em Granada, depois em Bayona e Paris, onde
foi discípulo de Boutroux e recebeu as influências de Rauh e, sobretu
do, de Bergson, que então começava a dominar o pensamento francês;
licenciado em Filosofia em Paris, completou seus estudos na Alema
nha (Berlim, M unique e Marburgo) com Cohen, Natorp e Cassirer, os
três filósofos neokantianos mais importantes. A partir de 1912 foi ca-
tedrático de Ética na Universidaae de Madri, e de 1931 a 1936, deca
no da Faculdade de Filosofia e Letras. Ordenado sacerdote em 1940,
voltou a sua cátedra e morreu em Madri dois anos depois.
Morente teve um a cultura amplíssima e foi admirável professor e
tradutor. Seu pensamento seguiu diversas orientações ao longo de sua
vida; atraído pelo kantismo de seus mestres alemães, ele o expôs adm i
ravelmente em seu livro La filosofia de Kant, que tomava o filósofo aie-
m ão como ponto de partida no passado para um a especulação atual;
depois se interessou por Bergson, a quem dedicou u m breve livro, La
filosofia de Henri Bergson', discípulo e amigo de Ortega, a parte mais
m adura de seu pensamento é um a exposição pessoal da filosofia orte-
guiana, com contribuições de vivo interesse, como seus estudos sobre
o progresso e sobre a vida privada, incluídos no volum e Ensayos; sua
obra mais importante, que reúne sua visão da história da filosofia e
sua orientação pessoal, é a redação de um curso da Universidade de
Tucumán, Lecciones preliminares dc Filosofia6. Depois da guerra civil e
de sua crise espiritual, que desembocou em sua ordenação sacerdotal,
Morente publicou vários trabalhos, reunidos no volume Idea de la His-
panidad, assim como alguns estudos sobre Santo Tomás, antecipações
6. Depois de sua morte publicou-se na Espanha uma nova edição deste livro, com
grandes supressões e alterações, sob o título Fundamentos defilosofia-, uma segunda par
te deste volume foi escrita por Juan Zaragüeta (nascido em 1883, autor de uma obra
muito ampla, resumida em três volumes dc Filosofia y vida).
516
O r t e g a f: s u a f i l o s o f i a d a r a z ã o v it a l .
ainda imaturas do que teria podido ser um a últim a fase de seu pensa
mento interrompido bruscamente pela morte.
Z u b iri • Xavier Zubiri nasceu em San Sebastián em 1898. Fez
estudos de Filosofia e Teologia em Madri, Louvain e Roma; doutorou-
se na primeira destas Faculdades em Madri, com um a tese sobre En-
sayo de una teoria fenomenológica deljuicio, e na segunda em Roma; fez
tam bém estudos científicos e filosóficos na Alemanha; em 1926 foi
catedrático de História da Filosofia na Universidade de Madri; ausen
te da Espanha desde princípios de 1936 até o começo da Segunda
Guerra M undial, foi professor na Universidade de Barcelona de 1940
a 1942. Desde então reside em Madri, afastado do ensino oficial, e
deu um a série de cursos privados, de grande repercussão, ou ciclos de
conferências, desde 1945.
A formação especificamente filosófica de Zubiri revela a influên
cia de seus três mestres principais: Zaragüeta, Ortega e Heidegger.
Seus estudos teológicos e a orientação do primeiro deles proporciona-
ram-lhe um a profunda familiaridade com a escolástica, cuja marca é
bem visível em seu pensamento; Ortega foi decisivo para sua matura
ção e orientação: “Mais que discípulos - escreveu Zubiri -, fomos cria
turas suas, no sentido de que ele nos fez pensar, ou pelo menos nos
fez pensar em coisas e de um a forma que até então não tínhamos pen
sado... E fomos criaturas suas, nós que nos preparávamos para ser en
quanto ele se estava fazendo. Recebemos então dele o que ninguém
mais poderá receber: a irradiação intelectual de u m pensador em for
m ação.” Por último, Zubiri estudou com Heidegger em Friburgo de
1929 a 1931, pouco depois da publicação de Sein und Zeit, e a marca
desse magistério enriqueceu igualmente seu pensamento. A isso se
devem agregar os amplíssimos e profundos conhecimentos científicos
de Zubiri, aos quais dedicou extraordinária atenção durante toda a
vida, desde a matemática até a neurologia, e seus estudos de línguas
clássicas e orientais, sobretudo como instrumentos para a história das
religiões.
A obra escrita de Zubiri foi tardia e descontínua, e ainda é escas
sa. Seus ensaios filosóficos - exceto “Sobre el problema de la filosofia”
e “Ortega, maestro de filosofia” - foram reunidos em 1944 no volume
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
Naturaleza, Historia, Dios; até .1962 não voltou a publicar, e nesse ano
veio a lume seu extenso estudo Sobre la esencia\ em 1963, a redação
de um ciclo de conferências, Cinco lecciones de filosofia.
Os estudos históricos de Zubiri com põem grande parte de sua
obra e são de penetração e profundidade extraordinárias. Estão cons
truídos de maneira sumamente pessoal, como uma tentativa de bus
car as raízes da própria filosofia, e portanto com um a referência à si
tuação atual do pensamento, que lhes confere caráter estritamente filo
sófico. Isso é notório nos primeiros ensaios de Naturaleza, Historia,
Dios, “Nuestra situación intelectual”, “iQ u é es saber?” e “Ciência y rea-
lidad”, que introduzem à consideração do passado; assim como nos
estudos “El acontecer hum ano: Grecia y la pervivencia del pasado fi
losófico”, “La idea de filosofia en Aristóteles”, “Sócrates y la sabiduría
griega” ou “Hegel y el problema metafísico”. De um a perspectiva mais
propriamente teológica, embora com inconfundível presença da filo
sofia atual, “El ser sobrenatural: Dios y la deificación en la teologia
paulina”, talvez o mais ilum inador e profundo de seus escritos. Seu
último livro estuda a idéia da filosofia num a série descontínua de pen
sadores: Aristóteles, Kant, Comte, Bergson, Husserl, Dilthey e Heideg
ger. A significação filosófica da física contemporânea foi estudada no
ensaio “La idea de la naturaleza: la nueva física”.
O mais comentado e influente dos ensaios de Zubiri é “En torno
al problema de D ios” (1935), que busca a dimensão hum ana desde a
qual esse problema deve ser formulado; o homem está implantado na
existência ou im plantado no ser; apóia-se a tergo em algo que nos faz
ser; isso leva à idéia de religação: estamos obrigados a existir porque es
tamos previamente religados ao que nos faz existir. A existência está
não só lançada, como religada por sua raiz. Estar aberto para as coisas
mostra que existem coisas; estar religado descobre que existe o que re-
liga e é raiz fundamental da existência. É isso que Zubiri chama de
deidade: e a religação coloca o problema intelectual de Deus como ser
fundamental ou fundamentante. Daí surgem os problemas da religião
ou irreligião e inclusive o ateísmo, que aparecem formulados nessa
dimensão da religação.
O livro Sobre la esencia foi longamente preparado por meio de
cursos em que Zubiri tratou de diversos problemas de metafísica. É
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O r t eg a e s u a f il o s o f ia d a r a z â o v it a l
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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Apêndice bibliográfico
Citam-se a seguir algumas das obras que mais eficazmente podem ser
vir para o estudo da história da filosofia.
I. D i c i o n á r i o s e h i s t ó r i a s g e r a is d a f i l o s o f ia
52.3
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
111. F i l o s o f i a grega
1) Fontes:
2) Obras gerais:
524
A p ê n d ic e b ib l io g r á f ic o
3) Monografias:
a) Os pré-socráticos:
b) A sofistica e Sócrates:
c) Platão:
525
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
d) Aristóteles:
e) O ideal do sábio:
P O neoplatonismo:
526
A p ê n d ic e b ib l io g r á f ic o
IV. O CRISTIANISMO
1) Fontes:
Migne: Patrologiae cursus completus: Series Latina (P L.), 221 vols. (1844-64).
Series Graeca (P. G.), 161 vols. (1857-86).
Rouét de Journel: Enchiridion Patristicum.
2) Obras gerais:
3) Monografias:
527
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
V. F il o s o f ia m e d ie v a l
1)Obras gerais:
2) Monografias:
528
A p ê n d ic e b ib l io g r á f ic o
OBRAS GERAIS
529
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
A ) O Renascimento:
1) Obras gerais:
W. Dilthey: Weltauffassung und Analyse des Menschen seit Renaissance und Re-
formation (G. S., 11).
J. Burkhardt: La cultura del Renacimiento en Italia (trad. esp.).
H. Heimsoeth: Los seis grandes temas de la metafísica Occidental (traducción esp.).
li R. Charbonnel: La pensée italienne a XVT siècle et le courant libertin (1917).
E. Cassirer: Individuum und Kosmos in der Philosophie der Renaissance (1927).
[Trad. bras. Indivíduo e cosmos na filosofia do Renascimento, São Paulo, Martins
Fontes, 2001.1
2) Monografias:
a) El humanismo:
b) Nicolau de Cusa:
530
A p ê n d ic e b ib l io g r á f ic o
c) Giordano Bruno:
d) A física moderna:
e) A escolástica espanhola:
a) Descartes:
531
H is t ó r ia da f ilo s o f ia
h) O cartesianismo na França:
c) Espinosa:
d) Leibniz:
532
A p ê n d ic e b ib l io g r á f ic o
C) O empirismo:
a) A filosofia inglesa:
533
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
b) O lluminismo:
534
A p ê n d ic e b ib l io g r á f ic o
D) O idealismo alemão:
a) Kant:
b) Fichte:
c) Schelling:
d) Hegel:
535
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
a) A superação do sensualismo:
b) O positivismo de Comte:
536
A p ê n d ic e b ib l io g r á f ic o
d) A descoberta da vida:
a) Brentano:
537
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
b) A idéia da vida:
538
A p ê n d ic e b ib l io g r á f ic o
d) Husserl:
f) Heidegger:
539
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
g) Ortega y Gasset:
540
Epílogo de
José Ortega y Gasset
N ota p r e lim in a r
543
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
544
I . [ O PASSADO F ILO S Ó F IC O ]
545
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
546
E p íl o g o de J osé O r te g a y G asset
sas que esses dois olhares vêem. Na presente conjuntura creio ser isso
o que se deve dizer.
547
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
bre” e o nom eia, mas dele só vê o caráler negativo, qual seja, que não é u m pensar ana
lítico, que não é um a im plicação. E com o na tradição filosófica - sobretudo na im edia
tamente anterior, em Leibniz - só o nexo de im plicação entre dois pensamentos pare
cia evidente, acredita que o pensar sintético n ão é evidente. Seus sucessores - Fichte,
Schelling, Hegel - assumem sua evidência, mas ainda ignoram de onde esta vem e qual
é seu regime. Husserl, que pouco fala do pensar sintético, foi quem mais esclareceu sua
índole. Mas ainda estamos no começo da tarefa de tomar posse dele e resta m uito por
fazer, com o se verá neste epílogo, mais adiante.
548
E p íl o g o d e J o s é O r t e g a y G a s s e i
suspendê-la não significa deixar de ver com urgente clareza que tería
mos de continuar pensando. Ocorre, pois, como no xadrez: um joga
dor é incapaz de antecipar sem se confundir o mesmo número de jo
gadas possíveis que o outro, partindo ambos de u m a dada situação
das peças no tabuleiro. Ao renunciar a continuar antecipando mais
logadas não fica tranqüilo; ao contrário, pressente que é na jogada de
pois das previstas que está ameaçado de xeque-mate. Mas não lhe é
dado poder mais.
Tentemos, pois, percorrer em seus principais estágios a série dia
lética de pensamentos que a presença panorâmica do passado filosó-
lico automaticamente dispara em nós. O primeiro aspecto que nosso
olhar oferece é o de ser um a m ultidão de opiniões sobre o mesmo
que, enquanto multidão, se contrapõem umas às outras e ao se contra
porem se incrim inam reciprocamente de erro. Portanto, o passado fi
losófico é, a nossos olhos, o conjunto dos erros. Q uando o hom em
grego deu uma primeira parada em sua trajetória criadora de doutri
nas e lançou o primeiro olhar para trás em pura contemplação histó
rica2, foi essa a impressão que teve, e o fato de ficar nela e não conti
nuar pensando deixou nele, como u m precipitado, o ceticismo. É o fa
moso tropo de Agripa ou argumento contra a possibilidade de alcan
çar a verdade: a “dissonância das opiniões” - diaphonia tôn doxôn. Os
sistemas aparecem como tentativas de construir o edifício da verdade
que fracassaram e vieram abaixo. Vemos, portanto, o passado como
erro. Hegel, referindo-se, de forma mais geral, à vida hum ana toda,
diz que “quando voltamos a vista para o passado o primeiro que ve
mos são ruínas”. A ruína é, com efeito, a fisionomia do passado.
Notemos, no entanto, que não fomos nós que descobrimos nas
doutrinas de antanho a quebradura do erro, mas que conforme liamos
a história íamos vendo que cada nova filosofia começava por den un
ciar o erro da antecedente e não só isso, mas que, de modo formal,
549
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
por ter reconhecido o erro desta era ela outra filosofia3. A história cia
filosofia, ao mesmo tempo em que é exposição dos sistemas, acaba sen
do, sem que isso se proponha, a crítica deles. Esforça-se para erigir,
um a depois da outra, cada doutrina, mas uma vez que a erigiu, a dei
xa desnucada por obra da subseqüente e semeia o tempo de cadáve
res. Não é, portanto, apenas o fato abstrato da “dissonância” que nos
apresenta o passado como erro, mas é o próprio passado que, por as
sim dizer, vai cotidianamente se suicidando, desprestigiando e arrui
nando. Nele não encontramos onde procurar guarida. Tal gigantesca
experiência do fracasso é a que exprime este magnífico parágrafo de
Bossuet, egrégio exemplo - diga-se de passagem - do bom estilo bar
roco ou m odo em que se manifestou o homem ocidental em todas as
ordens da vida de 1550 a 1700: “Q uando considero este mar turbu
lento, se assim é lícito chamar a opinião e os raciocínios humanos, im
possível me é em espaço tão dilatado achar asilo tão seguro nem reti
ro tão sossegado que não tenha se tornado memorável pelo naufrágio
de algum navegante famoso.”4
Na série dialética este é, portanto, o primeiro pensamento: a histó
ria da filosofia nos descobre prima fade o passado como o m undo
morto dos erros.
S E G U N D O PENSAM ENTO
3. U m fato que deveria nos surpreender mais do que o faz é que, depois de in i
ciada a atividade filosófica propriamente dita, não parece ter havido n e n h u m a filosofia
que começasse de novo, mas todas brotaram partindo das anteriores e - a partir de cer
to m om ento - cabe dizer que de todas as anteriores. Nada seria mais “natural" que o
aparecimento, aqui e acolá - ao longo de toda a história filosófica -, de filosofias sem
precedentes em outras, espontâneas e a nihilo. Mas não foi assim, e o que ocorreu foi
antes em grande m edida o contrário. Im porta sublinhá-lo para que se perceba a força
da série dialética que agora desenvolvemos e de outras afirmações m inhas posteriores,
entre elas as que se referem ã filosofia com o tradição.
4. Sermón sobre la Ley de Dios, para el Domingo de Quincuagésima.
550
E p íl o g o d e J o s é O r t e g a y G a s s e t
551
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
5. A prim eira vez que expus publicam ente essa idéia da sociedade, base de um a
nova sociologia, foi n um a conferência dada em Valladolid em 1934, com o título “O
hom em e a gente”. Aventuras sem núm ero me im pediram de publicar até hoje o livro
que, com a m esm a epígrafe, deve expor toda a m in h a doutrina sobre o social [ver El
hombrey la gente. Em Obras completas, tom o V llli
6. É claro que o ho m e m está sempre em inumeráveis crenças elementares, da
maioria das quais não se dá conta. Ver sobretudo m eu estudo Ideas y creencias ( Obras
completas, t. V). O tema da não crença que o texto acima aborda refere-se ao nível de as
suntos hu m an os patentes sobre os quais os hom ens falam e discutem.
552
E p íl o g o d e J o s é O r t e g a y G a s s e t
553
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
mais ou menos fortes, fracos, “vazios” (gramática chinesa) etc. Mas é claro que se a lin
guagem é por u m lado degeneração dos vocábulos, tem necessariamente de ser, por
outro, portentosa geração. U m vocábulo qualquer carrega-se subitamente de um a sig
nificação que ele nos diz com um a plasticidade, relevo, clareza, sugestividade, ou,
como queiram chamá-la, superlativa. Sem esforço nosso para vitalizar seu sentido, des
carrega sobre nós sua carga semântica com o um a faísca elétrica. É o que cham o de “a
palavra em form a” que age como u m a incessante revelação. Ê perfeitamente factível
percorrer o dicionário, tomar o pulso de energia semântica de cada vocábulo n um a de
terminada data. A clássica comparação das palavras com as moedas é verídica e fértil. A
causa de sua hom ologia é idêntica: o uso. Bem podiam os lingüistas realizar algumas
investigações sobre esse tema. Não só encontrarão muitos fatos interessantes - disso já
sabem com o tam bém novas categorias lingüísticas até agora despercebidas. Faz tem
po - mesmo se de lingüística sei quase nada - que procuro, ao acaso de m eus temas, ir
sublinhando acertos e falhas da linguagem , porque, mesmo não sendo lingüista, talvez
tenha algumas coisas a dizer que não são totalmente triviais.
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E p íl o g o d e J o s é O r t e g a y G a s s e t
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
novo sistema tal qual era no antigo, fica completada. Na verdade, tra
ta-se de uma idéia nova e distinta daquela primeiro criticada e depois
integrada. Reconheçamos que aquela verdade manca, comprovada
mente errada, desaparece na nova construção intelectual. Mas desapa
rece porque é assimilada em outra mais completa. Essa aventura das
idéias que morrem não por aniquilamento, sem deixar rastro, mas
porque são superadas em outras mais complexas, é o que Hegel cha
mava de Aufhebung-, termo que traduzo pelo de “absorção”. O absorvi
do desaparece no absorvente e, por isso mesmo, ao mesmo tempo em
que é abolido, é conservado8.
Isso nos proporciona um terceiro aspecto do passado filosófico.
O aspecto de erro, com que prima facie ele se apresentava para nós,
resulta ser um a máscara. Agora a máscara foi retirada e vemos os er
ros como verdades incompletas, parciais ou, como costumamos dizer,
“têm razão em parte.” portanto são partes da razão. Poder-se-ia dizer
que a razão virou caco antes de o hom em começar a pensar e, por
isso, este tem de ir recolhendo os pedaços u m a u m e juntá-los. Sim
mel fala de um a “sociedade do prato quebrado”, que existiu no final
do século passado na Alemanha. Uns amigos, em certa comemoração,
se juntaram para comer e na hora da sobremesa decidiram quebrar
um prato e distribuir os pedaços entre si, cada um assumindo o com
promisso de ao morrer entregar sua fração a outro dos amigos. Desse
modo, os fragmentos foram chegando às mãos do últim o sobreviven
te, que pôde reconstruir o prato.
Essas verdades insuficientes ou parciais são experiências de
pensamento que, em torno da Realidade, é preciso fazer. Cada uma
delas é uma “via” ou “caminho” - méthodos - pelo qual se percorre um
trecho da verdade e se contempla u m de seus lados. Mas chega um
ponto em que. por esse caminho não se pode avançar mais. É forçoso
ensaiar um outro distinto. Para isso, para que seja distinto, tem de
Q U A RT O PENSAM ENTO
557
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
9. Sobre essa categoria da razão histórica que é o “ser na forma de tedo sido”, ver
m eu estudo Historia como sistema. [Obras completas, t. VI.]
10. Ver o Prólogo ao livro do Conde de Yebes. [Obras completas, t. VI.)
559
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
11. De Divinationes I, XLIX (cito da edição D idot por não ter outra à m in ha dispo
sição). Parece-me que o termo “divinatio artificiosa” não é encontrado antes do 1, LVI.
E p íl o g o d e J o s é O r t e g a y G a s s e t
que, com efeito, tem tanto de um como do outro. Qualquer dos dois
juízos é parcial e, em vez de brigar, mais vale, no fim das contas, se ju n
tarem e darem as mãos. A série dialética que percorremos não é, em
seus pontos temáticos, um a seqüência de pensamentos arbitrários ou
justificados apenas pessoalmente, mas o itinerário mental que terá dc
cumprir todo aquele que se ponha a pensar a realidade “passado da fi
losofia”. Não é arbitrário nem é nossa a responsabilidade de que, par
tindo de sua totalidade, a primeira coisa que percebamos seja a m ulti
dão de opiniões contraditórias e, portanto, errôneas, que em seguida
vejamos como cada filosofia evita o erro do precursor e assim o apro
veita, que mais tarde nos demos conta de que isso seria impossível se
aquele erro não fosse em parte verdade e, por fim, como essas partes da
verdade se integram ressuscitando na filosofia contemporânea. Assim
como o experimento corriqueiro graças ao qual o físico verifica que as
coisas ocorrem de um determinado modo, e que ao ser repetido em
qualquer laboratório idôneo dá o mesmo resultado, essa série de passos
mentais se impõe a qualquer u m que medite. Fixar-se-á ou se deterá
mais ou menos em cada articulação, mas todas são estações nas quais
seu intelecto parará u m instante. Como veremos, a função do intelecto
é parar e, ao fazê-lo, parar a realidade que o hom em tem diante de si.
Na operação de percorrer a série, tardará mais ou menos, segundo seus
dotes, segundo sua disposição física, segundo o estado climático, se
gundo goze de repouso ou tenha desgostos12. A mente adestrada costu
ma percorrer em grande velocidade um a série dialética elementar como
a exposta. Esse adestramento é a educação filosófica, nem mais nem
561
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
562
E p íl o g o d f J o s é O r t e g a y G a s s e t
i .i o é, de erros que nada mais são senão erros, cujo erro não consiste
meramente em seu caráter fragmentário, mas em sua matéria e subs
tancia, não é uma questão que precisemos elucidar nesse momento.
563
H is t ó r ia d a f il o s o f ia
564
I I . O S ASPECTOS E A COISA IN T EIRA
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H is t ó r ia d a f il o s o f ia
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E p íl o g o de J osé O rte g a y G a ss e t
ca vemos junta toda a laranja e temos de nos contentar com visões su
cessivas. Neste exemplo, a coisa exige ser vista completa com tal vee
mência que nos puxa e nos faz materialmente girar em torno dela.
Não há dúvida de que é a laranja, a realidade, que, por sua vez,
é causa de que passemos de um aspecto a outro, que nos obriga a nos
deslocarmos e cansarmos. Mas é claro que faz isso porque, a cada m o
mento, só podemos olhá-la de um ponto de vista. Se fôssemos ubí
quos e, a um só tempo, pudéssemos vê-la de todos os pontos de vis
ta, a laranja não teria para nós outros “aspectos diversos”. De chofre a
veríamos inteira. Também somos, pois, causadores de nosso próprio
trabalho.
Nosso movimento de translação em torno da laranja para ir ven-
do-a, se não fosse mudo, seria u m exemplo cabal de série dialética. A
condição de nosso pensar, devido à qual costuma ser chamado de
“discursivo”2, ou seja, que corre a saltos descontínuos, faz com que
tenhamos de percorrer, passo a passo, fazendo paradas, a realidade. A
cada passo captamos uma “vista” dela e essas vistas são, por um lado,
o sensu stricto intelectual, os “conceitos” ou “noções” ou “idéias”, por
outro, o intuitivo, os “aspectos” correlativos da coisa. Esse percorrer
supõe tempo e cada hom em dispõe de pouco e a humanidade não dis
pôs até aqui de mais de, aproximadamente, um m ilhão de anos, m o
tivo pelo qual não são fabulosamente muitas as “vistas” que até agora
foram captadas da Realidade. Haverá quem diga que se poderia ter
aproveitado melhor o tempo porque é evidente que se perde muito
tem po3. É verdade, mas para corrigir isso seria preciso, entre outras
coisas, averiguar primeiro por que a história perde tanto tempo, por
que não anda mais depressa, por que “os m oinhos dos Deuses moem
tão devagar”, como já sabia Homero-
’. Em suma, é preciso explicar
não só o tempo histórico, mas seu tempo diverso, seu ritardando e seu
accelerando, seu adagio e seu allegro cantabile etc. Do que resulta a ex
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5. Também aqui o leitor, que não costuma ver as coisas de que o autor está falan
do, mas ficar de Jora o lhan do as palavras com que fala, como os sapatos de um a vitri
ne, julgará com grande petulância que isso não passa de u m jogo de palavras. Conce-
do-lhe um prazo até a próxim a publicação de u m livro meu, onde encontrará u m
exemplo concretíssimo e conciso de com o o acim a dito é literalmente verdade e, em
certas ocasiões, n ão há outro remédio senão ocupar-se de "buscar o tem po perdido”
por si mesmo ou por outro, por um a nação o u pela hum anidade inteira.
6. E, na verdade, poder-se-ia, em vez de “aspecto”, dotar com toda form alidade o
vocábulo “cara” de valor terminológico em ontologia.
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noção etc.). Mas este é um termo que hoje só tem significado psicoló
gico, e o fenômeno radical que agora nos ocupa não tem nada de psi
cológico. É claro que para que a coisa nos ofereça seus “aspectos” e -
o que dá na mesma, só que considerado desde o “sujeito” que tem a
coisa diante de si - o homem possa captar dela suas “vistas”, todos os
aparelhos corporais e psíquicos têm de funcionar. A psicologia, a físi
ca e a fisiologia estudam esses funcionamentos, mas isso quer dizer
que essas ciências como que partem de algo prévio, que está aí antes
delas e que é causa de sua existência, do fenômeno prim ário e radical
que é a presença da coisa ante o hom em na forma de “aspectos” ou
“vistas”. O funcionamento desses aparelhos e mecanismos não tem
qualquer interesse para a questão que nos ocupa. Tanto faz que fun
cionem de u m m odo ou de outro, pois o que importa é o resultado:
que o hom em se encontra com o fato de que vê coisas.
Não se trata de psicologia nem com nada que se pareça7. Trata-se
de u m fato metafísico ou, com outro nome, ontológico. E os fatos me
tafísicos - que não são misteriosos ou ultracelestes, mas os mais sim
ples, os mais triviais, lapalissadas - são os fatos mais verdadeiramen
te “fatos” que existem, anteriores a todos os “fatos científicos”, que su
põem aqueles e deles partem.
Por isso conviria desalojar da terminologia filosófica o vocábulo
“idéia”, palavra em últim o grau de degradação e envilecimento, já que
nem mais em psicologia significa algo preciso, autêntico, unívoco. Na
Grécia - pois se trata de uma palavra grega, não latina e menos ainda
românica - teve seu grande momento, sua vez de estar em forma. Com
7. Isso não quer dizer que a psicologia não seja um a disciplina fabulosamente in
teressante, à qual as pessoas deveriam se afeiçoar mais porque é acessível, bastante ri
gorosa e m uitíssim o divertida. C o m preparação bastante modesta pode-se trabalhar
com ela com resultados positivos e de própria criação. Já faz dez anos que tive o propó
sito de iniciar na Espanha um a cam panha pró Psicologia, aproveitando o entusiasmo e
os excepcionais dotes de organizador que o Dr. Germain possui. N ão sou psicólogo
n em teria p o d id o me dedicar a sê-lo, mas fui um aficionado, e isso teria perm itido que
eu despertasse curiosidades, suscitasse vocações e promovesse grupos de estudiosos e
curiosos na matéria em torno das pessoas que já de antemão, denodadam enté e sem
apoio, se ocupavam dessa ciência, sobretudo em Barcelona e em Madri.
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9. Sendo o conhecimento u m assunto que o hom em tem com as coisas, será pre
ciso referir-se a ele contem plando-o algum as vezes desde o ho m e m e outras desde
as coisas. O assunto, a realidade que se contem pla - o fenôm eno “conhecim ento” -
é, em am bos os casos, o mesmo; o que variou foi nosso ponto de vista. Por isso con
vém possuir u m dobrete de tenno, “vista” e “aspecto”. Afinal, ambas as denominações
têm a vantagem de recordar constantemente que pensar é em últim a instância “ver”, ter
presente a coisa, ou seja, intuição. Tenham em conta que à linguagem , à palavra, ao
nome, correspondem, afora outras que não im portam agora, duas funções: uma, per
m itir manejar um a enorme quantidade de conceitos, de idéias de forma “econômica”,
poupando-nos de efetuar realmente o ato de pensar que esses conceitos e idéias são.
Na maioria dos casos, o que descuidadamente chamamos pensar não o é propriamen
te, é apenas sua abreviatura. Nessa função, cada palavra é somente u m “vale" pela efe
tiva execução de u m pensamento, e com ela a linguagem nos permite “abrir um crédi
to” intelectual com que fundamos, com o grandes indústrias, as ciências. Mas o negócio
bancário não pode consistir apenas em abrir créditos. Essa função é correlativa de o u
tra e a exige: realizar os créditos adquiridos. Daí a outra função da linguagem que é a
decisiva: cada palavra é u m convite para ver a coisa que ela denom ina, para executar o
pensamento que ela enuncia. Porque pensamento, repito e repetirei sem cessar nestas
páginas, é em últim a e radical instância u m “estar vendo algo e, disso que se está vendo,
fixar com a atenção tal ou qual parte”. Diremos, pois, que pensar é “fixar-se em algo do
que se vê”.
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III. Sé r ie d ia l é t ic a
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Essa contigüidade dos passos mentais faz com que o pensar consti
tua uma série e do tipo mais simples. Conste, pois, que se falo de “série
dialética” é infelizmente apenas porque se trata de um a série qualquer e
vulgar, como o é uma “série de números”, uma “série de selos” ou uma
“série de desgostos”. Que nesse caso a série seja de pensamentos, de con
ceitos, idéias ou “vistas” não é motivo para armar grande alvoroço.
Suponham os que nos pomos a pensar sobre u m tema qualquer,
grande ou pequeno, e que anotamos n u m papelzinho, u m debaixo do
outro, os pensamentos a que vamos chegando guiados pela intuição
ou visão da coisa, até que consideremos oportuno parar. Isso será a
“série dialética X ”, onde X = sobre tal tema. Podemos pôr o título des
se tema encabeçando o papelzinho e arquivar este n u m fichário, para
tê-lo à m ão quando seja preciso. Foi o que fiz enquanto escrevia estas
páginas a fim de não esquecer o que passava pela m inha cabeça.
Do que resulta que o tremendo termo, prometedor de profundi
dades, revela posteriormente sua humilíssima condição de mero ins
trumento de catalogação para que o autor não se esqueça, e de guia
para que o leitor não se perca. Este livro é uma série de séries dialéti
cas. Poderíamos ter chamado a coisa de muitas outras maneiras. Que
o leitor as procure e verá que a escolhida por m im , apesar de seu per
fil grandiloqüente, é a mais simples e trivial.
Esse “troço” ou ferramenta que é a série dialética serve também
para facilitar a tarefa perfurante do crítico, porque é possível atribuir
números 1, 2, 3... ou letras A, B, C... aos passos do pensar em que ela
consiste, o que permite assinalar com toda precisão e comodidade o
ponto que não se entende ou que parece errôneo ou necessitado de
alguma correção ou complem ento2.
2. Sem que eu possa me deter agora nisso, faço notar a graciosa coincidência que
essa num eração das “idéias” na série teria com os famosos e enigm áticos “núm eros
ideais” de Platão. Porque tam bém ali, ao lado da série dialética das Idéias, desde a pri
meira e envolvente (a idéia do Bem) até a últim a e concreta - a “espécie indivisível” ou
axojiov eiôoç - coloca-se paralelamente a série dos números, de m o d o que a cada Idéia
corresponda u m núm ero - porque ambas as séries são “isomorfas”, com o hoje dizem
os matemáticos. Devemos a Stenzel ter com eçado a decifrar esse enigm a dos “números
ideais” ou “Idéias-números” em Platão, vinte e três séculos depois, em seu livro Zahl
und Gestalt bei Platon und Aristóteles, 1924.
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IV A M ESM IDADE DA FILOSOFIA
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1. Nos casos em que não é assim trata-se de u m encontro anorm al com u m a rea
lidade que se apresenta a nós desde o começo co m o imediata, clara, precisa. Isso pro
d uz no hom em u m choque tão grande que provoca nele fenômenos anôm alos - no bom
e no m au sentido. U m deles é a estranha crise súbita que se chama “conversão”, outro
é o “êxtase repentino”, outro, o “deslum bram ento” etc.
2. A razão disso é m uito simples. Sendo próprio da realidade apresentar aspectos
diversos dependendo de onde e como seja olhada, cada u m deles é um a “form a” ou fi
gura, ou morphé que a realidade adota e, ã m e d id a que as percebemos, presenciamos
sua “transformação”, “transfiguração” ou “m etam orfose”.
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losas que hoje a física alcança, tena fracassado, e a física não teria se constituído porque
os meios matemáticos de então não bastavam para dom inar diferenças tão pequenas e
complexas. Isso mostra até que ponto a ciência é um organismo delicadíssimo cujos
m em bros, de condição m u ito diferente entre si, têm de avançar com um a espécie de
“harm onia preestabelecida”.
4. N ada sena mais fácil que realizar com todo rigor esse propósito. Seria simples
m ente u m a questão de mais páginas. Mas a economia deste livro, onde há coisas de
mais para dizer, me obriga no que segue a misturar coisas que a rigor pertencem a as
pectos posteriores, mais próxim os e que não se vêem n u m sobrevôo, que é o que cor
responde estritamente neste capítulo. Mas é preciso, por razões puramente didáticas,
antecipar algumas coisas. O im portante é não deixar de dizer o essencial desse aspecto,
e não há qualquer prejuízo, tendo em conta essa advertência, em acrescentarmos coisas
inessenciais nele. Portanto - e esse alerta vale para todo este capítulo -, ante o estrito
fenôm eno “filosofia vista a distância”, esses adendos de visão mais próxima, isto é, de
qu em já está dentro da filosofia e não tem dela apenas um a vaga e remota visão, nada
mais fazem senão dar caráter explícito ao que esse “ignorante”, sem conseguir precisá-
lo para si m esm o, vê, ouve e sente em sua vaga im agem do que é filosofia.
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com o que dela “se d iz”. Os gregos chamaram “o que se diz” de'“fama”
- no sentido de nossa frase vulgar “corre fama que...”.
Contudo, ante esse passado radical, ante o passado propriamen
te “histórico”, feito de ausência e remoto horizonte, há um passado
relativo, passado u m tantinho presente - como se disséssemos que
não acabou de ir embora. Com esse passado temos ainda certa relação
visual: embora de m odo turvo, continuamos a vê-lo. Nas rugas da
cara do ancião vemos que é u m passado vivente, presente. Não precisa
mos ouvir dizer que aquele hom em foi: seu ter sido antes é presente
para nós com energia. O mesmo acontece com a paisagem povoada
de ruínas, com a roupa desbotada e esfarrapada, com a velha m onta
nha vulcânica de que resta apenas o esqueleto interior pétreo, com
nosso rio Tejo, prisioneiro em seu leito estreito e profundamente ta
lhado dentro da dureza das rochas. Vemos com os olhos da cara, se
formos u m pouco fisionomistas, que o Tejo é um rio m uito velho, um
caudal senescente, cujo débil fluxo corre por u m álveo caloso, córneo
- em suma, presenciamos u m espetáculo de fluvial arteriosclerose.
(Q uem não se angustia ou, pelo menos, se melancoliza ao contemplar
em seu curso nas cercanias de Toledo esse rio decrépito, é porque é
cego de nascimento e não merece existir ou, em tendo de existir, que
olhe o m undo. É inútil: não vê nada.)
Mas, repito, do passado histórico a mais normal e íntima noticia5
é a que nos chega em nomes. A aventura não lhe é peculiar. O nome
é a forma da relação distante, radicalmente distante entre nossa m en
te e as coisas. Da maioria destas, é a primeira comunicação e, de m u i
tíssimas, a única que nos chega com seus nomes, só seus nomes.
Aparecem subitamente diante de nós, deslizam em nosso ouvido
quando as coisas que eles denom inam ainda estão remotíssimas de
nós - talvez para sempre, invisíveis e além do horizonte. Os nomes
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V [O N O M E AUTÊNTICO]
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seu filosofar; é além disso, como tal filósofo, um a figura pública assim
como o magistrado, o sacerdote, o médico, o mercador, o soldado, o
jogral, o verdugo. A irresponsável e impessoal personagem que é o
entorno social, o monstro de n+1 cabeças que é a gente, começa a rea
gir ante essa nova realidade: o “averiguador”, isto é, o filósofo. E
como o ser deste - seu filosofar - é um a tarefa hum ana m uito mais ín
tima que todos aqueles outros ofícios, o choque entre a publicidade
de sua figura social e a intim idade de sua condição é maior. Então,
com a palavra “alétheia”, “averiguação”, tão ingênua, tão exata, tão trê
mula e pequenina ainda de seu recente nascimento, começam a
“acontecer coisas”. As palavras, em últim a instância modos do viver
hum ano, têm elas também seu “modo de viver”. E como todo viver é
“acontecer coisas com alguém ”, u m vocábulo, recém-nascido, entra
até seu desaparecimento e morte na mais arriscada série de aventuras,
algumas favoráveis e outras adversas7.
O nom e “alétheia” inventado para uso íntim o era u m nome em
que não estavam previstos os ataques do próxim o e, portanto, era
indefeso. Mas nem bem a gente soube que havia filósofos, “averi-
guadores”, começou a atacá-los, a mal-entendê-los, a confundi-los com
outros ofícios equívocos, e eles tiveram de abandonar aquele nome,
tão m aravilhoso como ingênuo, e aceitar outro, de geração espontâ
nea, infinitam ente pior, mas... mais “prático”, isto é, mais estúpido,
mais vil, mais cauteloso. N ão se tratava mais de nomear a realidade
nua de “filosofar”, na solidão do pensador com ela. Entre ela e o
pensador se interpõem os próxim os e a gente - personagens pavo
rosas -, e o nom e tem de defender duas frentes, olhar para dois la
dos - a realidade e os outros hom ens -, nomear a coisa não só para
si próprio, mas tam bém para os demais. Mas olhar para os dois lados
é envesgar. Vamos agora observar como nasceu esse vesgo e ridículo
nom e de filosofia.
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