O Dono da Histria

Roberto Duailibi conhecido por ser um dos mais importantes publicitrios do

Brasil, mas poucos imaginam o tamanho de sua contribuio com a comunidade
libanesa

Ele o D de uma das maiores agncias de publicidade do Brasil, a DPZ. D de

Duailibi, o sobrenome libans de Roberto, nascido em Campo Grande (MS), em
1935. o quinto dos sete filhos do libans Wadih Galeb Duailibi, nascido em Zahle,
no Vale do Bekaa, e de Cecilia Fadoul, nascida no Brasil e criada no Lbano. Em So
Paulo desde os 12 anos, Roberto Duailibi estudou em timos colgios, sempre gostou
de ler e se aproximou da Comunicao desde cedo, naturalmente. Formado pela
Escola de Propaganda (atual ESPM) , hoje, um publicitrio premiado e reconhecido,
escritor, professor e um dos mais requisitados palestrantes brasileiros.

Mais socilogo do que publicitrio, comeou a se interessar pela histria da famlia

nos anos 60 e acabou criando o Centro de Estudos da famlia Duailibi
(www.familyd.net). Em mais de cinco dcadas de pesquisas, montou uma importante
biblioteca com fotos, gravuras, entrevistas, livros, publicaes e documentos no s
sobre as origens da famlia, mas, principalmente, sobre a histria do Lbano e dos
imigrantes libaneses. Recentemente, em um almoo realizado no Monte Lbano,
Roberto, anunciou a doao de todo esse acervo - mais de quatro mil peas entre
livros, mapas e esculturas - para a Unio Cultural Brasil-Lbano (UCBL), cuja sede
ser construda na Vila Mariana.

Casado com Sylvia Josephine Duailibi h mais de 50 anos, pai de Marco e Rubem,
genro de Vittoria e av de Alessandra e Roberto, Duailibi sempre valorizou sua
origem. O slogan aplicado aos negcios de sua empresa, verdade, originalidade, bom
gosto e moral, tambm se aplica a ele, pesquisador incansvel, grande conhecedor da
Histria e sbio contador de histrias. A seguir, algumas delas.

Como seus pais chegaram ao Brasil?

Meu pai, Wadih, veio de Zahle e foi direto para o Mato Grosso, trabalhar com
armarinhos. Minha me, Ceclia, nasceu no Brasil, mas foi criada em Beirute e era
mais libanesa que meu pai! Meu av materno, Nacib Chadul, criava bicho da seda no
Lbano, e era casado com uma italiana, minha av Ada Vianello. Meus pais se
conheceram e se casaram no Brasil.

Como foi sua infncia e a vivncia da cultura rabe no Mato Grosso?

As memrias que tenho da lngua vm do rdio de ondas curtas - onde meus pais
ouviam os relatos da guerra -, das discusses polticas entre os primos e dos conflitos
domsticos, quando as mulheres reclamavam dos maridos (risos). A comida rabe
tambm era forte, quem fazia era meu pai. Tnhamos essa tradio dos almoos de
domingo. Meu pai viajava a cada 40 dias para comprar os ingredientes em So Paulo.
Quando ele chegava, era uma festa! Alm da comida, ele trazia presente para todos os
filhos e era uma tradio abrir as malas do meu pai. A famlia toda se envolvia! A
escola tambm era uma parte fundamental da minha infncia, principalmente por eu
ser de famlia libanesa: estudar e passar eram pontos de honra.
Na juventude, j em So Paulo, o senhor era chamado de Turquinho. No se
incomodava?
No, muito pelo contrrio! Na minha gerao, era carinhoso ser chamado de turco.
Isso o Jorge Amado expressa bem no livro Gabriela. O turco Nacib (vivido na TV por
Armando Bgus na primeira verso da novela, em 1974) foi um sucesso na colnia!
Mas verdade que a primeira gerao de imigrantes libaneses no gostava de ser
turco. Eles eram cidados turcos porque chegavam com o passaporte do Imprio
Otomano, mas o turco era o opressor, portanto, para o libans ser chamado de turco
era ofensa e at preconceituoso. Esses imigrantes enfrentaram dificuldades enormes.

Como surgiu seu interesse pelas origens e o Centro de Estudos Family D?

Tudo resultado de uma curiosidade, comeou como uma coisa cientifica, uma
pesquisa sociolgica. S depois eu senti que era emocional tambm, porque voc no
consegue esquecer suas razes. Mas a origem verdadeira deste Centro est na Escola
de Sociologia e Poltica. Eu tinha um professor que falava muito em redes sociais.
Imagina... em 1962, quando ainda nem existia computador! A teoria dele era a de que,
atravs do conhecimento, voc poderia chegar a qualquer pessoa. Ento ele dizia: se
voc quer falar com o papa, quantas pessoas precisa contatar para chegar at ele?
Com isso, voc constri uma rede. Ento ele me ensinou que criar relaes muito
importante. Um dia, trabalhando numa agncia, tive que fazer um anuncio para a
Vasp e surgiu a ideia de reconstituir a lista de passageiros do primeiro vo entre SP e
Rio. E eu usei esse conhecimento da rede social: de quatro nomes iniciais,
chegamos aos nomes dos 18 passageiros do vo. Foi a que me ocorreu que eu tinha
um nome, um sobrenome...

E resolveu pesquisar a famlia...

Pois . Eu me lembrava que meu irmo estava um dia andando na praia, no Rio de
Janeiro, e se interessou por uma moa. Foi conversar com ela e ela disse que era
Duailibi tambm, do Maranho. Pensando nisso, decidi fazer uma lista com todos os
Duailibis do Brasil. Isso nos anos 60! Eu conhecia os da minha famlia; desses, quem
conhecia outros? E assim por diante. Fiz um questionrio e mandei para cada um.
Tivemos um ndice de respostas alto e a comeou tudo.

Quando deixou de ser familiar e virou um acervo da histria dos libaneses?

Logo percebi que existiam alguns Duailibis que j estavam morrendo, que tinham 80,
90 anos. A contratei uma jornalista para entrevistar os velhinhos da famlia, para que
eles contassem como vieram, como era a vida no Lbano, como tinha sido o comeo
no Brasil. E comecei a me interessar, portanto, pela imigrao libanesa. As histrias
eram quase de herosmo, de vencer obstculos, de comear do zero, de fugir da
pobreza. Como alguns foram para o Acre, outros para Rondnia? Como era a vida no
serrado? Eles no tinham medo de nada: no falavam a lngua, mas sabiam comerciar.
Tinham crdito dos atacadistas de SP, que confiavam a eles um armarinho, onde
colocavam tecidos, botes, e a coisa mais preciosa pro interior, as agulhas! A agulha,
quando voc observa bem, uma ferramenta de alta tecnologia. Se a gente parar pra
pensar, vai ver que a agulha foi muito importante para a imigrao libanesa, afinal,
sem a agulha, ningum venderia nada!

Quem apareceu primeiro: o Roberto historiador ou o publicitrio, esse que est

me vendendo agulhas (risos)?
Minha formao verdadeira foi menos publicitrio e mais socilogo! Mas meu
envolvimento com a rea de comunicao veio cedo. Sempre li gibis na infncia. Na
minha casa tinha jornal, revistas. Nosso pai exigia que a gente decorasse poesia.
Nunca houve qualquer obstculo ou censura leitura. Tive tambm professores que
me prestigiaram, digamos assim, reconheceram certas virtudes minhas que acabaram
motivando mais ainda meu caminho pela Comunicao. Tambm o fato de eu me
meter em poltica na escola, fazer discursos, ter que aprender a falar coisa com coisa.
Tinha debates e eu no podia gaguejar. Fui orador da turma da turma do colgio e, aos
17 anos, eu j escrevia e desenhava para a grfica de um japons que fazia histria em
quadrinhos e vendia na Praa Joo Mendes pro pessoal que pegava bonde! (risos) O
fato de eu ter nascido numa famlia que lia muito foi uma vantagem, e acho que o
terror da pobreza tambm ajudou.

O terror da pobreza, como assim?

Eu conheci a pobreza de perto. Em Mato Grosso, quando todos os empresrios e
comerciantes quebraram, ns no tnhamos dinheiro para pagar as despesas no fim do
ms. Eu via o desespero dos meus pais. Aquilo me apavorava e eu sabia que s
venceria trabalhando muito. Essa experincia transformadora. E eu diria que a
questo familiar do nome, de ter que honrar os compromissos, tambm me ajudou a
chegar onde cheguei. Minhas conquistas tm relao com minha origem, sem dvida.

Como criou a DPZ?

Do meu primeiro emprego at eu abrir minha agncia foi um longo caminho. Meu
forte sempre esteve na redao e nos argumentos de venda. O fato de eu ser um
turquinho ajudava bastante na hora de vender as campanhas (risos), dava a
impresso de que eu entendia mais de comrcio. Eu trabalhava muito, ficava noite
escrevendo mquina na minha Remignton, e fui caminhando, de agncia em
agncia. Em 68, j tinha um certo prestigio, e foi a que conheci o Petit e o Zaragoza.
A rea de comunicaes estava no seu caos mais profundo e o pas tinha que lutar
contra a inflao que o Juscelino deixou, depois da construo de Braslia - a maior
loucura que esse pas j fez! No meio desse caos, resolvemos abrir uma agncia.
Nosso primeiro grande cliente s veio em 72, quer dizer, foram quatro anos de luta.

Voc nunca pensou em desistir?

Todo mundo dizia que a eu tinha enlouquecido, fizeram at bolo entre as agncias
apostando quanto tempo duraria a sociedade. Mas eu acreditava. Lembro que, depois
de pedir demisso para criar a DPZ, peguei um avio para voltar do Rio para So
Paulo e, na chegada, olhei l de cima o perfil da Avenida Paulista e pensei: em cada
janelinha desta cidade tem algum que precisa daquilo que eu sei fazer, ento no
pode dar errado. E at hoje eu procuro fazer isso que sei, e que cada janelinha da
cidade queira consumir uma vez por dia! (risos)

Assim devem pensar os estudantes de comunicao?

Acho que as oportunidades hoje so maiores. Os jovens podem fazer uma coisa mais
sistemtica. Evidentemente, como em toda profisso, voc tem um afunilamento dos
que persistem, dos que tm a sorte de participar de um grupo que fez uma grande
campanha. s vezes um anncio que se torna memorvel faz a diferena na vida da
pessoa. Mas eu daria o conselho do Maquiavel: Fortuna e Virtu, isto , a sorte e a
capacidade. Faa alguma coisa muito bem!
E como que algum se destaca hoje nessa rea?
Essa loucura de tantas mdias disponveis amplia as oportunidades de trabalho, mas
dificulta o destaque. So poucos os que conseguem ter uma obra, um portflio
original ou extraordinrio. Trabalho, persistncia e auto-aperfeioamento continuam
sendo indispensveis, mas, hoje, a coisa que me parece mais difcil encontrar quem
consiga escrever bem. A pessoa quer ser redatora ou criativa, mas s vezes nem
consegue se expressar. Porque l menos, claro. Hoje as atraes e as distraes so
muitas, e isso ainda vo piorar... Portanto acredito que quem conseguir escrever bem
vai se destacar.

Voc comeou a trabalhar aos 16 anos. Hoje, aos 76, como seu dia-a-dia?
de trabalho. Vou todos os dias DPZ, participo de reunies de planejamento, visito
clientes, me preocupo com a parte de new business. Tenho ainda o Centro de Estudos,
o levantamento de fundos para o Hospital Srio Libans, estou no conselho
deliberativo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e dou muitas
palestras pelo Brasil. Embora, atualmente, cada vez mais eu tenha que recusar
convites porque as viagens se tornaram um sacrifcio: o aeroporto de So Paulo o
primeiro e nico circulo do inferno! (risos) Minhas palestras so sobre criatividade,
publicidade e marketing. Mas, em todas, eu falo tambm sobre o Lbano e o Oriente
Mdio. Sempre valorizei minha origem, onde quer que eu fosse.

Qual sua relao com o Clube Monte Lbano?

uma relao sentimental. Frequentei com amigos, mas nunca fui scio. E nunca fui
scio por uma razo simples: sempre morei muito longe. Mas estive em jantares e
frequentei eventos culturais. Em Junho, fui ao Monte Lbano para um almoo, onde
anunciei a doao de todo a biblioteca do Centro de Estudos para a Unio Cultural
BrasilLbano, que ser um centro cultural, com teatro, rea de lazer e biblioteca. Foi
um trabalho importantssimo recuperar a origem e as histrias dos primeiros
imigrantes. O que est acumulado aqui de conhecimento, de histria, de recuperao
de fatos histricos, no tem em nenhum outro lugar do mundo, nem no Lbano! Isso
tem de ser preservado. Esse centro vai ter uma influncia continental, tenho certeza.

BOX

Timeline
- Iniciou a carreira em 1952, na Colgate - Palmolive.
- partir de 1956, foi redator em agncias como a CIN (atual Leo Burnett), JW
Thompson, McCann-Erickson e Standard, onde foi vice-presidente de criao.
- Em 1968, associou-se a Francesc Petit e Jos Zaragoza na criao da DPZ.
- Em 1969, foi eleito "Publicitrio do Ano, no Prmio Colunistas.
- Foi professor e diretor de cursos Escola Superior de Propaganda e Marketing
(ESPM) e o decano do Conselho da Instituio. Tambm foi professor de Criao na
Escola de Comunicaes e Artes (ECA) da USP.
- Foi presidente, por duas gestes, da Associao Brasileira das Agncias de
Publicidade (ABAP).
- conselheiro da Fundao Bienal de SP, da Fundao Getlio Vargas (FGV) e da
Fundao Cultural Exrcito Brasileiro (FUNCEB).
- autor de diversos livros, entre eles: Criatividade & Marketing, coleo Phrase
Book, Cartas a um Jovem Publicitrio e coleo Idias Poderosas.
Historinhas
Na primeira vez em fui ao Lbano, apareceu no meu hotel uma senhora libanesa,
emocionadssima, que veio at mim e disse: Roberto, eu sou sua me. (risos) Ela teve
um filho com um jornalista brasileiro, e o nome do menino tambm era Roberto
Duailibi. Depois da guerra, o pai trouxe o filho dela para o Brasil e ela no o viu mais.
Quando soube que havia um rapaz com esse nome hospedado no Phoenicia, tinha
certeza de que era o filho dela. Depois que expliquei minha origem, coitadinha, ela
caiu no choro. Descobri, depois, que o filho dela mora no Rio de Janeiro, mas nunca
soube se eles se encontraram.

Para no ficar repetitivo nas minhas palestras, eu conto cada dia uma piada diferente.
Mas tenho uma histria interessante: eu tive um motorista, o seu Oscar, que um dia
me disse que tinha assistido a tantas palestras minhas, que j sabia de cr tudo que eu
falava. Certa vez fui fazer uma palestra no interior e cheguei muito cansado, ento eu
disse Oscar, apresente-se como Roberto Duailibi, que eu vou ficar domindo l no
fundo da platia. E ele foi. E fez a palestra com muito sucesso. Na hora das
perguntas, ele embatucou em uma delas e no sabia o que responder, ento falou:
Mas essa muito simples, at o meu motorista que est dormindo l no fundo,
sabe!. (risos)