Hulda Silva Cedro Da Costa
Hulda Silva Cedro Da Costa
Hulda Silva Cedro Da Costa
Goinia
2013
HULDA SILVA CEDRO DA COSTA
Goinia
2013
CDU 24(043)
Aos meus queridos pais, Frederico Pinto Cedro e
Hulda da Silva Cedro (in memoriam).
Aos meus pais, Frederico Pinto Cedro e Hulda da Silva Cedro (in memoriam)
pelas lies aprendidas e pelo carinho, ternura e amor imenso que me devotaram
por toda a existncia deles nesse plano terreno, pessoas s quais s tenho a
agradecer do fundo do meu corao por tudo que me proporcionaram.
Aos meus filhos, Thas Cedro Gomes, Daniel Cedro Gomes, e Rafael Cedro
Gomes, e respectivamente s minhas noras, Dinide Paula Rodrigues e Zilda
Moraes Vilela. Aos meus netos, Lucas Cedro Temponi, Samuel Cedro Temponi e
Gustavo Cedro Gomes Mesquita. Aos meus enteados, Kaline Delevedove da Costa,
Italo Rodolfo Oliveira da Costa, Jssica Karla da Costa (enteada/nora) e Sanau
Baltazar da Costa. Aos meus irmos, Mrcio Ferreira Cedro (in memoriam) e Maria
Rachel Ferreira Cedro, aos meus sobrinhos, Tho Valeriano Ribeiro, Milena Ribeiro,
Thiago Ribeiro, Fernanda Ribeiro, Sara Ribeiro, Gabriel Ribeiro Roque Ferreira,
Stela Ribeiro Roque Ferreira, e ao meu marido, Oli Santos da Costa. Pessoas s
quais agradeo imensamente pelo companheirismo, amizade, incentivo e torcida
carinhosa por minha deciso de busca de aprimoramento intelectual. E ainda pela
compreenso das longas horas furtadas de nosso convvio familiar devido a
elaborao da tese, motivo pelo qual no foi possvel estar presente e participar de
inmeros momentos festivos realizados durante estes quatro anos.
Ao Prof. Dr. Eduardo Gusmo de Quadros por sua presena que muito
contribuiu para abrilhantar a composio da banca examinadora.
Profa. Dra. Maria Emlia Carvalho de Arajo Vieira por ter gentilmente
aceito o convite para compor a banca de defesa de tese, o que me deixou muito feliz
e honrada.
COSTA, Hulda Silva Cedro da. Umbanda, uma religio sincrtica e brasileira.
Tese (Doutorado em Cincias da Religio). Programa de Ps-Graduao Stricto
Sensu em Cincias da Religio da Pontifcia Universidade Catlica de Gois (PUC-
Gois). Goinia, 2013.
COSTA, Hulda Silva Cedro da. Umbanda, a syncretic and Brazilian religion.
Thesis (Ph.D. in Religious Sciences). Post- graduate studies Stricto Sensu in
Religious Studies Catholic University of Gois (PUC - Gois). Goinia, 2013.
This thesis analyzes the Umbanda religion and its consolidated training process
through a continuous syncretism that began in the late 17th Century, with the first
black religious communities, mostly Bantus origin. This formation process of
Umbanda presented four phases. The first one began with the Calundu, in the 17th
Century, advancing to Cabula, in the early 19th Century, the Macumba, in the middle
of this same century, resulting in Umbanda, which emerged in the early 20th century,
and has become the fourth phase of this syncretic religious and continuous process.
The research is intended to open a discussion about the formation process of the
structural basis of The Umbanda Religion, which origin comes from the fusion of
several elements of African origin, the Spiritualism of Kardecista, the elements of
indigenous origin and even the elements of Catholicism. This way, it characterizes a
highly syncretic process, and because of its approach to Christianity, a significant
separation from its African headquarters occurred. Nowadays, some theorists do not
want to use the term syncretism, relating it to situations of domination, as something
impure, and therefore, relegated as a negative term, considered a pejorative concept,
such as bringing in its essence, a conception of the mixture, thus denying the
originality and identity of the Africans descent people. Thus, some researchers
prefer to use the terms hybridity and bricolage(DIY), stating that these terms are
different from the term syncretism. As a result of this debate, we can clearly identify
in which parts of the discussion these authors either match or differ in their points of
view, and how different and distant they are in their theories about these terms, in
order to verify the applicability of the Umbanda Religion. We approach the search
process of its legitimation as a Brazilian Umbanda religion, and to be accepted by the
ruling class. Accordingly, we analyze its passage by the Vargas era, its relationship
with the Catholic Church and the military dictatorship, when it reached its zenith. We
analyzed its precipitous decline, from the 1980s on, with the growth of neo-
Pentecostal movements. Since then, the Umbanda has been in decline, but revived
in the 21st. century, represented by three major religious segments namely: Initiative
Umbanda, Holy Umbanda and Cross Line Umbanda.
INTRODUO ..............................................................................................11
CONCLUSO..............................................................................................139
REFERNCIAS ...........................................................................................152
11
INTRODUO
ainda da pesquisa explicativa que um tipo de pesquisa mais complexa, pois, alm
de registrar, analisar e interpretar os fenmenos estudados, procura identificar seus
fatores determinantes, ou seja, suas causas (ANDRADE, 2006, p.125). A pesquisa
explicativa tem por escopo aprofundar o conhecimento da realidade, procurando a
razo, o porqu das coisas; por isso mesmo est mais sujeita a cometer erros.
Contudo, pode-se afirmar que os resultados das pesquisas explicativas
fundamentam o conhecimento cientfico (ANDRADE, 2006, p.125).
Ao procedermos a coleta do material a ser utilizado, selecionaremos as obras
mais importantes relacionadas temtica objeto de estudo, e a seguir, faremos as
leituras e os fichamentos respectivos dessas obras selecionadas. Por fim,
procederemos as anlises e interpretaes dos dados coletados, momento
fundamental de nosso trabalho, porque a importncia dos dados est no neles
mesmos, mas no fato de proporcionarem respostas s investigaes (MARCONI e
LAKATOS, 2011, p. 21). Dessa forma, anlise e interpretao so duas atividades
distintas, mas estreitamente relacionadas e, como processos, envolvem duas
operaes (MARCONI e LAKATOS, 2011, p. 22).
A pesquisa bibliogrfica nesse sentido, foi por ns considerada como a mais
apropriada para procedermos a contento o nosso trabalho, por entendermos que,
1
Por meio desse processo de concesso de grandes extenses de terras, ocorrido por volta de
1531, foram criados incontveis latifndios originando, dessa forma, a excruciante problemtica
terreal que vigora em nosso pas at os dias atuais. Os nobres senhores que as recebiam, tambm,
deveriam em contrapartida ter que cumprir certas obrigaes que incluam, alm das duas
supracitadas, de morar na terra e ter que cultiv-la, deveriam, tambm, demarcar essas novas
terras recebidas, submet-las a uma posterior demarcao e ainda pagar os tributos que eram
exigidos. Mas, desnecessrio registrar que em sua grande maioria tais obrigaes no eram
cumpridas, mesmo havendo duas consequncias graves previstas para o caso de quaisquer
descumprimentos das mesmas, que eram o pagamento de multa, pois caam em comisso, alm de
perda da terra, que era novamente reincorporada aos bens pertencentes Coroa portuguesa para
ser redistribuda a novos interessados (GISCHKOW, 1988; MARQUES, 2012).
19
Posteriormente, por volta dessa mesma poca, a colonizao foi efetivada, tambm,
pela vinda de pessoas que eram degredadas, por haverem sofrido pena de exlio ou
outros tipos de banimento, como punio a atos tidos como criminosos praticados
em Portugal, e para essas pessoas vir para c constitua de certa forma um grande
castigo (SOUZA, 2009).
Destacamos que a partir de 1497 comearam em Portugal, de forma bastante
acirrada algumas perseguies em relao aos negros, mulatos, judeus, mouros e
ciganos que eram considerados cristos novos e sofriam preconceito racial e muitas
perseguies do Santo Ofcio da igreja catlica e da nobreza lusitana, foram
degredados para as colnias, especificamente a do Brasil (CARNEIRO, 2005).
2
Inicialmente houve no Brasil a explorao de pau-brasil, e s posteriormente que os portugueses
desenvolveram atividades ligadas ao cultivo e produo da cana de acar, e do extrativismo de
minrios e de outras riquezas para enviar para a metrpole.
20
3
O historiador, Frei Fidlis Maria Di Primiero (1952) afirma que Sum ou Xum era um Gro Sumo
Sacerdote sumrio que esteve entre os ndios do Brasil muitos anos antes da colonizao
europeia, aproximadamente 3.000 a.C. Frei Fidlis atribui tambm, a Sum, a idealizao do
caminho de Piabir. Disponvel em <http://www.blogdodelmanto.blogspot.com/2011/05/templo-
negro-falico.html>. Acesso em: 16 dez. 2011.
22
4
O vocbulo etnia de origem grega, mas, a sua utilizao recente, pois, passou a ser empregada
na lngua francesa somente por volta do final do sculo XIX (AMSELLE e M'BOKOLO, 1985). Etnia
uma palavra que se pretende ser cientfica e que substitua a palavra raa, que traz uma
concepo carregada de ideias preconceituosas. Etnia significa uma sociedade ou grupo de
homens que caracterizada por afinidades culturais, lingusticas, religiosas e de diversos hbitos e
tradies. Ressaltamos que a ideia de pertena a um determinado grupo implica a ideia da
existncia de outros grupos excludos e propicia, dessa forma, o surgimento de uma conscincia de
separao. Assim, as teorias da etnicidade acentuam o fato de que o Ns constri-se em oposio
ao Eles () ao mesmo tempo que afirma um Eu coletivo, nega um Outro coletivo (POUTIGNAT,
1998, p.122-3)
24
reconhecido como sujeito, ele tem que negociar, se apropriar de alguns elementos
da cultura e da religio do seu senhor, mas, sem perder totalmente as
caractersticas de sua cultura. Neste contexto, forma-se uma identidade nova que
congrega valores de ambas as culturas, mas, com predominncia dos traos
culturais do dominador.
O negro percebeu a necessidade de criar uma forma de se apropriar daquilo
que o outro possua para que pudesse ser percebido como igual a esse outro. H o
desejo de ser o outro pelo que o outro representa e tem, e que o negro almeja
ardentemente possuir, porm, ao atingir o patamar de igualdade face ao branco, as
fronteiras mudam e um outro patamar surge, que o desafia no sentido dele ter que
alcan-lo novamente. Assim, no existe uma nica frmula que d conta de uma
sociedade, pois, antes mesmo de uma nova frmula ter acabado de desalojar as
velhas, j h outra nova para suplant-la (HOCART, 1952, p. 57)7. Na estruturao
dessa nova identidade, o negro vale-se de uma frmula, que podemos denominar de
sincretismo, sobre o qual vamos discorrer mais adiante, e ainda, no momento em
que analisaremos a formao estrutural da religo Umbanda.
As identidades dos indivduos so resultantes das trocas, dos emprstimos e
das negociaes que ocorrem no cerne dos encontros entre duas ou mais culturas
diferentes. Nesse sentido, o primeiro elemento que, provavelmente, contribuiu para a
formao da identidade que os negros ao virem para o Brasil foram adquirindo, se
deu como consequncia das identificaes que lhes eram atribudas pelos
colonizadores portugueses ao transportarem-nos para o Brasil (SOUZA, 2009). Os
negros alm de no serem vistos como pertencentes s suas reais famlias de
origem, no eram nem chamados pelos seus verdadeiros nomes, mas sim, como
indivduos vindos de Guin, da Costa da Mina ou de Angola. Dessa forma, a
procedncia uma vez registrada se transformava num atributo do nome, uma
verdadeira identidade que acompanhava o escravo ao longo da vida mesmo depois
do forro (SOARES, 2000, p. 105). Os africanos foraram a construo de uma nova
identidade, mas no conseguiram deixar de ser estranhos do ponto de vista do
colonizador branco, que os via como diferentes, pegajosos, que deviam permanecer
separados, pois eles ameaavam acabar com os limites das fronteiras existentes
para manter a identidade nacional. Assim,
7
There is no single formula that accounts for a society because, even before a new formula have
just displace the old, is already emerging for a new one supplants it (HOCART, A. M. The Northern
State of Fiji. Londres: Royal Anthropological Institute Occasional, 1952, p. 57). (traduo nossa).
26
8
Este perodo de 350 anos aproximadamente compreende o lapso temporal decorrido desde
meados do sculo XV at o fim do trfico negreiro ocorrido em 1850. Ressaltamos porm, que
mesmo depois de ter sido proibido o trfico de escravos pelo advento no Brasil da lei Eusbio de
Queiroz, esse trfico se prolongou de forma clandestina at 13 de maio de 1888, com a edio da
lei urea que ps fim definitivo a esse trfico de escravos no sendo mais possvel a partir da
empreend-lo. O Brasil foi o ltimo pas das Amricas a abolir a escravido de seu territrio e o
concomitante trfico de escravos negros africanos, mas foi um dos primeiros pases a adot-la
(MAESTRI, 1994, p. 5).
28
religioso e lingustico ocorrido entre duas culturas religiosas to distintas entre si. A
criao das irmandades leigas negras no Brasil fruto dessa busca por recriar um
espao simblico, composto de elementos de origem africana, em que eles possam
vivenciar as suas crenas religiosas. Vejamos a seguir a origem de sua criao e as
implicaes antropolgicas e sociolgicas advindas com o seu surgimento.
9
Esses reis negros eram reconhecidos enquanto autoridade mxima, durante todo o tempo em que
duravam as festas que se realizavam em sua homenagem, onde eram at o sculo XVIII
denominados reis de nao, e posteriormente a partir do sculo XIX denominados Reis do Congo.
As festas e os reis negros iam agrupando sob seu manto comunidades negras que percebiam
menos suas diferenas internas e ressaltavam a origem africana que unia a todos (SOUZA, 2009,
p. 117). Ressaltamos que no decorrer do ano, os reis negros eram ainda procurados para a
soluo de problemas individuais, e ou de conflitos que ocorriam entre os escravos e os senhores,
ou ainda com os administradores da colnia (SOUZA, 2009).
30
apenas, no sentido de acharem que elas se constituam numa forma dos negros
amenizarem a dor e o cansao trazidos pela labuta diria do trabalho escravo, e ora
adotavam posies no sentido de reprimirem severamente e at mesmo suprimirem
essas manifestaes religiosas.
Com a vinda da famlia imperial para o Brasil, em 1808, a represso em
relao s manifestaes religiosas dos negros e de seus descendentes, se agravou
profundamente passando a ser, inclusive, proibido a partir de ento, o uso de
tambores e de atabaques em suas manifestaes religiosas (SOUZA, 2006). Nesse
contexto de represso, do sculo XIX, no Brasil imperial, os cultos religiosos e as
manifestaes culturais praticadas, predominantemente, pelos negros do tronco
lingustico banto, foram por eles escamoteados, e isso desencadeou um processo
de ressignificao e sincretismo.
11
Mas, anteriormente a vinda dos escravos negros africanos para o Brasil, e antes, tambm, da vinda
dos portugueses, aqui j se encontravam, como j foi visto, os povos nativos, amerndios,
civilizaes pr-colombianas que ocupavam, principalmente, a costa brasileira do pas.
32
12
A rainha Njinga, que viveu no sculo XVII, chefiava o Dongo, e tambm, o Matamba, um estado
vizinho, foi a maior lder da resistncia local e entrou para a histria de Angola como um de seus
mitos fundadores. Njinga ou Jinga, como tambm chamada, governou de 1626 a 1663, quando
faleceu com mais de 80 anos (SOUZA, 2009, p. 70).
Mas, por outro lado, a despeito de ter contribudo muitas vezes para que inmeros pontos de
vendas de escravos africanos fossem fechados face ao medo que seus liderados inspiravam e a
presso que exercia sobre os chefes locais, a posio da rainha Njinga com relao ao trfico era
ambivalente, s vezes abrindo e s vezes fechando os mercados (Souza, 2006, p.109).
33
13
O vocbulo aculturao foi criao do antroplogo americano, J.W. Powell, por volta de 1880, e
significava a transformao dos modos de vida e de pensamento dos imigrantes ao contato com a
sociedade americana (CUCHE, 2002, p.114).
14
Do original em espanhol: Los historiadores fueron los primeros em ser atrados por el estudio de
los encuentros entre las civilizaciones, que se chocan unas com outras y se mezclan em el
transcurso del tiempo; pero no extraen de sus descripciones un cuerpo de doctrina sistemtico
(BASTIDE, Roger. Problemas del entrecruzamento de las civilizaciones y de sus obras. In:
GURVITCH, Georges (org.). Tratado de sociologa. Tomo Segundo. Buenos Aires: Editorial
Kapelusz, 1963, p. 373). (traduo nossa).
15
Do original em ingls,"Acculturation in the set phenomena that result in direct and continuous
contact between group of individuals from different cultures and cause changes incultural models
initial one or two groups". (REDFIELD, Redfield; LINTON, Ralph; HERSKOVITS, Melville J.
Memorandum on the study of aculturation American Anthropologist. New York: J. F. Augustin, 1936,
p.149). (traduo nossa).
35
o grupo que recebe" (CUCHE, 2002, p. 129) pois, levando esse princpio em conta
perceberemos que no h cultura que simplesmente s receba e outra que s seja
doadora.
No entanto, ao observar as relaes estabelecidas entre os povos negros e
os colonizadores, os pesquisadores do-se conta de que estas relaes so
assimtricas (MOURA, 1988) e que o processo de aculturao no to pacfico, e
na maioria das vezes so desiguais. No caso do Brasil, isto se deu a partir de certa
imposio da cultura dos colonizadores sobre os povos negros, cujo objetivo era
tornar o outro mais igual a mim para coloc-lo melhor a meu servio (BRANDO,
1986, p. 8).
Embora os negros no Brasil tenham sido vtimas de tal imposio cultural e
religiosa, os mais recentes estudos antropolgicos (CUCHE, 2002; BITTENCOURT
FILHO, 2003; SHAW; STEWART, 1994) reconhecem que nestes contatos houve
espaos para a resistncia e a negociao. Os negros no foram observadores
passivos, pois houve trocas e interesses. Neste contexto, a cultura dominada
observa a cultura dominante, aprende, negocia ou resiste a ela com maior ou menor
fora. H assim, um processo de traduo simblica, ou seja, a apropriao de
elementos de outras culturas feita pelos indivduos (dominados ou no) face aos
encontros culturais (POMPA, 2006). Existe uma tendncia a se utilizar das relaes
apreendidas no mundo do outro para ressemantizarem seu prprio universo
(SANCHIS, 1994, p. 9).
diante deste quadro complexo das relaes culturais que surgem no Brasil
as novas identidades, os novos discursos permeados pelo processo de aculturao
e traduo cultural e religiosa.
Assim, cabe analisarmos, tambm, como se deu a relao entre cultura e
religio para podermos entender o fenmeno do sincretismo religioso brasileiro, e de
que maneira a religio Umbanda se insere nesse cenrio.
16
Texto: O papel da religio para a cultura: breves ensaios sobre religio como sistema simblico,
extrado da Apostila fotocopiada e distribuda pela professora, Dra. Irene Dias de Oliveira, em sala
de aula durante a disciplina, Cultura e Sistemas Simblicos, ministrada por ela, no segundo
semestre de 2009, no Doutorado em Cincias da Religio da Pontifcia Universidade Catlica de
Gois, PUC-Gois.
37
precederam esse perodo, como exemplo, o Calundu18 que surgiu no Brasil colonial,
no final do sculo XVI, o Catimb19 e a Pajelana20 surgidos no sculo XVII. Nina
Rodrigues se referia s divindades denominadas de orixs, que foram trazidas pelos
iorubs, que chegaram ao Brasil, somente no incio do sculo XIX, e foi este
contexto especfico que serviu de material de anlise e estudo para Nina Rodrigues.
Sob o nosso ponto de vista porm, tanto a justaposio como a equivalncia e a
iluso catequtica foram processos, tambm, intencionais, instrumentos utilizados
pelos negros para que eles pudessem escamotear os seus cultos originais e
presevar as suas divindades. Ressaltamos, que anteriormente a vinda dos iorubs
no havia divindades denominadas orixs. A equivalncia e a justaposio feitas
entre os santos catlicos e os orixs, a partir do sculo XIX, iro reforar o processo
de sincretismo religioso contnuo que era existente anteriormente essa data entre
as comunidades negras.
Arthur Ramos (2001), dando continuidade aos estudos de Nina Rodrigues, se
refere ao sincretismo religioso como uma simbiose, uma mistura do resultado de
diferentes cultos, que se fundem ao entrar em contato, onde as formas mticas
mais adiantadas absorvem as mais atrasadas. Igualmente, Waldemar Valente
(1976) concebe o sincretismo como uma simbiose, uma intermistura de elementos
advindos de encontros culturais e consequentemente religiosos, por meio dos
quais surge uma nova cultura formada pelas caractersticas das culturas que a
gerou, podendo porm, essa nova cultura apresentar em maior ou menor escala
caractersticas das culturas anteriores das quais se originou.
Percebemos na Umbanda essa intermistura que caracteriza um sincretismo
religioso formado por elementos indgenas, africanos e portugueses, que podem
cada um deles, em determinados momentos, serem claramente perceptveis em sua
estrutura e caracterstica particular, conforme iremos demonstrar no segundo e
terceiro captulos.
18
A palavra Calundu de origem angolana, e vem do vocbulo kilundu, que significa um ente
sobrenatural que dirige os destinos humanos, entrando num corpo de uma pessoa. No sentido
etimolgico, significa aquilo que a torna triste, nostlgica e mal humorada. No sculo XVII, tinha o
significado de curandeiro, feiticeiro, pessoa que detinha conhecimento de inmeras tcnicas
medicinais. Como religio, era formada por uma mistura de elementos africanos, portugueses e
indgenas (SILVEIRA, 2005).
19
Catimb uma religio afrobrasileira sincrtica, que surgiu no sculo XVII, no nordeste brasileiro
(BASTIDE, 1985).
20
A palavra Pajelana, vem da lngua tupi, e significa paj, xam ou curador. uma religio
afrosincrtica que surgiu na Amaznia, no sculo XVII. Posteriormente, a partir do sculo XIX, a
Pajelana passou a ser vivenciada, tambm, no norte e no nordeste do Brasil (FERRRETTI, 2004).
41
Edison de Souza Carneiro (1981) utiliza ora o termo fuso e ora o termo
sincretismo, se referindo ao mesmo fenmeno. Aborda a influncia do catolicismo
popular e do espiritismo como contribuies para o sincretismo e comenta que
tanto o catolicismo, quanto o espiritismo e alguns elementos advindos da religio
amerndia contriburam para criar e perpetuar a religio dos negros. Ele destaca
que nos cultos dos negros africanos h a presena significativa de smbolos
catlicos, que so tratados com respeito idntico aos expressados pelos cristos, e
que o catolicismo influenciou de sobremaneira as religies dos negros,
21
Baixo espiritismo uma expresso que surgiu no final da dcada de 1920, derivada de uma outra
expresso denominada, falso espiritismo. Ambas essas expresses conviveram paralelamente,
utilizadas pelas autoridades policiais e judiciais at por volta de 1930, perodo em que a utilizao
da primeira expresso abarca a da segunda (GIUMBELLI, 2003).
Alguns tericos, tais como, Roger Bastide (1985), Patrcia Birmam (1985) Yvonne Maggie (1986,
1992) e Emerson Giumbelli (2003), tambm, abordaram a concepo de baixo espiritismo.
42
aquilo que seria caracterizado com bom ou mau em relao s prticas religiosas
dos espritas (MAGGIE, 1992).
Jos Bittencourt Filho (2003) concebe o sincretismo, como uma mescla, uma
simbiose, ou fuso formada por diferentes elementos culturais, e utiliza em alguns
momentos, o termo interpenetrao cultural. Nessa nova composio de elementos
culturais advindos da simbiose, mistura ou fuso de elementos culturais diferentes
que se interpenetram, em maior ou menor escala, h caractersticas dos elementos
das culturas originrias. E, em face desta fuso ocorre o partilhar de experincias,
atitudes e tradies entre os indivduos, e os grupos assimilam hbitos, partilham
histrias e tradies de outros grupos, consequentemente, isso redunda numa
mesma vivncia cultural. Muniz Sodr (1988, p. 132) em relao especificamente
aos negros que vieram para o Brasil, na condio de escravos, afirma que,
algo patolgico, nem algo que possa ser considerado como um mal necessrio, tendo
em vista que o prprio "cristianismo um grandioso sincretismo" (BOFF, 1977, p. 53).
O sincretismo religioso anterior ao prprio processo de escravido e vinda
dos negros para o Brasil. Ele remonta frica, portanto, considerado como um
fenmeno intertribal (VALENTE, 1976), e um termo que congrega paradoxos, erros
e muitas contradies (FERRETTI, 1995; CANEVACCI, 1996). O sincretismo
nominado por alguns tericos, dentre outros termos, como transculturao
(MUNANGA, 1996; ORTIZ, 1983), aculturao, reinterpretao (HERSKOVITS,
1969; SANCHIS, 1994; HENRY, 1987; REHBEIN, 1985), e como contgio cultural
(CANEVACCI, 1996).
Ressaltamos que por outro lado, h a concepo de falso e de verdadeiro
sincretismo, considerando-se verdadeiro aquele que consegue levar aos homens a
mensagem crist de crena na paternidade de Deus e na ressurreio, procedendo a
cristianizao efetiva de uma dada cultura, aquele, portanto, que suscita a
fraternidade entre os indivduos. Por outro lado, falso sincretismo o que conduz
paganizao do cristianismo, com a respectiva descrena em um Deus Pai, e que
leva, dessa forma, os homens ao egosmo, a despeito de que possa aparentar uma
religio santa (HOONAERT, 1978).
O sincretismo religioso considerado ainda, como um processo hierrquico
existente entre uma religio que se considera superior, dominante, que no caso, o
cristianismo, sobre outra religio, que vista como inferior e dominada, que so as
religies africanas (VALENTE, 1976). Mas, essa hierarquizao entre religies e a
concomitante superioridade delegada ao cristianismo face s religies afrobrasileiras
desmistificada (SANTOS, 1977), tendo em vista se negar quaisquer hierarquias
existentes entre as religies africanas e o cristianismo, por entender-se que, tambm,
o cristianismo sofreu influncia das religies fetichistas.22
Na realidade, h apenas religies que so dominadoras e outras que so
dominadas (MOURA, 1988). Nesse sentido, no se pode considerar o sincretismo a partir
da concepo do carter de inferioridade que se delega s religies africanas e de seus
22
Religies denominadas fetichistas so aquelas que utilizam objetos materiais que possuem atribuies
e poderes mgicos, e so por seus praticantes considerados sagrados (RODRIGUES, 2006).
Em pocas pretritas, esse termo foi utilizado para se referir aos artefatos que os negros
escravizados, que vieram para o Brasil, usavam em seus rituais religiosos. Mas, hoje tem um
sentido, uma conotao pejorativa.
Ressaltamos, que na perspectiva do desenvolvimento de uma teoria econmica e poltica para o
fetiche, aplicada mercadoria e ao capital, o fetiche um instrumento fundamental para que seja
mantido o modo de produo capitalista, pois, ele se constitui na iluso por meio da qual
naturalizado um ambiente social, que expressa uma aparncia de igualdade, e oculta a essncia
daquilo que desigual (MARX, 1985).
44
23
No Brasil, aps a libertao dos escravos e a proclamao da Repblica, aumentou
significativamente o contato da comunidade negra com a sociedade lusobrasileira (formada por
pessoas brancas). Esses contatos, entretanto, eram mais informais, e tambm, de carter mais
cultural do que social. Nesse contexto histrico, onde se buscava uma integrao nacional entre
todos os brasileiros, independentemente de sua cor da pele ou de sua origem tnica, onde,
coincidentemente, os contatos com a frica praticamente cessaram, isso tudo gerou uma
desconstruo monstruosa das tradies, dos valores e das crenas dos negros africanos e de
seus descendentes. Como resposta, os negros passaram a vivenciar o 'princpio de corte',
edificando em seu interior, uma barreira quase intransponvel entre os dois mundos opostos que
nele habitavam, o que lhe permitiu uma dupla fidelidade a valores frequentemente contraditrios
(BASTIDE, 1985, p. 238). Entretanto, esse processo no foi doloroso ou lhes causou quaisquer
automutilaes, pelo contrrio, eles passaram a viver nas duas culturas (ao mesmo tempo) de
forma tranquila, sem que houvesse quaisquer conflitos entre elas ou se misturassem. O 'princpio
de corte' foi a soluo mais econmica ao problema da coexistncia pacfica de dois mundos
numa nica personalidade (BASTIDE, 1985, p. 238). Mas, esse corte no foi absoluto, pois, as
religies africanas no estariam isentas ou inclumes s sutis influncias que pudessem haver
advindas das religies do mundo dos brancos (BASTIDE, 1985). Destacamos que o 'princpio de
corte' oportunizou aos negros escaparem da condio de marginal, que lhes era imputada, por
terem passado a vivenciar, tambm, as crenas dos brancos.
Ressaltamos que, o homem marginal consiste naquele que atravs da migrao, educao,
casamento ou alguma outra influncia, abandona um grupo social ou cultura sem realizar um
ajustamento satisfatrio em outro, e encontra-se na margem de ambos, sem pertencer a nenhum
(STONEQUIST, 1948, p. 163).
47
tendncia foi colocar os elementos pertencentes a cada uma dessas duas religies,
a catlica e a africana, ao lado uns dos outros, sem que houvesse em relao ao
contedo de seus elementos quaisquer ligaes entre eles. Mas, para os africanos
brasileiros, os denominados afrodescendentes, gerao que se seguiu aos africanos
inicialmente escravizados, que no concebiam essas religies como separadas, por
no as terem conhecido dessa forma, houve a tendncia em se proceder a uma
completa identificao entre os elementos pertencentes a essas duas religies, pelo
fato das fronteiras entre estes diversos elementos religiosos serem
significativamente porosas. A isso se pode congregar o fato do sincretismo ter sido
dinamizado, face s lacunas que passaram a existir nas tradies e nas crenas
religiosas africanas, quando da vinda dos negros para o Brasil. Pois, essas lacunas
propiciaram o surgimento de novas necessidades, e o sincretismo foi o instrumento
por meio do qual foi possvel que essas lacunas pudessem ser preenchidas
(BERKENBROCK, 1997; SEGATTO, 2005).
A maioria dos autores concordam que o sincretismo seja fuso ou mistura de
elementos culturais diversos, anmalos entre si, embora deem outros nomes
diferentes de sincretismo para esse fenmeno. Ns entendemos que sincretismo
uma mistura de elementos culturais diversos que se agregam para dar origem a um
novo conjunto de elementos, agora transmudados e ressignificados, mas que,
mantm, em algum grau, as caractersticas trazidas das culturas originais.
Percebemos que o sincretismo25 est presente na base estrutural da Umbanda,
instaurada em 1908, mas, que entretanto, resultado de um processo religioso
sincrtico contnuo e intencional, iniciado nas primeiras comunidades formadas por
negros que foram trazidos para o Brasil, no final do sculo XVI. Destacamos que
esse conjunto de elementos culturais e religiosos diversos deram origem ao
processo que chamamos de sincretismo, que ao longo do tempo serviu como base
estrutural para as vrias fases da formao de religies afrosincrticas brasileiras, e
resultaram na Umbanda atual.
Alm das reflexes sobre o sincretismo, o debate cultural atual traz tona uma
outra categoria importante: o hibridismo. A seguir tentaremos entend-lo por meio
dos estudos empreendidos por alguns tericos, e posteriormente, veremos as
aproximaes e os distanciamentos existentes entre ele e o sincretismo.
25
Nesse sentido, concordamos mais com as teorias apresentadas sobre o sincretismo, trazidas por
Volney Berkenbrock (1997), Pierre Sanchis (1994, 1997, 2001), Clvis Moura (1988), Rosalind
Shaw e Charles Stewart (1994) e Aldo Natale Terrin (2003, 2004), por nos ajudar a entender
melhor o processo sincrtico perpassado pela religio Umbanda, objeto de nossa pesquisa.
51
1.7 O HIBRIDISMO
26
Percebemos, entretanto, que atualmente, os termos, hibridismo, hibridao e hibridizao no
esto totalmente vinculados uma conceituao ligada somente aos aspectos culturais, vez que
nos dicionrios consultados, ns verificamos que eles apresentam significados ligados a outras
reas do conhecimento diferentes da rea cultural.
52
27
Hibridismo um termo descritivo, ou explicativo, porm, tambm, um termo escorregadio e que
apresenta ambiguidades. Nesse diapaso, para Peter Burke (2010), por exemplo, outros termos
como, acomodao, apropriao e traduo cultural (expresso essa ltima, inclusive, que tem se
tornado muito popular), traduzem melhor os encontros culturais e as formas hbridas produzidas a
partir de ento, e propiciam a incluso do agente humano, suscitando a sua criatividade. Ele
acrescenta que ao contrrio, termos como, sincretismo, mistura e hibridismo excluem o indivduo,
colocando-o como mero observador externo.
28
Na pesquisa empreendida, percebemos, que os termos hibridismo, hibridao e hibridizao so
vocbulos empregados como sinnimos por alguns tericos (BURKE, 2010; CANCLINI, 2008;
CRUZINSKI, 2001; BAKHTIN, 1981).
53
29
douard Glissant (1997) adota o termo crioulizao, que inicialmente ele havia rejeitado, para
representar o resultado advindo de diferentes encontros culturais. Posteriormente, Abdala Jnior
(2004) passa, tambm, a utilizar o termo crioulizao. Para ambos, o mundo est se crioulizando,
se tornando cada vez mais mestio e mesclado. Patrick Chamoiseau (1997) igualmente adota o
vocbulo crioulizao, mas, em alguns momentos de suas anlises utiliza, tambm, o termo
hibridismo.
56
elemento, ou uma terceira cultura, que traz nsita em menor ou maior grau as
caractersticas das culturas originrias (HOONAERT, 1978; CANCLINI, 2008).30
Segundo, por ambos serem processos contnuos, que acontecem desde
sempre em todas as sociedades humanas, e concomitantemente, em todas as
religies. So processos em contnua modificao e sem que haja um ponto
determinado de chegada (CASTRO, 2007; SANCHIS, 1994; BURKE, 2010).
Terceiro, pela possibilidade de serem encontrados por toda a cultura e
dizerem respeito a todos os nveis socioculturais. Esto presentes, por exemplo, no
s na religio, mas, na filosofia, nas lnguas, na culinria, na arquitetura, na msica,
na literatura e nas artes. So concebidos como universais, vez que fazem parte da
normalidade da cultura. No so considerados, portanto, como fenmenos puros,
pois todas as culturas e religies advm de processos sincrticos ou hbridos
anteriores (BERKENBROCK, 1997; CANCLINI, 2008)31.
Quarto, por serem termos (vocbulos) que congregam paradoxos, erros,
contradies e apresentam ambiguidades, significados discordantes e escorregadios
(CANEVACCI, 1996; CANCLINI, 2008)32.
Quinto, por serem processos em que os tericos ao procederem as anlises
sobre ambos, normalmente, no levam em conta as contradies sociais que
acontecem no cerne desses fenmenos, e nem quilo que permanece, que no
sofre o processo de hibridismo ou de sincretismo. Por outro lado, se faz referncia
ao que os dominados possam ter assimilado de seus dominadores e quase nunca o
inverso (MOURA, 1988; CANCLINI, 2008).
Sexto, por serem concebidos como possibilidades de virem a contribuir para
consolidarem a situao de se poder viver, ou numa condio de sincretismo ou
hibridismo, a medida em que se aceita e se adota a postura de abertura e respeito a
essa condio, ou numa condio de guerra, por no se respeitar e estar aberto s
30
Comungam do mesmo pensamento trazido por Hoonaert (1978) em relao ao sincretismo
(HENRY, 1987; BITTENCOURT FILHO, 2003; VALENTE, 1976, e CUCHE, 2007). E em relao ao
hibridismo, na mesma direo da compreenso de Nestor Canclini (2008), temos o conceito trazido
por Zil Bernd (2004) e por Mikhail Bakhtin (1981), onde este ltimo se refere ao hibridismo sob a
perspectiva da linguagem. Patrick Chamoiseau (1997) e Homi Bhabha (1986, 2005) abordam
tambm essa perspectiva da linguagem, em algumas de suas anlises sobre o hibridismo.
31
Em relao ao sincretismo na mesma direo (CANEVACCI, 1996; BOFF, 1977; MUNANGA,
1996). E quanto ao hibridismo ou hibridao se adota, igualmente, esse entendimento (BURKE,
2010; BHABHA, 2005).
32
No mesmo sentido, concordando com Canevacci (1996) em relao ao sincretismo, temos Srgio
Ferretti (1995). E concordando com Canclini (2008) em relao ao hibridismo, temos Peter Burke
(2010) que, inclusive, sugere ser melhor a utilizao dos termos acomodao, apropriao e
traduo cultural, ao invs de sincretismo, mistura e hibridismo, pelo fato dos primeiros termos
pressuporem a incluso do indivduo no processo.
58
33
Nesse sentido em relao ao sincretismo outros tericos adotam essa mesma perspectiva
(BITTENCOURT FILHO, 2003; SHAW e STEWART, 1994; REHBEIN, 1985; SANTOS, 1977;
SOARES, 1993; FERRETTI, 1995; BASTIDE, 1985). Destacamos, que em relao ao hibridismo,
Nestor Canclini (2008) utiliza em suas anlises a terminologia hibridismo planejado, ou seja, aquele
em que os sujeitos conseguem fundir, intencionalmente, diferentes prticas culturais para dar
origem a novas estruturas e a novas prticas. No , portanto, o hibridismo somente um processo
espontneo.
34
Comungam do mesmo pensamento em relao ao sincretismo (BERKENBROCK, 1997; SANCHIS,
1994). E em relao ao hibridismo (BURKE, 2010; ABDALA JNIOR, 2004).
35
Na mesma direo, em relao ao sincretismo (SANCHIS, 1994; BITTENCOURT FILHO, 2003,
MUNANGA, 1996). E em relao ao hibridismo (BERND, 2004; ABDALA JNIOR, 2004;
CHAMOISEAU, 1997; SOUZA, 2004).
59
1.8 A BRICOLAGEM
Claude Lvi- Strauss foi um dos pioneiros a se referir a bricolagem,38 que para
ele consiste numa atividade artesanal de produo intelectual ou manual, que
chamou de primeira (por ser inicial), que tem a capacidade de reordenar ideias
heterogneas, estranhas entre si, e que so em nmero limitado, para que possa
realizar a composio de um conjunto final. O bricoleur consiste naquele que executa
trabalhos intelectuais ou manuais, mas, que se serve de meios que so indiretos, se
fossemos comparar com os trabalhos executados pelos artistas.39 O bricoleur pode
trabalhar tarefas variadas, mas no se vincula a nenhum projeto e seu universo
fechado porque lida com os meios limites, quais sejam, materiais finitos e anmalos,
que so o resultado das diversas oportunidades que se manifestam. A composio
dos elementos do conjunto com o qual o bricoleur lida advinda dessas
oportunidades que renovam e enriquecem o estoque desses elementos, e os pode
manter com os resduos de elementos da construo anterior. Esses meios limites
trabalhados pelo bricoleur no so determinados e definidos por meio de um projeto,
mas sim, pela probabilidade da utilidade que os elementos recolhidos e conservados
possam apresentar, no sentido de poderem vir a servir. Suas criaes se do pelos
novos arranjos de elementos que so compostos de uma natureza especfica, que
38
Ao procedermos a nossa pesquisa sobre a bricolagem buscamos inicialmente,nos dicionrios,
inclusive, no dicionrio francs o seu significado, porm, verificamos que nos mesmos constava
uma definio totalmente despida de qualquer relao pertinente cultura, ou aos encontros
culturais. O termo bricolagem, conforme o dicionrio Aurlio Buarque de Holanda Ferreira, um
substantivo feminino, vem do francs bricolage e significa, trabalho ou conjunto de trabalhos
manuais ou de artesanato domstico (FERREIRA, 2011, p. 279). No dicionrio francs, bricolage
um substantivo masculino, e significa biscate, pequeno trabalho domstico (CORREA e
STEINBERG, 1986, p. 46). Dessa forma, percebemos que esses significados encontrados no se
aplicavam diretamente a quaisquer temticas pertinentes s religies afro brasileiras, mas
lamentavelmente, foram os nicos trazidos pelos dicionrios pesquisados, inclusive, nos dicionrios
dispostos on line.
39
Na concepo de Lvi-Strauss o cientista cria fatos atravs da estrutura e o bricoleur cria
estruturas atravs de fatos (LVI-STRAUSS, 1989, p. 38). Na sua concepo, o engenheiro
interroga o universo, ao passo que o bricoleur se volta para uma coleo de resduos de obras
humanas, ou seja, um subconjunto de cultura (LVI-STRAUSS, 1989, p. 34-35).
61
40
Do original em ingls: The mythological universes are destined to be dismantled so formed so that
new universes may be born of its fragments (BOAS, Franz. Mythology and folk-tales of de North
American Indians. Reprinted In: Race, linguage and culture. New York, 1940, p.18). (traduo
nossa).
41
Tanto Claude Lvi-Strauss (1989) quanto Michel de Certeau (2011) utilizam a palavra usurio.
Particularmente Michel de Certeau (2011) a despeito de utilizar o termo consumidor, prefere a
palavra usurio por considera-la mais adequada. Ele afirma que o vocbulo consumidor pressupe
pessoas no criadoras e no produtoras, indivduos passivos e sujeitos totalmente cultura
imposta.
62
42
Michel de Certeau (2011) referindo-se ao encontro ocorrido entre os colonizadores espanhis e os
indgenas, afirma que estes ltimos faziam das aes rituais, representaes ou leis que lhes eram
impostas outra coisa que no aquela que o conquistador julgava obter por elas (CERTEAU, 2011,
p. 39). Percebemos, que o mesmo processo de subverso foi vivenciado pelos negros, no Brasil.
63
43
Num primeiro momento da vinda dos negros para o Brasil, como vimos, o sincretismo serviu como
um instrumento que procurava resolver de forma prtica os seus problemas do dia a dia e que
muito os atormentavam (FERRETTI, 1995). Na mesma direo, em relao ao sincretismo
(HOONAERT, 1978, BERKENBROCK, 1997). Resslatamos que se o sincretismo for analisado pela
perspectiva de sua origem ele se expressa como uma mistura de elementos diferentes e separados
uns dos outros, sem que haja quaisquer relaes entre eles (BERKENBROCK, 1997).
44
Ressalvamos que foi por meio do sincretismo, que os negros africanos escravizados procederam
ao preenchimento das lacunas do quebra-cabea formado pelos fragmentos de seu mundo
mitolgico e de seus cultos que haviam sido quase que totalmente desconstrudos ao sarem da
frica (SEGATO, 2005).
45
Da mesma forma, tambm, apresentam esta mesma concepo em relao ao sincretismo
(BERKENBROCK, 1997; BOFF, 1977; CASTRO, 2007; SEGATO, 2005; SANCHIS, 1994;
FERRETTI, 1995). E igualmente em relao a bricolagem (LVI-STRAUSS, 1989). Ressaltamos
que ainda, em relao bricolagem se concebe, tambm, que os saberes subjacentes as astcias
dos usurios, as variadas tticas utilizadas por eles no sentido de se aproveitar as oportunidades,
remontam a longa data, vo alm dos gregos, esto presentes, inclusive, nas astcias que podem
ser percebidas na flora e na fauna (CERTEAU, 2011).
46
Comunga do mesmo pensamento em relao ao sincretismo (CANEVACCI, 1996), e no que diz
respeito bricolagem (LVI-STRAUSS, 1989).
64
47
Concebem o sincretismo igualmente como um instrumento de resistncia cultural e religiosa
(VALENTE, 1976; MOURA, 1988).
48
Na mesma direo em relao ao sincretismo, (VALENTE, 1976; HOONAERT, 1978; HENRY,
1987; BITTENCOURT FILHO, 2003;CUCHE, 2002). Ressaltamos que em relao a bricolagem
concebido se manter as caractersticas dos elementos que entraram na composio final do
trabalho do bricoleur, porm, no mencionado em que grau de intensidade essas caractersticas
se manifestam, ou seja, se em menor ou maior grau de intensidade (LVI-STRAUSS, 1989).
65
49
Os primeiros escravos negros africanos a chegarem no Brasil colonial foi por volta de 1538, por
aquisio de Jorge Lopes Bixorda, um comerciante de pau-brasil, residente na Bahia. O trfico de
escravos negros africanos, entretanto, s foi implantado oficialmente no sculo XVII, e se
intensificou significativamente a partir do sculo XVIII. Disponvel em <http:// www.geledes.org.br/
esquecer-jamais/179/esquecer-jamais/14716-a-historia-da-escravido-negra-no-brasil.html>.
Acesso em: 17 dez. 2012. Portanto, sob o nosso ponto de vista, devido talvez a escassez de
negros escravizados no Brasil, e tambm, devido escassez de fontes que registrassem a forma
como viviam e de como eram as suas prticas religiosas em poca mais remota, anterior ao sculo
XVII, foi somente a partir deste sculo que se teve notcia dos cultos e das prticas mgico-
religiosas vivenciadas pelos Calundus.
68
Calundu,50 que era proibida pela igreja catlica da poca por ser considerada
hertica, vinculada s prticas demonacas, de curandeirismo e de adivinhaes
(COSSARD, 2008). Os Calundus se originaram das rodas de batuques, como eram
denominadas as reunies em que os negros ficavam tocando atabaques, tambores
e danando em seus momentos de folga, no entorno das senzalas (BASTIDE,
1985), e que se expandiram durante o sculo XVIII, devido ao aumento do
quantitativo de escravos negros que chegaram ao Brasil, procedentes de vrios
pontos do continente africano. Os calundureiros ou calunduzeiros como eram
chamados os praticantes do Calundu, no possuam um local fixo onde pudessem
se reunir e realizar os seus rituais. Os encontros eram normalmente realizados nas
casas dos adeptos, e as festas pblicas ocorriam nas residncias dos adeptos ou
nas senzalas. Mas, os Calundus no se constituam em simples cultos domsticos,
porque existia um calendrio a ser obrigatoriamente cumprido, inclusive, com
vrias datas festivas, onde seus participantes desempenhavam inmeras
importantes funes. Apesar de ser uma prtica religiosa pertencente s
comunidades negras, havia a presena de pessoas brancas. Todos os trabalhos
executados pelos calunduzeiros eram cobrados, e quando da realizao de seus
rituais eles invocavam a presena de seus antepassados. Os Calundus
congregavam variadas origens africanas, principalmente, as de origem banto
advindos da Angola, do Congo e de Moambique (SILVEIRA, 2005).
Os calunduzeiros possuam seus altares e seus lderes religiosos, em suas
cerimnias tocavam atabaques ou tambores e entoavam variadas cantorias, na
grande maioria indecifrveis. Procediam a diagnsticos e a cura de vrias doenas,
solucionavam questes amorosas e profissionais, proferindo em alguns momentos
palavras ininteligveis, talvez, em idioma africano, e faziam inmeras adivinhaes.
Entravam em transe, e por meio da possesso contatavam outros saberes que os
orientavam na conduo de questes a serem esclarecidas, encaminhadas e
solucionadas para seus consulentes. Os calunduzeiros se conectavam no s com
seus ancestrais, mas tambm, com os espritos da natureza (SOUZA, 2010).
A matriz religiosa dos Calundus remonta frica, pois seus rituais, conforme
se tem registro, observados, principalmente, em Minas Gerais, e na Bahia,
50
O termo Calundu, entretanto, aparecem meados do sculo XVI, trazido por Lus Cmara Cascudo
(1972), em sua obra, Dicionrio do folclore brasileiro, em que ele registra a seguinte citao feita
pelo poeta, Gregrio de Matos (1636-1695), em O Burgo, no Preceito 1: Que de quilombos que
tenho, com mestres superlativos, nos quais se ensinam de noite, os calundus e feitios
(CASCUDO, 1972, p. 211-12).
69
51
O termo xinguila significa aquele que pratica os seus rituais por meio da possesso. A pessoa possuda
por uma entidade ou esprito que se pronuncia por meio de sua boca (MARCUSSI, 2006). Os rituais
praticados pelos sacerdotes africanos, por meio da possesso, foram observados e registrados pelo
missionrio capuchinho, Giovanni Antnio Cavazzi de Montecccolo (1965) na sua passagem pelas
regies de Angola e do Congo, na frica. Tambm, foram registrados pela etnografia de Wyatt MacGaffey
(1986) quando de suas viagens parte central africana.
52
Da mesma forma procederam estudos e pesquisas sobre o tema (SOUZA,1986; CALAINHO, 2008;
MARCUSSI, 2006 e 2009; CASCUDO, 1972; CASTRO, 2001).
53
A vinculao com o demnio que era atribuda s pessoas praticantes do Calundu, pelo Santo Ofcio da
inquisio portuguesa, podia se dar por meio de pactos considerados explcitos ou implcitos. Explcitos
quando ele ocorria conscientemente, por vontade declarada das pessoas, com sua concordncia. E
implcitos, quando mesmo a pessoa alegando no ter feito esse tipo de pacto, ele era assim considerado,
pois se pensava que os calunduzeiros s conseguiam realizar as suas prticas religiosas por meio da
possesso, e essa s podia ocorrer porque se havia contado com a ajuda do demnio, fosse ela de forma
consciente ou inconsciente. Ademais, Deus no concederia esse estado de possesso algum e nem
permitiria que o esprito dos indivduos pudessem sair deles e depois retornar, como fazia Luzia Pinta,
portanto, s poderia ser algo demonaco (MARCUSSI, 2006).
70
visagens'. Diz Jos da Silva Barbosa que nessas ocasies, Luzia Pinta ia logo
perguntando s pessoas que queriam ser curadas 'quanto traziam de ouro
para lhe dar', o que confirma Joo do Vale Peixoto a quem ela pediu 'dezoito
oitavas de ouro para os ingredientes da cura, e mais quatro oitavas para fazer
as adivinhaes'. A fama de Luzia como a principal calunduzeira,
adivinhadora e curandeira dos arredores de Sabar foi confirmada ao
Comissrio do santo Ofcio, que a enviou presa ao Rio de Janeiro, sendo
embarcada para o Tribunal do Santo Ofcio da Inquisio pela prtica de
rituais diablicos. Diante dos Inquisidores confessou que de fato, era
procurada em sua casa por vrias pessoas, brancas e pretas, que vinham
curar-se de vrias molstias, aos quais 'mandava tomar certas papas de
farinha em que somente misturava raiz de abatua e de pau- santo, e por
virtude deste remdio, vomitavam os doentes e se achavam melhores das
queixas que padeciam. Disse que no cobrava nada pelo tratamento e que
aprendera tal remdio em Angola. Luzia garantiu nunca ter-se afastado da f
catlica, nunca ter praticado arte das adivinhas, nem jamais ter feito pacto
com o diabo, ratificando que, ao ministrar certas beberagens aos doentes,
mandava que as tomassem em nome da Virgem Maria e acrescentado que
tais remdios levavam as pessoas a vomitar os feitios que inadvertidamente
haviam ingerido. Acrescentou que, alm das referidas papas, cozinhava
pedacinhos de pau-santo 'e os cozia numa fita com que atava no brao da
pessoa que padecia molstias, para dali em diante lhe no poderem tomar a
dar mais feitios', tudo isso ensinado pelo preto Miguel, j defunto, quando
ainda vivia em sua terra natal. Ao ser perguntada sobre a cerimnia em que
danava vestida de anjo, Luzia confirmou que, ao curar certos vizinhos, fazia
um altar encimado por um dossel, trazendo em sua mo um cutelo ou alfanje
de ferro e na cabea um barrete com fita amarrada, comeando a danar 'por
lho vir nessa ocasio a doena da sua terra, a que chamam calundus, com a
qual ficando fora de si, entra a dizer remdios que se h de aplicar, e a forma
na qual se ho de fazer'. Disse mais: 'que tudo fazia por destino que Deus lhe
deu, e por esta causa que ela diz e assevera nas ditas ocasies que lhe
vem os ventos de adivinhar, que Deus Nosso Senhor que lhe diz o que h
de fazer'. No negou que ao curar, mandava s pessoas que se ditassem no
cho, passando por cima delas vrias vezes, 'esfregando-as primeiramente
com ervas, por ter isto virtude para lhes lanar fora os feitios, e no fim deste
fato, lhes ata no brao direito uma fita para que no lhe possam de novo
tornar a fazer os ditos feitios, aplicando aos enfermos por bebidas, um
remdio que compe de vinho e do suco de vrias ervas que pisa para o dito
efeito'. Ao falar sobre o ritual com o escaler, disse que ela prpria 'mandara
fazer uma canoazinha pequena, a qual untava muito bem com umas ervas e
depois esfregava com elas o corpo das pessoas para lhe lanar fora os
feitios que padecem, por ser este o fim e a virtude para que se aplica o dito
instrumento, e disse mais que ao chegar ao p dela algum preto que tem
feitio ou coisa diablica, lhe vem logo a dita doena dos calundus, com a
qual fica fora do seu juzo e adivinha logo ter o dito preto a referida mandinga
e por esta cousa no pode passar com a mesma por diante dela r, enquanto
com efeito a no vai tirar, e isto faz e adivinha por tino e destino que lhe vem
de Deus, e to certo adivinhar ela o referido, [que] perguntando-se aos
mesmos pretos se era verdade de terem eles as ditas mandingas,
confessaram ser assim como ela disse'. Completou dizendo que ao cheirar as
cabeas das pessoas que reconhecia serem ou no portadoras de
molstias ou feitios. Ao ser chamada outra vez para falar perante os
inquisidores sobre o vento de adivinhar Luzia assim se expressou: 'entendo
que essa doena sobrenatural porque quando vem, fico parada com os
olhos no cu por espao de tempo e no fim do qual abaixo a cabea, fazendo
cortesia e logo olho para os doentes e conheo ento os que ho de viver e
tm remdio na sua queixa, e tambm os que no tm, os quais por esta
razo, no aceito por meus enfermos e os mando levar pelas pessoas que os
trouxeram.' A pergunta um inquisidor' como podia reconhecer que estas
curas eram da parte de Deus.' respondeu: 'todos esses efeitos provm de
Deus e no do Diabo, por que nas ocasies em que se fazem as ditas curas,
72
54
Mdium aquela pessoa que serve de elo entre o mundo que vivemos, ou seja, o mundo material
e o mundo dos espritos, ou plano espiritual (KARDEK, 2008).
55
Endemoniado ou endemoiado, sobre o ponto de vista cristo ou bblico, trata-se de uma pessoa
possuda pelo demnio (Mt, 8: 28).
56
Os Calundus no decorrer do sculo XVII deram origem a duas correntes sincrticas afrobrasileiras,
conhecidas com Pajelana e Catimb. A primeira no interior do Par e a segunda no Amazonas
(BASTIDE, 1985). Estes foram os primeiros desdobramentos do Calundu, que se deram devido
sua aproximao com os elementos indgenas. Eles vieram bem antes do aparecimento dos
Candombls e da Cabula, seguimentos religiosos que surgiram respectivamente, um na virada do
sculo XVIII para o sculo XIX, e o outro nas primeiras dcadas do sculo XIX.
74
Nas primeiras dcadas do sculo XIX, surge no Brasil uma nova religio
afrobrasileira, marcantemente de origem banto, denominada Cabula. Ela era de
carter secreto, hermtico, e apresentava um perfil extremamente revolucionrio,
porque, tinha como objetivo principal a luta armada pela libertao dos negros. A
Cabula era um processo sincrtico por trazer em sua formao inicial a trplice da
estrutura religiosa dos Calundus, ou seja, elementos afros, indgenas e catlicos.
Posteriormente ela incorpora elementos tambm do Espiritismo Kardecista recm-
chegado ao Brasil, oriundo da Frana, a partir da segunda metade do sculo XIX
(MEDEIROS, 2004; ORTIZ, 1999)
A Cabula caracterizou-se como o resultado de um processo sincrtico e
contnuo que era herdeiro da mesma estrutura religiosa presente nos Calundus, que
entretanto, apresentou a particularidade de se constituir como um processo
sincrtico que se assemelhava a uma forma de resistncia, por parte daqueles que
eram destitudos de poder, tendo em vista que as tradies e os valores de uma
cultura dominante (daqueles que detm o poder) no so absorvidos passivamente
(SHAW e STEWART, 1994; FERRETTI, 1995).
76
58
Assim como nos Calundus, tambm, na Cabula no existiam templos ou lugares fechados onde
seus participantes pudessem se reunir e realizar os seus rituais.
77
mesa. O culto era de carter secreto e se realizava em altas horas da noite. O lder
cabuleiro era denominado de embanda, seu auxiliar de cambne, os espritos
cultuados de tats, que eram os antepassados, e o conjunto formado pelos
camans, os iniciados Cabula formavam a engira. Todos os seus rituais eram
realizados no idioma banto (AGUIAR, 2001).
Nina Rodrigues (2008) cita um documento escrito pelo bispo Dom Joo
Batista Correia Nery,59 em que este refora as informaes existentes sobre as
caractersticas da Cabula, como uma comunidade fechada, secreta, comparando-a
Maonaria e ao Espiritismo60.
Joo Batista Correia Nery (1963) ressalta que ao excursionar pela regio de
sua diocese, localizada em Vitria, no Esprito Santo, encontrou em trs regies a
prtica da Cabula, e percebeu que congregavam mais de oito mil participantes. Ele
registrou por meio dos relatos de pessoas que haviam abandonado a prtica da
Cabula, que os seus participantes adotavam em seus rituais de iniciaes palavras
de passe e possuam toques, gestos e outros recursos com que se reconheciam em
pblico. Os camans, como eram denominadas as pessoas que j haviam feito
iniciao a Cabula, se distinguiam dos caials, que eram aquelas pessoas
consideradas profanas. Os camans tinham que prestar juramento de guardar
segredo absoluto sobre a Cabula, sob pena de morte por envenenamento. Em seus
rituais os cabulistas preparavam uma mesa de Santa Brbara, outra de Santa Maria,
que se subdividiam em vrias outras, e ainda uma outra mesa de So Cosme e So
Damio, que exercia o papel de fiscalizao sobre todas as outras. O dirigente de
cada uma das mesas se chamava embanda, e era auxiliado nos trabalhos
ritualsticos por uma outra pessoa conhecida como cambne. Todos deviam
obedincia cega ao embanda que atribua castigos pesados a quem assim no o
procedesse. Antes de se tornar embanda, a pessoa passava por um ritual de
iniciao para que pudesse merecer o Sant, que era o esprito principal. Este
primeiro patamar era denominado de consagrao e s posteriormente ao faz-lo,
que se tornava um embanda ou um chefe de uma das mesas, e as mesas podiam
comportar mais de um embanda. Os cabulistas iniciados nos rituais usavam vestes
59
Joo Batista Correia Nery (1863-1929) assumiu em 1897, como bispo da Diocese de Vitria, no
estado do Esprito Santo, e l permaneceu at por volta de meados de 1908, quando assumiu,
tambm, como bispo, na Diocese de Campinas, sua cidade natal, no estado de So Paulo.
Disponvel em http://www.diocesedecampinas.com.br.html>. Acesso em: 19 jan. 2013.
60
Nos reportamos diretamente fonte desse documento mencionado por Nina Rodrigues e de um
artigo que esse mesmo bispo elaborou, por meio da pesquisa que efetuamos na biblioteca digital
da Diocese de Campinas/SP.
78
longas e pretas, tnicas que lhes cobriam todo o corpo, inclusive, a cabea, onde
colocavam um gorro ou capuz, chamado de camalel. Os outros participantes
usavam roupas brancas e todos ficavam descalos. Os rituais realizavam-se,
normalmente, nas florestas e em altas horas, entretanto, em algumas raras ocasies
se realizavam em algumas casas. Escolhiam uma rvore frondosa, no meio de uma
floresta, faziam uma fogueira, armavam um altar, voltado para o oriente, com uma
toalha, onde colocavam facas, muitas velas, que primeiramente eram acesas em
direo aos quatro pontos cardeais, seguindo um sentido de leste, oeste, norte e sul,
e a seguir eram dispostas por todo o local. Tambm, utilizavam algumas imagens e
acendiam incensos. Esse templo dos cabulistas era chamado de camucite e as
velas de estereiros. O embanda apresentava-se com um leno amarrado na cabea
e um cinto de renda branca na cintura. Os camans depois que ele aparecia o
imitavam, colocando um leno na cabea e um cinto de renda na cintura. Faziam
oraes, entoavam vrios cantos que eram conhecidos como nimbu, e batiam
palmas ritmadas, chamadas de liquaqua, enquanto o embanda entrava em transe
por meio da possesso. Em seguida, ele mastigava brasas, soltava chispas, entoava
cantos, e tambm, danava ao ritmo do bater das palmas dos participantes. A
seguir, o embanda procedia cerimnia dos novos iniciados ao culto da Cabula.
Normalmente, a pessoa a ser iniciada ficava retirada do local do templo, e num
determinado momento ela era chamada juntamente com o seu padrinho. Tinha que
passar trs vezes por debaixo das pernas do embanda e passava a t-lo como pai e
a cham-lo como tal, devendo-lhe estrita obedincia da por diante. Aps ser
iniciado, o indivduo deveria mastigar uma raiz, beber seu seu suco, e a esfregar nos
pulsos e na testa, e tambm beber vinho. A seguir, tendo continuao o ritual, o
embanda passava vela acesa ao redor do corpo dos presentes, por entre as pernas,
pelos braos e tronco de todos os participantes. Todos entoavam cantos, batiam
palmas, amarravam uma fita ou leno branco na testa e acendiam mais incensos. O
embanda danando e entoando cantos, e fazendo muitos trejeitos solicitava que os
espritos tomassem a todos os presentes cerimnia. Faziam splicas para que os
maus espritos se afastassem dali e no permitissem que as pessoas profanas os
enxergassem para que os mistrios sagrados da Cabula no fossem devassados e
conhecidos. A finalidade maior dos adeptos da Cabula era ter com eles um esprito
que os protegesse e os guardasse de todos os percalos e em suas necessidades.
E para alcanar esse objetivo de obter o Sant, o cabulista fazia inmeras
79
61
Alguns sobreviventes da Cabula que no aderiram aos cultos da Macumba, no decorrer do sculo
XX, procuraram resgatar e preservar os cultos da Cabula dando origem a dois segmentos que se
dizem depositrios originais deste culto que so, o Omolok, de Tat Tancredo da Silva Pinto, um
dissidente umbandista, no Rio de Janeiro (D'SS, 2010), e a Umbanda Alma de Angola, em
Santa Catarina (MARTINS, 2011).
81
Cabula banto, alm dos elementos do Espiritismo Kardecista, que j fazia parte de
seu culto, os elementos e prticas jeje-nag, que em pouco tempo se
transformariam na Macumba, uma religio afrobrasileira, popular e sincrtica.
No incio do sculo XX, a Macumba no Rio de Janeiro, era uma grande
mistura, ou seja, uma religio altamente sincrtica, pois alm do sincretismo com os
santos catlicos, com os elementos kardecistas, e com os elementos indgenas,
havia a presena da magia europeia62 atravs das prticas extradas do livro de So
Cipriano capa preta63. Tambm, existia a fuso com naes africanas diversas,
destacando-se as etnias islamizadas, como exemplo, os hausss, os fulanes, os
borns ou tapas, que eram conhecidos na Bahia, por mals. Na Macumba,
misturava-se a Bblia com o Alcoro. Ressalvamos que nos terreiros em que
predominavam os elementos afroislamizados, o chefe do terreiro era chamado de
aluf, quando no islamizado, era denominado babalorix, ialorix ou simplesmente
pai ou me de santo, macumbeiro (a), e feiticeiro (a) (JOO DO RIO, 2006).
A Macumba carioca agregava, portanto, uma infinidade de naes africanas
que influenciaram de sobremaneira os seus rituais. Algumas dessas naes eram
relativamente cristianizadas, como os cabindas, que chegaram ao Brasil, com parte
de sua elite convertida ao cristianismo, j em sua terra natal, desde o sculo XV. A
grande maioria das naes era formada, entretanto, por angolanos, congoleses, mas
havia uma expressiva quantidade de nags-iorubs, fons ou jejes daomeanos. A
forma ritualstica era uma miscelnea com toques de atabaques, maracs e outros
instrumentos de percusso, com danas, cnticos e possesses. Havia a utilizao
de cachaa e tabacos, ou seja, de charutos, cigarrilhas e cachimbos, e para as
sesses de descarrego eram utilizados defumadores e a fundanga, ou seja, um
alguidar com plvora, tambm, conhecido como ponto de fogo. Praticavam o
sacrifcio de animais nas oferendas, chamadas de ebs, para atender os trabalhos
de demanda. As entidades que se manifestavam com maior frequncia nos terreiros
de Macumba eram conhecidas como, Cangira-mugongo, Exu, Cubango, Pombagira,
Oxum, Xang, Oxossi, Oxumar, Ogum, Ians, Iemanj, Xapan, Ligongo, este
62
Magia europeia extradas de livros medievais conhecidos como Gotia, do rei Salomo pertencente
um conjunto de livros denominados Lemegeton ou Grimorium Verum (CUMINO, 2011). Tambm,
os rituais conhecidos na Europa, como sabbat das bruxas, que foram duramente perseguidas
durante a idade mdia pelo Santo Ofcio da igreja catlica (SOUZA, 1986).
63
O livro de So Cipriano capa preta um livro que possui rezas, oraes e esconjuros extrados de
seu manuscrito original (TAVARES, 1965).
82
ltimo sincretizado com Santo Antnio e Verequete com Nossa Senhora das Dores.
Ainda, Sinh Reng, Sinh Samba, e outros pretos velhos (JOO DO RIO, 2006).
Constatamos que na Macumba se reproduz o mesmo processo sincrtico que
teve incio nos Calundus, perpassou pela Cabula e resultou na sua formao
estrutural. Entretanto, a Macumba posteriormente agregou mais uma infinidade de
elementos de inmeras concepes religiosas, caracterizando um sincretismo
contnuo, criativo e intencional que visava atrair adeptos de diferentes pertenas. Ela
se utilizava desse processo sincrtico para que pudesse inverter e subverter a
ordem estabelecida, pois trazia para o interior de seu espao religioso indivduos
pertencentes s classes dominantes que oprimia seus adeptos inseridos nas classes
menos privilegiadas da sociedade, provocando com isso uma inverso na ordem dos
valores, porque ali aquelas pessoas ocupavam um patamar inferior, provocando com
essa inverso uma subverso da ordem estabelecida (MAGGIE, 2001).
O expansionismo da Macumba carioca rompe fronteiras e chega com fora
total em So Paulo, e tambm, alcana o Esprito Santo, onde neste ltimo local
havia uma lacuna deixada pela Cabula, que havia sido quase totalmente dizimada
em detrimento das inmeras perseguies policiais e por parte da igreja catlica. Em
So Paulo, a Macumba se proliferou rapidamente, especialmente, nas periferias, por
meio do contato com grupos organizados que praticavam cultos mgicos, em que
utilizavam defumaes, pontos riscados, sacrifcios a Exu, imagens de santos
catlicos, trabalhavam com espritos de africanos, de ndios, e adotavam alguns
preceitos da doutrina esprita. A Macumba carioca, a paulista e a capixaba
desenvolveram uma magia popular, no erudita, misturando diversas magias, tais
como, a indgena, a luso-brasileira, a rabe, a francesa, a cigana, a hebraica e
outras oriundas de vrias partes do mundo. O transe mstico era bem acentuado na
figura de Exu, o senhor dos caminhos, e havia na ritualstica vrios objetos como,
punhais, ponteiras de ferros, tridentes, velas, plvoras, breus e enxofre. Tambm,
praticavam as rezas fortes dirigidas aos santos catlicos, e os passes magnticos
advindos do emprstimo do Espiritismo Kardecista (BASTIDE, 1985).
A mistura na Macumba no estava presente somente nos mitos, ritos e
doutrinas, mas tambm, estava no campo social que era totalmente heterogneo.
Frequentavam seus cultos pessoas de diversos nveis da sociedade, misturando-se
no mesmo espao, grandes empresrios, altos funcionrios do governo, delegados e
policiais, com simples operrios, favelados, ladres, bandidos, assassinos,
83
cultural, nesse momento histrico de sua ascenso, ocorre uma ciso no seio da
Macumba, dividindo-a em dois segmentos ou correntes doutrinrias. Uma parte vai
se atrelar Umbanda que havia se aproximado do Espiritismo Kardecista,
representante da classe mdia branca. Outra parte da Macumba continuar o seu
curso normal e ser relegada marginalidade pela classe emergente e pelos
prprios umbandistas, por no se afastar das matrizes africanas tradicionais,
consideradas prticas primitivas e selvagens (BASTIDE, 1985).
Ressaltamos, que a parcela da Macumba que continuava com seus cultos
tradicionais, a despeito da modernizao e do progresso reinantes na sociedade, era
vista por alguns intelectuais renomados como culto extico e folclrico, que lhes
chamava a ateno e despertavam a sua curiosidade. Como exemplo, podemos
citar a publicao do jornal, O Estado de So Paulo, datado de 14 de agosto de
1958, onde relatado que um grupo de intelectuais levaram o escritor ingls, Aldous
Huxley, autor da obra, Admirvel Mundo Novo, para conhecer a Macumba carioca,
que era relegada ao submundo do crime e da marginalidade, considerada,
entretanto, pelos intelectuais como um ponto de atrao turstica de alta relevncia
merecedor de ser conhecido pelo escritor supracitado (ORTIZ, 1999). Este
documento revela por outro lado, o pensamento e a posio extremamente
preconceituosa adotada pela ideologia dominante, como podemos perceber, em
relao aos cultos praticados pela Macumba carioca. Vejamos.
64
E a palavra Quimbanda foi uma alterao da grafia quibunda, do dialeto nhengatu, da lngua tupi,
(FREITAS, sd).
87
Aluzio Fontenele (1940, 1942), outro pioneiro nos estudos sobre a Umbanda,
destaca que o vocbulo Umbanda originado de uma lngua antiqussima, o palli,
lngua por meio da qual, as sagradas escrituras foram escritas, e portanto, assim
como a lngua palli, o vocbulo Umbanda remonta a vrias eras a se perderem no
tempo. Ele ressalva que a pronncia da palavra Umbanda ocorreu pela primeira vez,
quando aconteceu a primeira transgresso da lei divina pelo homem. Para ele, na
palavra Umbanda se encontram inseridas duas foras opostas, quais sejam, a do
bem, divina, infinita, polaridade positiva, e a do mal, a parte limitada, no divina. Ele
afirma que a palavra Umbanda, significa: NA LUZ DE DEUS, ou ainda
etimologicamente falando: LUZ DIVINA, a traduo correta da palavra UMBANDA,
compilada do original PALLI (FONTENELE, 1942, p. 25-26).
No Primeiro Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda (CBPU),
realizado em 1941, vrios tericos e estudiosos apresentaram suas teses sobre a
religio Umbanda. Para Martha Justina (1942) "todas as religies foram trazidas de
outros pases; a Umbanda, por exemplo, foi trazida da frica" (JUSTINA, 1942, p.
88); Baptista de Oliveira (1942) ressalta igualmente que a Umbanda originada da
frica, "mas da frica Oriental, ou seja, do Egito, da terra milenar dos Faras, do
Vale dos Reis e das Cidades sepultadas na areia do deserto ou na lama do Nilo"
(OLIVEIRA, 1942, p.114) Diamantino Coelho Fernandes (1942) destaca que a
Umbanda partiu da frica trazida pelos negros escravizados, porm, no teve sua
origem no continente negro africano, mas sim "foi por eles trazida do seu contato
com os povos hindus, com os quais aprenderam e praticaram durante sculos"
(FERNANDES, 1942, p. 45). Tavares Ferreira (1942) tambm, apresentou um
trabalho nesse mesmo congresso ocorrido em 1941, e ao procurar definir a religio
Umbanda destaca que "Umbanda quer dizer: Luz Divina dentro e fora do mundo"
(FERREIRA,1942, p. 84). Carlos de Azevedo (1944) ressalta que o vocbulo
Umbanda j conhecido de longa data como Ubanda, palavra que tem o significado
de fraternidade, e que, inclusive, foi "colocado pelos hindus no vrtice superior do
tringulo do Himalaia, por ser tido como a expresso mais elevada do amor fraterno"
(AZEVEDO, 1944, p. 110).
Alexandre Cumino (2011) destaca que a preocupao com o significado e a
etimologia da palavra Umbanda intensificou-se de sobremaneira quando da
realizao desse Primeiro Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda, ocasio
em que ocorreram, dentre outras acirradas discusses, s relacionadas s
88
diferentes concepes para essa palavra. Para ele, isso sinalizava a ausncia de
concordncia, que vigora at os dias atuais, tambm em relao prpria teologia e
doutrina umbandista.
Alfredo D'Alcntara (1949) afirma que era necessrio um nome para batizar a
nova religio que se instaurava. Dessa forma, foi escolhido o nome Umbanda, mas,
no se sabe quem o escolheu, se foi um ser humano ou uma entidade espiritual. Ele
destaca que s se sabe que este nome passou a ser utilizado corriqueiramente no
Rio de Janeiro, e posteriormente foi empregado nos Candombls da Bahia. Ele
ressalta uma reportagem que havia feito em 1945, entrevistando vrias pessoas
adeptas da religio Umbanda, que apresentaram suas definies para esse termo.
Foi dessa forma registrada a opinio de Leal de Souza, jornalista e advogado, que
declarou no saber o que a palavra Umbanda significava, porm, segundo este, o
Caboclo das Sete Encruzilhadas65 havia definido Umbanda como os servios da
caridade e Demanda os trabalhos para neutralizar ou desfazer os da Magia negra"
(D'ALCNTARA, 1949, p. 161).
Para Sylvio Pereira Maciel (1951) Umbanda um nome sagrado, relativo a
uma religio que foi difundida no Brasil trazida pelos negros africanos, que foram
escravizados, e representa Deus. Ele destaca que esse vocbulo pode ser dividido
em 3 slabas, Um-ban-da, que significam respectivamente Pai, Filho e Esprito
Santo, e na Lei de Umbanda simboliza amor, verdade e justia. Ele acrescenta que
a palavra Umbanda tambm, pode ser dividida em "sete partes distintas, que so as
sete letras que representam as sete linhas e os sete planos" (MACIEL,1950, p. 9),
em relao s quais vamos tecer consideraes mais adiante.
Loureno Braga (1911) destaca que a palavra Umbanda significa "vara de ip
ou de bambu, cheia de dentes, com laos de fita em uma das pontas, na qual um
indivduo, com duas varinhas finas e resistentes, faz o atrito sobre os dentes, tendo
uma das pontas de vara encostada na barriga e outra encostada na parede"'
(BRAGA, 1961, p. 63).
Na concepo de Oliveira Magno (1953) o vocbulo Umbanda originado da
palavra Quimbanda.66 Portanto, para ele na palavra Quimbanda que se deve
65
O Caboclo das Sete Encruzilhadas uma entidade cultuada pela religio Umbanda, sobre a qual
vamos discorrer a respeito no prximo tpico, tendo em vista o seu importante e relevantssimo
papel no que se refere instaurao da Umbanda.
66
Quimbanda ou Kimbanda o conjunto oposto lei, e quem a comanda so os Exus guardies,
que so os emissrios da Luz ou da Lei, para as sombras ou trevas (RIVAS NETO, 2007, p. 263).
89
67
No dicionrio de cultos afro-brasileiros, de autoria de Olga Gudolle Cacciatore (1988) Umbanda
um termo que apareceu no Brasil, referindo-se ao culto praticado, entre os anos de 1936 e 1940, e
tem o significado de magia. No minidicionrio Aurlio Buarque de Holanda Ferreira a palavra
Umbanda um substantivo feminino, e significa religio originada na assimilao de elementos
cultuais afro-brasileiros pelo espiritismo (FERREIRA, 2010, p. 765). No dicionrio Aurlio Buarque
de Holanda Ferreira, disposto na verso digital em e-book, o vocbulo Umbanda no aparece em
sua listagem.
68
um sacerdote, fundador e dirigente da Fundao Ordem Santo Graal- Cavaleiros de Maytria,
conhecida como Fundao Ecltica, localizada no Planalto Central em Gois, distante mais ou
menos 60 Km de Braslia, capital do Brasil.
90
diferentemente de Kimbanda, que a magia negra. Ele afirma que existem vrias
conceituaes para a palavra Umbanda, que so equivalentes s existentes na
frica, e elas se enquadram perfeitamente Umbanda que praticada no Rio de
Janeiro. Nesse sentido, ele menciona trs de seus significados, quais sejam,
69
Essa expresso baixo espiritismo apesar de estar em desuso atualmente, teve seu lugar de
destaque, principalmente, no final do sculo XIX e nas primeiras dcadas do sculo XX perdurando
at por volta de 1960. Alguns tericos, Patrcia Birman (1985), Ivone Maggie (1986, 1992) Beatriz
Gis Dantas (1988) e Emerson Giumbelli (2003) se dedicaram ao estudo e significado desta
expresso. Baixo espiritismo era como os kardecistas classificavam as religies onde se
manifestavam espritos pouco evoludos culturalmente, como era o caso dos caboclos e pretos
velhos que integravam a Macumba (OLIVEIRA, 2008, p. 131). Essa expresso foi adotada dentro
de uma perspectiva de hierarquizao em relao s prticas afro brasileiras, onde se procurava
definir, num determinado perodo histrico, aquelas que no pertenceriam ao Espiritismo
Kardecista e, portanto, no fossem boas e adequadas para sua doutrina e ritualstica. Boa ou
adequada de acordo com os valores da classe dominante que buscava estar em conformidade com
um modelo europeu de desenvolvimento. Segundo Emerson Giumbelli (2003) foi no cerne da
Federao Esprita Brasileira, entretanto, que se formou aquilo que seria determinado como
verdadeiro ou falso de sua doutrina e prticas rituais, tendo em vista as duras perseguies
sofridas face algumas de suas atividades, como exemplo, o uso de passes, os receiturios
medinicos e as distribuies gratuitas de remdios homeopticos. O discurso do meio jornalstico
incorporou essa viso dicotmica atribuda s prticas espritas pelos intelectuais da Federao
Esprita Brasileira, dessa forma, a expresso baixo espiritismo foi, tambm, assimilada pelo aparato
repressivo que at por volta da dcada de 1940, definia o que fosse religio, no que se referia s
prticas medinicas. Para Yvonne Maggie (1986,1992) o baixo espiritismo era um valor de ordem
moral ligado s prticas da mediunidade. Esta expresso, portanto, estava intimamente atrelada ao
carter de criminalizao imputada s prticas espritas (GIUMBELLI, 2003).
92
70
Sesso Esprita um ritual formado por um crculo ou reunio de um certo nmero de pessoas com
o propsito de tentarem comunicar-se com os espritos de pessoas que j esto em outro plano
(KARDEC, 1998).
93
no se sentiu muito bem acolhido pelos espritas presentes, pois, esses no ficaram
muito satisfeitos com a sua manifestao, por considerarem os caboclos e os pretos
velhos entidades que no eram evoludas. Ele anunciou a seguir a todos os
presentes nessa sesso, que no dia seguinte, 16 de novembro de 1908, estaria se
manifestando na casa de Zlio, que ficava localizada no municpio de So Gonalo
(RJ), e que l no haveria quaisquer intolerncias ou impedimentos s
manifestaes de pretos velhos, de ndios ou caboclos que quisessem trabalhar em
prol dos necessitados, e ressaltou que todos seriam muito bem vindos. No dia
marcado, conforme predito, a entidade do Caboclo das Sete Encruzilhadas se
manifestou, incorporada em Zlio de Moraes e anunciou a forma pela qual se daria a
realizao de seus trabalhos, que seriam baseados na caridade, na prtica de
servio e no amor ao prximo. Iniciou-se dessa forma a primeira sesso esprita da
religio Umbanda, estando criada oficialmente a Tenda Esprita Nossa Senhora da
Piedade (TENSP), neste mesmo local, em So Gonalo (RJ), instituio atualmente
denominada, Instituto Esprita Bezerra de Menezes (CUMINO, 2011).
Segundo Zlio de Moraes,71 alguns anos depois de sua primeira
manifestao, o Caboclo das Sete Encruzilhadas anunciou a segunda fase de sua
misso que seria a fundao de sete templos de Umbanda, quais sejam, o de Nossa
Senhora da Conceio, de Nossa Senhora da Guia, de So Pedro, de Santa
Brbara, de So Jorge, de Oxal e o de So Jernimo. Ele frisava de forma
contundente a no cobrana de quaisquer valores em sua casa para curar os males
que pudessem ter acometido ou que pudessem estar residindo nas pessoas. Dessa
forma, para fazer frente, principalmente, s prticas de feitiarias que eram
praticadas nessa poca, inclusive com sacrifcios de animais, onde se cobrava
carssimo por elas, o Caboclo das Sete Encruzilhadas passou a contar com uma
outra entidade, o orix Male, que ele convidou para lhe ajudar e que se dedicaria a
combater e destruir os malefcios causados s pessoas, e tambm, curar as pessoas
obsediadas. Segundo Jos Henrique Motta de Oliveira (2008) no existem registros
fidedignos em relao s datas de fundao dessas tendas umbandistas, somente
se sabe que a primeira foi fundada em 1918, e a ltima em 1935.
71
Entrevista concedida pelo mdium Zlio de Moraes Revista Guia da Umbanda, em 1972, cuja
matria ao ser editada recebeu o ttulo de, A Umbanda existe h 64 anos, onde nela ele relata
parte da trajetria de sua vida como mdium, e fala das atividades e dos objetivos da Tenda Nossa
Senhora da Piedade (TNSP).
94
A antroploga Diana Brown (1985) ressalta, que Zlio de Moraes era egresso
da religio Esprita,72 e ao receber a revelao de sua misso, por meio do Caboclo
das Sete Encruzilhadas, de fundar a religio Umbanda, d ensejo a um mito de
origem desta religio. Ela destaca que Zlio de Moraes e alguns amigos seus, que
inclusive, fundaram outros centros, todos espritas kardecistas que no se sentiam
satisfeitos professando essa religio, visitaram vrios centros no Rio de Janeiro e
em Niteri, onde se praticava a Macumba. Ela afirma que,
72
Paulo Ubiratan Machado (1997) ressalta, que no final do sculo XIX e comeo do sculo XX,
muitas pessoas catlicas realizavam reunies para estudar a doutrina e as obras do esprita Allan
Kardec. E isso no representava necessariamente uma converso ao espiritismo kardecista, pois
muitas dessas pessoas continuavam se dizendo catlicas, a despeito de realizarem esses estudos
supracitados. E segundo afirmaes de Zilmia de Moraes Cunha, filha de Zlio de Moraes, sua
famlia jamais havia sido esprita kardecista, pois eles sempre foram catlicos (OLIVEIRA, 2008).
96
Por outro lado, Jos Henrique da Motta Oliveira (2008) discorda de Diana
Brown (1985) e de Vagner Gonalves da Silva (2005) quanto data da fundao da
Umbanda, pois, para ele desde o ano de 1910, o Caboclo da Sete Encruzilhadas se
apresentava em Niteri, conforme pode verificar por artigos escritos na obra, O
espiritismo, a magia e as sete linhas de Umbanda, de autoria de Leal de Souza,
publicados em 1933.
Para Emerson Giumbelli (2003) a construo do mito da religio Umbanda
centrado em Zlio, e na solicitao do Caboclo das Sete Encruzilhadas em sua
manifestao, s apareceram no mundo acadmico depois de 1970, por meio dos
trabalhos de Diana Brown (1985) e de Renato Ortiz (1999). Nos jornais oficiais,
existentes no final da dcada de 1950, da Unio Espiritista de Umbanda do Brasil
(UEUB), instituio que se seguiu Federao Esprita de Umbanda, no se faz
referncia Zlio de Moraes, como o fundador da religio Umbanda. E tambm, nos
artigos referentes origem e histria da Umbanda, apenas, insinuam uma
subordinao de Zlio ora sua condio de mdium (como tantos outros na
Umbanda), ora sua condio de intermedirio de uma entidade espiritual (que
diga-se, no lhe devia exclusividade) (GIUMBELLI, 2003, p.194).
No jornal de Umbanda, que foi expedido em outubro de 1952, se faz
referncia, entretanto, solicitao do Caboclo das Sete Encruzilhadas, que havia
se manifestado em Zlio de Moraes, em 15 de novembro de 1908, para que a linha
branca da Umbanda fosse organizada (OLIVEIRA, 2008). Anteriormente, conforme
se pode observar, nos anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Umbanda (CBU),
realizado em 1941, tambm, consta referncia ao Caboclo das Sete Encruzilhadas,
feita pela pessoa de Antnio Barbosa, da Tenda Esprita So Jorge, que ao iniciar a
sua palestra declara homenagem ao Guia Espiritual, o Caboclo das Sete
Encruzilhadas, o idealizador da Federao Esprita de Umbanda (Anais do Primeiro
Congresso Brasileiro de Umbanda, 1942, p. 165).
No perodo referente s anlises feitas por Emerson Giumbelli (2003), em
relao as publicaes sobre a fundao da religio Umbanda, segundo Jos
Henrique Motta de Oliveira (2008) a Umbanda j desfrutava de certa legitimidade
enquanto instituio religiosa. Portanto, enaltecer a figura de Zlio de Moraes poderia
colocar em risco a sua legitimidade. A partir do momento em que a pessoa de Zlio de
Moraes, no mais vista como uma ameaa ao monoplio do poder simblico,
97
justamente a partir do momento em que ele se retira da direo dos trabalhos que
eram realizados na Tenda Esprita Nossa Senhora da Piedade, por sua filha, Zilmia
ter assumido em seu lugar, a cpula da Federao Esprita de Umbanda (FEU)
procede ao reconhecimento do pioneirismo de Zlio e a solicitao do Caboclo das
Sete Encruzilhadas como fundadora da religio Umbanda (OLIVEIRA, 2008).
Renato Ortiz (1999) afirma que o surgimento da Umbanda foi concomitante a
consolidao do processo de urbanizao e de industrializao instalado no pas,
numa sociedade dividida por classes.
Na nossa com concepo, acreditamos que a religio Umbanda foi fundada
em 1908, por determinao do Caboclo das Sete Encruzilhadas, ao estar
incorporado no mdium, Zlio de Moraes, na data de 15 de novembro de 1908, a
despeito de no terem sido feitas muitas referncias literrias a esse respeito73
anteriormente 1970, pois conforme Pierre Bourdieu (2007) afirma, a igreja no
sentido de manter o seu monoplio, seu poder simblico e sua existncia enquanto
instituio religiosa, procura eliminar o profeta ou o subordina, e o faz reconhecer a
legitimidade da instituio Igreja. Isso pode ter acontecido com Zlio de Moraes.
Entretanto, o incio do processo de legitimao, reconhecimento e expanso da
religio Umbanda ocorreu a partir de 1920 e 1930, especialmente com a criao da
Tenda Esprita Mirim, por Benjamin Gonalves Figueiredo, temtica da qual
falaremos no tpico 2.7 mais adiante, neste mesmo segundo captulo. Antes porm,
vamos discorrer sobre a estruturao da Umbanda.
76
Ressaltamos, entretanto, que a prtica milenar de lidar com as ervas medicinais, inclusive, para
proceder a cura de vrios males fsicos, era uma prtica j utilizada pelos xams ou pajs
indgenas, e tambm, pelos pretos velhos africanos. Consistia, sob nosso ponto de vista, numa
certa forma de cincia, e apesar se constituir num conhecimento emprico, tinha alto poder
resolutivo. Porm, no era reconhecido como conhecimento cientfico, enquanto tal pela cincia
ortodoxa, a qual o Espiritismo Kardecista europeu trouxe para o Brasil.
77
As sete linhas vibracionais, so os sete tipos de frequncias vibratrias, de energias emanadas do
universo, energias advindas dos orixs, inquices ou voduns (considerados divindades da natureza),
e de energias advindas das entidades (espritos de pessoas falecidas, que no habitam mais nesse
plano terreno), as quais vibram em consonncia com os orixs, inquices ou voduns (RIVAS NETO,
2011).
100
78
Os graus estabelecidos, na lngua nhegat, dos povos Tupi foram: 1 Grau: Bojmirins-
Entidades dos mdiuns iniciantes (I); 2 Grau: Bojs- Entidades dos mdiuns de Banco (B); 3
Grau: Bojguasss- Entidades dos mdiuns de Terreiro (T); 4 Graus: Abarmirins Entidades dos
Sub-Chefes de Terreiros (SCT); 5 Grau: Abars- Entidades dos Chefes de Terreiros (CT); 6 Grau:
Abarguasss- entidades dos Sub Comandantes Chefes de terreiros (SCCT); 7 Grau:
Morubixabas- Entidades dos Comandantes Chefes de Terreiros (CCT) (TEIXEIRA, 2008, p. 5).
79
Giras ou gira, vem do verbo girar, e em sentido etimolgico e figurado, pressupe girados,
rodopios, danas circulares, movimentos em volta do prprio corpo, que os mdiuns executam
antes de incorporarem. A gira faz parte fundamental dos rituais existentes nas religies
afrobrasileiras, pois, as entidades se manifestam, normalmente, aps a gira (ORTIZ, 1999).
104
80
A expresso espiritismo inferior tem o mesmo significado de baixo espiritismo. aquele que se
contrape s prticas do espiritismo superior, que recebe entidades consideradas evoludas.
Diferentemente, o espiritismo inferior trabalha com todos os tipos de entidades, e ainda pratica
sacrifcio de animais.
105
vocbulo esprita deveria constar de forma obrigatria no nome do terreiro, sob pena
de no ter o seu registro efetivado. Por volta de meados de 1937, criou-se, inclusive,
numa determinada delegacia do Rio de Janeiro uma diviso especfica para coibir as
prticas de curandeirismo, magia e feitiaria.
Com o trmino da ditadura do governo de Getlio Vargas em 1945, a Umbanda
pode passar a ser praticada de uma forma mais livre, pois havia se encerrado o
perodo de ostensiva e sistemtica perseguio policial aos umbandistas81. A
liberdade que ela passa a usufruir a partir de ento resulta em intensa atividade
voltada para a busca de maior organizao. Nesse sentido, conforme ressalta Diana
Brown (1985),
81
Na verdade, as perseguies policiais feitas aos terreiros de umbanda foram apenas minoradas a
partir da promulgao da Carta Magna, a Constituio Federal de 1937, que no artigo 122, inciso IV,
estabelecia que todos os indivduos e confisses religiosas podem exercer pblica e livremente o
seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposies do direito
comum, as exigncias da ordem pblica e dos bons costumes (Disponvel em:
<http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/137571 htm>. Acesso em 19 jan. 2013). Pois, a despeito
desta disposio constitucional as perseguies aos terreiros continuaram, de uma forma mais sutil,
amparados pela expresso exigncias da ordem pblica. Nesse sentido, em 1942, o chefe da
polcia de Vargas, Filinto Strubing Miller, por meio de uma Portaria suspende as atividades dos
centros espritas e determina que todos eles para que pudessem voltar a funcionar deveriam se
registrar na delegacia de polcia (OLIVEIRA, 2008). Assim, havia interferncia quanto a vrias
questes relativas ao seu funcionamento e quilo em que os centros poderiam atuar, por exemplo, os
servios de atendimento mdico, odontolgico, farmacutico e outros s poderiam ser realizados fora
das sesses religiosas. No conseguimos localizar esta Portaria, porm Emerson Guimbelli (2003) ao
conseguir alguns fragmentos da mesma, afirma em relao as normatizaes do espao religioso e a
sua adequao ao estabelecido na Constituio Federal de 1937, em relao as observaes das
exigncias da ordem pblica seriam, principalmente, um local apropriado, pblico adulto, ausncia
de atividades teraputicas e assistenciais e um modelo comedido de possesso espiritual
(GIUMBELLI, 2003a, p. 274).
106
84
Polcia poltica um corpo de policiais servio de um poder governante, atuando como
instrumento de represso e censura, principalmente, de carter poltico. Entretanto, atuava no
Brasil, na era Vargas, como um canal de represso em relao s religies afrobrasileiras, por suas
prticas religiosas serem consideradas, nesse perodo da histria, como atividades criminosas e
subversivas. A Polcia poltica foi, na era Vargas, chefiada por Felinto Mller. Ressaltamos, que a
polcia poltica foi criada no Brasil, no ano de 1922, e desenvolveu as suas atividades repressivas
de 1930 a 1983 (BASTOS, 2009).
112
uma classe branca, letrada e elitizada, segundo, por seus ensinamentos e doutrinas
serem de cunho cientfico, intelectualizados, racionalizados e estruturados ritual e
doutrinariamente.
Em 1941, com a realizao do Primeiro Congresso Esprita de Umbanda
houve a tentativa de provar definitivamente que a Umbanda no era oriunda dos
povos africanos. Alguns umbandistas atriburam a origem da Umbanda aos ndios da
Amrica do Sul, e estes seriam oriundos do continente perdido de Atlntica. Outros
umbandistas atriburam a outro continente mtico conhecido como Lemria, outros
ndia, e outros frica, mas frica do norte, ao Egito (CUMINO, 2011).
Os congressos espritas de Umbanda ocorridos em 1961 e 1973 reforaram
esse processo de embranquecimento, pois, no caso da religio Umbanda o
branqueamento seria o afastamento de elementos atrasados, oriundos da Macumba,
consequentemente de elementos de matrizes africanas. Os idealizadores da
Umbanda procuraram estar conforme os valores ditados pelo projeto poltico da elite
dominante que buscava branquear a populao e erradicar a presena negra, tida
como empecilho para que se pudesse alcanar patamares de desenvolvimento de
acordo com os padres ocidentais, pois, ser branco era sinnimo de progresso.
Portanto, conforme essa maneira de ver as coisas, para o Brasil atingir o mesmo
nvel das naes mais desenvolvidas deveria eliminar seu lado africano e negro
(SOUZA, 2007, p. 122).
A Umbanda sacraliza esses valores estabelecidos por essa classe dominante,
procedendo ao mesmo jogo desses opressores, ela procurava estar de acordo com
a moral, as crenas, os valores e os bons costumes dominantes estabelecidos
(LAPASSADE e LUZ,1972), tendo em vista que o autoritarismo e a prepotncia,
estavam sendo construdos com os mesmos tijolos culturais j moldados (FRY,
1982, p.14).
Houve muitas dissidncias e surgimentos de outros segmentos umbandistas85,
durante a trajetria da religio umbanda, desde o seu incio, com o advento de
outros segmentos religiosos que no aceitaram o embranquecimento das matrizes
africanas. Dentre estas dissidncias, apenas a ttulo de exemplo, podemos citar o
85
Alm da Umbanda crist de Zlio de Moraes, surgiram outras ramificaes, tais como: Umbanda
branca, Umbanda popular, Umbanda pura, Umbanda esotrica ou inicitica, Umbanda de caboclo,
Umbanda de jurema, Umbanda astrolgica, Umbanda alma de angola, Umbanda omolok,
Umbandaime, Umbanda sertaneja, Umbandombl, Umbanda ecltica e Umbanda sagrada ou
natural (CUMINO, 2011).
115
86
A partir dos anos sessenta surgiu no Rio Grande do Sul, a Linha Cruzada ou Quimbanda, uma
religio afrobrasileira sincrtica, que contm elementos da Umbanda e do Batuque (naes) onde
so cultuados os Exus e as Pombagiras como figuras centrais de sua ritualstica. A Linha Cruzada
ou Quimbanda uma herana da Macumba carioca e paulista (CORREA, 1998).
87
A primeira fase desse sincretismo contnuo iniciou-se com o Calundu, no final do sculo XVI. A
segunda fase deu-se com a Cabula, no incio do sculo XIX, e a terceira fase com a Macumba, no
final do sculo XIX.
116
88
Aspectos fentipos so as caractersticas, os comportamentos e o desenvolvimento que se pode
observar num povo. Diferentemente os aspectos gentipos so aqueles que dizem respeito
constituio gentica de um indivduo, sua herana gentica celular, que herdada de seus
progenitores.
117
Rivas Neto (2007) afirma que a Umbanda vem dos povos indgenas, ou seja,
habitantes da terra denominada de Baratizil,89 hoje denominada Amrica do Sul.
Para Cumino (2011) a teoria negando as origens africanas da Umbanda, foi
defendida por Woodrow Wilson Matta e Silva, no congresso de 1941. Diamantino
Coelho Fernandes (1942) neste mesmo congresso, ressalta que a origem Umbanda
vem do snscrito, portanto, da ndia. Percebemos, que esses argumentos
caracterizam um processo de negao das origens africanas da Umbanda, no
atribuindo aos negros que vieram da frica para o Brasil como escravos a sua
origem, pois, afastam qualquer possibilidade de vincular sua remanescncia ao
continente africano. Este processo de negao da cultura negra estava em estreita
consonncia com os valores ditados pela poltica implantada por Getlio Vargas
(LANDES,1967), que buscava diminuir a presena da etnia negra no Brasil, para que
o pas pudesse alcanar um patamar mais avanado de desenvolvimento, que
estivesse de acordo com as naes europeias e norte-americana. Por isso, era
preciso eliminar radicalmente do territrio brasileiro, tudo aquilo que estivesse
relacionado ao lado africano (SOUZA, 2007).
Diana Brown (1985) discorre acerca da Umbanda, e enfatiza o processo de
branqueamento que se deu desde a sua formao, tendo em vista os prprios
fundadores,90 a comear por seu idealizador, Zlio de Morais, serem todos eles, em
maioria absoluta, de cor branca, pois, perfaziam um total de 15 brancos, dois
mulatos e nenhum negro, e todos eles eram intelectuais. Percebemos, que esta
tentativa de fugir dos estigmas e dos esteritipos atribudos aos escravos negros
africanos e seus afrodescendentes, era parte de uma estratgia poltica, iniciada
com o advento da proclamao da Repblica, em 1889, que visava aproximar-se
sistematicamente dos pases desenvolvidos. Portanto, era preciso se desvencilhar
de tudo que fosse atrasado, do ponto de vista desses pases desenvolvidos.
89
Baratizil significa o bero da primeira humanidade, ou seja, da raa vermelha, que surgiu no
planeta Terra, no local onde hoje se encontra o Planalto Central brasileiro (RIVAS NETO, 2007).
90
Assim considerado por ns, Zlio Fernandino de Moraes, juntamente com alguns amigos seus
espritas kardecistas e intelectuais. Entretanto, para Diana Brown (1985) a Umbanda teve sua
fundao por volta de meados da dcada de 1920, com o funcionamento de forma mais efetiva, da
Tenda Esprita Nossa Senhora da Piedade, em Niteri (RJ). Ela considera o perodo anterior esta
dcada de 1920, como um perodo primordial da Umbanda. Para ela, em meados da dcada de
1920, Zlio e seus amigos, espritas kardecistas e intelectuais, membros da classe mdia
voltaram-se para as religies afro-brasileiras como uma forma de expressar seus prprios
interesses de classe, suas ideias sociais e polticas e seus valores (BROWN, 1985, p.10). Com
isso, podemos deduzir que para Diana Brown (1985) esses primeiros dez, doze anos anteriores
1920, so resultante de um construto teolgico criador do mito fundador da religio Umbanda.
118
Por outro lado, Brown (1985) traz uma teoria paradoxal acerca do surgimento
da Umbanda, no que se refere aos seus fundadores. Ela apresenta um processo
inverso desenvolvido por eles, segundo o qual eles seriam espritas kardecistas
descontentes, que procuraram se apropriar de alguns elementos da Macumba,
desde que esses no fossem de encontro aos valores vigentes na sociedade
brasileira. Nesse sentido, dois elementos extrados da Macumba passaram a ser
elementos centrais da Umbanda, quais sejam, os caboclos e os pretos velhos.
Esses elementos representavam o resultado de um longo processo de dominao, o
ndio sob o codinome caboclo, caracterizava o mestio ou o selvagem adestrado, e o
preto velho, caracterizava o negro ladino91 aculturado, submisso aos seus senhores
brancos. Portanto, no seria possvel abrir mo de alguns aspectos cerimonias,
ritualsticos e do prprio panteo da Macumba. A negao desses elementos
poderia gerar um risco de perda da identidade religiosa (S JUNIOR, 2012, p. 8).
Dessa forma, o embranquecimento pretendido, traria possveis riscos, tendo em
vista o afastamento demasiado do universo das matrizes africanas, e de outros
elementos sincrticos pertencentes ao mundo da Macumba.
Percebemos, que no Primeiro Congresso do Espiritismo de Umbanda,
realizado em 1941, os congressistas presentes buscavam legitimar a Umbanda
como uma religio genuinamente brasileira. As discusses entabuladas giravam em
torno de dois temas principais:
91
Negro ladino era o negro domesticado, submisso e ordeiro, que prestava servios domsticos junto
Casa Grande, residncia do senhor proprietrio de escravos (MAESTRI, 1994).
119
Por outro lado as religies afrobrasileiras que davam nfase s matrizes africanas eram
rotuladas como Macumba. Dessa forma, esses segmentos passaram a se denominar
como Umbanda Mista, Umbanda Traada ou Cruzada, e tambm Umbanda Omoloc
(CUMINO, 2011).
Ocorreu um retorno a tudo aquilo que foi repudiado pelos representantes da
Umbanda, desde o seu nascedouro at a consolidao de sua ascenso. Nessa
mesma dcada de 1960, Tancredo da Silva Pinto realiza uma pesquisa que comprova
a ascenso do seu segmento umbandista reafricanizado junto s favelas do Rio de
Janeiro. Tancredo se tornou uma liderana afrodescendente dentro desse segmento
umbandista pela restaurao e resgate da identidade africana.
A Umbanda desde sua instaurao, em 1908, foi se adaptando de acordo com
as transformaes sociais e polticas. Dessa forma, o retorno dos elementos afros que
foram excludos, durante o processo de sua estruturao, no decorrer de vrias
dcadas, provocou uma certa elitizao em seu quadro de adeptos, tendo em vista as
ressignificaes efetuadas pelos seus fundadores, que acabaram utilizando mtodos
seletivos ao excluir partes do arcabouo simblico pertencente Macumba. Neste
contexto, com o passar do tempo, as classes menos favorecidas foram colocadas
numa condio marginal estabelecida por uma hierarquia piramidal, constituda
basicamente sob a influncia da classe dominante, que de cima para baixo,
selecionava e controlava quase tudo, buscando sempre modelar as culturas de
massas, conforme os modelos estruturais estabelecidos pela cultura dominante.
praticasse. Mas, aps a realizao deste Conclio, a sua postura mudou radicalmente,
em relao, tanto ao espiritismo, quanto s religies afrobrasileiras, principalmente,
Umbanda, a qual anteriormente combatia ferozmente (BROWN, 1985; ORTIZ, 1999).
E procura pela aproximao com essas religies,
uma linha de desenvolvimento cultural que ajude o povo a ser mais cristo
mas sob uma forma brasileira (...). A Igreja j perdeu muito tempo em
hostilidade. Agora chegou o momento de buscar, no Espiritismo e na
Umbanda, os elementos vivos que sirvam Igreja no seu trabalho de
evangelizao (KLOPPENBURG, 1973, p. 6).
Foi sob a ditadura militar que o registro dos centros de Umbanda passou da
jurisdio policial para a civil, que a Umbanda foi reconhecida como religio
no censo oficial, e que muitos dos seus feriados religiosos foram
incorporados aos calendrios pblicos locais e nacionais, de carter oficial
(BROWN, 1985, p. 35-36).
126
96
A liberdade de expresso significa o direito que os cidados, de uma determinada sociedade, tem de
expressar livremente seus pensamentos e suas opinies. uma liberdade fundamental inerente s
sociedades democrticas atuais, onde a censura, em contrapartida, no encontra espao, no se
efetua, no ocorre portanto. A liberdade de expresso um dos ideais polticos modernos, dentre
outros, que surgiu na Grcia antiga e perdura at os dias atuais. No Brasil, a Constituio do imprio
a garantia, e assim o foi at a Constituio Federal de 1937. Entretanto, no perodo do Estado Novo,
com Getlio Vargas, esse princpio constitucional desapareceu e a censura foi implantada no pas
com o objetivo de coibir, ferozmente, qualquer liberdade de expresso, inclusive, a de imprensa. Na
Constituio Federal de 1946, essa liberdade voltou a ser assegurada no ordenamento jurdico
brasileiro, entretanto, a livre manifestao do pensamento das pessoas, conforme estava disposto,
no se endereava quilo que se referia espetculos ou diverses pblicas. Na Constituio
Federal de 1967, o texto legal manteve a legalidade do exerccio da livre manifestao de
pensamento, mas, a condicionou observncia do estabelecido em relao a manuteno da ordem
pblica, da moral e dos bons costumes. E no podia haver, tambm, qualquer manifestao de
pensamento que se opusesse ao governo. Com a edio da Constituio Federal atual, promulgada
em 05 de outubro de 1988, esse direito ganhou maior amplitude, e a liberdade de expresso, em
todas as suas formas, que um direito fundamental e intransfervel de todos os cidados brasileiros,
passou a ser vivenciada plenamente no Brasil. O exerccio deste direito, inclusive, requisito
essencial para que haja realmente uma sociedade democrtica. Nesse sentido, a Constituio
Federal supracitada, consagrou em seu artigo 1, o Brasil se constituir num Estado democrtico de
direito. No seu art. 5, inciso IV, garante aos indivduos o direito da livre manifestao de pensamento,
e no inciso VII, dispe que, ningum ser privado de direitos por motivo de crena religiosa, ou de
convico filosfica ou poltica (BRASIL. Constituio Federal (1988), 2013, p.12). E por fim, no art.
220, dispe que "a manifestao do pensamento, a criao, a expresso e a informao, sob
qualquer forma, processo ou veculo no sofrero qualquer restrio", e em seu 2, estabelece que
" vedada toda e qualquer forma de censura de natureza poltica, ideolgica e artstica" (BRASIL.
Constituio Federal (1988), 2013, p.179).
97
O crime de racismo no ordenamento jurdico brasileiro, um crime imprescritvel e inafianvel e
sujeito pena de recluso, que o tipo de regime mais severo, por ser totalmente fechado,
cumprido com o indivduo preso em tempo praticamente integral. Imprescritvel, porque no existe
lapso temporal previsto para que a atividade persecutria do Estado, a ser desenvolvida por meio
de sua funo jurisdicional, se encerre. Inafianvel, pois no cabe o arbitramento de fiana, que
uma quantia a ser paga em espcie, para que o indivduo possa aguardar, em liberdade, o
julgamento do ato delituoso praticado por ele, conforme determina o art. 5, inciso XLII, da
Constituio Federal de 1988, e a lei de n. 7.716/89.
130
98
Poder de nomeao o poder de nomear o outro, dar nome e classificar, categorizar, acusar ou
proceder a quaisquer esteritipos (BOURDIEU, 2012)
131
99
Anti-sincretismo um processo de reafricanizao que faz parte do Candombl. Os adeptos do
Candombl de nag adotaram essa filosofia, de se livrar de tudo aquilo que fosse sincrtico aps
as viagens empreendidas por africanos ou seus descendentes s suas terras de origem, das quais
retornaram trazendo os conhecimentos e liturgias para fundar ou aperfeioar seus terreiros
(SILVA, 2006, p. 153).
132
100
O Colgio de Umbanda Pai Benedito de Aruanda, localizado em So Paulo, foi criado por Rubens
Saraceni. Este colgio o rgo responsvel pela publicao do Jornal Nacional de Umbanda.
Ambos so mantidos pela Associao Umbandista e Espiritualista do Estado de So Paulo-
AUEESP, que foi criada em 2004, e se constitui numa associao cultural e religiosa que tem
como finalidade proceder a divulgao da religio umbanda junto a populao civil e ao poder
pblico. O Colgio de Umbanda Pai Benedito de Aruanda ministra vrios cursos de formao
umbandista. Disponvel em <http://www.colegiodeumbanda.com.br.html> e <http://www.aueesp
.com.br.html>. Acesso em: 05 ago. 2012.
133
101
Rivas Neto o fundador da Ordem Inicitica do Cruzeiro do Sul, em So Paulo, fundada em 1970,
e discpulo de Woodrow Wilson da Matta e Silva, que em 1956, lanou as bases da Umbanda
Inicitica ou Esotrica.
102
Comungando das mesmas ideias em relao ao branqueamento intencional (ORTIZ, 1999;
MOURA, 1988; BROWN, 1985).
103
A Faculdade de Teologia Umbandista (FTU), sediada em So Paulo, iniciou suas atividades
acadmicas em 2004, aps obter autorizao do Ministrio da Educao e Cultura (MEC), atravs
da Portaria de n. 3864, expedida em 18 de dezembro de 2003. A FTU que mantida pela Ordem
Inicitica do Cruzeiro Divino (O.I.C.D.) fundada por Francisco Rivas Neto, em 1970. A Faculdade
possui curso de graduao e de ps graduao lato sensu, em teologia com nfase nas religies
afro-brasileiras. Desenvolve, tambm, atividades de responsabilidade social, com vrios projetos
que objetivam proporcionar melhores condies de vida e bem estar aos indivduos, procurando
contribuir para lhes despertar uma conscincia mais crtica da realidade. Disponvel em
<http://www.ftu.edu.br.html>. Acesso em 18 maro 2011.
104
Mestre Orishivara, que se manifesta por meio do mdico e mdium, Francisco Rivas Neto, o
fundador da Umbanda Inicitica.
134
Na Macumba, o Exu esteve ao centro dos rituais, pois ele sempre foi
considerado o senhor dos caminhos e da liberdade, exercendo seu papel livremente
sem nenhum tipo de represso (ORTIZ,1999). Nesse sentido, a Linha Cruzada
sendo depositria da Macumba d nfase aos ritos de Exu e de Pombagira.
O Exu, diferentemente de outras entidades ou mesmo orixs que vivenciam
normas, tanto para se expressarem como para descerem nos terreiros, ele pelo
contrrio, subverte a ordem, quebra inmeros paradigmas e no se submete a
quaisquer regras estabelecidas pelos terreiros. Nesse sentido, o Exu ganha
representaes ligadas a personagens histricos que sintetizam o percurso de
muitos marginais, malandros e rebeldes, que voltariam terra falando e agindo sem
restries, numa gira que ganha extrema popularidade entre os fiis (MOURA,
1995, p. 137). Por isso, vem gerando muita polmica no sul do pas acerca da
ascenso da Linha Cruzada, pois uns a consideram como inovao, outros como
uma deturpao. Nesse caso, a elite ir ver como uma deturpao, pelo fato do Exu
e da Pombagira provocarem uma inverso de valores, ao subverterem a ordem
estabelecida pela classe dominante, e se posicionarem sempre ao lado das classes
marginalizadas.
Percebemos que o avano concernente proliferao de inmeros terreiros
vinculados Linha Cruzada, ou de rituais de exubandeiros no ocorreu de forma
pacfica e tranquila no Rio Grande do Sul. Ao contrrio, foi e continua sendo objeto
136
105
Na expresso pases do Prata, o vocbulo Prata se refere Bacia do Prata, que formada pelos
pases da Argentina, Uruguai e Paraguai.
106
Catulagem ou feitura de santo um procedimento ritualstico que faz parte dos rituais iniciticos
dos Candombls, do Batuque e da Linhas Cruzada, onde os iniciantes raspam completamente as
suas cabeas. E as pintam. Posteriormente a essa raspagem, os pretendentes ficam isolados, por
vrios dias, em um quarto, localizado no interior de um terreiro, denominado camarinha. A
permanecem, no sentido de se prepararem espiritualmente para que possam receber seus orixs,
inquices ou voduns, dependendo da nao que professam (BERKENBROCK, 1993; CORREA,
1998).
137
107
Sincretismo contnuo significa um sincretismo que no sofre soluo de continuidade, qual seja,
que est se expressando e se perfazendo continuamente. um processo de adaptao e de
acumulao contnua de elementos diversos, que propicia uma ressignificao de smbolos e de
elementos antigos, tradicionais, culturais e religiosos, dentre outros, que num contexto novo, torna-
os adaptveis ao presente (BASTIDE, 2003).
138
CONCLUSO
ensejou a construo de uma nova identidade africana que surgiu espelhada nos
modelos da cultura dominante, consequentemente, da religio dominante. Assim,
foram assimilados alguns traos da cultura tnica europeia, mas, se mantiveram,
nessa nova identidade formada, traos da identidade tnica africana tradicional. Da
resultou um afrodescendente branqueado, que se veste como um branco e adota
parte das crenas do seu senhor, mas que, por outro lado, preserva de forma
escamoteada as suas crenas religiosas e culturais originais. Os afrodescendentes
assumem comportamentos condizentes com a nova identidade sincrtica moldada
nos valores estabelecidos pela classe dominante e por suas prticas socioculturais.
Nesse contexto, os negros que haviam sido alijados de suas heranas culturais, e na
realidade se encontravam culturalmente sem razes, tiveram que reformular os seus
valores, suas crenas e tradies culturais e religiosas originais que haviam sido
transmitidas ao longo do tempo pelas geraes passadas e por seus ancestrais.
Assim, os escravizados criaram variados recursos para que pudessem subverter as
condies adversas oriundas do submundo do cativeiro a que estavam submetidos
de forma excruciante.
No Brasil, portanto, dos Calundus Cabula do incio do sculo XIX, so
vivenciados em um mesmo espao religioso trs concepes religiosas distintas,
quais sejam, a catlica, a indgena e a africana, cada qual com suas simililaridades
e suas diferenas, em que ora convergem e ora divergem. Na prtica, entretanto,
tanto os calunduzeiros quanto os cabuleiros conseguiram, alm de agariar adeptos,
estabelecer um significativo poder de barganha na conquista de espao religioso
frente igreja catlica, que era a religio dominante e majoritria. Isso trouxe como
consequncia as duplas pertenas apresentadas pelos fiis desses segmentos
supracitados onde os negros passaram a escamotear os seus cultos tradicionais
atravs da mistura das divindades africanas com os santos catlicos. Ressaltamos
que a maior preocupao dos senhores proprietrios de escravos era a dupla funo
dessas comunidades afrosincrticas. Por um lado, elas apresentaram uma forte
resistncia que tinha como pano de fundo as articulaes de fugas (sublevaes) de
escravos e as formaes de inmeros quilombos que empreenderam posteriores
ataques aos colonizadores e s suas famlias, queimando seus canavias, os
engenhos, destruindo a casa grande, assassinando vrios capites do mato e
procedendo a libertao de escravos, que ainda, inclusive, se encontravam em alto
mar, transportados por navios negreiros (SOUZA, 1986; BASTIDE, 1985;
141
SCHMIDT,1999; MAESTRI, 1994; AGUIAR, 2001). Por outro lado, elas procuraram
recriar uma frica simblica para que pudessem reconstruir seus universos culturais
e principalmente, os religiosos, que ao longo do tempo estavam se perdendo e se
esvaindo, e tambm, para que pudessem servir de consolo, de reestruturao dos
mundos internos dos negros, onde eles buscavam um reequilbrio mental e
espiritual, e procediam a realizao de rituais em que procuravam entrar em
comunho com os seus deuses ou divindades tradicionais (os orixs, inquices e
voduns) e tambm com os seus ancestrais.
O sincretismo religioso se fez presente tanto na construo da nova
idendidade cultural dos negros quanto nas suas crenas religiosas, onde ele
vivenciava dois mundos diversos, ou seja, o catolicismo, ao frequentar a igreja
catlica e os terreiros onde estes englobavam trs elementos religiosos diferentes,
mas que no se sobrepunham uns aos outros. Isso caracterizava um processo de
dupla pertena vivenciado por eles. Os negros vivenciavam uma ambivalncia
intencional propiciada pelo sincretismo, tambm, intencional, que de acordo com os
perodos histricos e as transformaes socioculturais, foi se adaptando e se
moldando conforme os interesses dos grupos que estavam inseridos naqueles
contextos respectivos, que se configurava em alguns momentos como conflituosos e
noutros se fazia mais tranquilo, perfazendo-se por meio de vrias negociaes
estratgicas desenvolvidas atravs de algumas tticas e astcias que visavam
minimizar e mesmo minar a fora dos brancos dominadores.
Durante vrios sculos, os negros tentaram recriar seu antigo universo
africano perpassando tal intento pelo perodo do Brasil colonial, imperial e ainda da
repblica, primeiro com os Calundus seguidos pela Cabula, pela Macumba e
posteriormente pela Umbanda. Dessa forma, um fio condutor, que se expressa por
uma triplce religiosa, formado por elementos catlicos, indgenas e africanos que
permearam todos esses segmentos ou fases sincrticas e contnuas. Essa base
estrutural est presente na religio Umbanda juntamente com outros elementos
agregados por ela ao longo do tempo, de acordo com o contexto histrico,
econmico, poltico, social e religioso. Como exemplo, temos o Espiritismo
Kardecista que foi incorporado ltima fase da Cabula, e tambm, fazia parte da
estrutura sincrtica da Macumba.
Os Calundus, que surgiram praticamente desde o incio da colonizao do
pas e perduraram por mais de cem anos, foram para os negros que eram de
142
tudo que lembre a Macumba, que a cada dia se tornava mais marginalizada por
agregar elementos e rituais considerados estranhos e repugnantes, alm de manter
em seu bojo uma pleble marginalizada que ia de encontro s convenes
socialmente estabelecidas por aqueles que detinham o poder.
A formao da Umbanda manteve a triplce religiosa condutora atravs de
trs elementos, quais sejam, o catlico, o indgena e o africano, incorporados em
sua estruturao, e que vieram j desde a primeira formao sincrtica
afrolusobrasileira primitiva dos Calundus, surgidos no sculo XVII, perpassaram por
outras duas fases subsequentes, a Cabula e a Macumba, e permaneceram at o
seu nascedouro no sculo XX. A Umbanda conserva alguns elementos catlicos,
como as imagens de santos, as rezas de abertura de giras, os rituais de batismo, e
as comemoraes de datas festivas ou comemorativas referentes aos santos
catlicos. Tambm conserva alguns elementos indgenas, como o uso de
instrumentos musicais, os cocares, o arco e a flecha, a utilizao do tabaco e o culto
s entidades da floresta, sejam elas espritos de ndios ou de espritos da natureza.
Os elementos africanos que fazem parte da estrurao da Umbanda sofreram
inmeras ressignificaes por meio de um processo de branqueamento intencional,
que se expressa nas associaes de santos catlicos, brancos com os orixs
negros, e tambm se expressa pela sua aproximao com o Espiritismo Kardecista,
intencionalmente, com fins polticos, para tentar sua legitimao e aceitao como
uma religio voltada para o bem e para a caridade, conforme preceituado pelo
Espiritismo. Com essa aproximao a Umbanda buscava sair da linha de fogo das
perseguies policiais que j reprimiam a Macumba, considerada prtica de baixo
espiritismo ou de feitiaria. A Umbanda tinha que se distanciar da Macumba para
no caracterizar em seus rituais prticas ligadas ao que se denominava de baixo
espiritismo, e no ser consequentemente da respeitada e considerada,
comprometendo dessa forma sua busca por legitimao.
A Umbanda o resultado de um processo de acomodao e de aceitao,
face s negociaes empreendidas diante da hierarquizao exercida sobre ela, por
parte da religio dominante, embora a religio dominante, ou seja, a religio catlica
tenha se constitudo como esse instrumento de dominao, a Umbanda porm, na
condio de uma religio afro-brasileira, no se submeteu totalmente a essa
dominao, pois, se constituiu, tambm, como um processo de resistncia,
medida em que tentou se legitimar como uma religio genuinamente brasileira.
144
Entretanto, paradoxalmente, ela se submeteu aos moldes dos valores ditados pela
religio estabelecida por aqueles que detinham o poder dominante.
A Umbanda constituda por um sincretismo que enseja muitas
reinterpretaes, congrega paradoxos, ambivalncias e contradies, e que se
moldou de acordo com as transformaes socioeconmicas, culturais, polticas e
religiosas ocorridas no pas. Como exemplo, em 1941, no Primeiro Congresso
Esprita de Umbanda, ela procurou adaptar-se aos modelos polticos vigentes e s
tendncias, inclusive morais, ditadas pela sociedade brasileira, especialmente, pela
classe mdia branca, tentando ser aceita por parte das autoridades governamentais.
A partir de 1964, a Umbanda atrela-se ao governo militar de extrema direita, que era
muito conservador por um lado, mas por outro hipotecava seu apoio a ela, no
sentido de coibir quaisquer perseguies policiais, que nesse perodo cessaram
completamente, tendo em vista que a Umbanda se predisps a colaborar com o
regime militar no combate ao comunismo, delatando aqueles adeptos umbandistas
que faziam parte dos grupos de esquerda, ou seja, aqueles que eram contra o
regime militar implantado no pas, e com isso, ocorre a sua consolidao como
religio. Ressaltamos que a Umbanda possua em seus terreiros muitos militares
como pais de santo. Dessa forma, a Umbanda repete as prticas vivenciadas por
suas antecessoras das fases anteriores, das formaes sincrticas supracitadas,
que haviam negociado com os seus opositores, exceo da Cabula revolucionria.
A partir de 1964 a Umbanda passa a viver momentos de glria no cenrio
religioso nacional, como consequncia de sua aliana com o governo militar. Sua
ascenso, que teve incio em dcadas anteriores, chega ao seu apogeu
apresentando um nmero elevadssimo de adeptos fiis. Nos primeiros anos da
dcada de 1980, a Umbanda entra num processo de declnio, com a ascenso do
pentecostalismo e do neopentecostalismo que se apropriam de seus principais
elementos e os ressignificam de sobremaneira. Os elementos que no so
ressignificveis por esses seguimentos, pertencentes as divindades, cultos e
prticas religiosas da Umbanda, so todos demonizadas.108
108
O movimento pentecostal e, principalmente, o neopentecostal se apropria e ressignifica, dentre
outros elementos da religio Umbanda, os rituais de descarrego, a desobesseso, o passo
magntico e o transe. Por outro lado, demoniza as divindades (os orixs); as entidades (espritos
de Caboclos, Pretos Velhos, Exus e Pombagiras); as imagens de entidades e de santos catlicos,
utilizadas nos altares umbandistas (congs) e tambm, quaisquer tipos de oferendas e despachos
efetuados pelos adeptos.
145
109
O Exu e a Pombagira so as entidades que se encontram mais prximas do homem. Portanto, se
expressam de forma quase idntica ele. Utilizam uma linguagem informal e atrevida com muitas
tiradas cheias de ironia e de sarcasmo, com o objetivo principal de desconstruir a ordem e aquilo
que est sistematicamente construdo e estabelecido por essa ordem vigente. Normalmente, em
sua grande maioria esta ordem constituda por velhas, carcomidas e repressivas estruturas,
assim, essas entidades procuram trazer baila aquilo que est escamoteado e escondido por uma
sociedade conservadora, eletista e repressora e que oprime de forma excruciante as classes
menos favorecidas. Dessa forma, a Linha Cruzada acolhe, permite, e inclusive, de certa forma
incentiva em seus rituais, a prtica dessa esponteneidade de expresso oral e corporal, que
natural e inerente ao Exu e a Pombagira. Ressaltamos, que na Umbanda o Exu considerado
apenas como uma entidade. Diferentemente nas religies de linhas de nao, incluindo aqui, a
Linha Cruzada, o Exu se manifesta, tambm, como orix. Mas, este considerado como uma
divindade, que nunca encarnou, que diferente da entidade Exu, pois ningum o recebe.
146
poder possam ter incorporado dos valores, das crenas e tradies culturais e
religiosas daqueles que detm o poder e quase nunca no o contrrio.
Ressaltamos que tanto no sincretismo quanto no hibrismo e na bricolagem,
os elementos trazidos das culturas anteriores s quais pertenciam, mantm as suas
caractersticas originais, conforme mencionamos. Porm, em relao bricolagem
no mencionado em que grau de intensidade elas se manteriam.
A despeito das acirradas discusses no que concerne s terminologias
empregadas e as posies tericas adotadas, as concepes desses trs termos se
identificam profundamente medida em que so pouqussimos os pontos onde eles
se afastam. Assim, pouco importa o termo adotado porque muda-se o termo, mas, a
concepo para o fenmeno continua quase que praticamente a mesma, e na
grande maioria, como demonstramos, continuam as mesmas mesmo. Nesse
sentido, adotamos o termo sincretismo por ele abarcar em sua totalidade, as
categorias e os elementos que o compem plenamente, e o consolidam como o
vocbulo mais adequado e satisfatrio.
A nossa concluso de que a religio Umbanda advinda de um processo
religioso, contnuo, intencional e sincrtico, que teve incio com os Calundus,
perpassando pela Cabula e pela Macumba anteriormente, conforme demonstramos.
Dos Calundus, de formao sincrtica, catlica, africana e indgena surgidos
no sculo XVII, foram trazidos alguns elementos, tais como, o Cong, que um altar
imitando o altar catlico; os santos catlicos; as iconografias afros, indgenas e
catlicas; a possesso (transe); o culto s divindades da natureza e aos ancestrais
(espritos); as rezas e benzeduras; a prtica dos passes; as oferendas s divindades
da natureza e aos ancestrais; as danas; os cantos e toques de atabaques; e o uso
de palmas, que se mantiveram todos eles na Cabula surgida no incio do sculo XIX.
A Cabula, num primeiro momento de sua existncia apresentava um carter
fortemente revolucionrio, armado e militarizado. Num segundo momento, porm,
ela incorporou aos seus rituais e preceitos religosos, alguns elementos do
Espiritismo Kardecista, tais como, a prtica da caridade, as concepes de karma e
de reencarnao, e do processo de evoluo humana. Assim, sob essa forte
influncia esprita, o transe e os passes praticados pelos cabuleiros foram
realinhados de acordo com a metodologia utilizada por essa outra religio.
Ressaltamos entretanto, que os passes e o transe, j existiam anteriormente
entre os cabuleiros, e at mesmo entre os calunduzeiros, mas, com a introduo de
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