Ética - Leila Machado
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Ética - Leila Machado
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Leila Domingues Machado
O rei est nu
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Artigo revisto e ampliado. Publicao original: MACHADO, Leila Domingues. tica. In: BARROS, M
Elizabeth Barros (org.) Psicologia: questes contemporneas. Vitria: Edufes, 1999.
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Professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Ps-Graduao em Psicologia
Institucional da Universidade Federal do Esprito Santo
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VERNANT, Jean-Pierre, 1994.
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Psicologia: questes contemporneas - Vitria: EDUFES - 1999
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virtude um dever. Seria preciso agir em conformao com a lei divina. Introduz-
se uma exterioridade onipresente e onipotente como guia das aes. O
sentimento de culpa faz com que cada um julgue seus prprios atos em sua
consonncia com os valores estabelecidos. A confisso pode conferir ao padre
o conhecimento do pecado e ao cristo o alvio de diz-lo, entretanto, h um
Deus que tudo sabe e tudo v. A justia seria fazer cumprir os mandamentos
divinos e a felicidade seria a salvao eterna, que estaria condicionada ao
no-pecar ou a uma espcie de livre- arbtrio do Bem divino.
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CHAU, Marilena, 1994.
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somente seria possvel como vida poltica. A tica estaria referida a um juzo
de apreciao, um exerccio de pensamento e escolha entre o que seria
considerado como bom e como mau. Moral uma palavra que vem do latim -
mores - e significa costumes, configurando-se como as regras e valores
sociais, um conjunto prescritivo baseado em concepes de bem e de mal
que viriam conduzir de forma absoluta, categrica - o Bem vlido para todos
em qualquer tempo e lugar - ou relativa, derivada - um bem vlido para um
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grupo ou para uma poca - as aes de cada um.
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Sobre os termos tica, moral, bem e bom consultar: LALANDE, Andr. Vocabulrio tcnico e
crtico da filosofia. So Paulo: Martins Fontes, [1926], 1993.
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FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Dicionrio da Lngua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
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outro, ao mundo, ao contexto, e tambm uma relao a si . Um tornar ou no
seu comportamento de acordo com uma regra ou um valor e, ao mesmo tempo,
um trabalho tico para tentar se transformar a si mesmo em sujeito moral de
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sua prpria conduta . Enfim, toda uma srie de nuances entre a regra e a
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ao que inclui modos de subjetivao .
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O si, a que se refere Foucault, em lugar de ser um processo de fechamento numa
interioridade, de contato ntimo com uma espcie de essncia individual, mostra-se como
anonimato, como abertura, como transformao, como produo de diferenas com o que
se mumificou em ns, em nossas relaes, em nosso trabalho, em nossa vida.
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FOUCAULT , Michel, 1985, p. 28.
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Trabalharemos a partir de uma distino entre modos de subjetivao ou processos de
subjetivao ou modos de existncia e subjetividade. Esta ltima refere-se configurao
de formas-subjetividade. Atualmente falamos em subjetividades intimistas, ligadas esfera
privada e temos para com essa forma uma relao de verdade que nos faz acreditar que os
Homens sempre foram assim e, por conseguinte, vo continuar sendo. importante
lembrar que a subjetividade no algo interior. A super- valorizao da esfera privada
uma forma-subjetividade bastante comum em nossos dias, contudo no a nica
possibilidade de forma para a subjetividade. A subjetividade nos fala de territrios
existenciais que podem tornar-se hermticos s transformaes possveis, como mapas, ou
podem estar abertos a outras formas de ser, como nas cartografias. Os modos de
subjetivao referem-se prpria fora das transformaes, ao devir, ao intempestivo, aos
processos de dissoluo das formas dadas e cristalizadas, uma espcie de movimento
instituinte que ao se instituir, ao configurar um territrio, assumiria uma dada forma-
subjetividade. Os modos de subjetivao tambm so histricos, contudo, tem para com a
histria uma relao de processualidade e por isso no cessam de engendrar outras formas.
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FOUCAULT, Michel, 1985.
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importante que fique claro que no se trata de um oba, oba, que em lugar de alegria
muitas vezes mostra-se como expresso cruel de tirania. O uso de regras facultativas
aponta para uma relao diferenciada com as leis, com os cdigos e com as normas. Um
processo de dissoluo das transcendncias. A tica fala de princpios que so ao mesmo
tempo anti-princpios, ou melhor, diante do princpio de solidariedade, por exemplo, no h
um contedo anterior, um cdigo prescritivo que definiria como, onde, quando e com quem
ser solidrio. Ser preciso sempre estarmos reinventando formas de solidariedade que
estejam voltadas para a expanso da vida
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A tica seria uma ontologia do ser, falaria da sua produo, dos seus
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modos de existncia. Inspirando-se na antigidade grega, Espinosa acredita
que a tica vincula-se vida e a moral sobrevivncia, entendida aqui como
meios de evitar a morte. A tica seria um exerccio da liberdade ou a prpria
experincia de liberdade. O que no quer dizer livre-arbtrio ou uma escolha
entre o Bem e o Mal. A liberdade se configura quando nossa potncia de agir
aumenta junto das produes coletivas e contrria servido ou ao desejo
de nos apropriarmos do outro. Viver a alteridade no pressupe apropriaes
de espcie alguma, nem de si e nem do outro, pois seria a experincia da
produo de diferenas, tanto com relao a si mesmo quanto nas relaes
com o mundo.
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Nossa leitura de Espinosa baseia-se em seus escritos sobre tica, nos trabalhos de Marilena
Chau e, principalmente, nos trabalhos de Gilles Deleuze acerca da obra do autor.
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CHAU, Marilena (consultora de introduo). Espinosa - vida e obra. In: Espinosa. So
Paulo: Abril Cultural, Coleo Pensadores, 1983, p. XVII.
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A imagem construda por Espinosa nos faz pensar que sua filosofia
aposta sempre na ao e no concebe a figura do dominado, do submisso,
como se no houvesse sada para a servido. A vida seria o critrio tico no
pensamento de Espinosa. Seria preciso uma luta constante contra tudo o que
nos separe da vida. A expanso da vida seria um desmanchar das formas
dadas, do que se tornou institudo e permanece movendo processos
burocratizantes com relao aos valores, s regras, ao trabalho, ao amor,
amizade... Processos de endurecimento que nos impedem de nos arriscarmos,
de nos despojarmos dos preconceitos para experimentarmos outras formas de
pensar e de viver, que nos cega, cala, ensurdece ou nos torna insensveis
frente multiplicidade que marca o que nos acontece, que nos faz reproduzir
modelos legitimados mesmo que esses coloquem em funcionamento exerccios
de dominao. Neste sentido, no se trata de uma lgica binria entre
dominantes e dominados mas sempre uma ao possvel de resistncia e de
transformao das formas de servido.
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RAJCHMAN, John, 1987, p. 45.
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RAJCHMAN, John, 1993, p. 129.
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VAZ, Paulo, 1992, p. 122.
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RAJCHMAN, John, 1993, p. 128.
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Bibliografia
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No sentido de incidir sobre si e no enquanto algo em si mesmo.
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Ibid, p. 130.
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