Envelopes de Voo

ENVELOPES DE VOO
Ultrapassar obstculos vencendo seus prprios limites. Este sempre foi um dos principais objetivos do
homem, alis, devemos a este comportamento a maior parcela da nossa evoluo. Entretanto, em determinadas
reas, manter-se dentro dos limites estabelecidos pode significar a diferena entre o sucesso e o fracasso, entre a
misso cumprida e o acidente.
Quando se trata dos limites de operao impostos pelo fabricante de uma aeronave, devemos ter em
mente que aqueles nmeros, definindo o envelope de voo, foram exaustivamente estudados e testados antes da
entrada em servio do equipamento. O processo de definio desses limites est intimamente ligado s duas
primeiras fases do ciclo de vida de um produto aeronutico, quais sejam: concepo e desenvolvimento.
Na Fase de Concepo, onde o fabricante foca seu projeto na misso que a aeronave dever cumprir, so
definidas, de forma preliminar, as condies em que esta ir operar e algumas caractersticas gerais de
desempenho, como autonomia e carga paga.
Em seguida, na Fase de Desenvolvimento e com base em anlises de engenharia, so propostos os
limites que iro compor o envelope de voo do prottipo (POL Prototype Operational Limits). Com o primeiro
prottipo em mos, a equipe de ensaios em voo, cumprindo um planejamento denominado Programa de Ensaios,
elaborado e aprovado especificamente para este fim, expande gradualmente esses limites, numa atividade
conhecida como abertura de envelope.
Como passo inicial, a aeronave recebe instrumentao dedicada coleta de dados, a qual permite a
gravao e/ou transmisso em tempo real de todos os parmetros de interesse do motor, transmisso, clula,
rotores, posio de comandos, anemometria, etc. O prottipo passa ento por uma calibrao desta
instrumentao, como forma de garantir a exatido dos dados colhidos, fundamentais ao ajuste do envelope de
voo desejado s condies reais de operao.
Na preparao da aeronave para o primeiro giro no solo (primeira partida de seus motores) so realizados
testes funcionais dos diversos sistemas. Neste primeiro giro so executados outros cheques funcionais em
complemento queles realizados na fase de preparao e feitos os ajustes necessrios no balanceamento dos
rotores principal e de cauda, para reduzir a vibrao. observada, ainda, a ausncia de vazamentos e possveis
tendncias ressonncia solo. Aps a anlise dos dados deste primeiro ponto e uma avaliao completa do nvel
de risco envolvido, a aeronave preparada para o primeiro voo, dando continuidade abertura do envelope
proposto.
Os voos de ensaio que se seguem so marcados por uma grande interatividade do grupo de engenharia
do produto e das tripulaes de ensaios em voo. Ao longo do trabalho, os resultados ratificam, retificam ou
determinam o quanto se pode esperar dessa aeronave em termos de desempenho, qualidades de voo e
funcionalidade de seus sistemas.
Cumprido o Programa de Ensaios, ter-se- determinando o envelope de voo, que determina os limites que
constaro dos Manuais da aeronave e que constituiro a linha mestra para uma operao segura da mesma. Para
um helicptero genrico este envelope apresentado na seo de limitaes do manual de voo e composto,
basicamente, pelos limites de massa, centragem, fator de carga, velocidade, altitude e temperatura de operao,
alm do envelope de vento e das manobras proibidas.
Estes parmetros so frequentemente inter-relacionados, o que torna sua anlise complexa e abrangente.
Assim, ser estabelecido um envelope de voo para este artigo, limitando o escopo da discusso a dois tpicos
bsicos, um relacionado ao desempenho e outro s qualidades de voo de um helicptero, quais sejam:
1 Peso mximo de decolagem; e
2 Envelope de vento.
Peso mximo de decolagem

Pergunte a um piloto qual o peso mximo de decolagem do helicptero que ele voa, e ter como resposta
um nmero preciso e, aparentemente, inquestionvel. Porm, por trs dessa resposta certeira, h um lapso de
informao que, apesar de contida no manual de voo, no considerada pela maioria dos pilotos. O desempenho
de qualquer aeronave e, consequentemente, seu peso mximo de decolagem, dependem da altitude densidade
na qual se est operando. Assim, no que se refere massa, o envelope de voo definido, principalmente, com
base nas condies ambientais (altitude e temperatura) que, em ltima instncia, definem a densidade o ar.
Alguns helicpteros definem um peso mximo de decolagem e um peso mximo de decolagem com carga
externa, maior que o primeiro. Esta diferena funo da resistncia estrutural do trem de pouso e vlida a
observao de que so consideradas cargas externas apenas aquelas conectadas ao gancho de cargas com a
aeronave em voo pairado e que, portanto, no induzem esforos ao trem. Desta forma, fica claro que a resistncia
estrutural outro fator limitante do peso mximo de decolagem. Entretanto, a anlise aqui apresentada ser
baseada exclusivamente no fator desempenho.
A potncia disponvel de um helicptero funo, basicamente, de sua motorizao, e varia de acordo
com as condies ambientais. Assim, medida que se aumenta a altitude presso ou a temperatura ambiente
(aumento da altitude densidade), a potncia disponvel cai.
A potncia necessria para a manuteno do voo pairado com um determinado peso tambm varia em
funo das mesmas condies, porm em sentido inverso da disponvel, ou seja, para um mesmo peso, o
aumento da altitude densidade leva a um aumento da potncia necessria. Dispensvel dizer que para pesos
maiores a potncia necessria ser maior.
Essa combinao de diminuio da potncia disponvel e aumento da necessria gera os grficos
constantes da seo de desempenho do manual de voo, limitando o peso mximo de decolagem em funo da
altitude e temperatura ambiente.
A inobservncia desses grficos pode levar a extrapolao dos limites do motor ou da transmisso na
tentativa de se executar uma decolagem vertical com peso acima do limite. Mais grave porm, a no utilizao
dos grficos de desempenho no planejamento de uma misso com destino a um ponto situado em altitude maior
que a do local de origem. Tendo decolado dentro dos limites de peso, o piloto julga ter cumprido seu papel para
com a segurana de voo e no atenta para a influncia da altitude nas potncias disponvel e necessria. Assim,
prossegue em seu voo e ao concluir a aproximao no local de destino, numa altitude densidade maior,
surpreendido pela falta de potncia para a manuteno do voo pairado atingindo o ponto de irreversibilidade do
acidente que de fato comeou com o deficiente planejamento.
Envelope de vento
Na rea de qualidade de voo, um dos pontos a se considerar so as margens de comando e seus fatores
influentes. Combinaes de alto peso e centragem extrema, por exemplo, podem levar a condies crticas de
posio do comando cclico. Outro fator a ser considerado quando se trata de limitao de comando o envelope
de vento.
Como sabido, o torque do rotor principal faz com que a fuselagem apresente uma tendncia de giro em
sentido contrrio, e para anular essa tendncia o piloto atua no pedal, aumentando o passo do rotor de cauda de
forma a manter a proa desejada.
Dada a sua geometria, os helicpteros tm a tendncia de buscar o alinhamento com o vento. Desta
forma, a manuteno do voo pairado com vento cruzado ir exigir uma maior excurso de comando de pedal que
com o vento alinhado, sendo este comando to mais exigido quanto mais intenso for o vento. Esta caracterstica,
combinada com o sentido de giro do rotor principal, determina um setor crtico para a direo do vento.
Durante a campanha de ensaios, o envelope de vento determinado em funo da margem de comando
correspondente a cada combinao de direo e intensidade do vento. A tcnica de ensaio utilizada o
acompanhamento de viatura (Pacer). O pacer, dotado de um anemmetro, inicia o deslocamento pela pista,
estabiliza a uma velocidade pr-estabelecida e libera a aproximao do helicptero que passa a acompanha-lo. A
posio dos comandos registrada pelo sistema de aquisio de dados e o piloto muda a proa do helicptero em
45, mantendo o deslocamento no mesmo sentido do pacer. Dessa forma, obtm-se um vento relativo de
intensidade igual a velocidade de deslocamento e defasado em 45 da proa do helicptero. O piloto prossegue
acompanhando o pacer e variando a proa com incrementos de 45 at retornar proa original, obtendo a posio
dos comandos para vento de oito diferentes quadrantes.
Este procedimento repetido para velocidades crescentes de deslocamento com posies de comando
cada vez mais prximas do batente fsico dos mesmos. Com isso, respeitado o limite de segurana, define-se o
envelope de vento da aeronave.
O voo fora desse envelope, a exemplo do que ocorre com voo fora dos limites de desempenho, pode levar
a aeronave a situaes crticas. Tome como exemplo um helicptero efetuando uma aproximao com vento
cruzado.
Ao concluir a aproximao e aplicar potncia para estabelecer o voo pairado, ser necessrio que o piloto
aplique uma certa amplitude de comando de pedal para contrariar o efeito do torque e, de acordo com o sentido
de giro do rotor principal, o vento cruzado, pela direita ou esquerda, implicar num aumento ou diminuio dessa
amplitude necessria.
Caso a direo do vento seja tal que os efeitos se somem, h o risco de se atingir o batente do comando
de pedal sem que seja possvel manter o controle direcional a aeronave.
, portanto, de extrema importncia que ao iniciar uma aproximao com vento cruzado, o piloto tenha em
mente a tendncia de giro em funo do torque do rotor principal, alm da tendncia do helicptero de alinhar-se
com o vento; e, mais que isso, que considere a combinao das duas.
Apenas como forma de ratificar a inter-relao dos diversos limites contidos no Manual de Voo, vale
observar a influncia do peso no envelope de vento, uma vez que este funo do torque e este ltimo varia com
o peso da aeronave.
Concluso
Como visto, o respeito aos limites contidos no Manual de Voo, ou em outras palavras, a operao dentro
do Envelope de Voo de sua aeronave base para a segurana de voo.
Muitos consideram um piloto habilidoso como um piloto superior. A definio no entanto outra.
Um piloto superior aquele que utiliza seu conhecimento e julgamento superiores para evitar situaes
que exijam o uso de suas habilidades superiores.
Texto: Maj.-Av. NILTON Ccero Alves CTA/IAE/Diviso de Ensaios em Voo

O autor Oficial de Segurana de Voo, Piloto de Prova de Helicpteros e Instrutor do Curso de Ensaios
em Voo

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