Violao e Acompa No Choro - Lucas Campos PDF
Violao e Acompa No Choro - Lucas Campos PDF
Violao e Acompa No Choro - Lucas Campos PDF
INSTITUTO DE ARTES
MESTRADO PROFISSIONAL EM ARTES - PROFARTES
BRASLIA
2016
LUCAS DE CAMPOS RAMOS
BRASLIA
2016
Ficha catalogrfica elaborada automaticamente,
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
Esta monografia de Mestrado Profissional em Artes foi julgada adequada para obteno do
Ttulo de Mestre em Artes Ensino de Artes, e aprovada em sua forma final.
Banca Examinadora:
__________________________________
Prof. Dra. Maria Cristina de Carvalho Cascelli de Azevedo
Universidade de Braslia Presidente da Banca
__________________________________
Prof. Dr. Pedro de Moura Arago
Universidade Federal do rio de Janeiro - UNIRIO
Membro Externo
__________________________________
Prof. Dr. Clodomir Ferreira
Universidade de Braslia
Membro Externo
__________________________________
Prof. Dra. Maria Isabel Montandon
Universidade de Braslia
Membro Interno - suplente
AGRADECIMENTOS
Ao meu pai Oxal e s foras da Natureza pela possibilidade e pelo privilgio de continuar
aprendendo! Ax!
A toda minha famlia, sobretudo a minha me Cristina e ao meu pai Do que me ofereceram,
em casa, a melhor formao musical que eu poderia ter: a boa audio e o incentivo curiosidade!
Aos meus irmos Tadeu e Matheus, pelos sons passados, presentes e futuros! Tonho, Regina e Mnica
pelos encontros da vida. Ao meu av Geraldo, violonista que ainda hei de conhecer! beno v
Mariazinha, v Dij e v Benedito!
minha companheira Ana, ser humano da mais alta qualidade sem o qual eu no teria tido
foras para grande parte das conquistas dessa vida. Obrigado pelas divises e multiplicaes! Aos
filhotes-professores Noel e Joo, que me fazem ver a vida com olhos mais musicais. Amor infinito!
Aos meus professores de Violo Everaldo Pinheiro e Alencar 7 Cordas (in memorian). Muito
obrigado mestres! Eternamente grato! Eternamente em dvida!
professora Maria Cristina Carvalho, por sua inteligncia elegante e por sua dedicao,
mesmo diante de tantas dificuldades. Obrigado por dividir um pouco do seu impressionante universo
de conhecimentos!
professora Isabel Montandon, ao professor Clodomir Ferreira (Clodo) e ao professor Pedro
Arago pelas revises dedicadas e correes pertinentes durante a caminhada! Muito obrigado mesmo!
Ao professor Jos Alexandre Leme pela gentileza da leitura de parte do texto.
Aos grandes msicos que, de forma muito generosa, se tornaram parceiros dessa pesquisa:
Andr Bellieny, Augusto Contreiras, Cludio Jorge, Cidinho 7 Cordas, Fernando Csar, Jorge
Cardoso, Jos Amrico, Mrio Sve, Rafael dos Anjos, Valrio de Souza e Z Paulo Becker, dentre
outros. Aprendi muito e pretendo continuar aprendendo com vocs!
Aos grandes violonistas que formataram o violo de 6 cordas no Choro: Carlinhos Leite, Csar
Faria, Dmasio e Meira, dentre muitos outros. Aos regionais que ainda hoje conservam a tradio do
Violo de 6 cordas!
A todos os professores do programa de ps-graduao da UnB. Aos colegas de mestrado,
obrigado pelas trocas e pela convivncia nesses semestres.
Aos meus alunos da Escola de Msica de Braslia, que me ensinam o tempo todo.
Aos funcionrios do departamento de Msica da Universidade de Braslia. Sem vocs nada
aconteceria!
Ao Choro e a todos os msicos que carregam sua bandeira!
VIOLO
E o arteso, finalmente,
nessa mulher de madeira
botou o seu corao.
(Sueli Costa)
RESUMO
1INTRODUO.................................................................................................................15
1.1CONTEXTO 15
1.2OBJETIVO 16
1.3REVISODELITERATURA16
1.4JUSTIFICATIVA 19
1.5ESTRUTURA 21
2ASPECTOSHISTRICOS:asarticulaesculturais,ochoro,oregionaleoviolode6cordas..23
3COMPETNCIAS,HABILIDADESESABERESconceitos....................................................53
4METODOLOGIADAPESQUISA........................................................................................56
5ASHABILIDADESDOV6NOCHOROPARAACOMPANHAMENTO....................................65
5.1HARMONIA"Segurandoaharmoniajuntocomocavaquinho". 67
5.1.1.AcordesCaractersticos 68
5.1.2PerspicciaHarmnica 71
5.1.3Modulaes 78
5.2LEVADASQuandoamodireitavaibemsinaldeprogresso... 90
5.2.1Asdanaseuropeiaseasdanasafricanas:aorigemdochoro94
5.2.2ALevadadoChoro 113
5.2.3ChorodeVaranda 116
5.2.4SambaChoro 117
5.3INVERSES"Ocontroledaharmoniasemtocarastnicasdosacordes..." 118
5.3.1CiclodeQuartasDominantes,ConduoCromtica. 127
5.3.2InversesqueresultamnoAcordeMeioDiminuto 129
5.3.3InversescomoV7repousadonastimadoAcordeDominante 131
5.4BAIXARIAS"Tocandoemduetocomoviolode7cordas" 133
5.4.1Atramaumassuntograve 146
5.4.2OCarterTridicoeosArpejos 157
5.4.3OCarterTridicoeosbaixosrepousadosnastimadoAcordeDominante 160
5.4.5Baixariascomomelodias 162
6CONCLUSO"NingumaprendeChoronocolgio"...................................................165
REFERNCIASBIBLIOGRFICAS........................................................................................169
15
1 INTRODUO
1.1 CONTEXTO
1
Ciente das crticas realizadas por Kartomi (1981, apud ARAGO 2014), o termo hibridismo aqui utilizado
no pressupe a existncia de raas puras a serem misturadas, e remete apenas miscigenao especfica
ocorrida no Brasil, naturalmente ocorrida por povos j anteriormente tambm miscigenados.
2
Para facilitar a leitura passarei a utilizar a abreviao V6 ao me referir a Violo de 6 cordas. De forma anloga,
o Violo de 7 cordas ser tratado como V7.
16
Durante os anos de envolvimento com este gnero musical, pude notar que o V6,
instrumento tpico dos Regionais de Choro, detentor de muitas especificidades e
idiomatismos. Como instrumentista desse instrumento, percebo a sua importncia e me
interesso pela sua dinmica no regional, ou seja, sua performance individual e sua interao
com os outros instrumentos. Segundo Kerman (1985 apud ORIONE, 2014, p.14), o
musiclogo, pesquisador musical, frequentemente se interessa pela msica que executa: a
msica pela qual os musiclogos se interessam aquela que faz parte de sua cultura, de sua
prpria tradio nacional ou, em se tratando de sacra, de sua religio.
Portanto, o meu interesse investigativo no V6 nasce dessa experincia profissional e
da familiaridade com suas especificidades no conjunto de Choro, seja como msico ou
professor. O V6 um instrumento que possui diversas funes dentro de um Regional, o que,
sinteticamente, poderia se resumir em a funo de dar equilbrio ao grupo de Choro. Mas
como esse equilbrio assegurado? Quais habilidades musicais o instrumentista deve
desenvolver para exercer uma boa performance nesse instrumento? O que violonistas relatam
sobre a prtica do instrumento, sua performance, e sua importncia no regional de Choro? O
que pode ser absorvido atravs de gravaes importantes? De que forma o Violo de 6 Cordas
se relaciona com o Violo de 7 Cordas? Essas questes orientam esta dissertao, e mediante
buscas de respostas para elas que est estruturado o trabalho.
1.2 OBJETIVO
apontando intimidades e semelhanas com o contexto da Roda de Samba proposto por Moura
(2004).
Algumas outras publicaes complementaram o estudo no que diz respeito s
competncias musicais no violo de Choro.
A Teoria das rvores Harmnicas de Alencar 7 Cordas, ainda no publicada, amparou
o estudo da habilidade musical Harmonia.
J no estudo da competncia Levadas (ou seja, a performance da mo que tange as
cordas do violo, normalmente responsvel pela conduo rtmica), foram muito importantes
os trabalhos: Levadas brasileiras para violo, de Becker (2013); Ritmos Brasileiros, de
Marco Pereira (2007); Fixando uma gramtica: Jayme Florence (Meira) e sua atividade
artstica nos grupos Voz do Serto, Regional de Benedito Lacerda e Regional do Canhoto
(2011), de Iuri Bittar; Apostila de Maurcio Carrilho (2007), o livro Feitio Decente:
transformaes do samba no Rio de Janeiro: 1917- 1933 de Sandroni (2001), a dissertao
Chiquinha Gonzaga e o Maxixe de Clara Marclio (2009), dentre outros.
Da forma semelhante, os trabalhos de Becker (1996), Bittar (2011), Braga (2002),
Pellegrini (2005) e Leme (2006) foram muito importantes para iluminar o estudo das
habilidades Inverses e Baixarias.
1.4 JUSTIFICATIVA
(...) a coisa mais importante do Choro so essas sutilezas que foram passadas
de gerao em gerao. E que no so possveis de serem colocadas em
partitura, no d pra escrever isso, no d pra codificar. So coisas que voc
s pega convivendo, tocando junto, prestando ateno. (2007, p.42).
ser um Choro diferente (...) . (SOUZA, 2015, E., p.38). O violonista Rafael dos Anjos, acima
citado, afirma que:
1.5 ESTRUTURA
Lopes (2005, p.33) defende terem sido as contribuies dos povos africanos o fator
determinante da construo da msica popular nas Amricas. Em suas palavras desses
batuques (...) se originaram os principais traos musicais definidores da Dispora Africana.
Menos divulgadas, porm igualmente dignas de destaque, foram as trocas culturais
entre ndios e negros. Segundo Gomes (2015), em reas de fronteiras ou mineradoras tm-se
evidncias de povos indgenas misturados com grupos africanos, dentre eles carijs,
waiampis, caiaps, tiris, xavantes, waianas e guaicurus.
(CASTAGNA, 2010). Outro curioso indicativo da intensidade das trocas culturais, marcada
por fluxos e refluxos, apontado por Tinhoro (1998, p.111), segundo o qual o Fado, estilo
musical icnico da cultura portuguesa, teria surgido no Brasil, a partir do Lundu, e se
modificado em Portugal: (...) os pontos coincidentes entre as duas danas so tantos, que
quase se poderia pensar no fado como um segundo nome para o lundu. O prprio Tinhoro
(1998, p.118) aponta o caminho histrico pelo qual o Fado brasileiro teria se modificado em
Portugal:
Para Ribeiro (1995, p.19), a intensidade das trocas foi to radical que fez surgir um
novo povo: Novo porque surge como uma etnia nacional, culturalmente diferenciada de suas
matrizes formadoras, fortemente mestiada, dinamizada por uma cultura sincrtica e
singularizada pela redefinio de traos culturais delas oriundos.
No entanto, diante deste cenrio os povos dominados frequentemente precisaram
lanar mo de estratgias de defesa como o sincretismo - para preservar suas vidas ou seus
valores. Monteiro (2010, p.108) utiliza o conceito de sincretismo no contexto afro-americano
como:
suas composies ou at mesmo para que estas fossem aceitas comercialmente sem maiores
restries.
Portanto, a constituio cultural do pas est, naturalmente, em relao direta com sua
constituio scio-histrica, em que o enfrentamento de diferentes tipos culturais - ou a forma
como as contribuies se articularam e os sincretismos a partir dela surgidos - fator
determinante na construo do capital cultural brasileiro. Tal articulao est intensamente
presente, tambm, na formao do Choro e dos regionais de Choro e no desenvolvimento da
performance violonstica no Brasil. Nas seces seguintes essa tendncia cultural ser
apresentada.
2.1 O CHORO
Quanto melancolia das baixarias do violo, pelo que pude observar nas
primeiras gravaes de grupos de Choro, realizadas por volta de 1907, (...) o
violo ainda no era usado com a exuberncia com que hoje estamos
habituados. Portanto, se algo evocava melancolia, era a maneira de tocar a
melodia. Sendo assim, acredito que a palavra Choro seja uma decorrncia da
maneira chorosa de frasear, que teria gerado o termo choro, que designava
o msico que amolecia as polcas.
Cazes (1998, p.19), por sua vez, tem uma viso um pouco diferente, embora no
necessariamente contraditria, para o surgimento do estilo. Segundo ele, a data est associada
chegada da Polca ao Brasil: Se eu tivesse que apontar uma data para o incio da histria do
Choro, no hesitaria em dar o ms de julho de 1845, quando a Polca foi danada pela primeira
vez no Teatro So Pedro.
De fato, muito importante observar a relao entre o Choro e as danas europeias
como a Valsa, a Mazurka e o Schottish e, em particular, com a Polca. As melodias dessas
danas, normalmente adaptadas pelos msicos brasileiros influenciados, provavelmente, pela
rtmica africana, deram origem aos primeiros materiais meldicos do Choro. Sobre o
abrasileiramento dos ritmos estrangeiros, Marlia Barboza defende que a Polca tenha sido o
grande eixo musical unificador da msica popular brasileira nesse perodo:
Tinhoro aponta outros elementos que podem ter favorecido o sucesso da Polca:
Na verdade, a polca inaugurava nos sales dos ricos e nas salas de visita dos
remediados o ritmo 2/4 em allegretto, o que comunicava aos danarinos uma
vivacidade indita, to coerente com o momento de euforia econmica,
destinado a culminar com o supervit da balana comercial brasileira a partir
de 1860. Essa vivacidade de ritmo - que por si s j denunciava uma
exploso de individualidade absolutamente nova vinha sendo anunciada
desde o incio do sculo XIX pelas quadrilhas. (TINHORO, 1998, p.60)
31
Portanto, quando se tornou uma espcie de mania nacional, aps sua chegada, na
dcada 1840, a Polca sofreu alteraes no territrio brasileiro, sucumbindo inevitvel
presena da cultura africana3 (SANDRONI, 2001). Em relao s transformaes sofridas
pela Polca, muitos pesquisadores (DINIZ, 2002) apontam forte influncia do Lundu em tais
inovaes.
O Lundu, por sua vez, teria se originado dos batuques africanos4, e normalmente
caracterizado como uma dana de roda angolana5, em que esto presentes os atabaques e a
umbigada6. Castagna (2010, p.16) defende que a origem do Lundu est atrelada a um
hibridismo entre elementos ibricos e africanos. Segundo Marclio (2009, p.64), como
clulas predominantes, j figuravam no lundu as clulas rtmicas
3
Diniz aponta a dcada de 1870 como o perodo de diferenciao da msica brasileira: Enquanto o Rio de
Janeiro se modernizava, a msica popular percorria um caminho que levaria sua nacionalizao. Ainda no era
brasileira; apenas esboava formas que s neste sculo iriam tornar-se mais definidas. Portanto, a partir de
1870 que podemos falar de uma cultura melaninada, onde o pigmento fundamental a singulariz-la foi o do
elemento negro. Isso foi possvel porque a cultura negra manteve-se vigorosa atravs da preservao da
religio... (DINIZ, 2008, p.81).
4
Arajo (apud SANDRONI, 2001, p.42) evoca uma explicao scioafetiva para o seu surgimento: o lundu
(...), descendente direto do batuque africano, foi a vlvula de equilbrio emocional que se utilizaram os escravos
para amenizar as agruras do exlio e os sofrimentos da escravido.
5
Sandroni (2001), no entanto, aponta para origens ibricas.
6
Sobre a relao entre Dana e Msica, Carvalho (2006, p. 38-39) aponta que: Atrs do gesto, do movimento,
vem a msica, alis, seguindo uma tradio africana, onde no s os msicos estimulam dana, mas tambm os
bailarinos transformam a msica, atravs de um dilogo improvisado. Assim nasce o maxixe. Apesar do
preconceito da sociedade da poca, contra sua dana indecente (que na verdade estava muito mais relacionado
sua origem mestia e pobre), o maxixe se desenvolve, passa a ser executado nos teatros e sales da alta
sociedade, e divulgado nas casas de famlia atravs das partituras editadas para piano.
32
Ou ainda:
Portanto, possvel admitir que msicas europeias e africanas podem ser tidas como
substratos musicais do Choro, personificados, em certa medida, na figura de Joaquim Callado.
Sobre esse tema, assim Diniz se pronuncia:
33
Segundo Cazes (1998, p.36), a compositora lutou pela sobrevivncia, lutou pela
abolio da escravatura, lutou para ver a msica mestia dos chores tocada e respeitada nos
sales elegantes. Vrios choros de sua autoria so, ainda hoje, executados, como o Corta-
Jaca e Atraente.
O pianista Ernesto Nazareth (1863-1934) conseguiu se destacar na msica dita popular
e na msica dita erudita. Ele, nas palavras de Travassos (2000, p.14), foi autor de uma obra
original, extensa e tributria tanto dos chores e das danas urbanas cariocas quanto do gosto
europeu. Leme (2006, p.50) tambm destaca o compositor, para ele o pianista mais famoso
34
da virada do sculo foi Ernesto Nazar. Compositor prolfico considerado o fixador do tango
brasileiro, ganhou admirao de vrios msicos de renome, at mesmo do meio erudito.
Nazareth formatou um estilo composicional que at hoje referncia, assim como sua obra
referncia obrigatria para os chores e para os pianistas brasileiros. Muitos de seus choros
so ainda hoje celebrados nas rodas, como o Brejeiro, Odeon, Atlntico e Apanhei-te
cavaquinho.
Ainda sob a perspectiva da consolidao do gnero Choro, preciso observar a
importante contribuio de outros dois agentes: a Msica dos Barbeiros e as Bandas de
Fazenda. Em relao Msica dos Barbeiros, o pesquisador Andr Diniz ponta que tais
grupos eram formados por negros ainda escravizados:
(...) sendo formados, basicamente, por escravos obrigados por seus senhores
a aprenderem novos ofcios. A profisso de barbeiro era a nica a deixar
tempo vago para a aprendizagem de outros trabalhos, da a denominao dos
grupos musicais. Os barbeiros se apresentavam em festas religiosas, profanas
e at oficiais: tocavam dobrados, fandangos e quadrilhas. E era comum
encontrar nos jornais notas ressaltando a qualidade musical de escravos
venda. (DINIZ, 2008, p.17)
O msico e pesquisador Ivaldo Lara Filho sugere que tais agrupamentos musicais
eram formados por negros alforriados:
Desta forma, ele distingue as Bandas de Barbeiros das Bandas de Fazenda, sendo que
estas ltimas seriam formadas por negros ainda em situao de escravido: As Bandas de
Fazenda eram grupos formados por negros escravos que, influenciados pelas tendncias
urbanas, tentavam reproduzir aquela msica com instrumental e repertrio similar msica
dos barbeiros (LARA FILHO, 2009, p.8).
No entanto, no dia 23 de abril do ano de 1897 nascia o msico que iria consolidar o
Choro e elevar definitivamente o seu status: Alfredo da Rocha Vianna Filho, popularmente
conhecido como Pixinguinha. Desde muito cedo, Pixinguinha assombrou o mundo do Choro
com seu virtuosismo e sua criatividade na maneira de tocar a flauta. Segundo Cazes (1998,
p.53): Pixinguinha foi demonstrando sua vocao para o improviso e acrescentando umas
35
bossas que no estavam na partitura. Alm disso, sua forma de tocar se diferenciava,
visivelmente, daquela utilizada pelos flautistas tradicionais da poca. Pixinguinha valorizava a
rtmica, e segundo DIAS (apud CAZES, 1998, p.54) sua forma de utilizar o instrumento era
diversificada, pois ele: gerava um som com muito ar, em golpes enrgicos.
Em 1915, aos 13 anos Pixinguinha j tocava profissionalmente, e aos 18 anos j
gravava uma composio prpria, chamada Dominante. Logo em seguida, suas composies
passaram a ser gravadas mais frequentemente, e seu estilo de composio inovador foi sendo
revelado em composies como Rosa, Sofres Por Que Queres e Os Oito Batutas, o que
contribuiu radicalmente para a formatao do gnero. Para Cazes (1998, p.57): Partindo da
msica dos chores e misturando elementos da tradio afro-brasileira, da msica rural e de
sua variada experincia profissional como msico, Pixinguinha aglutinou ideias e deu ao
Choro uma forma7 musical definida.
Os Oito Batutas, alm de nome de uma de suas composies, seria tambm o nome de
um de seus conjuntos, e considerado o primeiro deles a, realmente, fazer fama no Brasil e no
exterior. Alm de flautista virtuoso, Pixinguinha foi ainda um talentoso e inventivo
arranjador, preocupado em encontrar uma linguagem brasileira de orquestrao e
instrumentao. Durante essa procura, Pixinguinha desenvolveu linguagem inovadora, e
elevou a importncia da percusso nos arranjos orquestrais. Segundo o maestro Guerra Peixe
(BARBOZA e OLIVEIRA apud CAZES, 1998, p.77): Pixinguinha deve ser encarado como
um ponto de partida pelos orquestradores brasileiros. Seus trabalhos nessa especialidade
deixam transparecer valores tpicos da nossa msica popular, seja em harmonia, em
contraponto, ritmo e feio regional.
No bastassem tantas contribuies superlativas nas reas da performance solista, da
composio e da orquestrao, o mestre Pixinguinha deixou, ainda, um importante legado no
que se refere linguagem dos contrapontos, que seria determinante para o desenvolvimento
do violo brasileiro. Isto pode ser observado, principalmente, no final de sua carreira, quando
Pixinguinha fez dupla com o flautista Benedito Lacerda. Nesse acordo, em que o solista
principal seria o Benedito, o mestre passaria coadjuvante, tocando o sax tenor. No entanto,
com sua genialidade, e seus arrebatadores contrapontos, Pixinguinha conseguiu se sobressair
nas gravaes, recebendo importncia maior que o prprio solista, Benedito Lacerda. Tais
contrapontos, alm de extremamente importantes para quem deseja estudar uma forma
7
Imagino que ao usar a palavra forma o pesquisador no esteja remetendo a aspectos estruturais (como a
forma Rond, por exemplo) e sim aspectos composicionais.
36
Essa presena pioneira marcou o incio de uma parceria que, nos trinta anos
seguintes, seria um elemento fundamental para o desenvolvimento da msica
popular no Brasil: os regionais e o rdio. A evoluo, desde o final do sculo
XIX, dos trios de choro (flauta, violo e cavaquinho) foi base do que
passou a ser chamado de "conjuntos regionais". (PRATA, 2005).
8
A origem do nome Regional nesse contexto de grupo musical atribuda s caracterizaes de vesturio
folclrico utilizado pelos grupos musicais no final dos anos 20, como os Turunas Pernambucanos, os Turunas da
Mauricia e o grupo do Caxang. sabido que alguns msicos preferiram outras denominaes, sobretudo a
partir da dcada de 60, como por exemplo, o Conjunto poca de Ouro ou o Conjunto Noites Cariocas. Da
mesma forma, sabido que mesmo aqueles grupos que se intitularam de Regionais, s o fizeram a partir da Era
do Rdio (aproximadamente 1930), quando o termo surgiu. No entanto, por questo de comodidade (e uma vez
ressalvadas as questes acima) o termo Regional utilizado, durante a exposio da pesquisa, quando esse tipo
de formao mencionado de forma genrica.
39
Neste contexto da viola, Domingos Caldas Barbosa (1738/1800) parece ter sido o
grande divulgador do instrumento. Taborda afirma que a maioria dos pesquisadores
brasileiros apontam Caldas como introdutor da Modinha e do Lundu na corte de D. Maria I
(...) e todos os estudiosos afirmaram que o veculo para a realizao das manifestaes de
Caldas teria sido a viola, instrumento por ele mesmo tangido. (TABORDA, 2011, p.46).
O surgimento do violo brasileiro e da viola caipira como instrumentos musicais
parece estar diretamente ligado tradio europeia das violas. Como descrito pela violonista e
pesquisadora Mrcia Taborda, a viola europeia se transformando musicalmente e
acusticamente ao longo dos sculos, at receber o nome e o formato de Violo. A revista
Nova Coleao de Modinhas Brasileiras registra a utilizao do violo nas Modinhas:
41
Todos j cultivam a musica, pois que faz parte da existncia do povo, que
adoa os seus lazeres cantando, e que at esquece os cuidados de um penoso
trabalho sempre que escuta os simples accordes de uma guitarra ou violo.
(...). As mais das vezes encontram-se grupos numerosos de jovens que unem
os sons do violo aos da flauta; so geralmeute pouco variados os seus
accordes, mas sempre justos, e essas rias simples, repetidas com tanta
doura, enchem a gente de singular melancolia, sobre tudo no seio de uma
bella noite dos trpicos. (NOVA COLECO DE MODINHAS
BRAZILEIRAS, 1878, p.11).
Leme ressalta algumas caractersticas que podem ter contribudo para a rpida
popularizao dos instrumentos de cordas no Brasil nesse perodo. Tais caractersticas esto
relacionadas ao peso, ao formato e ao custo destes instrumentos:
Em relao ao espao de atuao do violo Taborda aponta que, ainda no sculo XIX,
a viola e o violo passam por uma diferenciao social, assumindo ocorrncias geogrficas
especficas. O primeiro vai ser identificado com a msica regional, do interior e o segundo
assume a identidade urbana da capital:
Cazes (1998, p.47), por sua vez, acrescenta que, mesmo antes do nascimento do
Choro, o violo j conquistara a sociedade carioca, estava presente em diferentes
manifestaes populares e se despontava como instrumento acompanhador:
Portanto, diante desse cenrio, possvel afirmar que o Choro, como tpica
manifestao urbana, serviu como importante substrato musical para a popularizao do
violo no Brasil (embora a consolidao do instrumento j estivesse acontecendo) e vice-
versa. O Choro e o violo se alimentaram mutuamente, reforando-se reciprocamente.
O incio da histria do Violo no Choro se confunde com a histria dos violonistas que
a compuseram. Portanto, na presente seco procurei mapear alguns dos grandes violonistas
que formataram a maneira de se tocar o Violo nos primrdios do Choro, bem como
descrever suas principais contribuies para a performance no instrumento.
Pertencente primeira gerao de chores, Stiro Bilhar (1860/1926) foi
contemporneo de Villa-Lobos e Joo Pernambuco. Segundo o Dicionrio Cravo Albin da
Msica Brasileira (DICIONARIO CRAVO ALBIN DA MSICA POPULAR
BRASILEIRA, 2015). Villa-Lobos definiu a performance de Stiro da seguinte forma: (...)
no era o que ele tocava, mas como tocava que era genial. Sua Polca intitulada Tira Poeira
foi gravada por Jacob do Bandolim e ainda hoje executada nas Rodas de Choro e
apresentaes.
Contemporneo de Stiro, e, portanto, tambm pertencente primeira gerao de
violonistas chores, Quincas Laranjeiras (1873/1935) tambm teve muito contato com o
Violo Erudito, sendo apontado como um grande divulgador da Escola de Trrega no Brasil.
A revista Violo (1929), assim descreve o violonista: Homem consciente, modesto e probo,
fez disso sacerdcio, ministrando a seus discpulos seus criteriosos ensinamentos, (...). Pode-
43
se por isso dizer com justia que Quincas Laranjeira o av do violo moderno. A ele se deve
mais que a qualquer outro os primeiros passos no estudo do violo. Sua Valsa intitulada
Dores Dalma pioneira na utilizao do efeito de arraste (deslize do dedo sobre a corda
grave) que mais tarde se tornar caracterstica marcante da obra do violonista Dilermando
Reis.
Joo Pernambuco (1883/1947) mudou-se, aos 20 anos, de Recife para o Rio de
Janeiro, e o costume de falar sobre sua terra lhe rendeu o novo sobrenome. Sua msica
tambm esteve fortemente carregada do sotaque sertanejo. Sua obra violonstica alcanou um
nvel to alto que Villa-Lobos assim se manifestou: Bach no se envergonharia em assinar os
estudos de Joo Pernambuco como sendo seus". Taborda (2011, p.49) destaca que a
admirao levou Villa-Lobos a utilizar, em seu Preldio 5, o tema da Valsa Sonho de Magia,
de Joo Pernambuco. A sua composio Luar do Serto, letrada pelo poeta Catulo da Paixo
Cearense ficou muito famosa, embora nunca devidamente creditada ao violonista. Vrias de
suas composies como Grana, Sons de Carrilhes e Interrogando, dentre outras
fazem parte ativamente do repertrio de chores e dos violonistas brasileiros, sejam eles
populares ou eruditos.
Aluno de Quincas Laranjeira, Donga (1890/1974) frequentava a casa da Tia Ciata ao
lado de Joo da Baiana e Pixinguinha. Com este ltimo, seu irmo, participou do grupo Os
Oito Batutas, que fez muito sucesso no Brasil e excursionou pelo exterior em 1922. A sua
composio intitulada Pelo Telefone considerada o primeiro Samba a ser gravado em disco.
Outro membro do grupo Os Oito Batutas e do Grupo Caxang, China, irmo de
Pixinguinha, tocava violo, cantava, tocava piano e banjo. Segundo Pessoa (2012), China
considerado um dos pioneiros do Violo de 7 cordas na msica brasileira, tendo introduzido o
instrumento em uma gravao em 1910.
O violonista Amrico Jacomino (1889/1928), mais conhecido como Canhoto, ficou
famoso por seu vibrato peculiar no instrumento. Em 1917, gravou a valsa Acordes do Violo,
regravada em 1925 com o ttulo de Abismo de Rosas. Esta tornou-se um clssico do violo
brasileiro, executado ainda nos dias atuais.
No entanto, ao entrarmos especificamente na esfera do acompanhamento de Choro
ao Violo, o nome de Tute, ou Arthur de Souza Nascimento (1886/1957), ganha relevncia.
Tute, que tambm foi contemporneo de Donga e Joo da Baiana, tido como o primeiro dos
grandes acompanhadores tpicos de Choro, tendo acompanhado o mestre Pixinguinha em suas
primeiras gravaes. Segundo Cazes (1998, p.49-50), Tute no foi somente um
44
instrumentista, ele foi um grande inovador: Tute foi importante como estilista, como
pioneiro e como o introdutor do violo de sete cordas, que lhe dava condio de fazer um
acompanhamento mais encorpado e com fraseado mais rico. Tute, que, alm de violo,
tocava bumbo na Banda do Corpo de Bombeiros de Anacleto de Medeiros, o que pode lhe ter
oferecido proximidade prtica com os contrapontos, tem, portanto, papel central na evoluo
do Violo no Choro. Ao adicionar a stima corda no Violo, Tute apontou para uma marcante
caracterstica do Violo de Choro: os contrapontos na regio grave, ou popularmente, as
baixarias. Segundo Pessoa (2012, p.60):
9
O fongrafo foi criado por Thomas Edison em 1877, chegando ao Brasil em 189, atravs de Frederico Figner.
Em 1897 realizada a primeira gravao de msica popular brasileira (PESSOA, 2012). No incio do perodo
das gravaes se deu preferncia s bandas militares, pois sua potncia sonora era mais compatvel com a
tecnologia dos processos de gravao da poca.
45
Ou ainda:
10
Alm do desenvolvimento musical natural, contribuiu para essa evoluo dos regionais a personalidade forte
do lder do grupo, o excelente msico e compositor Jacob do Bandolim. Em sua pesquisa sobre a vida do
bandolinista, a escritora Ermelinda Paz (1997) revela algumas de suas cartas escritas ao grupo, nas quais fica
evidenciado o seu nvel de exigncia com os msicos do poca de Ouro. Segue abaixo um trecho de uma carta
de Jacob do Bandolim (apud Paz, 1997.) aos msicos do poca de Ouro, onde fica evidente, dentre outras coisas,
seu esmero pela qualidade da execuo: Aos meus amigos do Conjunto poca de Ouro: (...) Estamos
trabalhando, atualmente, como profissionais e com todo o peso da responsabilidade (...). Mas temos perfeita
conscincia que no estamos tocando com perfeio (...). O que aconteceu sexta-feira no Zum-Zum
inadmissvel (...). Pandeiro sobra nas paradas, violes erram, cavaquinho fica tonto e eu, tambm, acabo me
perturbando (...). Mas ningum estuda. Ningum treina apenas os 6 nmeros! A isto se resume o poca de Ouro.
Que j est virando Ourina... Creiam, sinceramente. A continuar assim, prefiro dissolver o Conjunto, reorganizar
outro onde eu encontre a mesma paixo pela msica bem apresentada (...). Com a sincera estima e admirao do
velho malcriado, Jacob do Bandolim.
11
Dino 7 Cordas passou a usar o V7 a partir de 1952, e at ento tocava apenas o V6 profissionalmente.
46
uma maior relevncia na realizao das Baixarias, ou seja, os contrapontos na regio grave.
Muitos msicos reconhecem a inspirao para trabalhar o instrumento dessa maneira a partir
dos contrapontos realizados por Pixinguinha12 no sax, a exemplo do que faziam o
bombardino, o trombone e o oficleide anteriormente. Portanto, o violonista de 7 cordas
precisa realizar os contrapontos, frequentemente de improviso, observando a melodia e a
harmonia, alm de realizar os contrapontos j outrora pr-determinados pelo compositor ou
pelo arranjo, os chamados baixos de obrigao.
O V6 tem uma maior relevncia na realizao harmnica e na realizao rtmica,
embora tambm realize Baixarias. Trabalhando os acordes numa regio mdia, entre o 7
cordas e o cavaco, o V6 unifica as frequncias do espectro entre o agudo do Cavaco e o grave
do V7 e d liga ao regional. Quanto questo rtmica, ele se aproxima do Cavaco e do
Pandeiro executando as levadas especficas, realizadas pela mo direita. Naturalmente, a
flexibilidade musical dos chores bastante acentuada, de modo que os papis podem ser
relativizados em situaes musicais especficas.
Dentro da perspectiva de trabalhar em complementaridade, gostara de enumerar
alguns importantes violonistas que contriburam para o desenvolvimento destes dilogos
violonsticos. Mesmo sob o inevitvel risco de no conseguir elencar todos os grandes
violonistas de Choro, procurei contextualizar os principais regionais a que alguns destes
violonistas pertenceram e algumas de suas contribuies.
Jayme Florence (1909/1982), tambm conhecido como Meira, foi um dos mais
influentes violonistas do gnero, tendo participado do Regional de Benedito Lacerda e do
Regional do Canhoto. Alm disso, exerceu intensamente a docncia, tendo tido como alunos
violonistas como Baden Powell, Raphael Rabello, Maurcio Carrilho e Paulo 7 Cordas,
dentre outros. Segundo o violonista Cidinho 7 Cordas, que tambm foi aluno do Meira, o
apelido surgiu da seguinte forma: o Meira se chamava Jayme Florence e a razo do apelido
que o pai dele chamava ele de Jaimeira, mas os irmos dele no sabiam falar direito e a ficou
Meira, mais fcil de pronunciar. (CIDINHO 7 CORDAS, 2015, E., p.10). Meira lanou
algumas composies, tendo o seu Samba-Cano Molambo alcanado notvel repercusso.
12
Pixinguinha, considerado por muitos o maior choro de todos os tempos, por sua vez, teve como professor,
em sua infncia, o msico Irineu Almeida que tocava trombone, oficleide e bombardino, instrumentos
frequentemente afeitos a funes contrapontsticas no Choro.
47
Csar seguiu com o regional mesmo aps a morte de Jacob, com Do Rian e
posteriormente Ronaldo do Bandolim como solistas. Para Paulinho da Viola, com quem atuou
por muitos anos, Csar Faria: era um dos ltimos remanescentes da arte do violo de
acompanhamento" (DICIONARIO CRAVO ALBIN DA MSICA POPULAR
BRASILEIRA, 2016). Alm de atuar por muito tempo com Dino 7 Cordas, Csar tambm
desenvolveu grande parceira com Carlinhos Leite (1924/2010) no mesmo Conjunto poca
13
REVISTA DO CHORO. Jayme Florence, Meira. Arquivo de Cidinho 7 Cordas. Disponvel em:
<https://blogdarevistadochoro.wordpress.com/2014/10/02/jayme-florence-o-meira-e-lembrado-pela-revista-do-
choro-no-dia-de-seu-aniversario-de-105-anos>. Acesso em abril de 2016.
14
FOLHA DE SO PAULO. Morre aos 88 o violonista Csar Faria, pai de Paulinho da Viola. 21 de outubro
de 2007. Disponvel em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2007/10/338527-morre-aos-88-anos-o-
violonista-cesar-de-faria-pai-de-paulinho-da-viola.shtml?mobile>. Acesso em abril de 2016.
48
de Ouro, que exibia um trio de violes. Alm de ser exmio acompanhador, Carlinhos ficou
conhecido tambm pela performance reconhecida como o violo gemedeira, que
aprofundaremos no decorrer do texto. Csar fez ainda dupla com Jess Silva em formaes de
Jacob do Bandolim anteriores ao poca de Ouro.
15
NITEROI SERESTAS. 2008. 1 imagem. Disponvel em:
<https://niteroiserestas.files.wordpress.com/2008/03/foto011.jpg>. Acesso em abril de 2016.
49
O violonista Carlos Lentine atuou em parceria com o tambm violonista Nei Orestes
no regional de Benedito Lacerda. Segundo Pellegrini (2005, p.36): no Conjunto Regional de
Benedito Lacerda a formao era: Benedito Lacerda na flauta, Canhoto no cavaquinho, Russo
no pandeiro, Gorgulho (que mais tarde seria substitudo por Carlos Lentine) e Nei Orestes nos
violes. Neste momento, portanto, o regional de Benedito contava com dois violes de 6
cordas, e nenhum violo de 7 cordas. Segundo Lima (2011, p.16) importante lembrar
Carlos Lentine e Nei Orestes, violonistas que participaram do regional de Benedito Lacerda.
Eles foram muito importantes para o desenvolvimento das tcnicas de acompanhamento nos
regionais. No entanto, a dupla de violonistas mais tarde (1937) seria substituda por Dino e
Meira. Em sua formao ainda mais embrionria, o regional de Benedito Lacerda se chamava
Gente do Morro, e contava com Gorgulho e Henrique Brito nos violes. (BITTAR, 2011).
O violonista Jorge Santos se notabilizou no regional de Waldir Azevedo, onde fez
dupla com Franscisco S. Este tambm um caso de dupla de violonistas de 6 cordas. Jorge
Santos tocou ainda no regional de Noca do acordeon. Em depoimento para a pesquisa, o
violonista e produtor Cludio Jorge (2016, p.25) relembra seu contato com o violo de Jorge
Santos:
Me lembro com clareza de como eu ficava fascinado, por volta dos meus dez
anos, vendo o Jorge Santos tocar. Ele fazia o que a gente costuma chamar de
violo de 13, que aquele V6 de acompanhamento que pontua a harmonia
como se fosse um violo de 7. Ele foi a pessoa que me atraiu para aprender o
16
JACOB DO BANDOLIM, INSTITUTO. Damsio Batista. Rio de Janeiro: IJB, 2016. Disponvel em:
<http://jacobdobandolim.com.br/>. Acesso em: maio de 2016.
50
O sobrinho de Jorge Santos, o Bola Sete, tambm iria se destacar como grande
representante do violo brasileiro.
Em relao ao regional de Waldir Azevedo, nos ltimos discos a dupla de violonistas
esteve composta por Carlinhos 7 Cordas e Hamilton Costa, msicos residentes em Braslia
e de grande importncia na consolidao do Choro na nova capital.
Djalma de Andrade (1923/1987), mais conhecido como Bola Sete, comeou a tocar
cavaquinho aos 3 anos de idade e desde os 17 anos j participava das rodas de Choro da praa
Tiradentes. Bola Sete era sobrinho do violonista Jorge Santos, citado acima, e segundo o
violonista Luiz Felipe Lima (2011, p.11), Bola Sete foi sem dvida um dos grandes
violonistas de 6 cordas, no s como acompanhador mas como solista tambm. Bola Sete
trabalhou na Rdio Transmissora e se destacou por importante carreira internacional,
sobretudo nos Estados Unidos, onde chegou a integrar o conjunto de Dizzy Gillespie. Formou
parceria com Garoto no grupo Vero e seu Conjunto.
O termo competncia, por sua vez, foi amplamente utilizado no meio jurdico e
ganhou evidncia no mundo corporativo. Atualmente, tem sido usado tambm na rea da
Educao, como referncia para currculos, programa de ensino e formao de professores.
Perrenoud (1999, p.30) relaciona competncia com a atuao do professor, capaz de mobilizar
recursos para enfrentar situaes-problema de sua prtica docente: A noo de competncia
designar uma capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos para enfrentar um tipo de
situaes. Le Bortef (1994, p.30) destaca a importncia da ao, imputando competncia a
necessidade do fazer a partir do conhecimento:
Tal viso compartilhada por Burnier e Deluiz (2001), ao destacarem que atualmente
a noo de competncia j no se dissocia de outras dimenses, como a cognitiva, a
emocional, a pessoal e a interpessoal.
Especificamente em relao s competncias musicais, Abel Silva (2008, p.3) as
descreve da seguinte maneira, apropriando-se das ideias centrais de Perrenoud: (...)
poderamos ento definir as competncias (...) como a capacidade de mobilizao de
conhecimentos, habilidades, atitudes e comportamentos adequados para a realizao dos
processos envolvidos na preparao e na gerao da performance.
Assumirei esta noo de competncia musical no presente trabalho, reconhecendo-a,
portanto, como a capacidade de acessar recursos a favor da performance musical. Dentre
estes recursos, encontram-se conhecimentos, habilidades, atitudes e comportamentos
envolvidos na performance, dentre outros. As habilidades musicais so, portanto, um dos
aspectos a serem mobilizados pela competncia. Para Perrenoud (1999), uma competncia
manipula um grupo de esquemas. A concepo de Elliot acerca do conhecimento musical
tambm se aproxima da noo de habilidade musical que pretendo utilizar. Segundo Santos
(2007, p.14):
4 METODOLOGIA DA PESQUISA
Ao dar voz aos chores de diferentes geraes, pude ter contato direto com o
entendimento individual dos msicos sobre o que definem como habilidades para o V6. Como
aponta Montandon (2008, p.1), a entrevista pode constituir-se como importante ferramenta de
gerao de conhecimento:
Como observa Garcia (In, Moreira at al, 2001), quem tem certezas no tem
boas razes para fazer pesquisa [...] a dvida, a incerteza, a insegurana, a
conscincia de nosso ainda no saber que nos convida a investigar e,
investigando, podermos aprender algo que antes no sabamos.
MSICOS REPERTRIO DE
ENTREVISTADOS PREFERNCIA/INTRPRETE
Falta-me Voc (Jacob do Bandolim)
ANDR BELLIENY
Vibraes (Jacob do Bandolim)
60
Em seu livro A afinao do mundo, Schafer declara que a notao musical representa
uma tentativa de substituir fatos auditivos por sinais visuais. (SCHAFER, 1997, p. 175).
61
O exemplo do violonista e pesquisador Luiz Otvio Braga (2002, P. 31) ilustra certa
divergncia entre a notao e a realizao musical.
com a conscincia de que apenas o envolvimento real com o gnero musical capaz de
impulsionar a internalizao de determinados recursos idiomticos, como o acima citado.
A respeito das transcries, necessrio destacar ainda a dificuldade encontrada em
realiz-las na perspectiva da audio, uma vez que os antigos sistemas de gravao no
possuam uma captao individualizada dos instrumentos, o que implica na dificuldade de
perceb-los e identifica-los. Grande parte das transcries foi realizada a partir de gravaes
cuja captao foi executada com uma pequena quantidade de canais, como observado na
equalizao do disco Vibraes (realizada pelo tcnico Darci da RCA Victor em 20/06/1967 e
fixada no interior do estojo de Jacob do Bandolim), em que possvel confirmar que
diferentes instrumentos dividiam alguns canais, o que gera dificuldades na mixagem
individual de cada um deles.
17
CARDOSO, Acervo de Jorge. Equalizao para Jacob, por Darcy. LP Vibraes. Rio de Janeiro: RCA 20
de junho de 1967. 1 imagem. Disponvel em:
<https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10210210999740688&set=a.10201856036671833.1073741826.15
10515979&type=3&theater>. Acesso em: 16 de julho de 2016.
63
graves do V7) so frequentemente mais perceptveis do que o V6, tanto pela prpria questo
de sua posio no espectro, como em funo das mixagens e volumes adotados.
O msico e pesquisador Iuri Lana Bittar, que tambm percebeu tais dificuldades ao
transcrever a performance do violonista Meira, aponta que na grande maioria das gravaes
notamos o violo de Dino (V7) bem claro, enquanto para se ouvir o violo de Meira (V6),
necessitamos de um grande esforo, normalmente com recompensas insatisfatrias.
(BITTAR, 2011, p.98).
Tais dificuldades so ainda agravadas quando o grupo possui 3 violes, ou seja, um
V7 e dois V6s, como no poca de Ouro, cuja equalizao apresentada na figura acima aponta
que os violes de Csar Faria e Carlinhos Leite compartilham o canal 3.
Portanto, preciso destacar essas ressalvas em relao s transcries. Nesta pesquisa,
preferi as nomear como transcries baseadas nas gravaes utilizadas, pois em alguns
trechos realmente muito difcil decupar o V6.
Convm tambm justificar o formato escolhido para as transcries apresentadas. A
partir da constatao das importantes relaes entre melodia e V6 e entre V7 e V6, optei por ir
alm de uma transcrio isolada do V6 e apresentar trs linhas na grade transcrita: melodia,
V6 e V7, nesta ordem, com a harmonia apresentada entre o V6 e o V7. Este formato me
pareceu mais adequado para a visualizao e anlise das performances transcritas, uma vez
que a viso geral das trs linhas, simultaneamente expostas, possibilita uma imediata
avaliao vertical a cada trecho. Especificamente, em relao transcrio dos violes, optei
por escrever apenas o baixo. A escrita de toda a digitao de cada acorde me pareceu
exagerada aos propsitos da pesquisa e, alm disso, geraria uma quantidade de informaes
que acabaria por dificultar a visualizao e a anlise das competncias musicais discutidas. A
harmonia cifra apresentada entre os violes e os baixos transcritos na segunda e terceira
linhas so suficientes para indicar a sua performance. Apesar da cifra ser uma notao
imprecisa na perspectiva da disposio do acorde, as principais formaes de acordes tpicas
do Choro (em suas disposies mais tradicionais) so apresentados na seco Harmonia e na
seco Inverses, o que ir auxiliar na visualizao da formao do acorde sem precisar
explicit-lo integralmente a cada momento. No entanto, em alguns casos especiais,
oferecida, especialmente na transcrio de Levadas, uma transcrio literal dos acordes. Em
relao anlise harmnica contida na seco Harmonia, importante frisar que foram
utilizados algarismos romanos simples (I, II, III...) para os acordes pertencentes ao campo
64
harmnico correspondente18. O acorde dominante foi cifrado como V (apenas), para evitar
confuso com a sigla utilizada para o violo 7 cordas V7.
Por fim, os comportamentos descritos nas anlises apresentadas podem ser encarados
como apontamentos para uma generalizao dos detalhes dessa performance, uma vez que o
repertrio escolhido bastante representativo. No entanto, quanto mais transcries e anlises
forem feitas, maior ser a segurana probabilstica em se cravar paradigmas da performance,
naturalmente.
18
Ou seja, o algarismo II, por exemplo, pode representar diferentes tipos de acorde, a depender do contexto do
campo harmnico. No contexto de C, II significa Dm, por ser o acorde pertencente ao campo harmnico de C.
No contexto de Cm, II significa Dm7(b5), por se tratar do acorde correspondente quele campos harmnico.
65
Como em qualquer estilo musical, parte importante daquilo que caracteriza o Choro
pode ser identificada a partir das relaes musicais entre os instrumentos utilizados naquele
estilo. Livingston e Garcia (2005, p.3) destacam esta perspectiva: O estilo Choro
fundamentado nas relaes particulares entre os instrumentos do conjunto (...). Os
instrumentos preenchem quatro requisitos sonoros bsicos: a melodia, o centro, a linha de
baixo e a linha rtmica19.
Na publicao em questo, os autores sugerem ainda uma clara definio de papis.
De um modo geral, eles definem que Bandolim e Flauta so responsveis pela Melodia;
Cavaco e V6 so responsveis pelo Centro; V7 o responsvel pelo baixo; e o Pandeiro
responsvel pelo ritmo (LIVINGSTON-ISENHOUR & GARCIA, 2005, p. 4 a 10).
No entanto, os autores apontam a possibilidade de flexibilizao de funes, com
instrumentos assumindo papeis que no fazem parte de sua lista primordial de tarefas:
Embora cada instrumento do conjunto de choro esteja associado a um papel funcional, h
uma grande flexibilidade e espontaneidade no desempenho real, e os instrumentos muitas
vezes podem mudar temporariamente de papis durante uma pea20 (LIVINGSTON-
ISENHOUR & GARCIA, 2005, p.3).
De fato, as funes de instrumento dentro de um regional de Choro so determinadas a
partir de uma intensa dinmica, de modo que se torna muito difcil determinar com preciso
que instrumento responsvel por cada funo. Proponho, no presente trabalho, o exerccio
inverso, buscando compreender que funes diversificadas (as quais esto sedo chamadas de
Habilidades Musicais) so exercidas pelo V6 na performance de Choro.
importante observar que, em certa medida, Livingston e Garcia traduzem essa
perspectiva. Ao descrever a funo de Centro, os autores acabam por flexibilizar a funo do
V6 e do Cavaco. Vejamos o que eles dizem sobre a funo de Centro do Cavaco:
19
Choro style is grounded in the particular relationships among the instruments of the ensemble (...) The
instruments fulfill four basic sonic requirements: the melody, the center, the bass line and the rhythmic line.
20
Although each instrument of the choro ensemble is associated with a functional role, there is a great deal of
flexibility and spontaneity in actual performance, and instruments often temporarily swicth roles during a piece.
66
21
The role of center is considered a key element by traditional choro musicians. The cavaquinho () functions
are the center in most choro ensembles. Its role is to provide the rhythmic and harmonic underpinning to the
music that is fundamental to the basic flow and texture of choro. The guitarist (sic) is released from having to
continuously provide chordal and rythmic accompaniment, allowing him or her to concentrate on creating and
interesting bass line instead (). Players are expected to improvise rhythms, and variation in repeated sections
(...).
22
The guitar may also fill the center role, especially in cases where there are two or more guitars in an ensemble.
The harmonic accompaniments of the guitar are plucked in block chords or arpeggiated in a rhythm that tends to
be less complex than of the cavaquinho. A typical accompaniment often incorporates the constant sixteenth-note
of the pandeiro with a strong articulation of the beat, usually provided by the thumb of the right hand. The
guitarrist playing a steady quarter pattern may occasionally emphasize notes other than the downbeats to sustain
interest.
23
The guitar may also play the pandeiro rhythm combined with typical Afro-Brazilian rhythmic figures in any
combination at the discretion of the player which, when merged with the cavaquinho line, creates the hallmark
constant sixteenth-note rhythm of choro. These rhythmic figures are often played with various articulation
techniques: muting the strings with the right arm, producing a violin pizzicato effect; muting the strings with the
left hand, creating a variety of timbres; including or omitting open strings to change the sustain of the chord; and
legato articulation of the lowest note with the left hand combined with the cessation of plucking with the right.
67
A esta altura, j podemos notar uma forte aproximao da funo de Centro com a
funo de Ritmo, anteriormente apontada pelos autores, e primordialmente reservada ao
pandeiro. Interessante tambm destacar a riqueza da descrio das possibilidades de
articulao do V6 realizada pelos autores.
Na seco seguinte eles passam funo de Baixo. Apesar da predominncia
idiomtica do V7 nesta funo, aqui tambm o V6 aparece como elemento importante: Uma
marca caracterstica do Choro so as elaboradas linhas de baixo tocadas pelo V6 ou pelo V7,
normalmente improvisadas24 (LIVINGSTON; GARCIA, 2005, p.6)
Portanto, o V6 est intimamente ligado, com exceo da funo Melodia (posto que a
presente pesquisa no trata do Violo solista, e sim do Violo acompanhador), a todas as
outras funes (Centro, Baixo e Ritmo) descritas por Livingston e Garcia (2005). Nesta
perspectiva, parece um caminho mais seguro descrever os instrumentos (em particular o V6)
em funo das Habilidades Musicais e no o oposto tomando as inter-relaes entre os
instrumentos como aspecto essencial a ser observado.
Como descrito anteriormente, tomarei como Competncia Musical a capacidade de
dispor recursos a favor da performance, e dentre tais recursos esto as Habilidades Musicais.
As principais Habilidades Musicais identificadas nos depoimentos realizados com chores
notveis foram: Harmonia, Levadas, Inverses e Baixarias. Tais Habilidades tem ntima
ligao com as funes propostas por Livingston e Garcia (2005), e irei descrev-las mais
apropriadamente nas seces seguintes.
A frase acima, proferida pelo violonista Augusto Contreiras em depoimento para esta
pesquisa, descreve sinteticamente uma Habilidade Musical do V6 em um regional de Choro: a
realizao das Harmonias. Dentro desta habilidade, muitas questes precisam ser observadas
no contexto do Choro. Portanto, nesta seco reflito sobre algumas caractersticas diretamente
relacionadas Harmonia no Choro, como os Acordes Caractersticos, a Conduo Harmnica
e a Perspiccia Harmnica.
24
A hallmark feature of choro style is an elaborated, usually improvised, bass line played on the lower strings of
the six- or seven-string guitar.
25
CONTREIRAS, 2015, Entrevista, p.6.
68
possvel observar uma grande quantidade de acordes sem tenses, pois estas
ocorrem de maneira muito especfica no ambiente de Choro tradicional. Como exemplo
apresento um trecho do Choro Seu Loureno no Vinho de Pixinguinha:
Na figura acima, possvel perceber uma grande quantidade de acordes sem tenses
adicionadas. Os acordes maiores e menores em funo tnica normalmente so utilizados na
forma de trade, sem qualquer tenso. Os acordes dominantes seguem a mesma tendncia da
ausncia de tenses, apresentando-se na maior parte do tempo como ttrades simples. Tenses
podem eventualmente aparecer nos acordes dominantes, sobretudo a 9 e a 13 em preparaes
para acordes maiores, e (b9) e (b13) para preparaes de acordes menores. A tenso (b9) em
alguns casos aparece no baixo, transformando o acorde dominante em um acorde diminuto,
mantendo a funo preparatria.
Naturalmente, excees ocorrem. Nesses casos, provavelmente, a Melodia ir
demonstrar a possibilidade de se utilizar as tenses na Harmonia, configurando casos
especficos, como em Carioquinhas no Choro ou Migalhas de Amor. Como importante
exceo regra, aponto a utilizao do Acorde Menor com a tenso de sexta. Porm, como o
acrscimo da sexta se d mais frequentemente no baixo, o tema apresentado na seco de
Inverses.
Ainda na perspectiva do assunto dos acordes tpicos, convm apontar determinadas
preferncias dos chores nas formaes dos acordes, ou seja, na disposio das notas dos
acordes. Apresento a seguir as disposies mais recorrentes dos acordes maiores, menores e
dominantes.
70
A respeito dos acordes menores convm destacar uma formao tpica que no est
facilmente dedutvel na figura acima. Trata-se da disposio do acorde de Cm/Eb, amide
presente na performance do V6:
Sandroni (2000) cita em seu artigo uma srie de entrevistas realizadas em 1994, no
Rio de Janeiro, com diversos violonistas de Samba e Choro, nas quais os entrevistados
ressaltaram a importncia da frequentao assdua em rodas de Samba e Choro, salientando a
relevncia desse aprendizado misturado com a prtica. Sandroni (2001, p.7) cita o trabalho
didtico realizado por Meira, naturalmente influenciado pela prtica nas rodas:
26
O professor Alencar 7 Cordas assim descreve especificamente esta situao: Fique atento ao cantor. Se ele
levantar o brao, muito provvel que a Harmonia esteja indo para o IV grau numa tonalidade maior (Soares,
no prelo). Ao analisar as melodias de Choro (e de Samba) pude notar que os picos, normalmente a nota mais
aguda, frequentemente esto no momento em que a Harmonia vai para o IV grau, ou seja, no momento em que o
cantor enche o peito e coloca fora em sua interpretao (o momento em que ele levanta o brao). Tal clich
tambm se aplica ao Choro, com a devida correspondncia entre o cantor no Samba e o solista no Choro.
76
Na figura acima possvel observar que parte dos clichs apresentados numa
tonalidade e sua tonalidade relativa simultaneamente dividida entre elas. Na tonalidade da
modelo acima, os acordes de A7 e Dm fazem partes das duas sequncias harmnicas, tanto do
clich inferior de C quanto do clich superior de Am.
Naturalmente so vrios os padres harmnicos a serem assimilados pelo choro. Em
sua Teoria das rvores Harmnicas, o professor Alencar 7 Cordas destaca tambm as
modulaes como outro aspecto bastante relevante em relao capacidade de intuio da
Harmonia. Neste aspecto, ele se props a indicar as modulaes mais recorrentes.
5.1.3 Modulaes
estrutural, normalmente vinculado mudana entre as partes da msica, numa viso mais
ampla da forma.
No exemplo acima ocorre a passagem da tonalidade original (F) para o seu III (Am)
no compasso 6. No compasso 8 a tonalidade original novamente preparada, por meio do V
(C7). A anlise harmnica pode ser vista como:
Na figura acima, o trecho musical modula de F para A (III maior) no compasso 96.
Aps estabilizar na nova tonalidade com a exposio do V (E7), a melodia retorna da
modulao passageira tonalidade de F a partir do V/II (D7).
O trecho acima, na tonalidade de Am, chega tonalidade relativa (C) por meio do
dominante (G7) no compasso 50. No compasso 52, executado o dominante da tonalidade
original (E7) que, no entanto, no resolve imediatamente em Am, passando antes da resoluo
84
pelo dominante do IV (A7) e pelo IV (Dm). Uma anlise funcional a partir do compasso 42
pode ser:
Quadro 5 - Anlise do trecho com modulao para o relativo.
V I V V/IV
IV I V/V - V
V/I - I - V/IV
IV I VI subV V I;
Fonte: Anlise do autor.
Em relao modulao entre partes das peas, possvel observar que elas ocorrem
com maior frequncia para tonalidades relativas, homnimas, subdominantes (IV) e
86
dominantes (V). Modulaes para tonalidades relativas podem ser observadas no trecho
musical de Seu Loureno no vinho a seguir:
Figura 27 Modulao para tonalidade relativa exemplo 1 (tom maior para relativo
menor).
Figura 28 Modulao para tonalidade relativa exemplo 2 (tom menor para relativo
maior).
87
Figura 29 - Modulao para tonalidade homnima exemplo 1 (tom menor para tom
maior).
Figura 30 Modulao para tonalidade homnima tom maior para tom menor.
O exemplo acima descreve a modulao de uma tonalidade maior (G) para o seu
homnimo menor (Gm).
A modulao para o subdominante tambm frequente, sobretudo nos choros de 3
partes. Podemos observar este tipo de modulao no exemplo a seguir:
Como descrito pelo violonista Marco Pereira, acima, a rtmica africana influenciou de
modo irreversvel a msica brasileira. Tal influncia tambm observada por Dvila (2009,
p.3):
27
CIDINHO 7 CORDAS, 2015, Entrevista, p.9.
91
De fato, vo muito alm do Samba e da Bossa Nova (embora estes sejam os estilos
brasileiros mais conhecidos no exterior), as manifestaes estilsticas brasileiras e suas
inmeras variantes em que o quesito Ritmo normalmente fator determinante. guisa de
ilustrao podem ser citados: Baio, Boi, Calango, Capoeira, Cateret, Cavalo-marinho,
Chamam, Choro, Chula, Ciranda, Cco, Congada, Maracatu, Frevo, Galope, Ijex, Jongo,
Marcha, Maxixe, Maculel, Tambor de Crioula, Toada, Xaxado e Xote, dentre, certamente,
muitos outros.
Como consequncia desta diversidade rtmica, uma das caractersticas mais
importantes do Violo Brasileiro, na maioria dos estilos, tornou-se, ao longo do tempo, a
performance da mo direita (no caso dos destros), frequentemente, tratada como Levada e
principal responsvel pelo desenrolar rtmico. Como resultado musical, os violonistas
desenvolveram uma enorme variedade de formas em realizar o trabalho com a mo direita.
Naturalmente, no Choro no haveria de ser diferente. Nas falas dos entrevistados, a
mo direita tem um papel central para a realizao de uma boa conduo rtmico-harmnica,
como observado no depoimento de Cidinho 7 Cordas (2015, E., p.12): No s no Choro,
mas em todos os gneros musicais, a mo direita a alma do negcio.
Como observado anteriormente, a origem do Choro esteve intimamente ligada,
inclusive ritmicamente, s contribuies do Lundu e da Polca. O Lundu28 como dana, por
vezes tratado como a primeira dana brasileira e, portanto, ancestral do Maxixe, considerado
uma expresso cultural afro-brasileira, caracterizada pela roda coletiva, pelo bailado de par
solto, pela umbigada e pelos movimentos sensuais dos quadris. Importante notar a
importncia da dana no estilo musical e a influncia recproca em que ambos se contaminam:
Atrs do gesto, do movimento, vem a msica, alis, seguindo uma tradio africana, onde
no s os msicos estimulam dana, mas tambm os bailarinos transformam a msica,
atravs de um dilogo improvisado. (LEME, 2006, p. 38-39). Nesse sentido, Sve aponta
que:
28
Lundu ritmo profano originrio do batuque que no sculo XVIII passou a acompanhar modinhas e a
manifestar-se fracionado em obras eruditas (ex.: Missa de Santa Ceclia - Padre Maurcio N. Garcia). Desse
modo foi identificado como dramtico-religioso, reassumindo, no sculo seguinte, seu carter profano.
acompanhado de palmas e, mais tarde, de viola (influncia portuguesa), substituindo a Fofa. Ritmo bsico que
influenciou vrios outros ritmos brasileiros: baio, lambada, bossa-nova, o bsico do Olodum, afox (Ijex), etc
(DVILA, 2009, p.20).
92
A prxima figura uma representao do Lundu feita pelo pintor alemo Rugendas,
que viajou pelo Brasil de 1822 1825:
29
RUGENDAS. O Lundu. Disponvel em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Lundu>. Acesso em: junho de 2016.
93
Conhecida dos europeus, embora tratada como uma espcie de exceo musical, a
sncope (ou sncopa) elevada condio de figura cotidiana e estruturante nessa nova
msica:
Portanto, no seria exagero afirmar que o material musical que deu origem ao Choro
est intimamente ligado aos enfrentamentos culturais relativos aos encontros musicais entre as
danas europeias e as danas africanas, como ser apresentado a seguir.
Kiefer (1990, p.16) ao falar da polca europeia, aquela que primeiro chegou
ao Brasil, explica que o acento vem no contratempo, na segunda colcheia de
cada tempo, porm sem notas pontuadas ou sncopes internas, podendo
haver variaes neste esquema: Com o passar do tempo, a polca foi se
desenvolvendo no Brasil, e foram aparecendo algumas variaes na diviso
rtmica do acompanhamento. Um destes motivos rtmicos formado por um
grupo de uma colcheia somado a duas semicolcheias no primeiro tempo do
compasso, e duas colcheias no segundo tempo, podendo sofrer pequenas
variaes: As polcas brasileiras geralmente fazem grande uso de sncopas e
notas pontuadas (MARCLIO, 2009, p.73).
30
O dilogo entre Europa e Brasil est presente tambm obra para violo solo de Villa-Lobos. A Sute Popular
Brasileira, onde o compositor associa o Choro s danas europeias, composta por: Mazurka-Choro, Schottisch-
Choro, Valsa-Choro, Gavota-Choro e Chorinho.
95
Portanto, partindo do seu formato original, a Polca pode ter sido assimilada pela
cultura musical brasileira via danas africanas e sofrido alteraes que a diferenciariam de
sua verso original.
Nos exemplos a seguir, Carrilho apresenta aquilo que chamou de variaes da Polca
brasileira:
A figura abaixo, editada em 1914, representa uma tpica Polca Brasileira, com a
presena constante da clula rtmica com colcheia + 2 semicolcheias no primeiro tempo e 2
colcheias no segundo tempo, tal como apresentada no primeiro exemplo da figura acima. Em
forma de Polca-Choro, Apanhei-te cavaquinho frequentemente executada no repertrio
atual dos chores.
De acordo com Sve, aquilo que inicialmente foi apenas uma forma abrasileirada de
tocar as polcas se transformaria adiante em um gnero: De um estilo de tocar polcas, no
princpio, a um gnero musical, posteriormente, o Choro (SVE. 2014, p.1149). Essa teoria
compartilhada por Marclio, ao descrever a trajetria da Polca no Brasil, iniciada pelo piano
elitizado e chegando aos grupos de msicos e danarinos populares:
No entanto, tais fuses nem sempre foram bem aceitas. Apesar da forte presena do
Maxixe no universo composicional da poca, a palavra Polca tratou de manter as aparncias
na sociedade elitizada, uma vez que o consumo declarado de Maxixe poderia soar
deselegante. Este episdio refora a ideia de sincretismo apresentada anteriormente na
seco sobre a constituio histrica do Choro (ASPECTOS HISTRICOS), em que foram
discutidas algumas formas de como se deram as articulaes culturais (CASTAGNA, 2010)
na msica e na sociedade brasileira e como o sincretismo se revelou como estratgia de
sobrevivncia. Marclio (2009, p. 72) aponta que: como era bem aceita pelas elites e sendo
msica europeia, alguns gneros, como o maxixe, se prevaleceram dela para sua designao.
Por este motivo, encontraram-se muitas vezes partituras intituladas polcas, que so, na
verdade, outros gneros.
Portanto, o Maxixe esteve, embora muitas vezes ausente nominalmente, musicalmente
entremeado nesse processo. Sua presena poderia ser mascarada ainda pela composio de
gneros hbridos, atenuando sua origem popular:
(...) outra razo para compor gneros hbridos, que est ligada diretamente ao
gnero maxixe, era a possibilidade de os compositores ligarem os gneros de
origem popular aos de origem europeia, sendo um outro meio de venderem
suas partituras. (MARCLIO, 2009, p. 72)
31
Elizabeth Travassos (2000, p.10), ao escrever sobre o pianista Francisco Mignone, aponta que: da sua
familiaridade com ambientes da msica popular paulistana do incio do sculo e da necessidade de ganhar a vida
nasceu o Chico Boror, pseudnimo com o qual assinava Maxixes, Tangos e Valsas que antecedem 1917. De
forma parecida, muitos outros compositores, como Ernesto Nazareth e Guerra Peixe, precisaram se proteger com
condinomes. Segundo Travassos (2000, p.12), a associao com a msica popular poderia fechar-lhes as portas
no meio restrito e exigente da msica de concerto, com poder para desqualificar produes e produtores
identificados como populares.
100
Convm destacar que a sncope assimilada pela Polca faz parte do Maxixe, tanto em
sua estrutura meldica quanto em sua estrutura de acompanhamento.
Outra estratgia utilizada por Nazareth foi a de cunhar o termo Tango Brasileiro em
suas partituras de Maxixe estilizado. Tinhoro (apud SVE, 2014, p.1052) confirma esse
recurso do pianista: O primeiro compositor a estilizar o ritmo do maxixe, sintetizado pelos
conjuntos de Choro a partir da polca e do lundu, foi o pianista Ernesto Nazareth em uma
verso semierudita, para msica de salo, que chamou de tango brasileiro.
101
32
Segundo Marclio (2009, p.66)., a Habanera, primeiramente foi exportada para a Espanha, e de l difundida
pela Europa, para depois chegar ao Brasil, aps a segunda metade do sculo XIX. Foi a precursora de diversas
danas de salo latino-americanas. No princpio, era apenas uma cano popular urbana dos portos de Havana,
para somente depois se tornar msica de salo. No Brasil a habanera no teve a mesma importncia para os
compositores da msica popular como a polca teve, pois no foi muito utilizada por eles, apesar de sua clula
principal estar presente em quase todos os ritmos populares da poca. (...) A melodia da habanera pode variar,
podendo apresentar melodia sincopada; j no acompanhamento a clula citada acima uma constante.
104
.
Fonte: Acervo Chiquinha Gonzaga, Gacho, 2011.
107
Becker apresenta uma figura especfica para o Choro-Maxixe em seu livro sobre
Levadas Brasileiras.
Alm disso, a clula rtmica dos baixos exatamente a mesma da figura 48, utilizada
por Chiquinha Gonzaga na conduo desta mesma msica (figura 48, compasso 9): colcheia
pontuada + semicolcheia, provavelmente extrada da Habanera.
A clula de acompanhamento acima apresentada tambm utilizada por Ernesto
Nazareth em trechos do Tango Brasileiro Odeon:
A Valsa-Choro tambm faz parte ativamente do repertrio dos Chores. Braga indica
os principais tipos de acompanhamento relacionado s Valsas:
Figura 61 -Valsa-Choro
113
A figura acima ilustra a execuo da Valsa tanto com 3 semnimas como com 6
colcheias. As outras formas de acompanhamento de Valsa ocorrem em menor nmero, e os
tipos naturalmente podem se misturar em uma mesma msica. Na seco seguinte sero
apresentadas as levadas de Choro propriamente ditas.
A levada bsica de Choro, assim como em muitos outros ritmos brasileiros, tem forte
relao com a clula rtmica da sncope. A Levada bsica pode ser definida atravs do
seguinte desenho rtmico:
A figura abaixo ilustra, com ntidas semelhanas com a figura acima, uma
possibilidade rtmica de acompanhamento de Choro na Bateria, sugerida pelo percussionista
Oscar Bolo (2009) em seu livro Batuque um privilgio:
A figura abaixo ilustra uma forma de acompanhamento de Violo para este tipo de
Choro, tambm conhecido como Choro-Cano:
A clula acima, apresentada como a clula do Choro no livro Inside the brazilian
rhythm section (FARIA e KORMAN, 2001), se apresenta como uma fuso entre a variao 1
e a variao 2, correspondentes s figuras 63 e 65, respectivamente.
Interessante notar que em alguns momentos o dedo (ou a dedeira) produz vrias notas
simultaneamente. Na figura 70, isso pode ser observado no incio do primeiro e segundo
tempos dos dois compassos. O efeito produzido atacando com a dedeira diferentes cordas
consecutivas em sequencia rpida, de modo que se assemelhe a um ataque simultneo.
117
5.2.4 Samba-Choro
A nova base rtmica do Samba, forjada pelos compositores do Estcio, obedece aquilo
que Sandroni (2001) cunhou de Paradigma do Estcio. Em diferenciao ao paradigma do
Tresilo predominante do Maxixe:
O novo Samba, assim como o novo Choro, se voltou para o ciclo do tamborim ou
padro do tamborim (SANDRONI, 2001, p. 36), de onde surgiu a base rtmica das novas
frmulas para acompanhamentos (de percusses, cavaquinhos e violes) e de fraseados
meldicos de cantores e orquestras. (SVE, 2014, p. 1154).
5.3 INVERSES
Para o maxixe, em geral, o baixo feito por instrumentos graves das bandas
ou orquestras, o que na poca, costumava ser executado por bombardinos,
trombones e tubas, e quando no grupo de choro, pelo piano, violo ou
oficleide - instrumento de chaves com o corpo cnico, hoje em desuso. Estes
instrumentos tocavam muitas vezes a nota mais grave do acorde, ou uma
sequncia de uma progresso harmnica, ou ainda o contracanto. O maxixe
apresenta muitos acordes invertidos - baixo invertido. Geralmente o gnero
traz um baixo caminhante, pois tendo sua harmonia simples em termos de
dissonncias, e para dar maior interesse a esta, as inverses tornam-se
essenciais. (MARCLIO, 2009, p. 80)
Nos compassos seguintes, possvel observar outras opes por Inverses que geram
baixos meldicos. Importante notar que Odeon uma composio de 1909.
Relacionado busca deste interesse meldico nos baixos, noto uma frequente
preferncia pelo caminho mais curto, gerador de uma espcie de melodia no baixo:
A figura acima ilustra o mesmo tipo de caminho nos baixos, embora em outra
tonalidade, na msica do que h, de Luiz Americano, em gravao de Joel Nascimento.
Entre os compassos 3 e 5 possvel observar a sequncia das notas l-si-d-d#-r no baixo.
Situao bastante semelhante ocorre na msica Reminiscncias, em transcrio presente na
dissertao de Becker (1996):
O exemplo acima confirma a opo pelo menor caminho nos baixos, o que gera uma
melodia no baixo ainda mais proeminente do que a do exemplo anterior: l-si-d-d#-r-mi-
f. Este clich harmnico (I V I V/IV IV V/IV IV genericamente, e Am E7/B Am/C A7/C#
Dm A7/E Dm/F especificamente) possibilita este tipo de conduo nos baixos. Alm dos
exemplos apresentados (Vibraes, do que h e Reminiscncias), possvel observar este
tipo de Harmonia (ou trechos dela) em muitos outros Choros (como Odeon, Murmurando,
Cuidado violo, dentre outros), tornando possvel a realizao do mesmo tipo de ideia na
conduo nos baixos.
No entanto, alm da questo individual do interesse pela melodia do baixo (que ser
aprofundada na seco das Baixarias) convm lembrar que, mesmo antes da introduo do V7
no Choro era usual que os violonistas de 6 cordas, j em duetos, procurassem
complementaridades em suas execues, num contexto mais coletivo. Para evitar
redundncias na disposio dos acordes, principalmente no baixo, os violonistas costumam
dominar o universo das Inverses. O violonista Fernando Csar assim discorre ao responder
sobre as principais habilidades musicais do V6: Outro papel do V6 aquela coisa de segurar
123
a harmonia, invertendo os baixos e andando distante do primeiro violo. (CSAR, 2015, E.,
p.26). Como apresento adiante, a expresso invertendo os baixos e andando distante evoca a
ideia de complementaridade. O experiente msico Jos Amrico aponta que O V6 vai junto
com o V7. O msico precisa saber fazer um segundo violo, acompanhar o V7 naquela coisa
bonita. complementar!. (AMRICO, 2016, E., p.4).
Portanto, o controle sobre as Inverses ir render ao violonista boas respostas
execuo do V7 (ou do outro V6, como ocorria no passado, antes da implementao do V7 no
Choro). Segundo o violonista Rafael dos Anjos, a complementaridade entre os violes
caracterstica marcante do Choro, e entre as principais habilidades do V6 est: Trabalhar
sempre com inverses, sempre completando as vozes tonais do V7, assim trazendo uma
sonoridade nica, rica, singular e brasileirssima: a linguagem do Choro. (ANJOS, 2015,
E.p.,32). O violonista Jos Paulo Becker (2015, E., p.40) refora a importncia do domnio
desta habilidade: muito importante saber as inverses dos acordes.
preciso salientar que no contexto do Choro o conceito de Inverso no Violo est
relacionado, normalmente, mais disposio do baixo do que s outras notas do acorde. Para
exemplificar, tomemos o acorde de F34. De maneira geral, a Inverso nada significa seno em
qual nota do acorde est no baixo, independentemente da disposio das outras notas
diferentes do baixo:
Quadro 7 Acorde de F e suas inverses
F o estado fundamental
(independentemente da disposio das notas mais agudas que o baixo)
F/A a primeira inverso
(independentemente da disposio das notas mais agudas que o baixo)
F/C a segunda inverso
(independentemente da disposio das notas mais agudas que o baixo).
Fonte: elaborao do autor.
34
Podemos estender esse raciocnio a todas as outras categorias de acordes. Naturalmente, os acordes formados
por ttrades (Dominantes, Diminutos e Meio-diminutos) tero uma inverso a mais.
124
tambm possvel nesse caso, o que geraria uma timbragem ainda mais idiomtica, aquilo
que o violonista Rafael dos Anjos descreveu anteriormente como uma sonoridade nica.
Sob um ciclo de quartas com acordes dominantes, existem dois caminhos cromticos
descendentes possveis, frequentemente utilizados pelos chores:
quarta corda, comum que os chores suprimam a nota do acorde gerada na corda mi,
formando acordes dominantes com apenas 3 notas:
A figura ilustra o acorde menor com o baixo na 6M. No segundo tempo do compasso
46, sobre o acorde de Dm, o V6 utiliza a inverso com o baixo na nota SI, ou seja, a sua 6M,
transformando-se no acorde Bm7(b5). De certa forma, esta situao pode ser encarada como
uma espcie de preparao para Am, uma vez que o acorde Bm7(b5) pode ser encarado como
II da tonalidade de Am.
A figura acima ilustra uma modulao passageira para o V menor (Am) da tonalidade
(Dm). De maneira semelhante da figura 87, o Dm se transforma em Bm7(b5) como se
preparasse a tonalidade de Am, malgrado a ausncia do dominante. Neste caso, porm, alm
de se tratar de uma modulao passageira, possvel notar que o V7 utiliza a inverso com o
131
baixo na sexta do acorde (no segundo tempo do compasso 6), com Dm/B - Bm7(b5) - para o
V7 e Dm para o V6, configurando um intervalo de tera. No primeiro tempo deste compasso
(6), os violes tambm esto em teras, com Dm para o V7 e Dm/F para o V6. Ou seja, neste
compasso V7 e V6 esto sempre em teras.
da tonalidade), a tenso b9 que ocorre uma tenso disponvel para a preparao de acordes
menores:
Figura 94 - Escala menor harmnica de Fm.
A nota rb, presente na escala geradora Fm harmnica, ir, aparecer como tenso
disponvel (b9) para o acorde preparatrio, C7. Portanto, normalmente aceito o uso da
tenso b9 no acorde dominante para preparar acordes menores, garantindo a ambincia
menor harmnica. Quando a tenso b9 estiver no baixo, o acorde C7(b9) se mistura ao acorde
Dbdim, posto que este ltimo possui todas as notas do primeiro, com exceo da tnica, a
nota D.
Neste exemplo, o V7 realiza D/C no compasso 98, ou seja, a terceira inverso de D7,
e, portanto, est com o baixo na stima. Neste caso especfico, o diminuto utilizado pelo V6
como se fosse a quarta inverso de D7 (D7/Eb), funcionando como uma tera exata de D/C.
O segundo tempo do compasso 98 evidencia o fato de o acorde Ebdim estar sendo usado
como o D7 apresentado, pois neste trecho o Ebdim se desfaz em D7, que seria o acorde
original.
No entanto, ao contrrio do que foi apresentado para a tonalidade menor, no caso da
preparao para o acorde maior, as teras no se comportam de maneira anloga. No existe
um correspondente do acorde diminuto capaz de realizar as teras exatas. Ao procurar uma
tera exata para o acorde C/Bb o resultado seria algo como C/D ou C7/D. Essa sonoridade no
corresponde sonoridade tpica de Choro, pois o resultado sonoro um acorde de D9sus4 ou
D9sus4(b13), ou seja, acordes com quantidade de tenso pouco usuais no estilo.
Figura 97 - C7/D
35
CONTREIRAS, 2015, Entrevista, p.6.
134
36
O maxixe, o samba e o choro so trs gneros musicais que se misturam na sua origem e nas suas
caractersticas musicais. Todos surgiram na cidade do Rio de Janeiro, durante a Primeira Repblica, nas classes
mdia e baixa, compostas por negros e afrodescendentes. Com instrumentao e padres rtmicos de
135
(2006, p.44), em importante pesquisa sobre o Baixo na msica popular brasileira, tais
formaes foram: o piano solo, as bandas militares e os grupos de Choro.
acompanhamento muitas vezes idnticos, estes trs gneros compartilhavam, nas suas origens, dos mesmos
ambientes e dos mesmos msicos. (LEME, 2006, p. 37).
136
37
A hallmark feature of Choro style is an elaborated, usually improvised, bass line played on the lower strings of
the six- or seven-strings guitar. In the terno, the guitar is expected to provide both a chordal rhythmic
accompaniment and a bass line.
139
38 Sobre o oficleide, ou oficlide afirma-se que: foi em 1916 que o Brasil ouviu pela ltima vez o som do
oficleide, instrumento do mestre do ento jovem Pixinguinha: Irineu de Almeida. Inventado em 1817, o oficleide
s chegou ao Brasil em 1850, com a vinda das primeiras bandas de msica. considerado figura central para o
desenvolvimento do choro. O instrumento conduzia os baixos, dando mais clareza harmonia. Mais tarde, essa
funo foi assumida pelo violo de 7 cordas. J no sculo XX, o oficleide chegou a ser o quarto instrumento
mais usado no choro at se tornar extinto, sendo o maestro Irineu de Almeida o ltimo grande msico a toc-lo
140
Fonte: Naquele tempo (Pixinguinha e Benedito Lacerda) - Duetos (SVE & GANC, 1999,
p.25).
O legado contrapontstico do mestre, por sua vez, ecoou vigorosamente nos violonistas
de Choro. Segundo Braga (2002, p.34), para uma boa performance nas Baixarias
imprescindvel transcrever o saxofone tenor de Pixinguinha contraposto flauta de Benedito
Lacerda. facilmente possvel observar a importncia e a capilaridade de sua msica por
meio da anlise da performance dos violonistas na gravao de Altamiro Carrilho do Choro
Naquele tempo:
142
40
Cadential riffs, or standardized endings are an important identifying feature of Choro style. (LIVINGSTON;
GARCIA, 2005, p.7
143
Pessoa sugere o ano de 1907 como o embrio desse processo, data em que os grupos
Novo Cordo e Cavaquinho de Ouro levam para o mercado fonogrfico a formao tpica dos
ternos regionais, com violo e cavaquinho acompanhando o instrumento solista:
41
The earliest recording that exhibit that characteristic dates from 1914: the waltz Falena by Chiquinha
Gonzaga recorded for Casa Edison by Chiquinha Gonzaga e seu Conjunto, in which the guitars exhibits a
prominent bass line with stepwise descending scalar passages between bass notes typical of Choro style.
144
42
The bass line, or baixaria (from baixo, bass), is created using a number of stylistic resources: filling in the
tonic and dominant chords with scalar runs, utilizing a walking bass (i.e. stepwise motion reinforcing the beat),
inserting a melodic rhythmic responses to the soloist or cavaquinho player, and improvising contrapuntal
melodies, riffs, and pedal points.
145
Via de regra, portanto, a dedeira tem a funo de conferir velocidade e fora (volume)
na execuo das Baixarias. No ambiente de uma Roda de Choro sem amplificao, a dedeira
se torna ferramenta indispensvel.
No entanto, convm destacar que atualmente alguns violonistas, sobretudo a partir da
popularizao das cordas de nylon, no usam dedeira. Alm disso, mesmo aqueles que a usam
precisam desenvolver tcnica de fraseado em outros dedos alm do polegar, como ressalta
Augusto Contreiras:
facilitados pelo uso dos dedos anelar, mdio e indicador, o que exige estudo
apurado. (CONTREIRAS, 2015, E., p.6).
Convm tambm ressaltar a preferncia dos chores pela utilizao das cordas soltas
quando possvel. O uso das cordas soltas confere velocidade frase e constitui parte
importante da timbragem do violo de Choro. Segundo Cidinho 7 Cordas (2015, E., p.28),
este recurso confere ainda facilidade na execuo: Creio ser mais fcil com cordas soltas do
que com cordas presas.
Na seco seguinte, apresento a anlise tcnica das Baixarias, sobretudo no que diz
respeito aos dilogos entre V7 e V6.
Os violes
vo tecendo a fazenda
Com tramas de renda
Feito um trancelim.
Como o V7 possui uma corda mais grave que o V6, recai sobre ele uma ascendncia
maior pela execuo das Baixarias. No entanto, em diversos momentos cabe ao V6 a
complexa misso de responder a essas Baixarias do V7, realizando, de forma simultnea,
Baixarias complementares. Essas respostas, tpicas dos regionais de Choro, normalmente so
chamadas de Duetos com o V7 ou de Teras da Baixaria. Como consequncia do fato de
que as respostas do V6 nem sempre serem Teras, opto pelo termo Dueto ao referir s
baixarias complementares. Os Duetos so, portanto, os entrelaados dilogos de
contrapontos graves realizados pelos violes no Choro.
Convm lembrar que o V6 nem sempre responde s baixarias do V7, como ficou
explicito nos depoimentos. O violonista Augusto Contreiras aponta que o V6 precisa fazer os
baixos em dueto, mas no de forma exagerada, com o V7. (CONTREIRAS, 2015, E. p. 7).
Rafael dos Anjos assinala que outra habilidade tocar em dueto com o V7. No todas as
frases que ele faz obviamente, mas algumas combinadas pelos violonistas e os baixos de
obrigao que existem em quase todos os choros. (ANJOS, 2015, E., p.31). Diante das falas
dos violonistas entrevistados, pode-se concluir que alm de saber COMO gerar respostas ao
147
V7, o V6 precisa saber tambm QUANDO gerar tais respostas, conhecimento que tambm faz
parte da complexa e idiomtica performance.
No caso em que a situao exige uma resposta, o violonista de 6 cordas precisa, para
planej-la, saber reconhecer a baixaria do V7. Ou seja, o violonista de 6 cordas, em tese,
precisa conhecer profundamente a performance do violonista de 7 cordas. De maneira at
mais ampla, o violonista Fernando Csar (2015, E., p. 26) aponta que o msico vai ter que
ter tocado o primeiro violo (V7) pra conseguir fazer o segundo violo (V6), reforando a
ideia da complexidade tcnica envolvida na performance do V6.
A respeito do entrosamento entre V7 e V6, Bittar aponta que:
43
Obrigaes: so frases meldicas corriqueiramente consagradas por arranjos ou que so inerentes
composio original (BRAGA, 2002, 35).
150
Neste caso, a escala menor harmnica utilizada sobre o acorde menor. No exemplo a
seguir possvel observar a utilizao da escala menor harmnica sobre a preparao para um
acorde menor, em dois momentos distintos:
Sobre o papel do V6, engana-se quem acha que ele est ali s pra fazer a
tera, ou a quinta. O V6 j foi o violo principal do Choro. Isso vemos em
vrios regionais, como Benedito e Csar Faria, dois violes de 6 cordas.
Waldir tambm gravou com Jorge Santos e outro V6 - com o V6 com funo
de primeiro violo. Ele (V6) junto com o V7, ele pode fazer os baixos em
teras, em quintas, em unssono, em oitavas, (...) ele tambm poder fazer
baixos como o prprio V7, em momentos diferentes. Seriam dois violes
cumprindo a funo de primeiro violo, mas em momentos diferentes - em
determinados momentos especficos - assim como fez muito bem o Damsio.
Na figura acima seria difcil precisar qual a escala menor sobre o compasso de Gm
(compasso 5) caso nos limitssemos perspectiva de anlise do V7. Como este no executa a
153
stima da escala (a nota f), ficaramos na dvida entre a menor primitiva e a menor
harmnica, uma vez que a menor meldica est descartada pela utilizao da 6m (a nota mi
bemol). No entanto, podemos dirimir esta dvida a partir da observao geral do dueto dos
violes. A execuo em teras do V6 confirma que se trata de um ambiente da escala menor
primitiva uma vez que o V6 executa a m7 (a nota f) neste mesmo compasso. Importante
notar que esta ocorrncia se d sobre um acorde menor com funo tnica, a caminho do IV.
Na figura 109, idntica figura 107, possvel observar a ocorrncia da escala drica
sobre o acorde menor. No compasso 6, sobre o acorde de Cm, nota-se a ocorrncia das
mesmas notas do compasso anterior (Gm primitiva), porm agora sobre o IV (Cm) resultando
na escala drica de C. A observao exclusiva da execuo do V7 poderia induzir a dvida
entre a escala drica e a menor meldica, uma vez que este no toca a stima de Cm. O V6
esvazia essa dvida ao executar a m7 de Cm a nota sib. Portanto, principalmente sobre um
acorde menor relacionado funo subdominante (II nas tonalidades maiores e IV nas
tonalidades menores),a ocorrncia da escala drica observada. O mesmo tipo de evento pode
ser observado no prximo exemplo:
pela sexta nem pela stima da escala. O V6 realizado em teras executa a 6J (a nota mi) e a
m7 (a nota f) da escala de Gm, conferindo-lhe a ambincia drica. Portanto, novamente, a
ocorrncia da escala drica sobre um acorde subdominante observada. Contexto bastante
semelhante ilustrado na figura a seguir:
Interessante observar que o baixo oitavado, neste caso, ocorre sobre um trecho
harmnico normalmente chamado de Sexta Napolitana: I b6 b2 V. A partir do acorde C#, toda
a Baixaria ocorre em intervalo de oitava. No prximo exemplo, novamente, uma Baixaria
oitavada observada:
44
Neste caso especfico no fica muito evidente a razo da escolha pelo baixo oitavado, uma vez que o dueto em
teras seria perfeitamente possvel.
157
Nesta simplificao a frase tratada como uma construo sobre o arpejo de G para o
V7 e as correspondentes teras para o V6. No entanto, quando o V7 realiza sua ltima nota no
compasso (r), o V6 no responde com a tera exata (f#) e sim com uma quarta (sol),
respeitando a questo das trades.
Como foi adiantado na seco sobre as Inverses, h duas situaes diferentes quando
a baixaria repousa45 na stima menor de um acorde.
Quando o acorde prepara um acorde menor, por exemplo, C7 - Fm, as teras do V6 se
comportam normalmente, no intervalo exato de tera (tera menor, especificamente). Isto
ocorre, imagino, por que o acorde diminuto , assim como o prprio acorde dominante, uma
das poucas ttrades recorrentes no contexto do Choro.
45
O termo repousar aqui entendido genericamente como qualquer nota com valor de durao acima de uma
semicolcheia.
161
Na figura 120, o acorde de D7/Eb (compasso 98), ou seja, Ebdim (quarta inverso)
utilizado como a Inverso do acorde D/C (terceira inverso).
Porm, na seco sobre Inverses, foi visto que, ao contrrio do que foi discutido em
tonalidades menores, no caso da preparao para acorde maior, as Teras no se comportam
de maneira anloga. Assim como foi discutido na seco sobre Inverses, aqui tambm no
existe um correspondente do acorde diminuto, capaz de realizar as teras exatas nesses casos
de preparao para acorde maior. Ao procurar uma tera exata para o acorde C/Bb comum
encontrar algo como C/D. Essa sonoridade no est em acordo com a sonoridade tpica de
Choro, pois o resultado sonoro um acorde de D9sus4 ou D9sus4(b13), ou seja, acordes com
quantidade de tenso divergente ao estilo. Nesses casos, os chores procuram outras opes,
como realizar Baixarias em oitavas ou sextas.
Em alguns casos, como resoluo dessa questo, o V6 pode ainda optar em fazer a
baixaria uma tera ABAIXO do V7, repousando, assim, na quinta do acorde (segunda
inverso), em perfeita consonncia com o estilo. Esta alternativa criativa observada na
gravao do Choro Sofres porque queres, realizada pelo grupo poca de Ouro. Para evitar o
repouso sobre a 2M do acorde, ao final da baixaria, toda a frase inteligentemente realizada
uma tera abaixo da frase original:
Na figura acima, sobre os dois primeiros compassos, a realizao do dueto uma tera
abaixo da voz principal observada. Na transcrio, difcil precisar com absoluta certeza
que o V6 que executa a frase mais grave por causa da qualidade da gravao. No entanto,
por meio de outras gravaes sabido que a voz principal :
O prprio Pixinguinha realiza esse baixo no sax tenor em gravao com o flautista
Benedito Lacerda. Esta frase , portanto, um baixo de obrigao e, normalmente, realizada
pelo V7 em outras gravaes que no apresentam dueto de violes neste trecho. Suponho
ento que ela aqui realizada novamente pelo V7, ficando a cargo do V6 a realizao da frase
mais grave, uma tera abaixo. No entanto, como em muitas outras gravaes, muitas vezes se
torna difcil afirmar a exata diviso entre V6 e V7 nas Baixarias. Ao admitir ser o V6 quem
realiza a frase mais grave, possvel notar, nos dois primeiros compassos, que toda a frase
est uma tera abaixo da frase do V7. No terceiro compasso, o V7 repousa com o baixo na
stima (C/Bb terceira inverso) e o V6, uma tera abaixo, repousa como baixo na quinta
(C7/G segunda inverso). Portanto, certo que algum (V6 ou V7) realiza a frase uma
tera abaixo da frase de obrigao para evitar ter de terminar com o baixo uma tera acima da
m7 da Baixaria original.
5.4.5.1 Gemedeira
precisa focar sua energia em, ao mesmo tempo em que realiza a harmonia da msica,
compreender o fraseado do V7, para complement-lo na prxima exposio.
Esse tipo de Empatia Musical est se perdendo, pois grande parte dos chores de
hoje em dia no tem interesse ou disponibilidade para desenvolver. Suspeito que pode ser este
um dos motivos da diminuio das duplas de violes nas Rodas de Choro.
Por outro lado, o dilogo V7 e V6 evidencia a importncia da Roda de Choro na
assimilao dos idiomatismos que envolvem a performance de Choro. A complexidade da
performance coletiva implica na condio de que qualquer proposta de assimilao
interpretativa relacionada ao Choro, distinta de uma Roda de Choro, deve estar ciente de suas
srias limitaes. A grande escola do Choro a Roda de Choro, que at o momento se
apresenta como a mais eficaz ferramenta de formao, por vezes tida como informal.
Nesse sentido, no posso deixar de mencionar o trabalho de Assis (2009), que ao
estudar a transmisso do conhecimento musical vocal tido como informal em comunidades
rurais, aponta 3 principais estratgias de disseminao do conhecimento: Imitao,
Demonstraes Prticas e Explicaes Orais. Estas categorias esto relacionadas entre si, mas
diferenciam-se quanto intencionalidade. A Imitao envolve a observao do outro, sem
intencionalidade de se ensinar, mas apenas de se aprender copiando. As Demonstraes
Prticas envolvem intencionalidade e demonstrao, quando quem quer aprender pergunta e o
outro demonstra e ensina. A ltima categoria de Assis (2009), as Explicaes Orais, esto
relacionadas com o ensinar: h uma intencionalidade de ensinar, mas no, necessariamente, de
aprendizagem: aprende-se quando, quanto e o qu se quer.
Imagino que tais categorias possam ser utilizadas na compreenso de alguns aspectos
do ensino e aprendizagem do Choro e, penso que grande parte das Habilidades Musicais
trabalhadas nesta pesquisa se associam majoritariamente s Explicaes Orais. A Roda de
Choro normalmente se ocupa das questes relacionadas s Explicaes Orais e, sobretudo,
Imitao.
Portanto, apesar da importncia das categorias de demonstrao e explicao, acredito
que, em geral, a Imitao, com suas nuances, parte fundamental do processo histrico de
apropriao do conhecimento. Em particular, no Choro, ela um expediente utilizado com
frequncia pelos chores, sendo a Roda de Choro e as gravaes as principais fontes de
recursos a serem apreendidos.
168
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