O Governo Castelo Branco
O Governo Castelo Branco
O Governo Castelo Branco
ESTE LIVRO
J. M.
I
*
*tt
LIVRARIA JOS OLYMPIO EDITORA
apresenta na
COLEO DOCUMENTOS BRASILEIROS
(DIREO DE AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO)
O VOLUME N. 166
O GOVERNO
CASTELO BRANCO
por
Com 42 ilustraes
1 9 7 5
RIO DE JANEIRO
Capa
EUGENTO HIESCH
FICHA CATALOGRFICA
(Preparada pelo Centro de Catalogao-na-fonte do
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, GB)
B
CDD 923.181
981
320.981
CDU 92Presidente Castelo Branco
981
75-0061 32(81)
BIBLIOTECA SErAPO FE
Este volume acha-se registrado
sobon.0 L'h/>f - ;<2Vf
SUMRIO
CAPTULO I : A L U T A C O N T R A O CAOS 3
CAPTULO I I : O L D E R 28
CAPTULO I I I : A E L E I O D O P R E S I D E N T E 46
CAPTULO I V : O M I N I S T R I O 60
CAPTULO V : A P R O R R O G A O D O M A N D A T O 85
CAPTULO V I : P E L O R E S T A B E L E C I M E N T O D A O R D E M 116
CAPTULO V I I : A R E S T A U R A O E C O N M I C O - F I N A N C E I R A . . . . 128
CAPTULO V I I I : O R E F O R M A D O R 172
CAPTULO I X : A R E F O R M A D A S INSTITUIES M I L I T A R E S . . . 194
CAPTULO X : O P L A N O D E A O E C O N M I C A 208
CAPTULO X I : O D E S E N V O L V I M E N T O R E G I O N A L 239
CAPTULO X I I : A R E F O R M A E A P O L T I C A A G R R I A 260
CAPTULO X I I I : OS P R I M E I R O S L A N C E S POLTICOS D O PRESI-
DENTE 285
CAPTULO X I V : AS I N E L E G I B I L I D A D E S 310
CAPTULO X V : O A T O I N S T I T U C I O N A L N. 2 332
CAPTULO XVI: A R E F O R M A DO MINISTRIO 356
CAPTULO X V I I : A SUCESSO P R E S I D E N C I A L 377
CAPTULO XVIII: O CANDIDATO 391
CAPTULO X I X ; ESCOLHA E ELEIO DOS GOVERNADORES. 407
CAPTULO X X : P R O B L E M A S D E EDUCAO E D E SADE 422
CAPTULO X X I : DIRETRIZES DA POLTICA EXTERNA 42S
CAPTULO X X I I : O P R O J E T O D E CONSTITUIO 452
CAPTULO X X I I I : A CONSTITUIO D E 1967 463
CAPTULO XXIV: OUTRAS REFORMAS 477
CAPTULO X X V : A P R E S I D N C I A 496
CAPTULO X X V I : A I N D A A P R E S I D N C I A 522
CAPTULO X X V I I : OS M I L D I A S 539
AGRADECIMENTO 556
NDICE ONOMSTICO 558
V
SUMARIO DAS ILUSTRAES
vi
NOTA DA EDITORA
DADOS B I Q B I B L I O G R F I C O S
DO A U T O R
vii
A vida do Baro do Rio Branco, Rio de Janeiro, Editora Jos
Olympio, 1959;
A vida de Machado de Assis, So Paulo, Editora Martins, 1965.
viii
NOTA LIMINAR
S Ou>-*^ f
ix
mas que enfrentou, mas tambm sentir o homem a quem, em que
pese aparncia distante, fria, jamais faltava calorosa afetividade.
Era-lhe inseparvel uma nota de grandeza, certamente trao primacial
do seu carter. Fossem quais fossem as circunstncias, nele no se
surpreenderia algo de mesquinho. Leal com os companheiros, corajoso
e prudente nas decises, destemido ante o perigo, franco com os ami-
gos, tinha o esprito vigilante, atento aos grandes e aos pequenos acon-
tecimentos, certo talvez da impossibilidade de se distinguir de ante-
mo, na complexidade do Governo, o que ser mais ou menos impor-
tante face ao julgamento da Histria.
No lhe importava o peso das responsabilidades, que sempre se
recusou a repartir com os auxiliares, por mais presentes que houves-
sem sido numa deciso. Das mltiplas facetas em que se desdobra a
sua vigorosa personalidade, poucas to marcantes quanto a bravura
de se manter sobranceiro ante a impopularidade. Virtude sem a qual
no teria levado a bom termo a ciclpica obra empreendida. A menor
fraqueza, a mais leve concesso, qualquer vacilao teria feito malo-
grar muito do que se fizera com rduos sacrifcios. Ele possua,
porm, a convico de lhe caber enfrentar e suportar as agruras de
um "governo de entressafra", isto , um duro perodo de semear sem
colher. E nada o demoveria do que tinha como a misso a ele con-
fiada pela Revoluo. A colheita seria de outros.
Freqentemente Castelo aceitou os caminhos mais speros, mas
que acreditou os melhores para o pas. Percorreu-os corajosamente,
pois dir-se-ia que, acima de tudo, o inspirava o ideal de reformar. O
esprito do incansvel reformador que o Governo revelaria ao pas.
De algum modo o destino como que o preparara sutilmente para a
ingente tarefa de transformar o Brasil. Nem lhe passara desperce-
bido, no momento em que declinavam as labaredas da Segunda Gran-
de Guerra, que do terrvel conflito emergiria uma nova sociedade,
mais humana e mais justa. De maio de 194.5 so estas observaes
que da Itlia enviou esposa: "Tenho a impresso dizia de que
a riqueza ancorou numa determinada camada (da sociedade) .* um
grupo do governo que faz traficncias entre o seu bloco e o tesouro
pblico, e um bloco, principalmente da grande indstria e do grande
comrcio que explora o pobre consumidor. E a comdia no alto e o
drama de quem est embaixo. Esta guerra vai revolver tudo isto,
subverter todas estas cousas. Eu tenho muito que lhe contar a res-
peito da ebulio de idias que se sentia em meio dos combatentes de
muitos pases. impossvel que de tamanha hecatombe no saia
mais uma grande revoluo de idias e que da venha uma evoluo
social mais humana, mais crist, menos dura para os pequenos, limi-
tando o mais possvel a explorao de um homem por outro. o que
estou vendo na fogueira que ainda no se apagou." Era proftico,
x
pois a guerra tudo revolveria. Como adivinhar, porm, que seria ele,
no Brasil, o grande responsvel por uma revoluo que mudou o pas?
No houve setor da vida brasileira que no experimentasse a
ao enrgica, por vezes obstinada, do denodado reformador, que
semeou para o futuro. Em tudo ele punha a alma e o entusiasmo
do idealista que buscava vencer e corrigir os erros do passado. Na
economia, nas finanas, na ordem social, na estrutura administrativa,
na organizao poltica, ele deixaria a marca do estadista empenhado
na construo de uma nova sociedade. Para consegui-lo foram nume-
rosos os percalos, as lutas, os sofrimentos. Nada, entretanto, lhe arre-
feceria o nimo ou lhe deteria os passos. Ao longo de trs anos, infa-
tigvel, determinado, consciente da sua laboriosa misso, Castelo
Branco mudaria a fisionomia do pas, restituindo a ordem, restau-
rando o crdito, implantando o planejamento, iniciando o desenvol-
vimento, e legando uma estrutura social menos injusta, sob a gide
de organizao poltica democrtica.
O vigor com que restabeleceu a dignidade do cargo no o impe-
diu de ser humilde, capaz de ouvir e reformular as prprias opinies.
Percebia-se, porm, orgulhar-se da estima e do acatamento dos colabo-
radores, para os quais se fizera chefe admirado, do mesmo modo que,
senhor do novo ofcio, se tornou um Presidente cheio de naturalidade,
conhecedor da exata medida a ser posta em cada ato. Numa palavra,
um grande Presidente, certamente o maior que a nao j conheceu.
Dispondo de mandato muito breve, e que desejou at tomar menor,
para que no o acoimassem de querer perpetuar-se no poder, muitas
vezes precisou lutar contra o tempo, a fim de concluir tarefas a que
se props. No admitindo impor-se pela fora e sim pela persuaso,
conquistando proslitos em muitas oportunidades, despendeu esforo
quase sobre-humano para contornar dificuldades, vencer incompreen-
ses, alcanar o apoio necessrio efetivao das suas decises. Nes-
sas ocasies ele se agigantava: os obstculos como que o estimulavam.
A carreira militar, na qual se distinguiu pela ao de comando
e pelos conhecimentos tcnicos, profissionais, em misses diversas de
ensino, proporcionou-lhe observar os problemas nacionais. Sobre eles
meditara com interesse igual ao que punha na anlise de pessoas, das
suas virtudes e fraquezas, que por vezes resumia na sntese de uma
frase de ironia. Habituara-se assim a pensar sobre o Brasil, os seus
homens e os seus problemas, para afinal chegar Presidncia com
adequada soma de conhecimentos.
Acreditamos emergir aqui a figura do homem de Estado, incan-
svel no empenho de restaurar moral e materialmente o pas. Um
pas que recebera devastado pela mais grave crise poltica, social, eco-
nmica e financeira da sua histria, e que entregou colocado no cami-
nho do progresso e da segurana. F-lo nisso tambm fiel sua
xi
formao graas a uma luta sem trgua, aceitando solues rduas
e enfrentando crticas e oposio dos prprios correligionrios. Con-
victo da convenincia nacional em manter o Congresso, preservar o
Judicirio e acatar a liberdade de imprensa, arcou sbranceiro, sem
queixas, com o pesado nus oriundo de uma atitude que poucos defen-
diam ou justificavam na ocasio. O que lhe importava, porm, era
semear: outros colheriam depois dele.
Em resumo, trs anos de trabalho apaixonante, de cuja histria
foi feito este livro.
Lus VIANA F I L H O
xf
O GOVERNO
CASTELO BRANCO
Ao Exrcito tudo devo,
minha educao,
a formao do meu carter
e as habilitaes
que me foi dado adquirir.
RESTAURAO DA L E G A L I D A D E :
restabelecimento da Federao;
eliminar o desenvolvimento do plano comunista de
posse do poder;
defender as instituies militares, que comeam a
ser destrudas;
estabelecer a ordem para o advento de reformas
legais. -1
N e n h u m programa seria mais lacnico. A semente era modesta
a rvore seria frondosa.
Porto Alegre era u m dos pontos fracos da Revoluo, no contando o
general Adalberto com a maioria dos Comandos de Unidades da
. a Diviso. Castelo fizera-lhe tambm saber que o movimento irrom-
peria quatro ou cinco dias mais tarde, devendo ser precedido da
chegada de novo emissrio. No dia seguinte desembarcou em Porto
Alegre o general Alfredo Malan, que confirmaria o incio do movi-
mento e m 4 ou 5 de abril. Na realidade, pensava-se n u m a con-
tra-revoluo, para deter a acelerada marcha comunista, fomentada
e dirigida pelo Governo. Exibira-se at, para estudantes e marinhei-
ros, o filme sobre a chacina do Potemkin. Ensinava-se a destruio
da hierarquia militar, e, na Marinha de Guerra, fizera-se rumoroso
3
ensaio com o episdio do Sindicato dos Metalrgicos, onde notrios
lderes comunistas, a ttulo de educar os marinheiros, distriburam
fartamente folhetos subversivos. E a preparao de um golpe tor-
nou-se evidente no comcio da Central do Brasil, na sexta-feira, 13 de
maro de 1964, bem como na reunio dos sargentos, no Automvel
Clube, ambos com a presena do Presidente da Repblica.
Ante perspectivas tais, era crescente a reao dos responsveis
pela disciplina e pela hierarquia militar, dentre os quais, pela funo
e pelo conceito, sobressaa, no Exrcito, o general Castelo Branco.
Sempre fora um legalista, empenhado em manter as Foras Armadas
alheias s querelas polticas. Contudo, estava longe de ser um
indiferente.
Da as suas sucessivas posies e iniciativas como Chefe do Es-
tado-Maior do Exrcito, comisso para a qual, dizia-se, fora nomeado
como frmula de atender a solicitao do governador Arrais, dese-
joso de desvencilhar-se do inflexvel comandante do IV Exrcito.
Era tambm a maneira de deix-lo sem comando de tropa, enfra-
quecido portanto. Simples engano: davam-lhe uma alta tribuna para
falar aos camaradas, como escreveu um observador dos aconteci-
mentos: "Castelo Branco lecionava uma matria transcendental:
como salvar o pas." 2
Havia pouco que, aps feliz unio de mais de quarenta anos, ele
perdera a esposa, D. Argentina Viana Castelo Branco, de famlia
mineira, de acolhedora simpatia, que a beleza e viva inteligncia
mais ressaltavam. Fora rude o golpe inesperado. Para o compensar,
ele se engolfara ainda mais no trabalho. Carta a um amigo: "Houve
uma dolorosa e violenta ruptura de uma vida bem vivida, como cria-
tura de Deus e Senhora. Eu fiz fora, como ainda fao, para no
baquear, e assim procedo por causa de um ideal, a que ela se associou
e pelo qual me ajudou a pelejar". Realmente, buscara consolo no
trabalho, e aos filhos escrevera pouco depois da viuvez: "0 meu
trabalho profissional prossegue e pretendo dinamiz-lo. Mas o que
sinto que se foi uma presena espiritual singular, incomparvel
para mim, cheia de encantamento e dignidade, de delicadeza de senti-
mentos e de responsabilidade".
Quando o Presidente Goulart comunicou-lhe, em Recife, que o
ministro da Guerra Jair Dantas Ribeiro o propusera para chefiar
o Estado-Maior do Exrcito, Castelo Branco escreveu a este "velho
companheiro de turma", a quem se considerava "ligado peli estima
e por afinidades profissionais'': "Estou sinceramente convencido que
s motivo de ordem militar e de confiana profissional levaram o
2
Alberto Dines, in Os Idos de Maro e a Queda em Abril, 1964.
3
Carta de Castelo Branco a Jair Dantas Ribeiro, de Recife, em
30-7-1963.
4
In Arq. C.B.
Carta ao cel. Morais Rego, do Rio, em 10-9-1963. Comunicada ao
Autor pelo destinatrio.
6 Idem, idem, 22-10-1963.
7
Carta de 4-10-1963. Cpia in Arq. C.B.
8
Cpia in Arq. C.B.
11
Exemplar existente na biblioteca do ex-Presidente Castelo Branco.
12 Carta de 22-10-1963. Cpia in Ar*. C.B.
Depois de assumir a Presidncia da Repblica, o Presidente Castelo Branco sada do Palcio do Planalto a multido estacionada na
Praa dos Trs Fedores. Da-esquerda para a direita, o Sr. Luis Viana Filho, a Sra. Ranieri Mazzili. o Senador Auro de Moura Andrade
o Deputado Ranieri Mazzili, o Presidente, o Vice-Presidente Jos Maria Alkmin, o Governador Magalhes Pinto e os
Ministros Costa e Silva e Francisco Correia de Melo.
r
15
Carlos Castelo Branco, in Os Idos de Maro e a Queda em Abril,
p. 287.
17
Circular Reservada do EME, em 20-3-1964. Posteriormente foi tor-
nada ostensiva.
21
Pedro Dantas, "Unio Indestrutvel", in Dirio de Notcias, de
3-11-1964.
22
Comunicao do general Meira Matos ao Autor.
23
Comunicado ao Autor pelo ministro Aliomar Baleeiro.
24
V. Anais da Cmara dos Deputados, vol. IX, 1964, p. 584.
25
Ministro Aliomar Baleeiro, comunicao ao Autor.
26
Armando Falco, comunicao ao Autor.
27
Paulo Sarasate, "Dirio", 1964/65. Cedido ao Autor por gentileza
da Sra. Albaniza Sarasate.
28
Das publicaes sobre os antecedentes da Revoluo e o seu rpido
desfecho podem ser lembradas, entre outras, Jos Stacchini, Maro de 1964:
Mobilizao da Audcia (Editora Nacional, So Paulo, 1965); Os Idos de
Maro e a Queda em Abril, coletnea de artigos (Jos lvaro editor, Rio,
1964); Mrio Vitor, 5 Anos que Abalaram o Brasil (Editora Civilizao
Brasileira. 1965).
1
Carta do Rio, 28-1-1956, in Arq. C.B.
./
O Presidente Castelo Branco e o Marechal Mascarenhas de Morais numa solenidade no
Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Rio de Janeiro. (Foto O Globo)
/'<^xs*-$
Tt/Lrr-sr*
<*>
Manuscrito do' Presidente agradecendo telegrama que lhe enviou o ex-Comandante da
l-EB, cujo texto o seguinte: "NR87 de 23-4-65. Ao eminente amigo minhas palmas
pelo que perna e faz vg pelo que sente e no faz vg tudo boa forma emrito Chefe
Estado pt a) Mal. M. de M."
O Tenente Cautela Branco em 1921, quando serviu no 12 B. C.
de Belo Horizonte.
O Comandante da Fora Expedicionria Brasileira em companhia do ento Tenenie-Coronel Castelo Branco,
Chefe de Operaes da FEB, recebe em seu Q.G., na Itlia, o General Robinson Dufl, Subcomandante da
10.' Diviso de Montanha dos Estados Unidos. (Foto reproduzida das Memrias
do Mal. Mascarenhas de Morais)
No Palcio das Laranjeiras, Rio, o Presidente Castelo Branco recebe dos integrantes da
Comisso de Juristas o Projeto da Constituio. A esquerda do Presidente, o Ministro
da Justia, Dr. Carlos Medeiros Silva a cujo lado esto os Ministros do Supremo Tribunal
Drs. Temstocles Cavalcanti e Orozimbo Nonato. Mostrando o projeto, o Dr. Levi
Carneiro. (Foto O Globo)
ii ^w^*..
<.
. I
3
Raimundo Giro, Antologia Cearense, exemplar in Arq. C.B.
4
Carta do Rio, 18-1-1920, in Arq. C.B.
5
Comunicao do general Meira Matos ao Autor.
6
Nota do coronel Mascarenhas de Morais, na caderneta do capito
Castelo Branco, em 30-9-1936.
7
Carta a D. Argentina Castelo Branco, da Itlia, em 22-8-1944, in
Arq. C.B.
8
Comunicado ao autor pelo general Vernon Walters.
10
Idem, idem.
11
Coronel Otvio Costa, artigo no Jornal do Brasil, em 26-2-1969,
12
Carta a D. Argentina Castelo Branco, em 17-5-1945, in Arq. C.B.
13
Idem, idem.
14
Carta ao general Cordeiro de Farias, em 15-6-1966, cpia in Arq. C.B.
15
Marechal Mascarenhas de Morais, Memrias, vol. 3.
16
Carta de Jarbas Passarinho em 15-8-1955, in Arq. C.B.
17
Faz parte da Estrela da Vida Inteira, poesias reunidas de Manuel
Bandeira, Editora Jos Olympio, 4." ed., 1973.
21
Ofcio do Ministro Teixeira Lott a Castelo Branco, em 7-6-1958,
in Arq. C.B.
22
Carta de Castelo Branco ao Ministro Teixeira Lott.
23
Comunicao ao Autor.
24
Carta ao coronel "Waldetrudes Amarante, Belm, 28-11-1959.
42 ws mana filho
inclusive a preguia. Ningum quer vir para a Amaznia e o governo
no tem mais autoridade para embarcar ningum. De 32 oficiais
aqui classificados, 2U tiveram retificao de classificao, 5 ainda
no vieram e 3 se apresentaram, destes, 2 j deram parte de doente
e j foram embora".
Contudo, os obstculos no o faziam largar as armas. E a carta
prosseguia: "Assim mesmo, fiz uma grande manobra, apoiada pela
Marinha e pela Aeronutica. Houve grandes deslocamentos fluviais,
operao de selva, etc. Alm disso, as tropas de fronteira executam,
neste momento, 18 reconhecimentos, pela linha divisria, de 200
a 800 km de extenso. Visito seguidamente as guarnies num total
de IJf,. Pelo menos, uma grande viagem por ms. Tahatinga to
distante quanto o Rio. O territrio de meu Comando contm 52c/o
do territrio nacional. Fao tudo o que posso". Era u m m u n d o . E
Castelo esforava-se para suprir terrveis deficincias, buscando apoio
nas outras armas. "A coeso das trs Foras Armadas na Amaznia
c exemplar. 0 Almirante e o Brigadeiro tm comigo uma convivn-
cia muito agradvel e de real proveito para os meios de cada um."
No devia ter iluses. Desafeioado ao poderoso ministro, olhado
com justas desconfianas pelo governo, sentia que os caminhos se
lhe fechavam. E dizia, desalentado: "0 meu futuro prximo est
muito incerto. No desejo precipitar-me, nem fechar a minha car-
reira sem serenidade. No vejo, porm, um caminho aberto para uma
proveitosa quadra final de minha vida militar." Era melanclico. E ,
disposto a sorver o fel at ltima gota, acrescentava: "At o fim
de 1960, provavelmente eu poderei ver as abertas para uma deciso.
Desejo trabalhar, e trabalhar bem, at o ltimo dia da atividade.
Mas, j penso muito em evitar uma quadra final amofinada e
enfezada."26 Quem, no entanto, conhecer o futuro?
Para no fazer as coisas piores, tentava evitar que as discrdias
polticas invadissem os quartis: "O ano de 1960 vai ser aqui muito
agitado. J estou fazendo tudo para que os oficiais e sargentos no
sejam envolvidos nos enleios e incidentes locais. Os dias vo ser
difceis, pois o Ministrio da Guerra hoje um grande centro par-
tidrio, um ostensivo rgo de propaganda eleitoral e um contro-
lador prfido de quem contra e de quem a favor."
De Belm, igualmente escreveu ao cunhado, Hlio Viana. As idias
eram as mesmas: "Continuamos a vencer o tempo na Amaznia. A
parte militar dura, muitas vezes com circunstncias agressivas e,
para se decidir, encerra sempre fatores em conflito. Tenho impresso,
em certos dias, de que vou desanimar, sobretudo quando recebo
aqui os efeitos da corruo implantada no Palcio da Guerra pelo
l .
O Presidente Castelo frano recebido pelo editor Jos Olympio porta da
Livraria Jos Olympio Editora, na Rua Marqus de Olinda, no Rio, onde loi
inaugurada 117-12-1965) a exposio comemorativa do centenrio de publicao do
romance Iracema, de Jos de Alencar. Ao lado, na foto de cima. o Presidente
desterra a cortina do painel alusivo grande efemride literria: vendo-se a
escritora Dinah Silveira de Queiroz e o Sr. Adalardo Cunha. Na outra loto.
o Presidente Castelo Branco cumprimentado pela Sr.' Lucy Bloch.
(Foto Manchete)
O Presidente Castelo Branco recebe a visita de Edson Arantes do Nascimento
(Pele), que lhe apresentado pelo Dr. Joo Havelange.
L
<*-
. * # # & .
"1
m JP^B^^I |^
II -*" * *
1
r'
' , . . ' . . " " - .
r^mi^iHHHBHnW^ 4HH * * ^ r * ^ t K
!! li; ^<3
^mareia
Z Wm
a !El
!
tf
! 1
Em companhia
P
do Prefeito Plnio Catanhede, o Presidente Castelo Branco visita a torre de leleviso de Braslia. (Foto O Globo)
Embora profundamente separado do Ministro Lott, a quem cha-
mava o "Condestvel", Castelo, em carta de 23 de dezembro de 1959
a u m camarada, Nilton Freixinho, deu vazo ao pensamento legalis-
ta: "O episdio de Aragaras escreveu mais um empurro
que recebemos no plano inclinado em que deslizam as Foras Arma-
das. Idealismo, possivelmente. Mas, alm de inpcia, um erro de vi-
so de que o Brasil no pode melhorar dentro do regime constitu-
cional. S e s dentro da Constituio, penso eu, como pensei sempre.
S se faz revoluo dentro de uma ideologia e impelido por uma
forte corrente de opinio pblica. O Brasil no quer quarteladas, nem
revoluo, pelo menos no perodo que atravessamos."
Tudo circulava pelos quartis. A bem dizer Castelo, paciente-
mente, construra u m a doutrina de respeito s instituies e hie-
rarquia militar, e no parecia disposto a abrir mo desse papel.
Quando, em janeiro de 1963, fez declaraes sobre os perigos comu-
nistas, e o ministro Jair Dantas Ribeiro, tomando-as como aluses
ao Governo, insinuou-lhe ter sido prefervel no falar, Castelo no
demorara em retrucar. F-lo com franqueza: "acredito que a infil-
trao comunista facilitada pela colocao de propagadores do
comunismo em postos da administrao, do ensino e de organismos
estatais." Depois justificava-se: "0 Governo tacitamente confere aos
militares a faculdade de pronunciamentos. comum ler-se, na
imprensa, entrevistas, telegramas e discursos sobre os mais variados
assuntos (greves, plebiscito, papel do Exrcito, apoio a campanhas
de sargentos, etc). Generais e sargentos tm falado. . . comum
ouvir-se membros do Governo declararem, em discurso e em entre-
vista, que contam com o apoio das organizaes militares, e, do
outro lado, at Comandantes de Grandes Unidades dizerem que do
apoio ao Governo." Vinha ento a doutrina: ''''Quem diz contar com
apoio, tem que abrir honestamente a questo da opo de apoiar ou
desapoiar. Os partidos polticos, as correntes de opinio pblica e a
imprensa so, por exemplo, elementos que podem considerar a pre-
ferncia, pois tm condies legais para debater e fundamentar a
escolha da atitude optativa. Nas Foras Armadas, tal no pode nor-
malmente acontecer, inclusive porque os chefes subordinados teriam
tambm direito de optar, do que decorreriam graves conseqncias.
Para os militares o problema conclua com nfase o de cum-
prir misso." 2 8
A doutrina era irretorquvel. Castelo, pronto para qualquer misso,
a cumpriria integralmente. E os companheiros, confiantes, sabiam
disso.
28
Carta ao Ministro Jair Dantas Ribeiro, em 22-1-1963, cpia in
Arq. C.B.
48 MS viana filho
no Departamento de Produo, onde a mesa era mais ampla, insta-
lara-se no ministrio certa tenso, merc do incidente ocorrido na
Aeronutica, e m Porto Alegre, de que, morto u m major, escapara
milagrosamente o brigadeiro Lavanre-Wanderley. Seria a mais
importante reunio, depois da vitria da Revoluo. Alm do gene-
ral Costa e Silva e do seu Chefe de Gabinete, general Sizeno Sar-
mento, compareceram os governadores Carlos Lacerda, Magalhes
Pinto, lido Meneghetti, Mauro Borges, Ademar de Barros, Nei Bra-
ga, deputado Costa Cavalcanti, ex-governador Juraci Magalhes e
Juarez Tvora. Verdadeiro encontro de estado-maior. Costa e Silva,
desembaraado, loquaz, bonacho, ocupou a presidncia, tendo Carlos
Lacerda ao lado. No foi admitido o senador Lino de Matos, que
chegara com Ademar de Barros, juntamente com duas senhoras.
Carlos Lacerda que, tarde, tivera no Guanabara reunio a que
comparecera o general Moniz de Arago, dizendo no haver para
a Presidncia seno o general Castelo, abriu o debate, afirmando
desejarem os governadores urna definio de Costa e Silva sobre a
sucesso. No logrou concluir, pois este, interrompendo-o a cada
passo, repisava a tese da inoportunidade da eleio, bem como da
escolha de algum nome,, Qualquer militar dividiria o Exrcito, dizia,
invocando sempre as lutas, no incio da Repblica, entre Deodoro,
Floriano e Benjarnin Constant. Entretanto, com a franqueza que a
intimidade lhe permitia, Juarez Tvora, por vezes batendo a mo
na mesa, reiterava a necessidade de Costa e Silva oferecer o nome'
de u m militar. " I n d i q u e u m nome qualquer dizia Juarez Tvora.
Indique u m militar. . . " Costa e Silva manteve-se intransigente:
no se devia pensar em militar, n e m em eleio no momento. Sobre
a posio de Costa e Silva, que suscitou interrogaes diversas,
este o depoimento de Andreazza: "Lembro-me bem do insistente
esforo de muitos, para que se candidatasse Presidncia, logo aps
a Revoluo. Poderia ter sido. Estava, entretanto, convencido de
que muito mais til seria continuidade e consolidao da Causa,
como Ministro da G u e r r a . "
Na realidade, pairava o espectro da ditadura, que todos repudia-
vam. E a fadiga j dominava o ambiente, quando, havendo Lacerda
levantado o dedo n u m gesto natural, Costa e Silva o interrompeu,
dizendo-lhe que tambm levantaria a mo e balanaria o dedo. O
constrangimento foi geral. No seria, alis, o nico incidente, pois,
observando Magalhes Pinto que a situao se apresentava difcil,
e sendo melhor retornar ele para Minas, onde aguardaria os aconte-
cimentos com as tropas mobilizadas, logo Costa e Silva o advertiu
em tom peremptrio: "Governador, pode voltar para Minas, que
as minhas foras so muito maiores do que as suas. Isso no m e
intimida. Volte para sua Minas, pode cuidar do que seu, que eu
1
Comunicado ao Autor pelo Ministro Costa Cavalcanti.
50 ws viana filho
dizia Tvora, que seria nocivo, pois cada chefe militar era poten-
cialmente um candidato. Afinal, alcanou-se um adiamento, que
Tvora assim resumiu: "Finda, j alta madrugada, essa reunio,
apenas pde ser obtida do General Costa e Silva uma declarao
formal de que no se opunha ao lanamento da candidatura do gene-
ral Castelo Branco, cabendo-nos ir sond-lo a respeito."2
O tom do debate no se mostrava promissor. E Sizeno, com opor-
tunidade, observou que a manh se aproximava (eram 4 horas),
sendo melhor suspender-se a reunio. No dia seguinte, Costa e Silva
os convocaria para outro encontro. Ao fecharem-se as portas, uma
imensa e assustadora interrogao pusera-se diante de todos. Que
desejaria realmente o general Costa e Silva? A um amigo chegara
a segredar: "Por que vocs polticos no escolhem aquele paisano
l de So Paulo?". 3 Referia-se ao professor Carvalho Pinto.
Alguns noctvagos foram para o apartamento de Lacerda, onde
Bilac Pinto e Costa Cavalcanti no escondiam as apreenses. Este,
por sinal, contestava Lacerda, para quem, se no houvesse rpida
soluo, o pas se despenharia numa ditadura, tal como a almejava
Costa e Silva, fazendo-se o ditador. Certamente, urgia uma deciso,
mas todos se consideravam impotentes, no lhes cumprindo seno
dormir. Amanh seria outro dia.
No seguinte, aos que o procuraram pela manh, Lacerda mostrava
o rascunho de uma carta em que, bem cedo, fixara os pontos de vista
emitidos na vspera. Em resumo, tendo lutado por uma democracia,
e vendo o pas caminhar para uma ditadura, desejada, como se dizia,
por Costa e Silva, desligava-se inteiramente da Revoluo, pois no
tinha condies de nela se integrar. Oportunamente, encaminharia
a renncia ao governo da Guanabara. " uma loucura", exclamou
Costa Cavalcanti, ao saber que a carta, por intermdio do depu-
tado Danilo Nunes, seguira para o Ministrio da Guerra. Mas, no
ministrio, para onde partiu imediatamente, Costa Cavalcanti soube
que Sizeno a interceptara e nunca chegaria s mos do destinatrio. 4
Guardou-a Juraci Magalhes.
No domingo, por volta das 18 horas, quando Costa e Silva voltou
a receber os governadores, essas questes estavam postas, falando-se
abertamente na edio de um "Ato Adicional", cujo esboo estaria
em elaborao. Lacerda, entretanto, no compareceu, fazendo-se
representar por Juraci Magalhes, que, inicialmente, comunicou a
ausncia do Governador da Guanabara, por estar chocado com a
brutalidade da vspera. A reao do ministro, que acreditara diri-
gir-se a ele a advertncia, foi imediata. Contudo, a calma voltou
2
3
General Juarez Tvora, Misso Cumprida, p. 16.
4
Comunicado ao Autor pelo deputado Armando Falco.
Idem. idem.
5
Idem, idem.
7
Entrevista do deputado Amaral Peixoto a O Globo.
8
Nota autografa do Presidente Castelo Branco ao Autor.
56 hs viana filho
fosse redigido e melhor consultasse aos objetivos revolucionrios,
porque a prpria manuteno do Congresso Nacional e a investidura
do Presidente da Cmara na Presidncia da Repblica estavam
ainda na dependncia do poder de fato, de origem revolucionria,
que os chefes militares detinham e estavam exercendo. Assim, se
a resistncia do Congresso Nacional, em votar o texto, persistisse,
havia uma alternativa, a de outorg-lo."
Foi o que ocorreu. Francisco Campos, que, entre os seus ttulos,
contava o de autor da Constituio do Estado Novo, em 1937, sabo-
reava a oportunidade e, incontinenti, props-se a redigir u m prem-
bulo em substituio aos considerandos que precediam o texto. Costa
e Silva gostava de recordar o prazer com que Campos, aceita a idia,
tirara o palet, colocara-o no encosto da cadeira, e, de u m jato,
escrevera o prembulo, que se transformou em manifesto Nao.
Fizeram-se ainda algumas modificaes, inclusive ampliando o prazo
das cassaes de 60 para 180 dias, e, em seguida, Costa e Silva mandou
chamar Castelo, a quem deu conta do ocorrido. E, noite, recebeu
Gama e Silva e o general Andr Fernandes, emissrios de Mazzilli,
aos quais Medeiros exps a possvel outorga do Ato caso os presi-
dentes das duas Casas do Congresso continuassem convictos da impos-
sibilidade de imediata votao. A conversa foi longa e o entendi-
mento impossvel. Ao cabo de u m a hora Costa e Silva, dando por
encerrada a reunio, pediu queles enviados para comunicarem a
Mazzilli que o assunto estava posto e m termos definitivos e
tomar-se-iam oportunamente as decises. Cortava o n grdio.
No Laranjeiras ainda se buscavam frmulas, quando o general
Andr Fernandes, chefe da Casa Militar, retornou ao Ministrio da
Guerra. Voltou com a surpreendente notcia: Costa e Silva j tinha
pronto o Ato Institucional e dispensara toda e qualquer colabo-
rao ou participao dos congressistas. Foi u m a ducha fria. Ia estru-
turar-se a Revoluo.
Graas ao retardamento nas listas de cassaes da Marinha e da
Aeronutica, o Ato Institucional, previsto para o dia 9 ao meio-dia,
somente no fim da tarde foi editado e divulgado. Acompanhava-o
a relao dos cassados, naturalmente encabeados por Joo Goulart.
Nela se incluam quarenta parlamentares. E, aps u m perodo de
tenso e incerteza, o Ato representou alvio, ao qual ningum pen-
sou em opor embaraos. A Cmara dos Deputados, cientificada pelo
Conselho de Segurana Nacional, convocou imediatamente os su-
plentes dos que perdiam os mandatos. Nem do Supremo Tribunal
Federal partiu qualquer restrio.
Juridicamente, a situao era perfeita e a soluo adequada, pois
com ela se preservava a Revoluo, outorgando-lhe poderes para r-
pida e real transformao no pas, mantido o Legislativo, o Judi-
1
Carta do Rio, 30-7-1964, in Arq. C.B.
I
A esquerda, o Presidente e a esposa, D. Argentina Viana Castelo Branco. A direita, D. Argentina Castelo Branco
pouco antes de falecer, em 1963.
Aguardando o momento de embarcar, no aeroporto do Galeo, para o Cear, Ceai onde morreria num acidente de aviao, o Presidente
, " r " "''""o e mio aqui cm companhia de familiares e do Ministro .laimuitdo
Raiim. de Brito (ao lado do Presidente), Vem-se suas irms,
as Sras
l ma Castelo Branco Santos Dias e Beatriz Castelo Branco Gonalves, e o irmo Cndido Castelo Branco, que viajou com o
Presidente e com ele morreu. (Foto Jornal do Brasil)
00
c
O
O
"TI
rn
a
m
>
A derradeira fotografia do Presidente Castelo Branco: tirada quando de sua visita Casa de Repouso da Serra do Estvo
lanugo convento beneditino), em Quixad. onde pernoitou na vspera do acidente que o vitimou.
{Foto de Nilza Ferreira Marques, copyright de Manchete)
prprio no escondia essa circunstncia, que revelava a algumas pes-
soas. O embaixador Gordon, por exemplo, assim evocaria u m en-
contro com o Presidente:
"Em nossa segunda conversa, em junho de 196', ele falou com
algum pesar de achar-se na presidncia numa idade mais apropriada
aposentadoria, cargo que nunca pretendera, e nunca esperou ocupar.
Comparou a sua situao com a de John Kennedy logo depois da
sua posse no princpio de 1961. Kennedy tinha pretendido a pre-
sidncia durante vrios anos e tinha analisado as questes nacionais
como candidato presidencial. Entre a sua eleio e a sua posse or-
ganizou dezenas de equipes para o aconselhar nas vrias reas da
poltica antes de comear a tomar decises crticas. No caso de Cas-
telo, a idia de tornar-se presidente nunca lhe ocorrera antes de
1. de abril, duas semanas antes do fato, sendo jogado numa situao
de caos poltico, econmico e administrativo."
Para ele, a Presidncia representava grave "misso", que cum-
priria do melhor modo possvel. Deveria, em apenas quatro dias, or-
ganizar o Governo, ou, pelo menos, aprecivel parcela da alta admi-
nistrao, isto , escolher ministros, nomear inmeros auxiliares ime-
diatos com os quais conviveria e nos quais precisaria confiar. N a
realidade, computados funcionrios e m comisso, diretores de bancos
e autarquias, era pequena multido, da qual, em boa parte, depen-
deria o xito ou a diminuio das inevitveis dores de cabea.
Cauteloso, como do seu feitio, mxime pisando terreno quase des-
conhecido, Castelo iniciou a tarefa com prudncia. Pessoalmente,
ele teria preferido adiar a posse, pois alm de dar-lhe mais tempo
para organizar o governo, o eximiria de praticar os atos de arbtrio
inseparveis das Revolues. A Adauto Cardoso, que lhe sugerira
dia prximo para se empossar no governo, ele retrucara: " N o quero
praticar, como Presidente da Repblica, atos de exceo. Espero que
os pratiquem aqueles que podem faz-lo. Depois de esgotados, to-
marei posse." Dominado pelo esprito legalista, ele se iludia: na
realidade, a imperiosidade do arbtrio o constrangeria durante todo
o governo.
Por fim, advertido da urgncia da posse, Castelo comeou a for-
m a r a sua equipe. Na rea militar, no havia problemas, pois raros
t i n h a m percepo e juzo to exatos sobre os companheiros. Havendo
exercido numerosas funes de ensino e de comando, acabara conhe-
cendo-lhes o carter e a personalidade. Capacidade, virtudes, defi-
cincias, problemas de vrias ordens, quando os havia, tudo ele ob-
servara, analisara, talvez para avaliar, pesar, no momento oportuno,
a tarefa adequada a cada q u a l . E , se no regateava merecido elogio,
era com leve ponta de ironia, ou de h u m o r , que externava u m a
restrio.
2
Comunicao do deputado Armando Falco ao Autor.
3
Jlio de Mesquita Filho, Poltica e Cultura, p. 123.
4
Discurso do Marechal Cordeiro de Farias ao deixar o Ministrio.
5
Comunicao de Joo Gonalves de Sousa ao Autor.
7 In "Dirio" de Paulo Sarasate, em 30-4-64 e 13-6-64.
Carta do Dr. Otvio Marcondes Ferraz ao Autor, em 20-10-1971.
76 hs viana filho
riormente, se somaria Paulo Castelo Branco, filho do Presidente. E
da Aeronutica tinham vindo os coronis Dlio Jardim de Matos e
Guilherme Rebelo, bem como os tenentes-coronis Rubem Drum-
mond, Ismael Abati e Antnio Henrique dos Santos. Ao capito Te-
lesca, depois substitudo pelo major Pouman, quando aquele se
afastou para um curso militar, coube a responsabilidade da segu-
rana do Presidente. E trs jovens oficiais, Frederico Mendes de
Morais, Murilo Santos e Jlio Pessoa, respectivamente do Exrcito,
da Aeronutica e da Marinha, seriam os ajudantes-de-ordens. A
eles, alm do mais, caberia atenuar a solido das horas do Alvorada,
que se tornou lgida, quando Nieta Diniz, a filha do Presidente, se
mudou para a prpria residncia.
Constitura-se assim um grupo homogneo, capaz, profundamente
dedicado ao Presidente, que todos admiravam, e em meio do qual,
no incio do governo, eu era mais ou menos desconhecido. Da
Bahia, para me auxiliarem, chamara dois jovens professores univer-
sitrios, Navarro de Brito e Renan Baleeiro.
Na realidade, a Presidncia um mundo, e numerosos cargos,
todos a exigirem ateno, formam os seus quadros, sendo trabalhoso
preench-los dentro dos rgidos critrios estabelecidos. 0 diplomata
Paulo Paranagu, que o Presidente conhecera na Escola Superior de
Guerra, veio chefiar o Cerimonial, funo para muitos um tanto
ftil, mas cujo bom desempenho representa parcela de tranqili-
dade nas relaes da Presidncia. Era o azeite que no deixava a
roda ranger. E Paranagu jamais esqueceria a galheta. 0 escritor
Eugnio Gomes, temperamento plcido, versado em Machado de
Assis e Shakespeare, ocupou a secretaria particular, encarregada da
volumosa correspondncia do Presidente, e que, ao fim do governo,
seria confiada ao jovem diplomata Jernimo Moscardo de Sousa.
E, enquanto cuidavam de uma ou outra carta de maior interesse,
Castelo comprazia-se em conversar o tmido e reservado Eugnio
Gomes, discreteando sobre Machado e Anatole France, cuja ironia
saboreava, e de quem conservava como recordao um volume de
Thais encontrado num campo de batalha, na Itlia. Um dia Eug-
nio Gomes surpreendeu-se ao referir-lhe o Presidente, com ar de
riso, uma passagem de A Ilha dos Pingins, fico cheia de stiras
sobre a situao poltico-militar da Frana de Napoleo I I I .
Asdrbal Ulissia foi encarregado das comunicaes com o Con-
gresso, e Salvador Diniz chefiou a Assessoria Especial. ris Coelho,
discreta, diligente, acumulava as funes de secretria com as de
taqugrafa do Presidente.
E durante trs anos, embora sofresse pequenas alteraes, essa
mquina ajudou o Presidente, que raramente se libertava das nor-
mas que ela lhe impunha em nome da segurana.
Depois, o Presidente passou ao exame do que chamou a "massa
9
10
Idem.
Miguel Reale, Imperativos da Revoluo de Maro. Livraria Martins
Editora, 1965.