Dooyeweerd Apresentacao Panoramica Fabiano Almeida
Dooyeweerd Apresentacao Panoramica Fabiano Almeida
Dooyeweerd Apresentacao Panoramica Fabiano Almeida
RESUMO
O pensamento reformacional de Herman Dooyeweerd ainda relati-
vamente desconhecido no Brasil. O presente artigo pretende remediar essa
situao, contribuindo para torn-lo um pouco mais conhecido e despertar o
interesse em futuros estudos sobre a Filosofia da Idia Cosmonmica, como
comumente conhecido esse sistema terico de pensamento. Contudo, esta
apresentao panormica em hiptese alguma pretende dar conta do horizon-
te geral do pensamento dooyeweerdiano, visto ser esta uma tarefa de flego
destinada a um trabalho de maior envergadura. A proposta aqui apresentada
presta-se apenas a proporcionar um vislumbre geral da vida e do pensamento
desse autor, do ambiente onde floresceu o seu pensamento, o neocalvinismo
holands ou calvinismo kuyperiano, e do que representou a sua obra, sobretudo
para a f reformada. As idias e anlises de Dooyeweerd sempre estiveram
arraigadas numa biocosmoviso calvinista, sendo, por isso, contribuies
profundas e inestimveis para a academia crist-reformada.
PALAVRAS-CHAVE
Herman Dooyeweerd; Abraham Kuyper; Neocalvinismo holands; Bio-
cosmoviso; Filosofia da Idia Cosmonmica; Crtica teo-referente.
* O autor ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil; bacharel em Teologia pelo Seminrio Uni-
do de Teologia RJ; bacharel em Filosofia pela Universidade de So Paulo; mestre em Teologia com
concentrao em Filosofia pelo Centro Presbiteriano de Ps-Graduao Andrew Jumper; mestrando em
Filosofia pela Universidade de So Paulo.
73
INTRODUO
Herman Dooyeweerd (18941977) foi de longe uma das mais frutferas
contribuies do movimento neocalvinista holands causa crist, especial-
mente no que diz respeito esfera cultural. Seu esforo em erigir um edifcio
terico-sistemtico se deu sem que se deixasse intimidar e nem abrir mo
dos pressupostos da Palavra de Deus, o que comumente acontece quando se
tenta dialogar com o pensamento cujas concluses no esto necessariamente
aliceradas nas Escrituras Sagradas. Tal atitude, na melhor das hipteses,
quase sempre resulta em snteses religiosas entre os genunos pressupostos
cristos e os pressupostos no-cristos, redundando em uma biocosmoviso1
quimrica.
A filosofia de Dooyeweerd no foi forjada num vcuo intelectual; pelo
contrrio, seu pensamento se originou e se desenvolveu dentro de um ambiente
cultural marcado pelo avivamento produzido pelo movimento neocalvinista
holands. Este lhe forneceu a viso ou concepo unificada de vida e de mundo,
ou nos termos de Abraham Kuyper, uma biocosmoviso radicalmente baseada
nos pressupostos da Escritura tal como apresentados pela tradio calvinista.
Portanto, o pensamento de Dooyeweerd deve ao movimento neocalvinista
holands a sua orientao religiosa bsica. Estes temas e pressupostos neo-
calvinistas ganharam uma formulao tcnica e conceitual ao serem jungidos
estrutura metodolgica fornecida, principalmente, por duas correntes filo-
sficas alems muito influentes nos dias de Dooyeweerd, o neokantismo ou
neocriticismo alemo, sobretudo da Escola de Baden, representada por filsofos
como Wilhelm Windelband (1848-1915) e Heinrich Rickert (1863-1936), e a
fenomenologia de Edmund Husserl (1859-1938).2
O neocalvinismo foi uma fora intelectual muito relacionada construo
de uma biocosmoviso crist baseada na Escritura. A filosofia alem, neste
caso o neokantismo e a fenomenologia de Edmund Husserl, forneceram a
Dooyeweerd o ferramental tcnico e a estrutura metodolgica propriamente
dita de seu pensamento. Em outras palavras, possvel dizer que enquanto o
movimento neocalvinista legou a Dooyeweerd uma biocosmoviso baseada
na Palavra de Deus, a filosofia alem lhe emprestou a metodologia apropria-
da para que aquela biocosmoviso fosse expressa atravs de uma filosofia
74
75
76
14 Isso fica claro, por exemplo, nas suas Stone Lectures on Calvinism, que foram publicadas
recentemente em portugus pela Editora Cultura Crist. KUYPER, Abraham. Calvinismo. So Paulo:
Cultura Crist, 2002.
15 BOLT, A free church, a holy nation, p. 444.
16WOLTERS, The intellectual milieu of Herman Dooyeweerd. Em: MCINTIRE, The legacy of
Herman Dooyeweerd, p. 2.
17 ZYLSTRA, Bernard. Introduction. Em: KALSBEEK, L. Contours of a Christian philosophy:
An introduction to Herman Dooyeweerds thought. Toronto: Wedge Publishing Foundation, 1981,
p. 18.
18 KUYPER, Calvinismo, p. 19.
77
78
79
30HART, Hendrik. Herman Dooyeweerd. Em: MCKIM, Donald K. (org.). Encyclopedia of the
Reformed faith. Louisville, Kentucky: Westminster/John Knox Press, 1992, p. 108.
31 WITTE JR., John. A brief biography of Dooyeweerd. Introduo escrita em DOOYEWEERD,
Herman. A Christian theory of social institutions. Trad. Magnus Verbrugge. [S.l.]: The Herman Dooye-
weerd Foundation, 1986. Disponvel em: <http://www.redeemer.on.ca/Dooyeweerd-Centre/biography.
html>. Acesso em 20 fev. 2004.
32 SPIRES, Herman Dooyeweerd. Em: HUGHES, The encyclopedia of Christianity, vol. 3, p.
441-442. Minha traduo.
33Weltanschauung o termo alemo cujo significado indica uma concepo geral de mundo ou
cosmoviso. Vide nota explicativa no 1.
80
34 HART, Herman Dooyeweerd. Em: MCKIM, Encyclopedia of the Reformed faith, p. 108.
35 Ibid.
36ZYLSTRA, Introduction. Em: KALSBEEK, Contours of a Christian philosophy, p. 10. Ver
tambm MCINTIRE, C.T. Introduction. Em: MCINTIRE, The legacy of Herman Dooyeweerd, p. xi.
81
37 Ibid., p. 15.
38 WITTE JR., John. A brief biography of Dooyeweerd.
39 SPIRES, Herman Dooyeweerd. Em: HUGHES, The encyclopedia of Christianity, vol. 3, p. 444.
40 ZYLSTRA, Introduction. Em: KALSBEEK, Contours of a Christian philosophy, p. 15. Minha
traduo.
41 DOOYEWEERD, Herman. A new critique of theoretical thought. 4 vols. Jordan Station, Ontario:
Paideia Press, 1984.
82
A realidade criada significado, pois tudo o que existe tem a sua origem
e o seu fim em Deus, o Absoluto, o nico que existe por si s.
3.3 A Idia de Lei e a ordem divina da criao
Outro elemento importante da ontologia de Dooyeweerd, que ter srias
implicaes para a sua teoria do conhecimento, a idia de uma ordem estru-
83
84
51 CHOI, Yong Joon. Dialogue and antithesis: A philosophical study on the significance of Herman
Dooyeweerds transcendental critique. Tese de Doutorado apresentada na Potchefstroomse Universiteit
vir Christelike Hoer Onderwys, 2000, p. 17. Minha traduo.
52 DOOYEWEERD, A new critique of theoretical thought, vol. 1, p. 29.
53 Como se o tempo fosse uma substncia independente da substncia do mundo.
54 CHOI, Dialogue and antithesis, p. 18.
55 DOOYEWEERD, A new critique of theoretical thought, vol. 1, p. 101-102.
56 Os aspectos modais tambm so chamados por Dooyeweerd de esferas de lei ou esferas de
significado. A teoria das estruturas de individualidade mais complexa. No entanto, possvel afirmar
que as estruturas de individualidade so estruturas de lei responsveis pela identidade das unidades con-
cretas. Estas estruturas de individualidade, por sua vez, esto fundadas nos aspectos modais da realidade
temporal (leis estruturais modais). Como diz Albert Wolters, h estruturas de individualidade para o
estado, para o casamento, para obras de arte, para mosquitos, para o cloreto de sdio, etc.. Wolters, A.
M. Glossary of terms. Em: KALSBEEK, Contours of a Christian philosophy, p. 310. Minha traduo.
85
86
87
88
89
uma simples linha divisria entre grupos cristos e no-cristos, mas como a
batalha fundamental e implacvel entre o esprito das trevas e o poder revitali-
zador do Esprito de Deus.71
67 Ibid., p. 30.
68 DOOYEWEERD, Roots of Western culture, p. 1-2.
69 KRAAY, Translators preface. Em: DOOYEWEERD, Roots of Western culture, p. ix. Minha
traduo.
70 CHOI, Dialogue and antithesis, p. 30.
71 Ibid. Minha traduo.
90
72 Ibid.
73 DOOYEWEERD, Roots of Western culture, p. 15.
74 Transcendente, aqui, nada tem a ver com aquele atributo exclusivo da Divindade. Neste
contexto especfico, transcendncia diz respeito simplesmente quilo que ultrapassa a diversidade
temporal, o que prprio do eu humano, ou corao.
91
92
81 Ibid., p. 53.
82 DOOYEWEERD, A new critique of theoretical thought, vol. 1, p. 522.
83 KNUDSEN, Calvinistic philosophy, p. 62.
84 CHOI, Dialogue and antithesis, p. 53. Minha traduo.
93
94
95
97 DOOYEWEERD, Herman. In the twilight of Western thought: Studies in the pretended autonomy
of philosophical thought. Nutley, New Jersey: The Craig Press, 1980, p. 27-32.
98 Idem, A new critique of theoretical thought, vol. 1, p. 55.
99 Ibid., p. 55.
100 Infelizmente no foi possvel apresentar neste artigo a teoria de Dooyeweerd quanto supratem-
poralidade do corao. No entanto, o bastante, no momento, entender que o corao, ou eu humano,
a instncia supratemporal da existncia humana justamente porque no pode ser reduzido ou exaurido
por nenhuma das funes temporais (a razo, a f, os sentimentos, etc.). O ser humano a nica criatura
na temporalidade que tem concentrado em seu corao todas estas funes, mas ao mesmo tempo as
transcende. Isto acontece por causa da Imago Dei. Dooyeweerd recusaria terminantemente a expresso
cientfica latina homo sapiens como termo que identifica a suprema medida do homem no intelecto. A
expresso mais adequada, segundo o pensamento de Dooyeweerd, talvez fosse homo religiosus, pois para
ele o homem um ser fundamentalmente religioso. Ver DOOYEWEERD, A new critique of theoretical
thought, vol. 3, p. 783.
101 DOOYEWEERD, A new critique of theoretical thought, vol. 1, p. 55.
102 Ibid.
103 VAN TIL, Response by Cornelius Van Til to Dooyeweerd. Em: GEEHAN, Jerusalem and Athens,
p. 108.
96
104 O conceito de verdade, no pensamento de Dooyeweerd, nada tem a ver com o das escolas
anti-realistas modernas, como o positivismo lgico, o neopragmatismo e o relativismo filosfico, ao
mesmo tempo em que no concorda inteiramente com o conceito esposado pelo realismo metafsico.
Dooyeweerd procura fazer justia aos pressupostos da revelao ao afirmar a relao de dependncia
entre as verdades contidas na criao, que por causa de seu carter criado so significado, e a Plenitude
de Verdade (Cristo), da qual todas as demais procedem e so mantidas. Vide DOOYEWEERD, A new
critique of theoretical thought, vol. 2, p. 571-575.
105 DOOYEWEERD, Roots of Western culture, p. 33.
106 Idem, A new critique of theoretical thought, vol. 2, p. 562.
97
107 Idem, In the twilight of Western thought, p. 125, 146. Minha traduo.
108 Idem, A new critique of theoretical thought, vol. 1, p. 117.
109
FRAME, John M. Cornelius Van Til: An analysis of his thought. Phillipsburg: Presbyterian and
Reformed Publishing, 1995, p. 373. Minha traduo.
110 DOOYEWEERD, In the twilight of Western thought, p. 132. Minha traduo.
98
99
ABSTRACT
Herman Dooyeweerds reformational thought is still virtually unknown in
Brazil. This article seeks to alleviate this situation by helping to make it more
familiar to the public and raising interest in future studies on the philosophy
of the Cosmonomic Idea, as his theoretical system of thought is usually
known. This panoramic presentation, however, in no way intends to offer a
comprehensive view of Dooyeweerdian thought, since this would be a task
better accomplished in a more extended analysis. The proposal here advanced
simply intends to offer a general glimpse of Dooyeweerds life and thought, of
the milieu in which his thought flourished Dutch neo-Calvinism or Kuyperian
Calvinism , and of what his work represented, especially for the Reformed
faith. Dooyeweerds ideas and analyses were always rooted in a Calvinistic
worldview and as such they are profound and invaluable contributions to
Christian-Reformed scholarship.
KEYWORDS
Herman Dooyeweerd; Abraham Kuyper; Dutch Neo-Calvinism; Worldview;
Cosmonomic Idea Philosophy; Theo-referent critique.
113 E isso s possvel atravs da ao regeneradora do Esprito Santo, que da Palavra jamais se
separa.
114 O conhecimento do homem a respeito da criao no pode ser definido meramente pela
apreenso esttica do significado dos aspectos que a compem, por meio de um conceito terico. O
conhecimento qualificado como verdadeiro, na tradio agostiniana-calvinista e retomado com toda
fora por Dooyeweerd, diz respeito a uma apreenso integral e dinmica da coerncia de significado do
cosmos na sua relao ntima com a plenitude de significado da Revelao o conhecimento pessoal do
tema criao-queda-redeno. Ou seja, conhecer verdadeiramente o mundo significa conhec-lo luz da
Revelao de Deus. S sob o domnio redentor da Palavra o corao do ser humano, criado para Deus e
regenerado em Cristo pelo Esprito Santo, pode experimentar o conhecimento do seu fim principal (seu
telos) e, conseqentemente, de sua mxima realizao (sua eudaimonia ou bem-aventurana).
100