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Rap e xamanism

entre grupos indgenas


mdio Purus, Amaz
mo
s no Rap e xamanismo
entre grupos indgenas no
nia mdio Purus, Amaznia

G I LTON M E N DE S D O S S A N TO S
Universidade Federal do Amazonas, Manaus/AM, Brasil

GUILHERME HENRIQUES SOARES


Universidade Federal do Amazonas, Manaus/AM, Brasil
Mendes dos Santos, G. | Soares, G. H.

RAP E XAMANISMO ENTRE GRUPOS INDGENAS NO M-


DIO PURUS, AMAZNIA
Resumo
Fabricado com base no tabaco, o rap ocupa um lugar especial no xama-
nismo entre os grupos indgenas do mdio Purus (Amaznia). O texto
prope explorar o uso e sentido do rap entre alguns desses grupos,
contribuindo assim para descortinar seu papel e tecer algumas conside-
raes preliminares acerca das prticas de xamanismo na regio e da re-
lao dos indgenas com os vrios seres que habitam os universos descri-
tos em suas cosmologias. A proposta realizar um estudo multissituado
a partir de dados obtidos em documentos histricos e relatos etnogrfi-
cos sobre diferentes grupos que vivem na regio. Mesmo sem um estu-
do que aborde de maneira transversal a questo, os dados apresentados
apontam para a inevitvel conexo entre o rap e o xamanismo no m-
dio Purus e nos ajudam a compreender a pliade de grupos habitantes
dessa regio como um sistema em comunicao, apontando para uma
etnologia do Purus para alm das diferenas histricas ou etnonmicas.
Palavras-chave: Rap, xamanismo, grupos indgenas, mdio Purus, Ama-
znia

SNUFF AND SHAMANISM AMONG INIGENOUS GROUPS


ALONG THE MIDDLE PURUS, AMAZONIA
Abstract
Based on tobacco, snuff occupies a special place in shamanism among
indigenous groups in the middle Purus (Amazon region). The article
focuses on the use and meaning of snuff among some of these groups,
contributing for the understanding of the snuff s role, and shamanic
practices in the region, taking in account the several beings that make
part of their cosmologies. The authors present a multisited study based
on historical and etnographic sources. The data point to an unavoidable
connection between snuff and shamanism in the middle Purus, helping
to understand the various indigenous groups as a system in communica-
tion, beyond historic or ethnonymic differences.
Keywords: snuff, xamanism, indigenous peoples, middle Purus, Ama-
zonia

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Rap e xamanismo

RAP Y CHAMANISMO ENTRE LOS GRUPOS INDGENAS EN EL


PURUS MEDIO, AMAZONA
Resumen
Construido alrededor del tabaco, el rap ocupa un lugar especial en el
chamanismo entre los grupos indgenas en el Purus Oriental (Amazo-
nas). El texto se propone explorar el uso y significado de rap entre
algunos de estos grupos, contribuyendo as a desvelar su papel y hacer
algunas observaciones preliminares sobre las prcticas chamnicas de la
regin y la relacin de los indgenas con los diferentes seres que habitan
los mundos descritos en sus cosmologas. La propuesta es proceder a un
estudio multisituado a partir de datos tomados de documentos histri-
cos e informes etnogrficos sobre los diferentes grupos que habitan la
regin. Incluso sin un estudio que aborde el tema de forma transversal,
los datos presentados apuntan a la inevitable conexin entre tabaco y el
chamanismo en el medio Purus, y nos ayudan a entender la constelacin
de grupos habitantes de esta regin como un sistema de comunicacin,
que apunta a una etnologa del Purus ms all de las diferencias histri-
cas o etnonmicas.
Palabras clave: Rap, chamanismo, grupos indgenas, Purus medio,
Amaznia

Endereo do primeiro autor para correspondncia: PPGAS/UFAM -


Rua Ferreira Pena, 386, Centro, CEP: 69010-140 Manaus/AM.
E-mail: [email protected]; [email protected]

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Mendes dos Santos, G. | Soares, G. H.

INTRODUO tanto, vale sublinhar, a produo antro-


polgica sobre a interao gente-planta
Alm da acuidade com que alguns via-
ou de uma antropologia das plantas,
jantes descreveram o Rio Purus em
quase toda concentrada nas espcies
seus relatos (Ehrenreich 1948[1891],
cultivadas, nos sistemas de cultivo, na
Schultz & Chiara 1955, Steere
construo da paisagem, na agricultura
1949[1901], Coutinho 1862, Chandless
ou na agrobiodiversidade.
1949[1864]), o leitor um pouco mais
atento, e possivelmente com segundas Podemos comear lembrando o se-
intenes, vai perceber que os textos minal artigo de Carl Sauer (1987), que
tm algo mais em comum: o uso do traa um rigoroso panorama sobre o
rap, entre os grupos indgenas, ao cultivo de plantas na Amrica tropical
menos mencionado de passagem. O durante o perodo pr-colombiano1.
contato com esses trabalhos permite Adepto do difusionismo, o autor tem
antever uma importncia social e cos- seu trabalho como uma tentativa de
molgica do uso deste estimulante que examinar o acervo de plantas cultiva-
ainda no foi explorada pela literatura das como testemunho das origens das
antropolgica, pelo menos na regio culturas americanas e de sua difuso
aqui em tela. (Sauer 1987: 64). Em seu levantamen-
to, arrola cada uma das espcies, apon-
Diferente do investimento sobre a im-
tando para seus locais de origem, varia-
portncia dos animais nas cosmologias
bilidade, adaptao, disperso, tcnicas
amerndias (Descola 1992, Viveiros de
de cultivo etc.
Castro 1996, Fausto, 2002), poucos so
os estudos da disciplina sobre a rela- Importantes estudos foram produzidos
o dos grupos humanos com os ve- por Chernela (1987) e C. Hugh-Jones
getais na Amaznia indgena. Dentre (1979) no Alto Rio Negro, mostrando
eles, vale destacar o precioso texto de tanto o itinerrio social das estacas-
Lvi-Strauss, escrito inicialmente para -sementes quanto a interao simbli-
o Handbook of South American In- ca e analgica entre o processamento
dians (1946-1950) e traduzido na Suma da mandioca e a produo de pessoas.
Etnolgica Brasileira (1987), sobre a Tambm as pesquisas em ecologia his-
importncia das plantas silvestres co- trica e cultural conduzidas por Rival
nhecidas e manejadas pelos ndios do (1993) apontam para a imbricao dos
continente que, dentre outras razes, mecanismos de coevoluo de plantas
souberam se apropriar de suas proprie- e a dinmica da vida social.
dades fsico-qumicas. Os estudos do antroplogo francs
Depois de ter feito a ressalva sobre a Philippe Descola (1989), baseados em
dificuldade em estabelecer o que seja sua etnografia sobre a prxis e a ecolo-
silvestre e o que seja cultivado no con- gia dos Achuar do Equador, evidencia-
texto tropical indgena, Lvi-Strauss ram as concepes sociais engendra-
menciona o extenso uso dado a tais das no universo das plantas cultivadas
plantas pelos grupos nativos. No en- e apontaram ultimamente para uma

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anlise global da prtica de formao pouco conhecido e bastante despreten-


da paisagem, em que as reas abertas sioso sobre a interao dos grupos do
para o cultivo (jardins) so vistas como Baixo Urubamba com a mata, intitula-
uma microfloresta, ao passo que a flores- do A vida monstruosa das plantas.
ta vista como um macrorroado. No texto, o autor aponta para o saber,
Ancorados nas descobertas da gentica o poder e o perigo da floresta (monte),
lugar de seres malficos, causadores
e da arqueologia, os estudos clssicos
das doenas e da morte, uma verda-
em ecologia histrica tm estimulado e
deira comunidade de pessoas, com as
alcanado as fronteiras da antropolo-
quais preciso redobrar os cuidados.
gia, mostrando que ecossistemas ama-
znicos so, na verdade, resultado da Em uma instigante passagem da sua
ao humana que modificou e enrique- tese sobre os Jarawara, Maizza (2009)
ceu suas paisagens, classicamente tidas expe a relao peculiar que esse gru-
como naturais ou silvestres, atravs do po mantm com as plantas. Para eles,
processo de seleo, propagao e do- estas possuem um aspecto fsico e vis-
mesticao de um sem nmero de es- vel na Terra, mas ao mesmo tempo um
pcies (Clement 1989, Bale 1989). esprito que mora no Cu. Dessa for-
ma, quando os Jarawara enterram uma
Os estudos etnogrficos de Kaj rhem semente, assim que a planta sai do solo,
(1993) junto aos Makuna do Alto Rio o seu esprito tambm aparece e espera
Negro, em territrio colombiano, pri- para ser buscado por outros seres que
vilegiam as concepes nativas sobre o habitam nas camadas superiores do
reino vegetal, revelando uma perspec- cosmos. Assim, todas as espcies cul-
tiva mais que animista do mundo, na tivadas por eles tambm so espritos
qual as plantas tm naturezas diversas, no Cu, chamados de filhos daquele
dependendo do ponto de vista de cada que plantou e filho da espcie a qual
animal. Nessa mesma direo aponta pertence. Quando uma pessoa morre,
Joana Cabral Oliveira (2012), em pes- seus filhos, os espritos-das-plantas,
quisas recentes sobre os Wajpi, que vm busc-la na terra, levando-a para
a floresta um ambiente povoado de viver com eles.
donos vegetais.
Algumas plantas da floresta aparecem
A natureza perigosa das plantas ou de modo muito especial no contexto
de seus donos ou habitantes des- da Amaznia indgena. So vrios os
crita com bastante nfase pelos Ena- estudos que mostram o uso e o signi-
wene-Nawe da Amaznia Meridional. ficado da Erythroxylum coca, ou simples-
Segundo eles, os seres que residem nas mente coca, conhecida como ipadu no
rvores da floresta so ogros gigantes, Alto Rio Negro e katsupari entre diver-
sempre vidos para atacar e roubar a sos povos das bacias do Purus e Juru;
alma daquelas pessoas que descum- da chacrona e o mariri, nome popular
prem as regras sociais (Mendes dos das plantas utilizadas na fabricao
Santos 2001, 2006). tambm o que da bebida bastante conhecida como
revela Peter Gow (1987) em um artigo ayahuasca. Essas plantas so utilizadas,

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de modo geral, como veculos de aces- versas informais na cidade de Lbrea,


so a outras regies do cosmos e seus na ocasio das oficinas realizadas pelos
habitantes, de onde (e pelos quais) os pesquisadores do projeto Rios e Redes.
especialistas adquirem novos conheci- O Mdio Purus uma regio habita-
mentos, travam dilogos, trazem can- da historicamente por vrios grupos
tos, notcias e pressgios. As plantas a da famlia lingustica Arawa e um re-
envolvidas so, pois, ingredientes es-
presentante da famlia Aruak, os Apu-
senciais dessa interao entre humanos
rin, tendo formado um complexo
e no humanos, em outras palavras, um
sistema de trocas, casamentos, rituais
especial mediador de interaes inter-
e acusaes de feitiaria. Esse sistema
subjetivas.
social regional foi mutilado pela agres-
No Mdio Purus, o rap o veculo ve- siva chegada das frentes extrativistas
getal dessa viagem csmica para gran- a partir da segunda metade do sculo
de parte dos grupos indgenas, um pro- XIX. Como consequncia disso, vrios
duto consolidado da cultura a base de grupos foram dizimados, outros enco-
plantas da floresta e/ou do tabaco cul- lhidos e fragmentados, outros ainda se
tivado. Os diferentes grupos habitan- juntaram como estratgia de sobrevi-
tes dessa regio encontraram no rap vncia.
o transporte que os levam ao mundo
das almas cativas e comunicao in- Lembramos que, atualmente, a regio
teligvel com os espritos e os repre- do Mdio Purus conta com oito grupos
sentantes de animais, pssaros, peixes indgenas assim identificados: Apurin,
e plantas. O rap cumpre tambm, em Paumari, Deni, Jamamadi, Jarawara,
alguns casos, o papel do antiveneno, Suruwaha, Banawa e Hi-Merim, todos
neutralizando e aplacando o desejo e a distribudos ao longo deste rio e seus
ira dos que buscam os princpios natu- pequenos tributrios. Podemos acres-
rais do timb ou tingui para a morte e a centar ainda a este elenco os Katukina
transformao no outro no humano. e os Mamori, que apesar dos poucos
remanescentes, tiveram uma importn-
Este texto prope explorar o uso e
cia histrica no cenrio. Mesmo no
sentido do rap entre alguns grupos do
estando presentes na regio, o texto
Mdio Purus, contribuindo assim para
tambm far referncia aos Kulina2.
descortinar seu papel na relao entre
humanos, humanos e no-humanos, e O material e discusso aqui apresen-
em alguns casos entre no-humanos e tados dizem respeito a estes grupos,
no humanos. A proposta realizar um entre os quais o rap utilizado em
estudo multissituado a partir de dados praticamente todos os momentos do
retirados dos documentos histricos dia, indo desde pequenas pausas nos
e relatos etnogrficos acerca dos dife- trabalhos para tomar uma dose at
rentes grupos que habitam a regio. s seu uso ritualizado, passando por mo-
fontes mencionadas acima, acrescen- mentos dedicados exclusivamente ao
taremos informaes colhidas junto a usufruto, seja para atingir a embriaguez
representantes desses grupos em con- seja embalar conversas ao fim do dia.

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A seguir, desenvolveremos esse texto observou que para fabricar rap, os


em duas partes: na primeira apresenta- Jamamadi torravam as folhas verdes
remos as tcnicas e instrumentos his- de fumo sobre o fundo de uma vasi-
toricamente descritos para a fabricao lha de argila emborcada sobre brasas.
e consumo do rap, alm das plantas O almofariz, feito do ourio da Casta-
utilizadas juntamente com o tabaco nha do Brasil, era ento parcialmente
para preparar o p; na segunda parte, cheio de brasas acesas, que eram logo
exploraremos seu papel no dia-a-dia e descartadas depois de aquec-lo. Nes-
as principais propriedades que atuam se ambiente, as folhas eram socadas e
na vida social e que penetram na cos- modas at tornarem-se um p muito
mologia desses povos. fino e esverdeado.
Sempre que possvel, informamos o Ehrenreich (1948[1891]) nos diz tam-
nome indgena dado a certos instru- bm que, entre este grupo, o p era
mentos, plantas ou substncias. Toda- guardado em uma simples casca de
via, certos contextos ainda precisam de caracol e aspirado atravs do osso oco
pesquisas mais aprofundadas e dados de uma ave ou uma folha enrolada. Na
etnogrficos mais apurados a respei- poca em que Kroemer (1985) este-
to das terminologias empregadas nas ve com este grupo, relatou que o uso
classificaes nativas. Da mesma for- do rap entre os Jamamadi era muito
ma, em alguns momentos foi conve- apreciado, misturando-se ao p uma
niente explorar as narrativas mticas, poro de cinza da casca do fruto do
em outros, acreditamos que a descrio cacaueiro3. Ainda hoje o mtodo e os
das prticas revelam aspectos da cos- instrumentos de fabricao permane-
mologia, imiscudos no estabelecimen- cem os mesmos.
to de um contato ntimo entre os es- Entre os Apurin, Ehreinreich
pecialistas e outros seres que habitam (1948[1891]) relata que o rap era fei-
o cosmo. to secando superficialmente as folhas
de tabaco em um prato de argila colo-
cado sobre brasas. Em seguida, enta-
AS PLANTAS E AS TCNICAS DO lavam-nas em um pedao de madeira,
RAP expondo-as ao calor at ficarem com-
pletamente secas. Em seguida, pulveri-
Essencialmente, o rap o p obtido a
zavam as folhas na casca de um fruto
partir da triturao de folhas secas de
e misturavam a as cinzas de diferen-
tabaco (Nicotiana tabacum L.). Contudo, tes madeiras, como apakitiri, conheci-
a maioria dos grupos do Mdio Purus da tambm como torm ou embaba
mistura a ele outras plantas. Um cote- (Cecropia pachystachya), e ukutana, nome
jamento de fontes histricas e de infor- na lngua Apurin de uma espcie que
maes etnogrficas nos apresenta as ainda no conseguimos identificar.
seguintes informaes sobre o rap fa- costume entre os Apurin conservar o
bricado pelos habitantes dessa regio. rap em uma casca de caracol (Meka-
O viajante Joseph Steere (1949[1901]) ru), provida de um gargalo feito de um

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pedacinho de taquara com uma rolha abundantemente tomado, sendo


feita de penas de tucano. Ele aspira- tal vulgarizao, conforme as informa-
do com o auxlio de pequenos ossos de es de alguns ndios da regio, feita a
aves, s vezes ligados aos pares, chama- partir dos anos 1980 pelos indigenistas
dos mexikanas (Schiel 2004). do CIMI e da FUNAI, que pediam o
produto aos xams. Sua popularizao
alcanou o pblico e saiu do seu espa-
o de uso especfico, bem como modi-
ficou seu jeito de ser fabricado. Atual-
mente, o rap dos Apurin feito com
o tabaco e outros ingredientes, como
o breu de Jatob (Hymenaea courbaril L.)
e a Amescla (Protium heptaphyllum). Se-
gundo informam, esses novos compo-
nentes conferem aroma e propriedades
medicinais ao produto: pode ser usado
para tratar gripe, constipao e dores
de cabea (Cidade de Lbrea, comuni-
cao pessoal).
Steere (1949[1901]) foi um dos primei-
Figura 1 Estojo (mekaru) e tubo aspirador
ros a registrar o uso do rap entre os
(mexikana). Fonte: Schiel (2004) ndios Paumari. De acordo com ele, as
folhas verdes torradas e pulverizadas
A partir da leitura do trabalho de Schiel do tabaco eram misturadas com a cinza
(2004), possvel perceber uma forte da casca da fruta do cacaueiro, da mes-
ligao entre a pessoa e o seu tubinho
ma forma como fazem os Jamamadi.
de cheirar rap, sendo estes instrumen-
tos preservados com muito zelo. Os Segundo as pesquisas de Prance (1978),
xams so quem possuem o vnculo h entre os Paumari um rap prepara-
mais intenso. Diz-se que alguns deles, do da vinha de uma bignomiaceae,
acordados ou em sonho, podem aparar Tanaecium nocturnum, a que chamam
com seus mexikanas as pedras (feitio) korib. Para fabric-lo, as folhas verdes
que so enviadas para a sua aldeia. O so tiradas e torradas at ficarem secas.
mexikana tambm aparece na narrati- Nesta condio quebradia formam a
va mtica como o progenitor de Tsura base para um p muito fino que pe-
e seus trs irmos. No mito, durante a neirado e misturado ao tabaco. A mis-
noite, o canudo de rap se transforma tura leva o nome de korib-nafuni.
em homem para seduzir a me do he- Conforme Bonilla (2007), os Paumari
ri. no plantam tabaco, para consegui-lo,
Antigamente, o rap era utilizado pe- compram nos mercados ou trocam
los Apurin somente para fins xam- com no ndios. A autora acrescenta
nicos, em sua prtica de cura. Hoje, ele que outras trs plantas podem ser mis-

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turadas ao produto: o kavabo (Virola que de acordo com Bonilla (2007),


elongata), tambm apontada por Prance um poderoso alucingeno extrado de
(1978) no estudo supracitado; manaka uma planta no identificada. Todavia,
(possivelmente planta do gnero Brun- os Paumari dizem que no h xams
felsia); e o ava-nafani, nome que signifi- que utilizam esta ltima, pois a inicia-
ca literalmente folha-de-rvore, que o nesta substncia deve ser feita obe-
dizem deixar o rap mais forte. Outra decendo a rigorosas restries sexuais
substncia mencionada o katisaja, e alimentares.

Figura 2 - Pedras de Ijori. Fonte: Bonilla, 2007.

Figura 3 - Canudo de rap (Hirohiro) e concha (bako). Fonte: Bonilla, 2007.

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Gnter Kroemer (1985) observou que ribeirinhos, tambm misturam-no com


o rap feito pelos Suruwah constitu- o cupu, planta que pode ser encontra-
do do p da folha do tabaco, denomi- da na floresta ou cultivada por eles nos
nado kumadi, e da cinza da Theobroma quintais a partir de sementes. A quali-
subincanum, regionalmente conhecido dade do cupu determina se o rap vai
como cupu. As folhas de tabaco, co- ficar forte ou fraco. Ultimamente, os
lhidas na roa nova, so selecionadas e Jarawara tm acrescentado ao rap al-
desidratadas em fogo brando de forma guns tipos de breu, com o fito de con-
a no deix-las quebradias e guarda- ferir aroma ao produto.
das em cestos. Para fazer o rap, pre-
Para preparar o rap, os Jarawara co-
ciso tost-las ao calor da brasa, quando
lhem as folhas do xin e deixam-nas
ento so colocadas em um pilo e tri-
ao sol por aproximadamente meio dia.
turadas. A casca do cupu, por sua vez,
Depois desse tempo, retiram a nervura
queimada dentro de uma pequena
central das folhas (a tala) e as deposi-
vasilha de barro ao fogo brando, sen-
tam sobre um prato de cermica, que
do suas cinzas adicionadas ao p do
levado ao fogo para desidratar comple-
tabaco, misturando e socando os dois
tamente as folhas. Outra maneira co-
ingredientes juntos.
locar as folhas diretamente ao calor das
Aparicio (2014) tambm registra o uso brasas, sustentadas por uma vara fina
do rap pelos Suruwah. O proces- aberta ao meio, na forma de um es-
so descrito por este autor idntico peto. Por uma maneira ou outra, as
quele registrado por Kroemer (1985), folhas j bem desidratadas (enquanto
embora ele acrescente que cada pessoa esquentam ao fogo, elas so testadas
conserva o tabaco em um bico de tu- para conferir o ponto) so quebra-
cano, usado como recipiente, e o aspira das em pedaos pequenos e misturadas
com um osso de asa de ave (gavio-re- s cinzas do cupu. O composto tritu-
al, urubu-rei, mutum). Ainda segundo rado dentro de um ourio de castanha-
Aparicio (2014), homens e mulheres -do-Brasil com o uso de um basto de
suruwah cheiram rap, no entanto, o madeira (Cidade de Lbrea, comunica-
produto feito pelas mulheres mais o pessoal).
fraco que o dos homens.
Diferente dos Paumari e Apurin, o
A base do rap Jarawara a planta co- rap dos Jarawara feito preferencial-
nhecida por eles como xin, que tam-
mente pelas mulheres, em especial as
bm d o nome ao produto. Segundo
mais velhas, experientes e especialistas,
os Jarawara (os informantes, pelo me-
que tambm tomam o xin.
nos), o xin no o tabaco. Diferente
deste, que plantado na vrzea pelos
ribeirinhos, o xin cultivado nas roas OS PODERES DO RAP
ou quintais em terra firme. s vezes,
Os Jarawara fabricam rap do taba- Como vimos, o rap um produto fa-
co (no sabemos se misturado ou em bricado por todos os grupos da regio
substituio do xin) adquirido com os do Mdio Purus. Os Jarawara do am-

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plo uso a ele, desde o tratamento para Ah, meu neto, vou mostrar para
gripe, dor de cabea e insnia at como aquele grando como que a gente
calmante, antes do banho para rela- faz. Cuida, meus netos! Vamcuidar
xar ou ainda em uma roda de amigos. logo ligeiro, enquanto eu estou com
Entre os Apurin, o rap usado in- vontade! Estava moquinhando, a
ele partiu o moqum.
distintamente, tendo sido outrora um
produto exclusivo do xamanismo, tal Meus netos, cad a cobra?
como entre os Paumari, para quem o Ta, est deitada a.
rap ainda um ingrediente prprio Ento, vamos cuidar enquanto
dos xams. cedo!. Ele tomou rap dele, botou
pelo nariz, e botou na boca, rap4.
Os Suruwah tambm fazem uso do
kumadi no seu dia-a-dia, ele anima as Arirambazinha furou cobra grande:
pessoas a manterem-se ativas e bem tuqui! huuumm.. qui, qui, qui...,
fez.
dispostas, anulando a indolncia e a
passividade (zama kahyzynaxu), d vigor Ele furou segunda veize. Furou,
e resistncia aos homens nas caadas rachou a barriga da cobra. Aonde
arirambazinha furou, chega saindo
e pescarias, na abertura de roas, no
sangue, j (Schiel 2004:238).
transporte de mandioca e outros pro-
dutos agrcolas, nos momentos de ati- Os Suruwah contam uma histria a
vidade fsica intensa, inclusive em situ- respeito de um povo chamado Ama-
aes de mal-estar e dor. Ao entardecer xi. Na narrativa, as entidades antro-
sempre se formam rodas de rap, nas pofgicas (jakimedi) rondam a maloca
quais os Suruwah conversam sobre as dos Amaxi todas as noites capturando
atividades do dia, assuntos importantes pessoas e levando-as para serem devo-
ou contam velhas histrias (Aparicio radas. Um a um, os Amaxi vo desa-
2014). parecendo devido aos sequestros, at
que resta apenas o paj. Aps um lon-
A anlise dos documentos histricos e
go pranto causado pela solido, o paj
relatos etnogrficos, no entanto, per-
mite-nos identificar uma propriedade amaxi cheira muito rap e se apropria
fundamental, o seu uso para a realiza- da fora de todos os venenos: a fora
o de atividades extraordinrias, o seu do kaiximeni, a fora do xihixihi, a fora
emprego na atividade xamnica. Schiel do timb e a fora do tingu. Assim,
(2004) registra, entre os Apurin, o chega o dia em que o paj tambm
mito do heri Tsura que, aps ter sido levado pelos Jakimedi. Depois de com-
engolido pela cobra grande, salvo -lo, comearam a se sentir mal por cau-
pelo vov arirambinha, que apesar sa dos venenos, suas barrigas explo-
do tamanho e fora desprivilegiada, dem e assim morrem todos os Jakimedi
toma rap e fura a barriga da serpente (Aparicio 1998).
por duas vezes. De acordo com Aparicio (2014:121),
(...) Possa ser que o senhor vai entre os Suruwah, o kumadi o me-
poder tirar o Tsura da barriga da canismo de transmisso de poderes,
cobra... conferindo ao xam o domnio sobre a

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doena, o feitio e a morte: o tabaco os tocorime, mas tambm pode ser usa-
assoprado com recorrncia e de modo do como proteo6 (Amorin 2014).
intenso pelos xams aos iniciantes o Como nos diz tambm Miguel Apari-
principal procedimento de transmisso cio (2014:120) sobre os Suruwah: o
do poder iniwa tabaco (kumadi) a planta dos xams,
O ponto alto da iniciao xamnica en- o veculo que promove a comunicao
entre os humanos jadawa e que permi-
tre os Apurin o encontro do jovem
te o acesso s perspectivas dos jada-
com a ona grande na floresta. O aspi-
wasu, dos espritos, o trnsito a outras
rante deve controlar o medo e permitir
paisagens do cosmos.
que a ona o lamba. Ao final, esta se
transforma em gente e o convida para Entre os Paumari, o rap um produto
tomar rap e lhe ensinar os grandes utilizado tradicionalmente pelos xams
mistrios da pajelana (Schiel 2004). (arabani). Sua finalidade possibilitar a
tambm o que registra Amorim (2014) comunicao com os espritos (de ani-
entre os Kulina. mais, peixes, pssaros, plantas), convi-
dando-os a tomarem parte nas cerim-
O rap ainda o mediador da comu-
nias. Tm-se como exemplos disso a
nicao e da viagem do xam a outros festa da pupunha (kavirihava), a fes-
domnios do cosmos. esta proprieda- ta do peixe boi (bomahava) e a festa
de que faz do rap a droga do xam, da menina moa (amamaji) sada da
atravs da qual ele se comunica com menina, como eles costumam chamar
espritos durante as sees de cura. a recluso durante a puberdade. Nessas
Schultz & Chiara (1948 [1891]) relatam ocasies, o rap preparado e usado
que os Tukrina (Kulina) distinguem pelo prprio xam. Conforme Bonilla
duas espcies de doenas: as comuns (2007), algumas plantas possuem uma
e as de origem sobrenatural, estas lti- segunda forma/esprito, a forma ja-
mas s podem ser curadas pelo xam guar (jomahini) que, quando acionada,
dotado de poderes mgicos ou pelos participa dos rituais na aldeia, onde
tocorime, almas de pessoas e animais que podem se desfazer de sua aparncia e
aqueles incorporam. O elemento cen- serem vistas em sua condio humana
tral da cura desse tipo de doenas o pelos xams. Nesse contexto, as plantas
rap, sem o qual nem o mdico-feiti- utilizadas no rap possuem sua forma
ceiro nem o tocorime tm poder algum5. jaguar, conferindo ao xam paumari o
Informaes preciosas a respeito do ri- poder e a fora de lidar com as mais
tual do tocorime, realizado pelos Kulina, diferentes criaturas do cosmos.
podem ser lidas no trabalho de Amo- Aps ingerir uma substncia amarela
rim (2014). A, o rap tem importncia denominada katuhe e tomar uma dose
fundamental no ritual. A inalao do considervel de rap, o xam Deni
tabaco favorece a interao dos xams empreende uma viagem csmica em
com os espritos tocorime, e mais, que busca da causa da doena (Rodrigues
eles assumam sua perspectiva. O xam 2010). tambm o que faz o xam en-
utiliza o rap principalmente para atrair tre os Jarawara: para curar as doenas

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Rap e xamanismo

ou subir ao cu, morada de diversos convivncia harmoniosa. costume


espritos, deve necessariamente cheirar entre eles assoprarem doses cavalares
rap (Maizza 2009). Os pajs apurin de rap nas narinas de algum que este-
devem mascar o katsupary e tomar mui- ja furioso, produzindo um efeito tran-
to rap at ficar de porre para rea- quilizante na pessoa (Aparicio 2014).
lizar a cura (Schiel 2004). Finalmente, Considerando que h uma concepo
entre os Jamamadi orientais o transe quase comum entre os povos amern-
xamnico alcanado com o auxlio dios da Amaznia de que no incio dos
da msica e do rap (Rangel 1994). tempos todos eram humanos e que aos
O rap aparece ainda no Mdio Purus poucos alguns foram se transforman-
como uma espcie de inversor de com- do em diferentes espcies de animais e
portamentos ou posio dos sujeitos, plantas, nessas situaes em que ad-
transformando raiva em calma, confli- ministrada uma dose de rap na pessoa
to em harmonia ou inimigos em ami- tomada pela ira prestes a abandonar
gos. Entre os Apurin, as festas so ge- um padro de comportamento huma-
nericamente denominadas de xingan. no e se transformar no outro, segun-
Um dos momentos desse ritual, quan- do Aparicio (2014) o rap, com seu
do um grupo externo visita a aldeia, efeito tranquilizador, parece agir para
costuma iniciar com uma encenao de impedir que isto acontea.
guerra, posicionando os participantes
Desse modo, o rap exerce o papel
em posio de inimigos. Contudo, no
de um operador inverso, impedindo
final a aliana selada com a troca de
que a pessoa assuma a perspectiva do
rap, conforme registrou Schiel (2004):
outro, isto , sua transformao em
Os convidados chegam armados,
no humano. Da mesma maneira, uma
pintados e enfeitados pela mata.
Vm gritando. Os da casa vo en-
vez que a pessoa Suruwah, tomada
contrar, tambm armados. Quando pela ira, pode recorrer ao suicdio via
se encontram, avanam os lderes timb ou tingui, o rap nesses casos
que comeam uma discusso (em tambm o antiveneno, neutralizando o
portugus denominam esse dilogo efeito mortfero da bebida.
de cortar sanguir) rpida e alta,
com as armas sempre apontadas
para o peito um do outro, sendo CONSIDERAES FINAIS
que, atrs deles, encontram-se os
acompanhantes, de prontido, com Como tentamos demonstrar nas p-
suas armas tambm apontadas para ginas acima, o rap um elemento
os que discutem. Quando abaixam vegetal de fabricao da cultura, ca-
a voz, abaixam tambm as armas e racterizado por um modo especial
os lderes tomam rap na mo um em cada grupo do Mdio Purus. Ele
do outro (Schiel 2004:73). aparece como um produto comum a
Entre os Suruwah, o rap muitas ve- todos eles, permitindo divisar uma li-
zes utilizado como um recurso para a nha de conexo entre os grupos. Des-
superao de conflitos, restaurando a se modo, o rap, a exemplo de outros

Amazn., Rev. Antropol. (Online) 7 (1): 10-27, 2015 23


Mendes dos Santos, G. | Soares, G. H.

temas que merecem uma abordagem neste sentido, age como um tradutor,
antropolgica transversal, ajuda-nos a sua misso encontrar uma corres-
compreender a pliade de grupos da pondncia entre os diversos pontos de
regio como um sistema em comuni- vista ou perspectivas, abarcando essa
cao e em continuum, apontando para confusa mirade e produzindo um sen-
uma etnologia do Purus para alm das tido (Carneiro da Cunha 1998).
diferenas histricas ou etnonmicas de Da mesma maneira, a prpria natureza
seus habitantes. e composio do rap encarnam essas
Certamente, ainda h muito a dizer caractersticas. Como um composto
sobre o lugar do rap no sistema de de plantas trabalhado pelo homem,
relaes no Mdio Purus indgena, in- na prpria fabricao j se estabelece
clusive com outras plantas e/ou subs- a mediao com o mundo das plan-
tncias utilizadas por eles, entretanto, tas, com seus espritos e seus poderes.
como estudo de carter preliminar, Essa comunicao transcende o ato,
este breve ensaio aponta caminhos na espraia-se e assume um carter univer-
investigao do tema na regio, assim sal, cosmolgico, conferindo ao rap o
como para certos aspectos a serem lugar de mediador entre as coisas, os
percebidos da interao desses grupos humanos, os animais, as plantas e seus
com as plantas, tema que reclama por duplos espirituais.
maior ateno pela antropologia. O rap o catalisador desta reao, o
Elencamos alguns exemplos presentes ingrediente principal da construo de
na literatura, seja na forma de narrati- uma rede de sociabilidade intermedia-
vas mticas ou na descrio de prticas da pela ao do xam. Sem dvida, isso
que colocam os indgenas em relao uma das coisas mais interessantes do
com os diversos seres que habitam rap, seu uso se reveste de uma aparn-
seus universos. Mesmo ainda sendo cia trivial, tal como se apresenta para a
necessrio aprofundarmos no estudo maioria dos grupos indgenas, seja em-
sobre o xamanismo na regio, a partir balando as rodas de conversa ao fim da
do que foi apresentado, no resta dvi- tarde, quando o tempo se desvanece e
da de que no Mdio Purus o xamanis- o passado mtico se revela dentro de
mo e o rap so indissociveis. Os dois cada um, seja conferindo fora e dis-
chegam mesmo a se confundir. Por posio para aguentar a labuta diria
meio do xamanismo, as conexes com ou ainda nos momentos de simples
o passado ancestral so feitas, atravs embriaguez, para alm da prtica xa-
dele possvel ocorrer o cruzamento mnica em si, o rap parece oferecer
entre as camadas csmicas, por onde um pouco da experincia xamnica a
se tem acesso s foras ancestrais e o cada pessoa que o experimenta.
controle sobre as mesmas e os peri-
gos do mundo. O rap permite, pois,
a troca de posies ao longo da rede NOTAS
csmica sobre a qual a sociabilidade 1
Tomando como referncia as reas cul-
constantemente construda. O xam, turais esboadas no Handbook, Galvo

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Rap e xamanismo

(1963) traa um mapa indicando as reas REFERNCIAS


de predominncia ou de uso preferencial
das trs principais espcies cultivadas no Amorin, G. S. 2014. Os coletivos madija e o ri-
tual do Ajie: Relaes de alteridade entre os Kuli-
Brasil indgena: a mandioca, o milho e a
na do Baixo Juru. Dissertao de mestrado,
batata doce.
Instituto de Cincias Humanas e Letras,
2
Apesar de no estarem localizados na re- Universidade Federal do Amazonas, Brasil.
gio do Mdio Purus, optamos por acres-
Aparicio, M. 1998. Cadernos do Preto I. Pa-
centar aqui os Kulina por sua conexo his-
lavras de waduna.
trica com os demais grupos dessa Bacia
hidrogrfica e, sobretudo, por sua filiao _______. 2014. Presas do timb: cosmopolti-
cultural e lingustica Araw. ca e transformaes Suruwaha. Dissertao de
mestrado, Instituto de Cincias Humanas
3
Por ser muito comum na Amaznia, e Letras, Universidade Federal do Amazo-
acreditamos se tratar do Theobroma specio- nas, Brasil.
sum Willd. ex Spreng., conhecido tambm
como cacau. Suas propriedades farmaco- rhem, K. 1993. Ecosofia Makuna, in
lgicas so muito similares a do Theobroma La selva humanizada: ecologia alternativa em el
trpico hmedo colombiano. Organizado por
cacao L., agindo como estimulante do siste-
F. Correa, pp. 109-126. Bogot: Instituto
ma nervoso central e do corao de forma
Colombiano de Antropologa/FEN/CE-
anloga cafena (Lorenzi & Matos 2008).
REC.
4
Segundo Schiel (2004), conta-se entre os
Bale, W. 1989. The Culture of Amazonian
Apurin que antigamente os pajs toma-
Forests. Advances of Economic Botany 7: 1-21.
vam rap tambm pela boca.
Bonilla, O. 2007. Des proies si desirables :
5
De acordo com Costa (2007), entre os
soumission et prdation pour les Paumari dAma-
Kanamari o rap a comida do dyohko
zonie brsilienne. Tese de Doutorado, Esco-
(substncia que existe dentro do corpo do las de Altos Estudos em Cincias Sociais,
xam), sem o qual ela permanece latente e Frana.
inativa. Em outras palavras, o rap nutre o
poder do xam. Interessante notar tambm Carneiro da Cunha, M. 1998. Pontos de
que Stephen Hugh-Jones (2011 [1979]: vista sobre a floresta Amaznica: Xama-
274), referindo-se ao uso do tabaco no nismo e traduo. Mana 4(1): 7-22,
Alto Rio Negro, diz que este considerado Chandless, W. 1949 [1864]. Notas sobre o
un no-alimento ritual. Es tambin el ali- rio Purus, lidas perante a Real Sociedade
mento de los espritus [...]Tambin se cree Geogrfica de Londres, em 26 de novem-
que el tabaco establece comunicacin con bro de 1868. Separatas dos Arquivos da Asso-
lo sobrenatural y se dice que tanto el rap ciao do Comrcio do Amazonas 9(3): 21-29,
como el humo de tabaco tienen poder. Chernela, J. 1987. Os cultivares de mandioca
6
A folha do tabaco considerada pelos na rea do Uaups (Tukno), in Suma Etnolgi-
Kulina como uma folha de bom cheiro. ca Brasileira/1. Coordenado por B. Ribeiro,
Pollock (1985) constatou que as folhas de pp. 151-158. Petrpolis: Vozes / FINEP.
bom cheiro promovem sade e sedu- Clement, C. R. 1989. A Center of crop ge-
zem, enquanto as de mau cheiro trazem netic diversity in western Amazonia. BioS-
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Aprovado em 11/01/2015

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