Do Discurso Psicanalítico - Lacan
Do Discurso Psicanalítico - Lacan
Do Discurso Psicanalítico - Lacan
com/lacanempdf
DO DISCURSO PSICANALTICO
(CONFERNCIA DE LACAN EM MILO EM 12 DE MAIO DE 1972)
Parte 1
Agradeo muito ao senhor Cesar Bianchi por nos ter dado essas
indicaes, essas falas de informao que foram muito corretas sobre o
que podem ser algumas etapas.
Minha dificuldade tem a ver com que no sei de jeito nenhum posso
avaliar o grau de escuta do francs do conjunto de vocs. Estou muito
contente de ver um nmero enorme de pessoas jovens porque nelas
enfim, nelas, nessas pessoas, que coloco minha esperana.
Devo dizer que no gosto nada de falar em francs para pessoas que
no esto familiarizadas com essa lngua. Ento, espero poder sentir at
onde poderei ir nessas falas.
Enfim, virou isso. Durante anos fiz falar outras pessoas em meu
seminrio, isso me descansava, mas, pouco a pouco, talvez porque o
tempo pressiona, renunciei a isso.
Ento, esse ensino que j dura vinte anos, de onde os Escritos sou
forado a falar dos Escritos porque acabam de ser publicados, pelo
menos um pequeno pedao, talvez houvesse outros , isso graas a
Giacomo Contri que amavelmente dedicou a eles um grande cuidado e
um tempo enorme.
Sou forado a falar um pouco dos Escritos que, ao que tudo indica, no
lhes parecem muito fceis.
verdade: no so, no so mesmo.
H neles uma boa metade que foi escrita antes que eu o comeasse, o
que quer dizer que no de ontem j que disse que h vinte anos fao
isso que se chama meu seminrio.
verdade, hein?
(Rumores na sala)
No apenas que a lngua faa parte de seu mundo, que isso que
sustenta seu mundo de ponta a ponta.
A fala tambm, com toda certeza. Ns nos damos conta disso menos. /
p. 36 /
No digo para o ser que fala, porque o que chamei h pouco derrapada,
essa derrapada se d com o aparelho do significante isso que
determina o ser naquele que fala. A palavra ser no tem nenhum sentido
fora da linguagem.
Mas isso continua de tal forma contaminado por algo existente ligado a
uma correlao entre a massa e o peso que, na verdade, fazemos melhor
ao no buscar compreender e simplesmente ficar nas frmulas. /p. 37 /
incrvel o que eles amam o ser humano, que eles queiram o bem dele,
a normalidade dele enfim, inaudita a loucura de curar deles: de curar
de qu? Isso o que nunca se deve questionar
O que admirvel que h pessoas aqui que parecem ouvir isso pela
primeira vez. absolutamente sublime, como se vocs no tivessem
nascido dentro disso A saber, que, para vocs, transar com uma
garota, isso no funciona. Para a garota a mesma coisa e, desde
que o mundo mundo, h toda uma literatura, h toda a literatura que
s serve para dizer isso.
Ento, certo dia Freud fala de sexualidade [in falsetto] e basta que essa
palavra aucarada seja dita para que todo mundo creia que para
resolver a questo.
Quer dizer, como lhes disse h pouco, que a partir do momento em que
se formula uma pergunta porque j h uma resposta, quer dizer que se
se faz uma pergunta porque /p. 39 / h a resposta, e assim isso deve
funcionar.
Ora, enfim, basta ler, basta abrir sua obra para ver que at o fim, porque
era homem, ficou nisso.
E ele diz, e ele escreve, e ele expe com esplendor ao se perguntar: uma
mulher, o que que ela pode querer? [risos]
Para isso no necessrio aludir biografia de Freud porque sempre
assim que se encurta a questo, tanto mais que ele era neurtico como
todo mundo, alm do mais tinha uma mulher que era uma chata
[emmerdeuse] Enfim, isso conhecido A velha senhora Freud.
verdadeiramente reduzir a questo.
O que dito por Freud isso, o que acabo de dizer. essa derrapada
do significante de que eu falava h pouco que faz com que em nome do
fato de que ele retrata a sexualidade supe-se que ele sabia o que quer
dizer a sexualidade.
Ele no sabe. Justamente, a razo pela qual ele no sabe foi o que fez
com que descobrisse o inconsciente.
Quer dizer, porque ele percebeu que os efeitos da linguagem esto em
jogo nesse lugar em que a palavra sexualidade poderia ter um sentido.
No estou dizendo para vocs que a linguagem veio para preencher esse
furo [trou] no sei se o furo primitivo ou vem depois: ou seja, se foi a
linguagem que desarranjou tudo.
Ficaria surpreso se a linguagem viesse para desarrumar tudo.
Praza aos cus que os homens faam amor como os animais, seria
agradvel.
Numa certa poca evidentemente essa no era uma boa poca, mas
eu no tive escolha entrei na psicanlise, assim, um pouco tarde. Com
efeito, at aquele momento em neurologia, um belo dia o que que
me aconteceu? Cometi o erro de ver um psictico.
Fiz minha tese sobre isso: Da psicose paranoica em suas relaes com
a personalidade.
Personalidade, vejam s, no sou eu quem pode zombar disso.
Mas, enfim, naquela poca isso era para mim mais ou menos uma
nebulosa, algo que j era suficientemente escandaloso para a poca,
quero dizer que isso causou um verdadeiro efeito de horror.
Isso me levou a fazer eu mesmo a experincia da psicanlise. Depois
disso houve a guerra, durante a qual continuei essa experincia. Quando
a guerra acabou eu comecei a dizer que talvez pudesse dizer alguma
coisinha sobre a psicanlise.
Em suma, foi preciso para isso uma espcie de crise, de crise poltica,
poltica interior a intriga entre psicanalistas, para que eu me
encontrasse em uma posio retirada [extraite].
E como havia pessoas que pareciam querer que eu fizesse alguma coisa
por elas / p. 43 /
Comecei, como se diz, muito tarde; mas no fiquei entediado por ser
tarde eu no sentia nenhuma necessidade de forar as pessoas.
Quer dizer que basta que se analise um sonho para ver que s se trata
de significante. E significante em toda essa ambiguidade que h pouco
chamei de derrapada.
Agora todo mundo est por dentro. O que vocs encontraro numa
revista de vanguarda, ou mesmo que no seja de vanguarda, de no
importa o que, quanto a esse significante martelam nos nossos
ouvidos.
De vez em quando penso que estou aqui para algo e, nesse caso, foi
isso que me fez.
no menos verdade que o que estou dizendo agora que por sua
vez com toda certeza ser explorado em vinte anos no que estou
dizendo agora, quando s estruturas da lgica matemtica que recorro
para definir do que se trata no que chamo de discurso psicanaltico,
posso muito bem perceber que h coisas engraadas: vocs entendem,
por exemplo, que, embora eu lhes tenha dito que no precisam se cansar
com meus Escritos, no penltimo pargrafo de minha Interveno sobre
a transferncia est escrito: O caso Dora parece privilegiado para
nossa demonstrao j que, em se tratando de uma histrica, a tela do
eu [moi] que, em nenhuma parte, como Freud disse, seja mais baixo o
limiar entre o inconsciente e o consciente, ou, melhor dizendo, entre o
discurso psicanaltico e a fala [mot] do sintoma.
[1] Disponvel em francs e italiano em <http://www.valas.fr/Lacan-in-
Italia-1953-1978,079>. Lacan en Italie (verso bilngue). La
Salamandra, Milo, 1977, pp. 32-55.
[2] Insiro a numerao de cada pgina do original que se inicia com os
sinais / /.
[3] Avouer, em francs, que, entre outros sentidos (como confessar,
admitir, etc), tem como primeiro significado no Robert, possivelmente seu
sentido mais antigo em francs: reconhecer como senhor aquele que
possui um feudo.
[4] Entre poubelle (lixeira) e publication (publicao).
[5] Obscne vem do latim obscenus, que significa mau augrio, segundo
o Robert. Formao etimolgica no latim: obs (sobre) + caenum (sujeira,
lixo).
[6] Em francs a expresso cest bati avec du langage. Adotei a
traduo sucumbir pelo contexto e pelas possveis tradues do
francs battre.
[7] A pgina 40 (reproduo do quadro-negro) ser colocada no final do
texto.
[8] Dana de exibio que antecede a cpula (ver Etologia).
Parte 2
Cinco anos mais tarde, quando tinha iniciado meu ensino, a estrutura
a estrutura escrevi ento porque agora ficaria atento, no quereria me
ligar ou parecer me ligar a essa salada que se chama estruturalismo.
Mas enfim, a estrutura, falei dela ento porque ningum conhecia essa
palavra. A estrutura uma coisa que se apresenta primeiro como um
grupo de elementos que formam um conjunto covariante.
absolutamente claro que, com toda certeza, nenhuma lei est presente
a no ser para chegar a certo ponto.
[]
O que em suma tentei instituir ali acabou no que chamo em algum lugar,
preto no branco, um fracasso.
E depois eu diria que todo mundo est interessado nisso h alguns anos.
Todo mundo est interessado nisso: que h algo que no anda mais
redondinho.
(risada do pblico)
como vocs sabem, o francs maravilhoso
Ento, para saber um pouco mais dos efeitos da linguagem, para saber
como isso determina um termo que de jeito nenhum aquele do uso
corrente: o sujeito
Afinal, foi o que se fez de mais astucioso como discurso. Esse ltimo no
menos destinado exploso. porque insustentvel.
insustentvel num truque que poderia lhes explicar porque o
discurso capitalista est ali, vocs veem [indica o discurso no quadro-
negro] uma pequenininha inverso simplesmente entre o S1 e o $
que o sujeito basta para que isso ande como sobre rodinhas, no
poderia andar melhor, mas, justamente, anda rpido demais, se
consome [consomme], se consome to bem que se consuma [consume].
Agora vocs esto embarcados vocs esto embarcados mas h
poucas chances de que qualquer coisa acontea de srio na corrente do
discurso psicanaltico, salvo, assim ao acaso.
Isso poderia talvez servir um dia para alguma coisa, desde que a coisa
no se afrouxe antes.
Resumindo, so 8.15 horas e faz uma hora e meia que falo. S lhes disse
um quarto do que tinha a lhes dizer. Mas talvez no seja impensvel que,
a partir do que lhes indiquei sobre o discurso capitalista e o discurso
psicanaltico, algum me faa alguma pergunta.
[]
E eis que Marx lhes ensinou que a nica coisa que est em jogo a
mais-valia.
[rumor na sala]
Mas o que as pessoas compreenderam maravilhoso Elas se
disseram: Bem, verdade.
S isso faz o sistema funcionar. a mais-valia. O capitalismo a recebeu
seu salto, seu impulso [coup dailes] que faz com que atualmente []
algo assim um pouco anlogo, mas no de mesmo sentido que
eu diria que poderiam fazer as pessoas se verdadeiramente
trabalhassem um pouco, se verdadeiramente interrogassem o
significante, o funcionamento da linguagem. Se elas interrogassem da
mesma forma que um analisante[1], como o chamo, quer dizer, no um
analisado, j que aquele que faz o trabalho: o cara que est a em
anlise
se interrogassem da mesma forma talvez da sasse alguma coisa. /
p. 50 /
Mas h algo que grita e uma nova funo que no deixar de surgir,
de abordar talvez, salvo acidente, um novo incio na instaurao do que
do que chamo discurso.
isso que d sua essncia e sua essncia de tal modo essencial que
, isso, a personalidade, que a maneira pela qual cada um subsiste
diante desse objeto a H outras maneiras e busquei dizer quais.
Mas no que se refere psicanlise, ningum como Freud, ningum mais
que Freud, ningum mais e melhor que Freud Foram acrescentados,
com certeza, detalhes, uma estrutura, um estatuto dessa funo do
objeto a Melanie Klein trouxe amplamente suas contribuies, e
alguns outros tambm, Winnicott o objeto transicional
essa a verdadeira alma a nova subjetividade, no sentido antigo
dali que poderia poderia talvez sair outra coisa algo que deveria
dar um passo para uma outra construo
A saber, aquilo de que se trata depois de tudo, no fim das contas, que
a experincia se torne to curta quanto possvel quer dizer, que o
sujeito com algumas interpretaes se libere e encontre uma forma de
mal-entendido no qual possa subsistir.
P. 40
O fato de que se diga fica esquecido atrs do que se diz no que se ouve.
Esse enunciado, que assertivo por sua forma, modal pelo que
enuncia [met] de existncia.