As Misérias Do Processo Penal
As Misérias Do Processo Penal
As Misérias Do Processo Penal
Gabriel Faria.
Introduo Obra
Captulo I A Toga
Qual estudante de direito de primeiro ano no se encantou ao entrar, pela primeira
vez, em um salo do jri e ver o juiz togado, junto com o promotor e o advogado?
Temos certeza que todos. Este o intuito de Carnelutti no primeiro captulo de sua
obra: descrever o sentimento que todos - no s o estudante de direito de primeiro
ano - sentem ao ver um operador do direito trajando aquela veste que simboliza no
s a formalidade processo, mas tambm a solenidade do momento.
A primeira ideia que nos passada aborda o sentimento de unio que a toga traz
para aqueles que a usam, pois para o autor:
A toga, verdadeiramente, como a veste militar, desune e une; separa os magistrados
e advogados dos delinquentes, para uni-los entre si. Esta unio, observamos bem,
tem altssimo valor (CARNELUTTI, 2009, p. 18).
No momento da audincia, no temos apenas um homem togado, vestido de juiz;
temos um representante do Estado, investido de jurisdio, que ir, atravs da
funo judicante, dizer o direito daquele que supostamente delinquiu. Ao seu lado,
vemos outro homem togado, o promotor de justia, que tambm no apenas mais
um homem togado; trata-se do representante da justia pblica, aquele que tem a
funo de zelar no s pela ordem pblica, mas tambm pelo interesse social; aquele
que tem, segundo a nossa prpria lex mater, funo essencial justia. E por fim, ao
lado do banco dos rus, temos aquele que tambm no apenas mais um homem
vestido de toga, o advogado, cuja funo, uma das mais nobres dentro do processo,
se resume em lutar, pessoalmente, pelo direito daquele que claramente colocado
numa situao de desvantagem dentro da relao processual; nisto est a
importncia do advogado, pois sem ele, no haveria uma igualdade entre o ru e
aqueles mais que ocupam o cenrio processual.
Nesta linha de raciocnio, entendemos o motivo pelo qual a toga faz unir os
operadores do direito e, ao mesmo tempo, os isola dos civis: a autoridade.
Captulo II O Preso
Logo no primeiro pargrafo do segundo captulo de sua obra, Carnelutti nos
apresenta ideia de que:
solenidade, para no dizer majestade, dos homens de toga contrape-se o
homem no crcere. No esquecerei nunca a impresso, que deste tive a primeira vez
na qual, ainda adolescente, ingressei na Corte de uma seo penal no tribunal de
Turim. Aqueles, dir-se-ia, sobre o nvel do homem; este, em baixo, preso na cela,
como um animal perigoso. Sozinho, pequeno, apesar de sua elevada estatura;
perdido, ainda que procurasse ser desembaraado; pobre, miservel,
necessitado... (CARNELUTTI, 2009, p. 23).
Toda a aquela ideia de solenidade, passada no outro captulo, empregada quelas
figuras do processo, diversamente no vista no ru. Como j dito anteriormente, na
primeira vez em que um estudante de direito entra em um salo do jri, ao ver as
figuras togadas juiz, promotor, advogado tomado por um sentimento diferente,
de encanto, admirao, motivado pela prpria solenidade do processo. Todavia, o
mesmo estudante de direito, ao entrar pela primeira vez em um salo do jri,
quando se depara com o ru, muitas vezes algemado, escoltado, tambm passa a
sentir algo novo; todavia, este sentimento, tambm motivado pela solenidade do
processo, de repulsa, desgosto, por ver sua frente, algum que, em tese, fez mal
ao prximo. Na mente dos populares, o ru no s est sendo julgado, mas tambm
j deve ser condenado sem se valer do seu direito de defesa.
Neste captulo, o jurista italiano permite uma reflexo luz de um intrigante
princpio do Direito Penal: Coculpabilidade do Estado. Tal princpio nos ensina que,
na verdade, o Estado possui uma parcela de culpa sobre os atos criminosos
praticados, pois nossa Lex Mater assegura a todos educao, direito moradia,
sade, lazer, proteo infncia e a assistncia aos desamparados[1], ou seja, os
meios necessrios para que todos os cidados no s desenvolvam sua natureza
humana, mas tambm estejam includos no contexto social. No momento em que o
Estado descumpre sua funo, no momento em que o Estado passa a ser faltoso, h
a prtica de atos criminosos. Sendo assim, o Estado tem uma parcela de culpa nos
atos criminosos praticados.
Estas so basicamente as ideias que Carnelutti explora no segundo captulo de sua
obra: por detrs do ru, por detrs do criminoso, por detrs do delinquente, h uma
vtima do contexto social, um marginal que precisa ser resgatado das margens da
sociedade.
Francisco (So Francisco de Assis), justamente por que melhor que qualquer outro
interpretou Cristo, desceu mais ao fundo que qualquer outro no abismo do problema
penal. Francisco, s Francisco compreendeu, beijando o leproso, o que quis dizer
Jesus com o convite a visitar os encarcerados(CARNELUTTI, 2009, p. 25).
Captulo XI Da Libertao
Neste captulo, nos retomada a ideia de que o processo sempre acompanhar o
preso, at o ultimo dia da sua vida, pois como bem disse o autor:
O preso, ao sair da priso, acredita no ser mais um preso; mas as pessoas
no (CARNELUTTI, 2009, p. 83).
Nisto reside, em nossa opinio, uma das maiores misrias do processo penal: pensar
que aquele que delinquiu, no poder mudar; ademais, como j falado, ningum
nasceu para o crime, salvo casos patolgicos excepcionais; o homem fruto do meio
social em que vive, ento por que no acreditarmos no seu possvel resgate para a
civilidade?
Infelizmente, estamos diante de um fenmeno psicossocial, um preconceito coletivo,
que nos imposto, pois desde criana, somos ensinamos a vibrar quando um menor
infrator preso, somos ensinados, dentro de nossos prprios lares, a comemorarmos
a priso de um furtador. Ao invs de sermos ensinados a sentir clemncia por estas
pessoas, somos ensinados a desejar vingana.
Como j exposto, para ns, o crime como uma ferida que brota naquele que o
pratica, e o processo, um cicatrizador desta ferida. Para o prejuzo daquele que
delinquiu, esta cicatriz o acompanhar at o ultimo dia de sua vida.
REFERNCIAS
CARNELUTTI, Francesco. As Misrias do Processo Penal. Trad. Ricardo Rodrigues
Gama. 2 ed. Campinas: Russel, 2009.
PIRES, Antonio Fernando. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Volume 1. 16 ed. So Paulo: Saraiva, 2012.