Norbert Elias (... ) Entre Tempo Físico e Tempo Social
Norbert Elias (... ) Entre Tempo Físico e Tempo Social
Norbert Elias (... ) Entre Tempo Físico e Tempo Social
Doutor em Histria Social e das Ideias pela Universidade de Braslia (UnB), vinculado Faculdade de Histria
e ao Programa de Ps-graduao em Histria da Universidade Federal de Gois (UFG). Pesquisa apoiada com
bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq).
1
Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo
(orgs). Caderno de resumos & Anais do 6. Seminrio Brasileiro de Histria da
Historiografia O giro-lingustico e a historiografia: balano e perspectivas. Ouro
Preto: EdUFOP, 2012. (ISBN: 978-85-288-0286-3)
Quienquiera que piense que el tiempo se percibe, que se ofrece a la intuicin sensorial,
no puede sino creerlo, so pena de contradiccin, si no idntico, al menos
indisolublemente unido a los movimientos visibles, en cuyo caso, el mejor candidato
al papel de tiempo es el movimiento de la esfera celeste. Quienquiera que, por el
contrario, piense que el tiempo no se deja aprehender sino mediante la intuicin
intelectual, se ve obligado, so pena de contradiccin, a identificarlo con la actividad
del alma. (POMIAN, 1990: 284)
1
Na verdade, a associao aristotlica do tempo com o movimento (sem, entretanto, uma identificao plena), j
havia sido exposta no Timeu de Plato, para quem o tempo era a imagem mvel da eternidade, posio que
certamente Aristteles herdou de seu mestre. Mas, em ambos, o tempo era, ao contrrio do que pensava Santo
Agostinho, algo exterior alma. Ressalte-se que, no caso das reflexes sobre o tempo encontradas na Fsica de
Aristteles, h indcios tambm de uma via psicolgica (embora bastante secundria), na medida em que a
associao do tempo com um nmero, enquanto medida, deve pressupor um sujeito que o mea.
2
No por acaso que muitos daqueles que se lanaram tarefa de se questionar ou de se ultrapassar os termos
da aporia entre tempo objetivo e tempo subjetivo, se viram forados a retomar criticamente esse debate entre
Aristteles e Santo Agostinho, como o caso, por exemplo, do clssico estudo do filsofo Paul RICOEUR
(1996: 643-661).
2
Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo
(orgs). Caderno de resumos & Anais do 6. Seminrio Brasileiro de Histria da
Historiografia O giro-lingustico e a historiografia: balano e perspectivas. Ouro
Preto: EdUFOP, 2012. (ISBN: 978-85-288-0286-3)
Teoria da Relatividade (Especial ou Restrita) de Albert Einstein, que colocaria por terra a
ideia newtoniana de um tempo absoluto (assim como as de espao, simultaneidade ou
movimento absolutos), em favor de um tempo relativo, dependente do sistema de referncia
adotado; tese que, entretanto, no contradiz a essncia da perspectiva objetivista. Conquanto
os avanos verificados nas ltimas dcadas no mbito da Fsica Quntica tm colocado
paulatinamente em questo uma srie de pressupostos desse tempo objetivo, a partir do
reconhecimento dos diferentes comportamentos da matria quando se considera as dimenses
microfsica ou macrofsica.
J a corrente subjetivista tem talvez nas formulaes originais de Santo Agostinho
- do final do sculo IV - a sua principal referncia paradigmtica, que viria a influenciar
inmeros filsofos at a poca contempornea. As teses em favor da existncia de um tempo
como unicamente vivido, ou de um tempo psicolgico, que se desenvolveram nos sculos
seguintes, revelaram, em vrios aspectos, importantes heranas agostinianas, com a
substituio progressiva dos conceitos de alma e de esprito pelo de conscincia. Assim, a
partir das ltimas dcadas do sculo XX, ressurgiram algumas das principais expresses
filosficas dessa corrente subjetivista, que procuraram, por diferentes caminhos, distinguir
claramente um tempo das vivncias - ou um tempo como experincia vivida - de um tempo
fsico ou cosmolgico. Seus principais nomes seriam, entre outros, os dos filsofos Edmund
Husserl, Henri Bergson, Gaston Bachelard e Martin Heidegger.
Mas essa aporia entre os tempos objetivo e subjetivo se desdobraria ainda em
outras, como, por exemplo, a oposio entre tempo quantitativo e tempo qualitativo, na
medida em que se nota certa tendncia geral a se identificar, nas diversas anlises fsico-
filosficas, o aspecto quantitativo com o tempo prprio da cincia (no mbito da perspectiva
objetivista) e, por outro lado, o qualitativo com o tempo da conscincia (na esfera das
abordagens subjetivistas). Alm disso, essa aporia reforada ainda pela forma diferenciada
com que objetivistas e subjetivistas consideram o grau de realidade que seria outorgado a cada
um desses tempos, retomando a tradicional diviso filosfica entre realistas e idealistas.
Desta sorte,
Desde la perspectiva realista se asume que el tiempo subjetivo no es un tiempo real, sino
una mera elaboracin de la conciencia, que en ella se expresa como la unidad de pasado,
presente y futuro, en tanto que el tiempo objetivo se considera centrado siempre en el
ahora. (COMTE-SPONVILLE, 2001: 35-36)
3
Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo
(orgs). Caderno de resumos & Anais do 6. Seminrio Brasileiro de Histria da
Historiografia O giro-lingustico e a historiografia: balano e perspectivas. Ouro
Preto: EdUFOP, 2012. (ISBN: 978-85-288-0286-3)
el tiempo, con sus partes inherentes, no existira como algo en el mundo, sino
nicamente como algo en la consciencia o, como dira San Agustn, en el alma. As,
desde el punto de vista de la fenomenologa, lo que el realismo entiende por tiempo del
mundo no sera ms que una objetivacin abusiva del tiempo de la conciencia que refleja
la cualidad proyectiva de la misma. (TOBOSO MARTN, 2009: 18-19)
4
Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo
(orgs). Caderno de resumos & Anais do 6. Seminrio Brasileiro de Histria da
Historiografia O giro-lingustico e a historiografia: balano e perspectivas. Ouro
Preto: EdUFOP, 2012. (ISBN: 978-85-288-0286-3)
(ou histrico), ou ainda entre chronos e kairos (dois termos gregos, de origem mitolgica, para
designar a ideia de tempo e que, de certa forma, ilustram, respectivamente, os aspectos
quantitativo e qualitativo). Assim, paulatinamente, reforada por oposio aps oposio, a
dicotomia entre as perspectivas objetivista e subjetivista foi se radicalizando, fazendo com
que tais abordagens fossem cada vez mais se repelindo e se excluindo mutuamente. Os
debates interminveis que acabaram opondo seus respectivos partidrios acabaram tornando-
se artificiais e estreis, como ocorre com toda aporia.
No obstante, principalmente a partir das ltimas dcadas do sculo XX, vieram
luz - a partir da prpria Filosofia, mas notavelmente das Cincias Sociais e Naturais, embora
em menor medida da Histria - alguns questionamentos contundentes e inovadores sobre o
carter reducionista dessa aporia, que acaba por circunscrever a reflexo sobre o tempo aos
seus domnios. Pode-se encontrar uma srie de estudos recentes sobre o tempo que, situados
em distintas reas do saber e apoiados em diferentes perspectivas tericas, buscaram oferecer
alguma alternativa de superao - ou de compatibilizao - dessa aporia filosfica3.
nesse contexto em que se insere a reflexo do socilogo alemo Norbert Elias
(1897-1990)4 sobre o tempo, veiculada por meio de uma srie de 46 breves ensaios,
publicados em forma de livro em 1984, sob o ttulo ber die zeit (Sobre o tempo - edio
brasileira de 1998)5. Logo na introduo desse livro, Elias esclarece o propsito da obra, que
seria, segundo ele, nada mais que oferecer
3
Nessa linha, apenas para citar alguns exemplos, h alguns estudos relativamente recentes como o dos filsofos
espanhis Mario TOBOSO MARTN (2004) e Sixto J. CASTRO RODRIGUEZ (2002), da sociloga
mexicana Guadalupe VALENCIA GARCA (2007), do psicanalista canadense Elliott JAQUES (1984), do
filsofo francs Andr COMTE-SPONVILLE (2001 e 2006), alm do historiador brasileiro Jos Carlos Reis
(1994 e 2008). E, por fim, um dos estudos mais conhecidos nessa perspectiva, e que seguramente influenciou
muitos outros na mesma linha, integra o terceiro volume da trilogia Tempo e Narrativa, do filsofo francs
Paul RICOEUR (1996), publicado originalmente na dcada de 1980, no qual ele prope o tempo histrico
como um terceiro tempo (mediador e de articulao) entre o tempo csmico e o tempo vivido.
4
Embora Norbert Elias praticamente dispense apresentaes, sobretudo no meio acadmico das cincias sociais
e humanas de uma forma geral, registro que ele nasceu em Breslau em 1897 e morreu em Amsterdam em
1990. Socilogo alemo, estudou medicina, filosofia e psicologia nas universidades de Breslau e Heidelberg.
Mais tarde, trabalhou com Karl Mannheim em Frankfurt. Abandonou a Alemanha nazista em 1933, indo
primeiro para a Frana e depois para a Inglaterra, onde foi professor de sociologia na Universidade de
Leicester (1945-62) e mais tarde na Universidade de Gana (1962-4) e no Zentrum fr Interdisziplinre
Forschung in Bielefeld. Desenvolveu uma abordagem que chamou sociologia figuracional que examina o
surgimento das configuraes sociais, como consequncias inesperadas da interao social. Seu trabalho mais
conhecido O Processo Civilizador (2 vols.), analisando os efeitos da formao do Estado na Europa sobre os
costumes e a moral dos indivduos.
5
A primeira parte desses ensaios foi redigida em ingls e publicada em holands na revista De Gids, entre 1974
e 1975. Dez anos mais tarde, juntou-se a traduo desses primeiros ensaios a outros novos, bem como a uma
5
Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo
(orgs). Caderno de resumos & Anais do 6. Seminrio Brasileiro de Histria da
Historiografia O giro-lingustico e a historiografia: balano e perspectivas. Ouro
Preto: EdUFOP, 2012. (ISBN: 978-85-288-0286-3)
... elementos de interpretao dos smbolos sociais necessrios para permitir que nossa
interpretao do tempo abra caminho entre as alternativas filosficas tradicionais do
subjetivismo e do objetivismo, do nominalismo e do realismo. Assim, dever ser possvel
fornecer, aos indivduos submetidos a uma disciplina relativa dimenso do tempo, uma
compreenso melhor deles mesmos e da condio humana em geral. (ELIAS: 1998: 27)
introduo, que foram especialmente redigidos em alemo, visando publicao de todo o conjunto em forma
de livro, em 1984.
6
Apesar de Bloch t-lo afirmado com o propsito de destacar a importncia que tem para os historiadores a
categoria da durao, estabelecendo um contraponto entre o tempo da histria e o tempo de muitas outras
cincias. Para ele, enquanto o tempo dessas cincias representaria apenas uma medida, o tempo vivo da
histria, ao contrrio, seria o prprio plasma em que se engastam os fenmenos e como o lugar de sua
inteligibilidade. (BLOCH, 2001: 52-55) De certa forma, tem-se aqui ainda presente os ecos da dicotomia que
ora pretendo problematizar com a presente pesquisa.
6
Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo
(orgs). Caderno de resumos & Anais do 6. Seminrio Brasileiro de Histria da
Historiografia O giro-lingustico e a historiografia: balano e perspectivas. Ouro
Preto: EdUFOP, 2012. (ISBN: 978-85-288-0286-3)
7
Embora reconhea forosamente o mrito de alguns estudos tericos, por parte de historiadores de ofcio, que
tomaram a questo do tempo como objeto central de sua anlise - como, por exemplo, os trabalhos de
KOSELLECK (1993: 2001) sobre o tempo histrico -, me pergunto, apenas como uma hiptese, se a maioria
dessas abordagens ainda no se encontraria limitada s premissas e parmetros estabelecidos pela aporia entre
tempo objetivo e tempo subjetivo, ao salientarem em demasia a especificidade do tempo histrico (ou dos
tempos histricos) a partir, quase que exclusivamente, da sua oposio a um tempo cosmolgico, ou seja, a
partir da crena de que a natureza externa ao homem e a realidade humana constituem dois universos
separados, independentes e, em certo sentido, antagnicos e incompatveis. (ELIAS, 1998: 70)
8
A propsito, bastante ilustrativo, pela sua fora de atualidade, o clssico e profundo questionamento
formulado h cerca de dezesseis sculos por Santo Agostinho, em suas Confisses: Que , pois, o tempo?
Quem poder explic-lo clara e brevemente? Quem o poder apreender, mesmo s com o pensamento, para
depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas
conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos tambm o
que nos dizem quando dele nos falam. O que , por conseguinte, o tempo? Se ningum mo perguntar, eu sei; se
o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, j no sei. (AGOSTINHO, 1984: 217-218)
9
Fenmeno que, ao que tudo indica, no se restringe apenas ao mbito brasileiro. Conquanto o amplo e rduo
trabalho prvio j realizado, de levantamento de fontes e bibliografia sobre o assunto, todavia no encontrei
qualquer referncia acerca de alguma pesquisa de flego sobre o conceito de tempo de Norbert Elias,
exceo de alguns pouqussimos artigos, como: VICENTE NAVARRO (2005); GUERRA MANZO (s/d) e
CHAZARRETA (2009).
7
Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo
(orgs). Caderno de resumos & Anais do 6. Seminrio Brasileiro de Histria da
Historiografia O giro-lingustico e a historiografia: balano e perspectivas. Ouro
Preto: EdUFOP, 2012. (ISBN: 978-85-288-0286-3)
10
Jos Carlos Reis sustenta a tese de que os tempos cosmolgico, biolgico, psicolgico e coletivo parecem
emergir uns dos outros, nessa ordem, numa superposio, sem meramente se justaporem. Segundo ele, As
condies cosmolgicas possibilitam a emergncia da vida biolgica, que possibilita a emergncia da vida
humana psicolgica e coletiva. O tempo coletivo , portanto, impensvel sem a condio anterior do tempo
psicolgico individual, que impensvel sem a condio anterior do tempo biolgico, que impensvel sem
as condies cosmolgicas. Baseando-se nesse raciocnio, o tempo cosmolgico impor-se-ia aos outros tempos
e ao tempo da conscincia, em particular. Em seguida, afirma que se essa articulao entre os nveis parece
razovel, ela no resolve, entretanto, o problema da articulao entre o tempo da natureza e o tempo da
conscincia. H um momento, que desconhecido, em que h uma ruptura... (REIS, 1994: 71)
11
Apesar de Ricoeur, por outro lado, desconsiderar a possibilidade de uma explicao terica para o tempo, ou
seja, segundo ele, ou se analisa o tempo na perspectiva objetivista, excluindo a subjetivista, ou vice-versa. Em
outras palavras, o dualismo do tempo, continuaria sendo, assim, para o filsofo francs, algo insupervel. (Cf.
REIS, 1994: 59)
8
Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo
(orgs). Caderno de resumos & Anais do 6. Seminrio Brasileiro de Histria da
Historiografia O giro-lingustico e a historiografia: balano e perspectivas. Ouro
Preto: EdUFOP, 2012. (ISBN: 978-85-288-0286-3)
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
11
Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo
(orgs). Caderno de resumos & Anais do 6. Seminrio Brasileiro de Histria da
Historiografia O giro-lingustico e a historiografia: balano e perspectivas. Ouro
Preto: EdUFOP, 2012. (ISBN: 978-85-288-0286-3)
12