A Propaganda Política - Jean-Marie Domenach

Fazer download em txt, pdf ou txt
Fazer download em txt, pdf ou txt
Você está na página 1de 54

A Propaganda Poltica - Jean-Marie DomenacheBookLibris

Jean-Marie Domenach

A PROPAGANDA
POLTICA

Ridendo Castigat Mores

A Propaganda Poltica
Jean-Marie Domenach
Edio
Ridendo Castigat Mores

Verso para eBook


eBooksBrasil.com

Fonte Digital
www.jahr.org
Copyright
Autor: Jean-Marie Domenach
Edio eletrnica:
Ed. Ridendo Castigat Mores
(www.jahr.org)
Todas as obras so de acesso gratuito. Estudei sempre por conta do Estado, ou
melhor, da Sociedade que paga impostos; tenho a obrigao de retribuir ao
menos uma gota do que ela me proporcionou. Nlson Jahr Garcia (1947-2002)

A PROPAGANDA POLTICA
La Propagande Politique
Jean-Marie Domenach

NDICE
APRESENTAO
INTRODUO
CAPTULO I
O ambiente
Aglutinao nacional e concentrao urbana
Inveno de novas tcnicas
CAPTULO II
As duas fontes da propaganda
Publicidade
Ideologia poltica
CAPTULO III
Propaganda de tipo leninista
CAPTULO IV
Propaganda de tipo hitlerista
CAPTULO V
Leis e tcnicas
Lei de simplificao e do inimigo nico
Lei de ampliao e desfigurao
Lei de orquestrao
Lei de transfuso
Lei de unanimidade e de contgio
Contrapropaganda
CAPTULO VI
Mito, mentira e fato
CAPTULO VII
Opinio e propaganda
CAPTULO VIII
Democracia e propaganda
NOTAS

APRESENTAO
Nlson Jahr Garcia

O que Propaganda Poltica? H um problema em portugus. Em vrias lnguas h


uma distino lingustica bem clara entre os tipos de comunicao persuasiva.
Geralmente a palavra Propaganda se refere transmisso de idias, sejam
polticas ou religiosas. Publicidade se refere difuso de produtos, servios
ou candidatos polticos. Em francs h Propagande e Publicit; em ingls
Propaganda e Advertising, espanhis distinguem entre Propaganda e
Publicidad. Em portugus no, Propaganda e Publicidade so utilizadas
indistintamente, da utilizarmos as expresses Propaganda Ideolgica e
Propaganda ou Publicidadade comercial. Neste livro, cujo original foi escrito
em francs, a palavra Propaganda se refere transmisso de idias polticas,
nada tem a ver com promoo de sabonetes, shampoos, fraldas ou polticos
descartveis.
um clssico, ningum teria coragem de escrever sobre o tema sem cit-lo.
Mais do que isso, fundamentado em outros clssicos, como os textos de: Serge
Tchakhotine, A. Sauvy, De Felice, Bartlett, Lenin, Goebbels, Gustave Le Bon,
Walter Lippman, H.D. Lasswell.
O texto parte de uma anlise da propaganda feita por Lenin e Hitler para
extrair alguns princpios e leis bsicas; simplificao e inimigo nico,
ampliao e desfigurao, orquestrao, transfuso, unanimidade e
contgio. No deixa de lado a reao da contrapropanda. simplesmente
brilhante.

INTRODUO

Um dos fenmenos dominantes da primeira metade do sculo XX a propaganda


poltica. Sem ela, os grandes acontecimentos da nossa poca: a revoluo
comunista e o fascismo, no seriam sequer concebveis. Foi em grande parte
devido a ela que Lenin logrou instaurar o bolchevismo; Hitler deve-lhe
essencialmente suas vitrias, desde a tomada do poder at a invaso de 1940.
Mais que estadistas e lderes guerreiros, esses dois homens, que de maneira,
sem dvida, bem diferente vincaram profundamente a histria contempornea, so
dois gnios da propaganda e ambos proclamaram a supremacia dessa moderna arma:
O principal asseverou Lenin a agitao e a propaganda em todas as
camadas do povo; Hitler disse: A propaganda permitiu-nos conservar o poder,
a propaganda nos possibilitar a conquista do mundo.
Alfred Sauvy, no livro Le Pouvoir et lOpinion, assinala com justeza que em
nenhum Estado moderno o regime fascista caiu sem interveno externa, o que,
na sua opinio, constitui prova da fora da propaganda poltica. Dir-se-
tratar-se sobretudo de um efeito do controle policial. Contudo, a propaganda
precedia a polcia ou exrcito e lhes facilitava a ao; a polcia alem no
podia grande coisa fora das fronteiras da Alemanha; representam, de incio,
vitrias da propaganda, a anexao sem combate da ustria e da
Tcheco-Eslovquia, bem como a derrocada da estrutura militar e poltica da
Frana. A propaganda poltica, incontestavelmente, ocupa o primeiro lugar,
antes da polcia, na hierarquia dos poderes do totalitarismo moderno.
No decurso da Segunda Guerra Mundial, a propaganda acompanhou sempre e,
algumas vezes, precedeu os exrcitos. Na Espanha, as brigadas internacionais
dispunham de comissrios polticos. A Wermacht tinha, na Rssia, companhias
de propaganda. Se a Resistncia francesa no houvesse compreendido
obscuramente a importncia vital do esforo para imprimir e difundir folhetos
e volantes de contedo freqentemente diminuto, jamais teria sacrificado
milhares de homens e dos melhores. Sem embargo do armistcio, a propaganda no
cessou. Ela fez mais para a converso da China ao comunismo do que as divises
de Mao-Ts-Tung. Rdio, jornal, filme, folhetos, discursos e cartazes opem as
idias umas s outras, refletem os fatos e disputam entre si os homens. Quo
significativa de nossa poca a histria dos prisioneiros japoneses
devolvidos pela URSS em 1949. Convertidos ao comunismo aps uma temporada nos
campos de educao poltica, foram aguardados, na volta; por zeladores de
outra doutrina, Bblia em mos, a fim de submet-los reeducao
democrtica.
Desde que existem competies polticas, isto , desde o incio do mundo, a
propaganda existe e desempenha seu papel. Foram, por certo, uma espcie de
campanha de propaganda, aquelas movidas por Demstenes contra Filipe ou por
Ccero contra Catilina. Assaz consciente dos processos que tornam amados os
chefes e divinizam os grandes homens, Napoleo compreendeu perfeitamente que
um Governo deve preocupar-se sobretudo em obter o assentimento da opinio
pblica: Para ser justo, no suficiente fazer o bem, igualmente
necessrio que os administrados estejam convencidos. A fora fundamenta-se na
opinio. Que o Governo? Nada, se no dispuser da opinio pblica.
Polticos, estadistas e ditadores, de todos os tempos, procuraram estimular o
apego s suas pessoas e aos seus sistemas de governo. Todavia, no h nada de
comum entre as arengas da gora e as de Nuremberg, entre os grafitos
eleitorais de Pompia e uma campanha de propaganda moderna. A separao
situa-se mais perto de ns. A lenda napolenica, to poderosa a ponto de,
quarenta anos depois, elevar ao poder um novo Napoleo, no se compara ao mito
que envolve os chefes modernos. A propaganda do General Boulanger apresenta,
ainda, as feies de outrora: cavalo preto, canonetas, imagens de Epinal...
Trinta anos passados, as formidveis vagas da propaganda teriam sua
disposio o rdio, a fotografia, o cinema, a imprensa de grande tiragem, os
cartazes gigantescos e todos os novos processos de reproduo grfica. Nova
tcnica, que usa meios subministrados pela cincia, a fim de convencer e
dirigir as massas constitudas no mesmo momento, tcnica de conjunto, coerente
e que pode ser, at certo ponto, sistematizada sucede ao conjunto dos meios
empregados em todos os tempos pelos polticos para o triunfo de suas causas e
ligado eloqncia, poesia, msica, escultura, s formas tradicionais
das belas-artes, em suma. A palavra que a designa , ela tambm, contempornea
do fenmeno: propaganda um dos termos que destacamos arbitrariamente das
frmulas do latim pontifical; empregada pela Igreja ao tempo da Contra-Reforma
(de propaganda fide), mais ou menos reservada ao vocabulrio eclesistico
(Colgio da Propaganda) at irromper na lngua comum, no curso do sculo
XVIII. Mas a palavra guarda sua ressonncia religiosa, que no perder
definitivamente seno no sculo XX. Agora, as possveis definies esto muito
longe desse primeiro sentido apostlico: A propaganda uma tentativa de
influenciar a opinio e a conduta da sociedade, de tal modo que as pessoas
adotem uma opinio e uma conduta determinada(1) ou ainda: A propaganda a
linguagem destinada massa; ela emprega palavras ou outros smbolos
veiculados pelo rdio, pela imprensa e pelo cinema. O escopo do propagandista
o de influir na atitude das massas no tocante a pontos submetidos ao impacto
da propaganda, objetos da opinio(2).
A propaganda confunde-se com a publicidade nisto: procura criar, transformar
certas opinies, empregando, em parte, meios que lhe pede emprestados;
distingue-se dela, contudo, por no visar objetos comerciais e, sim,
polticos: a publicidade suscita necessidades ou preferncias visando a
determinado produto particular, enquanto a propaganda sugere ou impe crenas
e reflexos que, amide, modificam o comportamento, o psiquismo e mesmo as
convices religiosas ou filosficas. Por conseguinte, a propaganda influencia
a atitude fundamental do ser humano. Sob esse aspecto, aproxima-se da
educao; todavia, as tcnicas por ela empregadas habitualmente, e sobretudo o
desgnio de convencer e de subjugar sem amoldar, fazem dela a anttese.
Entretanto, a propaganda poltica no uma cincia condensvel em frmulas.
Movimenta, inicialmente mecanismos fisiolgicos, psquicos e inconscientes
bastante complexos, alguns dos quais mal conhecidos; ademais, seus princpios
provm tanto da esttica como da cincia: conselhos da experincia, indicaes
gerais maneira das quais sobeja inventar; caso faltem as idias, escasseie o
talento ou o pblico, no h mais propaganda que literatura. A psicagogia,
isto , a direo da alma coletiva, deve muita coisa s cincias modernas;
pode tornar-se uma cincia? A fica a pergunta. Nossa tentativa, portanto, no
de codific-la, mesmo no estado atual. Acreditamos esperamos que ela no
permanecer encadeada s regras funcionais que lhe reconhecemos.

CAPTULO I
O ambiente

A propaganda poltica, conforme a examinamos, isto , como uma empresa


organizada para influenciar a opinio pblica e dirigi-la, surgiu somente no
sculo XX, ao termo de uma evoluo que lhe proporciona ao mesmo tempo seu
campo de ao a massa moderna e seus meios de ao: as novas tcnicas de
informao e de comunicao A amplitude de sua influncia avultou de tal
maneira, que se impe falar de um salto qualitativo, mesmo que a inteno do
propagandista e certos procedimentos seus tenham, em regra, permanecido
inalterados desde a origem das sociedades polticas.
Aglutinao nacional e concentrao urbana
Dois fatos essenciais caracterizam a evoluo da humanidade no sculo XIX: a
formao de naes de estrutura e esprito cada vez mais unificados, e, de
outra parte, uma revoluo na demografia e no habitat.
Em extensas regies da Europa e da Amrica, o indivduo torna-se cidado.
Progressivamente, convocado a votar; , tambm, chamado a participar de
guerras que no dizem respeito apenas a especialistas e mercenrios. Suas
responsabilidades, teoricamente ao menos, aumentam com a participao na vida
pblica. A poltica exterior no interessa apenas s chancelarias; agita,
igualmente, a opinio nacional. Por seu turno, a opinio transforma-se em um
instrumento de poltica exterior; previses apoiam-se na calma ou na
inquietao da opinio e utiliza-se dela para sustentar uma poltica ou
pressionar a do adversrio; o irrompimento da guerra de 1870, com o despacho
truncado de Ems, as edies especiais dos jornais, a exaltao repentina do
chauvinismo, constituem brilhante sintoma dessa aglutinao nacional e
significam que a opinio pblica ascende a um novo estdio.
Produz-se, concomitantemente, completa revoluo na demografia e no habitat. A
populao do mundo dobrou entre 1800 e 1900; a da Europa aumentou de 165%
entre 1800 e 1932. Concentra-se sobretudo, nas cidades industriais esse novo
povoamento, em cujo proveito se despovoam, em certos pases, os campos. Nessa
enorme agitao, dissolvem-se as clulas tradicionais: a casa, que era a
moradia, o patrimnio da famlia, torna-se um lugar de passagem, onde a gente
se amontoa; o bairro impessoal substitui a aldeia e a parquia. Essas
comunidades intermedirias que enquadravam o indivduo, constituindo-lhe uma
sociedade particular, com histria prpria, filtrando-lhe os acontecimentos do
mundo, desapareceram, deixando-o isolado, desorientado, diante de um mundo
nacional em rpida evoluo, imediatamente expostas s solicitaes
exteriores. A misria, a insegurana da condio obreira, o temor do
desemprego e da guerra, criam permanente estado de inquietao, que agua a
sensibilidade do indivduo e o impele a refugiar-se nas certezas de massa:
Indivduos reduzidos a uma vida animalescamente privada tambm, psicolgica e
moralmente aderem quilo que desprende calor humano, isto , quilo que j
agrupou numerosos indivduos. Eles ressentem a atrao social de um modo
direto e brutal(3).
Conseqentemente a desarticulao dos antigos quadros, o progresso dos meios
de comunicao, a formao dos aglomerados urbanos, a insegurana da condio
industrial, as ameaas de crise e de guerra, a que se juntam mltiplos fatores
de uniformizao progressiva da vida moderna (lngua, costumes e outros), tudo
isso contribui para criar massas vidas de informaes, influenciveis e
suscetveis de brutais reaes coletivas. Ao mesmo tempo, os inventos tcnicos
fornecem os meios de agir imediata e simultaneamente sobre essas novas massas.
Inveno de novas tcnicas
Escrita, palavra e imagem, tais os sustentculos permanentes da propaganda. O
emprego deles, contudo, era limitado: a escrita, o mais possante veculo de
propaganda, depois da inveno da imprensa, era prejudicada por seu alto preo
e pela morosidade de sua distribuio;
a palavra era limitada pelo alcance da voz humana;
a imagem no ia alm dos desenhos ou pinturas, reproduzidos mediante
custosos processos.
Ora, as descobertas do, a esses trs suportes, amplitude praticamente
indefinida:
1 Difuso da escrita impressa Os idelogos do sculo XVIII empregaram
panfletos, livros (e at uma enciclopdia) para uma propaganda revolucionria
de efeito certo; o aproximar-se de 1848 ver florescimento anlogo. Salvo
excees a serem examinadas mais adiante, o preo do livro, que o torna um bem
reservado s elites, e os prazos de impresso, forosamente tiram o carter de
atualidade das brochuras ou panfletos menos caros. o jornal o veculo de
propaganda melhor adaptado.
Hegel dizia que a leitura do jornal a orao matutina do homem moderno.
Com a Revoluo Francesa surgiram os jornais de opinio e nela desempenharam
papel ativo. At meados do sculo XIX, os jornais ainda so muito caros e
reservados s elites; difundem-se, sobretudo, mediante assinaturas, e a
assinatura sinal de riqueza. O jornal custa 5 sous quando 30 sous pagam a
jornada de trabalho. Le Constitutionnel, em 1825, conta 12.000 assinantes, e o
Times 17.000, o que parecia enorme. O jornal dessa poca de austera
apresentao e de um estilo ponderado, que hoje nos parece aborrecido.
O jornal moderno deve sua existncia aos seguintes fatores:
inveno da rotativa, que aumenta a tiragem e reduz o preo;
utilizao da publicidade, que traz novos recursos;
acelerao da distribuio (estrada de ferro, automvel, avio, que
permitem transportar os exemplares em um mnimo de tempo para quaisquer
lugares);
acelerao da informao (sucede o telgrafo aos pombos-correio;
constituem-se grandes agncias de informao).
Cria-se dessa forma o jornal moderno, cujo baixo preo e cuja apresentao o
transformam em um instrumento popular e em uma formidvel potncia de opinio.
Ao mesmo tempo em que aumentam as tiragens, bem como sua influncia, os
jornais tornam-se negcios a servio do capitalismo ou do Estado e dependem
de agncias de Informaes, igualmente controladas.
2 Difuso da palavra Demstenes procurava cobrir com a voz o rudo do mar,
enquanto Jaurs carecia de uma garganta poderosa para sobrepujar as
interrupes nos comcios. A inveno do microfone permitiu ampliar a voz
humana de acordo com as dimenses de imensas salas, de vastos halls, de
estdios e outros.
O rdio libertou definitivamente a palavra de toda limitao. Uma voz pode
repercutir, simultaneamente, em todos os pontos do mundo. O constante aumento
do nmero de estaes de rdio tende a devolver palavra o predomnio por ela
perdido, momentaneamente, em favor da imprensa. Nem Hitler nem o General de
Gaulle teriam tido, sem o rdio, o papel histrico que lhes coube.
3 Difuso da imagem A gravura, to importante, por exemplo, na tradio
napolenica, beneficia-se doa novos processos de reproduo.
A inveno da fotografia possibilita reproduo direta e, por isso, mais
convincente, suscetvel tambm de ilimitada tiragem. O cinema oferece uma
imagem mais verdica e surpreendente, que se afasta da realidade apenas pela
ausncia do relevo.
Finalmente, a televiso operou, no tocante imagem, a mesma revoluo que o
rdio no concernente ao som: transmite-a instantaneamente ao domiclio.
As tcnicas modernas de difuso derramam as notcias do mundo inteiro
diretamente atravs da escrita, da palavra e da imagem, sobre massas de que
grande parte se viu recentemente transplantada, subtrada ao ambiente em que
vivia, sua moral, sua religio tradicional, conseqentemente mais sensvel
e malevel. Tais tcnicas entregam-lhes a histria quotidiana do mundo, sem
que as massas disponham de tempo e de meios para exercer um controle
retrospectivo; agarram-nas por temor ou por esperana e atiram-nas lia.
Massas modernas e meios de difuso originam uma coeso da opinio sem
precedentes. Ph. de Flice, em livro recente, procurou mostrar que todos os
povos e todas as pocas ofereceram sintomas de delrio coletivo. Outrora,
contudo, tratava-se de sbitas e selvagens manifestaes, de repentinas
agitaes que se extinguiam aps algumas devastaes; em nossos dias, a massa
permanece em estado de cristalizao latente e a neurose coletiva, embora suas
formas mais desvairadas se conservam limitadas, atinge mais ou menos profunda
mas permanentemente, grande nmero de indivduos: Mesmo em pessoas
aparentemente normais, no raro, observamos acessos inquietantes de excitao
e de depresso, de esquisitas alteraes da lgica e, sobretudo, deficincia
da vontade traduzida por singular plasticidade s sugestes de origem interior
ou exterior(4)

CAPTULO II
As duas fontes da propaganda

Publicidade
No vamos deblaterar a fim de saber qual das duas publicidade ou propaganda
filha da outra. Mal se distinguiam at a poca moderna: a propaganda de
Csar, de Carlos Magno ou de Lus XIV no passava, em suma, de publicidade
pessoal, assegurada pelos poetas, historiadores e fabricantes de imagens, bem
como pelos prprios grandes homens, nas suas atitudes, nos seus discursos e
atravs de frases histricas: Durante longo tempo, propaganda e publicidade
andam entrelaadas, evoluindo paralelamente: gabam-se as doutrinas, de incio,
tal como os farmacuticos se vangloriam de seus unguentos; pintam-se as
caractersticas, pormenorizam-se os benefcios: correspondem publicidade
informativa que assinala o comeo da arte publicitria os programas e as
explicaes no pertinente aos sistemas, pululantes no sculo XIX. Numerosos
so os processos comuns propaganda e publicidade: ao reclamo corresponde a
profisso de f; marca de fbrica, o smbolo; ao slogan comercial, o
estribilho poltico. Parece, na verdade, que a propaganda se inspira nas
invenes e no xito da publicidade, copiando um estilo que, segundo se julga,
agrada ao pblico. Por exemplo, os partidrios de Boulanger, maneira dos
grandes armazns de modas, distribuem joguinhos mas, com a diferena de que as
figuras e legendas contribuem para a glria do General.
O progresso tcnico logo arrasta a publicidade a um novo estgio: ela procura
de preferncia impressionar mais que convencer, sugestionar antes que
explicar. O estribilho, a repetio, as imagens atraentes derrotam,
progressivamente, os anncios srios e demonstrativos: de informativa,
torna-se a publicidade sugestiva. Novas maneiras de apresentao, novas
tcnicas entram em ao, mormente devido ao estmulo americano, em breve
apoiadas em pesquisas de fisiologia, de psicologia e at de psicanlise.
Aposta-se na obsesso, no instinto sexual etc. Como veremos, a propaganda
poltica no tardar a tomar de emprstimo tais processos para uso prprio.
A publicidade, concomitantemente, tende a tornar-se cincia; seus resultados
so controlados, comprovando sua eficcia. Dessarte desnudada a plasticidade
do homem moderno: esse dificilmente escapa a certo grau de obsesso, a
determinados processos de atrao. Torna-se possvel gui-lo no sentido de tal
produto ou tal marca, no apenas impondo-o em lugar de outro, mas nele
suscitando a sua necessidade. Descoberta formidvel, decisiva para os modernos
engenheiros da propaganda: o homem mdio um ser essencialmente
influencivel; tornou-se possvel sugerir-lhe opinies por ele consideradas
pessoais, mudar-lhe as idias no sentido prprio, e por que no tentar em
matria poltica o que vivel do ponto de vista comercial?
Todo um setor da propaganda poltica continua a viver em simbiose com a
publicidade: nos Estados Unidos, por exemplo, as campanhas eleitorais pouco
diferem das campanhas publicitrias; as famosas paradas, com orquestras,
girls e cartazes, no passam de ruidoso reclamo. Outro ramo da propaganda
poltica, entretanto, embora ainda se inspire nos processos e nos estilos
publicitrios, desligou-se da publicidade para criar uma tcnica prpria;
aquela propaganda de natureza mais ampla e mais caracterstica, que
estudaremos de modo particular, visto ser ela que mais profundamente
influenciou a histria contempornea.
Ideologia poltica
Limita-se a propaganda de tipo publicitrio a campanhas mais ou menos
espaadas cujo padro a campanha eleitoral; a valorizao de certas idias
e de certos homens mediante processos bem delimitados, expresso normal da
atividade poltica. Outro tipo de propaganda, de tendncia totalitria,
decorre da fuso da ideologia com a poltica; intimamente ligada progresso
ttica, joga com todas as molas humanas. No se trata mais de uma atividade
parcial e passageira, mas da expresso concreta da poltica em movimento, como
vontade de converso, de conquista e de explorao. Est, essa propaganda
ligada introduo, na histria moderna, das grandes e sedutoras ideologias
polticas, tais como o jacobinismo, o marxismo e o fascismo, e ao embate de
naes e blocos de naes nas novas guerras.
Tal propaganda poltica(5) data, na verdade, da Revoluo Francesa; os
primeiros discursos de propaganda, os primeiros encarregados de propaganda
(entre outros, os comissrios junto aos exrcitos) partiram dos clubes, das
assemblias, das comisses revolucionrias; foram eles que empreenderam a
primeira guerra de propaganda e a primeira propaganda de guerra. Uma nao,
pela primeira vez, libertava-se e organizava-se em nome de uma doutrina
subitamente considerada universal. Uma poltica interior e exterior, pela
primeira vez, fazia-se acompanhar pela expanso de uma ideologia e, por isso
mesmo, segregava a propaganda. Surgiram, ento, todos os recursos da
propaganda moderna: a Marselhesa, o barrete frgio, a festa da Federao, a do
Ser Supremo, a rede dos clubes jacobinos, a marcha sobre Versalhes, as
manifestaes de massa contra as Assemblias, o cadafalso nas praas pblicas,
as crticas violentas de LAmi du Peuple, as injrias de Pre Duchne.
Novo tipo de guerra origina-se tambm da Revoluo. Progressivamente, so
mobilizadas todas as energias nacionais at a fase da guerra total que Ernst
Jnger acreditava atingida em 1914 e que, na realidade, no o fora seno
durante a ltima guerra. Depois de 1791 a ideologia alia-se aos exrcitos para
a conduo das guerras, tornando-se a propaganda a auxiliar da estratgia.
Visa-se criar, internamente, a coeso e o entusiasmo e instaurar, no campo
inimigo, a desordem e o medo. Ao abolir, cada vez mais, a distino entre a
frente e a retaguarda, a guerra total oferece propaganda, como campo de
ao, no s os exrcitos, mas as populaes civis, pois, visando as segundas,
atinge-se talvez mais seguramente as primeiras; consegue-se mesmo sublevar
essas populaes, suscitando o aparecimento de novos tipos de soldados,
homens, mulheres, crianas, na retaguarda do inimigo: espies, sabotadores ou
guerrilheiros. No ser nunca demasiado salientar at que ponto as guerras
modernas prepararam o terreno para a propaganda, ao favorecer a exaltao, a
credulidade, o maniquesmo sentimental. O bourrage de crne(6) de 1914-1918
abriu o caminho s grosseiras mentiras do hitlerismo. Surgem das guerras
recentes completo vocabulrio de intimidao e uma mitologia inteira de
conquista. As guerras serviram de laboratrio para os tcnicos de psicagogia,
como o serviram para os engenhos mecnicos. A propaganda ligou-se guerra a
ponto de se lhes substituir naturalmente: desde 1947, nutriu a guerra fria,
tal como alimentou, em 1939, a guerra de nervos... A atual propaganda a
guerra levada a cabo por outros meios.
O marxismo-leninismo retomou, elevou a outro plano e aperfeioou esse liame
entre a ideologia e a guerra. Progressivamente, o marxismo substituiu o
blanquismo e a insurreio espontnea do tipo. das Jornadas de Junho, por uma
estratgia revolucionria das massas. O movimento operrio, outro fator
decisivo do sculo XIX, cria uma comunidade supranacional, que anima uma
mitologia prpria. No o esqueamos, foi a social-democracia que inventou o
partido de massas; ela que ensaia certo nmero de tcnicas de propaganda
(desfiles, smbolos e outros), depois aplicadas correntemente. Lenin, contudo,
vai mais longe: quer dinamizar pela agitao e propaganda as massas
sociais-democratas que caram sob a influncia de polticos aburguesados. Em
plena guerra, Lenin e Trotsky, ao combinar a insurreio com a propaganda,
logram a decomposico do exrcito e da administrao, instaurando a revoluo
bolchevista. Assim escreveu J. Monnerot: Os poderes destrutivos contidos nos
sentimentos e ressentimentos humanos podem ser utilizados, manipulados por
especialistas, tal como o so, de maneira convergente, os explosivos puramente
materiais. A lio no ser perdida. A Unio Sovitica reteve-a em sua
poltica. Nela, Hitler inspirou-se eficazmente.
De uma ou de outra maneira, a propaganda foi secularizada pelo jacobinismo e
pelas grandes ideologias modernas. Mas, desviando-se, no regressa ela s suas
origens? Trata-se, ainda, de difundir uma f de fide propaganda por certo,
de uma f terrena, cuja expresso e disseminao muito pedem emprestado
psicologia e tcnica das religies. A propaganda inicial do cristianismo
muito deveu ao mito escatolgico... Igualmente as novas propagandas polticas
tm haurido inspirao em uma mitologia de libertao e de salvao, ligada,
contudo, ao instinto de potncia e de luta mitologia ao mesmo tempo
guerreira e revolucionria. Empregamos a palavra mito no sentido que lhe
atribuiu Sorel: Os homens que participam dos grandes movimentos sociais vem
sua prpria ao sob a forma de imagens de batalhas asseguradoras do triunfo
de suas causas. Proponho o nome de mito a essas idealizaes. Tais mitos, que
tocam no mais profundo do inconsciente humano, constituem representaes
ideais e irracionais ligadas luta; exercem sobre as massas poderosa
influncia dinamognica e coesiva.
As grandes propagandas alimentam-se largamente nessas mesmas fontes: uma s
histria, militar e revolucionria, da Europa; um s desejo veemente: o da
comunidade perdida. Muito diferente, entretanto, o modo pelo qual orquestram
e orientam os velhos sonhos aguados e recalcados pela sociedade moderna.

CAPTULO III
Propaganda de tipo leninista
O marxismo poderia ser caracterizado pelo seu poder de difuso; trata-se de
uma filosofia capaz de propagar-se entre as massas, de inicio porque
corresponde a um certo estgio da civilizao industrial, depois porque
repousa em uma dialtica que pode ser reduzida sua extrema simplicidade, sem
deformar-se substancialmente Certo , contudo, que o marxismo no teria to
larga e rpida expanso, se Lenin no o houvesse transformado em um mtodo de
ao poltica prtica.
Para Marx, a conscincia de classe a base da conscincia poltica. Todavia
e esta a contribuio de Lenin abandonada a si mesma, a conscincia de
classe se encerra na luta econmica, isto , limita-se conscincia
trade-unionista, atividade puramente sindical e no atinge a conscincia
poltico. Cumpre, despert-la previamente, educ-la e arrast-la luta em
mbito mais largo que o constitudo pelas relaes entre operrios e patres.
Cabe essa tarefa elite dos revolucionrios profissionais, vanguarda
consciente do proletariado. O Partido Comunista deve ser precisamente o
instrumento dessa relao entre a elite e a massa, entre a vanguarda e a
classe. Lenin substituiu a concepo social democrata do Partido Operrio, tal
como sobretudo a conheceram a Alemanha e a Inglaterra, pela concepo
dialtica de uma coorte de agitadores que sensibilizam e arrastam as massas.
Nessa perspectiva, entendida a propaganda em um sentido assaz largo (passando
da agitao educao poltica), torna-se a correia de transmisso, o liame
essencial de expresso, ao mesmo tempo rgido e flexvel, que continuamente
liga as massas ao partido, levando-as pouco a pouco a unir-se vanguarda na
compreenso e na ao.
A propaganda de tipo bolchevista pode ligar-se a duas expresses essenciais: a
revelao poltica (ou denncia) e a palavra de ordem. Segundo Marx,
preciso tornar a opresso real ainda mais dura, ajuntando-lhe a conscincia da
opresso e tornar a vergonha ainda mais humilhante, dando-a publicidade;
seguindo-lhe o conselho, Lenin convida os sociais-democratas a organizarem
revelaes polticas em todos os domnios(7). Consistem essas revelaes em
destrinar, por entre os sofismas com que as classes dominantes envolvem seus
interesses egostas, a natureza real de seus apetites e o real fundamento de
seu poder, e dar s massas uma representao clara. Ora assevera Lenin
no nos livros que o operrio poder haurir essa clara representao; no a
encontrar seno nas exposies vivas, nas revelaes ainda quentes acerca do
que ocorre em torno de ns, em dado momento, de que a gente fala ou cochicha e
que se manifesta por este ou aquele fato, por tais e tais algarismos,
vereditos e outros. Essas revelaes polticas, que abrangem todos os
domnios, constituem a condio necessria e fundamental para a formao das
massas tendo em mira sua atividade revolucionria. Eis aqui a aplicao
concreta desse ataque marxista mistificao: o propagandista leninista, no
tocante a no importa qual acontecimento de interesse para a vida das massas,
deve elevar-se da aparncia realidade, que se encontra no nvel da luta de
classes, e no deve deixar os espritos se desviarem ou se afogarem em
explicaes superficiais e falsas. Guerras, greves, escndalos polticos
proporcionaram ocasies; mas, em geral, a partir de fatos mnimos, assaz
concretos, que a demonstrao remontar causa para reatar o que parecia
acidental explicao poltica geral, que a do Partido Comunista. Assim, o
Partido Comunista Francs empenhou-se na demonstrao dos males do Plano
Marshall, partindo de uma penria parcial, do fechamento de uma fbrica ou do
atraso da canalizao de gua para uma comuna rural.
Tomemos como exemplo o desemprego parcial, que atinge a atividade dos sales
de beleza: poder o cliente pensar que os sales de beleza so em nmero
demasiado, que a moda de cabelos compridos ou que os cabelos crescem, menos
este ano... explicaes simplistas ou mitolgicas, rejeitadas pelo
propagandista comunista. Esse, com facilidade, levar o cliente a admitir que,
se os sales de beleza esto vazios, porque o povo dispe apenas do dinheiro
indispensvel s suas necessidade vitais; ele o conduzir, em seguida,
verificao de que o conjunto dos assalariados insuficientemente remunerado
e, em conseqncia, porque o dinheiro que lhes devia caber desviado por
tributos e taxas, em benefcio de um oramento devorado pelos preparativos
militares impostos Frana pela poltica atlntica, a qual no passa de
defesa dos interesses do capitalismo internacional... Isso no passa de
simples exemplo, por ns forjado, dessa argumentao sistemtica, mediante a
qual um propagandista educado no mtodo leninista deve esforar-se por unir a
parte ao todo, denunciando infatigavelmente todas as injustias suscitadas
pelo regime capitalista.
A palavra de ordem leva-nos ao aspecto combativo e construtivo dessa
propaganda. Palavra de ordem a traduo verbal de uma fase da ttica
revolucionria. Conceito motriz, expressa o objetivo mais importante do
momento, o quanto possvel clara, breve e eufonicamente: quer, em perodo
revolucionrio, o aniquilamento do adversrio e um escopo unitrio para as
massas Todo o Poder aos Sovietes, Terra e Paz, Po, Paz e Liberdade,
Por um Governo de Ampla Unio Democrtica etc. quer, em perodo de
edificao socialista, um objetivo de planificao: Cumprir e Superar o
Plano em Quatro Anos etc.
Importa, porm, que o comunista no condense demasiado a ttica
imobilizando-se em uma palavra de ordem que as circunstncias tornaram caduca.
Em um artigo de 1917, A propsito de palavras de ordem Lenin mostra a
justeza da palavra de ordem Todo o Poder aos Sovietes, at que outros
partidos representados nos Sovietes se aliassem burguesia
contra-revolucionria. Uma palavra de ordem condensa a linha poltica do
momento, no um excitante vazio, oco: Toda palavra de ordem deve deduzir-se
da soma das particularidades de determinada situao poltica. As palavras de
ordem balizam etapas escalonadas que compelem as demais foras polticas a
tomarem posio pr ou contra a colaborao, visando a objetivos concretos e
sedutores para as massas.
Toda palavra de ordem deve corresponder no s situao poltica, mas,
inclusive, ao nvel de conscincia das massas No tem valor se no repercute
largamente nessa conscincia, e, para tanto, deve distinguir as aspiraes
latentes no tocante ao tema mais favorvel. Dizia Trotsky: Acusam-nos de
criar a opinio das massas. A censura inexata, tentamos apenas formul-la.
Aqui est o segredo do xito da revoluo bolchevista: em duas palavras soube
Lenin ligar e exprimir as duas reivindicaes fundamentais dos milhes de
camponeses-soldados do exrcito russo: Terra e Paz. xito tanto mais
fulminante, considerando-se que os bolchevistas no passavam de um punhado e
quase sem poder, assim o comenta Trotsky: Era impressionante a pobreza de
meios de que dispunha a agitao bolchevista. Como, com to dbil aparelho e
diante do nmero insignificante da tiragem dos jornais, puderam impor-se ao
povo as idias e as palavras de. ordem do bolchevismo? bem simples o segredo
desse enigma: as palavras de ordem que correspondem s agudas necessidades de
uma classe e de uma poca, criam milhares de canais. O meio revolucionrio,
tornado incandescente, distingue-se por alta condutibilidade de idias.
A fim de trabalhar o meio, visando nele difundir revelaes e palavras de
ordem, o bolchevismo passou a distinguir duas espcies de agentes: os
propagandistas e os agitadores. Plekhanov o autor desta famosa distino: O
propagandista procura inculcar muitas idias em uma s pessoa ou em pequeno
nmero de indivduos; o agitador no inculca mais que uma nica idia ou
pequeno nmero de idias; em compensao, ele as inculca em numerosos grupo de
pessoas. Ao comentar essa definio, diz Lenin(8), que o agitador, partindo
de uma injustia concreta, engendrada pela contradio do regime capitalista,
se esforar por suscitar o descontentamento, a indignao das massas contra
essa gritante injustia, deixando ao propagandista o cuidado de dar completa
explicao dessa contradio. Da por que o propagandista age sobretudo pela
escrita e, o agitador, de viva voz. Visivelmente, entretanto, Lenin teme
deixar transformar-se em uma distino terica o que apenas distino
prtica, essencialmente baseada em aptides de temperamento. Seguiramos essas
duas famlias, alis, com facilidade, ao longo da histria das revolues
sejam sociais, polticas ou religiosas. Hbert e Marat foram agitadores;
Robespierre e Saint-Just foram propagandistas. Mussolini nunca conseguiu
ultrapassar o estgio de agitador. Ao contrrio, Hitler foi um agitador que
soube elevar-se ao nvel de sistematizao terica do propagandista.
esse um ponto no qual Lenin insistiu em numerosas oportunidades(9): no se
trata apenas de agitar e catequizar a classe operria, como em geral se
contentam em faz-lo os sociais-democratas, preciso ir a todas as classes
da populao como propagandistas, como agitadores e como organizadores.
Cumpre praticar denncias, fazer revelaes polticas vivas que interessem ao
povo inteiro: operrios, camponeses, pequenos burgueses. E, para logr-lo,
necessrio que tenhamos nossos homens, sociais-democratas, sempre e por toda
a parte, em todas as camadas sociais, em todas as posies que permitam
conhecer as molas interiores do mecanismo do nosso Estado.
O papel desses homens, de incio, o de fazer a propaganda e a agitao por
todos os meios, diligenciando no sentido de adaptar seus argumentos ao meio em
que se encontram. A grande diversidade de sua imprensa constitui uma das
caractersticas da propaganda comunista. H, na Unio Sovitica, jornais para
cada regio e cada profisso; todos repetem a mesma coisa, mas o dizem de
maneira apropriada s diversas mentalidades. Por outro lado, no h propaganda
sem constante contribuio de matria informativa, tanto assim que outro
encargo dos especialistas comunistas o de alimentar as revelaes de ordem
poltica por contnuo afluxo de notcias colhidas em todos os setores
profissionais e sociais. Funciona cada clula como uma antena de informao e,
sob o regime sovitico, os jornais dispem de uma multido de correspondentes
populares colocados em todos os nveis de atividades do pas. Para a
propaganda comunista, esse trabalho de informao revela-se incontestvel
elemento de superioridade; permite-lhe, sobretudo, reagir mais celeremente que
a propaganda adversa, desconcertando-a e, muitas vezes, ultrapassando-a.
De Lenin os partidos comunistas retiveram a paixo pelas revelaes
polticas organizadas diante de todo o povo. Para eles, no se trata de
praticar em regime burgus uma poltica de alianas e de compromissos, a qual
monopoliza as foras dos outros partidos, mas, apresentado-se como inimigos
irreconciliveis do regime, de fazer explodir continuamente entre os
adversrios as minas que eles mesmos prepararam inconscientemente. Todo passo
dado em falso por um governo, toda debilidade de uma maioria, toda injustia,
todo e qualquer escndalo so, dessarte, desmascarados, denunciados e
sistematicamente ligados ao tema poltico central. Esse vasto e permanente
empreendimento desenrola-se desde a menor oficina, passa pelos conselhos
municipais e gerais, pelas entidades profissionais, pelos tribunais at o
recinto do Parlamento. Os comunistas eleitos dispem, assim, de tribunas de
onde as denncias caem mais ruidosamente; a Internacional Comunista, no seu
II Congresso, recordou a cada deputado militante que ele no era apenas um
legislador procura, com os demais legisladores, de uma linguagem comum, mas
um agitador enviado ao inimigo, a fim de aplicar as decises do Partido.
Existem, tambm, as palavras de ordem do P. C. que os deputados comunistas
devem apoiar e consubstanciar no texto de proposies aparentemente concretas,
segundo a senha j dada pelo Bureau Poltico em 1924: Os eleitos devem
apresentar projetos puramente demonstrativos, concebidos no visando sua
adoo, mas propaganda e agitao.
Lenin sabe, entretanto, que exrcitos de propagandistas e de agitadores, mesmo
que se contassem aos milhes, so insuficientes para lograr a vitria se a
ao deixar de apoiar-se em uma linha poltica justa e em realizaes
prticas. Sem atos concretos em que se arrime qualquer propaganda no passa de
um verbalismo criador de perigosas iluses, imobilizando a ttica em um
estgio caduco.
Traduz-se essa atividade, em regime capitalista, pelo sustentculo das
reivindicaes, pela ao nos sindicatos e nos agrupamentos de toda espcie,
bem como por realizaes concretas, testemunhando inequvoca vontade na
prefigurao da futura sociedade capitalista. Esse o papel da
amostra-testemunho que se observa, por exemplo, nas municipalidades, ao
desenvolverem as obras sociais, as colnias de frias, ao construrem moradias
e instalaes para a prtica de esportes. A propaganda, em decorrncia,
autenticada por atos, e isso fundamental.para a massa daqueles aos quais
longa experincia impe dvidas no tocante ao valor dos programas polticos.
Mais importante, ainda, a funo desses prottipos em perodo de conquista
revolucionria e edificao socialista. Assim, pelo contgio inicial do
exemplo, a reforma agrria avana por entre as massas do campesinato chins: a
terra posta em comum em uma aldeia cultivada por um grupo de trabalhadores
convictos e educados; os camponeses dos arredores vm observar de perto,
persuadindo-se pouco a pouco das vantagens daquela soluo.
incontestvel que, sob a sua forma moderna, a propaganda poltica foi
inaugurada pelo bolchevismo e especialmente por Lenin e Trotsky. Em 1917,
Lenin, genial propagandista e agitador, lana as palavras de ordem que vo dar
o ritmo s etapas da conquista do poder. Inovao sem precedentes a de
Trotsky, ao dirigir-se pelo rdio s massas sofredoras, passando por cima
dos governantes. Desenvolvem-se no proletariado, no campesinato e no Exrcito
propaganda e agitao de inaudita intensidade. Proliferam os crculos
polticos, os jornais de fbrica, os oradores de bairros; os agitadores
atiram-se ao trabalho e disseminam subterraneamente a inquietao e a diviso
entre os elementos fiis ao regime tzarista. Logo que a revoluo se apossa de
Leningrado e de Moscou, essa atividade, longe de interromper-se, amplia-se com
o fito de alargar e consolidar o poder dos Sovietes. Comissrios polticos
so enviados para junto das unidades militares, a fim de elucidarem as ordens
e recoloc-las no contexto poltico geral(10). Equipes mveis de jovens
comunistas deslocam-se dentro do Exrcito, estacionam por poucos dias nas
prefeituras rurais, no decurso dos quais representam, cantam e fazem palestras
polticas. Cria-se, assim, vasta rede psicopoltica que, por meio de mltiplos
canais imprensa, rdio, teatro, cinema, jornais locais e de fbrica,
conferncias, comcios e outros meios atingem os pontos mais afastados do
pas. A direo dessa atividade polimorfa confiada a uma direo agit-prop
(abreviatura de agitao e propaganda), que tem responsveis em todos os
escales at a clula de base e que ser sempre o ramo essencial da atividade
comunista. Mais tarde, as revolues comunistas far-se-o acompanhar de
anlogo trabalho de penetrao e de educao ideolgica e poltica. Partisans
iugoslavos e chineses o impulsionam paralelamente organizao de seus
exrcitos. raro encontrar uma unidade que no disponha de sua imprensa,
assevera Djilas, um dos lderes dos partisans iugoslavos(11).
Mas na China que a propaganda deveria atingir sua maior dimenso.
Mao-Ts-Tung foi com efeito o estrategista e o terico de um novo tipo de
guerra inspirada na experincia dos partisans, e que na Frana foi chamada
guerra revolucionria. Mao parte do princpio que o exrcito deve ser a
vanguarda de uma massa inteira empenhada no combate. Mao adapta s relaes
entre exrcito e povo os laos institudos por Lenin entre o partido e a
classe operria. Cria-se assim. um aparelho poltico militar que repousa sobre
hierarquias paralelas (associaes profissionais, esportivas etc.,
organizao territorial organizao do partido), as quais transmitem sem
cessar as ordens oficiais e a educao poltica. Nada lhe escapa.
Em tempo de guerra, esse sistema aplicado aos prisioneiros que so
previamente aniquilados (isto , fisiologicamente enfraquecidos e
psicologicamente isolados), antes de serem submetidos reeducao, como
aconteceu nos campos da Coria do Norte e do Viet-minh(12).
Em tempo de paz, esta mobilizao das energias utilizada para fins polticos
e econmicos. Foi na China, ainda, que este mtodo atingiu seu paroxismo.
Centenas de milhares de homens foram impelidos ao trabalho por campanhas que
os tornaram voluntrios entusiastas. Na China, como nas democracias
populares, o partido desenvolve uma mstica do plano, tanto por proclamaes
gerais quanto por estmulos individuais (citao de xitos modelos e de
superao de limites fixados, condecoraes dos operrios de elite etc.).
Mas esta manipulao psicolgica serve tambm para sustentar, se for o caso, a
poltica exterior dos dirigentes. Assim, em 1958, no momento da campanha por
Formosa, as diretrizes semanais emitidas por rdio, imprensa e cartazes,
reforadas por manifestaes monstros, se difundiam atravs da China em ondas
gigantescas, cuja progresso os servios oficiais controlavam de hora em hora.
Releva notar, entretanto, ser impossvel delimitar, com preciso, o campo da
propaganda nos regimes soviticos ou de inspirao sovitica. Ela apenas um
aspecto de uma atividade total, da instruo primria produo industrial e
agrcola, englobando a literatura, a arte e os lazeres. Torna-se objeto de
propaganda a atividade inteira do cidado. J dizia Zinoviev: A agitao e a
propaganda, entre ns, repousam na instruo (...). Elas formam um todo que
preciso concretizar segundo a concepo leninista do ensino. Ulteriormente, o
esprito de partido, segundo a terminologia de Jdanov, apoderou-se da
cincia, da msica, da crtica literria etc., que tm a funo de formar o
novo homem sovitico.
A escola torna-se um dos pilares dessa propaganda total. Em seguida, dos
seminrios polticos, das escolas de aperfeioamento e dos crculos de
estudos saem, formados, centenas de milhares de propagandistas ou
agitadores que do cursos polticos, realizam palestras nas fbricas, nos
kolkozes, nos estabelecimentos comerciais e em instituies de toda espcie.
As obras de Marx, de Engels, de Lenin, de Stalin e de Mao-Ts-Tung formam a
base desse ensino. To gigantesco trabalho escorado em inmeras associaes
culturais, que enxameiam nos recantos vermelhos das fbricas, nas isbs de
leitura nos campos, nas sociedades beneficentes do Exrcito, nos clubes
esportivos e em outras agremiaes.
A propaganda triunfa ao ponto de dissolver-se no conjunto das atividades
polticas, econmicas e intelectuais de um Estado. Cada uma dessas atividades
apresenta um aspecto propagandstico. A obsesso dela resultante, certos
processos de encenao coletiva, a direo centralizada dos instrumentos de
difuso, a censura, a explorao dos novos acontecimentos, tudo isso no se
origina absolutamente do marxismo-leninismo, mas da utilizao totalitria da
propaganda.

CAPTULO IV
A propaganda de tipo hitlerista

enorme a contribuio de Hitler e Goebbels propaganda moderna. Como vimos,


no a inventaram, mas a transformaram; pois, no ousamos dizer que a tenham
aperfeioado. Hoje, o mundo sabe a que ponto chegaram os resultados dessa
mecnica gigantesca. O grande nmero de tcnicas e processos introduzidos pelo
nazismo em matria de propaganda, todavia, subsiste mesmo fora do clima de
dio e delrio em que desabrocharam e nada pode impedir que, doravante, faam
parte do arsenal da propaganda poltica.
Entre a concepo leninista de propaganda e a hitlerista, h de permeio um
mundo. Do mbito da perspectiva leninista, a propaganda a transposio da
ttica, mas os fins a que se prope, embora objetivos tticos, no so menos,
efetivamente visados. Ao lanar Lenin o slogan Terra e Paz, trata-se realmente
de dividir as terras e assinar a paz; quando Maurice Thorez recomenda: Mo
estendida aos catlicos, trata-se igualmente de fazer uma aliana com os
catlicos, mesmo no passando de etapa provisria no caminho da conquista do
poder. Mas, no momento em que Goebbels, depois de pregar um racismo
anticristo, proclama que o povo alemo faz a guerra em defesa da civilizao
crist, tal afirmativa no tem para ele nenhuma realidade concreta; no passa
de oportuna frmula destinada mobilizao de novas massas. O hitlerismo
corrompeu a concepo leninista de propaganda. Transformou-a em uma arma em
si, utilizada indiferentemente para todos os fins. As palavras de ordem
leninistas, mesmo ligando-se em definitivo aos instintos e a mitos
fundamentais, apresentam base racional. Quando, porm, ao dirigir-se s
multides fanticas, que lhe respondiam gritando o Sieg Heil Hitler invocava o
sangue e a raa, importava-lhe apenas sobreexcit-las, nelas incutindo
profundamente o dio e o desejo de poder. Essa propaganda no mais designa
objetivos concretos; ela se derrama por meio de gritos de guerra, de
imprecaes, de ameaas, de vagas profecias e, se faz promessas, essas so a
tal ponto malucas que s atingem o ser humano em um nvel de exaltao em que
a resposta irrefletida. Seria preciso fazer a histria das sucessivas
variaes que sofreram os temas da propaganda hitlerista durante a ltima
guerra, desde a conquista do espao vital at a defesa do povo, passando pela
Nova Europa e pela salvaguarda dos valores cristos. Desde essa poca, a
propaganda no est mais vinculada a uma progresso ttica, converte-se ela
mesma em ttica em uma arte particular com leis prprias, to utilizvel como
a diplomacia e os exrcitos. Em virtude de sua fora intrnseca, constitui uma
verdadeira artilharia psicolgica, onde se emprega tudo quanto tenha valor
de choque, onde finalmente a idia no conta, contanto que a palavra penetre.
Compreenderam perfeitamente os ditadores fascistas que a aglutinao da massa
moderna abria aos seus empreendimentos imensas possibilidades por eles
empregadas desavergonhadamente, com total desprezo da pessoa humana. O homem
moderno est surpreendentemente disposto a crer, dizia Mussolini. Por seu
turno, Hitler descobriu que a massa, ao aglutinar-se, assume um carter mais
sentimental, mais feminino: O povo, em grande maioria, est em uma disposio
e em um estado de esprito a tal ponto feminino, que as suas opinies e seus
atos so determinados muito mais pela impresso produzida nos sentidos que
pela reflexo pura. Essa a razo efetiva do xito da propaganda nazista em
relao s massas alems: predomnio da imagem sobre a explicao, do sensvel
brutal sobre o racional. Teremos oportunidade de versar os mtodos que
contribuem para dar s massas maior receptividade. Toda gente ouviu falar do
rufar dos tambores que acompanhava Hitler ao galgar as escadas da tribuna do
Congresso de Nuremberg e dos comutadores de corrente eltrica que lhe
permitiam, da tribuna, dosar vontade a iluminao. Desse ponto de vista
tambm compreensvel que a nazismo tenha freqentemente dirigido apelos
mulher, no que ela possui de sentimentalmente mais irracional e o tenha feito
com xito. Hitler, ainda, quem declarava: Quando alcanarmos o poder, cada
mulher alem ter um marido.
Por um lado, a propaganda hitlerista mergulha suas razes nas mais obscuras
zonas do inconsciente coletivo, ao gabar a pureza do sangue, ao glorificar os
instintos elementares de violncia e destruio, ao renovar por meio da cruz
gamada remotssima mitologia solar. Ademais, emprega sucessivamente termos
diversos e at contraditrios com a nica preocupao de orientar as multides
ante as perspectivas do momento. Jules Monnerot observou perfeitamente esse
carter ao mesmo tempo irracional e descontinuo da propaganda
nacional-socialista: Os hitleristas haviam abocanhado todos os temas
disponveis na Alemanha, todos os que, com um mnimo de convergncia no
tocante s intenes do momento, pudessem favorec-las(13).
No obstante, deve-se indagar por que semelhante descontinuidade no
prejudicou a propaganda hitlerista, visto ter ela conseguido no s mobilizar
um povo, como tambm atingir gravemente certas naes europias. Por certo, o
esforo foi colossal. Nesse domnio, Hitler e Goebbels nada deixavam ao acaso.
Preparavam cuidadosamente toda manifestao. Hitler assinalara mesmo que as
horas do entardecer eram as mais favorveis ao domnio de uma vontade alheia.
Tambm o pblico estava preparado. Comunidades no estatais foram
deslocadas, anulando-se toda espcie de intermedirios para que o indivduo se
oferecesse sem resistncia s solicitaes da propaganda; havia bem poucos
domingos em que uma famlia podia reunir-se na intimidade. O Partido e o Chefe
estavam presentes em toda a parte: nas ruas, nas fbricas e at dentro das
casas, nas paredes dos quartos. Jornais, cinema e rdio repetiam
incessantemente a mesma coisa. Em suma, inegvel que certo nmero de mitos
hitleristas correspondiam, seja a uma constante da alma germnica, seja a uma
situao criada pela derrota, pelo desemprego e por uma crise financeira sem
precedentes.
Isso explica muitas coisas, mas no tudo, mormente a influncia paralisadora
exercida pela propaganda hitlerista sobre naes no alems. Para que a
propaganda nazista o conseguisse, malgrado as contradies e exageros, para
que igualmente pudesse aterrorizar e entusiasmar as massas, das quais algumas
normalmente deviam permanecer a salvo de qualquer perigo, cumpre admitir que
sua ao se exercia menos no nvel do sentimento e da razo que em outra
esfera, em zonas fisiolgicos e inconscientes, onde encontram equilbrio e se
ajustam paixes e hbitos, absurdos ou contraditrios luz da lgica. O
escritor russo Tchakhotine, em um livro(14) que, apesar de seu carter
sistemtico, a nica obra fundamental consagrada ao nosso tema, esclarece o
xito da propaganda nazista atravs da interpretao da teoria dos reflexos
condicionados de Pavlov.
Apresentamos, adiante, ligeira descrio da experincia de base: coloquemos um
torro de acar diante de um co previamente imobilizado: produzir-se-
saliva na boca do animal. Em seguida, associemos a apresentao do torro de
acar audio de uma buzina e isso muitas vezes: normalmente, o co
continuar a produzir saliva. Em uma terceira fase, porm, contentemo-nos com
faz-lo ouvir a buzina sem apresentar-lhe o acar: a saliva aparecer de
novo. Criamos, ento, um reflexo condicionado, isto , o som da buzina
associou-se suficientemente ao aparecimento do acar a ponto de suscitar a
salivao. A buzina tornou-se, assim, um agente condicionador. Note-se,
todavia, que esse excitante de segundo grau no conservar sempre sua
eficcia. Com efeito, o agente condicionador complexo a buzina tende a
perder o valor como substituto do agente condicionador simples o acar
caso esse no lhe seja associado novamente de tempos em tempos, ou melhor,
caso no se repetir periodicamente a primeira experincia.
Ao dar-se prosseguimento a essa mesma experincia, isto , se continuarmos a
empregar aqueles excitantes em ritmo regular, nem per isso a salivao do co
se far em ordem crescente. Ao contrrio, obteremos a inibio das funes
reflexas, a qual pode estender-se ao organismo inteiro e provocar um estado de
sonolncia. Observemos, finalmente, que semelhante estado pode ser conseguido
de maneira diversa: no seria mais a repetio e sim a intensidade do
excitante que estaria em jogo para inibir os reflexos normais de um indivduo.
O aparecimento repentino da serpente pode inibir os reflexos de fuga do
pssaro que, fascinado, se lanar na goela da cobra.
Agora, resta-nos apenas aplicar as regras dessa experincia. Inicialmente,
tomemo-la no plano da publicidade: quando, para gabar determinada gua gasosa
pelos muros do metr, a publicidade escolhe como insgnia uma linda mulher
surgindo por entre as bolhas, no existe, evidentemente, nenhuma ligao de
ordem racional entre a gua mineral X e a bela mulher. Trata-se apenas de
condicionar o futuro consumidor, a tal ponto que retomando nossa comparao
ele da por diante, salivar com o simples nome de gua X, o qual lhe
evocar imediatamente a imagem de uma bela mulher ao sair das ondas. Tais
associaes formam-se mais naturalmente com marcas de sabonetes ou de meias.
A a publicidade utiliza infalivelmente o instinto sexual.
A propaganda poltica pode igualmente utilizar o instinto sexual. Mulheres
graciosas, simbolizando pases, como Marianne, decorrem desse reflexo,
bastante atenuado no caso. O condicionamento realizado em larga escala pelo
nazismo, entretanto, foi calcado, sobretudo, no instinto de poder. Para maior
clareza, distinguiremos duas fases correspondentes s experincias por ns
rapidamente analisadas: de inicio, formar os reflexos e p-los em
funcionamento; em seguida, utiliz-los no ritmo necessrio para criar o estado
de inibio.
1 Trata-se de elaborar os reflexos condicionados que se constituiro no
mecanismo dessa propaganda, no ato de associar o escopo desejado pelas massas
ao partido que o tomou como alvo: aqui, a grandeza do Reich e a felicidade de
todos os alemes so associadas ao Partido Nacional-Socialista. Acumular
explicaes e razes para em cada ocasio demonstrar que a esto os fins
visados pelo partido, seria fastidioso e de resultados medocres. Torna-se
muito mais conveniente substituir esse agente condicionador simples, que a
grandeza do Reich, por um indivduo que se proponha realizar essa grandeza,
por uma frase ou imagem que a resumam ou a evoquem. Conseqentemente, a idia
a ser difundida ligada a essa fisionomia, a esse smbolo, a esse slogan a
esse grito. Nada de programas minuciosos e demonstraes confusas: bastam a
cruz gamada, a saudao hitlerista e a efgie do Chefe distribuda aos milhes
de exemplares... Outro tanto de buzinadas, que fazem salivar todo um povo.
Vimos, todavia, que o smbolo, o excitante secundrio, perderiam sua fora se
no fossem revitalizados, restaurados por novas associaes como o excitante
primrio. O torro de acar , assim, distribudo pedao por pedao: a
ustria, a Tcheco-Eslovquia, Memel e, afinal, o torro inteiro que tem
de se atirar ao co.
2 Mais ainda que chamamentos de promessa ou evocaes de grandeza, esses
smbolos so apelos de foras, so evocaes de angstia. Conhecemos o
mecanismo fundamental do terror hitlerista; o Pe. Fessard demonstrou-o
perfeitamente luz da dialtica hegeliana do amo e do escravo: Se, muito
tempo aps o desfecho do combate, a vontade do escravo permanece subjugada e
sem que o amo faa grande esforo, a razo disso que o terror diante da
morte lhe arranca o mnimo de consentimento que o liga vontade do vencedor.
Se for preciso, castigos parciais viro reavivar a lembrana desse momento de
angstia, durante o qual trocou a liberdade pela vida e de novo for-lo a uma
adeso infinitesimal(15). O Pe. Fessard descreve exatamente a inibio
condicionada, embora por outras palavras. O que no diz, porm, que esses
apelos inibitrios podem ser feitos bem mais economicamente: de fato, a
propaganda fornece substitutos que, para evocar a angstia, fazem comodamente
as vezes das chicotadas ou, pelo menos, do excelentes resultados quando se
sabe associ-los devidamente aos golpes do azorrague. So os smbolos, as
canes ou os slogans esses substitutos. O poder de Hitler associou-se, pois,
cruz gamada e essa reproduzida por toda a parte, e dessarte, ao v-la, o
militante recorda-se do momento de exaltao em que a ela se votou de corpo e
alma; o adversrio lembra-se do momento de terror em que viu se lhe
arremeterem os uniformes pardos agrupados por trs da bandeira ensangentada,
cacetes em punho, instante em que, de bom ou de mau grado, teve que concluir o
pacto de servido. A cruz gamada, essa simples imagem, tornou-se segundo a
expresso de Tchakhotine, um memento da ameaa, o qual suscita
inconscientemente o seguinte raciocnio: Hitler a fora, a nica fora
real, e como toda a gente est com ele, preciso que faa o mesmo, eu, homem.
da rua, se no quiser ser esmagado.
V-se em decorrncia, a importncia do ritmo com que os hitleristas conduziam
a propaganda. Jamais cessava, nem no tempo nem no espao, constituindo-se em
permanente tela, visual e sonora, que, embora variando de intensidade,
mantinha alerta o povo. Se o objetivo parecia distante, deixava-se cozinhar a
alma do povo, segundo a expresso empregada, a fim de que estivesse pronta no
momento oportuno. Certas campanhas iam at o fim inelutavelmente, em um
crescendo por vezes assaz longo e que os acontecimentos podiam amortecer. O
Anschluss, por exemplo, foi precedido por uma campanha de cinco anos. Em
outras oportunidades, a gradao fora mais rpida e mais dramtica, como
durante as semanas precedentes invaso de Tcheco-Eslovquia. Em todos os
casos, o golpe era desferido subitamente e sem prvio aviso. Assim, o
militante era mantido em contnuo estado de exaltao, at a Hora H. No
tocante ao adversrio, submetido a perptuo alerta, desarticulado
psiquicamente, quase entorpecido como o co de Pavlov, na expectativa do
golpe, no mais reagia quando esse o apanhava.
Se no se tratasse de semelhante empresa, admirar-se-ia a maneira pela qual se
movimentava essa orquestra de propaganda: a msica jamais se interrompia. Na
sinfonia, havia sempre, em qualquer trecho, uma frase em suspenso e que se
poderia retomar. Se a poltica internacional no andasse, retornava-se
questo judaica(16). Durante a guerra, ao contrrio, o tema ariano anticristo
substitudo pelo majestoso mito da Nova Europa, herdeira dos valores
cristos, em armas contra a barbrie bolchevista. Jamais se contradizem ou se
corrigem, muda-se simplesmente de instrumento. Assim, a propaganda
anti-sovitica, subitamente interrompida em agosto de 1939, retomada em
junho de 1941. A orquestra, contudo, faz tamanho barulho, que s alguns
indivduos obstinados em refletir notam a descontinuidade. A regra,
precisamente, no deixar tempo para pensar. Sucedem-se os apelos s urnas,
juntamente com as incitaes luta e a lista dos novos objetivos a serem
alcanados.
Ento, patente a confirmao das experincias de Pavlov. Estabelece-se,
contudo, no seio mesmo dessa permanente estimulao, uma espcie de regular
alternncia: ao acar junta-se o chicote. Quando o inimigo parece insubmisso,
afagado; porm, desde que respira, de novo ameaado. Assim, imediatamente
depois de Munique, quando a opinio internacional acreditou poder respirar,
Hitler pronuncia dois dos seus mais violentos discursos. Os ouvintes e os
interlocutores de Hitler costumavam assinalar a habilidade com que alternava a
seduo com a brutalidade, a assim chamada Gespraechstechnik ou arte de
conversao, alis j conhecida por Napoleo.
Conseqentemente, em vez de repetir o estmulo, cria-se uma alternncia na
excitao, em lugar da simples inibio obtm-se esse estado psquico ambguo
e instvel que P. Janet descreveu no livro De lAngoisse lExtase. o que
Tchakhotine traduz na perspectiva que lhe prpria: Estimulado, o instinto
de luta pode manifestar-se de duas maneiras antagnicas: uma, negativa ou
passiva, exteriorizada pelo medo e pelas atitudes de depresso, de inibio;
outra, positiva, que conduz exaltao, a um estado de excitao e
agressividade... A excitao pode levar ao xtase, a um estado que, conforme o
indica o nome, decorre de uma sada para fora de si mesmo. Esse bem o
estado ambguo do alemo submetido propaganda hitlerista, petrificado pela
exaltao e ao mesmo tempo por uma angstia que alis pode ter passado ao
subconsciente. Numerosos observadores surpreenderam-se, em ocasies em que
Hitler discursava, com o aspecto de indivduos imobilizados na atitude ausente
e rgida do sonmbulo. Com efeito, ao jogar sucessivamente com os dois plos
da vida nervosa, o terror e a exaltao, os nazistas acabaram par dominar
vontade o sistema nervoso das massas populares, internamente e no Exterior.
Isso, finalmente, deriva de um idntico estado psicolgico ambivalente que, do
medo ao entusiasmo, passa por todos os graus.
Entre os homens que seguiam Hitler at o fim e por ele morriam, muitos, por
certo, o tinham odiado; os processos e o ritmo da propaganda, contudo, os
tinham hipnotizado e arrancado a si mesmos. Condicionados at a medula, haviam
perdido a possibilidade de compreender, de odiar. No amavam nem detestavam
Hitler, na verdade: fascinados por ele, tinham-se tornado autmatos em suas
mos.

CAPTULO V
Leis e tcnicas

A propaganda poltica j tem histria. O uso que dela fizeram os comunistas e


nazistas, alis de maneiras bem diversas, torna-se particularmente valioso
para a inferncia de certas leis. Vamos expo-las o mais objetivamente
possvel, pondo de lado todo falso pudor. Se algum indignar-se, permitam-nos
recordar ter havido uma poca no muito remota precisamente aquela em que
este estudo se iniciou de um modo ativo, antes de ser redigido poca em que
a propaganda no era nem curiosidade nem atividade de segunda ordem, mas luta
quotidiana. Fomos apanhados na sua rede, ento e rpida foi a passagem das
palavras aos atos: todo converso da nova ordem, todo ouvinte de Philippe
Henriot era um denunciante potencial. Todo aquele que aderia Resistncia era
um soldado arrebatado ao inimigo e ganho para a nao. No se tratava tanto de
raciocinar, e sim de convencer para vencer. Desprezada pelos dbeis, essa
propaganda transformara-se em uma arma terrivelmente eficaz nas mos dos
nazistas; e, sua custa, os franceses aprendiam a volt-la contra o inimigo.
Esse episdio de nossa histria bastaria para justificar o interesse, pelas
formas da propaganda, mesmo as mais exageradas e as mais pervertidas. O fato
de atravessarmos agora, na Europa Ocidental, um perodo de propaganda parcial
e atenuada, no impede que tenhamos conhecido e estejamos arriscados de novo a
conhecer uma poca de propaganda total.
Ningum poderia alimentar a pretenso de encerrar- a propaganda dentro de
certo nmero de leis funcionais. Ela polimorfa e dispe de recursos quase
ilimitados. Conforme a assertiva de Goebbels: Fazer propaganda falar de uma
idia por toda a parte, at nos bondes. A propaganda ilimitada em suas
variaes, em sua flexibilidade de adaptao e em seus efeitos. O verdadeiro
propagandista, aquele que quer convencer, aplica toda espcie de receitas,
segundo a natureza da idia e dos ouvintes, agindo, de incio, pelo contgio
de sua f pessoal, por suas prprias virtudes de simpatia e eloqncia. No
so elementos facilmente mensurveis; contudo, a propaganda de massa teria
resultados insignificantes, se no fosse sustentada por tenaz e mltiplo
esforo de propaganda individual.
Expressa-se a propaganda individual pela simples conversao, pela
distribuio de brochuras e jornais ou, mais sistematicamente pelo mtodo de
porta em porta, o qual consiste em bater sucessivamente em todas as portas de
um quarteiro para oferecer jornais ou solicitar assinaturas em peties e, se
possvel, entabular conversao a partir da.
A alocuo coloca-nos no caminho da propaganda de massas. Esse o processo
favorito do agitador comunista, que se aproveita de qualquer incidente para
discursar o mais breve e claro possvel.
Os suportes tcnicos da propaganda de massa so poderosos e inmeros. No
possvel trat-los minuciosamente. Contentemo-nos com ligeira explanao:
O impresso O livro, caro e de leitura demorada, permanece, entretanto,
instrumento de base. Reflita-se na importncia do Manifesto Comunista, das
obras de Lenin e Stalin, na propaganda comunista; na tiragem do Mein Kampf na
Alemanha.
O panfleto, arma predileta da propaganda no decurso do sculo XIX, usada
hoje pelos comunistas, destinando-se mormente aos intelectuais.
O jornal o principal instrumento da propaganda impressa, desde os grandes
matutinos e vespertinos at os jornais de bairro e de fbrica, distribudos e
afixados (jornais murais).
Enfim, o cartaz e o opsculo, redigidos com brevidade e de cunho
impressionista. O folheto apresenta a vantagem de ser cmodo e de permitir
fcil e annima distribuio. Quando o folheto se reduz a um simples slogan ou
a algum smbolo, toma o nome de volante.
A palavra o rdio, evidentemente, o principal instrumento de difuso da
palavra. As emissoras, principalmente de ondas curtas, foram utilizadas
durante a guerra e o so ainda em funo da propaganda no Interior e no
Exterior. Verificou-se que a voz humana reforava consideravelmente a
argumentao, infundindo-lhe vida e presena inexistentes em um texto
impresso. Nos Estados Unidos, as vozes dos locutores foram examinadas em
funo do seu poder de seduo. O rdio pode ser temporariamente posto
disposio dos partidos polticos, em tempo de eleies. Dele, porm, se
servem com maior freqncia os governos desejosos de sustentar suas concepes
e sua poltica em emisses destinadas aos nacionais ou aos povos estrangeiros.
A influncia do rdio pode ser ainda aumentada, mediante a audio coletiva.
O alto-falante utilizado nas reunies pblicas. Pode ser deslocado .
vontade: serviram-se dele na linha de frente, em 1939/40, e durante a guerra
civil na China. Algumas vezes montado em um caminho: durante a campanha
eleitoral de junho de 1950, o Partido Socialista belga empregou caminhes
assim equipados; esses veculos paravam de improviso em uma localidade; aps
terem tocado alguns discos, que alertavam a populao, um orador falava ao
microfone. Apresenta esse mtodo a vantagem de alcanar as pessoas que no
costumam ir aos comcios. No Vietn, as autoridades francesas usaram
igualmente caminhes com alto-falantes, mas, nesse caso, tratava-se de um
bazar ambulante que servia para atrair a populao.
O canto tambm um veculo de propaganda, quer as canes revolucionrias,
polticas, picas ou satricas, essas uma arma favorita das oposies.
Relembremos a Marselhesa e a Internacional, de um lado, e o xito das canes
satricas difundidas pelas emisses francesas da B.B.C., de outro lado.
A imagem So mltiplas as espcies: fotografias, caricaturas e desenhos
satricos emblemas e smbolos retratos de lideres. A imagem , sem dvida
nenhuma, o instrumento mais notvel e o mais eficaz. Sua percepo imediata
e no demanda nenhum esforo. Acompanhado de uma legenda, substitui
vantajosamente no importa que texto ou discurso. Nela resume-se a propaganda,
de preferncia, conforme teremos oportunidade de ver a propsito dos smbolos.
O espetculo Enfim, o espetculo um elemento essencial da propaganda. A
Revoluo Francesa, que fez de David o grande mestre das festas da
Repblica, teve o sentido das manifestaes de massa, organizadas com
grandiosa encenao (Festa da Federao, Festa do Ser Supremo). Napoleo
reteve a lio. Quanto a Hitler, soube preparar admiravelmente manifestaes
gigantescas em estilo de solenidade ao mesmo tempo religiosa e esportiva:
Congresso de Nuremberg, paradas noturnas com tochas (observemos o papel
atribudo aos refletores, iluminao, s tochas: tudo que chama e luz na
noite toca no mais profundo da mitologia humana).
A propaganda introduziu-se na liturgia fnebre. Nenhum espetculo impressiona
to profundamente a alma moderna e lhe d tanto esse sentimento de comunho
religiosa a que aspira; o nico de certa pompa assinalou Peguy, aceito
pela nossa Repblica civil e laica. Goebbels organizava os funerais dos chefes
do partido carinhosamente e em impressionante estilo; conta-nos Plievler(17)
que o lder nazista chegou at a encenar as exquias coletivas de todo o 6o.
exrcito alemo, do qual uma parte ainda combatia no bolso de Estalingrado.
Sem incidir na romntica suntuosidade da encenao hitlerista, so poucas as
manifestaes polticas que agora no incluem uma parte espetacular,
indubitavelmente para atrair as multides e distra-las, mas tambm mais
profundamente para satisfazer o pesar pelo desaparecimento de uma liturgia
coletiva.
O teatro, cujo papel foi de grande relevo na Revoluo Francesa, reencontrou
durante a Revoluo Bolchevista a sua eficcia como propaganda(18). Sketches
ligeiros, adaptados aos diversos auditrios (exrcito, campesinato e outros),
evidenciam os mritos e o futuro dos operrios e camponeses revolucionrios,
contrastando com a torpeza dos inimigos. Farsas inspiradas no folclore so
igualmente representadas com esse desgnio.
Amide o teatro inspirou a tcnica da propaganda: por exemplo, os coros
falados exigidos nas manifestaes ou que serviam at para animar Hitler e
Mussolini; as conferncias dialogadas, em que um comparsa se encarrega, mais
ou menos grosseiramente, do papel de contraditor. O espetculo preenche uma
funo cada vez maior nos comcios e nos desfiles: mascarados encarnam os
inimigos; veculos enfeitados representam cenas idealizadas do futuro:
assiste-se at a sketches simplificados, por vezes reduzidos apenas a gestos,
espcie de mmica poltica.
O cinema um instrumento de propaganda particularmente eficiente, seja ao
utiliz-lo pelo seu valor como documentrio devolve a realidade com o seu
movimento, conferindo-lhe indiscutvel autenticidade seja ao us-lo, como ao
teatro, para difundir certas teses atravs de antiga lenda, de matria
histrica ou de moderno cenrio. Jornais cinematogrficos mais ou menos
orientados, determinadas reportagens, pertencem primeira categoria. Na
segunda, tinham os nazistas realizado, com O Judeu Sss, um modelo de
propaganda anti-semita.
Finalmente, a televiso leva ao domicilio uma imagem animada e sonora.
Proporciona propaganda maravilhoso instrumento de persuaso: a viso do
orador confere a esse uma presena completa, e o espetculo torna-se visvel a
todos. No entanto, a televiso, na medida em que antes uma contemplao
solitria ou familial, exige da propaganda um estilo menos brutal, mais
pessoal e provavelmente mais racional.
Depois dessa rpida apreciao dos mais importantes veculos de propaganda,
examinaremos as principais leis de seu funcionamento, regras de uso, que
podemos deduzir, a ttulo de indicaes, da histria recente da propaganda
poltica.
1 Lei de simplificao e do inimigo nico
Em todos os domnios, a propaganda logo se empenha na busca da simplificao
Trata se de dividir a doutrina e a argumentao em alguns pontos, definindo-os
o mais claramente possvel. O propagandista tem disposio uma escala
inteira de frmulas: manifestos, profisses de f, programas, declaraes,
catecismos, os quais, em geral sob forma afirmativa, enunciam certo nmero de
proposies em texto conciso e claro.
Notvel que, na origem das trs grandes propagandas que transtornaram
duradouramente a terra, encontramos trs textos dessa espcie: no Credo ou
Smbolo de Nicia, condensou-se a f catlica; a Declarao dos Direitos do
Homem e do Cidado, emanada da Revoluo Francesa, constitui, por assim dizer,
o alfabeto da sua propaganda e, ao sobreviver-lhe, testemunha a vitalidade de
seus princpios. So dois textos de uma densidade e de uma clareza admirveis,
no se lhes assinalando uma palavra a mais; redigidos em frases curtas e
ritmadas, podem ser facilmente retidos pela memria. O marxismo, por seu
turno, apoia-se em um documento mais longo, o Manifesto Comunista, e nele Marx
e Engels condensaram a doutrina em penetrantes frmulas.
Esse esforo de preciso e sintetizao constitui a necessidade prvia de
qualquer propaganda. Encontramo-lo em um texto famoso como a Declarao em 12
pontos do Presidente Wilson e, tambm, com resultados diversos, nos mltiplos
programas, manifestos e profisses de f eleitoral que formam a matria bruta
da vida poltica.
Progredindo sempre no sentido de maior simplificao, a palavra de ordem e o
slogan tornaram-se o mais possvel breves e bem cunhados, segundo tcnica
desenvolvida pela publicidade. Vimos que a palavra de ordem tem contedo
ttico: resume o objetivo a atingir; o slogan apela diretamente s paixes
polticas, ao entusiasmo, ao dio: Terra e Paz uma palavra de ordem; Ein
volk, ein Reich, ein Fhrer, um slogan. Nem um tosto, nem um homem para a
guerra do Marrocos uma palavra de ordem; Doriot no poder, Rex vencer
so slogans. A distino, alis, nem sempre clara.
A rigor; uma doutrina ou um regime resumem-se em um smbolo: smbolo grfico
S.P.Q.R., R.F., iniciais dos soberanos reinantes: smbolo-imagem, tais como
bandeiras, bandeirolas, emblemas ou insgnias diversas em forma de animais ou
objetos cruz gamada, foice e martelo e outros; smbolo plstico, a exemplo
da saudao fascista, dos punhos levantados e outros; smbolo musical, hino ou
frases musicais.
O smbolo, que originariamente era sobretudo figurativo, como o machado do
lictor e o barrete vermelho da Revoluo Francesa, afastou-se progressivamente
da realidade por ele representada, em proveito da facilidade de reproduo. A
cruz gamada um smbolo solar pr-histrico, que s tem um liame potico com
o nazismo. Analogamente, os diferentes tipos de cruz adotados nos ltimos
anos: a cruz de Lorena, por exemplo, smbolo da Frana Livre, evocava um pas
martirizado, cujo valor residia sobretudo na sua simplicidade (a cruz o
smbolo mais simples, suscetvel de ser facilmente reproduzido). O V
britnico, adotado como smbolo aliado, foi um perfeito xito. Letra inicial
de Vitria, apresentava valor figurativo direto; alm disso, constitua-se,
ao mesmo tempo, em smbolo grfico extremamente simples e cmodo para ser
reproduzido nos muros, e em smbolo plstico (os dois dedos ou os dois braos
levantados) e em smbolo sonoro (os... , a transcrio do V para o alfabeto
Morse, anunciadora das emisses da B. B. C. para os territrios ocupados) e,
por esse estratagema, o V por ltimo, adquiria valor potico, ao
confundir-se com o motivo inicial da Quinta Sinfonia de Beethoven, o qual
evoca os golpes dados na porta pelo Destino.
Analisamos, no captulo precedente, o mecanismo por cujo intermdio esses
diversos smbolos evocam por si mesmos um conjunto de idias e sentimentos. Em
todo caso, observemos que a reduo a frmulas claras, a fatos e a nmeros
produz sempre melhores resultados que uma longa demonstrao. Seguramente,
uma debilidade de certos partidos polticos, como o M.R.P. na Frana, no
terem conseguido jamais encerrar suas doutrinas e seus programas em algumas
frmulas e smbolos assaz evidentes para serem conservados de memria.
Ademais, uma boa propagando no visa a mais de um objetivo de cada vez.
Trata-se de concentrar o tiro em um s alvo durante dado perodo. Os
hitleristas praticaram perfeio esse mtodo de concentrao, o. qual foi o
A. B. C. de sua ttica poltica: aliados aos partidos burgueses e reacionrios
contra os marxistas, aliados, depois, direita nacionalista contra os
partidos burgueses e, finalmente, ao eliminar os nacionalistas, sempre se
arranjaram a fim de terem apenas um inimigo.
A forma simplificadora mais elementar e rendosa evidentemente a de
concentrar sobre uma nica pessoa as esperanas do campo a que pertencemos ou
o dio polo campo adverso. Os gritos de Viva Fulano! ou Abaixo Sicrano!
pertencem aos primeiros ensaios da propaganda poltica e forneceram-lhes
sempre um bom cabedal para a sua linguagem de massas. Reduzir a luta poltica
rivalidade entre pessoas substituir a difcil confrontao de teses, o
lento e complexo mecanismo parlamentar por espcie de jogo de que os povos
anglo-saxes amam o jeito esportivo e, os povos latinos, o lado dramtico e
passional Bidault sem Thorez esse slogan do M.B.P. durante a campanha
eleitoral de 1946, ou melhor ainda, o smbolo grfico P.M.F. (Pierre
Mends-France) so mais expressivos que longos programas.
A individualizao do adversrio oferece inmeras vantagens. Cada escrutnio
era transformado, pelos nazistas, em um combate contra o ltimo
oposicionista. Apreciam os homens enfrentar pessoas visveis, de preferncia
a foras ocultas. Mormente ao persuadi-los de que o verdadeiro inimigo no
tal partido ou tal nao, mas o chefe desse partido ou dessa nao, ganha-se
duplamente: por um lodo, tranqilizam-se os adeptos, convencidos de terem pelo
frente no massas resolutas como eles, mas uma multido mistificada conduzida
por um mau pastor e que o abandona ao se lhes abrirem os olhos; por outro
lado, espera-se dividir o campo do adversrio retirando-lhe alguns elementos.
Atacar-se- sempre, conseqentemente, a indivduos ou a pequenas fraes, e
nunca a massas sociais ou nacionais em conjunto. Assim, Hitler jamais
pretendeu combater a classe operria marxista, mas alguns marxistas-judeus
que seguravam os cordes, jamais a Igreja,. mas uma scia de padres hostis
ao Estado Comportam-se os partidos comunistas, na propaganda destinada aos
catlicos e aos socialistas, segundo essas regras(19). Percebem-se a as
razes da posio descomunal, dentro da propaganda, das naes de grupo, de
conluio, de conspirao. Os grandes julgamentos polticos, como os do incndio
de Reichstag ou o processo de Rajk, vm a propsito para autenticar a
realidade da trama denunciada e convencer as massas de que, na realidade,
lutam apenas com uma corja de espies, de sabotadores e de traidores.
Na medida do possvel, tentar-se- ligar esse nfimo grupo de adversrios
declarados a uma s categoria ou a um s indivduo. A propaganda hitlerista
apresentou a conspirao dos democratas, plutocratas e bolchevistas contra a
Europa, como dirigida pela judiaria internacional(20). Quando se percebe
ser essa categoria insuficientemente homognea, criam-se fora, conjugando
os adversrios em uma enumerao repetida com a mxima freqncia, a fim.de
espalhar-a convico de que devem ser todos metidos no mesmo saco. A
propaganda comunista usa amiudadamente inesperadas enumeraes em que se
procura confundir em uma mesma averso um poltico radical, um arcebispo e um
filsofo existencialista. o que se chama o mtodo de contaminao, mediante
o qual um partido sugere que as divises dos adversrios no passam de
artifcios destinados a enganar o povo, pois, na realidade, se entendem contra
ele.
Na maneira como a propaganda hitlerista explorava o senso do inimigo, havia
uma ttica de extraordinria eficincia psicolgica e poltica. Arte da
tapeao levada ao extremo limite, consiste em sobrecarregar o adversrio de
seus prprios erros ou de sua prpria violncia, manobra geralmente
desconcertante. P. Reiwald assinala com justeza que o fato de emprestar-se ao
inimigo os prprios defeitos e atribuir-lhe os atos que se est a ponto de
praticar, tornou-se, graas a Hitler, a peculiaridade da propaganda
nacional-socialista(21). Cita, inclusive, surpreendente afirmao de Hitler a
Rauschning, a qual prova que o Fhrer, personalizando a todo transe o inimigo,
atribua sua propaganda verdadeira funo de catarse de autopurificao pelo
dio: Carregamos todos o Judeu em ns mesmos; mais fcil, contudo, combater
o inimigo visvel que o demnio invisvel.
2 Lei de ampliao e desfigurao
A ampliao exagerada das notcias um processo jornalstico empregado
correntemente pela imprensa de todos os partidos, que coloca em evidncia
todas as informaes favorveis aos seus objetivos: a frase casual de um
poltico, a passagem de um avio ou de um navio desconhecidos, transformam-se
em provas ameaadoras. A hbil utilizao de citaes destacadas do contexto
constitui tambm processo freqente.
A propaganda hitlerista serviu-se sistematicamente das notcias como de um
meio de dirigir os espritos. As informaes importantes jamais eram
comunidades em bruto; ao aparecerem, vinham j valorizadas, carregadas de um
potencial de propaganda. Walter Hagemann d um exemplo de como a imprensa
alem apresentava uma greve nos Estados Unidos; ela no dizia: Roosevelt
realiza uma arbitragem, recusado pelos grevistas, e, sim: Os grevistas
respondem estpida poltica social de Roosevelt com a recusa da arbitragem.
A explicao comea, pois, no estgio da informao e geralmente acentuada
pelo ttulo e pelo comentrio.
A preocupao constante dos propagandistas hitleristas era a de uma
publicidade por atacado. L-se no Mein Kampf: Toda propaganda deve
estabelecer seu nvel intelectual segundo a capacidade de compreenso dos mais
obtusos dentre aqueles aos quais se dirige. Seu nvel intelectual ser,
portanto, tanto mais baixo quanto maior a massa de homens que se procura
convencer. Da a ironia pesada, a zombaria cnica, as injrias(22) que
caracterizam a eloqncia hitlerista. Jules Monnerot ressaltou que os tiranos
modernos tiveram o dom de tornar primrio e reescreveram suas doutrinas em
uma linguagem de massas. No quadro em que Bruce L. Smith(23) relaciona todos
os grandes propagandistas, apenas um dentre eles, o dr. Goebbels, fez estudos
superiores de humanidades.
certo que a propaganda, sem cair em tais excessos, reclama uma expresso que
seja compreendida pelo maior nmero. Cumpre graduar e pormenorizar o menos
possvel, e logo apresentar a tese em bloco e da maneira mais surpreendente.
No acreditamos naquele que principia opondo restries s suas prprias
assertivas. Para quem procura o favor das multides, melhor que no diga:
Quando estiver no poder, os funcionrios recebero tanto, os abonos
familiares sero aumentados de tanto etc., mas, de preferncia: Todo o mundo
ser feliz.
3 Lei de orquestrao
A primeira condio para uma boa propaganda a infatigvel repetio dos
temas principais. Goebbels dizia astutamente: A Igreja Catlica mantm-se
porque repete a mesma coisa h dois mil anos. O Estado nacional-socialista
deve agir analogamente.
A repetio pura e simples, entretanto, logo suscitaria o tdio. Trata-se, por
conseguinte, ao insistir obstinadamente sobre o tema central, de apresent-la
sob diversos aspectos: A propaganda deve limitar-se a pequeno nmero de
idias e repeti-las incansavelmente. As massas no se lembraro das idias
mais simples a menos que sejam repetidas centenas de vezes. As alteraes nela
introduzidas no devem jamais prejudicar o fundo dos ensinamentos a cuja
difuso nos propomos, mas apenas a forma. A palavra de ordem deve ser
apresentada sob diferentes aspectos, embora sempre figurando, condensada, em
uma frmula invarivel, maneira de concluso(24). O que, alis, no uma
inveno, mas, a sistematizao de um processo j conhecido do velho Cato,
que terminava todas as suas arengas pela exclamao: Delenda Carthago, e
praticado tambm por Clmenceau que colocava em todos os seus discursos a
famosa frmula: Je fais la guerre.
A qualidade fundamental de toda campanha de propaganda a permanncia do
tema, aliado variedade de apresentao. Os partidos comunistas proporcionam
um modelo nessa matria, pela obstinao com que repetem um mesmo tema,
tratando-o sob todos os ngulos. Se compulsarmos a coleo de LHumanit de
1948, desde lo. de janeiro, data em que deseja aos leitores um Ano Bom, ano
de vitria sobre o plano de runa do partido americano, verifica-se que no
h editorial ou artigo de fundo que, a propsito de no importa qual assunto,
no traga baila o plano Marshall, e esse leitmotiv reproduzido
humoristicamente ou indicado nos comentrios e nas crnicas de cinema, de
esportes e outras.
A orquestrao de dado tema consiste na sua repetio por todos os rgos de
propaganda, nas formas adaptadas aos diversos pblicos e to variada quanto
possvel. Para um pblico diferente, sempre um matiz diferente, prescrevia
uma das diretivas de Goebbels, e ele mesmo levava o cuidado de adaptao ao
pblico a ponto de observar em seu Dirio que a propaganda no domnio da
cultura sempre a mais eficiente no tocante aos franceses.
Tal como em uma campanha militar, cada um combate com suas prprias armas no
setor que lhe designado. A campanha anti-semita dos nazistas foi conduzida
simultaneamente pelos jornais, que informavam e polemizavam, pelas revistas,
que publicavam sbios artigos sobre a noo de raa, e pelo cinema, que
produzia filmes como O Judeu Sss. Quando os nazistas tiveram em mos os meios
de agir sobre toda a opinio europia, a sua tcnica de orquestrao atingiu
sua mxima amplitude: ento semanalmente, aparecia no Das Reich um editorial
do Dr. Goebbels, logo retomado, em lnguas e em registros diferentes, com as
correes demandadas pelas diversas mentalidades nacionais, pelos jornais e
pelo rdio alemo, pelo jornais da frente e pela imprensa de todos os pases
ocupados.
O partido comunista, sua maneira, tambm pratica excelente orquestrao. Os
temas fundamentais, fixados todas as semanas por uma ata de sesso do
Politburo em texto sempre claro e conciso, so desenvolvidos pelo conjunto da
imprensa comunista e de seus oradores, e descem at os escales da base sob a
modalidade de avisos, de peties, de propaganda oral, de porta em porta e
outros. Assim, as grandes campanhas lanadas pelo Partido Comunista Francs
(contra o plano Marshall, contra a bomba atmica) encontram repercusso em
todos os cantos do pas e, de um ou de outro modo, alcanam quase todos os
cidados. Uma grande campanha de propaganda tem xito quando se amplifica em
ecos indefinidos, quando consegue suscitar um pouco por toda a parte a
retomada do mesmo tema e que se estabelece entre os seus promotores e os seus
transmissores verdadeiro fenmeno de ressonncia, cujo ritmo pode ser seguido
e ampliado. evidente, alis, que, para se obter tal ressonncia, o objetivo
da campanha deve corresponder a um desejo mais ou menos consciente no esprito
dos grandes massas. O prosseguimento e o desenvolvimento de uma campanha de
propaganda exige que sua progresso seja acompanhada de perto, que se saiba
aliment-la continuamente de informaes e de novos slogans e retom-la na
ocasio oportuna sob forma diferente e o quanto possvel original (reunies,
votaes, coletas de assinaturas, manifestaes de massa e outras). Uma
campanha tem durao e ritmos prprios: deve agarrar-se, no incio, a um
acontecimento particularmente importante, desenrolar-se tanto quanto possvel
progressivamente e terminar em uma apoteose, em geral por uma manifestao de
massa. verdadeiro fogo de artifcio, em uma sucesso extraordinria de
girndolas, aquecendo o entusiasmo at o mximo, que ser atingido pelo
espoucar da pea final. O fator primordial de uma campanha de propaganda , em
todo caso, a rapidez. Torna-se preciso fazer revelaes continuamente,
apresentar argumentos novos a um ritmo tal que, quando o adversrio responda,
a ateno do pblico se tenha voltado para alhures. Suas respostas sucessivas
no conseguiro recobrar o fluxo ascendente das acusaes, e o nico recurso
ser recuperar a iniciativa, se puder, e atacar com maior rapidez ainda.
Por vezes, os fatos impem durao mais longa: a campanha de reviso do
processo Dreyfus, magnificamente iniciada pelo panfleto de Zola,
desenvolveu-se harmoniosamente, ps em jogo todos os meios de influir sobre a
opinio pblica, e sacudiu o pas em suas profundezas, como jamais o fizera
nenhuma outra campanha. Na verdade, foi uma espcie de abrasamento e as
paixes rapidamente ocuparam uma tal posio a ponto de suscitar um movimento
de opinio mais espontneo que, de ordinrio, o so as modernas campanhas de
propaganda.
Particularmente as companhias nazistas foram conduzidas do comeo ao fim por
um mtodo minucioso. Ao retomar a tradio bismarkiana, Goebbels logrou pela
opresso o que o Chanceler de Ferro deveu corrupo alimentada pelo seu
famoso Fundos dos Rpteis: o completo servilismo da imprensa. Os
instrumentos da orquestra encadeiam-se uns nos outros, segundo uma partitura
de antemo escrita. Mencionemos, para exemplificar, a maneira pela qual foram
preparadas as agresses contra a Tcheco-Eslovquia e a Polnia: os jornais das
regies fronteirias principiaram por fornecer informaes acerca das
atrocidades sofridas pelas minorias alems; a seguir, esses relatos foram
reproduzidos por todos os jornais como se viessem de fontes diferentes, e,
conseqentemente, aparentando autenticidade complementar. a astcia do
camel, ao arranjar um suposto cliente, que no passa de um parceiro, para
elogiar o produto por ele vendido.
Essa gigantesca estratgia da opinio comporta at misses especiais. Certos
jornais, certos comentaristas de rdio, em todos os pases, so encarregados
de lanar bales de ensaio. A maneira como reage a opinio nacional e
internacional representa preciosa indicao para orientar a poltica. O balo
de ensaio , sobretudo, empregado para a propaganda de guerra ou a fim de
preparar uma mudana de poltica exterior. H, por vezes, misses
sacrificadas: se a reao da opinio desfavorvel ou se as circunstncias
mudaram repentinamente, o jornal ou o informante encarregado de lanar o balo
de ensaio so desaprovados e acusados de falta de seriedade ou mesmo de serem
provocadores ao servio do adversrio.
H pases em que certos jornais tm a misso de dirigir-se ao estrangeiro em
termos mais serenos e comedidos que os empregados para uso interno. Foi o caso
do Frankfurter Zeitung, na Alemanha. Goebbels tinha levado a diviso das
tarefas a ponto de movimentar parte os recursos da propaganda oral. Seu
Ministrio realizara experincias das quais resultara que um boato lanado
hoje em Berlim chegaria depois de amanh s cidades do Reino e, no quinto dia,
retomaria a Berlim, sob forma alis modificada. Servia-se, por vezes, desse
meio indireto para explicar aquilo que no podia ser oficialmente explicado.
Conta-nos, no seu Dirio, o embarao surgido a propsito do perigo amarelo:
esse velho tema da propaganda germnica retomado pelos nazistas, no podia
ser debatido publicamente, sob pena de cindir o Eixo; era preciso, ento,
renunciar a esclarec-lo de pblico e tentar difundir entre o povo nossas
verdadeiras razes atravs da propaganda oral. Essa, tambm, pode ser
empregada a fim de amortecer os choques: Goebbels, por exemplo, tem o cuidado
de, incontinenti, mandar anunciar clandestinamente a reduo das raes de
alimentos, visando a evitar um choque cujo contragolpe seria nocivo ao moral
do povo e impediria os efeitos da propaganda em curso sobre o aumento da
renda.
Acontece que certos temas devem ser abandonados por serem contraditos pelos
fatos ou pela propaganda adversria. Nesse caso, o propagandista no reconhece
o erro regra evidente que a propaganda no se contradiz. Ele cala-se no
pertinente aos pontos fracos. Tornou-se processo quase universal a
dissimulao ou contrafao das notcias favorveis ao adversrio. W.
Hagemann, que examinou as cinqenta mil diretivas enviadas por Goebbels
imprensa, verificou que um quarto dentre elas eram instrues de silncio.
Mas, em regra, o silncio acompanhado de ofensivas de despistamento. Aquele
autor relata que, em 1935, ao tempo em que as perseguies anti-semitas
escandalizavam a opinio estrangeira, Goebbels desfecha na imprensa alem uma
campanha contra a perseguio dos catlicos irlandeses pelos britnicos. O
despistamento uma ttica favorita da propaganda de guerra; mas utilizada,
outrossim, por todos os propagandistas apanhados em erro, e Goebbels, a bem
dizer, nisso foi mestre. Seu bigrafo, Curt Riess(25) insiste, com razo, em
um fato marcante do incio da carreira do lder nazista. Deputado e
jornalista, Goebbels atacava violentamente os adversrios, protegido pelas
imunidades parlamentares. Suspensas essas, foi processado por difamao. Como
no podia negar os fatos, decidiu contra-atacar, lanando mo de furiosa
crtica e injuriando juizes e procuradores. Petrificado, o Tribunal condena-o
multa de 200 marcos e esquece-se dos fundamentos do processo.
A condio essencial de uma boa orquestrao, em todos os casos, a cuidadosa
adaptao do tom e da argumentao aos diversos pblicos. Isso parece fcil;
sem embargo, aos propagandistas de formao intelectual , muitas vezes,
difcil falar linguagem apropriada a multides de camponeses ou de operrios.
Nisso tambm Hitler se fizera mestre na arte de variar os efeitos: diante de
antigos companheiros, evocava o herosmo das lutas passadas; diante de
camponeses, falava da felicidade familiar; diante de mulheres, discorria sobre
os deveres das mes alems. Napoleo, que se pode considerar como um dos
precursores da propaganda moderna, particularmente por sua arte na conciso e
no slogan, sabia dirigir-se igualmente, em termos adequados, s tropas, aos
acadmicos, aos muulmanos do Egito... interessante verificar que os
nazistas tentaram empregar o mesmo processo s religies que desejavam atrair,
com xito, alis, relativo. A defesa da civilizao crist jamais chegou a
inquietar seriamente a Igreja catlica e a protestante. Ao mesmo tempo,
Goebbels visava aos muulmanos: recorde-se o uso pela sua propaganda do Grande
Mufti de Jerusalm; os grupos de propaganda da Wehrmacht tinham a especial
incumbncia de exibir aos trtaros da URSS uma fotografia do Mufti em conversa
com o Fhrer.
4 Lei de transfuso
Jamais acreditaram os verdadeiros propagandistas na possibilidade de se fazer
propaganda a partir do nada e impor s massas no importa que idia, em no
importa que momento. A propaganda, em regra geral, age sempre sobre um
substrato preexistente, seja uma mitologia nacional (a Revoluo Francesa, os
mitos germnicos), seja simples complexo de dios e de preconceitos
tradicionais: chauvinismos, fobias ou filias diversas. Princpio conhecido por
todo orador pblico o de que no se deve contradizer frontalmente uma
multido, mas de incio, declarar-se de acordo com ela, acompanhando-as antes
de amold-la ao escopo visado. Escreve o grande publicista americano Walter
Lippmann em Public Opinion: O chefe poltico apela imediatamente para o
sentimento preponderante da multido (...). O que conta prender, pela
palavra e por associaes sentimentais, o programa proposto, atitude
primitiva que se manifestou na multido. Reencontramos facilmente esse mtodo
em Demstenes e Ccero, os dois maiores oradores da Antigidade. Os modernos
especialistas da propaganda nada mais fizeram que aplic-lo sistematicamente a
grandes massas, uso, alis, aperfeioado pela publicidade. A maior preocupao
das tcnicos publicitrios reside na identificao e na explorao do gosto
popular, mesmo naquilo que tem de mais perturbador e absurdo, a fim de
adaptar-lhe a publicidade e a apresentao de um produto. Essencial dar
imediatamente razo clientela, afirmando, por exemplo, que tal dentifrcio
alveja os dentes ou que tal azeite mais gorduroso que outro, o que, de
nenhum modo, constitui verdadeira qualidade para um azeite ou um dentifrcio.
Existe, portanto, na alma dos povos, sentimentos conscientes ou inconscientes
que a propaganda apreende e explora. J tivemos ocasio de ver como Hitler
jogou simultaneamente com todos os velhos mitos germnicos e os rancores
suscitados pela derrota. Durante trinta anos, os partidos direitistas, a
Resistncia e o Partido Comunista, sucessivamente, exploraram a germanofobia
francesa. No transcorrer da guerra, os nazistas excitaram sistematicamente na
Europa os velhos antagonismos nacionais, s vezes com xito (croatas contra
srvios), s vezes sem resultados, visto tratar-se apenas de um regionalismo
atenuado (autonomismo breto); experimentaram at acordar na Frana a tradio
antibritnica de Joana dArc e Napoleo(26).
Errar-se-ia ao considerar a propaganda um instrumento todo-poderoso para
orientar as massas no importa em que direo. Mesmo o bourrage de crne
faz-se em um sentido bem determinado. Sabem-no muito bem os jornalistas que
oferecem aos leitores apenas informaes escolhidas e digeridas, a fim de
firmar-lhes e reforar-lhes a convico. Toda arte dos jornais de opinio
consiste em sugerir ao leitor, mediante seleo e apresentao das notcias,
argumentos em apoio de seus prprios modos de ver preconcebidos e esse
reconfortante sentimento que se expressa pelas seguintes frases ou por outras:
Estava convicto de que... Bem que o tinha dito... Teria apostado.
A propaganda exerce sempre a papel de parteira, mesmo se divulga
monstruosidades. Pol Quentin, em seu livro sobre a propaganda poltica(27),
expressou muito bem essa necessidade de acompanhar o sentido das opinies
preconcebidas e dos preconceitos, s vezes infantis dos arqutipos ancestrais:
Nenhuma energia, mesmo potencial, deve perder-se em um domnio em que
primordial ganhar tempo. A escola americana de psicologia observou, por
exemplo, que os preconceitos raciais se fixam solidamente no indivduo desde a
idade de cinco anos. Uma campanha poltica que coloque acima de tudo a
rapidez, esforar-se- por reatar por alguns pontos seus novos programas
fonte de energia mental constituda por esse esteretipo preexistente.
Beneficiar-se- assim de uma verdadeira transfuso da convico, anloga
venda da clientela feita por um mdico de renome a um mais jovem.
No h quase necessidade de precisar que o despeito ou a ameaa devem ser
descartados da linguagem da propaganda, quando quer convencer e seduzir.
Franceses, tendes a memria curta, deixou m recordao; e o slogan do
emprstimo da Libertao, em outubro de 1914: Existem providncias mais
radicais que o emprstimo, no passou de pssima propaganda.
5 Lei de unanimidade e de contgio
Desde que a sociologia existe, tem-se focalizado a presso do grupo sobre a
opinio individual e os mltiplos conformismos que surgem nas sociedades. Tais
observaes foram confirmadas pelos psiclogos modernos e sobretudo pelos
especialistas norte-americanos em opinio pblica. Todos quantos praticam
sondagens da opinio sabem que um indivduo pode professar sinceramente duas
opinies bastante diferentes e at contraditrias acerca de um mesmo assunto,
segundo opine como membro de um grupo social (Igreja, partido etc.) ou como
cidado privado. Torna-se evidente que as opinies antagnicas s subsistem no
esprito do indivduo devido presso dos diversos grupos sociais aos quais
pertence. A maioria dos homens tende antes de tudo a harmonizar-se com os
seus semelhantes; raramente ousaro perturbar a concordncia reinante em torno
deles, ao emitir idia contrria idia geral. Decorre desse fato que
inmeras opinies no passam, na realidade, de uma soma de conformismo, e se
mantm apenas por ter o indivduo a impresso de que a sua opinio a
esposada unanimemente por todos no seu meio. Em conseqncia, ser tarefa da
propaganda reforar essa unanimidade e mesmo cri-la artificialmente.
Narra Gallup uma estria, assaz ilustrativa dessa elementar habilidade: a
estria de trs alfaiates de Londres, que outrora se dirigiram ao rei,
assinando-se: Ns, o povo ingls. Todas as proclamaes, todos os manifestos
principiam pela manifestao de unanimidade: As mulheres da Frana exigem...
o povo de Paris, reunido no Veldromo de Inverno.... Torna-se divertido ver
em certas ocasies dois partidos opostos reunirem com poucos dias de
intervalo, na mesma sala, o povo parisiense ou dirigir-se igualmente ao
Governo em nome do unnime sentimento popular. Cautela idntica conduz os
partidos a aumentar, em propores incrveis e por vezes absurdas, o nmero de
seus manifestantes. Trata-se sempre de suscitar esse enrijecido sentimento de
exaltao e de medo difuso, o qual impele o indivduo a adotar as concepes
polticas de que parece partilhar a quase totalidade dos seus concidados,
mormente se a professam com ostentao no desprovida de ameaas. Criar a
impresso de unanimidade e dela servir-se como de um veculo de entusiasmo e
de terror, tal o mecanismo bsico das propagandas totalitrias, conforme
tivemos oportunidade de vislumbrar a propsito do manejamento dos smbolos e
da lei do inimigo nico.
O estudo da sociedade das abelhas levou Espinas a desvendar uma lei do
contgio psquico. Segundo ele, a viso da clera da sentinela desencadeia o
furor na colmeia. Trotter confirma que o animal de um rebanho mais sensvel
reao dos demais indivduos que aos estmulos exteriores. Essa lei de
simpatia imediata, essa arregimentao gregria so encontradias nas
sociedades humanas e claramente observveis nas sociedades infantis. Certos
processos de propaganda parecem conformar-se a essa lei de contgio. Para
atrair o assentimento, para criar a impresso de unanimidade, recorrem os
freqentemente os partidos a manifestaes e desfiles de massas. Assinala-se,
amide, sobretudo a propsito das manifestaes hitleristas que era muito
difcil a um espectador indiferente ou mesmo hostil, de no ser por elas
arrastado, a despeito de si mesmo. O simples desfile de um regimento, puxado
por uma banda de msica, j atrai os basbaques... Um grupo de homens
disciplinados, devidamente uniformizados, marchando em ordem e resolutos,
sempre exerce poderoso efeito sobre a multido. Conta Tchakhotine que, durante
as lutas de Leningrado, no inicio da revoluo bolchevista, ao apoderar-se o
pnico da multido, bastou o desfile de um agrupamento militar munido de
mscaras contra gases, para restabelecer a ordem, como efeito quase imediato
de desinibio.
Na verdade, para arrastar o sentimento, nada substitui a irradiao do
apstolo, a convico do proslito, o prestgio do heri. Gabriel dAnnunzio,
em herico estilo, viveu momentaneamente uma combinao romntica de putsch e
propaganda. Com humildade e mais freqentemente, a militantes, a homens
convictos e devotados, que a maior parte dos convertidos deve sua convico.
As grandes crenas polticas, tal como progrediu o cristianismo, caminham
muito atravs do contgio pelo exemplo, do contato e da atrao pessoal; com
efeito, somente assim se implantam profundamente. As massas modernas,
deprimidas e incrdulas no tocante a si mesmas, so espontaneamente atradas
por aqueles que lhes parecem possuir o segredo de uma felicidade que delas se
afasta e poder estancar sua sede de herosmo, por tipos, por iniciados,
donos do futuro. Quando o exemplo humano coletivo a irradiao maior. A
Igreja Catlica sempre fez avanarem juntos seus sacerdotes e seus mosteiros.
As religies polticas do mundo moderno tambm suscitaram suas ordens e seus
conventos: agrupamentos de elites, escolas de quadros, campos de juventude...
no h melhor agente de propaganda que uma comunidade de homens que viva os
mesmos princpios em um ambiente de fraternidade. Denominador comum de todas
os propagandas so as imagens da amizade, da sade e da alegria. Crianas
brincando de roda, jovens praticando esporte, ceifeiros que cantam, essas
vulgaridades do cinema de propaganda de todos os pases, aproveitam-se do
desejo de felicidade e liberdade, da necessidade de evaso do citadino preso
escrivaninha ou mquina de escrever e privado de verdadeiros contatos
humanos. Infelizmente, conhecemos por experincia que realidade de misria e
de angstia pode camuflar-se por detrs desses quadros risonhos.
A propaganda dispe de toda espcie de recursos para criar a iluso de
unanimidade. Curt Riess, por exemplo, narra de que maneira Goebbels, antes da
tomada do poder, conseguiu reajustar uma situao comprometida: em novembro de
1932, os nazistas estavam perdendo o impulso; haviam perdido dois milhes de
votos e 34 cadeiras no Reichstag. Goebbels decidiu, ento, dar um grande
golpe. Concentrou toda a propaganda do partido nas eleies parciais de
Lippe-Detmold, distrito de 150.000 habitantes. Os tenores do partido
sucederam-se nesse lugar e o distrito foi trabalhado metodicamente. A manobra
obteve xito e os nazistas triunfaram em Lippe-Detmold. Teve a opinio pblica
a impresso de que a tendncia sofrera uma reviravolta e fora desfechada
verdadeira preamar nazista. Banqueiros e industriais recomearam a financiar
os hitleristas; no dia 30 de janeiro Hindenburgo entregava a Hitler a
Chancelaria. V-se, pois, a importncia daquilo que, com justia, foi chamado
de eleies-piloto. O fascista belga Lon Degrelle desejara repetir anloga
operao no tempo da famosa eleio de Bruxelas em 1937. Mas, os seus
adversrios, ao perceberem o perigo, opuseram-lhe o candidato de maior
destaque que puderam encontrar, Van Zeeland, que se demitiu de sua cadeira
expressamente para arrostar a batalha, e concentraram sobre Bruxelas todo o
esforo de propaganda. O rexismo sofreu uma derrota de que nunca mais se
recuperou.
Escritores, sbios, artistas e esportistas de renome representam, tambm, na
devida oportunidade, o papel de personalidades-piloto. O pblico que os
admira, s vezes cegamente, deixa-se impressionar de bom grado por suas
preferncias polticas e nem sempre percebe que no se trata da mesma coisa.
Eis a verdadeira transferncia de confiana e de admirao, cujo exemplo a
publicidade j proporcionara ao fazer recomendar, por esta ou aquela estrela
ou cantor em voga, certa marca de sabonete ou de chapus de feltro. Um dos
meios favoritos de propaganda a adeso dos intelectuais, de que se serve
como cauo. Essa adeso arrasta a simpatia das multides mais do que se cr
comumente, sobretudo em pases como a Frana, onde permanece ainda muito vivo
o prestgio das elites culturais. Sabe-se que os partidos, algumas vezes,
foram buscar suas referncias nesse domnio at na histria: Garibaldi teria
votado No! Pasteur teria votado Sim!.
O meio de contgio mais difundido , evidentemente, a manifestao de massas,
comcio ou desfile. Distingue-se facilmente os elementos destinados a
transformar a multido em um nico ser:
bandeiras, estandartes, velum(28) formam impressionante cenrio e tanto
mais excitante quando a cor dominante o vermelho, de que muitas vezes se
ressaltou o efeito fisiolgico;
emblemas e insgnias so reproduzidos nos muros, nas bandeirolas, nas
braadeiras e nos botes de lapela dos militantes. Produzem ao mesmo tempo
imediato efeito fisiolgico de fascnio e um efeito quase religioso, pois tais
smbolos impregnam-se de profundo significado, como se tivessem o poder de
reunir to grandes massas em uma espcie de ritual;
inscries e legendas condensam os temas do partido em slogans retomados nos
discursos e nos gritos da assistncia;
os uniformes dos militantes completam a decorao e criam, sobretudo, um
clima de herosmo;
a msica contribui poderosamente para mergulhar o indivduo na massa e criar
uma. conscincia comum. Ph. de Felice(29) analisou muito bem o misterioso
efeito por ela produzido sobre as multides: Seu poder sugestivo se exerce
sobre a vida psquica latente, isto , sobre um conjunto de instintos e de
pendores comuns a todos os homens. Explicvel, conseqentemente, a sua aptido
para suscitar entre eles, acima das divergncias individuais, estados
coletivos em que se misturam e confundem as tendncias idnticas que dormem em
cada um. Segundo esse autor, a msica instrumental (em que, geralmente,
predominam os instrumentos de percusso), a acentuao rtmica, aumentam ainda
mais o efeito de exaltao e coeso da msica. Muita gente j ouviu falar do
desencadeamento quase automtico do delrio mstico pelo prolongamento de uma
obsedante melopia de cantos e tambores em certas seitas religiosas
primitivas. Mesmo as pessoas mais evoludas dificilmente se subtraem
influncia de determinadas frases musicais. Essa emoo, essa comunho
culminam no hino, canto simblico do partido ou da nao, de que cada nota,
por assim dizer, entendida diretamente pelo corao e, com religiosa
gravidade, retomada em coro pelos assistentes. O canto coletivo o meio mais
seguro de fundir uma multido em um s bloco e de dar-lhe o sentimento de que
forma um nico ser. Fanfarras, hinos, cantos, gritos ritmados, todos esses
txicos sonoros so ingredientes essenciais do delrio das multides;
projetores e tochas, se noite, aumentam a fascinao e contribuem para
criar um clima de religiosidade, onde os mitos flutuam. No seu arguto estudo,
Psicanlise do Fogo, Gaston Bachelard mostra que o fogo impele o homem a
profundos devaneios. Produz o fogo efeito de exaltao e de terror ao mesmo
tempo, ajustado linha de propaganda hitlerista, que o utilizava em suas
marchas com archotes e suas manifestaes noturnas; em suma, as saudaes, o
levantar e o sentar dos ouvintes, o dilogo com a assistncia, os vivas, os
minutos de silncio constituem essa ginstica revolucionria aconselhada por
Tchakhotine aos condutores de multides. Ph. de Felice confronta esses
processos com os empregados pelos profetas orientais: Os efeitos fisiolgicos
e psquicos de uma gesticulao levada at o delrio so comparveis aos de
uma intoxicao. As desordens funcionais assim introduzidas no organismo
provocam vertigens e, finalmente, uma inconscincia total, que permite as
piores loucuras. As vezes, agitaes desse gnero apoderam-se de reunies
polticas e provocam cenas tumultuosas, as quais recordam os espetculos
oferecidos pelas irmandades dos daroeses ululantes.
Estabelece-se uma relao entre o condutor e a multido, por Le Bon chamada
de hipnose e na qual Ph. de Felice distingue uma verdadeira possesso.
certo que, ao menos em poltica, o grande homem se desvalorizou
consideravelmente: naquele que a multido admira, procura menos as qualidades
naturais que o distinguem dela, que aquilo pelo qual ele resume os desejos e
sonhos populares, traduzindo e recambiando-lhe como em um eco e que ela lhe
sugere e dele espera. O condutor de massas corresponde definio de profeta
dada por Victor Hugo que, infelizmente, nem sempre designa as estrelas. O
contato, o fluido que circula entre ele e os que encarna, uma realidade,
embora escape a todos os nossos instrumentos de medio. Como exemplo, basta
aquele que ainda mortifica o mundo: a monstruosa unio entre Hitler e as
multides germnicas.
A ao do condutor de multides multiplica-se quase sempre por intermdio das
coortes de adeptos organizados. Nero j havia institudo tropas de
especialistas encarregados de desencadear os aplausos. Brigadas de
aclamao, organizadas ou espontneas, encontram-se em todas as manifestaes
de massas, judiciosamente distribudas, animam a multido, inflamando-a
progressivamente. Em cada comcio, em cada desfile assinala-se a distino
entre condutores e conduzidos, entre ativos e passivos, conforme
assevera Tchakhotine, que julga poder estabelecer entre eles uma proporo
quase regular (Os ativos constituindo cerca de 8% da populao total).
Conseqentemente, toda a tarefa da propaganda quer, alis, nas fases extremas
que so as manifestaes pblicas, quer no trabalho quotidiano, consiste em
conquistar os passivos, em mobiliz-los, em lev-los progressivamente a
acompanhar os ativos.
Quem j assistiu a uma grande manifestao de massas, desfile ou comcio, pde
observar os mtodos que acabamos de analisar, empregados com maior ou menor
felicidade e intensidade. Quando um agrupamento de bandeiras desfila em toda a
largura de uma avenida precedendo compacta massa popular sob o rumor dos
cantos, muito poucos so os espectadores que no sentem vibrar algo no ntimo
do corao. Ento, os adversrios preferem afastar-se a fim de escapar ao
encanto do momento. Demanda cuidados particulares a organizao de semelhantes
manifestaes, visto serem a durao e o ritmo essenciais para criar o
delrio de multido. Os hitleristas utilizavam mormente processos de ordem
fisiolgica, que levavam ao limite extremo. Quando realizavam uma grande
manifestao, por exemplo, no estdio de Nuremberg, iniciavam-na desde a
manh, com a chegada dos primeiros assistentes. A partir do meio-dia e meia,
sucediam-se as delegaes e ocupavam lugar por detrs das bandas de
corneteiros e de msica, o que servia de cada vez como pretexto para
aclamaes e saudaes; l pelas 19 horas, surgiam os dignitrios do partido:
nova gesticulao; principiava, ento, um perodo de recolhimento, durante o
qual a expectativa se fazia sempre mais insistente e solene. Depois chegavam
Goebbels e Goering e, finalmente, o prprio Hitler, saudado por gigantesca
ovao. Ao microfone, o Fhrer, durante os primeiros minutos, parecia
experimentar a voz, procura do contato passional com essa multido que no
se agentava mais por aguard-lo durante tantas horas.
Errar-se-ia, alis, ao acreditar que o delrio da multido seja um estado
simples, que se mantm em crescente exaltao. , essencialmente, um estado
rtmico, com perodos de tenso aos quais sucedem simultneos afrouxamentos. A
encenao de um desfile ou de um comcio deve levar em conta esse ritmo. Os
oradores tm o cuidado de entremear os discursos de sentenas, de frases
irnicas que afrouxam inesperadamente a tenso dos ouvintes e provocam o riso,
o melhor meio de soldar uma multido, dando-lhe o sentimento de uma espcie de
alegre cumplicidade.
Existem meios de organizar e ritmar manifestaes, menos grosseiros que os
empregados pelos hitleristas. Em seu livro, Tchakhotine recolhe a narrao de
um chefe da Frente de Bronze, que empreendera dar um xeque em Hitler, por
ocasio das eleies de 1932, mediante contrapropaganda poderosamente
organizada. Assim, em Hesse, foi preparado um desfile-modelo, segundo tcnica
muito ativa, ao mesmo tempo psicolgica e esttica, o qual descrito da
seguinte maneira:
Uma procisso devia representar de alguma maneira um livro de muitas pginas
ilustradas, reunidas com certa lgica, as quais deviam produzir crescente
efeito, a fim de arrastar, mesmo involuntariamente, os espectadores em uma
caudal de idias determinadas, e impression-los pelo acordo final: Votai
conosco. O livro estava dividido em captulos, por sua vez subdivididos em
grupos simblicos, que se seguiam a determinados intervalos, constitudos por
formaes da Bandeira do Reich, por formaes dos sindicatos, dos nossos
esportistas etc.; era racional; assim, depois de cada grupo, o espectador
podia tomar flego, para melhor deixar-se impressionar pelo grupo seguinte.
Eram os seguintes os quatro captulos caractersticos: a) Mgoa da
atualidade; b) Luta de nossas foras contra ela; c) Ironia aplicada ao
inimigo; d) Nossos objetivos e nossos ideais. Nessa ordem enumerados, eram os
seguintes os quatro sentimentos fundamentais para os quais se apelava: a) a
compaixo; b) o medo (entre os adversrios) e a coragem (entre ns); c) o
riso; d) a alegria. Em conseqncia, estavam os espectadores expostos a
percorrer toda uma gama de sentimentos.
Um desfile dessa espcie tem, pois, valor ao mesmo tempo demonstrativo e
passional. Esclarece, mas com encenao e segundo progresso que interessa ao
espectador e o seduz habilmente, fazendo-o experimentar um ciclo de
sentimentos semelhantes aos que gosta de encontrar no teatro e no cinema.
Tivemos ocasio de organizar, entre os maquis, viglias cuja inspirao se
aproximava muito da que insuflou o desfile de Hesse: seu esquema partia de uma
atmosfera de catstrofe (derrota da Frana, ocupao) para terminar em uma
evocao de esperanas (vitria e libertao). Embora de um modo menos
sistemtico, os grandes cortejas populares de 1o. de maio e 14 de julho
utilizam os mesmos elementos bsicos, veculos, dsticos, cantos, que
exprimem, alternadamente, a dor da opresso, a grandeza da luta e a esperana
da libertao.
A unanimidade ao mesmo tempo uma demonstrao de fora. Um dos alvos
essenciais da propaganda manifestar a onipresena dos adeptos e a
superioridade deles sobre o adversrio. Os simbolos, as insgnias, as
bandeiras, os uniformes, os cantos, constituem um clima de fora indispensvel
propaganda. Trata-se de mostrar que estamos l e que somos os mais
fortes. No se poderia explicar de outro modo os esforos dos partidos
visando a impor seus oradores, seus gritos de guerra ou seus cantos e
tornar-se donos do terreno, ao preos s vezes, de sangrentos tumultos.
Uniformes, inscries, hinos criam uma impresso de presena difusa que
retempera os simpatizantes e desmoraliza os adversrios. A demonstrao de
fora, entretanto, freqentemente til, volta-se algumas vezes contra os seus
organizadores, caso uma contrapropaganda eficiente saiba explorar a nascente
indignao contra as brutalidades ou os embaraos liberdade de expresso. As
demonstraes de fora, alis, nem sempre so violentas. Recordemos a
manifestao organizada pela Frente Popular por ocasio do suicdio de Roger
Salengro. Silncio absoluto era a determinao, e esses milhares de homens,
marchando sem rudo, davam uma impresso de recolhimento e, tambm, de poder
bem mais convincente do que o teria sido qualquer outra manifestao com
cantos e clamores.
Outro exemplo, discutido ao tempo da Resistncia: quando elementos dos maquis
do Ain chegaram repentinamente a Oyonnax e ai desfilaram no dia 11 de novembro
de 1943, esse gesto, do ponto de vista estritamente militar, era indefensvel,
pois denunciava combatentes clandestinos e oferecia, inclusive, o risco de
provocar represlias, mas era plenamente justificado luz da propaganda:
que manifestava disciplinadamente o aparecimento da Resistncia armada. Essa
demonstrao de fora logrou inaprecivel repercusso na Frana e no
estrangeiro.
Contrapropaganda
A contrapropaganda, isto , a propaganda de combate s teses do adversrio,
pode ser caracterizada por algumas regras secundrias que lhe so inerentes:
1 Assinalar os temas do adversrio. A propaganda adversa desmontada
nos seus elementos constitutivos(30). Isolados, classificados em ordem de
importncia, os temas do adversrio podem ser mais facilmente combatidos: com
efeito, despojados do instrumento verbal e simblico que os tornava
impressionantes, so reduzidos a seu contedo lgico, geralmente pobre e, s
vezes, at contraditrio; pode-se, portanto, atac-los um a um e, talvez,
op-los uns aos outros.
2 Atacar os pontos fracos. Constitui fundamental preceito de toda
estratgia. Contra uma coalizo de adversrios, o esforo incide naturalmente
no mais dbil, no mais hesitante e nele que se concentra a propaganda. Esse
mtodo foi sistematicamente usado pela propaganda de guerra: durante a
Primeira Guerra Mundial, os alemes procuraram, sobretudo, desmoralizar os
russos, ao passo que os aliados dirigiam o principal esforo contra a
ustria-Hungria. Entre as teses contrrias, igualmente, a mais fraca que
ser combatida com maior violncia. Encontrar o ponto fraco do adversrio e
explor-lo a regra fundamental de toda contrapropaganda.
3 Jamais atacar frontalmente a propaganda adversria quando for poderosa.
Com justeza Pol Quentin observa: Freqentemente, as propagandas
contemporneas, ao julgar necessrio combater a opinio prevalente, visando
retific-la e orden-la o mais rpido possvel, atacam-na perpendicularmente.
Resultam dessa falta 90% dos reveses sofridos por tais propagandas, excelentes
para fortalecer a opinio de pessoas j convencidas, e em decorrncia, para
magistralmente arrombar portas abertas. Essas propagandas desconhecem este
princpio inicial: a fim de combater uma opinio, necessrio partir dessa
mesma opinio, procurando um terreno comum. Eis um evidente corolrio da lei
de transfuso.
Em geral, interpreta-se como sinal de fraqueza a discusso racional dos temas
do adversrio. Essa s possvel quando nos colocamos imediatamente dentro da
perspectiva e da linguagem do inimigo, o que sempre perigoso. Tal mtodo,
entretanto, que comea por fazer concesses ao adversrio para, pouco a pouco,
conduzi-lo a concluses contrrias s suas, praticado geralmente pelos
contraditores de reunies pblicas e pelos especialistas do de porta em
porta.
4 Atacar e desconsiderar o adversrio. Vimos que o argumento pessoal leva
mais longe, nessa matria que o argumento racional. Amide, poupa-se o
trabalho de debater uma tese ao desconsiderar-se aquele que a sustenta. A
diviso pessoal constitui arma clssica na tribuna do Parlamento e nos
comcios, bem como nas colunas dos jornais: a vida privada, as mudanas de
atitude poltica, as relaes duvidosas, so as suas munies triviais. A
histria recente da Frana est juncada de homens de Estado e de polticos, os
quais, mais ou menos efetivamente comprometidos em escndalos foram atacados e
executados em ferozes campanhas de imprensa. Alguns todavia Clmenceau o
modelo conseguiram refazer-se, jamais se confessando culpado, revidando
golpe a golpe.
Se no passado de um partido ou de um poltico forem encontradas declaraes ou
atitudes que contradizem declaraes ou atitudes o efeito, sem dvida, ainda
maior: no somente o homem ou o partido sero desacreditados (ningum mais
desprezado que os ventoinhas ou os vira-casacas) mas tambm colocados na
necessidade de se explicarem e de se justificarem: posio de inferioridade.
o po quotidiano da contrapropaganda. Isso nos lembra uma frase
particularmente bem escolhida pela qual o porta-voz da Frana Livre, Maurice
Schumann, deu incio a uma das emisses radiofnicas dirigidas contra a
propaganda de Philippe Henriot, comentarista da rdio de Vichy; esse, segundo
parece, obtivera a reforma por ocasio da Primeira Guerra Mundial: Philippe
Henriot, auxiliar do exrcito francs em 1915, auxiliar do exrcito alemo em
1944... Em poucas palavras o homem fora ridicularizado.
5 Colocar a propaganda do adversrio em contradio com os fatos. No
existe rplica mais desconcertante que a suscitada pelos fatos. Se for
possvel conseguir uma fotografia ou um testemunho, que, embora sobre um nico
ponto venha contradizer a argumentao adversa, essa em conjunto, acaba por
desacreditar-se. De ordinrio difcil conseguir provas incontestveis: as
narrativas de viagens so contraditrias, pode haver truques fotogrficos;
apelar-se-, ento, tanto quanto possvel, para inquiridores ou para
testemunhas cujo passado e cujas ligaes garantam sua imparcialidade. Em todo
caso, nada vale tanto quanto um desmentido pelos fatos como arma de
propaganda, desde que formulado em termos claros e precisos. Esse desmentido
no encontra rplica quando os fatos alegados foram colhidos em fontes de
informao controladas pelo prprio adversrio. A esse propsito, citarei um
exemplo: uma pequena notcia das Lettres Franaises clandestinas, a qual
refutava uma afirmao da propaganda hitlerista, antepondo-lhe simplesmente,
sem comentrio, uma informao publicada na mesma ocasio pela imprensa da
Frana ocupada:
Um cartaz divulgado em Paris demonstra que todos os libertadores e
terroristas so judeus estrangeiros. A Corte de Apelao de Bourges condenou
os autores e cmplices do atentado contra Dat: Jacques Blin (de
Mntrol-sous-Sancerre), Marcel Delici (de Vierzon), Emile Gouard (de
Pouilly-sur-Loire), Jean Simon (de Nevers) e Louis Rannos (de Thouvensi).
6 Ridicularizar o adversrio, quer ao imitar seu estilo e sua argumentao,
quer atribuindo-lhe zombarias pequenas histrias cmicas, esses Witz, que
desempenharam to grande papel na contrapropaganda oral difundida pelos
alemes antinazistas. O escrnio constitui espontnea reao a uma propaganda
que se faz totalitria mediante a supresso da dos adversrios. Sem duvida
nenhuma, a arma dos fracos, mas a rapidez com que se disseminam as pilhrias
que jogam no ridculo os poderosos, a espcie de condescendncia que elas
encontram por vezes entre os prprios adeptos fazem, do escrnio, um agente
corrosivo cujos efeitos no so de desprezar. Em todos os tempos os
canonetistas tm tomado o partido da oposio.
No podemos enumerar os mltiplos meios de fazer o adversrio cair no
ridculo; muitas vezes grosseiros, no deixam, porm, de ser eficazes. Tomemos
apenas um exemplo: na campanha anti-rexista, de que j falamos, respondiam os
adversrios de Degrelle aos seus gigantescos desfiles, fazendo circular nas
ruas de Bruxelas asnos com um cartaz em que se lia: Voto em Degrelle porque
sou burro.
Aqui, tocamos em uma forma de gracejo muito diferente daquela j tratada
rapidamente: no mais o riso desdenhoso que consegue soldar a multido no
sentimento de sua superioridade, e que Hitler sabia provocar na arena de
Nuremberg e, sim, o riso solitrio, exploso irreverente, vital protesto da
liberdade contra o pensamento pr-fabricado, riso a cujo respeito Nietzsche
dizia que seria um dos ltimos refgios do homem livre contra o mecanismo da
tirania, e que, at nas pocas mais trgicas, uma das mais temveis armas
que se possa empregar contra uma propaganda totalitria. Basta evocar esse
admirvel filme antifascista de Charles Chaplin, O Ditador, no qual Hitler e
Mussolini aparecem burlescos. E nas horas difceis da ocupao, a quantos
franceses a pardia dos poderosos do dia no trazia esperanas? Em uma
sociedade que ameaadora e enfurecida propaganda comea a fascinar, o riso
relaxa infalivelmente os homens contrados, devolve-lhes o livre funcionamento
de seus reflexos, cria imediato efeito antiinibidor.
7 Fazer predominar seu clima de fora. Por razes certamente materiais,
e tambm psicolgicas, importante obstar que o adversrio se mantenha na
primeira linha, criando em proveito prprio a impresso de unanimidade. Mas,
esse tambm procura impor a sua linguagem e os seus smbolos, que por si
mesmos significam poderio. Freqentemente, experimenta-se atingi-lo naquilo
que mais preza: o nome, o primeiro entre os seus smbolos. Os degaulistas, por
exemplo, chamavam os comunistas de separatistas e esses os apelidavam de
gogo (pateta). O nome parece ter guardado o primitivo valor mgico e o fato de
denominar da mais alta importncia. O nome , ao mesmo tempo, uma bandeira
e um programa. Vezes h, quando o adversrio, no conseguindo suprimir o nome
que lhe foi dado depreciativamente, o endossa, servindo-se dele como ttulo de
glria: assim procederam os wigs e os tories; em nosso tempo, os maquisards,
acabaram por aceitar de bom grado o apelido de terroristas por eles
recebido; igualmente o epteto de stalinista, injurioso a principio, foi
retomado pelos comunistas como um ttulo de glria.
Em outro caso, lograram os propagandistas nazistas impor sua linguagem ao
forjar, a propsito do aterrorizador bombardeio de Coventry, o verbo
coventrizar para designar o aniquilamento de uma cidade. Os britnicos
debalde procuraram responder por meio de verbos formados com os nomes de
cidades alems.
Sempre no mbito da mesma orientao, vamos encontrar o que Tchakhotine chamou
de guerra de smbolos. O chefe da Frente de Bronze, cuja narrativa reproduz,
esclarece como ops s cruzes gamadas, cujas imagens ameaadoras proliferavam
nos muros, as trs flechas simblicas das juventudes socialistas e, ao grito
de Heil Hitler!, o de Freiheit!, bem como, saudao fascista, os punhos
levantados. Assistimos, durante a ocupao, criao de um smbolo, alis
despido de qualquer significado e de qualquer atrao: o gama da milcia.
Opostamente, a cruz da Lorena do degaullismo era um smbolo claro e pejado de
sentido; demais, tinha sobre os outros uma grande superioridade grfica.
Talvez se recorde de que foram empregados dois mtodos contra o gama: ou se
lhe sobrepunha uma cruz da Lorena que automaticamente o cancelava, ou era
ridicularizado por um processo muito simples: inscrito em uma circunferncia,
marcados dois pontos guisa de olhos, o gama passava a representar a figura
de um perfeito idiota.
Nada tm de normativo as leis das quais tentamos inferir os diferentes
processos empregados pela propaganda poltica. Existem, por certo, constantes
da psicologia coletiva que no se devem desconhecer: nesse sentido,
determinado nmero de indicaes vlidas para toda espcie de propaganda
derivam dos leis precedentemente analisadas. Outras, ao contrrio, so, de
preferncia, receitas que tiveram xito uma vez e, empregadas em outras
condies ou simplesmente porque j foram, usadas, expem-se a perder a
eficincia. Sem embargo, provvel a descoberta de receitas aparentadas; por
outro lado, baseando-se na imensa faculdade de olvido que caracteriza as
massas e em que as propagandas infalivelmente se apoiam, possvel para
outros partidos e regimes reaproveitar, por conta prpria, alguns elementos do
formidvel empreendimento hitlerista, o qual se notabiliza pelo desprezo da
opinio, pelo blefe, pelo descaramento, pelo mtodo do soco psicolgico e
pela elaborao de completo aparelho de sortilgios cientficos.
assaz evidente que pr em ao uma propaganda ou uma contrapropaganda
demanda meios poderosos. No nossa inteno discutir esquemas de
organizao. Devemos assinalar apenas que a propaganda no se movimenta sem
constante esforo de informao que versa no apenas sobre os fatos
suscetveis de aliment-la, mas, tambm, sobre a situao dos setores de
opinies visados. A Osvag, organizada no inicio da revoluo bolchevista,
chegava at a distribuir em cartas geogrficas as informaes coletadas, a fim
de obter verdadeiros mapas de meteorologia poltica: Todos os
acontecimentos de importncia referentes situao econmica e poltica (tais
como o transporte, as perturbaes agrrias, a agitao antigovernamental ou
anti-semita etc.) eram marcadas em cores, o que proporcionava rpida
orientao topogrfica e, sobretudo, revelava claramente a interdependncia de
certos fatores polticos, econmicos e sociais(31). Goebbels at seguia de
perto a estatstica dos suicdios.
Semelhante esforo de informao deve exercer-se sobre os resultados das
campanhas de propaganda. Quando as eleies no permitem apreciar o rendimento
de uma propaganda, esse controle, apesar de muito til, apresenta-se difcil.
As sondagens de opinio tornaram-se de uso corrente e proporcionam preciosas
informaes, embora o seu manejamento e a sua interpretao permaneam
delicados. Na Inglaterra, as cartas ao editor permitem, em uma certa medida,
desvendar a sensibilidade da opinio no tocante a este ou aquele tema. Enfim,
os relatrios dos agentes da administrao e da polcia proporcionam alguns
indcios, mas comumente falseados.
evidente que a propaganda no age em setor fechado. Seu campo, a opinio
pblica, suscetvel de ser influenciado por outros fatores, especialmente
pelas decises governamentais. Se tais deliberaes entrassem em contradio
com a propaganda, essa ver-se-ia em dificuldades. O que vlido para um
governo tambm para um partido, que corre o risco de ver seus votos no
Parlamento censurados. O ministro da Propaganda do Reich, Goebbels, era
consultado pelos outros Ministrios acerca das decises suscetveis de
encontrar ressonncia na opinio pblica. Por vezes, a elas se opunha,
sobretudo quando se tratava de aumentar o preo de gneros essenciais; em
outros oportunidades, quando a medida era inevitvel (a requisio dos sinos,
por exemplo) mandava adi-las at que o partido houvesse explicado
suficientemente as razes populao.
No se conduz a propaganda isoladamente. Ela exige uma poltica coerente, bem
como seu ajustamento a essa poltica. No fim da Primeira Guerra Mundial, Lorde
Northcliffe lograra convencer o seu governo que a propaganda de guerra a seu
cargo no podia ser levada a cabo sem que se definisse uma poltica precisa,
fixando atos para o presente e designando objetivos para o futuro. A
propaganda, quando no se entrega a blefes mentirosos, quando utilizada
salutarmente, consiste, em suma, na explicao e justificao de uma poltica.
Reciprocamente, obriga a poltica a definir-se e a no se contradizer,
prestando-lhe, assim, um grande servio.
O aperfeioamento da tcnica (imprensa, rdio e cinema), o controle estatal
dos grandes canais de difuso, evidentemente conferem, de incio, enorme
superioridade s propagandas governamentais nos regimes de partido nico. A
contrapropaganda, levada clandestinidade, reduz-se a meios limitados:
inscries, mquina de escrever e mormente mimegrafo, seu instrumento
favorito. Em tais circunstncias, no convm subestimar a importncia da
propaganda oral. Ocorre, tambm, como durante a ocupao alem, que uma
propaganda clandestina dispe de oficina tipogrfica para imprimir seus
jornais. Por fim, as emisses radiofnicas do estrangeiro, os folhetos e
brochuras lanados de para-quedas podem coadjuvar consideravelmente. Mas,
parece que, na verdade, em semelhantes circunstncias, o pior inimigo de uma
propaganda totalitria seja ela mesma: a repetio acaba por fatigar e o abuso
das falsas notcias destri a confiana nelas. A propaganda poltica
sincronizada, obsedante e mentirosa no atinge um ponto em que se debilita,
convindo, pois, para venc-la, usar armas de outra ordem?
CAPTULO VI
Mito, mentira e fato

A propaganda poltica moderna no simplesmente o uso pervertido das tcnicas


de difuso destinadas s massas. Ela precedeu a inveno da maior parte dessas
tcnicas: seu aparecimento coincide com o dos grandes mitos que arrastam um
povo e o galvanizam em torno de uma viso comum do futuro. No sculo VIII, na
Frana, desabrolhou o mito revolucionrio; depois, na metade do XIX,
verificou-se cristalizao, lenta e perturbadora, do mito socialista e
pro1etrio. O primeiro, depois de ter explodido, tal qual uma srie de bombas
de retardamento nos pases europeus, progressivamente perdeu sua virulncia
at o fim do sculo XIX, quando ainda animava a vivncia da 3a. Repblica;
antes de passar ao estgio de culto histrico, chegou a conhecer o
rejuvenescimento com a questo Dreyfus; quanto ao segundo, depois de haver
suscitado grandes lutas civis, a Comuna em junho de 1848 e inmeras greves,
foi empolgado pelo marxismo e, mais tarde, pelo leninismo; hoje movimenta
massas gigantescas, no Extremo Oriente.
A fora com que esses dois grandes mitos revolucionrios se espraiaram pelo
mundo serviu de ligao aos pensadores polticos. Compreenderam o ajutrio que
poderia advir dessas representaes motrizes, cujo contedo, a um s tempo
ideolgico e sentimental, atua diretamente na alma das multides. Georges
Sorel, antes de qualquer outro, discerniu perfeitamente a insipidez que
ameaava uma social-democracia que se tornara verbalista e parlamentar,
propondo, como remdio, que se recorresse a mitos violentos, capazes de
aliciar os trabalhadores na Revoluo: Enquanto o socialismo permanece uma
doutrina inteiramente exposta em palavras, muito fcil desvi-lo no sentido
de um meio-termo; essa transformao, porm, manifestamente impossvel
quando se introduz o mito da greve geral, que comporta uma revoluo
absoluta. Foram as reflexes de Sorel que, exploradas em um sentido
inteiramente diverso por Mussolini, o impeliram a construir o fascismo na base
de mitos nacionais de outrora (grandeza da antiga Roma) de mitos
conquistadores do futuro (exaltao da fora, da guerra e da vocao imperial
da Itlia). Doravante, a revivescncia dos mitos do passado e a criao dos
mitos do futuro caracterizam as propagandas fascistas, seja a de Hitler, de
Mussolini ou de Franco. Ao passo que, na Itlia ou na Espanha, os mitos assim
fabricados permanecem argumentos retricos e conseguem inflamar apenas uma
minoria de fanticos, logram profundo eco nas grandes massas alems.
Nessa primeira metade do sculo XX, discerne-se por toda parte na Europa uma
reao contra o abuso do pensamento racionalista e liberal do sculo XVIII
francs. Em verdade, tal pensamento tornou-se o apangio de uma elite. Entram
em cena massas que no se reconhecem na sociedade libera1, sem os quadros
naturais nem os valores comuns, que a burguesia capitalista oferece, e ainda
menos no funcionamento descolorido e complexo do regime parlamentar. O tdio
no apenas a chave stendhaliana de uma psicologia individual; decisivo
fator da psicologia coletiva moderna. As massas aborrecem-se. evidente na
Frana do sculo XIX, depois da queda de Napoleo. O segundo Napoleo aposta e
ganha nesta carta. Ao sonho de glria, contudo, soma-se o sonho de felicidade
das massas sofredoras, e o sonho de comunidade das massas alienadas. O
socialismo apresenta-se como ideal, como mstica, antes de ser filosofia
e, com Marx, doutrina de ao; assim permanecer, em uma proporo
considervel. G. Le Bon sublinhou a que ponto a impreciso das doutrinas
socialistas um dos elementos de seu xito. Dessa esperana de libertao,
dessa nsia de fraternidade sempre vtimas de decepes e, por vezes, afogadas
em sangue, os fascismos vo-se apoderar, desviando-as em proveito prprio. Um
mundo privado de alegria entregue ao imprio dos mitos A funo desses de
aproximar o desejo obscuro, informulado, de sua satisfao: entre aquele e
essa no subsiste mais que diminuto intervalo que a luta e o sacrifcio
preenchero; essa distncia j fora abolida pelas imagens, pelos cantos, pelos
discursos, pelas bandeiras desfraldadas e desfiles ameaadores: o alvo est
quase ao alcance de nossas mos e nos regozijamos de antemo pela felicidade
que nos proporciona; milhes de homens vivem a terra prometida graas a essa
exaltao potica da multido, que decuplica a f, antecipando sem dores o
futuro. O mito uma participao antecipada, que preenche um momento e
reaviva o desejo de felicidade e o instinto de potncia; o mito
indissoluvelmente promessa e comunho.
Nisso, a propaganda confunde-se com a poesia e dela se nutre. criao e ao
aformoseamento dos mitos nacionais consagraram-se as maiores obras poticas da
Antigidade, as de Homero e de Virglio. Em nossos dias, a propaganda
substituiu a poesia pica na funo primitiva de contar histrias ao povo,
as do seu passado e as do seu porvir, dando-lhes, pois, uma alma comum, tal
como fez Pisstrato a partir de poemas homricos. Segundo vimos, a propaganda
tomou poesia grande nmero de seus processos a seduo do ritmo,, o
prestgio do verbo e at a violncia das imagens. No seu manejo encontraremos
facilmente certos artifcios da ao dramtica, com saltos, com tempos fortes
e fracos, com golpes teatrais orientados no sentido de excitar o temor ou a
esperana.
Acreditamos de bom grado que certos aspectos da propaganda moderna apresentam
funo mais potica que poltica, induzindo o povo a sonhar com as grandezas
do passado e com amanhs mais felizes No sem motivo que se aplicam
naturalmente s suas formas extremadas as palavras delrio, sonho acordado
e que possamos caracterizar de sonamblico o comportamento das multides
hipnotizadas por Hitler. Notara Gustave Le Bon, na multido, um mecanismo
natural de exagerao. Freud, em Remarques sur Le Bon, relaciona tal fato com
a exagerao observada nos sonhos, nos quais se chega a atacar ou matar um
homem por mera futilidade. A propaganda libertaria, assim, em numerosos casos,
verdadeiros sonhos coletivos que alimentaria mediante aplicao dos processos
anteriormente examinados. A propaganda poltica conseguiu captar esse devaneio
que cada um de ns alimenta acerca de nossas origens e do nosso futuro, sonhos
da infncia e o acariciado desejo de felicidade. Com a ajuda dos mitos de que
se nutre e que, de volta, amplifica, a propaganda, como em um sonho, aproximou
at o absurdo o desejo ou o dio de seu objeto que, em estado de viglia, os
homens no ousam ou no podem atingir esse gnero de fantasia no
forosamente doentio; todos os povos vivos o nutrem. Estimulado, contudo, por
sbio maquiavelismo, termina em pesadelo.
Tal como no sonho, a propaganda contribui para fazer-nos viver uma outra vida,
uma vida por procurao. A poltica pode exercer a o mesmo papel de exutrio.
que o esporte, e a multido projeta seu desejo de aventuras e de herosmo em
um estadista ou lder poltico como o faz em relao a um s de ciclismo. Toda
a habilidade da propaganda consiste em fazer-nos acreditar que esse estadista,
esse chefe de partido, esse governo nos representam e no somente defende
nossos interesses, mas tambm endossam nossas paixes, nossos cuidados, nossas
esperanas. O. Mannoni, estudando as reaes dos povos colonizados, dentro de
uma perspectiva freudiana, distingue uma lei no somente vlida para os povos
primitivos, mas que tambm inspira a propaganda poltica nas naes mais
evoludas: O chefe no verdadeiramente reconhecido como tal se o sdito no
tiver o sentimento (ilusrio, pouco importa) que ele o compreende, que
adivinha o que vai fazer, que agiria tal como ele (...). Um governo pode ter
certas qualidades ser honesto, clarividente, capaz ele satisfaz apenas
frao da populao que possui idnticas qualidades. Torna-se popular apenas a
partir do dia em que o homem da rua, incapaz de julgar dessa maneira, mas
impelido por sentimentos muito mais poderosos e muito mais obscuros, logra
colocar-se inconscientemene no lugar dele, at iludir-se e acreditar que o
governo age levado por sentimentos anlogos aos seus. Se essa identificao
impossvel, apesar de fcil em tempos normais, o governo torna-se, ento, o
objeto da projeo de todos os maus sentimentos e, pensa a massa, no pode
mais agir seno por maldade, por baixos interesses, traio,
imbecilidade(32). Todos os chefes de Estado esforam-se por obter essa
projeo da massa em relao sua prpria pessoa; alguns foram a adeso
popular usando processos lricos e quase medinicos, como Hitler; outros, como
Roosevelt e Churchill, ao familiarmente convidarem seus concidados a
compartirem os seus cuidados e as suas esperanas; recordamo-nos das famosas
conversas ao p do fogo, com que Roosevelt regularmente se dirigia pelo
rdio a cada americano como a um amigo que cumpria associar s suas aflies e
aos seus projetos. A argumentao do tipo Sou um dos vossos ou Colocai-vos
em meu lugar o recurso favorito dos estadistas nos pases democrticos(33).
Em circunstncias trgicas, essa projeo no tocante ao chefe favorecida
pela necessidade de procurar refgio junto a um pai que vos proteja; a
explorao desse sentimento constituiu a base da propaganda paternalista de
Ptain.
Essa funo potica e psicanaltica da propaganda pode conduzir s mais
nocivas perverses. Se no controlada, se pode dispor a seu modo de todos os
meios de difuso, tal propaganda, em breve, pretende impor a todos o seu
sonho, favorecendo-o a qualquer preo, isto , substituir em suas mincias a
realidade por outra a que os homens e os fatos devem submeter-se. Disso
decorre o uso corrente e de certa forma normal, da censura e da notcia falsa:
a censura, visando a interditar a difuso de notcias contrrias causa que
se defende e aos fatos que se pretende estabelecidos; a falsa notcia, cujo
alvo a. criao dos fatos que viro em apoio da tese sustentada, a partir de
um acontecimento real deformado ou at de uma ocorrncia forjada em todos os
seus aspectos. A propaganda de guerra, que inventou o bourrage de crne,
implantou nos costumes esse mtodo duplo de pocas difceis, quando os
governos julgam dever patritico servirem-se da informao como arma de guerra
entre outras. Depois, a censura oculta ou declarada continuou reinando
permanentemente sobre grande parte do mundo; quanto notcia falsa, foi
vergonhosamente empregada pelos hitleristas como instrumento de persuaso ou
de provocao. Ela, contudo, faz estragos regularmente na imprensa dos pases
democrticos, onde amide prefere o modo condicional ao afirmativo(34). A esse
respeito, os vespertinos fornecem um contingente dirio de especial
importncia.
Contra a notcia falsa, o desmentido, em geral, destitudo de fora, visto
ser muito difcil desmentir sem parecer defender-se como acusado, e acontece
que, quanto mais grosseira a falsidade da notcia, maior o seu efeito e mais
difcil se torna retific-la, porquanto o pblico procede naturalmente ao
seguinte raciocnio: no teriam ousado afirmar semelhante coisa se dela no
estivessem seguros. Hitler sabia que a credibilidade de uma mentira amide
aumenta em funo de sua enormidade: a mais descarada mentira sempre deixa
traos, embora reduzida a nada. Eis ai uma verdade sabida de todos os
diplomados na arte de mentir e que prosseguem no trabalho de aperfeio-la.
At que ponto a propaganda, ao truncar os fatos, ao invent-los e ao aplicar
truques, pode substituir a realidade? Essa uma questo a que os nazistas
deram uma primeira resposta: possvel fazer um povo viver em um universo
mitolgico inteiramente artificial, em um mundo sem relaes com o mundo real,
e que rompeu para sempre com os critrios de veracidade. A propaganda
hitlerista, ora inventando os fatos, ora interpretando-os, conseguiu
acompanhar toda a evoluo da guerra at no tocante aos acontecimentos que
lhes foram mais desfavorveis. Tomemos, por exemplo, a virada dessa guerra que
precisamente foi a mais trgica para a Alemanha, Stalingrado: em uma primeira
fase, a propaganda nazista realiza a entonao da vitoriosa marcha e Hitler
afirma que ocupar Stalingrado quando quiser; ao serem cercados os exrcitos
germnicos, Hitler proclama que a cidade cuja sorte est ligada da Alemanha
ser defendida at o fim; enfim, aps o aniquilamento dos exrcitos alemes,
no se trata mais da conquista nem da defesa de Stalingrado, transformando-se
em lendria epopia o intil sacrifcio de trezentos mil homens.
O uso da censura e a contrafao das informaes acabam, entretanto, por
voltar-se contra a prpria propaganda. Quando parece que uma propaganda
monopoliza a informao para dirigi-la a seu bel-prazer, produz-se uma reao
quase espontnea. Buscam-se novas fontes de informaes que no estejam
poludas ou permitam, pelo menos, ouvir o som de outro sino. Sob a casca
oficial da informao dirigida constitui-se, ento, uma rede clandestina de
informaes em que as notcias se transmitem de boca em boca. Existe a
necessidade de informar aos outros, aquilo que se ouviu dizer, necessidade
cuja funo social evidente em uma sociedade em que a transmisso de
notcias de boca em boca era o principal meio de informao(35). Parece que,
ainda recentemente, entre as populaes desprovidas de tcnicas modernas de
difuso, como na Lapnia e na Guiana, as notcias eram propagadas sem
discriminao e com grande fidelidade. O uso dos grandes meios de difuso,
contudo, embotou essa faculdade primitiva e deteriorou essa rede oral de
informaes, que outrora funcionava com relativa exatido, em virtude de uma
espcie de autocontrole espontneo. As notcias transmitidas fora do circuito
do Estado freqentemente se difundem em oposio s notcias oficiais:
apresentam-se, pois, marcadas de um certo coeficiente passional; por outro
lado, so exageradas conscientemente a fim de poderem lutar com a autoridade
de que dispem, apesar de tudo, a imprensa e o rdio e assim adquirirem
credibilidade. Conseqentemente, as informaes orais nas sociedades
civilizadas so em geral inexatas: rumores ou boatos absurdos que se
alastram tanto mais quanto o sistema de informao oficial persiste em
ignor-los.
Quando, por abuso de propaganda, se debilita a autoridade da informao de
massas, intensifica-se a circulao dos boatos, criando-se, por isso, quase
naturalmente, uma informao clandestina que proporciona atualidades de
sentido contrrio, mas (embora muitas vezes inconscientemente) to deformadas
e mentirosas quanto as da propaganda oficial. O excesso no uso dirigido da
informao suscita, por conseguinte, uma fora de sentido inverso, a qual,
apesar de menos poderosa, molesta consideravelmente a propaganda oficial e a
compele por vezes a procurar conciliao. Os prprios nazistas perceberam o
perigo: os alemes puseram-se a ouvir cada vez mais as emissoras estrangeiras;
mais ainda, essa audio, em determinado momento, tornou-se quase oficial por
meio de um boletim especial, reservado, de incio, aos altos funcionrios, mas
que, dentro em pouco, circulou em todos os departamentos ministeriais. No seu
Dirio, Goebbels mostra-se muitas vezes encolerizado contra a proliferao de
informaes transmitidas atravs de rumores e de boletins confidenciais.
Melancolicamente, chegou verificao de que, nos perodos agitados,
sempre necessrio estancar a fome de notcias, de uma forma ou de outra.
Goebbels mandava metodicamente recolher os boatos em circulao, e
organizava a contrapropaganda para neutraliz-los, seja por via oral, seja por
meio da imprensa, do rdio, do cinema ou ento apelava para testemunhos
estrangeiros, geralmente reprteres complacentes. Como, em casos tais,
multiplicavam-se as profecias, as predies e os horscopos, no hesitava em
fazer Nostradamus dar uma interpretao oficial favorvel aos desgnios do
Reich. Vejamos um exemplo particularmente notvel de seu virtuosismo: no fim
do vero de 1943, rumores pblicos difundiam a notcia da execuo de
numerosas altas personalidades do regime; Goebbels cobriu maior lano ao dar
s suas sees especializadas a ordem de disseminar os rumores de que o
prprio Himmler acabava de ser detido e julgado, o que causou grande sensao;
no momento oportuno, Himmler reapareceu em toda a parte, o que, como
contragolpe, arruinou todos os boatos difundidos nesse sentido. Era a
destruio de um falso rumor por outro rumor ainda mais falso, cuja fraude se
podia comprovar.
Todos os pases ocupados e submetidos propaganda totalitria do Reich
conheceram esse recurso macio ao rdio estrangeiro, s informaes
confidenciais e essa abundncia de boatos fantsticos, de narrativas
embelezadas, de profecias(36) e de horscopos.
Essa reao espontnea aos excessos da informao orientada no seno um dos
aspectos do descrdito que parece ter golpeado a propaganda, na medida em que
alargava seu poderio. Durante a guerra de 1914-1918, na frente, os soldados
cobriam de sarcasmos o Boletim dos Exrcitos. Os absurdos e os bourrage de
crne eram severamente julgados. A linguagem popular instrutiva: inventou
dois termos que figuraram entre os mais usados nos ltimos anos: baratin e
bla-bla-bla que traduzem precisamente o profundo desgosto pelos discursos de
propaganda. Esse desgosto no prprio somente dos indiferentes; segundo
parece, pelo menos na Frana, quanto mais um meio estiver sinceramente
convencido, tanto mais lhe repugna a propaganda exagerada ou enftica de sua
prpria causa. Ns mesmos pudemos observar entre os maquis que os jornais da
Resistncia e as emisses em lngua francesa da B.B.C. suscitavam menos
interesse que entre os simpatizantes nas cidades. Essa verificao levou um
oficial a difundir regularmente um boletim mimeografado(37) entre os maquis de
Vercors, o qual se limitava a dar uma idia sinttica da situao, partindo de
informaes captadas de todos os postos emissores do estrangeiro. Toda
inteno de propaganda estava ausente nessas snteses redigidas no tom severo
de uma explicao; se a esperana de vitria era sempre a afirmada, nem por
isso se dissimulavam os pontos negros da situao. Por vezes, esse boletim de
informao terminava com um anexo, em quadro sintico, que apresentava os
temas da propaganda nazista e vichysta, bem como os argumentos que lhes podiam
ser opostos. O efeito desse boletim sobre a moral dos combatentes clandestinos
foi muito superior ao dos jornaizinhos impressos pela Resistncia ou atirados
de pra-quedas pelos aliados.
Correspondia essa atitude a um sentimento profundo: grande parte da populao
europia, saturada de propaganda pelo nazismo, acabou por confundir todas as
propagandas e alimentar por todas a mesma averso. Tamanhas foram a
falsidade e a presuno da propaganda hitlerista que a melhor contrapropaganda
devia limitar-se a expor os fatos com simplicidade e franqueza. Churchill
compreendeu-o imediatamente, ajudado pelo trao esportivo do povo ingls,
revelando-se um poltico de gnio. Em vez de opor s perfdias hitleristas
boletins com o relato de vitrias imaginrias, sempre apresentou Cmara dos
Comuns relatos perfeitamente objetivos da situao, no ocultando sequer os
durssimos golpes recebidos pelas cidades inglesas nem as primeiras derrotas
dos exrcitos britnicos repelidos para o Egito. Em lugar da guerrinha
alegre, prometeu aos ingleses suor, sangue e lgrimas. Essa franqueza,
porm, fez mais que as fanfarrices. Um homem que no dissimula as debilidades
de sua causa, um homem que, chegado o instante, reconhece os erros e promete
remedi-los Lenin sabia-o e sempre praticou essa regra inspira mais
confiana que o mata-mouros repetidor incansvel de seus grandes feitos. Por
maior que tenha sido o xito da propaganda mitolgica do III Reich, no
esqueamos que algumas palavras simples e graves, um tom objetivo e absoluta
franqueza, fizeram mais que toda a bazfia para salvar a liberdade nos
sombrios dias do outono de 1940.
Nossa poca, que conheceu o fulminante xito de uma propaganda baseada na
mentira e no blefe, manifesta, ao mesmo tempo, os sinais da profunda
ineficincia dessa propaganda. Os discursos inflamados, os comunicados
mentirosos, as tiradas lricas, finalmente aguaram a sede dos fatos. O
prprio Goebbels se rendeu a essa realidade, ao escrever no seu Dirio: O
interrogatrio dos prisioneiros ingleses feitos em Saint-Nazaire(38) mostra
que eles do maior ateno s informaes que aos comentrios. Isso me leva
concluso de que devemos modificar inteiramente nossas emisses em lnguas
estrangeiras. Passou o tempo das longas declaraes. Mentiu-se tanto que a
verdade, em sua simplicidade e nudez, surge como a mais poderosa arma de
propaganda. Que se faa realmente o que se prometeu fazer, eis o que, por
contraste, se torna desconcertante. Goebbels admira-se desse mtodo singular
praticado em certos pontos da frente pelos soviticos: No setor da frente dos
grupos de exrcito do centro, entregaram-se os bolchevistas, por meio de
alto-falantes, a uma das mais estranhas propagandas: anunciam que atacaro
dentro de quatro dias. O inimigo j uma vez revelou suas intenes por essa
maneira e, efetivamente, atacou no dia designado. Ficamos perplexos diante
dessa excntrica concepo de propaganda, pois, ao agir assim, o inimigo
apenas logrou aumentar fortemente suas perdas. Na realidade, esse gnero de
propaganda nada tem de esquisito, foi at praticado habitualmente em seus
comeos, pelos bolchevistas que, consoante Ludovic Naudeau assinala no seu
jornal LEntente, agem em pleno dia, abertamente, audazmente, sem mastigar as
palavras, sem dissimular as intenes (...) indo sua propaganda at fixar, de
antemo, o dia em que pegaro em armas, o dia em que se apossaro do poder.
Predizer o que se far e faz-lo realmente , sem dvida nenhuma, a suprema
habilidade da ttica poltica; suscita isso uma impresso de segurana, de
fora irresistvel, que chega a paralisar o adversrio. Goebbels poderia notar
que esse mtodo de que tanto se admirava fora empregado por Hitler, que no
hesitara em desvendar em Mein Kampf os planos e astcias mais maquiavlicos.
Os povos amam sonhar, mas tambm chega um momento em que no querem. mais
ouvir histrias. Por toda a parte, a gente reclama fatos, nmeros,
testemunhos. O prprio estilo dos discursos e dos artigos despojou-se da
pompa, em busca de frases breves e decisivas, de frmulas diretas, de valor
mnemnico. Apressamo-nos em rejeitar, sem ler, uma brochura cuja apresentao
nos diz que cheira a propaganda. E quando somos enganados, o ressentimento
permanece vivo. Certas propagandas se enfraqueceram muito por terem sido
desmentidas por um fato: a propaganda anti-sovitica na Frana, por exemplo, a
qual, no contente de denunciar o regime da URSS, pretendia, antes da guerra,
que no tinha foras e que seus exrcitos desmoronariam ao primeiro ataque;
ora, o comportamento do Exrcito Vermelho desmentiu completamente semelhante
alegao.
Muitos sintomas indicam que grande parte das populaes europias manifestam
repulso por tudo quanto evoca a propaganda. O desgosto pela propaganda , por
certo, um dos fatores essenciais do absentesmo eleitoral. Fariam muito bem os
partidos polticos de no mais levar em conta indefinidamente a faculdade de
esquecimento das massas; tempo de lembrar-lhes que a propaganda no apenas
o enunciado de atraente programa sem contedo ou a prtica de habilidades
tticas, que os recursos da mentira acabam por se esgotar, que os mecanismos
psquicos mais bem montados se transtornam abruptamente e que, para ser
eficiente, uma verdadeira propaganda progride apenas passo a passo ou, por
outras palavras, que no avana na direo de novos objetivos a menos que os
ps estejam bem firmes no terreno j conquistado. A mentira, finalmente,
nociva propaganda; e se o mito lhe essencial, os fatos no o so menos.
Certamente os sucessos da propaganda so grandes na nossa poca. Mas
examinando-os de perto percebe-se que eles no podem ser separados de certas
condies de receptividade: misria, decepo, humilhao, esperana de
bem-estar ou de liberdade... Por mais eficazes que paream as tcnicas de ao
psicolgica, ns nos enganaramos imaginando que elas esto disposio de
qualquer aparelho, visando qualquer fim. preciso um contedo poltico e uma
ressonncia na populao.
Propaganda uma das palavras mais desacreditadas da lngua. O uso que dela
os nazistas fizeram, habituou-nos a considerar a propaganda como um mtodo de
perverso e de mentiras. No fundo, essa reao s. Mas a conseqncia de
temer: a propaganda, funo poltica natural, torna-se acanhada; ela
refugia-se na informao, esconde-se por detrs das notcias e das
estatsticas. Nenhuma pessoa quer ouvir falar de propaganda: faz-se
documentao, informao e reportagem. A propaganda cada vez menos
potica e cada vez mais estatstica. Uma tabela numrica ou um despacho
telegrfico podem mentir tanto quanto um discurso, e a fa1sicao
freqentemente mais difcil de desvendar. Assinala-se a este propsito que, em
nossos dias, quando bastam algumas horas para um telegrama ou at uma
fotografia fazer a volta do mundo, torna-se praticamente impossvel conhecer a
verdade acerca das mais importantes questes. Tal como ao tempo da Idade
Mdia, escutamos avidamente o viajante de retorno do Oriente ou da Amrica
para saber o que realmente se passa. Os meios de informao, estejam em
poder de foras estatais ou de potncias do dinheiro, veiculam, como secreto
veneno, uma propaganda que no ousa declinar o nome a ponto de um autor
ingls, C.F.E. Lamley, definir a propaganda como uma excitao essencialmente
dissimulada; e essa propaganda, embora menos violenta que a atrevida
propaganda do Dr. Goebbels, com o tempo perverte os espritos, divide-os,
desampara-os, tira-lhes a possibilidade de se unirem em torno de uma realidade
comumente admitida, e de obterem a necessria referncia constante acerca do
mundo exterior a fim de formar seu juzo e situar sua ao.
Para remediar essa sorrateira perverso dos canais de informao, cumpriria
separar logo a funo de propaganda da funo de informao. No estado atual
do mundo , por certo, difcil um estatuto universal de informao e uma
autoridade internacional com o poder de verificar os fatos contestados e de
desmentir publicamente as notcias falsas. nessa direo, pelo menos, que se
deveria avanar, primeiro em escala nacional, mediante elaborao de um
estatuto dos meios de difuso, capaz de garantir a integridade da informao.
De qualquer modo, deplorvel a ambigidade nessas matrias. A propaganda
necessria e acreditamos que um partido ou um governo podem desenvolv-la sem
precisar recorrer mentira. Contudo, no devemos mais permitir que a
propaganda se dissimule por detrs da informao e a corrompa.
Em verdade, essa distino entre a propaganda e a informao torna-se cada vez
mais rdua, em virtude de estar o mundo talhado em dois blocos. Do lado
sovitico, rigorosa censura retira todo meio de contato com o Exterior:
jornais e filmes estrangeiros no penetram seno em pequeno nmero e
rigorosamente selecionados; as informaes e os. comentrios so orientados em
idntico sentido pelas palavras de ordem do Estado e do Partido; a literatura,
a educao, o cinema, as artes plsticas, a prpria cincia apoiam-se em uma
s doutrina e so igualmente empregadas na propaganda. Do lado americano, a
circulao das informaes , por certo, muito mais livre, e a censura
aparentemente no existe. A opinio, entretanto, a talvez mais dependente
que alhures dos instrumentos de difuso destinados s massas; e esses,
governados pela lei do lucro, tm a tendncia de lisonjear o gosto das massas,
orientando-as no sentido de seus preconceitos. Seguramente, as informaes so
fornecidas em grande nmero e nenhum controle de Estado interfere para
det-las ou deform-las. Mas, justamente, so elas to precisas e to
minuciosas que ningum tem tempo de l-las, convindo, para a comodidade do
leitor, resumi-las. Uma vez admitido esse principio, tentador seguir a
tendncia natural do pblico para a simplificao, sendo suficiente dar-lhe
ttulos, tanto quanto possvel barulhentos e significativos, isto ,
demaggicos; da a cair em uma propaganda pura e simples, no h mais que um
passo, sempre a ponto de ser vencido(39). Se acrescentarmos que certas
cadeias de jornais e revistas esto ligadas a interesses financeiros,
compreende-se que a tambm a seleo de notcias manifeste seu efeito de
propaganda, embora de maneira menos radical e mais sutil.
Em uma tal situao, torna-se sempre mais penoso isolar a propaganda poltica.
Podemos, at, perguntar-nos se ela no tende a desaparecer em proveito de uma
espcie de propaganda de civilizao. uma concepo total da vida que cada
um dos dois campos procura estender, seja por intermdio da arte, do cinema,
da literatura, seja por meios de expresso propriamente polticos. Ao
realismo socialista, literatura de partido, a todos os veculos da
doutrina marxista, se opem os filmes de Hollywood, os digests(40), a
imprensa sentimental, certos tipos de romances populares, os quais transmitem
no uma doutrina caracterizada, mas um s estilo de vida, uma mentalidade
comum.
No poderamos dissimular os gravssimos perigos resultantes dessa
contaminao de todos os meios de expresso por uma propaganda oculta ou s
claras. Grupos de povos tendem, assim, a isolar-se em mentalidades
heterogneas, a suprimir todo ponto comum, toda compreenso e at todo
conhecimento da mentalidade adversa. Ao agir dessa forma, as propagandas criam
o clima psquico propicio ao irrompimento de guerras.

CAPTULO VII
Opinio e propaganda

preciso, em face das razes que acabamos de dar, condenar a propaganda no


seu conjunto? Preocupados em compreender-lhe as diversas manifestaes, mas
tambm as mais agudas, ainda no versamos a questo fundamental de suas
relaes com o ser humano que ela pretende influenciar. Cumpre indagar agora
em que medida a propaganda a violao psicolgica, de que o nazismo nos
deu trgico exemplo, e qual seria impossvel o indivduo resistir. Em suma,
resta-nos situar o indivduo em relao propaganda, sua receptividade e suas
possibilidades de defesa.
Desde j, admissvel o prprio desgnio de influenciar a opinio em um
sentido determinado? Muitos julgam suficiente confiar no bom senso da
opinio individual judiciosamente esclarecida. Cada qual que opine por si
mesmo, sendo provvel que esse parecer alcance a realidade objetiva, caso
presses exteriores no venham interferir para frustr-la... Essa confiana na
sanidade natural da opinio uma tese freqente, particularmente entre os
tericos polticos anglo-saxes. Podemos responder desde j com o grande
publicista Walter Lippmann, ele mesmo norte-americano, que sem embargo de
acentuar-se a liberdade dos cidados, essa de nenhum modo constitui uma
garantia de objetividade na opinio pblica moderna (...) porquanto essa
opinio, na realidade, toca um mundo desconhecido. certo que a complexidade
de numerosos problemas econmicos e sociais ultrapassa a compreenso da
opinio pblica. Todavia, questes to pouco acessveis como o balano
nacional, a relao entre os salrios e os preos, o equilbrio demogrfico,
sempre determinam no mais alto grau a vida poltica real de um Estado moderno.
As realidades estrangeiras freqentemente apresentam ainda maiores
dificuldades de apreciao. No s por tratar-se de pases cuja mentalidade
primeira vista parece esquisita, cuja histria e lngua geralmente so mal
conhecidas, mas porque a batalha das informaes, a adulterao das notcias e
a censura contribuem para difundir a obscuridade e a aumentar a incompreenso.
O indivduo, portanto, tem bastante trabalho para formar uma opinio. ,
alis, raro que procure realmente ser levado a um julgamento autnomo. At em
domnios acessveis, ele principia por procurar referncias no grupo social em
que vive, no seu jornal, entre os parentes e amigos. Os trabalhos dos
socilogos vieram evidenciar o aspecto coletivo da opinio, a ponto de Jan
Stoetzel ter chegado a uma definio que elimina todo elemento pessoal de
julgamento e reala o fenmeno puramente social:
Opinar , para o indivduo, situar-se socialmente em relao ao seu grupo e
aos grupos externos. Portanto, no somente legtimo, mas recomendvel,
interpretar o significado de sua opinio em relao opinio comum.
o que os investigadores fazem quando de suas sondagens tiram uma mdia
estatstica, que julgam representar a opinio pblica acerca deste ou daquele
assunto. Essas sondagens, entretanto, dificilmente atingem a opinio de um
indivduo comprometido em um grupo, mas, de preferncia, uma opinio j
abstrata, visto ser artificialmente constituda e situada de improviso no
plano nacional ou internacional. A sondagem da opinio tira a mdia do que j
uma mdia. Da sua limitao e suas possibilidades de erro. Com efeito, a
opinio em bruto surge no nvel do grupo dentro do qual o indivduo opina;
mas, como esses grupos ordinariamente so mltiplos (famlia, sindicato,
partido, clube e outros), o indivduo pode emitir opinies diferentes nesses
diversos nveis e por vezes at opinies contraditrias. Salvo em momentos de
crise em que se aglutina uma opinio partidria (crise poltica ou revoluo)
ou uma opinio nacional (guerra estrangeira), a opinio individual situa-se em
torno da mdia das diversas opinies ou de esboos de opinies mais ou menos
solidamente formadas no nvel dos diversos grupos sociais; por vezes, essa
mdia no atingida e a opinio individual oscila entre as vrias atitudes
que lhe so sugeridas.
Sabemos que, para Freud, no h instinto social primrio: o mundo do
indivduo circunscreve-se a um pequeno grupo de homens que aos olhos dele
adquiriram considervel importncia. Isso confirmado por Gallup: A
tendncia da maioria de acompanhar aquilo que os psiclogos chamam impresso
da totalidade (impression of universality), deve ser interpretada como a
tendncia de seguir, no a opinio da nao em conjunto, mas do pequeno grupo
ntimo que representa o mundo bem delimitado do eleitor(41). Essa tendncia
de opinar com o grupo foi batizada pelos psiclogos com o nome de
tipicalidade. Um indivduo tpico quando se rene naturalmente opinio
mdia do seu grupo; atpico, ao contrrio, quando rejeita essa opinio.
Ora, posta de lado certa proporo de tpicos e de atpicos absolutos,
isto , de homens que regularmente admitem ou rejeitam a opinio do grupo em
que se encontram, tipicalidade e atipicalidade no esto repartidas
regularmente. Alguns podem ser tpicos em certos grupos e atpicos em outros.
Um moo burgus, por exemplo, convertido ao comunismo, ser atpico em sua
famlia, com a qual entrar em conflito, mas ser perfeitamente conformista,
tpico, em seu partido. Ou ento aquele que se mostra patrioteiro e belicoso
na Associao de Ex-Combatentes tornar-se- antimilitarista na fbrica.
A opinio formada no nvel de um grupo consideravelmente modificada pela
perspectiva prpria desse grupo. O grupo reage com excesso, no sentido da
superestimao ou da subestimao, segundo seu prprio interesse, sua
mentalidade, sua tradio; o que Alfred Sauvy chama de desvios ticos da
opinio. Disso nos d brilhante ilustrao ao referir-se margem que separa o
ndice psicolgico do ndice real do custo de vida, e sobretudo ao confrontar
as variaes que atingem esse ndice psicolgico em funo de diversos grupos.
sociais: uma questo apresentada em maro de 1947 pelo Instituto Francs de
Opinio Pblica: Acha voc que, no conjunto, so os preos industriais ou os
preos agrcolas que sofreram a mais importante alta, depois da Libertao?
foi respondida da seguinte maneira:
Resposta dos LavradoresRespostas dos meios ruraisRespostas dos meios
urbanos
(cidades de mais de 2.000 habitantes)
Foram os preos agrcolas25%38%60%
Foram os preos industriais58%43%25%
Sem opinio17%19%15%

O exame desse quadro mostra que as respostas dadas pelos cultivadores e pelos
citadinos foram quase inversamente simtricas, ao passo que as respostas dos
meios rurais representaram pouco mais ou menos a mdia.
V-se, pois, que a opinio, de um lado, no tem esse carter original,
autenticamente pessoal, que alguns lhe conferem mas que relativa a um grupo
ou a muitos grupos e, de outro lado, que no reflete naturalmente a
realidade e sim, ao contrrio, dela nos d uma imagem deformada pelos
interesses comuns ao grupo, quer interesses de classe, quer interesses
profissionais, quer interesses nacionais. Agir sobre a opinio no , pois,
usurpar injustamente a autonomia pessoal; influir sobre foras coletivas,
resultantes de presses sociais e nas quais o indivduo no est seno
secundariamente empenhado. Agir sobre a opinio no forosamente deformar a
verdade: modificar uma viso que, de ordinrio, j se afastou bastante da
realidade, talvez a fim de reaproximar-se dela. Isso suficiente para
justificar, seno todos os seus modos de aplicao, pelo menos- o projeto de
propaganda.
Podemos, agora, procurar em que medida o indivduo suporta a propaganda e que
possibilidades guarda de rejeit-la. Sob esse aspecto, as experincias
aparentemente so contraditrias. A formidvel propaganda nazista assegurou a
vitria de Hitler, no s entre o seu povo, mas, durante algum tempo, muito
alm de suas fronteiras. O regime hitlerista manteve-se at que o Fhrer
desaparecesse na fogueira da Chancelaria e a propaganda foi, indubitavelmente,
o cimento dessa extraordinria coeso. Entretanto, a propaganda hitlerista,
sem embargo de sua perfeio tcnica e seu arranjo diablico, sofreu derrotas.
A mais caracterstica foi-lhe infligida pelo jovem lder da Frente de Bronze
de que Tchakhotine nos transmitiu a comunicao. Vimos como, por ocasio das
eleies de 1932, ele organizou na ltima hora, mas com o mximo cuidado,
campanhas de propaganda em algumas circunscries do Hesse. Essa mobilizao
de propaganda conseguiu o recuo do nazismo nos lugares onde foi desfechada.
Essa clebre experincia reconfortante: prova que uma propaganda, por
poderosa que seja, e usufruindo um juzo antecipado de vitria, pode ser
paralisada por uma propaganda bem organizada de sentido contrrio. Em
decorrncia, nenhuma propaganda, at a hitlerista, invencvel, se encontra
pela frente outra propaganda. Essa verificao destri a crena na onipotncia
de certas propagandas, sob a alegao de ser impossvel esquivar-se-lhe.
provvel que, se fosse possvel estender a toda a Alemanha a experincia
tentada no Hesse, a vaga hitlerista teria refludo e outra seria a histria do
mundo.
Essa experincia, entretanto, se prova que nenhuma propaganda por si s
invencvel, parece demonstrar a impotncia da propaganda como tcnica(42).
Parece, pois, que a propaganda poltica, manejada judiciosamente, alcana
rendimento certo e at calculvel como o rendimento de uma publicidade. Essa
concluso abre amedrontador horizonte: se realmente possvel preparar a
opinio e conquist-la por meio de uma campanha bem conduzida, porque a
opinio poltica sobre a qual as democracias se baseiam, to superficial e
volvel quanto o sentimento que compele um cliente a deixar uma marca de
dentifrcio por outra, mais perfumada ou de melhor apresentao Parece que se
essa concluso se verificasse, no subsistiria nenhuma justificao para os
regimes parlamentares.
No julgamos admissvel esse relativismo total da opinio poltica Certamente
para retomar o exemplo de Hesse provvel que, se a campanha da Frente de
Bronze no tivesse ocorrido, a maioria desses sufrgios seria dado ao nazismo,
conforme demonstram os resultados obtidos no resto da Alemanha. Entretanto, se
nos referirmos ao nmero de habitantes das circunscries em questo,
perceberemos que os ganhos foram muito limitados (entre 0,91% e 4,10%).
Ademais, nada prova que esses sufrgios provenham de nazistas convertidos por
esta sbita propaganda. Sem nenhuma dvida, tratava-se mormente de indecisos
que foram arrastados a votar nos socialistas porque a propaganda lhes fez
sentir que no seriam os nicos a faz-lo, mas tambm porque ela os convenceu
de que esse voto correspondia ao seu profundo sentimento ou pelo menos seria a
melhor aproximao. Os titubeantes raramente so indiferentes; so homens que
tm opinio divisvel, isto , oscilam segundo a presso dos diversos grupos
aos quais pertencem. Na ocasio, a campanha de propaganda da Frente de Bronze
tinha por primeiro alvo evitar em razo de sua prpria existncia e de seu
clima de fora que a presso se exercesse de um s lado, em beneficio do
partido nazista. Longe de violentar o eleitor, ao contrrio, restabelecia as
condies para uma eleio livre. Alm disso, tinha por segundo alvo levar os
indecisos a penderem para o lado dela, mediante demonstrao visando a
convenc-los de que suas aspira6es caminhariam bem nesse sentido.
Enfim, ainda uma vez, considerar-se- que a propaganda ineficaz pelo menos
enquanto no nica, totalitria se ela no encontra um terreno favorvel.
Na Alemanha de 1932, e geralmente em todos os pases, as classes mdias, novas
camadas sem tradio e sem insero definida, so mais permeveis propaganda
que as outras classes sociais; ameaadas pela misria e a proletarizao como
eram ento na Alemanha, elas formavam uma massa particularmente instvel, que
se deixou envolver com facilidade pelos slogans hitleristas.
A opinio tem suas amarras que a ligam ao mesmo tempo ao grupo e ao indivduo.
Ela resiste tanto melhor quanto ligada a um grupo mais estruturado. Mas
existe tambm, por baixo da opinio recebida, superficial e mutvel, uma
opinio profunda, que, inconscientemente, no insensvel aos contragolpes
da presso de grupo, embora automaticamente unida pessoa, ao seu
temperamento, sua experincia, s suas crenas religiosas e filosficas,
sua vontade prpria. Procurou-se explicar e justificar de muitas maneiras o
revs do inqurito Gallup que, por ocasio das eleies presidenciais nos
Estados Unidos em novembro de 1948, previra 44,5 % dos votos para Truman, ao
passo que teve mais de 50%. Seu competidor, Dewey, beneficiara-se de forte
campanha de imprensa e geralmente era considerado vencedor, embora a
impresso de totalidade normalmente devesse favorec-lo. Ora, ele foi batido.
Falou-se de uma reviravolta de ltima hora da opinio pblica. Falta explicar
o porqu dessa reviravolta. No o justificando nenhum acontecimento de
envergadura, preciso supor que aqum das razes que levavam os eleitores
interrogados por Gallup a responder que votariam em Truman ou em Dewey,
existia uma razo mais profunda, embora no formulada, surgida no ltimo
momento sob influncias, reflexes, fatos primeira vista insignificantes. A
sondagem Gallup no podia tornar patente esse ncleo pessoal da opinio.
Dificilmente as sondagens podem ultrapassar a esfera sociolgica da opinio
clara, manifesta, que forosamente no aquela que surgir no dia do
escrutnio ou no momento de uma crise. exato que, nessa esfera, segundo a
definio de Jean Stoetzel, opinar para o indivduo situar-se socialmente
em relao ao seu grupo e aos grupos externos mas apenas nessa esfera,
parecendo-nos excessivo atribuir opinio uma definio cujos limites so os
de um mtodo de investigao.
A opinio individual no somente esse campo fechado dos socilogos, no qual
se joga uma espcie de partida de pelota entre os diversos grupos, que passam
a bola entre si; a opinio no experimenta s uma circulao lateral, mas
tambm uma circulao vertical e, por mais que ela se integre na pessoa, h
uma dinmica da opinio que sempre se opor a que a sua importncia seja
inteiramente mensurvel e sua expresso matematicamente previsvel.
Uma das funes essenciais da propaganda operar esse surgimento da opinio
profunda, essa passagem do oculto ao explcito, da veleidade tomada de
posio, essa crena de que um homem e um programa representam melhor ou
menos mal aquilo que se deseja interiormente e que, em conseqncia, preciso
votar neles. Essa funo exerce-se sobre enorme massa de indecisos, dos que
procuram adquirir uma convico. raro que esses indivduos sejam
absolutamente indiferentes. Quase sempre existe entre eles um modo de ver mais
ou menos inibido por razes de ordem pessoal ou social, uma opinio latente
que cabe propaganda despertar e magnetizar. Ela no procede ex nihilo. Como
vimos ao estudar a lei de transfuso, ela constri sobre uma plataforma
previamente existente; parte de uma idia, de um sentimento, de uma simples
palavra, amorosamente formados no corao daqueles por ela solicitados.
O estmulo que proporciona , s vezes, mnimo, mas basta para transformar
inteiramente uma atitude poltica, porquanto atinge principalmente um setor de
opinio ambivalente, que tambm pode ser conduzido a atitudes opostas. No
livro Le Pouvoir et lOpinion, Alfred Sauvy, ao analisar as atitudes de
derrotismo e de coragem, discrimina cinco variantes:
l Trabalhar para a derrota;
2 Aguardar a derrota e regozijar-se eventualmente, sem todavia trabalhar por
ela;
3 Temer a derrota, sem resistir a esse sentimento;
4 Combater o medo da derrota e alimentar a esperana;
5 No considerar nenhuma possibilidade de derrota.
No tocante aos grupos 1 e 2, tendo as propagandas adversrias que lidar com
indivduos convictos, exercero cada um por sua conta apenas uma ao
mantenedora. No pertinente ao grupo 2, a propaganda inimiga poder atingi-lo
mais, experimentando lev-lo do sentimento ao ato, de uma esperana
inconfessvel a uma traio declarada; do mesmo modo, a propaganda amiga
experimentar unir o grupo 4 ao grupo 5 e transformar seus partidrios em
fanticos. Ser, contudo, o grupo 3 que oferecer um terreno preferencial s
propagandas; aqueles que receiam a derrota, mas no rechaam essa idia, so
igualmente vulnerveis: seja propaganda inimiga que visa ao segundo aspecto,
o sentimento da possibilidade da derrota, e procura convert-lo no sentimento
da fatalidade da derrota; seja propaganda amiga, que objetiva o primeiro
aspecto, o medo da derrota, e procura transformar esse medo na deciso de
defender-se sem espirito de recuo.
V-se, pois, o papel essencial da propaganda sobre certas zonas mveis da
opinio, amide as mais amplas. Compreende-se, por isso, que em pocas de
crise, a propaganda possa fazer balanar de um a outro extremo essas massas
instveis. Essa ambigidade da opinio estava particularmente disseminada na
Alemanha na poca em que se desenrolava a experincia por ns mencionada e
onde milh6es de homens tinham de escolher entre a soluo socialista e a
soluo nazista e, no fundo, o fizeram pelas mesmas razes: o sentimento de
que se impunha sair da crise, do bloqueio interior e exterior da situao,
reabsorver os desocupados, achar uma sada para a Alemanha.
Essa massa indecisa, embora caracterizada por uma s tonalidade de opinio,
evidentemente no forma um grupo definido, O papel da propaganda submet-la
influncia de um grupo ativo. Essa influncia pode ser mais ou menos forte.
Para desencadear e sustentar uma campanha de opinio, comum a constituio
de associaes, de comits, de ligas, que visam alvos de poltica interna ou
externa e, por meios diversos, fazem presso sobre o Parlamento e o Governo:
campanhas de imprensa, conferncias, reunies pblicas, peties etc. Umas
representam interesses profissionais mais ou menos camuflados; outras visam
fins patriticos, culturais, religiosos, internacionalistas. O nmero delas
considervel e sua influncia no deve ser descurada. Ao passo que esse tipo
de ao, nos pases latinos, comumente permanece confinado em crculos
estreitos e, por vezes, se exerce subterraneamente, ele muito mais vistoso e
popular nas naes anglo-saxes, onde a funo da propaganda no , tanto
quanto entre ns, assumida pelos partidos polticos. Assim, os comits de
sufragistas, por exemplo, conseguiram, aps tenazes e s vezes turbulentas
campanhas, obter o voto feminino. Nos Estados Unidos, tais grupos, ao lutarem
pelo triunfo de uma idia ou de um homem, comeam por criar as condies
sociolgicas para o xito; os processos empregados relembram algumas vezes o
lanamento de uma moda, a criao de um esnobismo mais que uma campanha de
propaganda de estilo europeu. Esses ncleos de influncia certamente tm uma
eficincia propagandstica superior das grandes mquinas polticas. A fim
de lanar o New Deal, Roosevelt criara uma organizao especial e apelara para
todos os recursos de propaganda. Um. milho e quinhentos mil propagandistas
voluntrios foram rapidamente instrudos, munidos de documentao e
condecorados com a insgnia simblica da guia azul; um cortejo de duzentos e
cinqenta e cinco mil guias azuis desfilara em Nova Iorque, em 14 de
setembro de 1933, escoltado por duzentas orquestras.
Essa influncia, de um tipo assaz prximo da publicidade, pode ser substituda
pela ao mais brutal da multido. A multido constitui um grupo artificial em
que, provisoriamente, se renem os membros de grupos diversos: um comcio, um
desfile, segundo vimos, podem atrair os passivos, mas essa influncia, embora
exaltante, raramente durvel, salvo se a excitao da turba se repete com
regularidade e se torna obrigatrio, segundo a prtica em que o nazismo se
distinguiu. Com efeito, retornando o indivduo vida normal, ficar de novo
sujeito influncia da famlia, dos amigos, dos companheiros de trabalho e
outras. Constituem essas diversas influncias o obstculo primordial ao
desenvolvimento ilimitado de uma propaganda. Vimos que um indivduo pode ser
tpico em um grupo, atpico em outro ou at tpico em dois grupos de opinies
opostas.
Esbarra, pois, a propaganda em tipicalidades contrrias, podendo malograr se
no consegue criar e fortalecer aquela de seu grupo, isto , criar seu prprio
conformismo de pensamento e atitude. Assinalou-se muitas vezes que a intensa
campanha movida contra a reeleio de Roosevelt pela grande maioria da
imprensa americana no chegara a influenciar os eleitores. Em escala menor,
existe na Frana uma regio em que, por razes locais, o jornal comunista o
mais difundido e, no obstante, a populao, na maioria catlica, vota no
M.R.P., o que prova que a influncia do jornal no logrou romper a coeso do
grupo religioso.
Esse pluralismo das influncias sociais, que Durkheim denominou
entrecruzamento de grupos, o principal entrave ao triunfo da propaganda
totalitria. Essa apoia-se em um nico grupo, o partido governamental; quanto
aos demais grupos, so suprimidos ou de preferncia, so ligados ao partido
nico, de sorte que a influncia deles, em lugar de contrariar a do partido
nico, passa a exercer-se em sentido anlogo reforando-a. Certas comunidades,
cuja estrutura e tradio as tornam impermeveis propaganda nica, so
dissolvidas (associaes religiosas, conventos, lojas manicas, certas
corporaes profissionais, de estudantes etc.); outras, arriscando-se a
exercer o papel de biombo, mas cuja feio natural as torna necessrias, so
reduzidas a uma existncia mnima ( o caso sobretudo da clula familiar);
outras, enfim, simplesmente so anexadas (sindicatos, associaes culturais,
movimento da juventude). Quando passa a reinar o grupo nico, cuja presso
ainda reforada pela presso convergente dos grupos secundrios subordinados,
torna-se difcil ao indivduo resistir propaganda.
A opinio individual no pode manifestar-se e expressar-se seno em uma certa
esfera social, cuja fora lhe serve de cobertura. Percebemos, aqui, a razo
profunda da lei de unanimidade e do clima de fora: no tanto o prazer
de dar demonstraes de fora e de entregar-se a grosseiras manifestaes de
violncia, mas a necessidade de manter uma esfera de expresso visvel, um
campo social de que a opinio carece para afirmar-se. A democracia, cujas
definies idealistas so inmeras, repousa em um equilbrio de foras.
Tambm no, seria correto fazer abstrao dessas foras. No jogo de
influncias a que a opinio pblica est submetida e na maneira pela qual
reage, entram fatores individuais e sociais. certo que a propaganda
clandestina da Resistncia Francesa no tomou grande impulso seno quando a
potncia militar dos aliados, por sua vez, Se afirmou. Tinha ela, entretanto,
comeado imediatamente aps a derrota, sem esperar que existissem as condies
da Libertao. Certo nmero de homens, apoiados nas tradies religiosas,
nacionais, polticas, familiares, evitaram mergulhar no desespero e tomaram a
si a tarefa de propagar sua f ao mesmo tempo que forjavam um instrumento de
luta.
A propaganda hitlerista na Frana esbarrou em duas espcies de resistncia:
uma, espontnea, antes de tudo individual, reao de patriotismo, de honra, de
f poltica e humana, favorecida pelo no-conformismo tradicional do
temperamento francs, ao qual exasperam a disciplina e a coao; outra,
organizada, constituda pela propaganda e pela ao dos movimentos
clandestinos: uma tipicalidade freqente na Frana moveu ao nazismo uma
oposio de sentido idntico ao da tipicalidade que os movimentos de
Resistncia estimulavam ao corporificar sempre mais o dever patritico e a
esperana da vitria, e criando em seu proveito a impresso de totalidade.
Mas, sem uma fora organizada, sem poderosa contrapropaganda, a soma das
reaes individuais, dos descontentamentos dos no-conformismos, no teria
oposto ao inimigo seno uma multiplicidade de pontos de apoio rapidamente
ultrapassados, e no uma linha de frente contnua.
A propaganda, por conseguinte, exerce sobre a opinio funo dupla: maiutica
e protetora. Ela suscita a opinio individual e a impele a expressar-se
publicamente; protege essa expresso criando as condies lgicas, psquicas e
sociais de uma opinio coletiva, sedutora, segura de si mesma. Essa dupla
funo pode ser assumida de maneiras muito diferentes. A propaganda hitlerista
conquistava e aglutinava os indivduos pelo mito, pelo apelo s foras do
inconsciente, pelo terror, e modificava a estrutura social a fim de suprimir
os obstculos que tolhiam sua expanso. Outras agem pela explicao racional e
pela exposio dos fatos, sem renunciar, entretanto, ao mito que forosamente
se manifesta em todos os nveis da propaganda nem que seja apenas o prprio
mito da opinio pblica.
Lamartine profetizara a era das massas. Le Bon acreditava na era das
multides e Tarde, na era da opinio pblica. Nossa poca tudo isso: era das
massas, arrastadas pelas seitas dos agitadores, segundo os preceitos
leninistas aglutinados pela magia hitlerista em multides delirantes
diludas em uma opinio pblica passiva e amorfa, impregnadas dos produtos
digestveis da tcnica americana. Em todos esses casos, a propaganda rebenta
sobre coletividades desfibradas. Se for preciso resistir-lhe, s o poder ser
no clima de uma trgica solido, ou bem arrimados a comunidades de vocao e
de vontade. A era das massas tambm a era do homem solitrio. No
impossvel que, um dia, lhe suceda uma era de conventos, de comunidades e de
ordens monsticas.

CAPTULO VIII
Democracia e propaganda

As inauditas possibilidades da propaganda poltica fizeram e fazem pesar sobre


o mundo espantosa ameaa. J apareceram verdadeiras epidemias psicolgicas
conscientemente provocadas; engenheiros de almas j fabricaram em srie
indivduos de mentalidade teleguiada. A moderna psicagogia substituiu os
artifcios e as sutilezas dos demagogos de todos os tempos por uma estratgia
de massas que, segundo a expresso de J. Monnerot, amplia as operaes
combinadas para dimenses invisveis.
Era das massas? perguntamo-nos. Sim, porquanto a propaganda feita para as
massas. Mas, tambm, cada vez mais permite dispens-las e reduz a
espontaneidade do concurso por elas prestado. Por detrs de um smbolo,
multides e exrcitos pem-se em movimento; o tema de um editorial d a
milhes de homens, e no mesmo dia, um nico e conveniente modo de pensar. Uma
seita que se tenha apossado das estaes de rdio e das oficinas de imprensa,
tem sua disposio poderosssimos meios de influenciar as massas e pode, da
em diante, falar e agir em nome dela. A influncia potencial das massas, por
certo, aumentou. Mas a influncia real delas? No precisamente a propaganda
poltica o instrumento de eleico que, nas mos da potncia estatal ou das
potncias do dinheiro, permite neutralizar essa influncia, entorpec-la e
explor-la em proveito prprio?
Em famosa antecipao, A. Huxley traou uma stira dos espritos
pr-fabricados: desde o nascimento, a criana condicionada por
alto-falantes, dirigidos para seu inconsciente, depois pela escola e pela
sociedade que a orientam infalivelmente para o compartimento que lhe
destinado. Ele pregou a educao contra a propaganda: a formao de espritos
dotados do poder de escolha, de homens conscientes e responsveis. Contra a
invaso da mentira e do mito cumpre erguer e fortificar a faculdade de
rejeitar sem a qual no existe moral e muito menos inteligncia, Descartes o
mostrou: a faculdade de suspender o juzo, para examinar, para subtrair-se ao
preconceito embora seguido por cem milhes de homens a faculdade de
resistir ao devorador apelo dos mitos, encantadores refgios, substituindo
para cada um de ns a grandeza conquistada pela grandeza anunciada, o esforo
interior pelo servilismo confortvel(43).
A liberdade no ensinada, mas a educao a predispe. A liberdade, como
todas as coisas humanas, no funciona validamente seno sobre um fundo de
hbitos adquiridos. Para completar nossa anlise do condicionamento, preciso
aduzir esta outra experincia: os animais de Pavlov so tanto mais receptivos
quanto mais tempo tiverem sido habituados ao servilismo assim os cachorrinhos
educados na priso; em compensao, tanto mais refratrios sero, quanto mais
livremente tiverem vivido, e o reflexo da liberdade neles ser mais
desenvolvido. A doena totalitria no est fora do homem e nenhuma tcnica
mais bacilar que outra; ela est no homem e a que cumpre trat-la, no
preparando autmatos e sim cidados responsveis.
Precisamente aqui, a propaganda pode ajudar o esforo dos cidados a retomar o
controle da vida poltica e a rejeitar as mistificaes que agora proliferam
no nvel de todos os sistemas e de todos os regimes. Em um Mmoire
confidentiel(44), publicado durante a ocupao, Francisque Gay expressava a
convico de que uma certa propaganda a servio de um ideal de liberdade pode
contribuir poderosamente, sem dvida, a devolver-nos o sentido das disciplinas
necessrias mas, ao mesmo tempo, a prover-nos dos meios de resistir ao assalto
das foras, niveladoras. Deploravelmente, as democracias no souberam
inventar a tempo essa propaganda; no ofereceram ideologia conquistadora do
fascismo qualquer resistncia organizada, at que a guerra as compelisse
mobilizao da energia psquica como das demais. Contentemo-nos em evocar o
sombrio comeo de 1939 e a putrefao da drle de guerre(45). Foi apenas sob a
presso das grandes derrotas que a maior parte dos homens compreendeu a causa
pela qual tinham sido chamados s armas.
Iremos mais longe: os que pretendem servir democracia e sistematicamente se
recusam a recorrer propaganda contradizem-se plenamente. No h verdadeira
democracia seno onde o povo mantido informado, onde chamado para conhecer
a vida pblica e dela participar. A democracia total, a democracia
simplesmente, demanda ampla, amplssima difuso dos conhecimentos; o soberano
deve ser esclarecido. No se trata unicamente de instruo, de formao
intelectual, mas, tambm, de conhecimento dos negcios pblicos. Em lugar
disso, segundo assinala Alfred Sauvy, autor dessas linhas, os governos
geralmente mantm a nao afastada dos negcios de Estado, conforme o seguinte
princpio ironicamente expresso por Valry: a poltica a arte de impedir
que nos envolvamos naquilo que nos diz respeito. O segredo que governa as
empresas capitalistas tambm parece ser a regra no concernente aos negcios de
Estado. Apenas, periodicamente, os governantes informam o Parlamento
observou-se, ainda, que o prprio Parlamento jamais iniciou debates minuciosos
acerca das questes fundamentais, tais com a da moradia ou da relao entre os
preos e os salrios. Curiosa democracia que no se digna de esclarecer o povo
sobre os problemas de que depende a vida e a sade dele! Os debates pblicos
limitam-se a disputas que tradicionalmente vm alimentando as eleies h um
sculo, enquanto os verdadeiros problemas de um Estado moderno no so
ventilados nem sequer apresentados, mas continuam privilgio de alguns
especialistas. S nas crises mais graves, e, com freqncia, tarde demais os
governantes se decidem a dizer a verdade ao pas e o abalo da resultante
nem sempre salvador.
A higiene poltica reclama que se abram largamente as instituies, que
sejam desdobrados diante do povo os dados da vida poltica. No seu to notvel
livro, Le Pouvoir et lOpinion, Alfred Sauvy esboou as grandes linhas dessa
tarefa de informao e de propaganda nacional: a criao de um departamento de
documentao, o uso do rdio para pr o pblico a par das grandes questes
econmicas, sociais e demogrficas, o alargamento do direito de resposta que
poderia ir at a insero obrigatria de certo nmero de fatos indiscutveis
etc. Muitas razes justificam a existncia de uma franca propaganda nacional
pelo menos a existncia de propagandas mais ou menos dissimuladas servindo a
interesses profissionais que elas muitas vezes conseguem fazer triunfar
custa do interesse coletivo(46). Alfred Sauvy tem plena razo de pensar que,
caso existisse semelhante propaganda, ela permitiria evitar que os governantes
cedessem apressadamente s presses demaggicas, e levar a nao, no mbito de
uma poltica coerente, em direo de objetivos a longo prazo.
O pblico, dir-se-, est cansado da propaganda, pelo menos nos pases no
subdesenvolvidos. Precisamente, contudo, pelo desgosto nascido dos excessos
de propaganda, h um apego mais espontneo aos fatos, e so eles que cumpre
antes de tudo expor e interpretar. Novo estilo de propaganda est em vias de
nascer da averso pelas mistificaes e pelos exageros. Os mtodos de
cochichos e de excitao no duraro mais longo tempo. Chegou o momento de
esclarecer. H.D. Lasswell recentemente assinalou a importncia do que chama de
apresentao balanceada uma apresentao que situa as alternativas e assim
torna possvel uma apreciao dos fatos que seja independente(47).
Contudo, por mais inteligente, por mais concreta que seja essa propaganda
informativa de estilo novo, ela, a nosso ver, insuficiente. Uma verdadeira
democracia vive da participao do povo e no somente de mant-lo informado.
Ora, nossos regimes, laicizados no domnio religioso, o so, tambm, se assim
pode dizer-se, no plano poltico. Uma Repblica, nascida do fervor popular,
amada, defendida, disputada, reduz-se a um sistema formal e no mais associa
os cidados sua vida e ao seu futuro. Jean Lacroix mostrou-o claramente A
democracia de intermedirios ou democracia indireta no mais suficiente:
votar cada quatro anos e, para os demais, entregar-se aos eleitos, parece uma
burla. Aps um sculo, a idia democrtica evoluiu no sentido de uma
participao mais ativa em uma democracia mais direta, mais entrosada na vida
quotidiana e em todos os atos do homem. (...) So insuficientes as formas
democrticas; querem ser ritos democrticos. Reunies de massas, festas e
jogos tendem a constituir uma espcie de liturgia, de que sobretudo os jovens
sentem a exigncia. As magnficas apresentaes do sokols na
Tcheco-Eslovquia, as grandes manifestaes na Unio Sovitica, os Congressos
de Nuremberg seja qual for a nossa opinio sobre o seu contedo foram
ocasio de descobrir a imensa importncia do espetculo no movimento das
idias democrticas. com os gestos e as atitudes, de corpo inteiro, que o
homem moderno quer participar da democracia, isto , ter parte nela. No
compreendemos, ainda, na Frana, o que a propaganda democrtica ser, o que
no pode deixar de ser. Entendemos sempre por propaganda uma espcie de
bourrage de crne intelectual, contra o qual justamente nos revoltamos. A
verdadeira propaganda democrtica, porm, no ir, necessariamente, de alto a
baixo, do governo aos governados, do Estado Nao: pelos gestos e atitudes
ela ser, de preferncia, a participao vivida das massas na vida democrtica
da nao(48).
Se a transformao da conscincia poltica em conscincia religiosa a doena
totalitria por excelncia (no em grande parte uma reao laicizao
liberal da democracia?), no menos verdade que todas as sociedades humanas
no se mantm seno por meio de uma piedade comum, por certo respeito, certo
fervor que toca nelas algo de sagrado. No h poltica sem mstica.
Charles Pguy disse muitas vezes o que foi essa mstica republicana, ainda
prxima de sua fonte revolucionria. Outra est para, nascer, porquanto no
acreditamos que um regime possa viver apenas da rotina dos negcios correntes.
Somente subsistiro os pases politicamente unnimes escrevia, ainda, Jean
Lacroix: no se trata dessa unanimidade superficial ou dessa funo mstica
realizada pelos regimes de terror e de loucura, mas de uma profunda
unanimidade colocada abaixo das divergncias polticas e dos fivelamentos
partidrios, em um plano em que todos os cidados de uma nao possam
comungar. evidente que, para haver essa unanimidade cvica, so necessrias
condies materiais e psicolgicas que no vamos aventar aqui. Mas, preciso
e isso nos concerne que o povo se associe construo do seu futuro, e
no apenas s lutas eleitorais. Haver algo mais excitante que a valorizao
dos recursos nacionais, que acompanhar passo a passo o progresso do
equipamento de regies ainda atrasadas, que trabalhar para melhoria
progressiva do nvel de cidadania de uma nao? O plano tornou-se a lei das
naes modernas. Significa, ao mesmo tempo, o encadeamento lgico das
realizaes tcnicas e a unio das energias na perspectiva de um grande mito.
Teria podido ritmar os esforos dos franceses, dando-lhes sentido coletivo
ora tornou-se uma administrao. E se tivssemos proposto aos jovens
franceses, como grandes tarefas nacionais, o alargamento do Canal dos Dois
Mares ou o reflorestamento das Landes incendiadas, no de acreditar que eles
acorressem com tanto entusiasmo quanto o demonstrado nos acampamentos de
escoteiros ou nos jogos de futebol locais?
O mito, por certo, comprovou sua nocividade ao apoderar-se do homem e ao
transform-lo em um fantico delirante; mas, quando se enquadra em uma
poltica razovel e a servio de uma cidade que permanece complexa na sua
estrutura e aberta aos valores no polticos, o mito elemento de juventude e
coeso, a segurana do futuro nacional. Nossa propaganda, estreita, tmida,
no o compreendeu; e dizia-o muito bem Saint-Exupry na sua Lettre au Genral
X...: Sua doena no a ausncia de talentos particulares, mas a interdio
que lhe criada, sem parecer vulgar, de apoiar-se em grandes mitos
consoladores.
Ao menos, certa propaganda internacionalista no se arreceia de beber nesta
fonte: a mundializao das comunas, a criao de estradas mundiais, as
obras de reconstruo do servio civil, so a ativao de novos mitos
supranacionais capazes de fazerem nascer e avultar uma nova conscincia
mundial.
A propaganda no francesa escreve Gertrude Stein em Paris-France no
civilizado querer fazer os outros acreditarem naquilo em que acreditamos.
verdade que entre ns existe senso crtico, respeito pelas opinies alheias,
desprezo irnico pelos fanatismos, que constituem um embarao, e muitas vezes
saudvel, propaganda. Sem embargo, a histria mostra, e mais que outra
qualquer, a histria da Frana que, quando cremos verdadeiramente em alguma
coisa, procuramos fazer com que os demais nela creiam. Se a Frana no soube
organizar sua propaganda e ofereceu tais possibilidades de manobras ao
Marechal Psychologos que no chegou a ser o ltimo dos auxiliares de Hitler,
talvez porque ento os franceses no criam no futuro de seu pas, na
superioridade de sua casa quero dizer, nem o criam com essa f sem a qual a
vida no continua e nem se d. E h, no principio da propaganda, essa f quase
biolgica que sustm o esforo de um povo. A propaganda manifestao natural
das sociedades que crem em si mesmas, na sua vocao, no seu porvir.
Seguramente, ao vermos o uso que certas propagandas fazem das modernas
tcnicas de difuso; natural que uma espcie de tremor se aposse dos
melhores. Vamos, ento, destruir as mquinas? Julga-se que, em nosso mundo,
basta a verdade aparecer para ser reconhecida? Aprendemos nossa custa que,
para ela sobreviver, no suficiente conserv-la no corao de alguns
iniciados. A verdade precisa de um clima para existir e conquistar. Seria vo
crer que se pudesse criar-lhe um tal clima, um tal campo de fora, em um
sculo em que todos os problemas se colocam em termos de massa, sem recorrer
ao poderio da propaganda. Como, tambm, seria vo acreditar-se que se pudesse,
ao afastar a propaganda por no sei que mstica da virgindade da opinio
pblica, paralisar as empreitadas dos impostores.

NOTAS

(1) Bartlett Political Propaganda.


(2) Propaganda, comunication and public opinion (Princeton).
(3) Jules Monnerot Sociologie du Communisme, pg. 359 (Gallimard).
(4) Ph. DE Flice, Foules en dlire, extases collectives (Albin Michel).
(5) Mesmo o termo propaganda j empregado nessa poca, pois em 1793,
formou-se na Alscia uma associao que tomou o nome de Propaganda e se
encarregou de difundir as idias revolucionrias.
(6) Mtodo de persuaso empregando argumentos falsos.
(7) Que Faire? (Oeuvres Choisies, em 2 volumes, tomo I, pg. 229 e
seguintes).
(8) Que faire? (Oeuvres choisies) tomo I, pg. 226 e seguintes.
(9) Particularmente em Que faire? e em La Maladie Infantile du Communisme
(10) Cf. o notvel livro de Robert Goudima, LArme rouge dans la paix et la
guerre (Edio Dfense de la France).
(11) 0 Trabalho de agitao e de propaganda. (Comunicao ao V Congresso do
Partido Comunista Iugoslavo.)
(12) A experincia da guerra da Indochina impeliu alguns oficiais franceses
a refletirem sobre as tcnicas da guerra revolucionria de que haviam sido
as vtimas. Concluram pela necessidade de uma ao psicolgica que eles
opuseram na Arglia propaganda da F.L.N. e dos dirigentes egpcios (Cf. Cel.
Ch. Lacheroy: La guerra revolucionnaire. in La Dfense Nationale. Bibliothque
des Centres dtudes suprieures spcialiss, t. IV, P.U.F.)
(13) Jules Monnerot cita, confusamente: materialismo zoolgico,
pan-germanismo, geopoltica, transposio da luta de classes para a guerra
entre Estados, arianismo contra semitismo, socialismo prussiano contra o
capitalismo ocidental e o bolchevismo asitico, povos proletrios contra povos
capitalistas, a terra e o sangue contra o esprito e o dinheiro,
idealismo, liberdade e democracia nrdicas contra a moleza e a corrupo
francesa, pureza contra impureza racial, povo enraizado contra as finanas sem
partido e no ltimo momento, defesa da Europa contra os judeus, os
anglo-saxes e o bolchevismo (Sociologie de Communisme, pag. 367).
(14) Serge Tchakhotine, Le viol des foules, par la propagande politique
(Gallimard).
(15) G. Fessard, Autorit et Bien Commun (Recherches de Science religieuse).
(16) Colhemos numerosos exemplos dos processos empregados por Hitler e
Goebbels no recente livro de Walter Hagemann, Publizistik im dritten Reich
(Hansicher Gildenverlag, Hamburgo).
(17) Th. Plievier, Stalingrad (Robert Marin).
(18) Cf. Stefan Priacel (vol. Arts et Littrature, Encyclopdie Franaise).
(19) A propaganda comunista costuma isolar certos adversrios,
transformando-os em bode expiatrio e marretando-os sem piedade;
atribui-lhes pessoalmente a responsabilidade por decises e fatos que
freqentemente ultrapassam os limites de sua ao ou de seu conhecimento. Por
exemplo, o ttulo de uma notcia de LHumanit, de 13-1-1948 dirigida contra o
ministro socialista Lacoste; Revelada somente depois de muitos dias quanto
Petite-Rosselle gritava sua dor a exploso de grisu que matou dezesseis
mineiros. Lacoste no podia ignor-lo.
(20) Lembramo-nos do cartaz da Propagandastaffel, em que aparecia um gordo
judeu fumando charuto, e tendo preso s mos por cordes um grupo de bonecos
constitudo de banqueiros da City, de bolchevistas, de homens de negcio
americanos e outros.
(21) De lEsprit des masses (Delachaux & Niestl, pag. 257). Muita coisa
tomamos a essa inteligente compilao de diversas teorias de psicologia
coletiva.
(22) Churchill foi apodado de paraltico, bbado, borracho, idiota, louco,
pateta, indolente, mentiroso, Erostrato etc.
(23) The political communication specialist of our times (Princeton).
(24) Hitler, Mein Kampf.
(25) Curt Riess, Joseph Goebbels, eine Biographie (Ed. Europa, Zurique).
(26) Cf. a transladao das cinzas do Aiglon.
(27) La Propagande Politique (Plon).
(28) Tenda de cerimnia.
(29) Obra citada, pag. 344.
(30) Achar-se- um exemplo de marcao e de classificao, no tocante
propaganda nazista destinada aos Estados Unidos, no trabalho de H. D.
LASSWELL, Describing the Contents of Communication (Propaganda, Communication
and Public Opinion).
(31) S. Tchakhotine, ob. cit., pg. 143.
(32) G.MANNONI, Psychologie de la Colonisation (coleo Esprit, Editions
du Seuil).
(33) Conhece-se a divertida pachorra dos candidatos americanos durante as
eleies presidenciais. Truman apresentava aos eleitores sua filha e sua
mulher nos seguintes termos: Eis a filha do patro e eis a patroa do
patro...
(34) No daremos mais que um exemplo de notcia falsa dessa ordem, inserta
em 1949 em um grande quotidiano de reputao firmada devido seriedade das
suas informaes. O ttulo era afirmativo: Rapto de crianas em Berlim, mas
o texto. estava no condicional: certo nmero de crianas teria sido raptado
pelas russos, em Berlim, se se deve crer... A notcia referia-se a uma
informao publicada em um jornal alemo e no confirmada posteriormente. O
ttulo, entretanto, que no estava no condicional, gravara no espirito do
leitor a lembrana de um fato particularmente odioso.
(35) E. e F. Zerner, Rumeurs et Opinion Publique (Cahiers Internationaux de
Sociologie, vol. V), Editions du Seuil.
(36) Lembremos a famosa profecia de santa Odila. que circulou muito
durante a ocupao.
(37) Foi publicada a coleo desse boletim: Xavier de Virieu. Radio-Journai
Libre (Ed. Jean Cabut).
(38) Trata-se do reide dos comandos em 1943.
(39) J. Ayencourt, LAmricain, son information, la guerre et la paix
(Esprit, junho de 1949).
(40) John Bainbridge analisou eximiamente no New Yorker os temas
fundamentais desenvolvidos pelos digests de maneira assaz sistemtica. Sem
serem diretamente polticos, na maioria, envolvem finalmente uma nica atitude
poltica (artigo reproduzido em Esprit, julho de 1948: Le petit magazine).
Idntica anlise podia ser feita sobre a produo corrente de Hollywood.
(41) Citado por P. Reiwald, ob. cit., pg. 104.
(42) Uma outra experincia dirigida pelo psiclogo americano Collier, tende
a provar que esta influncia da propaganda se exerce mesmo sobre pessoas
anteriormente prevenidas. Collier tinha testado primeiramente as atitudes de
um grupo de estudantes em relao propaganda nazista: depois demonstrou-lhes
os fundamentos dessa propaganda; finalmente deixou-os em contato direto com o
material de propaganda. O segundo teste provou que a atitude do grupo havia
evoludo em um sentido mais favorvel ao nazismo. (Ver a relao dessa
experincia em: Thorie et problmes de Psychologie sociale, de David Krech e
R.S. Crutchfield t. II, pg. 434, P.U.F.)
(43) E. Mounier, La Rvolution contre les Mythes (Esprit, maro de 1934).
(44) Propaganda (definio, defesa, explicao), por XXX.
(45) Nome dado ao perodo inicial da II Guerra Mundial. (Set.39 a abril 40).
(46) Como exemplos dessas demagogias profissionais que se voltaram contra o
interesse nacional, A. Sauvy menciona particularmente o apoio dado ao
automvel contra a ferrovia e o fomento da produo de lcool.
(47) Ernst Kris, Some problems of war propaganda.
(48) De la dmocratie librale la dmocratie massive (Esprit, maro de
1946).

Ridendo Castigat Mores


www.jahr.org
Verso para eBook
eBooksBrasil.com

__________________
Maro 2001
Verso para eBookLibris e pdf Fevereiro 2005
Proibido todo e qualquer uso comercial.
Se voc pagou por esse livro
VOC FOI ROUBADO!
Voc tem este e muitos outros ttulos GRTIS
direto na fonte:
www.ebooksbrasil.com

Você também pode gostar