Feffermann Vidas-Arriscadas Estudo Jovens Trafico 2006
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Feffermann Vidas-Arriscadas Estudo Jovens Trafico 2006
As informaes, anlises e opinies expressas nos artigos desta publicao so de responsabilidade de seus autores.
permitida a reproduo total ou parcial do contedo desta edio, desde que mantidos os crditos dos autores e suas respectivas instituies.
SECRETARIA
DA SADE
BIS#40/Dezembro_2006
A populao brasileira enfrentou uma intensa transfor- Historiadores da vida cotidiana, a exemplo de Philippe
mao no decorrer do sculo XX, caracterizada, dentre di- Aris, observam que durante a Idade Mdia no existia
versos aspectos, pela transio de uma organizao social concepo clara nem da infncia nem da adolescncia.
de carter rural a uma sociedade eminentemente urbana. As crianas eram percebidas na sua dependncia e, to
Esse processo foi acompanhado de uma acentuada queda logo pudessem viver sem a ateno constante da me,
da fecundidade e do aumento da expectativa de vida, ao eram integradas ao mundo adulto. No existia a idia
lado de crises econmicas e de alta excluso social. Nesse de que as crianas deveriam ser mantidas afastadas do
panorama, incidem concepes sobre os adolescentes, a mundo dos adultos para preserv-las ou educ-las. Os
adolescncia e suas relaes com a sociedade brasileira. adolescentes, por sua vez, j eram considerados adultos,
Ao tratar-se da gerao como uma categoria analtica sob esse ponto de vista.
nos estudos sobre a populao jovem, preciso observar O conceito de adolescncia vai ganhando contornos
a construo histrica e a emergncia do adolescente mais ntidos do final do sculo XIX a meados do sculo
enquanto ator social. Pressupe-se dinmica social, a XX. Conforme reala Vivian M. Rakoff (1995, p. 57):
ser considerada na compreenso da adolescncia, as
suas inter-relaes com os demais estratos populacio- Existen indicios anteriores en las nociones acerca de la juventud que se
nais, cujos limites e fronteiras so construdos social e han convertido casi en lugares comunes, como su relacin con el amor,
historicamente com o apoio do discurso mdico-biolgi- la aventura, la imprudencia, la energa, la belleza, la falta de previsin
co e suas categorias de validade universal. y el exceso de emocin. Pero nada de esto se aproxima a la definicin de
O discurso sobre os limites etrios da adolescncia la adolescencia como otra etapa de la vida que ha surgido en los ltimos
busca fundamentao mdico-biolgica. Concebida como cincuenta o sesenta aos.
fase de desenvolvimento das capacidades reprodutivas, a
adolescncia tratada como processo em que o indivduo Comentando as relaes entre o surgimento de um
passa do desenvolvimento inicial dos caracteres sexuais para novo enfoque do ser humano e o desenvolvimento do
a maturidade sexual. Esse processo seria acompanhado por conceito de adolescncia, a autora prossegue observan-
transformaes psicolgicas da fase infantil para a adulta. do que: ...la nocin de la autodeterminacin, combi-
Assim, uma das caractersticas centrais desse perodo seria o nada con las oportunidades econmicas y una falta de
desenvolvimento do aparelho reprodutor, com repercusses confianza en las formas histricas recibidas, acompa
sexuais, psicolgicas e sociais. Apesar do reconhecimento el surgimiento y definicin de la adolescencia como una
da dimenso social do processo, prevalece a tendncia poca de desarrollo (p. 60).
naturalizao e normatizao da adolescncia, reduzida A observao dos significados atribudos s transfor-
ao fenmeno biofisiolgico da puberdade. maes corporais no perodo entre a infncia e a idade
Na produo cientfica sobre a adolescncia, recorre adulta em diferentes culturas ressalta que o ingresso na
definio de que se trata de transio entre a infncia vida adulta um processo socialmente construdo e his-
e a vida adulta. A adolescncia vista como etapa in- toricamente datado, marcado pelo reconhecimento de
termediria em que o ser humano obtm as condies novas obrigaes e investidura de um novo papel social.
para seu desenvolvimento, usufruindo o seu tempo para Ruth Benedict (s/d, p. 37) comenta que:
estudar e desfrutar do lazer sem as responsabilidades
adultas. O reconhecimento social dessa fase da vida O exame mais perfunctrio dos modos como diferentes sociedades tm
transforma-se historicamente, variando segundo a socie- considerado a adolescncia pe em evidncia o seguinte fato: mesmo
dade ou o grupo social em que esteja sendo tratada. naquelas culturas que do mais importncia a este aspecto, a idade em
A prpria noo de existncia de fase definida no que fazem incidir a sua ateno varia num largo intervalo de anos. , pois,
desenvolvimento humano de transio para a vida adulta imediatamente claro que se continuarmos a pensar em termos de puberdade
emerge no processo histrico, sobretudo com o desenvol-
vimento de um modo de vida urbano. Tal categoria ganha 1
Cientista Social, Doutora em Sade Pblica pela Faculdade de Sade Pblica da Universi-
dade de So Paulo e Pesquisadora Cientfica do Instituto de Sade Secretaria de Estado da
cada vez mais importncia no decorrer do sculo XX. Sade de So Paulo. Contato: [email protected]
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Consideraes Finais
O percurso deste artigo indica que determinantes de
gnero e gerao conformam um cenrio de assimetrias
e vulnerabilidades, devendo ser enfrentados com pol-
ticas pblicas para a promoo da integralidade e da
eqidade dos adolescentes e jovens.
O reconhecimento da vulnerabilidade dos ado-
lescentes tem levado a uma busca do empowerment do
grupo, procurando-se al-los condio de pro-
tagonista das aes e dos programas desenvolvidos.
Alguns projetos nessa rea, por exemplo, tm buscado
oferecer aos adolescentes ferramentas com as quais
eles mesmos possam monitorar a implementao e o
desenvolvimento de programas.
Em que pesem as iniciativas de alguns grupos e
setores sociais, existe um hiato entre o que preconizado
e afirmado no plano dos direitos humanos e a realidade
social. Os direitos so implementados por polticas p-
blicas, em conformidade com princpios democrticos e
participativos, que exigem postura ativa da sociedade e
das instituies para a promoo de melhores condies
de vida para os adolescentes e jovens.
Referncias Bibliogrficas
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ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1981, 279p.
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Contexto, 1996, p. 44-60. Coleo Caminhos da Histria.
NAES UNIDAS. The fourth world conference on
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O mito da democracia racial, construdo pelo e recriaram critrios particulares e temporais de seleo
modelo de relaes raciais no Brasil, ao negar o racismo social geradora de desigualdades. A revoluo burguesa
(FREIRE, 1933; PIERSON, 1971) e, conseqentemente, transformou grupos considerados inferiores negros, ndios
ao no analisar os indicadores de sade desagregados e imigrantes em trabalhadores, mas no em cidados.
por cor, ocultou, durante muito tempo, as desigualdades s desigualdades foram incorporadas diversidades raciais
na situao de sade da populao preta e parda com- e de classe social, amalgamando uma dupla discriminao
parada com a da populao branca. Por isso se utiliza a de classe e raa (IANNI, 1991). Seus efeitos cumulativos se
classificao de cor atual da Fundao Instituto Brasileiro evidenciam pela diferente apropriao econmica de bens,
de Geografia e Estatstica (FIBGE): branca, preta, parda, servios e direitos sociopolticos comparados dos brancos,
amarela, indgena e no informada, onde o termo conduzindo a desvantagens intergeracionais cumulativas e
negro refere-se ao conjunto de pretos e pardos. conseqente aumento da vulnerabilidade aos fatores de
Todavia, desde o primeiro Censo da populao risco de doenas (CUNHA, 2001).
brasileira (1872), o quesito cor vem sendo colhido e O quesito cor s foi includo na Declarao de bitos
analisado, exceto em 1900, 1920 e 1970 (PETRUCELLI, do Sistema de Informaes de Mortalidade do Ministrio
2000), revelando a situao socioeconmica desfavo- da Sade em 1996 por recomendao do Grupo de
rvel da populao negra. A distribuio da populao Trabalho Interministerial de Valorizao da Populao
brasileira por cor e sexo variou regionalmente, em 2000, Negra, que tambm props sua introduo nos demais
levantando questes complexas sobre os critrios de documentos do SUS, para possibilitar diagnsticos epi-
classificao por cor e seu significado que no sero demiolgicos em grupos raciais. Mas, em 2000, 15,7%
aqui abordados. No Censo daquele ano, a proporo dos bitos no pas no tinham registro de cor, 7,8% na
de pessoas sem informao sobre cor era desprezvel. regio Sul, 11,5% na Sudeste, 13,4% na Norte, 15,2%
na Centro-Oeste e 29,9% na Nordeste.
(Ver Anexo, na p. 11) Estudo sobre as desigualdades raciais na mortalidade
na regio Sul (VOLOCHKO, 2005) mostrou que os ado-
No mbito do trabalho, aos negros so destinados lescentes (10 a 19 anos) constituram o segundo maior
principalmente trabalhos marginais, temporrios e pre- grupo populacional (19,8%), suplantados apenas pelos
crios e postos menos qualificados e pior remunerados adultos (20-59 anos, 53,2%). Sua taxa de mortalidade
(CHAIA, 1988). Em ocupaes iguais, negros chegam especfica foi a menor entre as mulheres e a segunda
a receber menos da metade do salrio pago a brancos menor entre homens. No obstante, em 11,9% dos
e o desemprego aberto e encoberto maior entre eles adolescentes que morreram a cor no foi informada. A
(BARROS et al, 1990). O mercado de trabalho nega- dimenso do no-registro de cor e o no-conhecimento
tivamente seletivo em relao ao negro e, para Barbosa de sua distribuio entre os vrios grupos podem acarre-
(1999), o racismo parte estrutural do processo de tar distores e sub-registros importantes na mortalidade
produo e reproduo do capital. especfica de grupos minoritrios como os pretos.
Quanto educao, Hasenbalg (1979) verificou fen- A mortalidade de pardos foi menor que a de brancos
meno semelhante ao da esfera do trabalho. A proporo em ambos os sexos (em contradio com suas condies
de negros sem acesso ao ensino formal o triplo da dos de vida piores) sugerindo embranquecimento dos mortos
brancos, seu ingresso mais tardio, a evaso escolar mais de cor parda, que no ser aqui apresentada.
precoce e maior, alm de essa populao obter escolaridade Tanto a mortalidade geral quanto a evitvel dos
menor que brancos de mesma situao social. O retorno, rapazes pretos foi 40% maior que a dos brancos en-
em termos de insero ocupacional e renda, tambm quanto as das moas pretas foram ambas 20% maiores
menor que a dos brancos com mesma escolaridade.
O processo brasileiro de formao capitalista implicou 1
Mdica Sanitarista, Mestre em Sade Pblica; Doutora em Cincia pela Secretaria de Estado
na produo e reproduo de complexa rede de incluses e da Sade de So Paulo, Pesquisadora do Instituto de Sade da Secretaria de Estado da Sade
de So Paulo e Membro do Grupo Tcnico de Sade da Populao Negra do Estado de So
excluses sociais. A industrializao e modernizao criaram Paulo. Contato: [email protected]
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Anexo
Tabela 1. Distribuio da populao por sexo e raa/cor (%). Brasil e Regies, 2000
Brancos Pretos Pardos Amin Ign Total
H M H M H M H M H M H M Pop Geral
Brasil 25,8 27,9 3,2 3,0 19,4 19,1 0,4 0,5 0,4 0,4 49,2 50,8 169.872.726
Norte 13,5 14,6 2,8 2,2 32,8 31,2 1,0 0,9 0,6 0,6 50,6 49,4 12.911.047
Nordeste 15,4 17,6 4,0 3,7 29,0 29,0 0,2 0,3 0,4 0,4 49,0 51,0 47.782.361
Centro-Oeste 24,1 25,7 2,5 2,1 22,3 21,4 0,6 0,6 0,3 0,3 49,9 50,2 11.638.536
Sudeste 29,9 32,5 3,4 3,2 14,9 14,6 0,5 0,5 0,3 0,3 48,3 51,7 72.430.073
Sul 40,9 42,7 1,9 1,8 6,0 5,5 0,4 0,4 0,2 0,2 49,4 50,6 25.110.228
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O conceito de sade sexual e reprodutiva pressupe resultados do Censo de 2000 indicam que, na socie-
a capacidade de desfrutar de uma vida sexual segura e dade brasileira, convivem vrios padres distintos de
satisfatria e de reproduzir-se, contando com a liberdade fecundidade, sendo que as mulheres com maior renda
de faz-lo ou no, quando e com que freqncia. Decorre e maior escolaridade apresentam uma fecundidade
da definio acima o direito de homens e mulheres algumas vezes menor do que as mais pobres e menos
informao, ao acesso aos mtodos de planejamento escolarizadas (IBGE, 2002).
da fecundidade de sua escolha, que sejam seguros, No entanto, a presena de um padro diferenciado
efetivos, disponveis e aceitveis, e o direito de acessar em relao vida sexual e reprodutiva entre as mulheres
servios de sade apropriados. O captulo acerca dos mais escolarizadas e com maior poder aquisitivo no
Direitos Reprodutivos e da Sade Reprodutiva do Plano implica obrigatoriamente em um nvel timo de Sade
de Ao do Cairo estabelece que, mediante o sistema de Sexual e Reprodutiva. As condutas que se estabelecem
ateno primria, os pases devem se esforar para que nesse plano inserem-se num campo marcado por uma
a sade sexual e reprodutiva esteja ao alcance de todas diversidade de fatores, desde os econmicos, as formas
as pessoas (NAES UNIDAS, 1994). de insero social e de acesso aos direitos sociais e indi-
Define-se, ainda, a ateno sade reprodutiva viduais, at os contextos culturais, as expectativas sociais
como um conjunto de mtodos, tcnicas e servios que e a atribuio de papis de gnero, a partir das quais
contribuem para o bem-estar na preveno e soluo dos so engendradas necessidades, expectativas e signifi-
problemas de sade. Inclui-se a o desenvolvimento das caes. As relaes entre as expectativas profissionais e
relaes pessoais e da vida, e no meramente o asses- socioeconmicas, o acesso ao sistema escolar e as pre-
soramento e a ateno relacionados com a reproduo ferncias reprodutivas merecem maiores estudos, dada
e com as doenas sexualmente transmissveis. Entre os a complexa rede de significados e representaes que
princpios bsicos consagrados pelas Conferncias do so definidas no entrecruzamento dessas esferas. Entre a
Cairo e de Beijing (NAES UNIDAS, 2005) encontra-se: populao jovem, a compreenso e a considerao dos
o direito opo livre e informada, o respeito integridade diversos fatores que influenciam as prticas sexuais e as
fsica, o direito de no sofrer discriminao nem coero opes reprodutivas so importantes elementos para a
em assuntos relacionados vida sexual e reprodutiva. Con- atuao junto ao grupo, nos seus diversos segmentos.
sidera-se que esses direitos so a base fundamental para o Estudo com estudantes de cursos de graduao da
exerccio de todos os outros direitos humanos. Universidade de So Paulo, realizado entre 2000 e
Em nossa sociedade, entre as questes que marcam 2002, indicou que uma complexa rede de representa-
o campo da Sade Sexual e Reprodutiva de adolescen- es simblicas subsidia as condutas contraceptivas e de
tes e jovens, destacam-se a violncia sexual, a gravidez Sade Sexual e Reprodutiva em geral. Essas representa-
indesejada ou no-planejada, o aborto realizado clan- es constroem o sentido das prticas sexuais, classifi-
destinamente, a mudana no perfil da aids apontando cando-as, definindo regras e obrigaes e orientando
para a juvenilizao e feminilizao da epidemia, as as escolhas2.
dificuldades de acesso informao e a inexistncia de A caracterizao das alunas e alunos entrevistados
polticas pblicas permanentes na rea de Educao indicou tratar-se de uma populao jovem, que iniciou
Sexual, alm da dificuldade de acesso aos servios de os estudos superiores logo aps a concluso do Ensino
sade e aos mtodos contraceptivos. Mdio e que dedicava, a maior parte do tempo, vida
A escolaridade est fortemente relacionada com as universitria. O grupo era formado, em sua maioria, por
prticas sexuais e as opes reprodutivas, sobretudo nos
estratos formados pela populao mais jovem. O nvel
de instruo est relacionado com o adiamento da unio 1
Cientista Social, Doutora em Sade Pblica pela Faculdade de Sade Pblica da Universidade
de So Paulo e Pesquisadora Cientfica do Instituto de Sade Secretaria de Estado da Sade
conjugal e da maternidade/paternidade, preferncia por de So Paulo. Contato: [email protected]
famlias menores e maior utilizao de contraceptivos. 2
Um instrumento com questes fechadas foi aplicado em uma amostra representativa formada por
952 estudantes sorteados nos trs campi do municpio de So Paulo. Tambm foram realizadas en-
(CNPD, 1998; SEADE, 1998; GOLDANI, 1999). Os trevistas em profundidade com 33 alunos voluntrios da primeira etapa (PIROTTA, 2003, p. 317).
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A Conferncia Internacional sobre Populao e De- demogrficos. Medidas especiais devem ser tomadas para assegurar que
senvolvimento, realizada no Cairo, em 1994 (NAES as mulheres jovens tenham as condies de vida necessrias para uma
UNIDAS, 1994), e a Quarta Conferncia Mundial participao ativa e efetiva em todos os nveis de liderana social, cultural,
sobre a Mulher, Desenvolvimento e Paz, ocorrida logo poltica e econmica. Ser crucial para a comunidade internacional demons-
em seguida, em Beijing, em 1995 (NAES UNIDAS, trar um novo compromisso com o futuro um compromisso de inspirar
1995), representam dois marcos fundamentais para a uma nova gerao de mulheres e homens a trabalharem juntos por uma
afirmao dos direitos sexuais, dos direitos reprodutivos sociedade mais justa. Esta nova gerao de lderes deve aceitar e promover
e dos princpios que os norteiam. A partir das Confe- um mundo no qual toda a criana seja livre da injustia, da opresso e da
rncias, a comunidade poltica internacional reconhece desigualdade e livre para desenvolver seu prprio potencial. O princpio da
os direitos sexuais e direitos reprodutivos como direitos igualdade de mulheres e homens deve, finalmente, ser integral no processo
humanos, e os pases signatrios comprometem-se a de socializao.
adotar suas definies, princpios e recomendaes para (NAES UNIDAS, 1995)
promover polticas pblicas e adequar as legislaes no
mbito de seus sistemas jurdicos internos. A defesa de No Brasil, as polticas pblicas no campo da educao
uma abordagem democrtica para as questes ligadas sexual remontam dcada de 60, quando acontecem
sexualidade e reproduo caracteriza a plataforma as primeiras experincias no pas (ARILHA; CALAZANS,
dessas Conferncias. 1998). Nos anos 70, a partir das reivindicaes do movi-
Entre as recomendaes da Conferncia do Cairo e de mento feminista, avanam os debates sobre a sexualidade
Beijing, encontra-se a preocupao com a juventude. Os e as condies de vida das mulheres. A implementao
documentos enfatizam a necessidade de implementao de programas na rea de sade da mulher tem seu marco
de programas de educao sexual e de Sade Sexual e na dcada de 80 com o Programa de Assistncia Integral
Reprodutiva voltados para a populao jovem, destacan- Sade da Mulher (PAISM). Nessa mesma poca, tem
do-se a importncia de os adolescentes e jovens terem incio o Programa Nacional de DST/AIDS, alm do Pro-
acesso aos servios de sade, informao quanto aos grama de Sade do Adolescente (PROSAD), embora este
mtodos contraceptivos e s formas de proteo contra ltimo no tenha sido implementado de fato.
HIV/aids e demais doenas sexualmente transmissveis. Nos anos subseqentes, os jovens brasileiros so
Alm disso, so preconizadas tambm aes de incentivo includos na agenda das polticas pblicas nacionais
s atitudes responsveis perante a sexualidade, no- em diversas reas, especialmente na Educao e na
discriminao das mulheres, promoo da eqidade de Sade, aumentando sua visibilidade no espao pblico
gnero e ao combate da violncia sexual. Nesse mbito, e ampliando-se a formulao de programas e projetos
o acesso a programas intersetoriais sobretudo aqueles especficos para esse segmento da populao.
que envolvem educao e sade fundamental para Vrios fatores de ordem social, poltica e econmica
que a populao jovem vivencie a sexualidade de maneira contriburam para esse processo; porm, no plano jurdi-
mais plena e saudvel, e para mudana nas dinmicas de
gnero em toda a sociedade. 1
O projeto que deu origem a esse artigo foi selecionado pelo Programa de Apoio a Projetos
Destaca-se o 40 Princpio da Plataforma de Ao em Sexualidade e Sade Reprodutiva (PROSARE) da Comisso de Cidadania e Reproduo
(CCR), em parceria com o Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento (CEBRAP), recebendo
de Beijing, segundo o qual os gestores dos programas apoio da Fundao MacArthur. A pesquisa foi realizada por meio de uma parceria entre o
Instituto de Sade e a Ecos Comunicao em Sexualidade.
e das polticas pblicas devem tomar medidas especiais 2
Cientista Social, Doutora em Sade Pblica pela Faculdade de Sade Pblica da Universidade
que promovam as condies para que os jovens, espe- de So Paulo e Pesquisadora Cientfica do Ncleo de Condies de Vida e Situao de Sade
do Instituto de Sade Secretaria de Estado da Sade de So Paulo.
cialmente as mulheres, participem ativa e efetivamente Contato: [email protected]
3
Cientista Social, Mestre em Sade Coletiva, Pesquisador Cientfico do Ncleo de Condies
em todos os nveis de liderana social, cultural, poltica e de Vida e Situao de Sade do Instituto de Sade Secretaria de Estado da Sade de So
econmica. O documento afirma que: Paulo. Contato: [email protected]
4
Psicloga, Mestranda em Medicina Preventiva, Pesquisadora Cientfica do Ncleo de Condi-
es de Vida e Situao de Sade Instituto de Sade Secretaria de Estado da Sade de So
Metade da populao mundial tem menos de 25 anos de idade e a maioria Paulo. Contato: [email protected]
5
Cientista Social, Diretora e Pesquisadora da ECOS Comunicao em Sexualidade. Contato:
dos jovens no mundo (mais de 85%) vive em pases em desenvolvimento. [email protected]
6
Cientista Social, Mestre em Sociologia, Pesquisadora da ECOS Comunicao em Sexuali-
Os gestores de polticas devem reconhecer as implicaes desses fatores dade e da Fundao Carlos Chagas. Contato: [email protected]
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Por que um artigo sobre brincadeiras de crianas em mulheres podem ser grandes ou pequenas e o contedo de
uma revista dedicada juventude? Porque acreditamos esteretipos de gnero e de papis sexuais varia de uma
que as origens das concepes e vivncia dos papis de sociedade para outra. Alm disso, o grau em que as pessoas
gnero podem ser encontradas desde cedo na ontognese se identificam com os papis de gnero de sua sociedade
e at mesmo antes do nascimento, durante a gestao, nas tambm mostra grandes modulaes.
expectativas dos adultos a respeito do futuro beb. Harris (1998) afirma que as interaes sociais entre as
Estudos sobre crianas em todo o mundo, inclusive crianas constituem um meio importante para o desenvol-
nas sociedades indgenas, indicam diferenas de gnero vimento de comportamentos tpicos de cada sexo. A autora
nas brincadeiras infantis. Os psiclogos evolucionistas enfatiza o papel desempenhado por variveis situacionais,
atribuem essas diferenas, em grande parte, a fatores alegando que meninos no nascem com averso a trocar
genticos. Hinde (1987), um dos primeiros tericos dessa fraldas de bonecas e as meninas no nascem com anti-
linha de pensamento, afirma que, nas sociedades conhe- patia por caminhes (p. 279) e que as diferenas entre
cidas, tanto as ocidentais urbanizadas quanto as tradi- os sexos aumentam no decorrer da primeira dcada de
cionais, os papis masculino e feminino divergem, assim vida. Durante os anos formadores da infncia, a menina se
como as expectativas em relao a homens e mulheres. torna mais parecida com outras meninas e os meninos mais
O autor ressalta que, ao que tudo indica, essas diferenas parecidos com seus pares: meninas turbulentas tornam-se
teriam sido consolidadas no ambiente de adaptao da menos agitadas e meninos tmidos ficam mais ousados.
espcie humana; ou seja, possvel que o ambiente em Diversos autores constataram que as crianas preferem
que viveram nossos ancestrais tenha dotado homens e associar-se a colegas do mesmo sexo. Certamente, a se-
mulheres de propenses comportamentais diferentes. gregao por sexo afeta o desenvolvimento das crianas,
Portanto, de se esperar que, dadas as diferenas canalizando seus interesses e experincias e limitando os
anatmicas, funcionais e hormonais e as influncias do tipos de atividades nas quais se envolvem e que, quanto
ambiente, desde cedo as crianas apresentem diferenas no mais elas se expem aos pares do mesmo sexo, mais seus
comportamento em funo do sexo. Embora, por um lado, comportamentos se tornam sexualmente diferenciados.
a evidncia disponvel, extrada de grupos indgenas, induza- Muitas das explicaes para a escolha por brincar com
nos a pensar que em nosso passado ancestral tenha havido crianas do mesmo sexo dizem respeito semelhana
diviso de trabalho entre homens e mulheres (os homens das atividades preferidas por elas. Por exemplo, meninos
cooperando na caa e as mulheres coletando vegetais e cui- muito ativos procurariam companheiros igualmente
dando da prole), preciso supor que tenha existido tambm, ativos: presumivelmente, outros meninos.
como hoje, uma extensa sobreposio entre os sexos em possvel examinar as variaes nas interaes com
muitas caractersticas e que os indivduos sempre tenham crianas do mesmo sexo e do sexo oposto sob duas
usado estratgias alternativas para atingir seus objetivos. perspectivas: o ponto de vista adotado em relao aos
possvel que muitas diferenas entre as preferncias de pares do mesmo sexo e o ponto de vista a respeito de
crianas de ambos os sexos j existam ao nascer. Connellan colegas do sexo oposto. provvel que a preferncia por
e col. (2000) afirmam que crianas com um dia de vida j crianas do mesmo sexo resulte mais de um vis positivo
demonstravam dimorfismo sexual na percepo de objetos: em relao ao mesmo sexo do que de um vis negativo
bebs do sexo masculino mostraram preferncia (medida em relao ao sexo oposto.
atravs da durao do olhar) por objetos mecnicos, enquan- Outros achados centrais de estudos que enfocaram a
to as meninas revelaram predileo por faces humanas. segregao sexual e a estereotipia de papis de gnero
Por outro lado, as concepes de gnero ligam-se a na infncia dizem respeito preferncia diferencial por
sistemas de crenas na forma de esteretipos e de expecta- brincar em grupos de tamanhos diferentes: as amizades
tivas codificadas culturalmente (MACCOBY, 1988). Certas das meninas so mais focalizadas nas dades, enquanto os
caractersticas universais, algumas das quais relacionadas meninos tendem a formar laos de grupo. Tal constatao
com a reproduo, vinculam-se a esses padres. No
entanto, como afirma Maccoby, a variao entre os grupos 1
Psicloga, Mestre e Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de So
Paulo e Pesquisadora Cientfica do Instituto de Sade da Secretaria de Estado da Sade de So
sociais extensa: as diferenas de status entre homens e Paulo. Contato: [email protected]
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O programa de servios amigveis para adolescentes programas intersetoriais sobretudo aqueles que envol-
uma iniciativa da Save the Children, do Reino Unido, vem os setores da Educao e da Sade um elemento
que vem sendo desenvolvida em sete unidades da rede fundamental para que as novas geraes vivenciem sua
de ateno bsica nas cidades de So Paulo, Recife e sexualidade de forma plena e saudvel e para uma
Natal, desde dezembro de 2005. O objetivo principal mudana nas dinmicas de gnero em toda a sociedade.
do programa construir um modelo de ateno sade No cenrio nacional, a partir da dcada de 80, os
que incorpore as necessidades e as demandas da popu- adolescentes foram incorporados na agenda das polti-
lao adolescente na faixa etria de 10 a 19 anos. cas pblicas em diversas reas, sobretudo na Educao e
A implantao desse modelo de ateno envolve na Sade, ampliando-se os investimentos na formulao
diversos atores e instituies governamentais e no- e na implementao de programas, projetos e servios
governamentais, mobilizando os gestores e as equipes pblicos voltados a essa populao, sob a gesto das
das unidades de sade vinculadas ao programa, coor- diferentes esferas governamentais. Entretanto, apesar dos
denadores de programas de ateno sade integral avanos alcanados com a execuo dessas polticas, as
do adolescente nas Secretarias Municipais de Sade, desigualdades regionais no acesso e a baixa cobertura
membros de Organizaes No-Governamentais (ECOS das aes ainda representam um grande desafio para o
Comunicao em Sexualidade, em So Paulo; Instituto governo e para a sociedade civil em nosso pas.
Papai e Auuba, no Recife e Canto Jovem, em Natal) e Em relao ao arcabouo legal, a Constituio de
redes de adolescentes que atuam na comunidade. 1988 e o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA)
A proposta do programa de servios amigveis est so marcos importantes para a defesa dos direitos das
em consonncia com as recomendaes da Confern- crianas e dos adolescentes, vislumbrando-se uma so-
cia Internacional sobre Populao e Desenvolvimento, ciedade mais justa, equnime e democrtica. Contudo,
realizada no Cairo, em 1994, e da Quarta Conferncia ao tratar da questo da sexualidade, o ECA adota um
Mundial sobre a Mulher, Desenvolvimento e Paz, rea- carter de proteo da criana e do adolescente frente
lizada em Beijing, em 1995. Essas conferncias foram ao mundo adulto, no explicitando os direitos sexuais
fundamentais para aprofundar os debates polticos entre e reprodutivos. Defende que a sociedade e o Estado
as delegaes da comunidade internacional, culminando devem se responsabilizar pela proteo das crianas e
com a pactuao e o reconhecimento dos direitos sexuais dos adolescentes quanto explorao sexual, porno-
e dos direitos reprodutivos como Direitos Humanos. grafia, prostituio infantil e violncia sexual, omitin-
Os pases signatrios dessas conferncias responsabili- do-se quanto ao direito educao sexual e a garantia
zaram-se pela adoo das definies, dos princpios e das de acesso aos mtodos contraceptivos e aos servios de
recomendaes propostas, envidando esforos para incor- sade reprodutiva (PIROTTA; PIROTTA, 1999).
por-las s polticas pblicas e s legislaes de cada pas. Tendo como intencionalidade ampliar a vocalizao
A populao de jovens e adolescentes, dada sua vul- e a visibilidade da temtica dos direitos sexuais e repro-
nerabilidade social, recebeu um grande destaque na pro- dutivos da populao adolescente, o programa servios
gramao e na agenda dessas conferncias. As propostas amigveis orienta-se pelas seguintes linhas de ao
aprovadas pelos delegados enfatizam a importncia do (SAVE THE CHILDREN, 2006):
acesso dos adolescentes a programas de educao sexual a) Atuar na perspectiva dos Direitos Humanos no marco
e de sade sexual e reprodutiva, o incentivo a adoo de
prticas e atitudes responsveis em relao sexualidade,
o combate a no-discriminao e a violncia contra as 1
Cientista Social, Mestre em Sade Coletiva, Pesquisador Cientfico do Ncleo de Condies
de Vida e Situao de Sade do Instituto de Sade Secretaria de Estado da Sade de So
mulheres, a importncia da informao sobre os mtodos Paulo. Contato: [email protected]
2
Cientista Social, Mestre e Doutora em Sade Pblica, Pesquisadora Cientfica do Ncleo de
anticoncepcionais e sobre as formas de transmisso e Condies de Vida e Situao de Sade do Instituto de Sade Secretaria de Estado da Sade
preveno das DST/HIV/Aids. Nesse contexto, o acesso a de So Paulo. Contato: [email protected]
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N de
Eixo Save the Children Dimenso
Indicadores
1.1 Dados
populacionais e
de acesso aos 6
Eixo 1 - Mudanas nas
condies de vida e servios
sade dos adolescentes 1.2 Dados de
5
sade sexual e
reprodutiva
2.1 Processo de
trabalho
Eixo 2 - Mudanas em 5
2.2 Financiamento
Prticas e Polticas 2
2.3 Parcerias para
aes voltadas 3
aos adolescentes
da rea da UBS
Eixo 3 - Participao
e cidadania ativa dos 3
adolescentes
Eixo 4 - Eqidade e
no-discriminao dos 2
adolescentes
Eixo 5 - Capacidade da
sociedade civil e das
instituies para apoiar 1
os direitos das crianas
e dos adolescentes
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Projeto que deu origem a este artigo e, atualmente, Pesquisadora Cientfica do Instituto de Sa-
lao de Pacajus, na poca da realizao do trabalho, de Secretaria de Estado da Sade de So Paulo. Contato: [email protected]
2
Mdico Especialista em Pediatria, Coordenador Tcnico do Projeto que deu origem a este
era de 43.830 habitantes, dos quais 21.575 eram do artigo e atua em Neonatologia e Sade Ocupacional pelo Ministrio da Sade, no Estado do
Cear. Contato: [email protected]
sexo masculino e 22.255 do sexo feminino. A populao 3
Ex-Profissional do Sexo e Voluntria da Associao de Apoio aos Carentes de Pacajus - AACCP.
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Esta breve reflexo surgiu a partir da instigante pro- te e cerebralizao juvenilizante (MORIN, 2000). O que
posta da Comisso Editorial em tratarmos de Juventude(s) o autor disse que a interpenetrao das caractersticas
e Vulnerabilidade(s) em relao a temticas especficas. juvenis jogos, afetos, plasticidade no adulto aumenta
Adianto, neste caso, uma leitura das experincias de a complexidade e o desenvolvimento do Homem, assim
sujeitos trabalhando no setor informal na cidade de como o contrrio foi decisivo para uma reorganizao
So Paulo. Uma primeira analogia a necessidade sistmica do crebro humano e do crtex cerebral,
de uma qualidade, uma disposio e um dispositivo o aumento do nmero de neurnios e o progressivo
intelectual para tratar da formulao Juventude(s) e aumento de aptides e competncias gerais e polia-
Vulnerabilidade(s), no plural. Para exercitar anlises daptativas traduzidas pela noo de cultura no homo
combinatrias e exponenciao, comecemos pela letra sapiens. Nada a ver, portanto, com a inverso operada
S, singular na escrita, plural na fala. At aqui, a idia infelizmente tambm ela assombrosa que opera uma
de pautar a conversa nos termos da informalidade vem espcie de infantiloidizao/descerebralizante e uma
vindo bem. Tambm ela pressupe, permite e/ou exige descebralizao/infantiloidizante, por assim dizer.
a coexistncia de aspectos diferentes num mesmo fen- Entrando no campo das Polticas Sociais, o nome-
meno, em dadas condies, espaciais ou temporais, por amento se d pelas faixas etrias, tendo em vista os
exemplo, assim como a existncia dos mesmos aspectos objetivos e pressupostos dos setores e reas que tratam
e do mesmo fenmeno em condies ou situaes o tema, como a Demografia, Assistncia Social, Direito,
diferentes, como o caso de juventude e/ou vulnera- Sade, Educao. Segundo o Instituto Brasileiro de
bilidade, unas e diversas, juntas ou separadas. Geografia e Estatstica IBGE, Populao em Idade
Como se sabe, existem diversas maneiras de concei- Ativa aquela de 10 anos ou mais de idade. Na Lei
tuar juventude, ainda mais numa poca em que a apo- 8069/1990, o Estatuto da Criana e do Adolescente, no
logia do novo estratgia central do poder de buscar Artigo 2 v-se que criana a pessoa de at 12 anos
apagar a histria e a memria de tudo e de todos, in- de idade incompletos e adolescentes, a pessoa de 12 a
clusive (principalmente?) a nossa de ns mesmos2. um 18 anos de idade. J o jovem usualmente considerado
mundo disforme, configurado num bombardeio uma o indivduo de idade entre 18 a 24 anos. Algumas agn-
vez que sem falar em violncia no se diz nada sobre cias do sistema Naes Unidas, como a Organizao
ele que promete juventude eterna, que insiste que Mundial da Sade (OMS), agrupam pessoas de 15 a 30
a juventude est dentro da cabea, um estado de anos nesta categoria.
esprito, ao mesmo tempo em que exige nada menos do Em nosso caso, na pesquisa original sobre informa-
que um perfeito estado de corpo, fotoshopeamente lidade no mundo do trabalho, a fase de campo ocorreu
desenhado, sarado, com o perdo do trocadilho. Alis, na zona norte paulistana, entre os anos de 1996 a
com esse arsenal de imagens procura impor ao setor 1998; contou com muita observao, anotaes, formu-
Sade no s o desvirtuamento de sua/nossa funo lrios e entrevistas, alm de altas doses de imaginao
precpua, mas exigncias crescentes em bombarmos metodolgica de onde resultaram os quadros abaixo,
nosso approach a qualquer custo, literalmente. Um estado meramente descritivos (IBANHES, 1999). Desde ento,
amorfo, viscoso, que quer a vida num eterno presente, os resultados foram apresentados e discutidos em funo
rumo imortalidade. O que se (com)funde a so as de um ou mais eixos que perpassavam e sustentaram a
vises, perspectivas ou a falta delas e os valores pesquisa: trajetria pessoal e profissional; fluxos, rotinas
inerentes uma determinada fase do desenvolvimento e contatos; insero, permanncia e durao do/no
humano com a promessa de um interminvel vir a ser, grupo; normas, comunicao, conflitos e mecanismos
a chamada adultescncia espichada no tempespao,
quase congelada, pois que movida velocidade da luz. 1
Psiclogo, Mestre em Cincias Sociais pela Universidade Federal de So Carlos, Doutor em
Vale ressaltar aqui a inverso do princpio, absoluta- Sade Pblica pela Universidade de So Paulo e Pesquisador Cientfico do Ncleo de Servios
e Sistemas de Sade do Instituto de Sade Secretaria de Estado da Sade de So Paulo, e
mente espantoso, estabelecido h mais de 30 anos por Professor do Departamento de Psicologia Evolutiva, Social e Escolar da UNESP/Campus de
Assis. Contato: [email protected]
Edgar Morin, com a idia de juvenilizao cerebralizan- 2
importante lembrar que no se deve confundir antigo com velho, nem alardeado com novo.
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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA.
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vens inscritos no trfico de drogas. So Paulo: Vozes, 2006.
FEFFERMANN, M. Na fronteira da lei e do fora-da-
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Este artigo procura discorrer sobre a temtica de uso para a vida adulta, mas como o estgio final do pleno
de psicotrpicos entre jovens e ressaltar a inovao da desenvolvimento humano; a transformao da juventude
adoo da estratgia de reduo de danos como um como grupo dominante nas economias de mercado
modelo metodolgico passvel para aes de educao desenvolvidas; o acentuado internacionalismo deste
em sade, visando a preveno dos males causados grupo. Passa a existir uma cultura jovem global e,
pelo consumo de drogas psicotrpicas lcitas e ilcitas. tambm por isto, a juventude passa a ser entendida, nas
suas mais complexas relaes com o mundo social como
Vulnerabilidade Social, Identidade e Uso um grupo com conscincia prpria, agentes sociais
de Drogas na Juventude independentes (p. 317); grupo com indivduos a partir
O conceito de juventude deve ser compreendido da puberdade que nos pases desenvolvidos passou
em conexo com o universo cultural, poltico, social e a ocorrer vrios anos mais cedo do que em geraes
econmico no qual este se insere (HOBSBAWM, 1995). anteriores por volta dos 15 anos e que, agora, so
A juventude pode ser concebida, portanto, como uma vistos como agentes socialmente independentes.
relao social e condio transitria da vida; aspectos Este grupo vivencia e representa o ser jovem de
que devem ser ressaltados como elementos de anlise formas distintas, influenciado pelas diferentes inseres
dos comportamentos juvenis, sem que se lhes atribua a sociais que possuem e que conduzem a diferenciadas
condio de contedos inatos. e seletivas oportunidades de acesso a bens materiais
A complexidade da sociedade moderna torna pe- e culturais. No Brasil, essa caracterstica exacerbada
culiar a passagem do jovem para condio de adulto, por sua reduzida distribuio de renda, produzindo
devido variedade de alternativas de vida e conse- profundas desigualdades socioeconmicas das quais
qente incerteza quanto ao prprio destino pessoal. as crianas, os adolescentes e os jovens so as maiores
Assim, a juventude, por sua ambivalncia que alterna vtimas: problemas educacionais, desigualdades nas
dvida e construo de certezas, manifesta momentos de formas de adoecimento e morte, entraves nas questes
desequilbrio e descontentamento e acaba servindo para de moradia, oportunidades de trabalho e lazer etc. Os
simbolizar os dilemas contemporneos. Nos jovens, o jovens buscam lidar com o mal-estar na civilizao
desejo de experimentar o novo est acompanhado por (HOBSBAWM, 1995) por meio de estratgias que envol-
incertezas, pela avidez de conhecimentos, pelo espanto vem, inclusive, o consumo de drogas. Seu uso traz em-
e indefinies cotidianas de uma realidade que, simul- butida a marca de diferentes tradies sociais e culturais,
taneamente, atrai e atemoriza. A juventude termina por por isso, compreender e analisar esse comportamento, a
catalisar as tenses sociais, ao mesmo tempo em que partir da internalizao dos direitos e da identidade dos
tambm as exterioriza, onde os conflitos sociais so jovens enquanto cidados uma proposta para a ao
visualizados (FEFFERMANN, 2004, p. 3). no campo da construo de uma cidadania extensiva.
O momento da juventude tambm de expanso
do afeto e de predomnio de necessidades de auto-re- Uso de Drogas e a Abordagem de Reduo
ferncia que as vivncias emotivas permitem, mas que o de Danos
aqui-agora da modernidade arrisca-se a afund-los no Segundo Bucher (2002), ao percorrermos a histria
imediatismo e na superficialidade. O jovem tem apare- da civilizao, encontramos a presena de drogas, desde
cido como retrato projetivo da sociedade, condensando os primrdios da humanidade, inseridas nos mais diver-
angstias, medos e, ao mesmo tempo, esperanas em sos contextos: social, econmico, medicinal, religioso,
relao s tendncias sociais percebidas no presente, e ritual, cultural, psicolgico, esttico, climatolgico e,
aos rumos que essas tendncias imprimem para a con- mesmo, militar. O consumo de drogas deve, portanto,
formao social futura (Idem, p. 2).
Hobsbawm (1995) aponta trs mudanas ocorridas
no sculo XX com relao cultura jovem: a forma de 1
Mestre e Doutora em Psicologia e Pesquisadora do Instituto de Sade da Secretaria de Estado
da Sade de So Paulo. Contato: [email protected]
perceber a juventude no como o estgio preparatrio 2
Sociloga, Mestre em Antropologia da Sade e Pesquisadora do Instituto de Sade da Secre-
taria de Estado da Sade de So Paulo. Contato: [email protected]
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Anexo 1
ETAPAS DO TRABALHO NO CONSTRUTIVISMO CORRESPONDNCIA NAS AES DESENVOLVIDAS
1. As pessoas so estimuladas a expor como pensam, Fez-se a leitura de textos em aulas de Lngua Portuguesa e
imaginam ou vivenciam o problema ou a questo. Psicologia.
2. Surge assim a diversidade de opinies, discusso e
Discute-se e buscam-se informaes em enquetes sobre
socializao dessas, que motiva uma pesquisa ou
efeitos de lcool e drogas.
investigao o problema passa a ser do grupo.
3. O grupo realiza investigaes de variadas formas (livros, Elabora-se um levantamento bibliogrfico/Seminrios e
entrevistas, observaes), procurando trazer informaes as enquetes so esquematizadas para a produo de uma
que elucidem o problema ou questo. pesquisa quantitativa na escola.
4. As informaes (incluindo as cientficas) so trazidas por Produz-se a pesquisa quantitativa sobre o uso/abuso de
todos e sistematizadas (organizadas) pelos alunos com a bebidas alcolicas pelos estudantes da escola: criao dos
ajuda do educador. instrumentais, aplicao e tabulao em aulas.
5. Com a sistematizao das informaes sobre o problema
Analisa-se e discute-se os resultados da pesquisa, gerando
ou a questo, as solues passam a fazer parte do arsenal
grficos explicativos e a relatrios de resultados.
do grupo e, portanto, de cada integrante.
Estudantes esto includos em todas as etapas de pesquisa,
discusso e compreenso dos fatores envolvidos no uso
6. A participao do estudante em todo o processo de e abuso do lcool, motivando sua reflexo individual e
produo e obteno do conhecimento lhe proporciona dilogo com colegas, por meio da criao de uma pea
uma experincia cognitiva racional e emotiva que desperta publicitria sobre alcoolismo na juventude. Isso proporciona
o interesse por novas investigaes e aes prticas mais preveno ao abuso dessa substncia em suas vidas,
embasadas. transformando-os em protagonistas juvenis com seus pares,
alm de interventores sociais pela publicao de resultados
do estudo no jornal local.
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Sexualidade
- ABRAPIA Associao Brasileira Multiprofissional de Proteo Infncia e Adolescncia:
http://www.abrapia.org.br/
- ADOLESITE:
http://www.adolesite.aids.gov.br
- BARONG:
http://www.barong.org.br
- CEVAM:
http://www.cevam.org.br
- ECOS:
http://www.ecos.org.br
- Grupo Adolescer:
http://elogica.br.internet/lumigun/adolescer.htm
- Grupo Assumidos:
http://www.aids.org.br/assumidos
- Grupo Juventudes & Vulnerabilidade do Instituto de Sade/ Secretaria de Estado da Sade de So Paulo:
[email protected]
- GTPOS:
http://www.gtpos.org.br
- NEPAIDS/USP:
http://www.usp.br/nepaids
- REDE CE:
http://www.redece.org
Drogas
- Grupo Juventudes & Vulnerabilidade do Instituto de Sade / Secretaria de Estado da Sade de So Paulo:
[email protected]
- Cebrid:
www.unifesp.br/dpsicobio/cebrid/
- de Lei:
http://www.edelei.org.br
- Projeto Juventude:
http://www.projetojuventude.org.br/novo/html/noticias_inte8ec.html
- Mundo Jovem:
http://www.mundojovem.pucrs.br/drogas.php
Violncia
- Comunidade Segura: Redes de Idias e Prticas de Segurana:
http://www.comunidadesegura.org/?q=pt/taxonomy_menu/15/157
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