A Propaganda Política - Jean-Marie Domenach
A Propaganda Política - Jean-Marie Domenach
A Propaganda Política - Jean-Marie Domenach
Jean-Marie Domenach
A PROPAGANDA
POLTICA
A Propaganda Poltica
Jean-Marie Domenach
Edio
Ridendo Castigat Mores
Fonte Digital
www.jahr.org
Copyright
Autor: Jean-Marie Domenach
Edio eletrnica:
Ed. Ridendo Castigat Mores
(www.jahr.org)
Todas as obras so de acesso gratuito. Estudei sempre por conta do Estado, ou
melhor, da Sociedade que paga impostos; tenho a obrigao de retribuir ao
menos uma gota do que ela me proporcionou. Nlson Jahr Garcia (1947-2002)
A PROPAGANDA POLTICA
La Propagande Politique
Jean-Marie Domenach
NDICE
APRESENTAO
INTRODUO
CAPTULO I
O ambiente
Aglutinao nacional e concentrao urbana
Inveno de novas tcnicas
CAPTULO II
As duas fontes da propaganda
Publicidade
Ideologia poltica
CAPTULO III
Propaganda de tipo leninista
CAPTULO IV
Propaganda de tipo hitlerista
CAPTULO V
Leis e tcnicas
Lei de simplificao e do inimigo nico
Lei de ampliao e desfigurao
Lei de orquestrao
Lei de transfuso
Lei de unanimidade e de contgio
Contrapropaganda
CAPTULO VI
Mito, mentira e fato
CAPTULO VII
Opinio e propaganda
CAPTULO VIII
Democracia e propaganda
NOTAS
APRESENTAO
Nlson Jahr Garcia
INTRODUO
CAPTULO I
O ambiente
CAPTULO II
As duas fontes da propaganda
Publicidade
No vamos deblaterar a fim de saber qual das duas publicidade ou propaganda
filha da outra. Mal se distinguiam at a poca moderna: a propaganda de
Csar, de Carlos Magno ou de Lus XIV no passava, em suma, de publicidade
pessoal, assegurada pelos poetas, historiadores e fabricantes de imagens, bem
como pelos prprios grandes homens, nas suas atitudes, nos seus discursos e
atravs de frases histricas: Durante longo tempo, propaganda e publicidade
andam entrelaadas, evoluindo paralelamente: gabam-se as doutrinas, de incio,
tal como os farmacuticos se vangloriam de seus unguentos; pintam-se as
caractersticas, pormenorizam-se os benefcios: correspondem publicidade
informativa que assinala o comeo da arte publicitria os programas e as
explicaes no pertinente aos sistemas, pululantes no sculo XIX. Numerosos
so os processos comuns propaganda e publicidade: ao reclamo corresponde a
profisso de f; marca de fbrica, o smbolo; ao slogan comercial, o
estribilho poltico. Parece, na verdade, que a propaganda se inspira nas
invenes e no xito da publicidade, copiando um estilo que, segundo se julga,
agrada ao pblico. Por exemplo, os partidrios de Boulanger, maneira dos
grandes armazns de modas, distribuem joguinhos mas, com a diferena de que as
figuras e legendas contribuem para a glria do General.
O progresso tcnico logo arrasta a publicidade a um novo estgio: ela procura
de preferncia impressionar mais que convencer, sugestionar antes que
explicar. O estribilho, a repetio, as imagens atraentes derrotam,
progressivamente, os anncios srios e demonstrativos: de informativa,
torna-se a publicidade sugestiva. Novas maneiras de apresentao, novas
tcnicas entram em ao, mormente devido ao estmulo americano, em breve
apoiadas em pesquisas de fisiologia, de psicologia e at de psicanlise.
Aposta-se na obsesso, no instinto sexual etc. Como veremos, a propaganda
poltica no tardar a tomar de emprstimo tais processos para uso prprio.
A publicidade, concomitantemente, tende a tornar-se cincia; seus resultados
so controlados, comprovando sua eficcia. Dessarte desnudada a plasticidade
do homem moderno: esse dificilmente escapa a certo grau de obsesso, a
determinados processos de atrao. Torna-se possvel gui-lo no sentido de tal
produto ou tal marca, no apenas impondo-o em lugar de outro, mas nele
suscitando a sua necessidade. Descoberta formidvel, decisiva para os modernos
engenheiros da propaganda: o homem mdio um ser essencialmente
influencivel; tornou-se possvel sugerir-lhe opinies por ele consideradas
pessoais, mudar-lhe as idias no sentido prprio, e por que no tentar em
matria poltica o que vivel do ponto de vista comercial?
Todo um setor da propaganda poltica continua a viver em simbiose com a
publicidade: nos Estados Unidos, por exemplo, as campanhas eleitorais pouco
diferem das campanhas publicitrias; as famosas paradas, com orquestras,
girls e cartazes, no passam de ruidoso reclamo. Outro ramo da propaganda
poltica, entretanto, embora ainda se inspire nos processos e nos estilos
publicitrios, desligou-se da publicidade para criar uma tcnica prpria;
aquela propaganda de natureza mais ampla e mais caracterstica, que
estudaremos de modo particular, visto ser ela que mais profundamente
influenciou a histria contempornea.
Ideologia poltica
Limita-se a propaganda de tipo publicitrio a campanhas mais ou menos
espaadas cujo padro a campanha eleitoral; a valorizao de certas idias
e de certos homens mediante processos bem delimitados, expresso normal da
atividade poltica. Outro tipo de propaganda, de tendncia totalitria,
decorre da fuso da ideologia com a poltica; intimamente ligada progresso
ttica, joga com todas as molas humanas. No se trata mais de uma atividade
parcial e passageira, mas da expresso concreta da poltica em movimento, como
vontade de converso, de conquista e de explorao. Est, essa propaganda
ligada introduo, na histria moderna, das grandes e sedutoras ideologias
polticas, tais como o jacobinismo, o marxismo e o fascismo, e ao embate de
naes e blocos de naes nas novas guerras.
Tal propaganda poltica(5) data, na verdade, da Revoluo Francesa; os
primeiros discursos de propaganda, os primeiros encarregados de propaganda
(entre outros, os comissrios junto aos exrcitos) partiram dos clubes, das
assemblias, das comisses revolucionrias; foram eles que empreenderam a
primeira guerra de propaganda e a primeira propaganda de guerra. Uma nao,
pela primeira vez, libertava-se e organizava-se em nome de uma doutrina
subitamente considerada universal. Uma poltica interior e exterior, pela
primeira vez, fazia-se acompanhar pela expanso de uma ideologia e, por isso
mesmo, segregava a propaganda. Surgiram, ento, todos os recursos da
propaganda moderna: a Marselhesa, o barrete frgio, a festa da Federao, a do
Ser Supremo, a rede dos clubes jacobinos, a marcha sobre Versalhes, as
manifestaes de massa contra as Assemblias, o cadafalso nas praas pblicas,
as crticas violentas de LAmi du Peuple, as injrias de Pre Duchne.
Novo tipo de guerra origina-se tambm da Revoluo. Progressivamente, so
mobilizadas todas as energias nacionais at a fase da guerra total que Ernst
Jnger acreditava atingida em 1914 e que, na realidade, no o fora seno
durante a ltima guerra. Depois de 1791 a ideologia alia-se aos exrcitos para
a conduo das guerras, tornando-se a propaganda a auxiliar da estratgia.
Visa-se criar, internamente, a coeso e o entusiasmo e instaurar, no campo
inimigo, a desordem e o medo. Ao abolir, cada vez mais, a distino entre a
frente e a retaguarda, a guerra total oferece propaganda, como campo de
ao, no s os exrcitos, mas as populaes civis, pois, visando as segundas,
atinge-se talvez mais seguramente as primeiras; consegue-se mesmo sublevar
essas populaes, suscitando o aparecimento de novos tipos de soldados,
homens, mulheres, crianas, na retaguarda do inimigo: espies, sabotadores ou
guerrilheiros. No ser nunca demasiado salientar at que ponto as guerras
modernas prepararam o terreno para a propaganda, ao favorecer a exaltao, a
credulidade, o maniquesmo sentimental. O bourrage de crne(6) de 1914-1918
abriu o caminho s grosseiras mentiras do hitlerismo. Surgem das guerras
recentes completo vocabulrio de intimidao e uma mitologia inteira de
conquista. As guerras serviram de laboratrio para os tcnicos de psicagogia,
como o serviram para os engenhos mecnicos. A propaganda ligou-se guerra a
ponto de se lhes substituir naturalmente: desde 1947, nutriu a guerra fria,
tal como alimentou, em 1939, a guerra de nervos... A atual propaganda a
guerra levada a cabo por outros meios.
O marxismo-leninismo retomou, elevou a outro plano e aperfeioou esse liame
entre a ideologia e a guerra. Progressivamente, o marxismo substituiu o
blanquismo e a insurreio espontnea do tipo. das Jornadas de Junho, por uma
estratgia revolucionria das massas. O movimento operrio, outro fator
decisivo do sculo XIX, cria uma comunidade supranacional, que anima uma
mitologia prpria. No o esqueamos, foi a social-democracia que inventou o
partido de massas; ela que ensaia certo nmero de tcnicas de propaganda
(desfiles, smbolos e outros), depois aplicadas correntemente. Lenin, contudo,
vai mais longe: quer dinamizar pela agitao e propaganda as massas
sociais-democratas que caram sob a influncia de polticos aburguesados. Em
plena guerra, Lenin e Trotsky, ao combinar a insurreio com a propaganda,
logram a decomposico do exrcito e da administrao, instaurando a revoluo
bolchevista. Assim escreveu J. Monnerot: Os poderes destrutivos contidos nos
sentimentos e ressentimentos humanos podem ser utilizados, manipulados por
especialistas, tal como o so, de maneira convergente, os explosivos puramente
materiais. A lio no ser perdida. A Unio Sovitica reteve-a em sua
poltica. Nela, Hitler inspirou-se eficazmente.
De uma ou de outra maneira, a propaganda foi secularizada pelo jacobinismo e
pelas grandes ideologias modernas. Mas, desviando-se, no regressa ela s suas
origens? Trata-se, ainda, de difundir uma f de fide propaganda por certo,
de uma f terrena, cuja expresso e disseminao muito pedem emprestado
psicologia e tcnica das religies. A propaganda inicial do cristianismo
muito deveu ao mito escatolgico... Igualmente as novas propagandas polticas
tm haurido inspirao em uma mitologia de libertao e de salvao, ligada,
contudo, ao instinto de potncia e de luta mitologia ao mesmo tempo
guerreira e revolucionria. Empregamos a palavra mito no sentido que lhe
atribuiu Sorel: Os homens que participam dos grandes movimentos sociais vem
sua prpria ao sob a forma de imagens de batalhas asseguradoras do triunfo
de suas causas. Proponho o nome de mito a essas idealizaes. Tais mitos, que
tocam no mais profundo do inconsciente humano, constituem representaes
ideais e irracionais ligadas luta; exercem sobre as massas poderosa
influncia dinamognica e coesiva.
As grandes propagandas alimentam-se largamente nessas mesmas fontes: uma s
histria, militar e revolucionria, da Europa; um s desejo veemente: o da
comunidade perdida. Muito diferente, entretanto, o modo pelo qual orquestram
e orientam os velhos sonhos aguados e recalcados pela sociedade moderna.
CAPTULO III
Propaganda de tipo leninista
O marxismo poderia ser caracterizado pelo seu poder de difuso; trata-se de
uma filosofia capaz de propagar-se entre as massas, de inicio porque
corresponde a um certo estgio da civilizao industrial, depois porque
repousa em uma dialtica que pode ser reduzida sua extrema simplicidade, sem
deformar-se substancialmente Certo , contudo, que o marxismo no teria to
larga e rpida expanso, se Lenin no o houvesse transformado em um mtodo de
ao poltica prtica.
Para Marx, a conscincia de classe a base da conscincia poltica. Todavia
e esta a contribuio de Lenin abandonada a si mesma, a conscincia de
classe se encerra na luta econmica, isto , limita-se conscincia
trade-unionista, atividade puramente sindical e no atinge a conscincia
poltico. Cumpre, despert-la previamente, educ-la e arrast-la luta em
mbito mais largo que o constitudo pelas relaes entre operrios e patres.
Cabe essa tarefa elite dos revolucionrios profissionais, vanguarda
consciente do proletariado. O Partido Comunista deve ser precisamente o
instrumento dessa relao entre a elite e a massa, entre a vanguarda e a
classe. Lenin substituiu a concepo social democrata do Partido Operrio, tal
como sobretudo a conheceram a Alemanha e a Inglaterra, pela concepo
dialtica de uma coorte de agitadores que sensibilizam e arrastam as massas.
Nessa perspectiva, entendida a propaganda em um sentido assaz largo (passando
da agitao educao poltica), torna-se a correia de transmisso, o liame
essencial de expresso, ao mesmo tempo rgido e flexvel, que continuamente
liga as massas ao partido, levando-as pouco a pouco a unir-se vanguarda na
compreenso e na ao.
A propaganda de tipo bolchevista pode ligar-se a duas expresses essenciais: a
revelao poltica (ou denncia) e a palavra de ordem. Segundo Marx,
preciso tornar a opresso real ainda mais dura, ajuntando-lhe a conscincia da
opresso e tornar a vergonha ainda mais humilhante, dando-a publicidade;
seguindo-lhe o conselho, Lenin convida os sociais-democratas a organizarem
revelaes polticas em todos os domnios(7). Consistem essas revelaes em
destrinar, por entre os sofismas com que as classes dominantes envolvem seus
interesses egostas, a natureza real de seus apetites e o real fundamento de
seu poder, e dar s massas uma representao clara. Ora assevera Lenin
no nos livros que o operrio poder haurir essa clara representao; no a
encontrar seno nas exposies vivas, nas revelaes ainda quentes acerca do
que ocorre em torno de ns, em dado momento, de que a gente fala ou cochicha e
que se manifesta por este ou aquele fato, por tais e tais algarismos,
vereditos e outros. Essas revelaes polticas, que abrangem todos os
domnios, constituem a condio necessria e fundamental para a formao das
massas tendo em mira sua atividade revolucionria. Eis aqui a aplicao
concreta desse ataque marxista mistificao: o propagandista leninista, no
tocante a no importa qual acontecimento de interesse para a vida das massas,
deve elevar-se da aparncia realidade, que se encontra no nvel da luta de
classes, e no deve deixar os espritos se desviarem ou se afogarem em
explicaes superficiais e falsas. Guerras, greves, escndalos polticos
proporcionaram ocasies; mas, em geral, a partir de fatos mnimos, assaz
concretos, que a demonstrao remontar causa para reatar o que parecia
acidental explicao poltica geral, que a do Partido Comunista. Assim, o
Partido Comunista Francs empenhou-se na demonstrao dos males do Plano
Marshall, partindo de uma penria parcial, do fechamento de uma fbrica ou do
atraso da canalizao de gua para uma comuna rural.
Tomemos como exemplo o desemprego parcial, que atinge a atividade dos sales
de beleza: poder o cliente pensar que os sales de beleza so em nmero
demasiado, que a moda de cabelos compridos ou que os cabelos crescem, menos
este ano... explicaes simplistas ou mitolgicas, rejeitadas pelo
propagandista comunista. Esse, com facilidade, levar o cliente a admitir que,
se os sales de beleza esto vazios, porque o povo dispe apenas do dinheiro
indispensvel s suas necessidade vitais; ele o conduzir, em seguida,
verificao de que o conjunto dos assalariados insuficientemente remunerado
e, em conseqncia, porque o dinheiro que lhes devia caber desviado por
tributos e taxas, em benefcio de um oramento devorado pelos preparativos
militares impostos Frana pela poltica atlntica, a qual no passa de
defesa dos interesses do capitalismo internacional... Isso no passa de
simples exemplo, por ns forjado, dessa argumentao sistemtica, mediante a
qual um propagandista educado no mtodo leninista deve esforar-se por unir a
parte ao todo, denunciando infatigavelmente todas as injustias suscitadas
pelo regime capitalista.
A palavra de ordem leva-nos ao aspecto combativo e construtivo dessa
propaganda. Palavra de ordem a traduo verbal de uma fase da ttica
revolucionria. Conceito motriz, expressa o objetivo mais importante do
momento, o quanto possvel clara, breve e eufonicamente: quer, em perodo
revolucionrio, o aniquilamento do adversrio e um escopo unitrio para as
massas Todo o Poder aos Sovietes, Terra e Paz, Po, Paz e Liberdade,
Por um Governo de Ampla Unio Democrtica etc. quer, em perodo de
edificao socialista, um objetivo de planificao: Cumprir e Superar o
Plano em Quatro Anos etc.
Importa, porm, que o comunista no condense demasiado a ttica
imobilizando-se em uma palavra de ordem que as circunstncias tornaram caduca.
Em um artigo de 1917, A propsito de palavras de ordem Lenin mostra a
justeza da palavra de ordem Todo o Poder aos Sovietes, at que outros
partidos representados nos Sovietes se aliassem burguesia
contra-revolucionria. Uma palavra de ordem condensa a linha poltica do
momento, no um excitante vazio, oco: Toda palavra de ordem deve deduzir-se
da soma das particularidades de determinada situao poltica. As palavras de
ordem balizam etapas escalonadas que compelem as demais foras polticas a
tomarem posio pr ou contra a colaborao, visando a objetivos concretos e
sedutores para as massas.
Toda palavra de ordem deve corresponder no s situao poltica, mas,
inclusive, ao nvel de conscincia das massas No tem valor se no repercute
largamente nessa conscincia, e, para tanto, deve distinguir as aspiraes
latentes no tocante ao tema mais favorvel. Dizia Trotsky: Acusam-nos de
criar a opinio das massas. A censura inexata, tentamos apenas formul-la.
Aqui est o segredo do xito da revoluo bolchevista: em duas palavras soube
Lenin ligar e exprimir as duas reivindicaes fundamentais dos milhes de
camponeses-soldados do exrcito russo: Terra e Paz. xito tanto mais
fulminante, considerando-se que os bolchevistas no passavam de um punhado e
quase sem poder, assim o comenta Trotsky: Era impressionante a pobreza de
meios de que dispunha a agitao bolchevista. Como, com to dbil aparelho e
diante do nmero insignificante da tiragem dos jornais, puderam impor-se ao
povo as idias e as palavras de. ordem do bolchevismo? bem simples o segredo
desse enigma: as palavras de ordem que correspondem s agudas necessidades de
uma classe e de uma poca, criam milhares de canais. O meio revolucionrio,
tornado incandescente, distingue-se por alta condutibilidade de idias.
A fim de trabalhar o meio, visando nele difundir revelaes e palavras de
ordem, o bolchevismo passou a distinguir duas espcies de agentes: os
propagandistas e os agitadores. Plekhanov o autor desta famosa distino: O
propagandista procura inculcar muitas idias em uma s pessoa ou em pequeno
nmero de indivduos; o agitador no inculca mais que uma nica idia ou
pequeno nmero de idias; em compensao, ele as inculca em numerosos grupo de
pessoas. Ao comentar essa definio, diz Lenin(8), que o agitador, partindo
de uma injustia concreta, engendrada pela contradio do regime capitalista,
se esforar por suscitar o descontentamento, a indignao das massas contra
essa gritante injustia, deixando ao propagandista o cuidado de dar completa
explicao dessa contradio. Da por que o propagandista age sobretudo pela
escrita e, o agitador, de viva voz. Visivelmente, entretanto, Lenin teme
deixar transformar-se em uma distino terica o que apenas distino
prtica, essencialmente baseada em aptides de temperamento. Seguiramos essas
duas famlias, alis, com facilidade, ao longo da histria das revolues
sejam sociais, polticas ou religiosas. Hbert e Marat foram agitadores;
Robespierre e Saint-Just foram propagandistas. Mussolini nunca conseguiu
ultrapassar o estgio de agitador. Ao contrrio, Hitler foi um agitador que
soube elevar-se ao nvel de sistematizao terica do propagandista.
esse um ponto no qual Lenin insistiu em numerosas oportunidades(9): no se
trata apenas de agitar e catequizar a classe operria, como em geral se
contentam em faz-lo os sociais-democratas, preciso ir a todas as classes
da populao como propagandistas, como agitadores e como organizadores.
Cumpre praticar denncias, fazer revelaes polticas vivas que interessem ao
povo inteiro: operrios, camponeses, pequenos burgueses. E, para logr-lo,
necessrio que tenhamos nossos homens, sociais-democratas, sempre e por toda
a parte, em todas as camadas sociais, em todas as posies que permitam
conhecer as molas interiores do mecanismo do nosso Estado.
O papel desses homens, de incio, o de fazer a propaganda e a agitao por
todos os meios, diligenciando no sentido de adaptar seus argumentos ao meio em
que se encontram. A grande diversidade de sua imprensa constitui uma das
caractersticas da propaganda comunista. H, na Unio Sovitica, jornais para
cada regio e cada profisso; todos repetem a mesma coisa, mas o dizem de
maneira apropriada s diversas mentalidades. Por outro lado, no h propaganda
sem constante contribuio de matria informativa, tanto assim que outro
encargo dos especialistas comunistas o de alimentar as revelaes de ordem
poltica por contnuo afluxo de notcias colhidas em todos os setores
profissionais e sociais. Funciona cada clula como uma antena de informao e,
sob o regime sovitico, os jornais dispem de uma multido de correspondentes
populares colocados em todos os nveis de atividades do pas. Para a
propaganda comunista, esse trabalho de informao revela-se incontestvel
elemento de superioridade; permite-lhe, sobretudo, reagir mais celeremente que
a propaganda adversa, desconcertando-a e, muitas vezes, ultrapassando-a.
De Lenin os partidos comunistas retiveram a paixo pelas revelaes
polticas organizadas diante de todo o povo. Para eles, no se trata de
praticar em regime burgus uma poltica de alianas e de compromissos, a qual
monopoliza as foras dos outros partidos, mas, apresentado-se como inimigos
irreconciliveis do regime, de fazer explodir continuamente entre os
adversrios as minas que eles mesmos prepararam inconscientemente. Todo passo
dado em falso por um governo, toda debilidade de uma maioria, toda injustia,
todo e qualquer escndalo so, dessarte, desmascarados, denunciados e
sistematicamente ligados ao tema poltico central. Esse vasto e permanente
empreendimento desenrola-se desde a menor oficina, passa pelos conselhos
municipais e gerais, pelas entidades profissionais, pelos tribunais at o
recinto do Parlamento. Os comunistas eleitos dispem, assim, de tribunas de
onde as denncias caem mais ruidosamente; a Internacional Comunista, no seu
II Congresso, recordou a cada deputado militante que ele no era apenas um
legislador procura, com os demais legisladores, de uma linguagem comum, mas
um agitador enviado ao inimigo, a fim de aplicar as decises do Partido.
Existem, tambm, as palavras de ordem do P. C. que os deputados comunistas
devem apoiar e consubstanciar no texto de proposies aparentemente concretas,
segundo a senha j dada pelo Bureau Poltico em 1924: Os eleitos devem
apresentar projetos puramente demonstrativos, concebidos no visando sua
adoo, mas propaganda e agitao.
Lenin sabe, entretanto, que exrcitos de propagandistas e de agitadores, mesmo
que se contassem aos milhes, so insuficientes para lograr a vitria se a
ao deixar de apoiar-se em uma linha poltica justa e em realizaes
prticas. Sem atos concretos em que se arrime qualquer propaganda no passa de
um verbalismo criador de perigosas iluses, imobilizando a ttica em um
estgio caduco.
Traduz-se essa atividade, em regime capitalista, pelo sustentculo das
reivindicaes, pela ao nos sindicatos e nos agrupamentos de toda espcie,
bem como por realizaes concretas, testemunhando inequvoca vontade na
prefigurao da futura sociedade capitalista. Esse o papel da
amostra-testemunho que se observa, por exemplo, nas municipalidades, ao
desenvolverem as obras sociais, as colnias de frias, ao construrem moradias
e instalaes para a prtica de esportes. A propaganda, em decorrncia,
autenticada por atos, e isso fundamental.para a massa daqueles aos quais
longa experincia impe dvidas no tocante ao valor dos programas polticos.
Mais importante, ainda, a funo desses prottipos em perodo de conquista
revolucionria e edificao socialista. Assim, pelo contgio inicial do
exemplo, a reforma agrria avana por entre as massas do campesinato chins: a
terra posta em comum em uma aldeia cultivada por um grupo de trabalhadores
convictos e educados; os camponeses dos arredores vm observar de perto,
persuadindo-se pouco a pouco das vantagens daquela soluo.
incontestvel que, sob a sua forma moderna, a propaganda poltica foi
inaugurada pelo bolchevismo e especialmente por Lenin e Trotsky. Em 1917,
Lenin, genial propagandista e agitador, lana as palavras de ordem que vo dar
o ritmo s etapas da conquista do poder. Inovao sem precedentes a de
Trotsky, ao dirigir-se pelo rdio s massas sofredoras, passando por cima
dos governantes. Desenvolvem-se no proletariado, no campesinato e no Exrcito
propaganda e agitao de inaudita intensidade. Proliferam os crculos
polticos, os jornais de fbrica, os oradores de bairros; os agitadores
atiram-se ao trabalho e disseminam subterraneamente a inquietao e a diviso
entre os elementos fiis ao regime tzarista. Logo que a revoluo se apossa de
Leningrado e de Moscou, essa atividade, longe de interromper-se, amplia-se com
o fito de alargar e consolidar o poder dos Sovietes. Comissrios polticos
so enviados para junto das unidades militares, a fim de elucidarem as ordens
e recoloc-las no contexto poltico geral(10). Equipes mveis de jovens
comunistas deslocam-se dentro do Exrcito, estacionam por poucos dias nas
prefeituras rurais, no decurso dos quais representam, cantam e fazem palestras
polticas. Cria-se, assim, vasta rede psicopoltica que, por meio de mltiplos
canais imprensa, rdio, teatro, cinema, jornais locais e de fbrica,
conferncias, comcios e outros meios atingem os pontos mais afastados do
pas. A direo dessa atividade polimorfa confiada a uma direo agit-prop
(abreviatura de agitao e propaganda), que tem responsveis em todos os
escales at a clula de base e que ser sempre o ramo essencial da atividade
comunista. Mais tarde, as revolues comunistas far-se-o acompanhar de
anlogo trabalho de penetrao e de educao ideolgica e poltica. Partisans
iugoslavos e chineses o impulsionam paralelamente organizao de seus
exrcitos. raro encontrar uma unidade que no disponha de sua imprensa,
assevera Djilas, um dos lderes dos partisans iugoslavos(11).
Mas na China que a propaganda deveria atingir sua maior dimenso.
Mao-Ts-Tung foi com efeito o estrategista e o terico de um novo tipo de
guerra inspirada na experincia dos partisans, e que na Frana foi chamada
guerra revolucionria. Mao parte do princpio que o exrcito deve ser a
vanguarda de uma massa inteira empenhada no combate. Mao adapta s relaes
entre exrcito e povo os laos institudos por Lenin entre o partido e a
classe operria. Cria-se assim. um aparelho poltico militar que repousa sobre
hierarquias paralelas (associaes profissionais, esportivas etc.,
organizao territorial organizao do partido), as quais transmitem sem
cessar as ordens oficiais e a educao poltica. Nada lhe escapa.
Em tempo de guerra, esse sistema aplicado aos prisioneiros que so
previamente aniquilados (isto , fisiologicamente enfraquecidos e
psicologicamente isolados), antes de serem submetidos reeducao, como
aconteceu nos campos da Coria do Norte e do Viet-minh(12).
Em tempo de paz, esta mobilizao das energias utilizada para fins polticos
e econmicos. Foi na China, ainda, que este mtodo atingiu seu paroxismo.
Centenas de milhares de homens foram impelidos ao trabalho por campanhas que
os tornaram voluntrios entusiastas. Na China, como nas democracias
populares, o partido desenvolve uma mstica do plano, tanto por proclamaes
gerais quanto por estmulos individuais (citao de xitos modelos e de
superao de limites fixados, condecoraes dos operrios de elite etc.).
Mas esta manipulao psicolgica serve tambm para sustentar, se for o caso, a
poltica exterior dos dirigentes. Assim, em 1958, no momento da campanha por
Formosa, as diretrizes semanais emitidas por rdio, imprensa e cartazes,
reforadas por manifestaes monstros, se difundiam atravs da China em ondas
gigantescas, cuja progresso os servios oficiais controlavam de hora em hora.
Releva notar, entretanto, ser impossvel delimitar, com preciso, o campo da
propaganda nos regimes soviticos ou de inspirao sovitica. Ela apenas um
aspecto de uma atividade total, da instruo primria produo industrial e
agrcola, englobando a literatura, a arte e os lazeres. Torna-se objeto de
propaganda a atividade inteira do cidado. J dizia Zinoviev: A agitao e a
propaganda, entre ns, repousam na instruo (...). Elas formam um todo que
preciso concretizar segundo a concepo leninista do ensino. Ulteriormente, o
esprito de partido, segundo a terminologia de Jdanov, apoderou-se da
cincia, da msica, da crtica literria etc., que tm a funo de formar o
novo homem sovitico.
A escola torna-se um dos pilares dessa propaganda total. Em seguida, dos
seminrios polticos, das escolas de aperfeioamento e dos crculos de
estudos saem, formados, centenas de milhares de propagandistas ou
agitadores que do cursos polticos, realizam palestras nas fbricas, nos
kolkozes, nos estabelecimentos comerciais e em instituies de toda espcie.
As obras de Marx, de Engels, de Lenin, de Stalin e de Mao-Ts-Tung formam a
base desse ensino. To gigantesco trabalho escorado em inmeras associaes
culturais, que enxameiam nos recantos vermelhos das fbricas, nas isbs de
leitura nos campos, nas sociedades beneficentes do Exrcito, nos clubes
esportivos e em outras agremiaes.
A propaganda triunfa ao ponto de dissolver-se no conjunto das atividades
polticas, econmicas e intelectuais de um Estado. Cada uma dessas atividades
apresenta um aspecto propagandstico. A obsesso dela resultante, certos
processos de encenao coletiva, a direo centralizada dos instrumentos de
difuso, a censura, a explorao dos novos acontecimentos, tudo isso no se
origina absolutamente do marxismo-leninismo, mas da utilizao totalitria da
propaganda.
CAPTULO IV
A propaganda de tipo hitlerista
CAPTULO V
Leis e tcnicas
CAPTULO VII
Opinio e propaganda
O exame desse quadro mostra que as respostas dadas pelos cultivadores e pelos
citadinos foram quase inversamente simtricas, ao passo que as respostas dos
meios rurais representaram pouco mais ou menos a mdia.
V-se, pois, que a opinio, de um lado, no tem esse carter original,
autenticamente pessoal, que alguns lhe conferem mas que relativa a um grupo
ou a muitos grupos e, de outro lado, que no reflete naturalmente a
realidade e sim, ao contrrio, dela nos d uma imagem deformada pelos
interesses comuns ao grupo, quer interesses de classe, quer interesses
profissionais, quer interesses nacionais. Agir sobre a opinio no , pois,
usurpar injustamente a autonomia pessoal; influir sobre foras coletivas,
resultantes de presses sociais e nas quais o indivduo no est seno
secundariamente empenhado. Agir sobre a opinio no forosamente deformar a
verdade: modificar uma viso que, de ordinrio, j se afastou bastante da
realidade, talvez a fim de reaproximar-se dela. Isso suficiente para
justificar, seno todos os seus modos de aplicao, pelo menos- o projeto de
propaganda.
Podemos, agora, procurar em que medida o indivduo suporta a propaganda e que
possibilidades guarda de rejeit-la. Sob esse aspecto, as experincias
aparentemente so contraditrias. A formidvel propaganda nazista assegurou a
vitria de Hitler, no s entre o seu povo, mas, durante algum tempo, muito
alm de suas fronteiras. O regime hitlerista manteve-se at que o Fhrer
desaparecesse na fogueira da Chancelaria e a propaganda foi, indubitavelmente,
o cimento dessa extraordinria coeso. Entretanto, a propaganda hitlerista,
sem embargo de sua perfeio tcnica e seu arranjo diablico, sofreu derrotas.
A mais caracterstica foi-lhe infligida pelo jovem lder da Frente de Bronze
de que Tchakhotine nos transmitiu a comunicao. Vimos como, por ocasio das
eleies de 1932, ele organizou na ltima hora, mas com o mximo cuidado,
campanhas de propaganda em algumas circunscries do Hesse. Essa mobilizao
de propaganda conseguiu o recuo do nazismo nos lugares onde foi desfechada.
Essa clebre experincia reconfortante: prova que uma propaganda, por
poderosa que seja, e usufruindo um juzo antecipado de vitria, pode ser
paralisada por uma propaganda bem organizada de sentido contrrio. Em
decorrncia, nenhuma propaganda, at a hitlerista, invencvel, se encontra
pela frente outra propaganda. Essa verificao destri a crena na onipotncia
de certas propagandas, sob a alegao de ser impossvel esquivar-se-lhe.
provvel que, se fosse possvel estender a toda a Alemanha a experincia
tentada no Hesse, a vaga hitlerista teria refludo e outra seria a histria do
mundo.
Essa experincia, entretanto, se prova que nenhuma propaganda por si s
invencvel, parece demonstrar a impotncia da propaganda como tcnica(42).
Parece, pois, que a propaganda poltica, manejada judiciosamente, alcana
rendimento certo e at calculvel como o rendimento de uma publicidade. Essa
concluso abre amedrontador horizonte: se realmente possvel preparar a
opinio e conquist-la por meio de uma campanha bem conduzida, porque a
opinio poltica sobre a qual as democracias se baseiam, to superficial e
volvel quanto o sentimento que compele um cliente a deixar uma marca de
dentifrcio por outra, mais perfumada ou de melhor apresentao Parece que se
essa concluso se verificasse, no subsistiria nenhuma justificao para os
regimes parlamentares.
No julgamos admissvel esse relativismo total da opinio poltica Certamente
para retomar o exemplo de Hesse provvel que, se a campanha da Frente de
Bronze no tivesse ocorrido, a maioria desses sufrgios seria dado ao nazismo,
conforme demonstram os resultados obtidos no resto da Alemanha. Entretanto, se
nos referirmos ao nmero de habitantes das circunscries em questo,
perceberemos que os ganhos foram muito limitados (entre 0,91% e 4,10%).
Ademais, nada prova que esses sufrgios provenham de nazistas convertidos por
esta sbita propaganda. Sem nenhuma dvida, tratava-se mormente de indecisos
que foram arrastados a votar nos socialistas porque a propaganda lhes fez
sentir que no seriam os nicos a faz-lo, mas tambm porque ela os convenceu
de que esse voto correspondia ao seu profundo sentimento ou pelo menos seria a
melhor aproximao. Os titubeantes raramente so indiferentes; so homens que
tm opinio divisvel, isto , oscilam segundo a presso dos diversos grupos
aos quais pertencem. Na ocasio, a campanha de propaganda da Frente de Bronze
tinha por primeiro alvo evitar em razo de sua prpria existncia e de seu
clima de fora que a presso se exercesse de um s lado, em beneficio do
partido nazista. Longe de violentar o eleitor, ao contrrio, restabelecia as
condies para uma eleio livre. Alm disso, tinha por segundo alvo levar os
indecisos a penderem para o lado dela, mediante demonstrao visando a
convenc-los de que suas aspira6es caminhariam bem nesse sentido.
Enfim, ainda uma vez, considerar-se- que a propaganda ineficaz pelo menos
enquanto no nica, totalitria se ela no encontra um terreno favorvel.
Na Alemanha de 1932, e geralmente em todos os pases, as classes mdias, novas
camadas sem tradio e sem insero definida, so mais permeveis propaganda
que as outras classes sociais; ameaadas pela misria e a proletarizao como
eram ento na Alemanha, elas formavam uma massa particularmente instvel, que
se deixou envolver com facilidade pelos slogans hitleristas.
A opinio tem suas amarras que a ligam ao mesmo tempo ao grupo e ao indivduo.
Ela resiste tanto melhor quanto ligada a um grupo mais estruturado. Mas
existe tambm, por baixo da opinio recebida, superficial e mutvel, uma
opinio profunda, que, inconscientemente, no insensvel aos contragolpes
da presso de grupo, embora automaticamente unida pessoa, ao seu
temperamento, sua experincia, s suas crenas religiosas e filosficas,
sua vontade prpria. Procurou-se explicar e justificar de muitas maneiras o
revs do inqurito Gallup que, por ocasio das eleies presidenciais nos
Estados Unidos em novembro de 1948, previra 44,5 % dos votos para Truman, ao
passo que teve mais de 50%. Seu competidor, Dewey, beneficiara-se de forte
campanha de imprensa e geralmente era considerado vencedor, embora a
impresso de totalidade normalmente devesse favorec-lo. Ora, ele foi batido.
Falou-se de uma reviravolta de ltima hora da opinio pblica. Falta explicar
o porqu dessa reviravolta. No o justificando nenhum acontecimento de
envergadura, preciso supor que aqum das razes que levavam os eleitores
interrogados por Gallup a responder que votariam em Truman ou em Dewey,
existia uma razo mais profunda, embora no formulada, surgida no ltimo
momento sob influncias, reflexes, fatos primeira vista insignificantes. A
sondagem Gallup no podia tornar patente esse ncleo pessoal da opinio.
Dificilmente as sondagens podem ultrapassar a esfera sociolgica da opinio
clara, manifesta, que forosamente no aquela que surgir no dia do
escrutnio ou no momento de uma crise. exato que, nessa esfera, segundo a
definio de Jean Stoetzel, opinar para o indivduo situar-se socialmente
em relao ao seu grupo e aos grupos externos mas apenas nessa esfera,
parecendo-nos excessivo atribuir opinio uma definio cujos limites so os
de um mtodo de investigao.
A opinio individual no somente esse campo fechado dos socilogos, no qual
se joga uma espcie de partida de pelota entre os diversos grupos, que passam
a bola entre si; a opinio no experimenta s uma circulao lateral, mas
tambm uma circulao vertical e, por mais que ela se integre na pessoa, h
uma dinmica da opinio que sempre se opor a que a sua importncia seja
inteiramente mensurvel e sua expresso matematicamente previsvel.
Uma das funes essenciais da propaganda operar esse surgimento da opinio
profunda, essa passagem do oculto ao explcito, da veleidade tomada de
posio, essa crena de que um homem e um programa representam melhor ou
menos mal aquilo que se deseja interiormente e que, em conseqncia, preciso
votar neles. Essa funo exerce-se sobre enorme massa de indecisos, dos que
procuram adquirir uma convico. raro que esses indivduos sejam
absolutamente indiferentes. Quase sempre existe entre eles um modo de ver mais
ou menos inibido por razes de ordem pessoal ou social, uma opinio latente
que cabe propaganda despertar e magnetizar. Ela no procede ex nihilo. Como
vimos ao estudar a lei de transfuso, ela constri sobre uma plataforma
previamente existente; parte de uma idia, de um sentimento, de uma simples
palavra, amorosamente formados no corao daqueles por ela solicitados.
O estmulo que proporciona , s vezes, mnimo, mas basta para transformar
inteiramente uma atitude poltica, porquanto atinge principalmente um setor de
opinio ambivalente, que tambm pode ser conduzido a atitudes opostas. No
livro Le Pouvoir et lOpinion, Alfred Sauvy, ao analisar as atitudes de
derrotismo e de coragem, discrimina cinco variantes:
l Trabalhar para a derrota;
2 Aguardar a derrota e regozijar-se eventualmente, sem todavia trabalhar por
ela;
3 Temer a derrota, sem resistir a esse sentimento;
4 Combater o medo da derrota e alimentar a esperana;
5 No considerar nenhuma possibilidade de derrota.
No tocante aos grupos 1 e 2, tendo as propagandas adversrias que lidar com
indivduos convictos, exercero cada um por sua conta apenas uma ao
mantenedora. No pertinente ao grupo 2, a propaganda inimiga poder atingi-lo
mais, experimentando lev-lo do sentimento ao ato, de uma esperana
inconfessvel a uma traio declarada; do mesmo modo, a propaganda amiga
experimentar unir o grupo 4 ao grupo 5 e transformar seus partidrios em
fanticos. Ser, contudo, o grupo 3 que oferecer um terreno preferencial s
propagandas; aqueles que receiam a derrota, mas no rechaam essa idia, so
igualmente vulnerveis: seja propaganda inimiga que visa ao segundo aspecto,
o sentimento da possibilidade da derrota, e procura convert-lo no sentimento
da fatalidade da derrota; seja propaganda amiga, que objetiva o primeiro
aspecto, o medo da derrota, e procura transformar esse medo na deciso de
defender-se sem espirito de recuo.
V-se, pois, o papel essencial da propaganda sobre certas zonas mveis da
opinio, amide as mais amplas. Compreende-se, por isso, que em pocas de
crise, a propaganda possa fazer balanar de um a outro extremo essas massas
instveis. Essa ambigidade da opinio estava particularmente disseminada na
Alemanha na poca em que se desenrolava a experincia por ns mencionada e
onde milh6es de homens tinham de escolher entre a soluo socialista e a
soluo nazista e, no fundo, o fizeram pelas mesmas razes: o sentimento de
que se impunha sair da crise, do bloqueio interior e exterior da situao,
reabsorver os desocupados, achar uma sada para a Alemanha.
Essa massa indecisa, embora caracterizada por uma s tonalidade de opinio,
evidentemente no forma um grupo definido, O papel da propaganda submet-la
influncia de um grupo ativo. Essa influncia pode ser mais ou menos forte.
Para desencadear e sustentar uma campanha de opinio, comum a constituio
de associaes, de comits, de ligas, que visam alvos de poltica interna ou
externa e, por meios diversos, fazem presso sobre o Parlamento e o Governo:
campanhas de imprensa, conferncias, reunies pblicas, peties etc. Umas
representam interesses profissionais mais ou menos camuflados; outras visam
fins patriticos, culturais, religiosos, internacionalistas. O nmero delas
considervel e sua influncia no deve ser descurada. Ao passo que esse tipo
de ao, nos pases latinos, comumente permanece confinado em crculos
estreitos e, por vezes, se exerce subterraneamente, ele muito mais vistoso e
popular nas naes anglo-saxes, onde a funo da propaganda no , tanto
quanto entre ns, assumida pelos partidos polticos. Assim, os comits de
sufragistas, por exemplo, conseguiram, aps tenazes e s vezes turbulentas
campanhas, obter o voto feminino. Nos Estados Unidos, tais grupos, ao lutarem
pelo triunfo de uma idia ou de um homem, comeam por criar as condies
sociolgicas para o xito; os processos empregados relembram algumas vezes o
lanamento de uma moda, a criao de um esnobismo mais que uma campanha de
propaganda de estilo europeu. Esses ncleos de influncia certamente tm uma
eficincia propagandstica superior das grandes mquinas polticas. A fim
de lanar o New Deal, Roosevelt criara uma organizao especial e apelara para
todos os recursos de propaganda. Um. milho e quinhentos mil propagandistas
voluntrios foram rapidamente instrudos, munidos de documentao e
condecorados com a insgnia simblica da guia azul; um cortejo de duzentos e
cinqenta e cinco mil guias azuis desfilara em Nova Iorque, em 14 de
setembro de 1933, escoltado por duzentas orquestras.
Essa influncia, de um tipo assaz prximo da publicidade, pode ser substituda
pela ao mais brutal da multido. A multido constitui um grupo artificial em
que, provisoriamente, se renem os membros de grupos diversos: um comcio, um
desfile, segundo vimos, podem atrair os passivos, mas essa influncia, embora
exaltante, raramente durvel, salvo se a excitao da turba se repete com
regularidade e se torna obrigatrio, segundo a prtica em que o nazismo se
distinguiu. Com efeito, retornando o indivduo vida normal, ficar de novo
sujeito influncia da famlia, dos amigos, dos companheiros de trabalho e
outras. Constituem essas diversas influncias o obstculo primordial ao
desenvolvimento ilimitado de uma propaganda. Vimos que um indivduo pode ser
tpico em um grupo, atpico em outro ou at tpico em dois grupos de opinies
opostas.
Esbarra, pois, a propaganda em tipicalidades contrrias, podendo malograr se
no consegue criar e fortalecer aquela de seu grupo, isto , criar seu prprio
conformismo de pensamento e atitude. Assinalou-se muitas vezes que a intensa
campanha movida contra a reeleio de Roosevelt pela grande maioria da
imprensa americana no chegara a influenciar os eleitores. Em escala menor,
existe na Frana uma regio em que, por razes locais, o jornal comunista o
mais difundido e, no obstante, a populao, na maioria catlica, vota no
M.R.P., o que prova que a influncia do jornal no logrou romper a coeso do
grupo religioso.
Esse pluralismo das influncias sociais, que Durkheim denominou
entrecruzamento de grupos, o principal entrave ao triunfo da propaganda
totalitria. Essa apoia-se em um nico grupo, o partido governamental; quanto
aos demais grupos, so suprimidos ou de preferncia, so ligados ao partido
nico, de sorte que a influncia deles, em lugar de contrariar a do partido
nico, passa a exercer-se em sentido anlogo reforando-a. Certas comunidades,
cuja estrutura e tradio as tornam impermeveis propaganda nica, so
dissolvidas (associaes religiosas, conventos, lojas manicas, certas
corporaes profissionais, de estudantes etc.); outras, arriscando-se a
exercer o papel de biombo, mas cuja feio natural as torna necessrias, so
reduzidas a uma existncia mnima ( o caso sobretudo da clula familiar);
outras, enfim, simplesmente so anexadas (sindicatos, associaes culturais,
movimento da juventude). Quando passa a reinar o grupo nico, cuja presso
ainda reforada pela presso convergente dos grupos secundrios subordinados,
torna-se difcil ao indivduo resistir propaganda.
A opinio individual no pode manifestar-se e expressar-se seno em uma certa
esfera social, cuja fora lhe serve de cobertura. Percebemos, aqui, a razo
profunda da lei de unanimidade e do clima de fora: no tanto o prazer
de dar demonstraes de fora e de entregar-se a grosseiras manifestaes de
violncia, mas a necessidade de manter uma esfera de expresso visvel, um
campo social de que a opinio carece para afirmar-se. A democracia, cujas
definies idealistas so inmeras, repousa em um equilbrio de foras.
Tambm no, seria correto fazer abstrao dessas foras. No jogo de
influncias a que a opinio pblica est submetida e na maneira pela qual
reage, entram fatores individuais e sociais. certo que a propaganda
clandestina da Resistncia Francesa no tomou grande impulso seno quando a
potncia militar dos aliados, por sua vez, Se afirmou. Tinha ela, entretanto,
comeado imediatamente aps a derrota, sem esperar que existissem as condies
da Libertao. Certo nmero de homens, apoiados nas tradies religiosas,
nacionais, polticas, familiares, evitaram mergulhar no desespero e tomaram a
si a tarefa de propagar sua f ao mesmo tempo que forjavam um instrumento de
luta.
A propaganda hitlerista na Frana esbarrou em duas espcies de resistncia:
uma, espontnea, antes de tudo individual, reao de patriotismo, de honra, de
f poltica e humana, favorecida pelo no-conformismo tradicional do
temperamento francs, ao qual exasperam a disciplina e a coao; outra,
organizada, constituda pela propaganda e pela ao dos movimentos
clandestinos: uma tipicalidade freqente na Frana moveu ao nazismo uma
oposio de sentido idntico ao da tipicalidade que os movimentos de
Resistncia estimulavam ao corporificar sempre mais o dever patritico e a
esperana da vitria, e criando em seu proveito a impresso de totalidade.
Mas, sem uma fora organizada, sem poderosa contrapropaganda, a soma das
reaes individuais, dos descontentamentos dos no-conformismos, no teria
oposto ao inimigo seno uma multiplicidade de pontos de apoio rapidamente
ultrapassados, e no uma linha de frente contnua.
A propaganda, por conseguinte, exerce sobre a opinio funo dupla: maiutica
e protetora. Ela suscita a opinio individual e a impele a expressar-se
publicamente; protege essa expresso criando as condies lgicas, psquicas e
sociais de uma opinio coletiva, sedutora, segura de si mesma. Essa dupla
funo pode ser assumida de maneiras muito diferentes. A propaganda hitlerista
conquistava e aglutinava os indivduos pelo mito, pelo apelo s foras do
inconsciente, pelo terror, e modificava a estrutura social a fim de suprimir
os obstculos que tolhiam sua expanso. Outras agem pela explicao racional e
pela exposio dos fatos, sem renunciar, entretanto, ao mito que forosamente
se manifesta em todos os nveis da propaganda nem que seja apenas o prprio
mito da opinio pblica.
Lamartine profetizara a era das massas. Le Bon acreditava na era das
multides e Tarde, na era da opinio pblica. Nossa poca tudo isso: era das
massas, arrastadas pelas seitas dos agitadores, segundo os preceitos
leninistas aglutinados pela magia hitlerista em multides delirantes
diludas em uma opinio pblica passiva e amorfa, impregnadas dos produtos
digestveis da tcnica americana. Em todos esses casos, a propaganda rebenta
sobre coletividades desfibradas. Se for preciso resistir-lhe, s o poder ser
no clima de uma trgica solido, ou bem arrimados a comunidades de vocao e
de vontade. A era das massas tambm a era do homem solitrio. No
impossvel que, um dia, lhe suceda uma era de conventos, de comunidades e de
ordens monsticas.
CAPTULO VIII
Democracia e propaganda
NOTAS
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Maro 2001
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