Louco para Amar

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LOUCO PARA AMAR

SAM SHEPARD
LOUCO PARA AMAR

CENRIO: Quarto de motel barato e despojado, beira do Deserto


Monjave. Paredes de gesso verdes e desbotadas. Piso de linleo marrom escuro.
Sem tapetes. Cama de solteiro com quatro colunas de lato, colocada
horizontalmente platia, levemente descentralizada, para favorecer a direita do
palco. Cama coberta com colcha de chenile azul, desbotada. Mesa de metal com
tampo de frmica amarela bem gasta. Duas cadeiras de metal combinando,
rebuscadas, no estilo dos anos 50, com encosto e assento amarelos de plstico,
tambm gastos. Mesa colocada no extremo esquerdo do palco no primeiro plano
(do ponto de vista do ator). As cadeiras esto no ltimo e no primeiro plano
junto mesa. No h nada sobre a mesa. Porta da rua amarela desbotada no
centro da parede esquerda do palco. Quando esta porta aberta, uma pequena
luz amarela do alpendre ilumina o palco. Porta amarela do banheiro direita da
parede direita do palco. No incio esta porta esta entreaberta, revelando parte de
uma antiquada pia de porcelana, toalhas brancas, uma confuso geral de
pertences femininos e deixando uma luz amarela derramar-se pelo palco. Uma
janela grande pintada no centro da parede do ltimo plano do palco, emoldurada
por cortinas de plstico verde escuro, compridas e sujas. Luz amarelo-alaranjada
de uma lmpada da rua brilha atravs da janela.

No extremo esquerdo do primeiro plano, prxima mesa e s cadeiras,


h uma pequena plataforma colocada no mesmo nvel do palco. ~ piso preto e
est emoldurado por cortinas pretas. O nico objeto na plataforma uma cadeira
de balano de madeira de bordo virada para a direita do ltimo plano do palco.

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Um travesseiro sem fronha sobre o assento. Um velho cobertor de cavalos
furado est amarrado nas costas da cadeira de balano. A cor do cobertor deve
ser suavizada entre cinzentas e negras.

As luzes desaparecem. No escuro, ouve-se a msica Wake Up, de


Merle Haggard, do disco The Way I Am. As luzes acendem em resistncia so-
bre o palco, no ritmo da msica. O volume aumenta levemente com as luzes, at
chegar na marcao. A plataforma continua no escuro, apenas levemente
iluminada pelas luzes do palco. Trs atores aparecem.

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PERSONAGENS

O VELHO senta na cadeira de balano, virado para a direita, de forma


a ser apenas uma silhueta para a platia. Uma garrafa de usque est no cho, ao
seu lado. Ele pega a garrafa e coloca usque numa xcara de plstico e bebe. Tem
uma barba ruiva desalinhada, usa um velho e manchado chapu Stetson open-
road (o de aba curta), uma jaqueta acolchoada escura e desbotada pelo sol, com
o enchimento saindo nos cotovelos, calas xadrez preto e branco que so curtas
nas pernas, botas de cowboy escuras e gastas, um colete velho e camisa verde-
claro. Ele existe apenas na imaginao de MAY e EDDIE, apesar de poderem
falar com ele diretamente e perceberem sua presena fsica. O VELHO trata-os
como se todos eles existissem no mesmo lugar e ao mesmo tempo.

MAY senta na beira da cama, virada para a platia, ps no cho, pernas


abertas, cotovelos nos joelhos, mos penduradas frouxas e cruzadas entre os
joelhos, cabea inclinada para a frente, rosto virado para o cho. Est
absolutamente quieta e mantm esta atitude at falar. Usa uma saia comprida de
brim, camiseta branca grande e ps descalos com uma pulseira de prata no
tornozelo. Tem trinta e poucos anos.

EDDIE senta no ltimo plano do palco numa cadeira junto ~ mesa,


virado para MAY. Usa botas de cowboy gastas e enlameadas com uma biqueira
prateada de capataz na ponta e jeans justos, desbotados e gastos, com cheiro de
suor de cavalo. Camisa de cowboy marrom com botes de presso. Um par de
esporas est pendurado no cinto. Quando caminha, manca levemente e d a

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impresso de que raramente est fora de um cavalo. H uma peculiar impresso
de esgotamento em seu corpo no geral, como se tivesse envelhecido antes do
tempo. Tem trinta e tantos anos. No cho, entre seus ps, h uma tira de ca-
mura, como as que usam os domadores. Veste uma luva de camura na mo
direita e passa resina nela, tirando-a de um saquinho branco. Olha para MAY, e
enquanto faz isso, ignora O VELHO. A medida que a msica termina em fade,
ele se inclina, enfia a mo enluvada na ala da tira de camura e a torce, fazendo
um som estranho de estiramento, da frico da resina com o couro. A msica
termina, as luzes acendem. Ele puxa a mo para fora e remove as luvas.

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EDDIE (Sentado, atirando a luva sobre a mesa.) (Pausa curta.)

- May, escuta. May? No vou a lugar nenhum. T vendo? No fui


embora. Olha (Ela no olha). No sei por que voc no olha pra mim. Voc sabe
que sou eu. Quem mais voc acha que poderia ser? (Pausa.) Voc quer gua ou
alguma coisa? Hein? (Levanta-se, dirige-se cautelosamente at ela, passa a mo
suavemente sobre sua cabea, ela continua imvel.) May? Qual ? Voc no
pode s ficar sentada a, assim. H quanto tempo voc est sentada a, afinal de
contas? Quer que eu saia e compre alguma coisa pra voc? Batatas fritas ou algo
assim? (Ela subitamente agarra sua perna mais prxima com ambos os braos
e segura com fora, enterrando a cabea entre os joelhos dele.) No vou
embora. No te preocupa. No vou embora. Vou ficar bem aqui. J te disse isto.
(Ela aperta mais a perna dele, ele fica parado, passando suavemente a mo na
cabea dela.) May? Me larga, t legal? Benzinho! Vou te botar de volta na cama.
T legal? (Ela agarra a outra perna dele e aperta firmemente as duas.) Qual ?
Vou te botar na cama e fazer um pouco de ch quente ou coisa assim. Voc quer
um pouco de ch? (Ela sacode a cabea violentamente, ainda agarrando as
pernas dele.) Com limo? Um pouco de Qvomaltine? May, voc tem que me
largar, t legal? (Pausa, ento ela o empurra para longe e volta sua posio
original.) Agora deita e tenta relaxar. (Ele comea a tentar empurr-la
gentilmente sobre a cama enquanto puxa as cobertas. Ela levanta-se fu-
riosamente, pulando da cama, e investe contra ele com os punhos. Ele se retrai.
Ela volta para a cama, furiosa, e o encara com os olhos arregalados.

EDDIE (Depois de pausa.)

Voc quer que eu v embora?

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MAY

No!

EDDIE

Bem, o que voc quer ento?

MAY

Voc fede.

EDDIE

Eu fedo.

MAY

Fede mesmo.

EDDIE

Estou dirigindo h dias.

MAY

Teus dedos fedem.

EDDIE

Cavalos.

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MAY

Gata.

EDDIE

Qual , May?

MAY

Cheiram a metal.

EDDIE

No vou comear com esta merda.

MAY

Gata rica. Muito limpa.

EDDIE

, claro.

MAY

Voc sabe que verdade.

EDDIE

Eu vim saber se voc estava bem.

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MAY

No preciso de voc!

EDDIE

T legal. (Vira-se para sair, recolhe a luva e a tira de camura.) Tudo


bem.

MAY

No v!

EDDIE

T indo.

(SAI PELA PORTA ESQUERDA DO PALCO, BATENDO-A ATRS DELE.


A PORTA RESSOA.)

MAY (Grito agoniado.)

No v!

(ELA AGARRA O TRAVESSEIRO, APERTANDO-O CONTRA O PEITO E


ENTO ATIRA-SE DE CARA NA CAMA, GEMENDO E MOVENDO-SE
DE UM LADO PARA OUTRO COM OS COTOVELOS E OS JOELHOS.
OUVE-SE EDDIE VOLTANDO PELA PORTA ESQUERDA DO PALCO, L
FORA. ELA PULA PARA FORA DA CAMA, AGARRADA NO
TRAVESSEIRO, PRA DIREITA DA CAMA, VIRADA PARA A PORTA
ESQUERDA DO PALCO.) (EDDIE ENTRA PELA PORTA ESQUERDA,

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BATENDO-A ATRS DELE. DEIXOU A LUVA E A TIRA DE CAMURA
FORA. FICAM SE OLHANDO POR UM SEGUNDO. ELE FAZ UM MO-
VIMENTO NA DIREO DELA. MAY RECUA AO CANTO DIREITO DO
LTIMO PLANO DO PALCO, APERTANDO O TRAVESSEIRO CONTRA
O PEITO. EDDIE FICA ENCOSTADO NA PAREDE ESQUERDA, DE
FRENTE PARA ELA.)

EDDIE

O que que eu vou fazer? Hein? O que que devo fazer?

MAY

Voc sabe.

EDDIE

Qu?

MAY

Voc vai me apagar.

EDDIE

O que voc est falando?

MAY

Ou voc vai me apagar, ou vai mandar me apagar.

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EDDIE

Por que eu faria isso?

MAY

Porque eu estou no seu caminho.

EDDIE

No seja idiota.

MAY

Sou mais esperta do que voc e voc sabe disto. Posso cheirar seus
pensamentos antes mesmo que voc os pense.

(EDDIE MOVE-SE AO LONGO DA PAREDE AT O CANTO ESQUERDO


DO LTIMO PLANO DO PALCO. MAY MANTM SEU LUGAR NO
CANTO OPOSTO.)

EDDIE

May, estou tentando cuidar de voc. T legal?

MAY

No, no t. Voc est apenas se sentindo culpado. Covarde e culpado.

EDDIE

timo!

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(ELE DESCE PELA ESQUERDA AT A MESA, MANTENDO-SE JUNTO
PAREDE. PAUSA.)

MAY (Falando baixo, parada no canto.)

Vou mat-la, sabe?

EDDIE

Quem?

MAY

Quem!

EDDIE

No fale assim.

(MAY COMEA A SE MOVER VAGAROSAMENTE PARA O PRIMEIRO


PLANO DO PALCO ENQUANTO EDDIE VAI SIMULTANEAMENTE
PARA A ESQUERDA. AMBOS PRESSIONAM A PAREDE ENQUANTO SE
DESLOCAM.)

MAY

Vou mesmo. Vou mat-la e ento vou te matar. Um depois do outro. Com
facas afiadas. Duas facas diferentes. Uma para ela e uma para voc (Bate na
parede com o cotovelo. A parede ressoa.) Pro sangue no se misturar. Mas antes
vou tortur-la. A voc no. Com voc vai ser direto. Provavelmente no meio de
um beijo. Exatamente quando voc achar que minha ferida j est curada. Bem

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no instante em que voc tiver certeza de que j me enrolou. a que voc vai
morrer. (Ela chega no canto direito do primeiro plano do palco, bem no limite
do cenrio. Eddie est no canto esquerdo do ltimo plano. Pausa.)

EDDIE

Voc sabe quantos quilmetros eu desviei do meu caminho s pra vir


aqui te ver? C tem alguma idia?

MAY

Ningum te pediu pra vir.

EDDIE

Dois mil, quatrocentos e oitenta.

MAY

? Onde voc estava? Em Katmandu, quem sabe?

(ELE DEIXA A CABEA CAIR PARA A FRENTE, OLHANDO O CHO.


PAUSA. ELA OLHA PARA ELE. ELE COMEA A SE DESLOCAR
VAGAROSAMENTE PARA A ESQUERDA, MANTENDO-SE JUNTO
PAREDE ENQUANTO FALA.)

EDDIE

Senti saudades de voc. Verdade. Senti mais saudades de voc do que


qualquer coisa antes na minha vida. Pensava em voc durante todo o tempo que
dirigia. Via voc. s vezes, s uma parte.

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MAY

Que parte?

EDDIE

Teu pescoo.

MAY

Meu pescoo?

EDDIE

MAY

Voc sentia saudades do meu pescoo?

EDDIE

Eu tinha saudades de voc inteira, mas teu pescoo continuava


aparecendo por alguma razo. Eu chorava pelo teu pescoo.

MAY

Chorava?

EDDIE (Pra ao lado da porta esquerda do palco. Ela fica direita, no


primeiro plano.)

. Chorava. Como um bebezinho. Incontrolvel. Comeava, parava e


comeava tudo de novo. Por quilmetros. No conseguia parar. Carros passavam

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por mim na estrada. As pessoas me olhavam. Minha cara toda retorcida. No
conseguia me controlar.

MAY

Isto foi antes ou depois do teu casinho com a Condessa?

EDDIE (Bate a cabea na parede. A parede ressoa.)

No houve nenhum caso com nenhuma Condessa!

MAY

Voc um mentiroso.

EDDIE

Levei ela pra jantar uma vez, t legal?

MAY

Ah!

(ELA DESLOCA-SE PARA A PAREDE DIREITA DO LTIMO PIANO DO


PALCO.)

EDDIE

Duas vezes.

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MAY

Voc estava trepando regularmente com ela! No vem com essa.

EDDIE

Voc pode acreditar no que quiser.

MAY (Pra ao lado da porta do banheiro, no lado oposto de EDDIE.)

Vou acreditar na verdade! menos confuso. (Pausa.)

EDDIE

Vou te levar de volta, May. (Ela atira o travesseiro sobre a cama e


dirige-se para o canto direito do ltimo plano do palco.)

MAY

No vou voltar para aquele trailer idiota se isso que voc est
pensando.

EDDIE

Vou mud-lo. Tenho um pedao de terra l no Wyoming.

MAY

Wyoming? T maluco? No vou me mudar para o Wyoming. O que h


por l? Os homens de Marlboro?

EDDIE

Voc no pode ficar aqui.

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MAY

Por que no? Tenho um emprego. Agora, sou uma cidad comum aqui.

EDDIE

Voc tem um emprego?

MAY (Desloca-se para a cabeceira da cama.)

. O que que voc acha, que eu sou intil?

EDDIE

No. Quero dizer, faz muito tempo que voc teve um trabalho.

MAY

Sou cozinheira.

EDDIE

Cozinheira? Voc no sabe nem fritar um ovo, sabe?

MAY

No vou mais falar com voc!

(ELA VIRA-SE DE COSTAS PARA ELE, CORRE PARA O BANHEIRO,


BATE A PORTA ATRS DELA. EDDIE VAI ATRS, TENTA ABRIR A
PORTA, MAS EST TRANCADA.)

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EDDIE (Na porta do banheiro.)

May, j tenho tudo planejado. Tenho pensado nisto h semanas. Vou


mudar o trailer. Vou construir um pequeno curral redondo para os cavalos. Fazer
uma grande horta. Ter algumas galinhas, talvez.

VOZ DE MAY (No aparece, fica atrs da porta do banheiro.)

Odeio galinhas! Odeio cavalos! Odeio toda esta merda! Voc sabe disto.
Voc me confundiu com outra pessoa. Voc continua com esse inacreditvel
sonho de vida rural com galinhas e verduras e eu no consigo suportar. Me faz
ter vontade de vomitar s de pensar nisso.

EDDIE (EDDIE, que atravessou a esquerda do palco enquanto isso acontece,


pra junto mesa.)

Voc vai se acostumar.

MAY (Sai do banheiro.)

Voc inacreditvel.

(BATE A PORTA DO BANHEIRO, ATRAVESSA O PALCO AT A


JANELA.)

EDDIE

No vou largar voc desta vez, May.

(SENTA NA CADEIRA JUNTO MESA, NO LTIMO PLANO DO


PALCO.)

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MAY

Pra comear, voc nunca me segurou. (Pausa) Quantas vezes voc j me


fez isso?

EDDIE

O qu?

MAY

Me arrastou numa fantasiazinha idiota qualquer e ento me largou como


uma pedra que queima. Quantas vezes isso j aconteceu?

EDDIE

No nenhuma fantasia.

MAY

tudo fantasia.

EDDIE

E tambm eu nunca te larguei.

MAY

No, s desapareceu!

EDDIE

Eu t aqui agora, no t?

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MAY

Bem, graas a Deus!

EDDIE

Vou tomar conta de voc, May. Vou mesmo. Vou ficar junto de voc,
acontea o que acontecer. Prometo.

MAY

Sai daqui. (Pausa.)

EDDIE

Por que voc partiu e fugiu, hein?

MAY

Fugi? Eu?

EDDIE

. Por que voc no conseguiu ficar parada no mesmo lugar? Voc sabia
que eu voltaria pra te buscar.

MAY

(Dirige-se para a cabeceira da cama.) O que que voc acha de


ficar sentado num trailer de lata por semanas a fio, com o vento rasgando atravs
dele? Esperando o Butano chegar. Pegando carona para a lavanderia na chuva.
Voc acha que emocionante?

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EDDIE (Ainda sentado)

Comprei todas aquelas revistas pra voc.

MAY

Que revistas?

EDDIE

Comprei todo um estoque daquelas revistas de moda antes de ir. Pensei


que voc gostasse delas. Daquelas francesas.

MAY

, gostei especialmente daquela com a Condessa na capa. Foi um amor.

(PAUSA.)

EDDIE

Tudo bem. (Levanta-se.)

MAY

Tudo bem, o qu!

(ELE VIRA-SE PARA SAIR PELA PORTA ESQUERDA DO PALCO.)

MAY

Onde voc vai?

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EDDIE

S pegar as minhas coisas no caminho. J volto.

MAY

Voc est se mudando pra c ou coisa assim?

EDDIE

Bem, pensei em passar a noite, se no houver problema.

MAY

T brincando!

EDDIE(Abre a porta.)

Ento vou embora, eu acho.

MAY (Levanta-se.)

Espera.

(ELE FECHA A PORTA. FICAM OLHANDO UM PARA O OUTRO POR


UM MOMENTO. ELA DIRIGE-SE VAGAROSAMENTE AT ELE. PRA.
ELE D ALGUNS PASSOS NA DIREO DELA. PRA. AMBOS SE
APROXIMAM. PARAM. PAUSA ENQUANTO OLHAM UM PARA O
OUTRO. ABRAAM-SE. BEIJO LONGO E CARINHOSO. SO MUITO
SUAVES UM COM O OUTRO. ELA O EMPURRA DE LEVE. SORRI.
OLHA-O DIRETO NOS OLHOS. ENTO, D-LHE UMA JOELHADA NA
VIRILHA COM MUITA FORA. EDDIE DOBRA-SE E CAI COMO UMA

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PEDRA. ELA FICA DE P SOBRE ELE. PAUSA.)

MAY

Voc pode agentar, no? um bom doubl. (Entra no banheiro,


direita do palco, batendo a porta atrs dela. A porta amplificada com micro
fone e bumbo escondidos na moldura. Assim, cada vez que um ator bate a porta,
ela ressoa sonora e longamente. O mesmo vale para a porta esquerda do palco.
EDDIE continua no cho, segurando o estmago, com dor. As luzes diminuem
para a metade de sua intensidade, medida que um spot acende suavemente
sobre o VELHO. Este fala direto para EDDIE.)

VELHO

Pensei que voc fosse um fantasista, certo? O problema com voc no


basicamente este? Voc sonha as coisas. No verdade?

EDDIE (No cho)

No sei.

VELHO

Voc no sabe! Bem, se voc no sabe, no sei quem, diabos, saberia.


Quero te mostrar uma coisa. Uma coisa real, certo? Uma coisa de verdade.

EDDIE

Claro.

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VELHO

D uma olhada naquele quadro na parede l. (Aponta para a parede


direita do palco. No h quadro nenhum, mas EDDIE olha a parede.) Voc t
vendo? D uma boa olhada. T vendo?

EDDIE (Olhando a parede)

T.

VELHO

Voc sabe quem ?

EDDIE

No tenho certeza.

VELHO

Barbara Mandrell. quem ela . Barbara Mandrell. J ouviu falar dela?

EDDIE

Claro.

VELHO

Bom, voc me acreditaria se eu te contasse que fui casado com ela?

EDDIE (Pausa)

No.

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VELHO

Bem, veja, a est a diferena. Isto realismo. Sou realmente casado com
Barbara Mandrell na minha cabea. Voc entende isso?

EDDIE

Claro.

VELHO

Bom. Fico feliz por nos entendermos.

(O VELHO BEBE DE SUA XCARA. O SPOT SE APAGA DEVAGAR


ENQUANTO AS LUZES DO PALCO VOLTAM TOTALMENTE. A DEIXA
DAS MUDANAS DE LUZ DADA PELA ABERTURA E FECHAMENTO
DAS PORTAS. MAY SAI DO BANHEIRO, FECHA A PORTA DEVAGAR.
EST CARREGANDO UM VESTIDO VERMELHO LISO, MEIA-CALA,
UM PAR DE SAPATOS DE SALTO ALTO, UMA BOLSA PRETA E UMA
ESCOVA DE CABELO. VAI AT O P DA CAMA, ATIRA AS ROUPAS L.
PENDURA A BOLSA NUMA COLUNA DA CAMA, SENTA NELA DE
COSTAS PARA EDDIE E COMEA A ESCOVAR O CABELO. EDDIE
CONTINUA NO CHO. MAY TERMINA DE ESCOVAR O CABELO,
ATIRA A ESCOVA NA CAMA, E ENTO COMEA A TIRAR SUAS
ROUPAS E A VESTIR AS ROUPAS QUE TROUXE PARA O PALCO.
MEDIDA QUE FALA COM EDDIE E MUDA AS ROUPAS NOVAS,
TRANSFORMA-SE GRADUALMENTE DA MULHER SECA E
RELAXADA DE ANTES EM UMA MULHER MUITO SENSUAL. ISTO
OCORRE QUASE IMPERCEPTIVELMENTE NO CURSO DE SUA FALA.)

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MAY (Voz muito fria, rpida, quase montona, como se estivesse escrevendo
uma carta para ele.)

No entendo meus sentimentos. De verdade. No entendo como pude te


odiar tanto, depois de tanto tempo. Como, mesmo no querendo te odiar, te
odeio ainda mais. algo que cresce. No consigo nem sequer olhar para voc
agora. Tudo o que vejo de voc um quadro. Voc e ela. Nem sei mais se o
quadro real. No me importo. um quadro imaginado. Invade a minha cabea.
Vocs dois. E este quadro di mais do que se realmente eu tivesse visto voc
com ela. Me corta. Me corta to profundamente que no consigo superar. E
tambm no consigo me livrar deste quadro. Ele apenas surge. Sem ser
convidado. Como uma pequena tortura. Te culpo mais por esta pequena tortura
do que pelo que voc fez.

EDDIE (Levantando-se devagar.)

Vou embora.

MAY

melhor.

EDDIE

Por qu?

MAY

Porque sim.

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EDDIE

Pensei que voc quisesse que eu ficasse.

MAY

Vem algum aqui.

EDDIE (Pausa curta, de p.)

Aqui?

MAY

, aqui. Onde mais?

EDDIE (Faz um movimento em direo a ela no ltimo plano do palco.)

Voc tem visto algum?

MAY (Move-se rapidamente para a esquerda no primeiro plano do palco e


cruza para a direita.)

Quando foi a ltima vez que estivemos juntos, Eddie? Hein? Consegue
se lembrar h quanto tempo?

EDDIE

Quem voc tem visto?

(DIRIGE-SE VIOLENTAMENTE PARA ELA.)

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MAY

No me toque! Nem mesmo pense nisto.

EDDIE

H quanto tempo voc tem visto ele?

MAY

Que diferena faz?

(PAUSA CURTA. ELE OLHA PARA ELA, VIRA-SE SUBITAMENTE, SAI


PELA PORTA ESQUERDA DO PALCO E BATE-A ATRS DELE. A PORTA
RESSOA.)

MAY

Eddie! Aonde voc vai? Eddie!

(PAUSA CURTA. ELA VAI ATRS DE EDDIE, VIRA-SE RPIDO E VAI


AT A JANELA. ABRE AS VENEZIANAS, OLHA PELA JANELA, VOLTA
PARA O QUARTO. CORRE PARA O LADO DA CAMA NO LTIMO
PLANO DO PALCO, AJOELHA-SE, TIRA UMA MALA DEBAIXO DA
CAMA, ATIRA-A SOBRE A CAMA, ABRE-A. CORRE PARA O BANHEIRO
E DESAPARECE, DEIXANDO A PORTA ABERTA. VOLTA COM VRIAS
PEAS DE ROUPA, ATIRA-AS NA MALA, VIRA-SE COMO SE FOSSE
VOLTAR AO BANHEIRO. PRA. OUVE EDDIE EM OFF ESQUERDA.
FECHA RPIDO A MALA, EMPURRA-A OUTRA VEZ PARA DEBAIXO
DA CAMA. SENTA NA CAMA. LEVANTA-SE DE NOVO. CORRE PARA O

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BANHEIRO, RETORNA COM A ESCOVA DE CABELO, BATE A PORTA
DO BANHEIRO. COMEA A ESCOVAR O CABELO COMO SE
ESTIVESSE FAZENDO ISTO DURANTE TODO O TEMPO. SENTA NA
CAMA ESCOVANDO O CABELO. EDDIE ENTRA ESQUERDA DO PAL-
CO, BATENDO A PORTA ATRS DELE, A PORTA RESSOA. FICA
PARADO L, SEGURANDO UMA ESPINGARDA CALIBRE 10 NUMA
MO E UMA GARRAFA DE TEQUILA NA OUTRA. DIRIGE-SE PARA A
CAMA, ONDE ATIRA A ESPINGARDA, AO LADO DE MAY.)

MAY (Levanta-se, vai at o ltimo plano do palco, pra de escovar o cabelo.)

Ah, maravilhoso. O que voc vai fazer com isto?

EDDIE

Limpar.

(ABRE A GARRAFA.)

EDDIE

Voc tem copos?

MAY

No banheiro.

EDDIE

O que eles esto fazendo no banheiro?

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(EDDIE DIRIGE-SE PARA A PORTA DO BANHEIRO COM A GARRAFA.)

MAY

Guardo tudo no banheiro. mais seguro.

EDDIE

Voc quer um pouco disto?

MAY

Estou de recesso.

EDDIE

Bom. J era tempo.

(ELE ENTRA NO BANHEIRO. MAY VOLTA PARA A CAMA, OLHA A


ESPINGARDA.)

MAY

Eddie, a pessoa que vem aqui muito simples. No nem um pouco


maliciosa. (Pausa.) Eddie?

VOZ DE EDDIE (0ff.)

Onde esto os malditos copos?

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MAY

No armarinho dos remdios.

VOZ DE EDDIE

Que merda esto fazendo no armarinho dos remdios?

(SOM DO ARMARINHO SENDO ABERTO E FECHADO COM FORA.)

MAY

No h germes no armarinho dos remdios!

VOZ DE EDDIE

Germes.

MAY

Eddie, voc me ouviu?

(EDDIE ENTRA COM UM COPO, SERVE TEQUILA AT ENCH-LO


ENQUANTO SE DIRIGE PARA A MESA NO PRIMEIRO PLANO
ESQUERDO DO PALCO.)

MAY

Voc ouviu o que eu disse, Eddie?

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EDDIE

Sobre o qu?

MAY

Sobre o homem que vem aqui.

EDDIE

Que homem?

MAY

Ah, que saco!

(EDDIE COLOCA A GARRA/A DE TEQUILA NA MESA, ENTO SENTA


NA CADEIRA NO LTIMO PLANO DO PALCO. TOMA UM LONGO
GOLE DO COPO. IGNORA O VELHO.)

EDDIE

Primeiro, no pode ser srio.

MAY

Ah ? Por que no?

EDDIE

Porque voc o chamou de um homem.

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MAY

E como deveria cham-lo?

EDDIE

Um cara ou algo assim. Se voc chamasse ele de cara, eu ficaria


preocupado, mas j que voc o chamou de homem, voc se entregou. Voc se
coloca numa situao ridcula com esse cara ao cham-lo de homem. Voc
ficou por baixo.

MAY

Que merda voc sabe sobre isso?

EDDIE

Esse cara tem que ser um medocre. Um cretino intil metido num terno
vagabundo ou algo assim.

MAY

Qualquer um que no se mate caindo de cavalos ou pulando em cima de


terneiros um medocre pra voc.

EDDIE

isso mesmo.

MAY

E voc, o que acha que , um cara ou um homem?

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(EDDIE ABAIXA O COPO DEVAGAR. OLHA PARA ELA. PAUSA. SORRI
E ENTO FALA BAIXO E DELIBERADAMENTE.)

EDDIE

Vou te dizer. Vamos apenas esperar que este homem venha aqui. Ns
dois. Vamos ficar bem aqui e esperar. Ento voc vai julgar.

MAY

Por que tudo uma grande competio para voc? Ele no est
competindo com voc. Ele nem mesmo sabe que voc existe.

EDDIE

Voc pode me apresentar.

MAY

No vou te apresentar. Definitivamente no vou te apresentar. Ele vai


ficar muito embaraado de me encontrar aqui com outra pessoa. Alm disso, eu
recm o conheci.

EDDIE

Embaraado?

MAY

, embaraado. uma pessoa muito sensvel.

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EDDIE

mesmo? Bem, eu prprio sou uma pessoa muito sensvel. Meus


sentimentos so perturbados facilmente.

MAY

Que sentimentos?

(EDDIE SILENCIA, TOMA UM GOLE) ENTO LEVANTA-SE DEVAGAR


COM O COPO, DEIXA A GARRAFA SOBRE A MESA E DIRIGE-SE PARA
A CAMA, COLOCA O COPO NO CHO, PEGA A ESPINGARDA E
COMEA A DESMONT-LA. MAY OLHA-O ATENTAMENTE.)

MAY

Voc no pode continuar brincando comigo assim. J foi longe demais.


No agento mais. Fico doente cada vez que voc aparece. Da, fico doente
quando voc parte. Voc como uma doena pra mim. Alm disso, no tem
direito de ter cimes de mim, depois de toda a merda que passei contigo.

(PAUSA. EDDIE MANTM A ATENO NA ESPINGARDA ENQUANTO


FALA COM ELA.)

EDDIE

Temos um pacto.

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MAY

Ai, meu Deus!

EDDIE

Fizemos um pacto.

MAY

No h nada entre ns dois agora!

EDDIE

Ento, por que est to nervosa?

MAY

No estou nervosa.

EDDIE

Voc est fora de si.

MAY

Voc est me deixando louca. Voc est me deixando completamente


louca!

EDDIE

Voc sabe que estamos ligados um ao outro, May. Ficaremos sempre


ligados. Isso foi decidido h muito tempo atrs.

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MAY

Nada foi decidido! Voc inventou tudo isso.

EDDIE

Voc sabe o que aconteceu.

MAY

Voc me prometeu que tudo estava terminado. No pode comear tudo


de novo. Voc prometeu.

EDDIE

Uma promessa no pode parar algo assim. Aconteceu.

MAY

Nada aconteceu! Nunca aconteceu nada.

EDDIE

Inocente at o fim.

MAY (Pausa, controlada.)

Eddie, quer fazer o favor de ir embora? Agora.

EDDIE

Mais cedo ou mais tarde voc vai se tocar.

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MAY

Quero que voc v embora.

EDDIE

Antes, voc no queria que eu fosse.

MAY

Agora eu quero que voc v. No por causa deste sujeito. s.

EDDIE

O qu?

MAY

Burro. Voc j deveria saber.

EDDIE

Voc acha, ?

MAY

Ser sempre a mesma coisa. Ficaremos juntos por algum tempo e depois
voc cair fora.

EDDIE

Cairei fora.

38
MAY

Sim. Voc sabe disto. Voc s me quer agora porque estou vendo outra
pessoa. Logo que acabar, voc ir embora outra vez.

EDDIE

Eu no vim aqui porque voc est vendo outra pessoa! No me interessa


quem voc est vendo. Voc nunca vai me substituir e sabe disso!

MAY

Sai daqui!

(LONGO SILNCIO. EDDIE LEVANTA O COPO E BRINDA, BEBE


VAGAROSAMENTE AT O FIM. COLOCA O COPO SUAVEMENTE NO
CHO.)

EDDIE (Sorri para ela.)

T legal.

(LEVANTA-SE VAGAROSAMENTE, PEGA OS PEDAOS DA


ESPINGARDA. FICA DE P OLHANDO PARA OS PEDAOS DA
ESPINGARDA POR UM INSTANTE. MAY APROXIMA-SE UM POUCO
DELE.)

MAY

Eddie...

39
(ELE VIRA A CABEA E OLHA PARA ELA. ELA CONGELA.)

EDDIE

Voc uma traidora.

(SAI PELA ESQUERDA COM A ESPINGARDA. BATE A PORTA. A PORTA


RESSOA. MAY CORRE PARA A PORTA.)

MAY

Eddie!!

(ATIRA-SE CONTRA A PORTA ESQUERDA DO PALCO. ESTENDE OS


BRAOS E AGARRA AS PAREDES. CHORA E COMEA A MOVER-SE
DEVAGAR AO LONGO DA PAREDE ESQUERDA DO PALCO PARA O
LTIMO PLANO AT O CANTO, ABRAANDO A PAREDE ENQUANTO
MOVE-SE E CHORA. O VELHO COMEA A CONTAR SUA HISTRIA
ENQUANTO MAY SE DESLOCA PELA PAREDE. ELE APONTA DIRETO
PARA ELA, COMO SE ELA FOSSE UMA CRIANA. MAY CONTINUA
ENVOLTA EM SUA EMOO DE PERDA E CONTINUA A DESLOCAR-
SE PELO QUARTO, AGARRANDO AS PAREDES DURANTE O CURSO
DA HISTRIA, AT CHEGAR NO CANTO DIREITO DO PRIMEIRO
PLANO DO PALCO. CAI DE JOELHOS.) (VAGAROSAMENTE, NO
CURSO DO LAMENTO DE MAY, O SPOT ACENDE SUAVEMENTE
SOBRE O VELHO E AS LUZES DO PALCO DIMINUEM PELA METADE,
OUTRA VEZ.)

40
VELHO

Sabe, uma coisa eu nunca vou esquecer. Nunca esquecerei disto


enquanto viver e nem mesmo sei por que me lembrei, exatamente. Uma vez,
estvamos dirigindo pelo Sul de Utah, eu acho. Eu, voc e sua me, naquele
velho Plymouth que tnhamos. Lembra do Plymouth? Tinha um pequeno
ornamento de plstico no cap. Acho que era uma rplica do Mayflower.
Alguma espcie de barco. Bom, tnhamos andado toda a noite e voc dormia no
banco da frente. De repente, acordou chorando. Se finando por alguma coisa.
No sei o que era. Talvez um pesadelo. Acordou sua me e ela foi para o banco
de trs com voc pra tentar te acalmar. Mas voc no calava a boca de jeito
nenhum. S chorava. Da, parei o Plymouth do lado da estrada. No meio do
nada. No consigo nem me lembrar onde era exatamente. Tudo estava preto
como breu. Tirei voc do banco de trs e te levei para o campo. Pensei que o ar
gelado pudesse aquietar voc um pouquinho. Mas voc continuava s uivando.
Da, de repente, vi uma coisa se mexer l fora. Alguma coisa maior que ns dois
juntos. E comeou a se mover lentamente em nossa direo.

(MAY COMEA A ENGATINHAR VAGAROSAMENTE DO CANTO


DIREITO PARA A CAMA. QUANDO ATINGE A CAMA, AGARRA O
TRAVESSEIRO E O ABRAA, AINDA DE JOELHOS. BALANA-SE
PARA FRENTE E PARA TRS, ABRAANDO O TRAVESSEIRO
ENQUANTO O VELHO CONTINUA.)

E ento, a ela comearam a se juntar coisas exatamente iguais. A mesma


forma e tudo. Estava to escuro l fora que mal conseguia vislumbrar minha
prpria mo. Mas estas coisas meio que comearam a se mexer nossa volta,
vindas de todas as direes, formando um crculo imenso. E eu fiquei parado

41
quieto e voltei para o carro para ver se sua me estava bem. Mas no conseguia
mais ver o carro. Da, chamei por ela. Chamei o nome dela alto e claro. E ela me
respondeu de dentro da escurido. Gritou para mim. E, em seguida, aquelas
coisas comearam a fazer mu. Todas comearam a fazer mu.

(FAZ O SOM DE UMA VACA.)

E da, l estvamos, parados duros no meio de um maldito rebanho de


gado. Bem, nunca vi um beb se aquietar to rpido. Voc no deu mais um pio
depois disto. Todo o resto da viagem.

(MAY PRA DE BALANAR-SE ABRUPTAMENTE. DE REPENTE, MAY


OUVE EDDIE, (FORA), ESQUERDA. AS LUZES DO PALCO VOLTAM
SUBITAMENTE. O SPOT NO VELHO APAGA. ELA LEVANTA-SE NUM
PULO, ESQUECENDO COMPLETAMENTE SEU SOFRIMENTO,
HESITA UM SEGUNDO E ENTO CORRE PARA A CADEIRA DO
LTIMO PLANO DO PALCO E SENTA. TOMA UM GOLE DIRETO DA
GARRAFA, BATE A GARRAFA NA MESA, INCLINA-SE PARA TRS NA
CADEIRA E OLHA PARA A GARRAFA COMO SE ESTIVESSE SENTADA
ASSIM O TEMPO TODO, DESDE QUE ELE SAIU. EDDIE ENTRA
RAPIDAMENTE DA PORTA ESQUERDA TRAZENDO DUAS CORDAS
DE LAAR. BATE A PORTA. A PORTA RESSOA. ELE IGNORA
COMPLETAMENTE MAY. ELA IGNORA-O COMPLETAMENTE E
CONTINUA OLHANDO PARA A GARRAFA. ELE VAI AT A CAMA,
ATIRA UMA DAS CORDAS SOBRE A CAMA E COMEA A FAZER UM
LAO COM A OUTRA CORDA, DANDO O N COM A MO ESQUERDA
DE FORMA A FAZER UM SOM SIBILANTE DE COBRA QUANDO PASSA

42
PELO LAO. AGORA, ELE COMEA A PRESTAR ATENO EM MAY
ENQUANTO CONTINUA A BRINCAR COM A CORDA. ELA CONTINUA
OLHANDO A GARRAFA DE TEQUILA.)

EDDIE

Decidiu saltar fora do trem, hein?

(GIRA O LAO SOBRE A CABEA, ENTO LAA UMA DAS COLUNAS


DA CAMA, PUXANDO A CORDA SECAMENTE COM A MO DIREITA.
TIRA O LAO DA COLUNA DA CAMA, O REFAZ, GIRA E LAA OUTRA
COLUNA. CONTINUA SUA VOLTA PELA DIREITA AO REDOR DA
CAMA, LAANDO TODAS AS COLUNAS SEM ERRAR. MAY TOMA
OUTRO GOLE E ABAIXA A GARRAFA SUAVEMENTE.)

MAY (Ainda sem olhar para ele.)

O que voc est fazendo?

EDDIE

Praticando um pouco. O cara tem que ficar em forma hoje em dia. J tm


garotos que laam terneiros em 6 segundos cravados. D pra acreditar? Seis, e
sem choro. Voando das selas no lado da mo direita como um bando de Macacos
Aranha. Vou te falar, j transformaram isto em cincia.

(CONTINUA A LAAR AS COLUNAS DA CAMA, ANDANDO VOLTA DA


CAMA EM CRCULOS.)

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MAY (Insipidamente, olhando a garrafa.)

Pensei que voc ia embora. Voc no disse que ia embora?

EDDIE (Enquanto laa.)

Bem, , eu ia. Mas ento me ocorreu subitamente no meio do


estacionamento, l fora, que provavelmente no venha nenhum homem aqui.
Provavelmente no venha nenhum homem, nenhum cara ou ningum aqui.
Voc inventou tudo.

MAY

Por que eu faria isto?

EDDIE

S pra se igualar.

(ELA VOLTA-SE PARA ELE VAGAROSAMENTE NA CADEIRA, TOMA


UM GOLE, OLHA-O E ENTO COLOCA A GARRAFA SOBRE A MESA.)

MAY

Nunca vou me igualar a voc.

(ELE RI, VAI AT A MESA, TOMA UM LONGO GOLE DA GARRAFA,


ATIRA A CABEA PRA TRS, GARGAREJA. ENGOLE, D UM SALTO
MORTAL DE COSTAS E BATE NA PAREDE DIREITA DO PALCO.)

44
MAY

Ento, agora vamos ficar bem malvados e mal-comportados, no isto?


Como nos velhos tempos.

EDDIE

Bem, ainda no larguei as rdeas, voc sabe. Tenho sido bem-


comportado. Tenho mesmo. Sem trago. Sem brigas. Sem mulheres. Sem nada.
Tenho sido um tipo de cara muito chato, na real. Acho que devo isto a mim
mesmo. Gota a gota. (Volta a laar a cama. Ela apenas o olha da cadeira.)

MAY

Por que voc est fazendo isto?

EDDIE

J te falei. Preciso treinar.

MAY

No quero dizer isto.

EDDIE

Bem, ento diz o que voc quer dizer, benzinho.

MAY

Por que voc est fazendo tudo isto de novo, como se estivesse tentando
me impressionar ou qualquer coisa assim? Como quando nos conhecemos. o
mesmo papo de merda do tempo do colgio.

45
EDDIE (Ainda laando.)

Bem, apenas um testemunho do meu amor, viu, baby? Quero dizer, se


eu parasse de tentar te impressionar, estaria tudo acabado, no?

MAY

Est tudo acabado.

EDDIE

Voc tambm est tentando me impressionar, no?

MAY

Voc me conhece por dentro e por fora. No tenho nada de novo pra te
mostrar.

EDDIE

Voc tem esse cara que vem aqui. Esse cara novo. muito
impressionante. Pensei que voc estava atirada s traas, agora.

MAY

Ah, muito obrigada.

EDDIE

O que ele , um homem jovem?

MAY

No da sua conta.

46
EDDIE

Voc j comeu ele?

(ELA LANA UM OLHAR DURO E O PARALISA COM OS OLHOS.)

EDDIE

J? S estou curioso. (Pausa.) No precisa me contar. J sei.

MAY

Voc como uma criancinha, no? Uma criana ciumenta e manhosa.

(EDDIE RI, COSPE, FAZ CARA DE CRIANA MANHOSA, CONTINUA


LAANDO A CAMA.)

EDDIE

Espero que esse cara venha. Eu realmente espero que sim. Quero v-lo
entrar por aquela porta.

MAY

O que voc vai Lazer?

(ELE PRA DE LAAR, VIRA-SE PARA ELA. SORRI.)

EDDIE

Vou fincar o cu dele no cho. Direto.

47
(ELE LAA SUBITAMENTE A CADEIRA NO PRIMEIRO PLANO DO
PALCO, BEM AO LADO DE MAY. PUXA O LAO E A CADEIRA
VIOLENTAMENTE EM DIREO CAMA. PAUSA. OLHAM UM PARA
O OUTRO. MAY LEVANTA-SE RAPIDAMENTE, VAI AT A CAMA, PEGA
A BOLSA, PENDURA-A NO OMBRO E DIRIGE-SE PARA A PORTA
ESQUERDA DO PALCO.)

MAY

No vou ficar aqui pra isso.

(SAI PELA PORTA ESQUERDA, DEIXANDO-A ABERTA. EDDIE CORRE


PARA FORA DO PALCO ATRS DELA.)

EDDIE

Onde voc vai?

MAY (0ff, esquerda.)

Tira as mos de mim!

EDDIE: (0ff, esquerda.)

Espera um segundo, espera um segundo. S um segundo, t legal?

(MAY GRITA. EDDIE CARREGA-A DE VOLTA PARA O PALCO,


GRITANDO E DANDO PONTAPS. ELE COLOCA-A NO CHO E BATE A
PORTA. MAY AFASTA-SE PARA A DIREITA, AJEITANDO O VESTIDO.)

48
EDDIE

Vou te falar uma coisa. Vou ficar quieto. Vou ser bem legal. Vou mesmo.
Prometo. Vou ser igual a um gatinho, t legal? Voc pode me apresentar como
teu irmo ou coisa assim. Bem, talvez no como teu irmo.

MAY

Talvez no.

EDDIE

Teu primo. T legal? Serei teu primo. S quero conhec-lo. Da vou


embora. Prometo.

MAY

Por que voc quer conhec-lo? s um amigo.

EDDIE

S quero ver como voc tem andado ultimamente. Se pode dizer muito
sobre uma pessoa pela companhia que ela mantm.

MAY

Olha. Eu vou sair. Vou at o telefone pblico do outro lado da rua. Vou
telefonar e dizer pra ele esquecer tudo. T legal?

EDDIE

T. Vou arrumar as tuas coisas enquanto voc vai l.

49
MAY

Eu no vou com voc, Eddie!

(SUBITAMENTE, UM ARCO DE FARIS CRUZA O PALCO DO LTIMO


PLANO DIREITO DO PALCO, PELA JANELA. CRUZA SOBRE A
PLATIA E ENTO SE DISSOLVE ESQUERDA. DEVEM SER DOIS
RAIOS DE LUZ BRANCA FORTE, E NO FARIS REALISTAS.)

MAY

Ah, grande!

(CORRE PARA A JANELA, OLHA PARA FORA. EDDIE RI, TOMA UM


GOLE.)

EDDIE

Por que voc no corre l pra fora? Vai mesmo. Corre. Te atira nos
braos dele. Joga beijos ao luar.

(EDDIE RI, DIRIGE-SE AT A CAMA; PUXA UM PAR DE ESPORAS


VELHAS DO CINTO. SENTA. COMEA A COLOCAR AS ESPORAS NAS
BOTAS. IMPORTANTE QUE ESTAS ESPORAS PAREAM VELHAS E
USADAS, COM ROSETAS PEQUENAS, NO ESPORAS DE COWBOY DE
HISTRIA EM QUADRINHOS. MAY ENTRA NO BANHEIRO,
DEIXANDO A PORTA ABERTA.)

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MAY (0ff, direita.)

0 que voc est fazendo?

EDDIE

Colocando meus ganchos. Quero mostrar uma boa aparncia pra esse
homem. Dar a impresso certa. Afinal de contas, sou teu primo.

MAY (Saindo do banheiro.)

Se voc machucar ele, Eddie...

EDDIE

No vou machucar. Sou um cara legal. Muito sensvel tambm. Muito


civilizado.

MAY

Ele s um caso, falou? Um caso comum.

EDDIE

mesmo? Bem, ento vou transform-lo num caso de polcia.

(COMEA A RIR TANTO DE SUA PRPRIA PIADA QUE ROLA DA


CAMA E CAI NO CHO. TEM UM ATAQUE DE RISO, BATENDO COM
OS PUNHOS NO CHO. MAY FAZ UM MOVIMENTO EM DIREO
PORTA, PRA E VIRA-SE PARA EDDIE.)

51
MAY

Eddie! Me faz um favor. S desta vez, t legal?

EDDIE (Rindo bastante.)

Tudo o que voc quiser, benzinho. Tudo o que voc quiser.

(ELE CONTINUA A RIR HISTERICAMENTE.)

MAY (Virando-se de costas para ele.)

Merda. (Vai para a porta esquerda do palco e abre-a. Est totalmente


escuro l fora, s a luz do prtico brilha. Fica parada na porta, olhando para
fora. Pausa enquanto EDDIE vai controlando-se vagarosamente e pra de rir.
Olha para MAY.)

EDDIE (Ainda no cho.)

O que voc est fazendo? (Pausa. MAY continua olhando para fora.)
May?

MAY (Olhando pela porta aberta.)

No ele.

EDDIE

No , hein?

52
MAY

No, no .

EDDIE

Bem, ento quem ?

MAY

Outra pessoa.

EDDIE (Levanta-se devagar e senta na cama.)

, provavelmente nunca vai ser ele. Por que voc quer que eu fique com
cimes? Eu sei que voc tem vivido aqui sozinha.

MAY

um grande, gigantesco Mercedes Benz preto extralongo.

EDDIE (Pausa.)

Bom, um motel, no? As pessoas estacionam em frente de um motel se


esto parando aqui.

MAY

As pessoas que ficam aqui no dirigem um grande, gigantesco Mercedes


Benz preto extralongo.

EDDIE

Voc no, mas algum pode.

53
MAY (Ainda na porta.)

No um tipo de motel Mercedes Benz preto.

EDDIE

Bem, fecha o raio desta porta e volta pra dentro.

MAY

Algum est sentado l no carro olhando direto pra mim.

EDDIE (Levanta-se rpido.)

O que eles esto fazendo?

MAY

No so eles. ela.

EDDIE

Bem, o que ela est fazendo, ento?

MAY

Est s sentada l, olhando pra mim.

EDDIE

Sai da porta, May.

54
MAY (Virando-se para ele devagar.)

Por acaso, voc no conhece ningum de Mercedes Benz preto,


conhece?

EDDIE

Sai da porta!

(SUBITAMENTE, OS RAIOS BRANCOS DOS FARIS CORTAM O


PALCO PELA PORTA ABERTA. EDDIE CORRE PARA A PORTA, BATE-A
E EMPURRA MAY PARA O LADO. ENQUANTO ELE BATE A PORTA, O
SOM DE UMA PISTOLA MAGNUM DE CALIBRE GROSSO EXPLODE
FORA ESQUERDA, SEGUIDO IMEDIATAMENTE DO SOM DE VIDRO
QUEBRADO. ENTO, UMA BUZINA TOCA E CONTINUA NO MESMO
TOM SEM PARAR.)

MAY (Gritando sobre o som da buzina.)

Quem ? Quem, diabos, est l fora?

EDDIE

Como se eu soubesse!

(EDDIE DESLIGA A CHAVE DE LUZ AO LADO DA PORTA ESQUERDA


DO PALCO. AS LUZES DO PALCO SE APAGAM. A LUZ DO BANHEIRO
CONTINUA LIGADA.)

MAY

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Eddie!

EDDIE

S fica bem abaixada, t bem? Te abaixa no cho!

(EDDIE SEGURA-A E TENTA DEIT-LA NO CHO AO LADO DA CAMA.


MAY LUTA COM ELE NO ESCURO. A BUZINA CONTINUA TOCANDO.
OS FARIS COMEAM A LIGAR ALTO E BAIXO, AGORA
ILUMINANDO O PALCO PELA JANELA.)

MAY

Quem ? Voc trouxe ela junto! Seu filho-da-puta!

(COMEA A GOLPEAR EDDIE, BRIGANDO COM ELE ENQUANTO ELE


TENTA EMPURR-LA PARA O CHO.)

EDDIE

Eu no trouxe ningum comigo! No sei quem ela ! No sei de onde ela


veio! Fica no cho, por favor!

MAY

Ela te seguiu at aqui! No foi? Voc contou pra ela aonde ia e ela te
seguiu.

EDDIE

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No disse a ningum aonde ia. No sabia aonde ia at chegar aqui.

MAY

Voc vai pagar por isto! Juro por Deus. Voc vai pagar.

(EDDIE FINALMENTE PUXA-A PARA BAIXO E ROLA SOBRE ELA


PARA QUE NO POSSA SE LEVANTAR. ELA PRA AOS POUCOS DE
LUTAR ENQUANTO ELE A MANTM NO CHO. A BUZINA PRA
SUBITAMENTE. OS FARIS APAGAM. PAUSA LONGA. FICAM
ESCUTANDO NO ESCURO.)

MAY

O que voc acha que ela est fazendo ?

EDDIE

Como vou saber?

MAY

No finja que no a conhece. Este o tipo de carro que a Condessa


dirige. Sempre imaginei ela dentro de um carro desse tipo. (Comea a lutar de
novo.)

EDDIE (Segurando-a.)

Fica quieta.

57
MAY

No vou ficar deitada aqui com voc por cima de mim e levar um tiro de
uma puta rica e burra. Deixa eu me levantar, Eddie!

(RUDO DE PNEUS CANTANDO L FORA, ESQUERDA. O ARCO DOS


FARIS PASSA PELO PALCO DA ESQUERDA PARA A DIREITA. UM
CARRO PARTE. O SOM DESVANECE.)

EDDIE

Continua deitada!

MAY

Estou deitada!

(PAUSA LONGA NO ESCURO. OUVEM.)

MAY

Essa mina louca.

EDDIE

Ela bem louca.

MAY

Voc j trepou com ela? (Pausa.) (EDDIE levanta-se devagar, e vai at a


janela agachado, cautelosamente, afasta as venezianas e espia para fora.)

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EDDIE (Olhando para fora.)

Merda, ela arrebentou o pra-brisa do meu caminho. Puta que pariu!

MAY (Ainda no cho.)

Eddie?

EDDIE (Ainda olhando pela janela.)

O qu?

MAY

Ela j foi?

EDDIE

No sei. No vejo nenhum farol. (Pausa.) Acho que no.

MAY (Levanta-se, vai at a chave de luz.)

, voc deveria ter pensado nas conseqncias antes de transar com ela.

(LIGA AS LUZES DE NOVO. EDDIE GIRA O CORPO EM DIREO A


ELA. LEVANTA-SE.)

EDDIE (Dirigindo-se para ela.)

Desliga a luz! Mantm a luz apagada!

59
(CORRE PARA A CHAVE DE LUZ, DESLIGA OUTRA VEZ AS LUZES. O
PALCO FICA ESCURO. MAY ATIRA-SE AO LADO DELE E LIGA AS
LUZES DE NOVO. PALCO ILUMINADO.)

MAY

Estou na minha casa!

EDDIE

Olha, ela vai voltar aqui. Eu sei que ela vai voltar. Ou samos daqui
agora, ou voc mantm essa luz de merda apagada.

MAY

Pensei que voc tinha dito que no a conhecia.

EDDIE

Pega as suas coisas! Vamos sair daqui.

MAY

No vou! O rolo seu, no meu.

EDDIE

Eu vim aqui pra te buscar. O que que h contigo? Voc pensa que eu
faria isso se no te amasse? Hein? Aquela puta no significa nada pra mim!
Nada. Voc a nica razo de eu estar aqui.

MAY

60
No vou, Eddie.

(PAUSA. EDDIE OLHA PARA ELA.)

(O SPOT ILUMINA O VELHO. AS LUZES DO PALCO CONTINUAM


IGUAIS. EDDIE E MAY FICAM PARADOS OLHANDO UM PARA O
OUTRO DURANTE O TEMPO EM QUE O VELHO FALA. NO ESTO
CONGELADOS, APENAS ESTO PARADOS, OLHANDO UM PARA O
OUTRO, NUM MOMENTO SUSPENSO DE RECONHECIMENTO.)

VELHO

impressionante, nenhum de vocs me parece familiar. No consigo


nem imaginar. No me reconheo em nenhum de vocs. Nunca me reconheci.
Mas claro que suas mes carimbaram vocs. fcil de ver. S que, na minha
opinio, toda a minha contribuio neste assunto j sumiu. Ficou totalmente
irreconhecvel. Vocs poderiam ser de qualquer um. Provavelmente so. No
consigo nem me lembrar das circunstncias originais. Foi h tanto tempo.
Provavelmente me esqueci de muitas coisas. Ainda bem que ca fora naquela
vez, melhor coisa que j fiz.

(O SPOT DESVANECE NO VELHO. AS LUZES DO PALCO VOLTAM.


EDDIE PEGA O LAO E COMEA A ENROL-LO. MAY OLHA-O.)

EDDIE

No estou indo embora. No me importa o que voc pensa. No me


importa o que voc sente Nada disso. No vou embora. Vou ficar exatamente
aqui. No me importa que uma centena de casos entre pela porta, eu me

61
encarrego de todos eles. No me importa se voc me odeia. No me importa se
voc no agenta mais me ver, me ouvir ou sentir o meu cheiro. Jamais irei
embora. Voc nunca se livrar de mim. Voc tambm nunca vai me escapar. Vou
te perseguir aonde quer que voc v. Sei exatamente como a tua cabea
funciona. Tenho acertado sempre. Sempre.

MAY

Voc precisa desistir disto, Eddie.

EDDIE

No vou desistir! (Pausa.)

MAY (Calma.)

T legal. Olha, no entendo mais o que voc tem na cabea. Na real. No


consigo sacar. AGORA, voc precisa desesperadamente de mim. AGORA, voc
no pode mais viver sem mim. AGORA, voc faria qualquer coisa por mim. Por
que eu acreditaria desta vez?

EDDIE

Porque verdade.

MAY

Era para ser verdade das outras vezes. Todas as outras vezes. Agora
verdade de novo. Voc tem me masturbado assim por 15 anos. Por 15 anos,
tenho sido um i-i pra voc. Nunca tive duas caras pra voc. Eu te amei ou no

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te amei. E agora eu simplesmente no te amo. Entende? Voc entende isso? Eu
no te amo. Eu no preciso de voc. Eu no te quero. Sacou? Agora, se voc
ainda quer ficar, voc est louco ou cego.

(ATRAVESSA O PALCO AT A MESA, SENTA NA CADEIRA NO LTIMO


PLANO, DE FRENTE PARA A PLATIA, TOMA UM GOLE DE TEQUILA
DA GARRAFA, BATE-A NA MESA. FARIS NOVAMENTE ILUMINAM O
PALCO DO LTIMO PLANO, DIREITA, PELA PLATIA, AT
DESAPARECEREM ESQUERDA. EDDIE CORRE PARA A CHAVE DE
LUZ, APAGA-A. O PALCO FICA ESCURO. AS LUZES DO EXTERIOR
BRILHAM.)

EDDIE (Empurrando-a pelo ombro.)

Entra no banheiro!

MAY (Desvencilhando-se.)

No vou entrar no banheiro! No vou me esconder na minha prpria


casa! Vou l fora. Vou l fora e vou rasgar a cabea dela fora. Vou liquidar com
ela!

(DIRIGE-SE PARA A PORTA ESQUERDA DO PALCO. EDDIE A SEGURA.


ELA GRITA. LUTAM ENQUANTO MAY GRITA PARA A PORTA
ESQUERDA DO PALCO.)

MAY (Gritando da porta.)

Vem aqui! Vem aqui dentro e traz a tua pistola idiota! T me ouvindo

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Traz todas as tuas armas e teu ser estpido! Vou te comer viva!

(SUBITAMENTE A PORTA ABRE E MARTIN CAI NO PALCO, NO


ESCURO. TEM TRINTA E POUCOS ANOS, CONSTITUIO SLIDA,
USA CAMISA XADREZ VERDE, CALAS LARGAS DE TRABALHO COM
SUSPENSRIOS, BOTAS DE TRABALHO PESADAS. MAY E EDDIE
AFASTAM-SE. MARTIN AGARRA EDDIE PELA CINTURA E OS DOIS
CAEM NA PORTA DO BANHEIRO, DIREITA DO PALCO. A PORTA
RESSOA. MAY CORRE PARA A CHAVE DE LUZ E LIGA-A. AS LUZES
VOLTAM AO PALCO. MAY FICA DE P SOBRE EDDIE QUE EST
ENCOLHIDO CONTRA A PAREDE, NO CHO. MARTIN EST QUASE
DANDO UM SOCO EM EDDIE. MAY PRA-O COM A VOZ.)

MAY

Martin, espera!

(PAUSA. MARTIN VIRA-SE E OLHA PARA MAY. EDDIE EST


ATORDOADO, CONTINUA NO CHO. MAY VAI AT MARTIN E O PUXA
PARA LONGE DE EDDIE.)

MAY

T legal, Martin. , ah, t legal. S estvamos tendo uma discusso. De


verdade. Fica frio. T bem?

(MARTIN AFASTA-SE DE EDDIE. EDDIE FICA NO CHO. PAUSA.)

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MARTIN

Ah. Eu te ouvi gritar quando cheguei e da todas as luzes se apagaram.


Pensei que algum estava tentando.

MAY

T tudo legal. Este meu, ahn, primo. Eddie.

MARTIN (Olha para EDDIE.)

Ah! Desculpe.

EDDIE (Sorri amarelo para MARTIN.)

Ela est mentindo.

MARTIN: (Olhando para MAY.)

Ah!

MAY (Indo para a mesa.)

Est tudo bem, Martin. Quer beber algo? Por que voc no bebe alguma
coisa?

MARTIN

. Claro.

EDDIE (No cho.)

65
Ela est te mentindo entre os dentes.

MAY

Vou pegar alguns copos.

(MAY ENTRA RAPIDAMENTE NO BANHEIRO, PISANDO SOBRE


EDDIE. MARTIN OLHA PARA EDDIE. EDDIE SORRI AMARELO.
PAUSA.)

EDDIE

Ela guarda os copos no banheiro. No estranho?

(MAY VOLTA COM DOIS COPOS. VAI AT A MESA, SERVE DOIS


DRINQUES DA GARRAFA.)

MAY

J estava pensando que voc no ia aparecer, Martin.

MARTIN

, desculpe. Tive que regar a quadra de futebol da escola. Me esqueci de


tudo.

EDDIE

Esqueceu de tudo o qu?

66
MARTIN

Quero dizer que esqueci de molhar a quadra. Estava a meio caminho


daqui quando me lembrei. Tive que voltar.

EDDIE

Ah, achei que voc tinha esquecido dela.

MARTIN

Ah, no.

EDDIE

Onde o meio do caminho?

MARTIN

Como?

EDDIE

Onde voc estava quando era o meio do caminho?

MARTIN

Bem... ahn... no sei. Acho que uns quatro quilmetros e pouco.

EDDIE

Uns quatro quilmetros? Tudo isso? Uns parcos quatro quilmetros?


Quer saber quantos quilmetros eu viajei? Hein?

67
MAY

Bebemos um pouco, Martin.

EDDIE

Ela no tocou numa gota. (Pausa.)

MAY (Oferecendo um copo para MARTIN.)

Tome.

EDDIE

, essa a minha tequila, Martin.

MARTIN

Ah!

EDDIE

No me importa que voc a beba. S quero que voc saiba de onde veio.

MARTIN

Obrigado.

EDDIE

No precisa me agradecer. Agradea aos mexicanos. Eles a fizeram.

68
MARTIN

Ah!

EDDIE

real, voc deveria agradecer a toda nao mexicana. Devemos tudo ao


Mxico por aqui. Voc se d conta disto? Provavelmente voc no se d conta,
n? Estamos sentados em solo mexicano bem agora. s por acaso que voc e
eu no somos mexicanos. Afinal, de que tipo de gente voc provm, Martin?

MARTIN

Eu? Ah... no sei. Fui adotado.

EDDIE

Ah. Voc deve ter tido uma poro de problemas, n?

MARTIN

Bem, na verdade, no.

EDDIE

No? Se supe que os rfos roubem um monte, no? Roubos em lojas e


essas coisas. Tambm se supe que vocs sejam o principal grupo responsvel
por liquidar nossos presidentes.

MARTIN

Srio? Nunca ouvi isto.

69
EDDIE

Bem, voc deveria ler os jornais, Martin. (Pausa.)

MARTIN

Desculpa eu ter te derrubado. Quero dizer, pensei que ela estivesse em


apuros.

EDDIE

Ela est em apuros.

MARTIN(Olha para MAY.)

Ah!

EDDIE

Ela est num grande apuro.

MARTIN

O que que h, May?

MAY (Vai para a cama com o copo, senta.)

Nada.

MARTIN

Por que as luzes estavam apagadas?

70
MAY

que ns amos, ahn, sair j.

MARTIN

Iam?

MAY

E... bem, quero dizer, amos voltar. (MARTIN fica entre eles. Olha para
EDDIE e ento de volta para MAY. Pausa.)

EDDIE(Ri.)

No, no, no. No era isso que ns amos fazer. Teu nome Martin,
certo?

MARTIN

, certo.

EDDIE

No era isso que amos fazer, Martin.

MARTIN

Ah!

EDDIE

Pode me alcanar aquela garrafa, por favor?

71
MARTIN(Buscando a garrafa na mesa.)

Claro.

EDDIE

Obrigado.

(MARTIN VOLTA-SE PARA EDDIE COM A GARRAFA E A ALCANA


PARA ELE. EDDIE BEBE.)

EDDIE (Depois de beber.)

Na real, estvamos discutindo sobre voc. Era isso que estvamos fa-
zendo.

MARTIN

Sobre mim?

EDDIE

. verdade, estvamos no meio de uma discusso sobre voc. Ficamos


to esquentados que apagamos a luz.

MARTIN

Eta sobre o qu?

EDDIE

Sobre se voc na realidade um homem ou no. C sabe? Se voc

72
um homem ou s um cara

(PAUSA. MARTIN OLHA PARA MAY. MAY SORRI EDUCADAMENTE.


MARTIN VOLTA-SE PARA EDDIE.)

EDDIE

o seguinte: ela diz que voc um homem. assim que ela te chama.
Um homem. assim que ela te chama.

MARTIN (Olha para MAY.)

No.

MAY

Nunca te chamei de homem, Martin. No te preocupa.

MARTIN

T legal. No me importo nem nada.

EDDIE

No, mas veja, eu, ah. . . disse isto a ela antes mesmo de te ver. E agora
que te vi, no posso exatamente voltar atrs. Saca o que eu quero dizer, Martin?

(PAUSA. MAY FICA DE P.)

MAY

Martin, voc quer ir ao cinema?

73
MARTIN

Bem, s. . . quero dizer, era isso que achei que ns amos fazer.

MAY

Ento vamos ao cinema.

(CRUZA RAPIDAMENTE PARA O BANHEIRO, PISA SOBRE EDDIE,


ENTRA NO BANHEIRO, BATE A PORTA, A PORTA RESSOA. PAUSA,
ENQUANTO MARTIN OLHA PARA A PORTA DO BANHEIRO. EDDIE
FICA NO CHO, SORRI AMARELO PARA MARTIN.)

MARTIN

Ela no est chateada ou coisa assim, n?

EDDIE

No sei, cara.

MARTIN

No quis deixar ela chateada. (Pausa.)

EDDIE

O que vocs vo ver, Martin?

MARTIN

No consigo decidir.

74
EDDIE

Como assim, no consegue decidir? Voc deve ter planejado tudo com
antecedncia, no?

MARTIN

, mas no tenho certeza do que ela gosta.

EDDIE

E o que isso tem a ver? Voc vai lev-la ao cinema, certo?

MARTIN

EDDIE

Ento, voc escolhe o filme, certo? O cara escolhe o filme. bvio que
o cara que escolhe o filme.

MARTIN

, mas no quero lev-la para ver uma coisa que ela no queira ver.

EDDIE

Como que voc sabe o que ela quer ver?

MARTIN

Eu no sei. Por isso no consigo decidir. Quero dizer, e se eu a levar pra


ver uma coisa que ela j viu?

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EDDIE

Voc no entende nada, Martin. A razo pela qual voc a est levando ao
cinema no para ver algo que ela ainda no tenha visto.

MARTIN

Ah!

EDDIE

A razo pela qual voc vai lev-la ao cinema s porque voc quer
ficar com ela. Certo? Voc quer ficar perto dela. Quero dizer que voc poderia
lev-la a qualquer lugar.

MARTIN

Acho que sim.

EDDIE:

Quero dizer que depois de um tempo voc provavelmente no vai


precisar mais ficar saindo com ela. Poder ficar curtindo por aqui mesmo.

MARTIN

E o que ns faramos aqui?

EDDIE

Bem, vocs poderiam, ahn, contar histrias um para o outro.

MARTIN

76
Histrias?

EDDIE

MARTIN

No sei nenhuma histria.

EDDIE

Inventa.

MARTIN

Isso seria mentir, no seria?

EDDIE

No, no. Mentir quando voc acredita que verdade. Se voc j sabe
que mentira, no mentir.

MARTIN: (Depois de uma pausa.)

Quer que eu te ajude a levantar do cho?

EDDIE

Gosto daqui de baixo. H menos tenso. Voc no nota que quando est
de p h muito mais tenso?

77
MARTIN

, j notei. Sabe, muitas vezes, quando estou trabalhando, fico de


joelhos.

EDDIE

Que linha de trabalho voc segue, Martin?

MARTIN

A maior parte, trabalho de ptio. Manuteno.

EDDIE

Ah, gramados e este tipo de coisa?

MARTIN

EDDIE

Voc faz os gramados de joelhos?

MARTIN

Bem, aparando sim. C sabe, aparando os cantos.

EDDIE

Ah!

MARTIN

78
E mudando os chafarizes. Coisas assim.

EDDIE

T sabendo.

MARTIN

Mas sempre achei que fico mais relaxado quando estou abaixado no cho
assim.

EDDIE

. Bem, voc pode se ajoelhar agora se quiser. No me incomodo.

MARTIN (Sorri amarelo, fica envergonhado, olha para a porta do banheiro.)

No, vou ficar de p, obrigado.

EDDIE

Como quiser. Voc s vai ficar cada vez mais tenso.

(PAUSA.)

MARTIN

Voc , ahn, primo de May, hein?

EDDIE

79
T vendo? bem a. Me perguntando isso. Bem a. resultado de
tenso. T vendo o que eu digo?

MARTIN

O qu?

EDDIE

Me perguntando se eu sou primo dela. Voc est perguntando isso


porque est tenso. Voc j sabe que no sou primo dela.

MARTIN

Bem, como saberia disto?

EDDIE

Pareo primo dela?

MARTIN

Bem, ela disse que sim.

EDDIE (Sorri.)

Ela est mentindo. (Pausa.)

MARTIN

Bem.., o que voc ento?

EDDIE (Ri.)

80
Agora voc est ficando realmente nervoso, bem?

MARTIN

Olha, talvez eu devesse ir embora ou coisa assim. Quero dizer..

(MARTIN FAZ UM MOVIMENTO PARA SAIR PELA ESQUERDA DO


PALCO. EDDIE CORRE PARA A PORTA ESQUERDA E CHEGA ANTES
DE MARTIN. MARTIN CONGELA E ENTO CORRE PARA A JANELA
NO LTIMO PLANO DO PALCO, ABRE-A E TENTA ESCAPAR. EDDIE
CORRE AT ELE, AGARRA-O PELA PARTE DE TRS DAS CALAS,
PUXA-O DA JANELA, ATIRA-O CONTRA A PAREDE DIREITA DO
PALCO E ENTO PUXA-O DEVAGAR PARA O CHO ENQUANTO FALA.
CHEGAM NO CANTO DIREITO, NO CHO.)

EDDIE

No, no. No v, Martin. No v. Voc vai ficar completamente triste e


sozinho l fora, na noite escura. Eu sei. Eu mesmo andei perambulando sozinho
por a. terrvel. Te come por dentro. (Pe o brao ao redor dos ombros de
MARTIN e o leva para a mesa esquerda.) Agora vem aqui, senta e vamos
tomar um gole. T legal?

MARTIN (Enquanto vai com EDDIE.)

Ahn... voc acha que ela est bem, l dentro?

EDDIE

81
Claro que ela est bem. Ela est sempre bem. Ela s gosta de demorar.
S pra torturar.

MARTIN

Bem.., acho que ns amos ao cinema.

EDDIE

Ela vai sair. No te preocupe. Ela gosta de cinema.

(SENTAM NA MESA, NO PRIMEIRO PLANO ESQUERDA. EDDIE


PUXA A CADEIRA DA DIREITA E SENTA MARTIN NELA, ENTO
SENTA NA CADEIRA DO LTIMO PLANO, DE FORMA A FICAR
PARCIALMENTE VIRADO PARA O VELHO. O SPOT ACENDE
SUAVEMENTE SOBRE O VELHO, MAS MARTIN NO SE D CONTA
DE SUA PRESENA. AS LUZES DO PALCO CONTINUAM IGUAIS.
MARTIN COLOCA SEU COPO SOBRE A MESA. EDDIE ENCHE-O COM
A GARRAFA. O BRAO ESQUERDO DO VELHO BAIXA
VAGAROSAMENTE E SE ESTENDE ATRAVS DA MESA SEGURANDO
A XCARA PARA MAIS UMA DOSE. EDDIE OLHA O VELHO NO OLHO
POR UM SEGUNDO E ENTO SERVE UMA DOSE PARA ELE TAMBM.
TODOS OS TRS HOMENS BEBEM. EDDIE BEBE DA GARRAFA.)

MARTIN

O que h exatamente com ela?

EDDIE

82
Ela est em estado de choque.

(O VELHO RI CONSIGO MESMO. BEBE.)

MARTIN

Choque? Por qu?

EDDIE

Bem, no nos vamos h muito tempo. Quero dizer. . . eu e ela sempre


voltamos anos, sabe. Desde a escola.

MARTIN

Ah, no sabia disto.

EDDIE

, muitas vezes.

MARTIN

E vocs no so realmente primos?

EDDIE

No, no. Realmente no.

MARTIN

83
Voc ... marido dela?

EDDIE

No. Ela minha irm. (EDDIE e o VELHO olham um para o outro e


ento aquele volta-se para MARTIN.) Minha meia-irm.

MARTIN

Tua irm?

EDDIE

MARTIN

Ah. Ento, vocs se conheciam antes mesmo do Secundrio, hein?

EDDIE

No, veja, no sabia que tinha uma irm at ser tarde demais.

MARTIN

Que voc quer dizer?

EDDIE

Bem, quando soube ns tnhamos... c sa..... transado.

(O VELHO SACODE A CABEA, BEBE. PAUSA LONGA. MARTIN OLHA

84
PARA EDDIE.)

EDDIE (Sorri amarelo.)

O que que h, Martin?

MARTIN

Vocs transaram?

EDDIE

MARTIN

Bem, ahn, ilegal, no ?

EDDIE

Acho que sim.

VELHO (Para EDDIE.)

Quem esse cara?

MARTIN

Quero dizer, verdade? Ela realmente tua irm?

EDDIE

85
Meia. S meia.

MARTIN

Que metade?

EDDIE

A metade de cima. Com cavalos a gente chama isto de lado de cima.

VELHO

, e a gua o qu? A gua , ahu. . . lado materno, no ? No a


metade de baixo? Lado materno. Engraado eu ter me lembrado disto.

MARTIN

E vocs transaram na escola?

EDDIE

, claro. Todo mundo transava na escola. Voc no?

MARTIN

No, nunca transei.

EDDIE

Talvez devesse, Martin.

MARTIN

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Bem, no com a minha irm.

EDDIE

No, eu no recomendaria.

MARTIN

Como isto pde acontecer? Quero dizer...

EDDIE

Bom, veja. . . (Pausa, olha para o VELHO.) Nosso pai ficou apaixonado
duas vezes. Basicamente, foi isso que aconteceu. Uma vez pela minha me e
outra pela me dela.

VELHO

Era o mesmo amor. S se dividiu em dois. tudo.

MARTIN

Ento por que vocs no se conheceram antes da escola?

EDDIE

Ele tinha duas vidas separadas. Por isso. Duas vidas completamente
separadas. Vivia com minha me e comigo por um tempo e ento desaparecia e
ia viver com ela e a me dela por um tempo.

VELHO

87
No seja muito duro comigo, garoto. Pode acontecer com as melhores
famlias.

MARTIN

E voc nunca soube o que estava acontecendo?

EDDIE

No, nem a minha me.

VELHO

Ela sabia.

EDDIE (Pra MARTIN.)

Ela nunca soube.

MARTIN

Ela deve ter suspeitado que alguma coisa estava acontecendo.

EDDIE

Bem, se ela sabia, nunca me disse. Talvez tivesse medo de descobrir. Ou


apenas o amava. No sei. De vez em quando, ele desaparecia por meses e ela
nunca perguntava onde ele tinha ido. Ficava sempre contente em v-lo quando
voltava. Ns dois costumvamos correr para fora da casa para encontr-lo logo
que vamos o Studebaker vindo pelo campo.

VELHO (Para EDDIE.)

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No era nenhum Studebaker, era um Plymouth. Nunca tive nenhuma
merda de Studebaker.

EDDIE

Isto continuou por anos. Ele continuava sumindo e reaparecendo.


Durante anos aquilo se prolongou. Ficava em casa por um tempo. Ficava dentro
de casa. Nunca saa de casa. S sentava na sua cadeira. Contemplativo. E ento
comeava a dar essas longas caminhadas. Caminhava o dia inteiro. Depois,
caminhava a noite toda. Caminhava pelos campos. No escuro. Costumava olh-
lo da janela do meu quarto. Desaparecia no escuro, de sobretudo.

MARTIN

Onde ele ia?

EDDIE

S caminhar.

VELHO

Eu estava tomando uma deciso.

(EDDIE PEGA MARTIN PELO BRAO E LEVA-O PARA DAR UMA


VOLTA EM TORNO DE TODO O PALCO ENQUANTO CONTA A
HISTRIA. MARTIN RELUTA, MAS EDDIE O PUXA.)

EDDIE

89
Mas uma noite eu pedi para ir junto com ele. E ele me levou.
Caminhamos juntos, direto atravs dos campos. No escuro. E eu me lembro que
a terra tinha sido recm-lavrada e que nossos ps afundavam no p e na sujeira,
que penetravam em meus sapatos e os faziam pesar mais e mais. Queria parar e
esvaziar os sapatos, mas ele jamais parava. Continuava caminhando direto e eu
tinha medo de perd-lo no escuro, ento o acompanhava o melhor que podia. E
ficamos completamente em silncio o tempo todo. No dissemos uma nica
palavra um para o outro. Mal podamos ver um metro na nossa frente, de to
escuro. E umas corujas brancas investiam do nada, caando lebres. Mergulhando
sobre nossas cabeas e desaparecendo a seguir. E ns continuamos caminhando
silenciosamente por quilmetros at chegarmos cidade. Pude ver um filme
sendo projetado num drive-in distncia. Isto foi a primeira coisa que vi. S os
retalhos quadrados das mudanas de cor. Ento, rostos vagos comearam a
aparecer. E, medida que nos aproximvamos, pude reconhecer um dos rostos.
Era Spencer Tracy. Spencer Tracy movendo a boca. Falando sem palavras.
Falando com uma mulher de vestido vermelho. Ento paramos numa loja de
bebidas e ele me fez esperar fora, no estacionamento, enquanto comprava uma
garrafa. E havia todos esses trabalhadores mexicanos imigrantes ao redor de
uma caminhonete com lama vermelha espalhada pelos pneus. Estavam bebendo
cerveja e rindo, e lembro de ter tido inveja deles e no saber por qu. E lembro
de ter visto o velho pela porta envidraada da loja de bebidas enquanto ele
pagava a garrafa. E lembro de sentir pena dele e de no saber por qu. Ento ele
saiu com a garrafa embrulhada num saco de papel pardo e, assim que ele saiu,
todos os mexicanos pararam de rir. S nos olharam quando fomos embora.

(DURANTE O CURSO DA HISTRIA, AS LUZES MUDAM VA-


GAROSAMENTE PARA AZUL E VERDE: O LUAR.)

90
E caminhamos pelo meio da cidade. Passamos pela padaria, pela pista de
minigolfe, pelo posto Chevron. E ele abriu a garrafa e ofereceu pra mim. Antes
mesmo de beber, ele ofereceu primeiro pra mim. Peguei a garrafa e bebi, e a
passei de volta pra ele. E continuamos passando a garrafa um para o outro assim,
enquanto caminhvamos, at a garrafa esvaziar. E no dissemos uma nica pa-
lavra o tempo todo. Ento, finalmente, chegamos nessa casinha branca de toldo
vermelho, do outro lado da cidade. Nunca vou me esquecer do toldo vermelho
porque ele se agitava com a brisa da noite e a luz do prtico o fazia brilhar. Era
uma brisa quente do deserto e o ar cheirava a alfafa recm-cortada. Fomos direto
ao prtico da frente, ele tocou a campainha e lembro de ficar muito nervoso
porque no esperava visitar ningum. Pensei que tnhamos sado s pra dar uma
caminhada. E da essa mulher vem direto pra porta. Uma mulher linda de cabelo
ruivo. E ela se atira em seus braos. Ele comea a chorar. Ele simplesmente se
desmancha bem ali na minha frente. E ela o beija pelo rosto inteiro, abraando-o
bem apertado e ele fica chorando como um beb. E ento, atrs da porta, atrs
dos dois, vejo esta garota.

(DEVAGAR E SILENCIOSAMENTE ABRE-SE A PORTA DO BANHEIRO,


REVELANDO MAY, PARADA NO MARCO DA PORTA) ILUMINADA POR
TRS PELA LUZ AMARELA DO BANHEIRO NO SEU VESTIDO
VERMELHO. ELA APENAS OLHA PARA EDDIE ENQUANTO ELE
CONTINUA CONTANDO A HISTRIA. ELE E MARTIN NO SE DO
CONTA DA SUA PRESENA.)

Ela aparece. Est s parada l, olhando pra mim e eu olhando de volta


pra ela e no conseguimos tirar os olhos um do outro. Era como se nos co-
nhecssemos de algum lugar mas no consegussemos lembrar de onde. Mas no

91
minuto em que nos vimos, naquele mesmo momento, soubemos que nunca
deixaramos de nos amar.

(MAY BATE A PORTA DO BANHEIRO ATRS DELA. A PORTA RESSOA.


AS LUZES VOLTAM INTENSIDADE ANTERIOR.)

MAY (Para EDDIE.)

Cara, voc realmente incrvel! Voc inacreditvel! Martin vem aqui.


Nunca te viu mais gordo, e voc comea a contar pra ele uma histria assim. C
t louco? Nada disso verdade, Martin. H anos ele tem essa idia estranha e
doentia e tudo totalmente inventado. Ele maluco. No sei de onde ele a tirou.
Ele completamente maluco.

EDDIE (Para MARTIN.)

Ela fica um pouco envergonhada com isso, sabe. No se pode culp-la.

MARTIN

Eu nem sabia que voc podia nos ouvir aqui fora, May. Eu...

MAY

Ouvi cada palavra. Segui tudo cuidadosamente. Ele j me contou essa


histria umas mil vezes, e sempre muda.

EDDIE

Nunca me repito.

92
MAY

Voc no faz nada alm de se repetir. tudo o que voc faz. Voc anda
em crculos.

MARTIN (Levantando.)

Bem, talvez eu deva ir embora.

EDDIE

No! Senta a

(SILNCIO. MARTIN SENTA DE NOVO, DEVAGAR.)

EDDIE (Baixinho para MARTIN, inclinando-se para ele.)

Voc acha que tudo isto foi inveno, Martin? Voc acha que eu inventei
tudo?

MARTIN

No, quer dizer, quando voc estava contando parecia real.

EDDIE

Mas agora voc duvida porque ela disse que mentira?

MARTIN

Bem...

93
EDDIE

Ela sugere que mentira e de repente voc muda de idia? isso? Voc
muda do falso para o verdadeiro assim, num segundo?

MARTIN

No sei.

MAY

Vamos ao cinema, Martin. (MARTIN levanta-se de novo.)

EDDIE

Senta! (MARTIN senta. Pausa longa.)

MAY

Eddie... (Pausa.)

EDDIE

Qu?

MAY

Queremos ir ao cinema. (Pausa. EDDIE encara MAY.) Quero ir ao


cinema com Martin. Agora.

EDDIE

Ningum vai ao cinema. No h filme nesta cidade que se compare com

94
a histria que eu vou contar. Vou acabar esta histria.

MAY

Eddie...

EDDIE

Voc quer ouvir o resto da histria, no Martin?

MARTIN (Pausa. Olha para MAY e ento para EDDIE.)

Claro.

MAY

Martin, vamos. Por favor.

MARTIN

Eu...

(PAUSA LONGA. EDDIE E MARTIN OLHAM UM PARA O OUTRO.)

EDDIE

Voc o qu?

MARTIN

No me importo de ouvir o resto da histria se voc quiser contar.

95
VELHO (Para si prprio.)

Eu mesmo estou morrendo de vontade de ouvir.

(EDDIE RECOSTA-SE NA CADEIRA. SORRI.)

MAY (Pra EDDIE.)

O que voc acha que isso vai fazer? Voc acha que vai mudar alguma
coisa?

EDDIE

No.

MAY

Ento qual a sua?

EDDIE

Absolutamente nenhuma.

MAY

Ento por que fazer todo mundo passar por isso? Martin no quer ouvir
esta merda. Eu no quero ouvir.

EDDIE

Eu sei que voc no quer ouvir.

96
MAY

No vem com essa pra cima de mim! Voc trocou tudo, Eddie. Voc
trocou tudo. Voc nem sabe mais qual o lado de cima. T legal, t legal? No
preciso de nenhum de vocs. No preciso mais disso porque j sei o resto da
histria. Eu sei todo o resto da histria, t sabendo?(Fala direto para EDDIE,
que permanece sentado.) Sei exatamente a maneira que as coisas aconteceram.
Sem acrescentar quaisquer truquezinhos.

(O VELHO INCLINA-SE PARA EDDIE CONFIDENCIALMENTE.)

VELHO

O que ela sabe?

EDDIE (Para o VELHO.)

Ela est mentindo.

(AS LUZES COMEAM A DIMINUIR OUTRA VEZ NO CURSO DA


HISTRIA DE MAY. ELA DIRIGE-SE LENTAMENTE PARA O
PRIMEIRO PLANO E ENTO ATRAVESSA EM DIREO AO VELHO
ENQUANTO CONTA SUA HISTRIA.)

MAY

Quer que eu termine a histria pra voc, Eddie? Hein? Voc quer que eu

97
termine esta histria? (Pausa enquanto MAY senta novamente.) Sabe, minha
me, a linda ruiva na casinha branca com toldo vermelho, estava perdidamente
apaixonada pelo velho, no , Eddie? Dava pra sacar no ato. Estava escrito nos
seus olhos. Estava obcecada por ele a ponto de no agentar sem ele nem
mesmo por um segundo. Caava-o de cidade em cidade. Seguia pequenas pistas
que ele havia deixado pra trs, como talvez um carto postal, ou o nome de um
motel atrs de uma caixa de fsforos. (Para MARTIN.) Ele nunca deixou pra ela
um nmero de telefone, um endereo ou qualquer coisa assim porque minha
me era um segredo, sabe? Ela o acossou durante anos e ele continuava tentando
mant-la distncia porque quanto mais se aproximassem estas duas vidas
separadas, estas duas mulheres separadas, estes dois filhos separados, mais
nervoso ele ficava. Tanto mais cheio de medo que estas duas vidas soubessem
uma da outra e o devorassem por inteiro. Que seu segredo o pegasse pela
garganta. Mas finalmente ela o alcanou. Apenas pelo processo de eliminao,
ela o pegou. Lembro do dia em que encontramos a cidade. Estava excitadssima.
aqui!, ela dizia, esse e o lugar! Seu corpo todo tremia enquanto
caminhvamos pelas ruas, procuramos a casa onde ele vivia. Ela apertava meus
dedos a ponto de eu achar que ela fosse quebrar os meus ossos. Estava
aterrorizada de encontrar com ele por acaso na rua, porque ela sabia que estava
invadindo o espao dele. Sabia que estava entrando em zona proibida, mas no
conseguiu se agentar. Caminhamos o dia todo por aquela cidadezinha idiota. O
dia inteiro. Fomos a todos os bairros, espiamos em todas as janelas, olhamos
para todas as famlias babacas at que finalmente o encontramos.

(DESCANSA.)

Foi exatamente na hora do jantar e eles estavam todos sentados na mesa

98
e comiam galinha frita. Estvamos assim to perto da janela. Podamos ver o
que estavam comendo. Podamos ouvir suas vozes mas no conseguamos
entender o que diziam. Eddie e a me conversavam, mas o velho no dizia uma
palavra. Dizia, Eddie? S estava sentado l, comendo a galinha em silncio.

VELHO (Para EDDIE.)

Garoto, com essa ela passou dos limites. Voc tem que fazer alguma
coisa com relao a isto.

MAY

A coisa engraada que, quase logo depois que o encontramos, ele


desapareceu. Ela estava com ele s h umas duas semanas quando ele sumiu
completamente. Ningum o viu depois disto. Nunca mais. E minha me virou do
avesso. Nunca consegui entender aquilo. Eu a via se lamentar como se algum
tivesse morrido. Se encolhia e olhava para a porta. E eu no conseguia entender,
porque eu tinha o sentimento exatamente contrrio. Eu estava apaixonada, sabe?
Tinha voltado para casa depois de ter estado com Eddie, e estava cheia de
alegria e l estava ela, parada no meio da cozinha, olhando para a pia. Seus
olhos pareciam um funeral. Eu no sabia o que dizer. Nem mesmo sentia pena
dela. S conseguia pensar nele.

VELHO (Para EDDIE.)

Ela est saindo fora da linha.

MAY

E ele s pensava em mim. No isso, Eddie? No podamos respirar sem


pensar um no outro. No conseguamos dormir. Ficvamos doentes noite,

99
quando estvamos separados. Violentamente doentes. Minha me at me levou
ao mdico. E a me de Eddie o levou ao mesmo mdico, mas o mdico no
sabia o que havia de errado conosco. Achava que era gripe. E a me de Eddie
no tinha a menor idia do que estava errado com ele. Mas a minha me. . .
minha me sabia exatamente o que estava errado. Sabia porque tinha sentido na
prpria carne. Reconhecia cada sintoma. Ela me suplicou que eu no visse mais
o Eddie, mas eu no dei bola. Ento, ela suplicou a Eddie que deixasse de me
ver, mas ele no a escutou. Ento, ela foi at a me de Eddie e suplicou a ela. E a
me de Eddie (Pausa. Olha direto para EDDIE.) , a me dele estourou os
miolos. No foi, Eddie? Ela estourou mesmo os miolos.

VELHO (Levanta-se. Vai da plataforma para o palco, entre EDDIE e


MAY.)

Espera um segundo! Espera um segundo, s um maldito segundo. Esta


histria no cola. (Para EDDIE, que permanece sentado.) Voc no vai deixar
ela vir com essa, vai? a verso mais idiota que j ouvi em toda minha vida. Ela
nunca estourou os miolos. Ningum nunca me disse isto. Que merda essa?
(Para EDDIE, que permanece sentado.) Levanta! Fica de p agora, desgraado.
Quero ouvir o lado masculino da coisa. Voc tem que me representar agora. Fala
em meu nome. No h ningum pra falar por mim agora. Levanta!

EDDIE (levanta-se vagarosamente. olha para o velho.)

Agora diz pra ela. Conta como aconteceu. Temos um pacto. No


esquece.

100
EDDIE (Calmamente para o VELHO.)

Foi com a tua espingarda. A mesma que usvamos para caar patos.
Browning. Ela nunca tinha atirado antes na sua vida. Foi a primeira vez.

VELHO

Ningum me disse nada disso. Fui deixado completamente no escuro.

EDDIE

Voc foi embora.

VELHO

Algum poderia ter me encontrado. Algum poderia ter me caado. Eu


no era to impossvel de achar.

EDDIE

Voc foi embora.

VELHO

T certo, eu fui embora! Fui embora. Voc est certo. Mas no estava
desligado. Nada foi rompido dentro de mim. Tudo seguiu exatamente igual,
como se eu nunca tivesse partido. (Para MAY.) Mas a tua me. . . tua me no
desistia, no ?

(O VELHO DIRIGE-SE AT MAY E FALA DIRETAMENTE COM


ELA. MAY MANTM OS OLHOS EM EDDIE, QUE VIRA-SE

101
VAGAROSAMENTE PARA ELA DURANTE A FALA DO VELHO. UMA
VEZ SE ENCONTRANDO OS OLHARES, NO OS DESVIAM.)

VELHO (Para MAY.)

Ela me puxou pra si. Ela saiu do seu caminho pra me seduzir. Ela era
fortssima. Eu disse a ela que nunca me desviaria por causa dela. Disse isto
desde o comecinho. Mas ela se abriu pra mim. No ouvia. Continuava abrindo
seu corao pra mim. Como poderia desapont-la quando ela me amava assim?
Como poderia fugir dela? ramos inteiramente completos.

(EDDIE E MAY FICAM PARADOS OLHANDO UM PARA O OUTRO. O


VELHO VOLTA-SE PARA EDDIE. FALA DIRETO PARA ELE.)

VELHO (Para EDDIE.)

O que voc t fazendo? Fala com ela. Traz ela para o nosso lado. Voc
tem que fazer com que ela veja isto de forma clara.

(MUITO DEVAGAR, EDDIE E MAY APROXIMAM-SE.)

VELHO (Para EDDIE.)

Fica longe dela! Que diabos voc est fazendo? Fica longe dela! Vocs
dois no podem ficar juntos! Voc tem que segurar o meu lado nesta questo.
No tenho ningum agora! Ningum! Voc no pode me trair! Voc tem que me
representar agora! Voc meu filho! (EDDIE e MAY encontram-se no centro do

102
palco. Abraam-se. Beijam-se carinhosamente. Faris subitamente cruzam o
palco novamente da direita, atravessando o palco pela janela e novamente de-
saparecendo na esquerda. Som alto de uma coliso. Vidro quebrando, uma
exploso, luz laranja brilhante e azul de fogo de gasolina subitamente iluminam
a janela. Ento, sons de cavalos relinchando loucamente, casco ressoando no
calamento, desaparecendo, silncio total. A luz do fogo da gasolina continua
at o final da pea. EDDIE e MAY no param de se abraar enquanto tudo isto
acontece. Pausa longa. Ningum se mexe. Ento MARTIN levanta e vai para a
janela, espia pela veneziana. Pausa.)

MARTIN (Na janela, olhando as chamas.)

seu o caminho com um reboque de cavalos l fora?

EDDIE (Continua com MAY.)

MARTIN

T pegando fogo.

EDDIE

MARTIN

Os cavalos esto todos soltos.

103
EDDIE (D um passo para trs, afastando-se de MAY.)

, acho que sim.

MAY

Eddie...

EDDIE (Para MAY.)

S vou l fora dar uma olhada. Tenho que pelo menos dar uma olhada,
no ?

MAY

Que diferena faz?

EDDIE

Bem, no posso deixar ela ir embora assim. Que devo fazer? (Dirige-se
para a porta esquerda do palco.) S um segundo.

MAY

Eddie...

EDDIE

S um segundo. S vou dar uma olhada e volto em seguida. T legal?

(EDDIE SAI PELA PORTA ESQUERDA DO PALCO. MAY OLHA PARA A


PORTA, FICA ONDE EST. MARTIN FICA NO LTIMO PLANO DO
PALCO. MARTIN VIRA-SE LENTAMENTE DE COSTAS PARA A JANELA

104
E OLHA PARA MAY. PAUSA. MAY VAI AT A CAMA, PUXA A MALA
DEBAIXO DELA, ATIRA A MALA SOBRE A CAMA E ABRE-A. ENTRA
NO BANHEIRO E VOLTA COM ROUPAS. GUARDA AS ROUPAS NA
MALA. MARTIN OLHA-A POR UM MOMENTO E ENTO SE DIRIGE A
MAY VAGAROSAMENTE ENQUANTO ELA CONTINUA O QUE ESTAVA
FAZENDO.)

MARTIN

May...

(MAY ENTRA OUTRA VEZ NO BANHEIRO E VOLTA COM MAIS


ROUPAS. GUARDA-AS NA MALA.)

MARTIN

Voc precisa de ajuda? Tenho um carro. Posso te levar aonde voc quiser.
(Pausa. MAY continua a lazer a mala.) Voc vai embora com ele?

(ELA PRA. ESTICA-SE. OLHA PARA MARTIN. PAUSA.)

MAY

Ele foi embora.

105
MARTIN

Ele disse que voltava em um segundo.

MAY (Pausa.)

Ele foi embora.

(MAY SAI COM A MALA PARA A PORTA ESQUERDA DO PALCO. DEIXA


A PORTA ABERTA ATRS DELA. MARTIN FICA L PARADO,
OLHANDO A PORTA ABERTA POR UM MOMENTO. O VELHO OLHA
PARA A ESQUERDA DO PALCO, PARA SUA CADEIRA DE BALANO, E
ENTO UM POUCO ACIMA DELA, UM ESPAO EM BRANCO NA PARE-
DE. PAUSA. O VELHO COMEA A DIRIGIR-SE VAGAROSAMENTE
PARA A PLATAFORMA.)

VELHO (Apontando para o espao em branco, esquerda do palco.)

Est vendo aquela foto l? C t vendo? G sabe quem ? a mulher dos


meus sonhos. isso que ela . E ela minha. Ela toda minha. Pra sempre.

(CHEGA CADEIRA DE BALANO, SENTA, MAS CONTINUA


OLHANDO A FOTO IMAGINRIA. COMEA A SE BALANAR BEM
DEVAGAR. DEPOIS QUE O VELHO SENTA NA CADEIRA, COMEA A
TOCAR IM THE ONE WHO LOVES YOU, DE MERLE HAGGARD,
ENQUANTO AS LUZES COMEAM A DIMINUIR LENTAMENTE.
MARTIN DIRIGE-SE LENTAMENTE PARA A JANELA NO LTIMO
PLANO DO PALCO E PRA. OLHA PARA FORA DE COSTAS PARA A
PLATIA. O FOGO RELUZ ATRAVS DA JANELA ENQUANTO AS

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LUZES DIMINUEM. O VELHO COMEA A BALANAR-SE DEVAGAR.
AS LUZES DO PALCO DIMINUEM AT DESAPARECEREM. O FOGO
RELUZ POR UM MOMENTO NO ESCURO, ENTO CORTA PARA O
ESCURO TOTAL. A MSICA CONTINUA NO ESCURO E AUMENTA DE
VOLUME.)

FIM

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