Mil Platôs - Deleuze e Guattari
Mil Platôs - Deleuze e Guattari
Mil Platôs - Deleuze e Guattari
EDITORA 34
Editora 34 Ltda. - Rua Hungria, 592 Jardim Europa CEP 01455-000
So Paulo - SP Brasil Tel/Fax (11) 816-6777 [email protected]
Copyright Editora 34 Ltda. (edio brasileira), 1995
Mille plateaux Les ditions de Minuit, Paris, 1980
Ttulo original:
Mille plateaux - Capitalisme et schizophrnie
Capa, projeto grfico e editorao eletrnica: Bracher & Malta Produo Grfica
Reviso tcnica: Luiz Orlandi
Reviso: Leny Cordeiro
ISBN 85-85490-49-7
1. Psiquiatria social. 2. Esquizofrenia - Aspectos sociais. 3. Capitalismo - Aspectos sociais. 4.
Psicopatologia.
I. Guattari, Flix, 1930-1992. [I. Ttulo. III. Ttulo: Capitalismo e esquizofrenia. IV. Srie.
7
PREFCIO PARA A EDIO ITALIANA
(Traduo de Ana Lcia de Oliveira)
10
1. INTRODUO: RIZOMA
(Traduo de Aurlio Guerra Neto)
37
2. 1914 - UM S OU VRIOS LOBOS?
(Traduo de Aurlio Guerra Neto)
51
3. 10.000 a.C. - A GEOLOGIA DA MORAL (QUEM A TERRA PENSA QUE ?)
(Traduo de Clia Pinto Costa)
91
ndice Geral dos Volumes
Capa do livro:
Um rizoma no comea nem conclui, ele se encontra sempre no
meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A rvore filiao, mas o rizoma
aliana, unicamente aliana. A rvore impe o verbo "ser", mas o rizoma
tem como tecido a conjuno "e... e... e..." H nesta conjuno fora
suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser.
Entre as coisas no designa uma correlao localizvel que vai de
uma para outra e reciprocamente, mas uma direo perpendicular, um
movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem incio nem
fim, que ri suas duas margens e adquire velocidade no meio.
Gilles Deleuze e Flix Guattari
Abas do livro
O que Mil plats? Como se organiza? Como um tratado de filosofia, aps a
ruptura, quando o filsofo, o grande nmade, resolveu desertar a filosofia dos
cdigos, dos territrios e dos Estados, a filosofia do comentrio. Mil plats um
grande livro, porque com ele a filosofia alcana um de seus devires improvveis.
Mil plats desenvolve uma filosofia verdadeira, quer dizer nova, inaugural, indita.
Duas grandes filosofias jamais se assemelham; pois elas jamais so da mesma
famlia. A filosofia no se desenvolve seguindo uma linha arborescente de evoluo,
mas segundo uma lgica dos mltiplos singulares. A questo que Deleuze e Guattari
retomam a seguinte: de que se ocupa, ento, a filosofia, se ela s pode se exprimir
de uma maneira incomparvel? Evidentemente no daquele que poderia ser comum
a todas as filosofias: do universal, do verdadeiro, do belo e do bem. Deleuze e
Guattari respondem do mltiplo puro sem referncia a um qualquer um, da diferena
pura, das intensidades que individualizam, das heoceidades. Mil plats um evento
na ordem da filosofia. E ler Mil plats se perguntar: 1980, Mil plats, o que que
aconteceu?
Mil plats contm todos os componentes de um tratado clssico de filosofia:
uma ontologia, uma fsica, uma lgica, uma psicologia e uma moral, uma poltica.
Com a diferena de que no se vai de uma a outra segundo uma lgica de
desenvolvimento, do que funda ao fundado, dos princpios s conseqncias.
Deleuze e Guattari do mais privilgio ao espao do que ao tempo, ao mapa do que
rvore. Tudo coextensivo a tudo. Assim as divises s podem corresponder a
placas, a estrias paralelas, com diferenas de escala, correspondncias e articulaes
dos plats, datados mas co-presentes.
Deleuze e Guattari concebem a ontologia como geologia: ao invs do ser, a
terra, com seus estratos fsico-qumicos, orgnicos, antropomrficos. Pois de que a
terra feita? Quem fez da terra o que ela ? Quem deu esse corpo terra? Mquinas,
sempre as mquinas. A terra a grande mquina, a mquina de todas as mquinas.
Mecanosfera. A filosofia de Mil plats no concebe oposio entre o homem e a
natureza, entre a natureza e a indstria, mas simbiose e aliana. A lgica da
mecanosfera no conhece a negao nem a privao. H apenas devires, sempre
positivos, e, dentre estes, devires perdidos, bloqueados, mortos. Positividade do
esquizo.
Como criar para si um corpo sem rgo? E o que est em jogo em um devir?
No h dvida de que, antes de Mil plats, nunca se tinha ido to longe na crtica da
representao e da significao, na revelao do que se relaciona a uma
representao. No um significante, mas sempre um ato, uma ao.
Gilles Deleuze e Flix Guattari detestam a interpretao. "Interpretar", dizem, "
nossa maneira moderna de crer e de ser piedoso". interpretao, eles opem a
experimentao. Seu mtodo, esquizo-anlise ou pragmtica, obedece s regras de
um positivismo radical. No se trata de amor a cincia, mas de produzir fatos. Os
dois tomos de Capitalismo e esquizofrenia so uma mquina de produzir fatos e,
como tal, inditos. Sua importncia a de renovar completamente os fatos de que
trata a filosofia e que tramam a nossa existncia.
Franois Ewald
NOTA DOS AUTORES:
NOTA DO EDITOR:
Esta edio brasileira de Mil plats, dividindo a obra original em cinco
volumes, foi organizada com o consentimento dos autores e da editora
francesa (Editions de Minuit).
PREFCIO PARA A EDIO ITALIANA
SYLVANO BUSSOTI
Por exemplo, uma vez que um livro feito de captulos, ele possui seus
pontos culminantes, seus pontos de concluso. Contrariamente, o que
acontece a um livro feito de "plats" que se comunicam uns com os outros
atravs de microfendas, como num crebro? Chamamos "plat" toda
multiplicidade conectvel com outras hastes subterrneas superficiais de
maneira a formar e estender um rizoma. Escrevemos este livro como um
rizoma. Compusemo-lo com plats. Demos a ele uma forma circular, mas
isto foi feito para rir. Cada manh levantvamos e cada um de ns se
perguntava que plats ele ia pegar, escrevendo cinco linhas aqui, dez linhas
alhures. Tivemos experincias alucinatrias, vimos linhas, como fileiras de
formiguinhas, abandonar um plat para ir a um outro. Fizemos crculos de
convergncia. Cada plat pode ser lido em qualquer posio e posto em
relao com qualquer outro. Para o mltiplo, necessrio um mtodo que o
faa efetivamente; nenhuma astcia tipogrfica, nenhuma habilidade lexical,
mistura ou criao de palavras, nenhuma audcia sinttica podem substitu-
lo. Estas, de fato, mais freqentemente, so apenas procedimentos mimticos
destinados a disseminar ou deslocar uma unidade mantida numa outra
dimenso para um livro-imagem. Tecnonarcisismo. As criaes tipogrficas,
lexicais ou sintticas so necessrias somente quando deixam de pertencer
forma de expresso de uma unidade escondida para se tornarem uma das
dimenses da multiplicidade considerada; conhecemos poucas experincias
bem-sucedidas neste gnero19. No que nos diz respeito no soubemos faz-
lo. Empregamos somente palavras que, por sua vez, funcionavam para ns
como plats. RIZOMTICA = ESQUIZOANLISE = ESTRATO
ANLISE = PRAGMTICA = MICROPOLTICA. Estas palavras so
conceitos, mas os conceitos so linhas, quer dizer, sistemas de nmeros
ligados a esta ou quela dimenso das multiplicidades (estratos, cadeias
moleculares, linhas de fuga ou de ruptura, crculos de convergncia, etc). De
forma alguma pretendemos ao ttulo de cincia. No reconhecemos nem
cientificidade nem ideologia, somente agenciamentos. O que existe so os
agenciamentos maqunicos de desejo assim como os agenciamentos
coletivos de enunciao. Sem significncia e sem subjetivao: escrever a n
(toda enunciao individuada permanece prisioneira das significaes
dominantes, todo desejo significante remete a sujeitos dominados). Um
agenciamento em sua multiplicidade trabalha forosamente, ao mesmo
tempo, sobre fluxos semiticos, fluxos materiais e fluxos sociais
(independentemente da retomada que pode ser feita dele num corpus terico
ou cientfico). No se tem mais uma tripartio entre um campo de realidade,
o mundo, um campo de representao, o livro, e um campo de subjetividade,
o autor. Mas um agenciamento pe em conexo certas multiplicidades
tomadas em cada uma destas ordens, de tal maneira que um livro no tem
sua continuao no livro seguinte, nem seu objeto no mundo nem seu sujeito
em um ou em vrios autores. Resumindo, parece-nos que a escrita nunca se
far suficientemente em nome de um fora. O fora no tem imagem, nem
significao, nem subjetividade. O livro, agenciamento com o fora contra o
livro-imagem do mundo. Um livro rizoma, e no mais dicotmico, pivotante
ou fasciculado. Nunca fazer raiz, nem plantar, se bem que seja difcil no
recair nos velhos procedimentos. "As coisas que me vm ao esprito se
apresentam no por sua raiz, mas por um ponto qualquer situado em seu
meio. Tentem ento ret-las, tentem ento reter um pedao de erva que
comea a crescer somente no meio da haste e manter-se ao lado"20. Por que
to difcil? desde logo uma questo de semitica perceptiva. No fcil
perceber as coisas pelo meio, e no de cima para baixo, da esquerda para a
direita ou inversamente: tentem e vero que tudo muda. No fcil ver a
erva nas coisas e nas palavras (Nietzsche dizia da mesma maneira que um
aforismo devia ser "ruminado", e jamais um plat separvel das vacas que
o povoam e que so tambm as nuvens do cu).
19 o caso de Jolle de la Casinire, Absolument ncessaire, Ed. de Minuit, que um
livro verdadeiramente nmade. Na mesma direo, cf. as pesquisas do "Montfaucon Research
Center".
20 Kafka, Journal, Grasset, p. 4.
Escreve-se a histria, mas ela sempre foi escrita do ponto de vista dos
sedentrios, e em nome de um aparelho unitrio de Estado, pelo menos
possvel, inclusive quando se falava sobre nmades. O que falta uma
Nomadologia, o contrrio de uma histria. No entanto, a tambm
encontram-se raros e grandes sucessos, por exemplo a propsito de cruzadas
de crianas: o livro de Mareei Schwob, que multiplica os relatos como outros
tantos de plats de dimenses variveis. O livro de Andrzejewski, Les
Portes du Paradis, feito de uma nica frase ininterrupta, fluxo de crianas,
fluxo de caminhada com pisoteamento, estiramento, precipitao, fluxo
semitico de todas as confisses de crianas que vm declarar-se ao velho
monge no incio do cortejo, fluxo de desejo e de sexualidade, cada um tendo
partido por amor, e mais ou menos diretamente conduzido pelo negro desejo
pstumo e pederstico do conde de Vendme, com crculos de convergncia
o importante no que os fluxos produzam "Uno ou mltiplo", no
estamos mais nessa: h um agenciamento coletivo de enunciao, um
agenciamento maqunico de desejo, um no outro, e ligados num prodigioso
fora que faz multiplicidade de toda maneira. E depois, mais recentemente, o
livro de Armand Farrachi sobre a IV cruzada, La dislocation, em que as
frases afastam-se e se dispersam ou bem se empurram e coexistem, e as
letras, a tipografia se pe a danar medida que a cruzada delira21.
21 Marcel Schowob, La croisade des enfants, 1986; Jersy Andrzejewski, Les portes du
paradis, 1959, Gallimard; Armand Farrachi, La dislocation, 1974, Stock. a propsito do
livro de Schwob que Paul Alphandry dizia que a literatura, em alguns casos, podia renovar a
histria e lhe impor "verdadeiras direes de pesquisas" (La chrtient et 1'ide de croisade, t
II, Albin Michel, p. 116).