JTengarrinha - História de Portugal
JTengarrinha - História de Portugal
JTengarrinha - História de Portugal
Portugal
Jos Tengarrinha (Org.)
Jos Mattoso
Maria Helena da Cruz Coelho
Humberto Baquero Moreno
Antnio Borges Coelho
Antnio Augusto Marques de Almeida
Antnio Manuel Hespanha
Maria do Rosrio Themudo Barata
Nuno Gonalo Freitas Monteiro
Francisco Calazans Falcon
Jos Jobson de Andrade Arruda
Miriam Halpern Pereira
Jaime Reis
Amadeu Carvalho Homem
A. H. de Oliveira Marques
Joo Medina
Lus Reis Torgal
Jos Medeiros Ferreira
Reviso tcnica
Maria Helena Martins Cunha
H67399
Histria de Portu gal / Jos Mattoso [et
al]; Jos Ten garrin h a, organ izador. -Bau ru , SP : EDUSC ; So Pau lo, SP : UNESP;
Portu gal, PO : In stitu to Cam es, 2000.
371p.; 23cm . -- (Coleo Histria)
>
ISBN UNESP 85-7139-278-0
ISBN EDUSC 85-7460-010-5
1. Portu gal - Histria. I. Mattoso, Jos.
II. Ten garrin h a, Jos. III. Ttu lo. IV. Srie.
CDD 946.9
SUMRIO
Cap tu lo 1
A form ao da n acion alidade
Jos Mattoso
19
Cap tu lo 2
O fin al da Idade Mdia
Maria Helena da Cruz Coelho
45
Cap tu lo 3
O prin cpio da poca Modern a
Humberto Baquero Moreno
57
Cap tu lo 4
Os argon au tas portu gu eses e o seu velo de ou ro (scu los XV-XVI)
Antnio Borges Coelho
77
Cap tu lo 5
Saberes e prticas de cin cia n o Portu gal dos Descobrim en tos
Antnio Augusto Marques de Almeida
87
Cap tu lo 6
Os ben s eclesisticos n a poca Modern a. Ben efcios, padroados e
com en das
Antnio Manuel Hespanha
Cap tu lo 7
105 Portu gal e a Eu ropa n a poca Modern a
Maria do Rosrio Themudo Barata
Cap tu lo 8
127 A con solidao da din astia de Bragan a e o apogeu do Portu gal
barroco: cen tros de poder e trajetrias sociais (1668-1750)
Nuno Gonalo Freitas Monteiro
149
Cap tu lo 9
Pom bal e o Brasil
Francisco Calazans Falcon
167
Cap tu lo 10
O sentido da Colnia. Revisitando a crise do antigo sistema colonial
no Brasil (1780-1830)
Jos Jobson de Andrade Arruda
187
Cap tu lo 11
Contestao rural e revoluo liberal em Portugal
Jos Tengarrinha
217
Cap tu lo 12
Diversidade e crescim en to in du strial
Miriam Halpern Pereira
241
Cap tu lo 13
Cau sas h istricas do atraso econ m ico portu gu s
Jaime Reis
263
Cap tu lo 14
Jacobinos, liberais e democratas na edificao do Portugal
contemporneo
Amadeu Carvalho Homem
283
Cap tu lo 15
Da Monarquia para a repblica
A. H. de Oliveira Marques
297
Cap tu lo 16
A dem ocracia frgil: A Prim eira Rep blica Portu gu esa (1910-1926)
Joo Medina
313
Cap tu lo 17
O Estado Novo. Facism o, Salazarism o e Eu ropa
Lus Reis Torgal
339
Cap tu lo 18
Aps o 25 de Abril
Jos Medeiros Ferreira
369
Autores
captu lo 1
A FORMA O
D A N A CION A LID A D E
Jos Mattoso*
A N TECED EN TES
Ao con trrio do qu e ten taram dem on strar as dou trin as n acion alistas dos an os 30 a 60, baseadas, de resto, em con ceitos positivistas e rom n ticos m u ito an teriores, n o possvel en con trar vestgios coeren tes de u m a
n acion alidade portu gu esa an tes da fu n dao do Estado. Aqu ilo qu e o precedeu e qu e tem algu m a coisa a ver com o fen m en o n acion al redu z-se a
u m a persisten te ecloso de pequ en as form aes polticas ten den cialm en te
au ton m icas n a faixa ociden tal da Pen n su la Ibrica (em paralelo, de resto, com form aes an logas n ou tras regies pen in su lares), qu e se verificaram desde a pr-h istria at o scu lo XII, m as qu e se caracterizam tam bm
pelo seu carter descon tn u o e efm ero. As dim en ses dos respectivos territrios eram n orm alm en te redu zidas, pois n o ch egavam n u n ca a abran ger reas equ ivalen tes a n en h u m a das an tigas provn cias rom an as. An tes
da dom in ao rom an a, o pan oram a predom in an te o da gran de fragm en tao territorial, ocasion alm en te com pen sada por coligaes con ju n tu rais;
du ran te ela, a organ izao adm in istrativa (qu e se deve con siderar de tipo
colon ial) n o ch egou a absorver por com pleto as divises tn icas, qu e reapareceram sob a form a de pequ en os poten tados locais desde qu e se esboroou o con trole m u n icipal, m ilitar e fiscal exercido pelos seu s rgos at o
fim do Im prio.
Com o eviden te, as su cessivas cam adas de povos germ n icos qu e
depois ocu param o ociden te da Pen n su la tam bm n o ch egaram a u n ificar o territrio por eles dom in ado; lim itaram -se a fazer reverter para seu
ben efcio as im posies m ilitares e fiscais qu e an teriorm en te eram exigidas
pelas au toridades rom an as. Pode-se dizer aproxim adam en te o m esm o da
ocu pao m u u lm an a, qu e, de resto, foi m u ito efm era a n orte do Dou ro,
e qu e foi con stan tem en te en trecortada por revoltas region ais e locais, algu m as das qu ais m an tiveram certos territrios com o in depen den tes du ran te dezen as de an os. A su a expresso con creta m ais eviden te foram os
rein os taifas do Ociden te qu e m an tiveram a su a au ton om ia du ran te a
m aior parte do scu lo XI. En tretan to, a n orte do Mon dego, en tre os scu los VIII e XI, a ocu pao astu rian a e depois leon esa tam bm estava lon ge
de con segu ir a in teira fidelidade n o s dos poten tados locais com o tam -
Jos Mattoso
bm dos prprios represen tan tes da m on arqu ia; todos eles se com portavam freq en tem en te com o sen h ores in depen den tes.
O territrio portu gu s pde, portan to, com parar-se a u m puzzle
con stitu do por u m n m ero con sidervel de peas qu e se foram associan do en tre si de vrias m an eiras, sem qu e os poderes su periores qu e a exerciam a au toridade tivessem sobre elas gran de in flu n cia. A su a prin cipal
estratgia con sistia em m an ter a dom in ao, pactu an do de form as variveis com os poderes region ais e locais, exploran do as su as divises, ou
qu an do era possvel, exterm in an do revoltas dem asiado osten sivas. A esta
estratgia ope-se, eviden tem en te, a dos poderes in feriores qu e ora exploram a via da revolta aberta, ora a do pacto con dicion ado com os poderes
rgios; ora se aliam com os parceiros do m esm o n vel, ora os com batem ,
recorren do para isso, se n ecessrio, ao apoio dos delegados rgios, n u m
jogo in stvel, ditado por circu n stn cias ocasion ais.
O prim eiro fato qu e se pode relacion ar com a fu tu ra n acion alidade
portu gu esa , por isso m esm o, aqu ele em qu e se verifica a associao de
dois an tigos con dados perten cen tes cada u m deles a u m a provn cia rom an a diferen te: o con dado de Portu cale, situ ado n a an tiga provn cia da Galcia, e o de Coim bra, n a an tiga provn cia da Lu sitn ia. Form aram o qu e
en to se ch am ou o Con dado Portu calen se (o qu e pressu pu n h a a h egem on ia do con dado do Norte sobre o do Su l), en tregu e pelo rei Afon so VI
de Leo e Castela ao con de Hen riqu e de Borgon h a, com o dote de casam en to de su a filh a ilegtim a D. Teresa n o an o de 1096.
A FORMAO DA NACIONALIDADE
Jos Mattoso
P ORTUGA L E A GA LIZA
At 1128 verifica-se u m a srie de acon tecim en tos polticos qu e parecem ligar os destin os de Portu gal aos da Galiza. O prin cipal a form ao
de u m rein o in depen den te com Garcia I (1065-1071), qu e apesar da su a
posterior apropriao pelo rei de Leo e Castela se m an teve n om in alm en te separado destes en qu an to o m esm o rei Garcia esteve preso, at su a
m orte em 1091, e qu e con tin u ou sob a form a de u m con dado en tregu e a
Raim u n do at 1096. A participao de algu n s m em bros da aristocracia galega n o com bate ao Isl e a su a fixao em territrio portu gu s reforam
esta aproxim ao. A separao de Portu gal e Galiza, con cretizada sob a
form a de dois con dados in depen den tes u m do ou tro, com a redu o da
au toridade de Raim u n do apen as Galiza e a con cesso de Portu gal a Hen riqu e, vem criar u m h iato n esta poltica. Este h iato, porm , estava j laten te, n o plan o eclesistico, por cau sa da rivalidade en tre as ss de Braga e de
Com postela, desde a restau rao da prim eira em 1070. Verifica-se, assim ,
u m a situ ao caracterizada pela presen a de dois m ovim en tos con traditrios, u m qu e ten de a m an ter a u n io com a Galiza, ou tro qu e apon ta j
para a separao. Note-se qu e o prim eiro adm itia du as solu es, con form e
se viesse a resolver por m eio da h egem on ia da Galiza ou da h egem on ia de
Portu gal. Note-se tam bm qu e Hen riqu e com bateu pela segu n da destas
solu es, pois esperava restau rar em seu favor o an tigo rein o da Galiza e
de Portu gal, com o con sta do acordo assin ado com seu paren te Raim u n do,
con h ecido sob o n om e de pacto su cessrio. A m orte de Raim u n do em
1107 s podia ter acen tu ado tais objetivos. provvel qu e a rain h a D.
Teresa tivesse m an tido a m esm a idia depois da m orte de Hen riqu e
(1112), e qu e isso expliqu e as su as ligaes a Pedro Froilaz de Trava e aos
seu s filh os, dado o papel daqu ele com o tu tor do h erdeiro do tron o, Afon so Raim u n des (fu tu ro Afon so VII).
Este propsito, porm , veio a fracassar em virtu de da con ju gao de
du as sries de acon tecim en tos con vergen tes: por u m lado, o fato de tan to
D. Urraca com o seu filh o Afon so VII terem lu tado den odadam en te pela
m an u ten o da u n idade da m on arqu ia castelh an o-leon esa, com o persis-
10
A FORMAO DA NACIONALIDADE
ten te apoio de Diego Gelm rez, arcebispo de Com postela, qu e via n essa solu o o m elh or apoio para as su as am bies de prelado da n ica s apostlica do Ociden te alm da de Rom a, e qu e preten dia ser a m aior au toridade espiritu al de toda a Pen n su la; por ou tro lado, pelo fato de os bares
portu calen ses e o arcebispo de Braga terem percebido qu e a u n io de Portu gal e da Galiza sob a h egem on ia galega os m an teria fatalm en te n u m a situ ao de in ferioridade e de depen dn cia; para estes, portan to, era prefervel m an ter Portu gal com o u m con dado su jeito diretam en te ao rei de
Leo e Castela do qu e restau rar o rein o da Galiza e Portu gal, ain da qu e sob
a au toridade de D. Teresa (sobretu do se ela ficasse a dever a su a realeza
efetiva aos Travas). Foi essa a solu o qu e de fato se torn ou possvel a partir da batalh a de S. Mam ede (1128), por m eio da qu al os bares portu calen ses, com o apoio do arcebispo de Braga, depois de terem obtido o apoio
ativo de Afon so Hen riqu es, expu lsaram do con dado Fern o Peres de Trava e a rain h a D. Teresa.
Con tu do, dada a im portn cia da gu erra extern a n o processo de form ao das u n idades territoriais n acion ais da Pen n su la, o qu e provavelm en te assegu rou a efetiva du rabilidade da au ton om ia portu gu esa, reivin dicada em S. Mam ede, n o foi tan to a opo qu e a n obreza portu calen se
tom ou em favor de Afon so Hen riqu es, ou m elh or, con tra o dom n io qu er
de Gelm rez, qu er dos Travas, m as o fato de a essa opo se ter segu ido,
n u m a seq n cia irreversvel, a n ecessidade de assu m irem o prin cipal papel da gu erra an tiislm ica, relegan do para segu n do plan o a atu ao da
aristocracia galega. verdade, porm , qu e n o o fizeram diretam en te, sob
a direo e com u m a participao in ten sa das lin h agen s n orten h as, m as
sob a direo de Afon so Hen riqu es, a partir do m om en to em qu e ele, apen as trs an os depois de S. Mam ede, se fixou em Coim bra e passou a tom ar
u m papel extrem am en te ativo n a Recon qu ista.
O ESPA O VITA L
Preen ch ida a con dio qu e perm itiu a u m gru po social os bares
portu calen ses e o m ais im portan te dos bispos desem pen h ar u m papel ativo de prim eiro plan o n a poltica pen in su lar, m an tido o seu protagon ism o
devida gu erra extern a, n em por isso se podia con siderar garan tida a in depen dn cia de Portu gu al. provavel qu e ela n o se tivesse podido m an ter se n o se apoiasse n u m territrio dotado de recu rsos econ m icos su ficien tes para a su portar. O qu e, portan to, a assegu rou n a fase segu in te foi
a apropriao de n ovos espaos cu jos recu rsos eram com plem en tares dos
do n cleo in icial, e qu e este teve capacidade para dom in ar por in term dio
de u m qu adro h u m an o su jeito aos seu s in teresses. Ou seja, con cretam en te, o qu e, n u m a segu n da fase, con solidou a capacidade au ton m ica de
11
Jos Mattoso
Portu gu al foi a con qu ista de Lisboa e de San tarm e a posse dos seu s respectivos alfozes. Este fato trou xe con sigo a possibilidade de colocar n a vigiln cia e adm in istrao dos n ovos territrios paren tes da n obreza n orten h a qu e eram afastados da partilh a h ereditria n as terras de origem para
n o am eaarem a base m aterial do poder fam iliar, ou su bordin ados seu s
qu e n o podiam prosperar den tro dos seu s dom n ios sen h oriais. Assim se
perm itia e propiciava a expan so da classe dom in an te sem qu e ela fosse
afetada por u m a crise de crescim en to, dada a exigu idade do territrio em
qu e ela exercia os seu s poderes o En tre-Dou ro-e-Min h o.
Essa possibilidade, qu e assegu rava u m a certa u n idade ao con ju n to,
sob a orien tao poltica de u m gran de ch efe m ilitar, n a pessoa de Afon so
Hen riqu es, perm itia tam bm en con trar a form a de absorver ou tros exceden tes dem ogrficos de En tre-Dou ro-e-Min h o, qu e du ran te os scu los XI
e XII n o cessaram de au m en tar. Os cam pon eses dali, dem asiado apertados n u m a rea fertil m as redu zida, procu ravam n ovas terras para poderem
su bsistir. A atrao das cidades m u u lm an as en volvidas por u m a au ra de
prosperidade e de riqu eza fabu losa orien tou boa parte destes exceden tes,
prim eiro para as expedies de com bate, depois para a fixao n as cidades,
logo a segu ir para a ocu pao do hinterland estrem en h o, qu e a an terior situ ao de gu erra tin h a m an tido at en to bastan te despovoado.
O aflu xo ao litoral portu gu s e s cidades prxim as dele de u m a popu lao qu e em boa parte reprodu zia as estru tu ras im plan tadas n o En treDou ro-e-Min h o, e qu e, portan to, ao m esm o tem po, expan dia e fortalecia
o n cleo in icial, garan tia-lh e, assim , a viabilidade de su bsistn cia e de au ton om ia. Ocu pava as cidades do Ociden te atln tico e, com elas, o dom n io
das vastas reas econ m icas qu e elas con trolavam . Organ izava o seu con ju n to (Porto, Gu im ares, Braga, Coim bra, Lisboa, San tarm , vora) n u m a
rede de trocas com plem en tares cu jas poten cialidades exerciam sobre os
seu s diversos elem en tos u m papel de estm u lo, tan to pelas possibilidades
de escoam en to da produ o, com o pela capacidade de abastecim en to. As
cidades, por su a vez, ao con cen trarem a popu lao, levavam ao desen volvim en to das reas circu n dan tes, an teriorm en te preju dicadas pela gu erra
qu ase con tn u a, para poderem assegu rar o seu prprio abastecim en to em
produ tos alim en tares e em m atrias prim as. Por ou tro lado, a m esm a con cen trao popu lacion al obrigava a desen volver a produ o artesan al, para
com ela se poderem pagar os produ tos vin dos do cam po. Um a parte do artesan ato destin a-se ao apoio das atividades m ilitares, visto qu e as cidades
da lin h a do Tejo e a de vora con tin u aram am eaadas pelas in cu rses m u u lm an as at 1217. A con tin u ao da gu erra para su l e sobretu do a con qu ista de Badajoz pelos leon eses em 1229 ou 1230 (depois da fru strada in vestida de Afon so Hen riqu es em 1169), qu e destru iu o prin cipal cen tro
m ilitar alm ada da fron teira ociden tal, tiveram com o resu ltado a segu ran a das cidades do litoral atln tico. Um a vez con segu ida esta e ocu pado
12
A FORMAO DA NACIONALIDADE
tam bm o Alen tejo e o Algarve (1249), com a con seq en te pacificao dos
m ares devido destru io dos prin cipais plos da pirataria sarracen a, ficava aberto o com rcio in tern acion al direto, por via m artim a, sem ter de se
recorrer m ediao castelh an a.
Certos au tores (sobretu do Torqu ato Soares) ch am aram a aten o
para o fato de assim se ter recon stitu do u m con ju n to qu e coin cidia aproxim adam en te com trs an tigos con ven tos ju rdicos da poca rom an a
(Bracara, Scalabis e Pax Ju lia Braga, San tarm e Beja). A diferen a prin cipal con sistia em qu e eles estavam su bordin ados a provn cias diferen tes e
qu e s sob adm in istrao portu gu esa qu e os seu s territrios passaram a
form ar u m con ju n to qu e n o estava su bordin ado a n en h u m plo poltico
n em econ m ico extern o.
Com o eviden te, esse con ju n to de fatos n o explica por si s a in depen dn cia n acion al. Esta n o existiria sem u m poder poltico qu e coorden asse os in teresses de u m determ in ado gru po region al com o poten cial
econ m ico de u m a regio su ficien tem en te diversificada, com o a qu e acabei de descrever. J vim os os an teden tes da solu o poltica qu e acabou
por con solidar a separao en tre o Con dado Portu calen se e a Galiza. Alu dim os tam bm ao fato de em 1131 Afon so Hen riqu es se ter fixado em
Coim bra e ter assu m ido o com an do ativo da gu erra extern a, com o apoio,
em bora n o n ecessariam en te com a participao ativa direta, dos ch efes
das lin h agen s n orten h as. As n ecessidades da gu erra levaram , porm ,
Afon so Hen riqu es a en cabear tam bm ou tras foras, as dos con celh os,
qu e con stitu am , por assim dizer, a fon te abastecedora dos efetivos de
m assa e a m elh or garan tia da defesa fon teiria em caso de in vaso. Essas
com u n idades n o n obres, m as com verdadeira au ton om ia local, qu e tin h am criado as su as estru tu ras pecu liares n u m a espcie de terra de n in gu m en tre as du as fron teiras, a crist e a m u u lm an a, alian do-se ora
com u m lado ora com ou tro, qu e tin h am feito da pilh agem m odo de vida,
aceitaram a au toridade rgia com o form a de garan tir u m a parte da su a
au ton om ia face crescen te in vaso sen h orial dos bares de En tre-Dou ro-e-Min h o. Ceden do u m a parte das su as prerrogativas ao rei n as reas
m ilitar, da ju stia e do fisco, evitavam a su bm isso aos poderes sen h oriais
dos n obres e da Igreja. Podiam n egociar com o rei o recon h ecim en to de
im portan tes privilgios e prom etiam a colaborao dos seu s exrcitos n a
lu ta an tiislm ica. A ch efia m ilitar do rei trou xe con sigo, portan to, a associao dos con celh os e da n obreza sen h orial. Essas com u n idades, ten den cialm en te opostas u m as s ou tras, podiam assim m an ter as su as posies
sob a proteo do rei e evitar lu tas estreis en tre si. A form ao de u m a
13
Jos Mattoso
u n idade poltica possibilitou tam bm a in tegrao das cidades organ izadas em con celh os n o espao n acion al, sem os su jeitar aos sen h orios particu lares (excetu an do, at o scu lo XIV, as cidades do Porto e de Braga) e,
desde Afon so III (1248-1279), a su a su bordin ao poltica econ m ica
orien tada pela coroa.
At 1211 pode-se dizer qu e o rei n o im pediu a con solidao dos
poderes sen h oriais n o Norte, n em sequ er a su a expan so n o Cen tro e Su l
do Pas (sobretu do de sen h orios eclesisticos), e qu e tam bm n o in terveio
n a adm in istrao in tern a dos con celh os. Lim itou -se a dirigir as operaes
m ilitares com os recu rsos qu e os con celh os e os sen h ores lh e forn eciam e
sobretu do com as tropas qu e podia recru tar com os ren dim en tos dos dom n ios rgios. Ele prprio se con siderava com o u m sen h or. S algu n s
m em bros da c ria rgia, im bu dos das idias ju rdicas in spiradas n o Direito Rom an o, atribu am -lh e, desde a dcada de 1190, au toridade de verdadeiro rei, e n o apen as de primus inter pares. Para isso con tribu iu , por u m
lado, a con cepo, j an tiga, da realeza com o au toridade respon svel pela
m an u ten o da ju stia e da paz, acim a da qu e os sen h ores e os con celh os
podiam assegu rar, e o verdadeiro carism a de gu erreiro qu e os eclesisticos
recon h eciam em Afon so Hen riqu es, e qu e seu filh o San ch o I procu rou
tam bm m erecer.
Apesar disso, n o se pode dizer qu e h ou vesse verdadeiram en te u m
Estado portu gu s at a m orte de San ch o I. O seu verdadeiro fu n dador,
com o organ ism o poltico capaz de assegu rar u m a adm in istrao im pessoal
e u m a au toridade a qu e m esm o os poderes sen h oriais tin h am de se su jeitar, in depen den tem en te de com prom issos recprocos de vassalidade, foi
Afon so II (1211-1223). Este, ten tan do, certam en te, pr em prtica as
idias do ch an celer Ju lio, qu e in iciara as su as fu n es j em tem po de
Afon so Hen riqu es, e qu e criara u m a verdadeira pliade de ju ristas com o
seu s au xiliares, e, por ou tro lado, in flu en ciado pelo prprio processo da
cen tralizao da c ria rom an a, qu e tam bm in spirou Frederico II n o govern o da Siclia, com eou o seu rein ado pela prom u lgao de u m corpo de
leis. Depois ocu pou -se em m on tar u m a verdadeira adm in istrao poltica
do territrio e em organ izar as fin an as da coroa com base n a econ om ia
citadin a. De form a ru dim en tar, sem d vida, m as qu e tin h a j em em brio,
as fu n es estatais, adian tava-se, assim , m aioria das m on arqu ias feu dais
do Ociden te eu ropeu .
Apesar das violen tas oposies qu e tal poltica su scitou da parte da
n obreza sen h orial, e de vrios m em bros do alto clero, m as con tan do com
u m pequ en o gru po de vassalos fiis, Afon so II m an teve a m esm a orien tao at ao fim da vida. As cises qu e se segu iram n o seio da n obreza con du ziram , depois, du ran te o rein ado de San ch o II (1223-1248), cu ja fraqu eza e in deciso con trastam fortem en te com a firm eza da seu pai, a u m a
verdadeira an arqu ia social agravada pela crise da prpria n obreza. Esta,
14
A FORMAO DA NACIONALIDADE
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Jos Mattoso
16
A FORMAO DA NACIONALIDADE
B IBLIOGRA FIA
DAVID, P. tudes historiques sur la Galice et le Portugal du VIe au XIIe sicle. Lisboa: Bertran d, 1947.
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FEIGE, P. Die Anfnge des portugiesischen Knigtum und seiner Landeskirche. Spanischen Forschungen der Grresgeselschaft. 1978. v.29, p.85-436.
HERCULANO, A. Histria de Portugal desde o comeo da monarquia at ao fim
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LIVERMORE, H. The Origins of Spain and Portugal. Lon don : G. Allen , 1971.
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VONES, L. Die Historia Compostelana und die Kirchenpolitik des Nordwesthispanischen Raumes, 1070-1130. Vien a: Bh lau Verlag, 1980.
17
captu lo 2
O FIN A L D A ID A D E MD IA
Maria Helen a da Cru z Coelh o*
19
do rei e da corte rgia, do clero, da n obreza e dos procu radores dos con celh os, qu e sim bolizavam as h ierarqu ias, n a su a dign idade e h on ra, de
u m a sociedade h ierarqu izada, n u m corpo h arm on ioso, dirigido por u m
cabea, qu e o govern ava, e con stitu do por u m tron co e ps qu e o su sten tavam . A palavra, em discu rso oficial, d form a in telectiva ao qu e se v e
sen te. Para logo em segu ida se passar ao sim blico e de discu rsivo ao.
De u m poder m ediatizado pela represen tao, qu e a vista e o ou vido percebem , a u m poder em exerccio qu e atin ge a von tade e o corao.
Ao seu rei e sen h or a fam lia real e os gran des tm de prestar m en agem e ju rar obedin cia pelas graas e ben s dele recebidos e os procu radores das cidades e vilas ju rar lealdade e servio.3 Ato h abitu al de ju ram en to de fidelidade ao n ovo m on arca se n o fora o n ovo ritu al de palavras e gestos. Qu e n o agradou aos sen h ores. Em especial, e por todos,
com o o m ais poderoso, ao du qu e de Bragan a.4
Talvez n o assim aos procu radores dos con celh os qu e, con h ecen do
por certo j o perfil do n ovo m on arca, e aproveitan do-se da con ju n tu ra
favorvel do in cio de u m ou tro rein ado, pediram , m etdica e program adam en te, reform as n a ju stia, n a fazen da e n a defesa. Qu eriam ver dim in u dos os poderes ju risdicion ais dos sen h ores e elim in adas as opresses
qu e in fligiam aos povos, com o n o m en os preten diam rgos rgios com
fu n es rigorosam en te defin idas e oficiais com peten tes e zelosos, n u n ca
n o-cu m pridores ou abu sadores. Desejavam ver m oderao n a con cesso
de ten as, m oradias e assen tam en tos aos vassalos, criados e m oradores n a
corte, deven do estes ser socialm en te com patveis com essa m esm a corte
e n ela servir con ven ien tem en te. Esperavam ver a defesa eficazm en te assu m ida pelos qu e tin h am especificam en te tal m isso, por ela receben do
ben efcios. Mas pelo con trrio, n o qu eriam recru tadores m ilitares qu e
sobrecarregassem os povos. Alm ejavam n a persecu o dos seu s in teresses, qu e eram os dos m aiores en tre o povo, liberdades com erciais, afastam en to de con corren tes estran geiros ou ju deu s, dom n io dos m esteirais,
boas oportu n idades n a agricu ltu ra e criao de gado.
De tu do isso se agravam n u m lon go rol de 172 captu los gerais, obten do em 46,5% deles resposta favorvel do m on arca.5 Mas a lista acresceu -se ain da de m ais 140 captu los especiais, visan do sobrem an eira os
problem as da adm in istrao, poltica e econ om ia locais, qu e lograram alcan ar do m on arca u m a percen tagem de 53,6% de respostas afirm ativas.6
Decorridos u n s escassos 7 m eses7 e j os povos estavam de n ovo
sen do ch am ados a Cortes, agora para San tarm .8 Desta vez, a fim de con tribu rem para a rem isso das dvidas de seu pai, deven do ser cobrado u m
pedido de 50 m ilh es. No parecem ter com parecido s m esm as o clero e
a n obreza, con h ecen do-se apen as a presen a de doze con celh os. No en tan to s de on ze possu m os captu los especiais, abran gen do o pas de n orte a su l, com o se eviden cia pelo m apa, e n en h u n s gerais.
20
Barcelos (2)
Bragana (7)
Braga (1)
Guimares (1)
Miranda do
Douro (2)
Lamego (3)
Aveiro (6)
Guarda (2)
Coimbra (6)
Elvas (4)
Estremoz (3)
Olivena (4)
Setbal (2)
Silves (3)
Lagos (8)
50 km
21
Do Entre Douro e Minho tiveram assento Ponte de Lima e Guimares. Da Beira, Pinhel e Viseu. Do Alentejo, Monforte, Olivena, Vila Viosa e Serpa. Do Algarve, Loul, Faro e Silves. Ao todo so apresentados trinta agravos, conhecendo-se a resposta apenas para 22.9 Quem mais pediu foram, respectivamente, Vila Viosa com oito captulos, e Loul com sete.
As principais queixas visam ao econmico. Depois certos estratos sociais, com destaque maior para os senhores, e em seguida a administrao
central e muito escassamente a local, o que o grfico permite visualizar.10
2 CORTES D E SA N TA RM D E 1482
CA PTULOS ESPECIA IS
Total
Administrao central
23,3
Administrao local
6,7
Social
30,0
Econmico
12
40,0
Total geral
30
100,0
A m aior parte dos con celh os h avia estado n as Cortes qu e h pou co tin h am ch egado ao fim .11 A, em captu los gerais e especiais, tin h am
sido postos os m ais prem en tes problem as qu e sem pre, aproveitan do a
con ju n tu ra n ova da abertu ra de u m rein ado, se apresen tam ou retom am .
Para resolver, agora, to-s algu m as qu estes bem m ais especficas.
Ain da e sem pre u m a crtica aos oficiais rgios. Fosse o alcaide das
sacas qu e, atravs dos requ eredores e escrives qu e colocava para escreverem o ou ro e a prata trazidos pelos m ercadores estran geiros, os afastava
dos n ossos portos, com o referem Faro (1) e Silves (1). Fosse o con tador,
qu e em Lou l (5) n o qu eria deixar os vizin h os trazerem ben s de m ou ros,
e em Pon te de Lim a (1) preten dia dispor de u m a casa para se aposen tar.
Mais gen ericam en te, Lou l (2) qu eixava-se do gran de n m ero de h om en s
da escrita qu e h avia n a correio, tan tas vezes para favorecer criados dos
sen h ores. Por su a vez Pin h el (1) e Viseu (1), em agravos exatamen te igu ais,
on de se ou via com n itidez a voz das aristocracias locais, in vectivaram con tra o corregedor qu e obrigava os fidalgos, cavaleiros e escu deiros de lin h agem e os vassalos e cidados h on rados a irem at a forca ou pelou rin h o,
on de a ju stia se h avia de fazer, ch am ados por prego, igu alan do-os em
todo com h o dito com u m e n o lh es gu ardan do os privilgios.
22
Esgrim iam estes n obres e grados com o argu m en to de qu e pois diferem ciadam en te h am de servir vossa sen h oria n as gu erras n o qu e a elles pertem cee em seu s graos razoada cou sa seria serem diferem ciados dos m en ores. E porqu e a D. Joo II n o in teressa u m a sociedade su bvertida, m as
ordeiram en te h ierarqu izada, de pron to, defere tal pedido.
Seria, tam bm , esta m esm a elite qu e estava m u ito aten ta aos desm an dos sen h oriais, desejan do v-los corrigidos. Qu eixas con tra a fidalgu ia se ergu em pela voz sobretu do de Lou l, m as tam bm de Pon te de
Lim a, Gu im ares e Serpa.
Lou l (1), em expressivo e desassom brado artigo, acu sa D. Afon so
V de t-los lan ado em cativeiro, porqu e dera a vila em sen h orio. E m ais
esclarece qu e se an tes eram do du qu e de Bragan a, agora j os seu s fidalgos diziam qu e a vila era de su a h eran a o qu e, sen h or, m u ito sen tim os
serm os de sen h or e agora serm os dos servidores. Pron tos estariam para
ou tra terra rgia em qu e vivessem , se n o esperassem ser libertos da su jeio por D. Joo, a qu em ch am am n osso Messias. Mas a esperan a teria sido algo fru strada, qu an do o m on arca adia a resposta para as cartas.
Mais especificam en te, acu sava ain da esta vila Nu n o Barreto, a qu em
Afon so V dera as dzim as do pescado do Porto de Farrobilh as, bem com o
u m alvar qu e lh e ou torgava poderes de dar terras e ch os a qu em a qu isesse fazer casas, sobrepon do-se assim costu m eira alada dos ju zes
com o sesm eiros, o qu e cau sava dios. Ain da, e de n ovo, o rei adia a resposta para obter in form aes do con tador. E tam bm este con celh o (1),
coin cidin do n o seu qu erer com o de Gu im ares (1), qu e apela para o
cu m prim en to do estipu lado n as Cortes de 1481-1482, reclam an do qu e os
corregedores e ou vidores dos sen h ores s estivessem n os cargos por 3
an os. E aqu i o assen tim en to rgio claro, precisan do m esm o o qu e deixara exposto n os captu los gerais, j qu e, sem elh an a dos seu s corregedores, tam bm estes deviam estar n o cargo apen as por u m trin io, e orden an do qu e tal se assen tasse n os captu los gerais.
Por su a vez Pon te de Lim a qu eria ver corroborada u m a sen ten a do
corregedor, a qu al, cu m prin do u m a ordem rgia qu e deferia u m pedido
con celh io, m an dara devassar todos os cou tos, u m a vez qu e n o tem po
dado aos seu s possiden tes, estes n o h aviam m ostrado o respectivo privilgio. Aceita-se D. Joo, ain da qu e ressalve a possibilidade da apresen tao de razes por qu em se sen tisse lesado. Serpa, por su a vez, especifica
qu e os fidalgos tm terras defesas, sob determ in adas pen as, on de apascen ta o gado. Logo, se esse m esm o gado en trasse n as terras defesas do
con celh o, deveria pagar idn ticas pen as. D. Joo II, n a su a resposta, parece ir m ais lon ge. Apelan do para captu los j determ in ados em Cortes,
in terdita aos qu e tin h am cou tadas a pastagem n as terras con celh ias, especifican do ain da qu e estas eram cou tadas do m esm o m odo qu e as deles.
23
Mas alm da con flitu osidade com os sen h ores, h avia a con flitu osidade com ou tros protagon istas dos poderes con celh ios.
Vila Viosa (5 e 6), qu e se diz sobrecarregada de h om en s privilegiados, qu eria qu e os cristos n ovos n o fossem isen tos de servir du ran te 20
an os, com o o m an arca m an dara, in sin u an do at qu e m u itos, falsam en te,
h aviam -se con vertido. Da m esm a m an eira, espin gardeiros e besteiros ou
ou tros privilegiados, qu an do eram citados pelos ju zes, por crim es ou dvidas, exim iam -se de respon der, alegan do qu e s o deviam fazer peran te
o an adel-m or, espin gardeiro-m or ou m on teiro-m or, o qu e os deixava im pu n es, j qu e era trabalh oso ch egar a to distan tes ju lgadores. Descon h ecen do-se as respostas aos pedidos deste con celh o, n ada sabem os sobre as
determ in aes joan in as. Con h ecem o-las, porm , para Oliven a. E cu riosam en te a voz qu e pu gn a por este con celh o, tal com o a qu e represen tou
o an terior de Vila Viosa, n o parece ser dem asiado afeita s elites govern ativas. Assim , m u ito sin tom aticam en te, Oliven a afirm a ter com o m aior
riqu eza as su as vin h as e olivais. Mas n esses ben s sofrem dan os dos gados,
porqu e os alcaides, gran de e pequ en o, e os qu e an dam n os pelou ros ou
detm os ofcios, tm parte n as carn iarias da vila, qu er de cristos qu er
de ju deu s. E, com o dizem , fazem im pu n em en te todo o m al, tan to por serem prin cipais, com o pela presso qu e advm do cargo e ofcio qu e desem pen h am . Roga, en to, por u m a ordem rgia in terditan do a tais h om en s a carn iaria, pois, m esm o as m u ltas j decretadas pelo con de de Oliven a 12 com esse fim n o eram respeitadas. Aspectos a salien tar. Estes lavradores das vin h as e oliviais pareciam ter o apoio do seu sen h or, con tra
as exorbitn cias das elites dirigen tes. E tiveram tam bm o ben eplcito rgio, qu e pu n ia os prevaricadores com 20 cru zados, sem elh an a do qu e
se passava em Estrem oz.
Os dem ais artigos apresen tados visam a aspectos da adm in istrao
local ou da econ om ia con celh ia.
Faro (1 e 2) qu er ter alcaide de seu foro e alm otacaria n o pescado,
segu n do os seu s u sos, o qu e o m on arca con firm a. Mon forte (1) e Vila Viosa (3) lu tam pelo respeito do seu privilgio de isen o de portagem .
Lou l (2) est m u ito preocu pada com o in vestim en to qu e fez n o
Porto de Farrobilh as, pois seu s m oradores, apesar de se abastecerem n a
vila, o qu e at faz su bir os preos, n o lh e trazem n en h u m pescado, an tes o exportam todo para Castela, o qu e n o parece ju sto, fican do decidido qu e u m a parte ru m asse a Lou l. Igu alm en te tem iam (3) por ou vir dizer qu e o soberan o desse u m esteiro do porto, on de arrecadavam os n avios, para se con stru rem azen h as, o qu e D. Joo II m an da averigu ar.
Se a defesa do m ar a preocu pao dos algarvios, a defesa da terra ocu pa Oliven a e Vila Viosa. A prim eira terra fron teiria, tem acrescido problem as. O abastecim en to de len h a e m adeira ao con celh o esta-
24
25
3 TIPOS D E RESPOSTA S
reais sobre con spiraes, im pression ariam o povo. E n o m en os o deixariam tem en te ao seu rei e sen h or, estas atu aes firm es e decididas de D.
Joo II. Qu e tam bm lh es con viriam . Atacan do o poder sen h orial, estava o m on arca fazen do dim in u ir as presses com qu e os sen h ores, por via
de regra, sobrecarregavam os povos. E estes cada vez m ais con fiariam
n u m soberan o qu e se im pu n h a e ou sava fazer fren te a qu em n o lh e obedecesse ou ju rasse fidelidade, por m ais poderoso qu e fosse. Cada vez m ais
os povos reforariam a im agem do Messias, qu e Lou l j propalara em
1482. su a proteo se en com en davam e do seu poder e m an do n o du vidavam . Na lin gu agem das form as rever-se-iam n essa sim bolizao do
m on arca n u m pelican o, a cu jas asas sabiam poder acolh er-se com o filh os.
No m en os en ten deriam a su a von tade, expressa por palavras, n a divisa
qu e para si tom aria por su a ley e por su a grey.
A projeo dos feitos de alm -m ar au reolavam sem pre e m ais a su a
pessoa. En tre 1481-1482 con stru a-se a fortaleza de So Jorge da Min a
qu e dava cobertu ra ao com rcio african o, assim vigiado e protegido m ilitarm en te. As viagen s de Diogo Co em 1482 e 1484 faziam avan ar o dom n io portu gu s, qu e orgu lh osam en te se assin alava com padres, at ao
Zaire e Serra Parda. Em 1488 Bartolom eu Dias, dobran do o con tin en te
african o, o Cabo da Boa Esperan a, oferecia ao m on arca a certeza de qu e
o cam in h o para a n dia n o era u m a qu im era m as u m a realidade. Os s ditos ou viriam , doravan te, o seu sen h or in titu lar-se rei de Portu gal e dos
Algarves, daqu m e dalm m ar em frica e sen h or de Gu in . E n esse
dom n io de frica, D. Joo II reiterava ain da n u m a poltica m arroqu in a,
reforan do o povoam en to das su as praas, e gan h an do a obedin cia dos
m ou ros de Azam or, em bora m en os bem -su cedidas fossem as expedies
a An af em 1487-1489, visan do con stru o da fortaleza da Graciosa,
m u ito se in vestiu e pou co se con segu iu .
26
4 TIPOS D E RESPOSTA S
27
A segu n da m aior fatia de pedidos diz respeito ao social. Mas de assin alar qu e se calaram qu ase por com pleto as vozes con tra as opresses da
fidalgu ia. Mu ito provavelm en te porqu e, su prim idos os gran des sen h ores, a
n obreza qu e ficara n o tin h a a m esm a capacidade gen eralizada de su bju gar
os h om en s, para alm das atitu des rgias recom en darem a con ten o.
E com u m a n obreza assim con trolada o m on arca podia de n ovo
agraci-la. De n otar, qu e n o cedeu aos pedidos do Terceiro Estado n o
sen tido de serem lim itados os dotes de casam en tos e arras da fidalgu ia
(21),24 n em tam pou co in terdio da su a pou sada em vilas e lu gares qu e
n o lh es perten cessem (24).
Mais firm e se m ostra con tra as preten ses das elites locais qu e qu eriam dom in ar h om en s, afastar con corren tes e govern ar sem in terfern cias. Ou , se qu iserm os colocar a qu esto sob ou tro n gu lo, D. Joo II arvora-se em defen sor dos qu e realm en te trabalh am e aspiram a m elh ores
con dies de vida.
No perm ite qu e se obrigu em os filh os dos lavradores a segu irem
as profisses dos pais, in terditan do-lh es ou tro m odo de vida, com o, por
exem plo, o artesan ato (29).25 Adia a deciso do afastam en to dos m esteirais da cm ara de Lisboa ou a restrio de os colocar apen as com o colh eiros e sem voz (12). No proibe o ofcio de alfeloeiro (37).26
Em con trapartida n ega o privilgio de cavaleiros, cidados, n obres
h om en s e escu deiros, com m ais de 50 an os, poderem an dar em bestas
m u ares a vigiarem as su as fazen das e a tratarem dos seu s n egcios (42).
E m esm o os pedidos sobre os ju deu s, qu e iam n o sen tido de lh es restrin gir as su as liberdades, in terditan do-lh es ofcios e arren dam en tos (16),27
obrigan do-os a citar os cristos peran te os ju zes ordin rios (32) e con ceden do plen a liberdade aos seu s escravos (46) con vertidos ao cristian ism o,28 recebem to-s deferim en tos parciais ou con dicion ais.
Tam bm parco n as regalias con cedidas a adm in istrao local, logo
s au ton om ias dos espaos con celh ios em qu e esta aristocracia se m ovia.
Atitu de alis con sen tn ea com toda a su a atu ao cen tralizadora, em especial n a fase fin al do seu govern o.29 S parcialm en te defere a in terven o dos con celh os da n om eao dos m am posteiros dos cativos (9) ou n a
eleio dos cou dis e ju zes dos rfos (35). E recu sa, por com pleto, o pedido a fim de qu e o m on arca n o passasse cartas rgias de recom en dao
para oficiais dos con celh os (25) 30 ou de qu e o errio con celh io n o su portasse as despesas das obras n as prises (26). Com o, n o qu e ao fisco diz respeito, n o an u i abolio das dzim as das sen ten as (44), n o aceita m odificaes n os con tribu in tes dos 10 reais de Ceu ta (34) e s sob certas
con dies con sen te qu e a tera seja u tilizada para as obras dos m u ros
(36). E se a este con ju n to de preten ses sociais e adm in istrativas
fru stradas por parte da gen te n obre da govern an a ju n tarm os algu n s ou -
28
tros in deferim en tos em n vel econ m ico, com pleta-se o sen tido do qu erer de u m m on arca qu e desejava ter todos os poderes e poderosos su jeitos ao seu con trole e qu e os pequ en os o vissem com o seu defen sor e protetor.31 Ten taram os criadores de gado fu gir fiscalizao das au toridades
rgias, o qu e lh es perm itiria u m com rcio lcito ou ilcito de an im ais m ais
ren tvel. Foi-lh es n egado.32 Ten taram os com ercian tes elim in ar os m on oplios das exportaes, m orm en te de cortia (18).33 Receberam u m a evasiva. Qu iseram ain da retorn ar aos pesos e m edidas an tigas (33). O pedido foi in deferido. O sim rgio era dado com critrios. Nu n ca a con descen dn cia devia in terferir n os plan os gerais do rei ou do rein o.
Dessas m esm as Cortes possu m os u m total de 60 captu los especiais
proven ien tes dos in teresses de 17 con celh os.34 Portan to o dobro dos agravos especiais apresen tados n as an teriores Cortes de 1482. O lon go espaam en to desta reu n io, em relao an terior, assim o ju stificaria.
Com gran de gen erosidade o m on arca defere totalm en te 66,7% dos
pedidos, o qu e, ju n tan do-lh es aqu eles a qu e an u i ain da qu e em parte ou
sob con dies, perfaz o su bstan cial m on tan te de 86,6% , com o o grfico o
atesta. In defere expressam en te apen as 4 captu los e adia ou tros tan tos. Alcan ada a paz in tern a, acrescen tan do o prestgio e o proveito de u m Portu gal qu e crescia em frica e son h ada a con certao ibrica, D. Joo II
via-se in clin ado a favorecer os povos.
5 TIPOS D E RESPOSTA S
Os captu los qu e visam aos problem as econ m icos dos con celh os
predom in am , para depois se lh es segu irem os qu e dizem respeito adm in istrao cen tral e ao social e, por fim , se apresen tarem os relativos ao fisco e adm in istrao local, o qu e o qu adro m elh or especifica.
A crtica aos oficiais rgios n o apresen ta n ovidades em relao ao
qu e sem pre se reclam ava em Cortes u m a atu ao das au toridades den -
29
Total
Administrao central
13
21,7
Administrao local
11,7
Social
12
20,0
Econmico
19
31,7
Fiscal
13,3
Militar
1,6
Total geral
60
100,0
tro das su as m argen s de com petn cias. Todavia verifica-se qu e se os execu tores da ju stia corregedores35 e ju zes das sisas36 con tin u avam a ser
visados, agora so-n os m axim am en te os oficiais do fisco, em especial os
alm oxarifes. Este, em Lagos (3), fazia casas n a ribeira e n o deixava espao para os da vila carregarem m ercadorias, bem com o fretava todas as caravelas para irem bu scar trigo em Aores e lev-lo para a frica, deixan do os vizin h os sem n en h u m a para, em seu proveito, se abastecerem de
trigo (5); en qu an to em Aveiro (1) tirava a cadeia para alfn dega,37 e em
Silves (2) vivia fora da sede do alm oxarifado, o qu e o devia fazer perder
o cargo. Tam bm os oficiais dos pan os delgados qu eriam sisar os aveiren ses (5), m esm o n os pan os qu e retiravam para u so de su as casas.38 E os oficiais rgios de Set bal (2) faziam estran h os con lu ios. Depois de aos alm ocreves terem sido con tadas as sardin h as e pescados pelos oficiais da ribeira, e carregados os an im ais, qu an do iam pagar a sisa, certos oficiais, a pedido dos ren deiros ju deu s, qu eriam qu e eles declarassem , com ju ram en to sobre os Evan gelh os, o n m ero de m ilh eiros de sardin h as qu e levavam . Ora eles n o sabiam o qu e levavam , salvo o qu e lh es fora dito pelos
con tadores, n em lh es parecia ju sto fazer ju ram en to, estan do os Evan gelh os n as m os dos in fiis, pedin do portan to o respeito pelo costu m e.
Um a rede bu rocrtica m ais atu an te sobre a cobran a de direitos rgios, m orm en te a qu e provin h a das tran saes com erciais, deixava m en os liberdade de m an obra aos com ercian tes ou at os pression ava. Apertava-se o cerco da fiscalidade estatal. E a fazen da n o qu eria ver escapar
os proven tos de qu alqu er atividade. Assim se qu eixava Coim bra (2) de
qu e o m on teiro da m ata do Boto n o os deixava a m atar pom bos, ex-
30
31
tal m odo qu e os povos diziam ser isto pior qu e pagar as sisas em dobro.
Por su a vez Lam ego (3) verbera con tra o con de de Marialva 43 qu e tin h a
os direitos reais da cidade e n o respeitava as n orm as foraleiras da arrecadao da portagem , apelan do D. Joo II ao cu m prim en to do direito
con su etu din rio. Arrecadar o m xim o, qu an do os direitos reais lh es eram
doados, torn ava-se u m im perativo dos sen h ores, o qu e explicava todos
estes abu sos.
Nu m qu adro m ais geral, Barcelos (1) d con ta de ban dos de fidalgos qu e erravam pela vila fazen do arru aa e aterrorizan do as pessoas.
Precisa D. Joo II qu e os fidalgos m oradores n a vila e term o n o se podem lan ar fora, m as aos dem ais restrin ge a estadia n a vila a 5 dias.
Qu an do a fidalgu ia desem pen h ava altos cargos, com o em Estrem oz
(3), n a pessoa do seu alcaide-m or qu e era con de,44 en to os perigos tradu zem -se em in terfern cia n a adm in istrao con celh ia. Assim , qu an do
h avia fu gas da priso, o ju iz por certo ju iz de fora 45 , por ordem do alcaide, m an dava os vereadores tom ar a ch ave da cadeia e gu ardar os presos. Logo os h om en s bon s, vexados e obrigados, n egavam -se ao exerccio
de tais cargos. Era tam bm u m abu so sobre a priso do con celh o, a afron ta qu e a Gu arda (2) adu zia con tra o seu bispo, qu e a u tilizava em vez da
su a prpria, n ico agravo con tra a clerezia n estas Cortes.46
A vida in tern a dos con celh os, do seu aparelh o govern ativo s su as
fin an as, m edidas econ m icas ou problem as sociais, em erge tam bm em
vrios agravos.
O con celh o de Silves (1) requ er a liberdade de eleger em cm ara
corretores, os qu ais lh e garan tiam u m m elh or con trole de com pra e ven da de m ercadorias, o qu e o soberan o con sen te at ao n m ero de qu atro.
Em Extrem oz (2) ser a voz da elite govern ativa qu e se ergu e para con den ar o m odo de atu ar de dois aposen tadores eleitos pelo povo qu e
atroam toda a terra, pedin do logo qu e se escolh esse, por eleio, u m do
povo e ou tro escu deiro, talvez assim se am oldan do m elh or o cargo s clivagen s sociais existen tes. Mais alto se ergu em as m esm a vozes (1) con tra
a sayoria de serem 12 h om en s dos m esteres a receberem as teras para
os m u ros e as coim as dos gados. Nu m a qu alqu er con ju n tu ra favorvel, h aviam os m esteres con segu ido estas cobran as, qu e perpetu avam , fazen dose eleger em su as casas e rodan do en tre si sapateiros, teceles e ou tros ofcios, n o qu e, com o bem sabem os, reprodu ziam as estratgias de poder das
elites. So ain da acu sados de n o desem pen h arem os seu s m esteres depois
de serem eleitos, alm de, h 18 an os, n o darem con ta do din h eiro arrecadado, n em terem feito obras. Mas o seu rein ado parece estar ch egan do ao fim . O m on arca acede ao pedido dos govern an tes de Extrem oz. Determ in a qu e os cobradores fossem apen as dois, eleitos em cm ara pelos
ju zes e oficiais, e s deviam correr a terra por m an dado dos oficiais e estan do presen te u m tabelio qu e tu do an otasse. provvel qu e h ou vesse
32
de fato u m abu so. Mas o m aior seria, sem d vida, os m ecn icos terem con segu ido lu gares n o aparelh o govern ativo, e sobrem an eira de cobran a,
n u m a poca em qu e por todas as Cortes se atravessavam as vozes das elites dirigen tes con tra a in trom isso dos m esteres n a govern an a.
Ou tros gru pos sociais in terferiam com a adm in istrao con celh ia.
Assim , em Torres Vedras (1), u n s qu an tos qu e se qu eriam privilegiados
besteiros da cm ara e do con to, m oedeiros e ain da ju gadeiros e caseiros
do clero ou fidalgu ia escu savam -se dos en cargos con celh ios, n o qu e o
m on arca n o con sen te. Aqu i advogava-se com privilgios. Nou tros casos
com distn cia. Os h om en s do term o, qu e viam n os oficiais da su a sede
apen as dom in n cias e n o esperavam h aver por eles defen didos os seu s
in teresses n as m ais altas in stn cias, n egavam -se a con tribu ir para as fin tas qu e os con celh os lan avam a fim de cu stearem os procu radores s
Cortes. Assim o declarava Braga (1), en u m eran do os term os qu e desejava ver com pelidos, e Lam ego (1), qu e preten dia esten der este en cargo
m esm o a todo o alm oxarifado, ou , pelo m en os, aos con celh os du as lgu as
em redor, dos qu ais se sen tia cabea. E daqu i ressaltam claram en te as prepon dern cias de algu n s con celh os m ais poderosos em face de ou tros qu e
gravitavam n a su a rbita, com o o jogo de in flu n cias e presses dos h om en s da cidade sobre os do term o.
E peran te esta real situ ao vivida, por vezes h acordos, ou tras vezes en gan os. Com os h om en s do term o o con celh o de Bragan a h avia feito u m pacto (3) n o serviam n os en cargos con celh ios, rem in do essa
obrigao com o pagam en to de 4 alqu eires de cen teio an u ais. Mas eram
tam bm esses m esm os h om en s (6), talvez com u m certo poder econ m ico, qu e se con lu iavam com algu n s am igos e n as su as casas citadin as ven diam as m ercadorias para n o pagar sisa, isen o de qu e s deviam desfru tar os qu e tin h am casa prpria n a cidade.
Todos qu eriam fru ir das liberdades con celh ias, pou cos desejavam ,
todavia, su portar as obras com u n s e as fin an as locais, bu scan do escu sas,
com o j vim os n o caso particu lar das despesas extraordin rias dos procu radores s Cortes. Alm de qu e a in terseo en tre fin an as in tern as e fiscalizao estava sem pre presen te.
Justamente o concelho de Bragana (3), que recebia dos homens do
termo os quatro alqueires de centeio, que os isentava dos encargos, acusava o juiz dos resduos de lhe querer levar a tera desse po para as obras, o
que no lhe parecia justo e o monarca assim o corrobora porque no se
tratava de uma renda permanente de concelho. Tambm Guimares (1),
com a escassa renda de 4.000 reais, que, como dizia, gastava toda na festa
do Corpo de Deus, pusera um imposto de 1 ceitil por canada, no vinho atabernado da vila e termo, rogando ao monarca que, dos 10.000 ou
12.000 reais que estimavam poder arrecadar, no pagasse o tero, pois j tinha de dar 2.000 reais para o relego, no que tambm D. Joo II concorda.
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A tera era pesado tribu to a solver coroa. No pou cas vezes se ergu e, en to, a voz dos con celh os para rogar ao soberan o qu e a m esm a fiqu e n o con celh o para servir s obras com u n s. Nestas Cortes pediram -n o
Aveiro (4), Coru ch e (1), Set bal (1) e Torres Vedras (2). D. Joo II defere caso a caso, talvez com con h ecim en to das situ aes con cretas. Con cede isen o por 5 an os a Aveiro e Coru ch e e n ega-a aos ou tros dois con celh os. Igu alm en te du ra para os vizin h os era a con tribu io para os pedidos, sobretu do porqu e a su a cobran a dava m otivo m u itas vezes a excessos. Logo o con celh o de Bragan a (7) qu er ser declarado com o pago dos
8.000 reais da su a parte n o pedido dos 50 m ilh es. Por su a vez Aveiro (6)
diz h aver u m saldo, n a an terior percepo do pedido de 40 m ilh es qu e
agora desejava ver descon tado n a cobran a deste.
Um govern o con celh io aten to devia zelar pelo qu e se arrecadava e se
pagava. Igu alm en te devia ser din m ico n a defesa dos in teresses econ m icos
prprios, pen h or da riqu eza local. Con form e os con textos, ou vim os en to pedidos qu e ten tam valorizar o com rcio, a criao de gado ou a agricu ltu ra.
No qu e s tran saes diz respeito n o se qu eriam perder, em prim eiro lu gar, as liberdades foraleiras e depois os tribu tos legais qu e sobre as
m esm as im pen diam e algu n s, frau du len tam en te, procu ravam lu dibriar.
Fosse ven den do fora da cidade com o fazia u n s qu an tos qu e com erciavam
sal e pescado pelos term os de Aveiro (2), fosse trazen do os ben s para a sede
do con celh o, a fim de se aproveitar das isen es a praticadas, com o agiam
os de Bragan a. Desejavam os con celh os ter lu gares de ven da cativos e privilegiados. Barcelos (2) qu eria u m m ercado m en sal, on de os do term o fossem obrigados a ir com erciar. Lam ego (2) pedia a isen o da sisa por 15
dias para a su a feira. A am bos os pedidos acede o m on arca.
E para qu e o com rcio in tern o fosse u m a realidade, era preciso h aver produ tos. Qu e deviam ser im portados qu an do faltavam . Qu e se qu eriam defen didos com prioridades de ven da. Por isso Lagos (6) deseja alcan ar e con segu e-o a liberdade de ir bu scar trigo ao Norte da frica,
a Mazago e Casa do Cavaleiro, on de ele barato, pois, com o argu m en ta, se os catelh an os assim o faziam , m ais lh e parecia razovel qu e tam bm
eles o pu dessem ir bu scar. Com o n o qu eriam qu e os pescadores da vila
ven dessem toda a sardin h a aos castelh an os (8), o qu e estes faziam at a
u m preo m ais barato,47 m as an tes exigiam qu e a trou xessem vila por
esse m esm o preo, para depois servir de m oeda de troca com os alm ocreves qu e at a acarretavam o trigo.
Prioridade de ven da, sem con corrn cia, se requ eria para o vin h o
qu e devia abu n dar e, n o sen do de boa qu alidade, podia azedar an tes de
dar qu aisqu er lu cros. Coim bra (1) preten de qu e lh e respeitem os 4 m eses
m aio, ju n h o, ju lh o e agosto em qu e os vizin h os tin h am direito ven da. E tam bm este con celh o, de u m a artificiosa m an eira, pede a defesa do
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N OTA S
1. Leia-se, sobre este tem a, a sn tese de COELHO, M. H. da C. O peso dos privilegiados em
Portu gal. In : CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTRIA, EL TRATADO DE TORDESILLAS Y SU POCA, I, 1995, Madrid. p.291-314.
2. Estas Cortes foram j largam en te estu dadas, pelo qu e para algu n s estu dos m ais atu alizados rem etem os o leitor, n eles se en con tran do, alis, refern cia bibliografia an terior. Assim ,
e segu in do u m a ordem cron olgica, veja-se a prim eira parte, da respon sabilidade da prim eira au tora, do artigo de GOMES, A. A. A., COSTA, R. As Cortes de 1481-1482: u m a abordagem prelim in ar. Estudos Medievais Porto, 1983-1984, p.151-79, em qu e se aborda o con te do dos captu los gerais e as respectivas deliberaes rgias. Con su lte-se depois a obra m ais
com pleta sobre captu los gerais de Cortes de SOUSA, A. de, 1990. 2v., qu e n o prim eiro volu m e, en tre as pgin as 420-6, refere-se aos aspectos form ais das m esm as, para n o segu n do
volu m e, en tre as pgin as 445-87, dar-n os o resu m o dos seu s 172 captu los e o teor das respostas do m on arca. Fin alm en te tam bm MENDONA, M. D. Joo II: um percurso humano e
poltico nas origens da modernidade em Portugal. Lisboa: Estam pa, 1991. p.195-249, estu da as
prelim in ares da con vocao e abertu ra destas Cortes, bem com o an alisa os assu n tos dos captu los gerais e respostas do m on arca. O n osso estu do in dicar, basicam en te, sobre os captu los especiais das Cortes de 1482, n icos qu e n os ch egaram , e at agora n o estu dados, e
as Cortes da vora 1490, qu er n os seu s captu los gerais, qu er n os especiais, estes ltim os
tam bm n o an alisados at o m om en to.
3. Veja-se em CHAVES, . L. de. Livro de Apontamentos (1438-1489). Cdice 443 da Coleco
Pom balin a da B. N. L., in trodu o e tran scrio de SALGADO, A. M., SALGADO, A. J. Lisboa: Im pren sa Nacion al, Casa da Moeda, 1984; o discu rso de LUCENA, V. F. de. A form a das
m en agen s, a plan ta das Cortes e o in stru m en to das Cortes, n as folh as 10 v., 40v.-51.
4. PINA, R. de Ch ron ica del-rei Dom Joo II. In :___. Crnicas de Rui de Pina. Porto: Lello &
Irm o-Editores, 1977. cap.V. (In trodu o e reviso de Alm eida, M. L. de).
5. Estes valores foram calcu lados a partir da obra de Arm in do de Sou sa.
6. O estu do desen volvido do con te do destes captu los especiais, dos gru pos sociais e pessoas n eles visados, bem com o das respostas rgias com preen de a Segu n da parte, da respon sabilidade da segu n da au tora, do artigo citado de ANDRADE, A. A., GOMES, R. C. As Cortes de 1481-1482: u m a abordagem prelim in ar. p.181-212.
7. Cortes com eadas em n ovem bro e term in adas an tes do Natal desse m esm o an o de 1482
(Arm in do de Sou sa, op. cit., p.426-29).
8. SOUSA, A. de, op. cit., p.426-29, refere-se aos aspectos form ais de reu n io destas Cortes,
bem com o o faz MENDONA, M., op. cit., p.249-53, m as n en h u m dos referidos au tores se
debru a sobre a an lise dos captu los especiais.
9. Discrim in an do, so: 3 captu los de Faro (TT Odian a, liv. 2, f. 270); 1 de Gu im ares (TTAlm Dou ro, liv. 4, f. 241); 7 de Lou l (TT Ch an c. D. Joo II, liv. 23, f. 106-7; Odian a, liv.
2, f. 50-50v); 1 de Mon forte (TT Ch an c. D. Joo II, liv. 23, f. 20); 4 de Oliven a (TT Odian a, liv. 2, f. 192-4); 1 de Pin h el (TT Beira, liv. 1, f. 158v-159); 2 de Pon te de LIMA (tt
Alm Dou ro, liv. 3, f. 140v-141); 1 de Serpa (TT Odian a, liv. 2, f. 192); 1 de Silves (TT
Odian a, liv. 2, f. 297v-298); 8 de Vila Viosa, de qu e n o se con h ecem as respostas rgias
(TT Corpo Cron olgico, parte II, m . 1, doc. 40); 1 de Viseu (TT Ch an c. D. Joo II, liv. 25,
f. 38v). Doravan te dispen sar-n os-em os de citar as cotas dos docu m en tos, m as iden tificarem os os artigos pelo con celh o e seu n m ero de ordem .
10. Ten h a-se em con ta qu e u tilizan do n os trabalh os de ou tros au tores para as Cortes de Evora de 1481-1482 e para os captu los gerais das de vora de 1490 pode h aver algu m defasam en to n a an lise da n atu reza dos artigos, bem com o n a classificao das respostas rgias,
en tre a classificao a apresen tada e a n ossa.
11. S n o estiveram Mon forte, Oliven a, Pin h el, Serpa e Vila Viosa.
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12. Por certo Rodrigo Afon so de Melo, casado com D. Isabel de Men eses, con de de Oliven a desde 1476 e falecido em 1487 (FREIRE, A. B. Brases da Sala de Sintra. 2.ed. Coim bra:
Im pren sa da Un iversidade, 1930. liv. III, p.324-25).
13. Sobre a form ao da Casa de Bragan a e a dim en so do seu real poder em terras, direitos, ju risdies e h om en s, leia-se o estu do de CUNHA, M. S. da Linhagem, Parentesco e Poder.
A casa de Bragan a (1384-1483). Lisboa: Fu n dao da Casa de Bragan a, 1990.
14. SOUSA, A. de, op. cit., v.I, p.429-30, resu m e os aspectos form ais da con vocao destas
Cortes, para n o volu m e segu n do, a pgin as 488-99, n os forn ece o resu m o dos seu s captu los gerais e respostas rgias, por aqu i ten do n s qu an tificado estas, n a elaborao do grfico. No en tan to, para u m a an lise qu alitativa m ais porm en orizada, con su ltam os com o fon te, ain da qu e secu n dria, os cdices 694 e 696 dos Man u scritos de Joo Pedro Ribeiro, qu e
se en con tram n a Seco de Man u scritos da Biblioteca Geral da Un iversidade de Coim bra.
Os m esm os captu los gerais destas Cortes foram estu dados por MENDONA, M., op. cit.,
p.412-35, n as su as tem ticas e respostas rgias, bem com o n as con tin u idades ou diferen as
em relao s de 1481-1482.
15. O n m ero exato de deferim en tos (totais, parciais ou con dicion ais) de 59,6% , de in deferim en tos 29,80 % e de evasivas, adiam en tos ou n o in ovaes de 10,6% .
16. Sobre estes ver agravos 4, 7, 10, 23, 30, 31, n u m erao do volu m e segu n do a obra citada obra de Arm in do de Sou sa.
17. Agravo 8.
18. Agravos 2,11,27,39.
19. Agravos 15 e 47.
20. apen as evasivo n o captu lo 30 sobre a m an u ten o dos desem bargadores e su as obrigaes.
21. Assim n o caso da alada do direito de asilo das igrejas (17).
22. In defere u m pedido de habeas corpus, en qu an to du rassem as in qu iries devassas (45).
23. Resposta evasiva recebe a preten so de se pu n irem os alm oxarifes e ren deiros do rei pela
ven da dos ben s desses ren deiros abaixo do seu valor, e n o os com pradores dos m esm os.
24. Expu n h am os povos qu e, por essa razo, os fidalgos tin h am as su as filh as com h om em
n om seu igu al ou coloc-las com o freiras. Pedem qu e os dotes fossem 1.000 cru zados de
ou ro e as arras 1/ 3 e qu em o n o fizessem perdesse tu do para ou tros filh os, irm os ou paren tes m ais ch egados qu e assim casasse, segu n do se fazia em Floren a, Sien a e por toda a
Itlia. Mas D. Joo II respon de qu e lh es agradece a boa von tade com qu e se m overom a
esto apon tar peroo qu e n om h e cou sa em qu e possa dar determ in aom (BGUC Col. De
Man u scritos de Joo Pedro Ribeiro, cd. 696, p.148-249).
25. Pediam isto para os lavradores, sob pen a de aoites e degredo para as ilh as, e perda dos
ben s dos oficiais m ecn icos qu e os en sin assem . A resposta rgia , porm , do segu in te teor:
n om pedem beem , pois o officio da lavoira h e dign o de favorizar e n om pera agravar vista
a n ecessidade delles n o regn o, e com o se n om pode tolh er a cada h u u m de trabalh ar por
m ais valler e de trabalh ar por isso. Logo, o m on arca desejava lavradores qu e gostassem do
seu trabalh o, e qu e n o se sen tissem m an ietados qu an to aos seu s filh os (BGUC Col. De
Man u scritos de Joo Pedro Ribeiro, cd. 696, p.259-61).
26. De fato, as Ordenaes Afonsinas liv. 5, tt. 101, in terditavam tal profisso aos h om en s, sob
pen a de priso e aoites em p blico. Aqu i os povos alegavam qu e eles faziam o m el caro, e
qu e, ao v-los, os m en in os ch oravam , pression an do os pais com pra de alfloa, alm de
qu e ain da en sin avam m au s vcios de cartas e dados. O m on arca n o probe a profisso m as
exige qu e n om jogu em dados (BGUC Col. De Man u scritos Joo Pedro Ribeiro, cd. 696,
p. 270-1).
27. D. Joo II perm ite qu e sejam ren deiros das sisas, a qu al tirada por cristos ain da seria
pior, in terditan do-lh es, todavia, serem ren deiros dos m estrados ou igrejas, e de desem pen h arem ofcios ou serem feitores (BGUC Col. De Man u scritos de Joo Pedro Ribeiro, cd.
696, p.242-4).
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28. Mas, n este caso, os ju deu s tin h am o con lu io de algu n s cristos qu e lh es com pravam os
escravos con vertidos. Ora D. Joo II in terdita aos ju deu s a com pra de m ou ros e m ou ras da
Gu in , m as deixa-os possu ir escravos bran cos. E se algu m escravo se fizesse cristo ficava
forro, e n en h u m cristo poderia dizer qu e era seu (BGUC Col. De Man u scritos de Joo Pedro Ribeiro, cd. 696, p.279-81).
29. Assim qu is con trolar a eleio para os oficiais con celh ios, desejan do ver e in terferir n a
pau ta dos elegveis, sobretu do n as prin cipais cidades, com o Lisboa e vora (MENDONA,
M., op. cit., p.314-18). No abdicou de n om ear dezessete ju zes de fora e de dar corregedores s com arcas do rein o (op. cit., p.365-73). E alm disso deu provim en to a u m n m ero assaz con sidervel de ou tros oficiais de ju stia ju zes e escrives das sisas e ju zes e escrives
dos rfos , da fazen da em especial oficiais da alfn dega (alm oxarife, escrivo, ju zes, porteiros, requ eredores, m edidores, h om en s) , ou da adm in istrao local sobrem an eira tabelies, procu radores do n m ero, escrives da cm ara, da alm otaaria e de alcaidaria, cou dis e seu s escrives (op. cit., p.319-65).
30. , alis, m u ito esclarecedora, a resposta de D. Joo II: elle escreve aos con celh os por os
offcios sobre boas pessoas e qu e en ten de qu e som pera elles perten cen tes, e qu e h e beem
do povoo, e n om per ou tro respeito; e qu e qu an do virem qu e as pessoas por qu e escrepveu
n om som taes qu e pera ello sejam perten cen tes qu e lh o escrepvam , e qu e ter sobre isso a
m an eira qu e seja razom ; porqu e dos seu s povoos e Regn o elle teem o m aior cu idado
(BGUC Col. De Man u scritos de Joo Pedro Ribeiro, cd. 696, p.254-55).
31. Mas tam bm estes deviam agir den tro da legalidade. E por isso aceita o pedido de qu e o
m oleiro deve receber o gro e dar a farin h a a peso (38).
32. No qu eriam qu e os gados fossem cou tados pelos alcaides das sacas e gu ardas fiscais do
con traban do para Castela (19); n o qu eriam in form ar os ren deiros das sisas das deslocaes
para pastagen s, n em pagar a portagem (20). O m on arca respon de em sn tese: n om pedem
bem , porqu e se assy n om se fizese averia m aior m in goa de carn es n o regn o do qu e h e
prom ete m esm o fazer orden aes m aes apertadas aceerca dello (BGUC Col. De Man u scrito Joo Pedro Ribeiro, cd. 696, p.246-8). No lh es ain da con sen tido criar gado m u ar
n o En tre Dou ro e Min h o, u tilizan do gu as galegas (43). O m on arca apen as con sen te qu e
n o levem din h eiro das bestas qu e vo a Castela bu scar carga (22).
33. Pedira o m on arca o m on oplio da exportao, por 5 an os para carregar cobre de Fran a, Flan dres e In glaterra. E porqu e rogo do rey m an dado h e, aceitou -o o povo. Acabados
os 5 an os, o m on arca dera o trau to a Du arte Bran do, con tra o qu e agora os con celh os se
in su rgiam . Mas respon de o m on arca: con sirada esta cau sa beem h e m aes dam pn o qu e proveyto de seu povoo an dar solta e fora de h a m ao porqu e h u u n s tolh em o proveito dos
ou tros (BUGC Col. De Man u scritos de Joo Pedro Ribeiro, cd. 696, p.245-6), alegan do
qu e o desequ ilbrio de riqu eza en tre os m ercadores con du ziria, in evitavelm en te ao m on oplio de u n s qu an tos.
34. So eles 6 captu los especiais de Aveiro (TT Ch an c. D. Joo II, liv. 16, fl. 16v-19); 2 de
Barcelos (TT Ch an c. D. Man u el, liv. 9, fl. 33); 1 de Braga (TT Ch an c. D. Joo II, liv. 13,
fl. 118; Alm Dou ro, liv. 3, fls. 93v-94); 7 de Bragan a (TT Ch an c. D. Joo II, liv. 16, fls.
131-132); 6 de Coim bra (TT Ch an c. D. Joo II, liv. 13, fl. 127-127v); 1 de Coru ch e (TT
Ch an c. D. Joo II, liv. 9, fl. 50; Odian a, liv. 2, fl. 53); 4 de Elvas (AM Perg. 66); 3 de Estrem oz (TT Odian a, liv. 2, fl. 59-59v); 2 da Gu arda (TT Ch an c. D. Joo II, liv. 16, fls.
26v-27); 1 de Gu im ares (TT Ch an c. D. Joo II, liv. 11, fl. 24-24v; Alm Dou ro, liv. 3, fl.
85-85v); 8 de Lagos (TT Odian a, liv. 2, fls. 60-62); 3 de Lam ego (TT Ch an c. D. Joo II,
liv. 16, fl. 22-22v); 2 de Miran da do Dou ro (TT Ch an c. D. Joo II, liv. 16, fl. 23; Alm Dou ro, liv. 3, fls. 96v-97); 4 de Oliven a (TT Ch an c. De D. Joo II, liv. 16, fl. 69-69v); 2 de Set bal (TT Ch an c. De D. Joo II, liv. 9, fl. 117-117v; Odian a, liv. 2, fl. 55-55v); 3 de Silves
(TT Ch an c. D. Joo II, liv. 9, fls. 39v-40); 5 de Torres Vedras (TT Ch an c. D. Joo II, liv.
13, fl. 144-144v). Em relao aos con celh os qu e apresen taram captu los especiais n estas
Cortes de 1490, in ven tariados por Arm in do de Sou sa, ob. cit., vol. III, p. 13, diga-se qu e
qu an to ao Cartaxo (TT Ch an c. De D. Joo II, liv. 21, fl. 172) se trata de u m a carta de D.
Joo II, respon den do a agravos qu e o con celh o de San tarm fazia ao Cartaxo, m as datada
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de San tarm , 28 de ju n h o de 1487, portan to n o destas Cortes. Igu alm en te o Porto (AHM
Livro Gran de, fl. 196) apresen ta u m a carta de privilgios, datada da vora de 1 de ju n h o
de 1490, qu e, em bora seja da poca das Cortes, m ais parece, pelo seu form u lrio, obtida fora
delas. (Aqu i deixam os u m agradecim en to recon h ecido ao Diretor do Arqu ivo Histrico, Dr.
Man u el Real, qu e n os en viou , com o pedim os, a reprodu o deste docu m en to). No en tram os em lin h a de con ta com Tavira, pois ten do n s requ erido ao Arqu ivo Mu n icipal a folh a
97, do cdice Reform a dos Tom os, n o obtivem os resposta, n o se n os oferecen do a possibilidade de a n os deslocarm os para an alisar essa fon te, fican do este caso em aberto.
35. Aveiro (3) qu eixa-se qu e o corregedor m an dara fazer u m a n ova casa de au din cias e relao, bem com o ch afariz e caladas. O con celh o pede tem po para fazer as obras e o rei con cede-lh e prazo de u m an o. Em Miran da (1) o corregedor pren dia os h om iziados do con celh o e colocava-se n a priso, n o respeitan do o cou to da vila.
36. Acu sa Torres Vedras (5) o en to ju iz das sisas de pou co saber, e de com eter m u itos erros, pedin do ou tro m ais idn eo. O m on arca exige qu e se qu eixassem dele por carta e depois
ele fosse ou vido.
37. Sobre este pedido o m on arca adia a resposta, pedin do in form aes.
38. Oliven a (1) qu eria ain da qu e o alcaide das sisas fosse de fora e provido de 3 em 3 an os.
39. E, segu n do o parecer de MARQUES, A. H. de O. Histria de Portugal. Das origens ao Renascimento. 9.ed. Lisboa: Palas Editores, 1982. v.I, p.363-4: a poltica de D. Joo II con sistiu em
bu scar o apoio, n o da classe popu lar, m as an tes das fileiras in feriores da n obreza. Ao m esm o tem po, prom oveu m u itos legistas e fu n cion rios p blicos a cargos de relevo at a reservados s cam adas altas da aristocracia.
40. Para os cargos de ju iz de fora, corregedor, tabelio e ch an celer da provn cia e com arca,
D. Joo II n om eou h om en s da su a con fian a, sain do algu n s da corte, m as perten cen do a u m
escalo social baixo, com destaqu e para os escu deiros, qu e tan to seriam oriu n dos da n obreza com o do povo, com o o atesta o trabalh o de Man u ela Men don a, Os h om en s de D. Joo
II, sep. de Estudos em Homenagem a Jorge Borges de Macedo, Lisboa, INICT, 1994, p.173-5.
41. Aten te-se qu e D. Joo II privilegiou com isen es, m ais de cem ben eficiados da n obreza m dia e in ferior cavaleiros, escu deiros, vassalos e h om en s fidalgos. Eram algu n s deles
filh os segu n do de gran des fam lias, even tu alm en te bastardos, portan to dos seu s ram os m en os favorecidos. Eram ou tros cavaleiros e escu deiros em form ao e algu n s qu an tos h om en s
do povo. Gen te qu e tu do esperava do m on arca, dan do-lh e em troca a su a in teira lealdade
(MENDONA, M., op. cit., p.176-85).
42. O m on arca m an dara a lvaro de Atade prover a casa de sal. Em caso n egativo os vizin h os poderiam explorar as m arin h as, pagan do-lh e os 12.000 reais.
43. Dever ser D. Fran cisco Cou tin h o, 4. Con de de Marialva. Era filh o de Gon alo Cou tin h o,
2. Con de de Marialva e su cedeu n o ttu lo, por m orte de seu irm o, D. Joo Cou tin h o, 3. Con de de Marialva. (Veja-se FREIRE, A. B. Brases da Sala de Sintra. 2.ed., livro. III, p.310.)
44. Por certo D. San ch o de Noron h a, 3. Con de de Odem ira. Era sobrin h o do rei e filh o do
con de de Faro, ttu lo qu e tam bm u sou , e n eto do 1. Con de de Odem ira. Obteve a con firm ao da alcaidaria-m or de Estrem oz, a 23 de m aio de 1509 (FREIRE, A. B., op. cit., liv. III,
p.345).
45. Ma M., op. cit., 1991, p.367, afirm a qu e em 1487 fora n om eado u m ju iz de fora para
Estrem oz.
46. Na realidade a qu eixa qu ase se poderia voltar con tra o m on arca. D. Joo II dera ao bispo da Gu arda o privilgio de gu ardar os seu s presos n as prises do con celh o. Mas o con celh o, talvez torn ean do a m elin drosa qu esto, apen as acu sa o bispo por ter requ erido tal privilgio, qu e n en h u m ou tro prelado possu a, ten do-o feito apen as para su bju gar a cidade,
u m a vez qu e o alju be e cadeias episcopais eram bem m elh ores qu e as con celh ias. Em to
delicada con ten da o m on arca sen ten cia salom on icam en te. Por u m an o gu arda-se o alvar,
decorrido este deixa-se de gu ardar.
47. Refere-se qu e ven diam aos castelh an os a 10, 15 ou 20 reais e a eles a 80 e 100 reais.
42
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B IBLIOGRA FIA
ANDRADE, A. A., GOMES, R. C. As Cortes de 1481-1482: u m a abordagem prelim in ar. Estudos Medievais (Porto), 1983-1984.
COELHO, M. H. da C. O peso dos privilegiados em Portu gal. In : CONGRESO INTERNACIONAL DE HISTRIA, EL TRATADO DE TORDESILLAS Y SU POCA, I. Madrid, 1995.
CUNHA, M. S. da Linhagem, parentesco e poder. A casa de Bragan a (13841483). Lisboa: Fu n dao da Casa de Bragan a, 1990.
MATTOSO, J. (Dir.). Histria de Portugal. v.III, No alvorecer da Modernidade,
coord. de Joaqu im Rom ero Magalh es. Lisboa: Editorial Estam pa,
1993. (ver observao n a ltim a n ota)
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MENDONA, M. D. Joo II: u m percu rso h u m an o e poltico n as origen s
da m odern idade em Portu gal. Lisboa: Estam pa, 1991.
SOUSA, A. de As Cortes medievais portuguesas (1385-1490). Porto: INIC,
1990. 2.v.
44
captu lo 3
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48
n ovo rei ju rar sobre esse livro, on de apu n h a as su as m os, o qu al procedia de im ediato ao ju ram en to, prom eten do com a graa de Deos vos reger e govern ar bem e diretam en te e vos m in istrar in teiram en te ju stia
qu an to a h u m an a fraqu eza perm ite, e de vos gu ardar vossos privilegios,
graas e m eres, liberdades e fraqu ezas qu e vos foro dadas e ou torgu adas
por ElRej m eu sen h or e padre cu ja alm a Deu s aja e por ou tros Reis passados seu s predecessores.8
Aps o juramento efetuado pelos fidalgos presentes cerimnia,
pertencia ao alferes desfraldar a bandeira e proclamar real, real, per o muito alto e muito poderoso El-Rej Dom Joo, nosso senhor. Outro dos juramentos seria efetuado pelos procuradores de Lisboa em representao de
todos os outros delegados dos concelhos do reino. Ao retirar-se para a sua
cmara o rei vestia um manto e usava um capelo preto de luto, que decorridos 6 meses passava a ser substitudo por uma loba frizada, conforme fizera o rei D. Duarte depois do falecimento de D. Joo I.9
Em Portugal os reis usufruam duma autoridade incontestada que se
pautava por uma extrema firmeza. Por mais duma vez o rei D. Pedro I emprega a expresso, no protocolo de algumas das suas cartas, de nossa certa cincia e poder absoluto. Seu filho D. Fernando utiliza por vezes, em
suas cartas, a frmula o estado real que temos por Deus nos dado para
reger os nossos reinos. A escolha de D. Joo I pela vontade popular no
obsta a que este monarca de acordo com a tradio dos seus antecessores,
utilize de nossa prpria autoridade e livre vontade e de nosso poder absoluto, expresso que ir ser igualmente utilizada pelos seus sucessores.
Em conformidade com o seu poder absoluto o rei era a representao da lei viva. Uma carta de D. Dinis de 1317 reserva para a coroa o exerccio das funes de justia maior, o que alis vir a ser de novo reafirmado pelo rei D. Fernando nas cortes de Leiria de 1372. Sabe-se porm que o
papel do monarca no se limita de acordo com a doutrina consignada pelo
livro das Sete Partidas de Afonso X, o Sbio, que tanta influncia teve entre ns, ao poder judicial. De igual modo lhe pertencia o poder executivo,
conjuntamente com a chefia do exrcito e a cunhagem da moeda.10
Sabe-se que pelo menos desde o sculo XIII ningum pe em causa
a autoridade absoluta do monarca, a qual tinha como modelo remoto o direito imperial romano. Deste modo no existia qualquer restrio que limitasse o poder do rei, o qual se exercia atravs dos mecanismos adequados.
Um dos primeiros instrumentos relativos ao desembargo rgio ficou-se devendo ao rei D. Pedro I e remonta a 1361. No desempenho do seu governo, o monarca era auxiliado por um concelho consultivo que a partir do sculo XIV passou a ter a designao de concelho de el-rei.11
So mltiplas as dificuldades que obstam a uma correta articulao
entre o Estado e os seus dependentes. Em muitos aspectos o carter abso-
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luto da monarquia afigura-se mais propriamente terico do que real. Podese mesmo considerar ter havido uma disfuno no que respeita a uma efetiva centralizao. Este fato deve-se sobretudo ao deficiente estabelecimento dos canais de circulao existentes entre as esferas do poder e os setores
da sociedade que dependiam da sua autoridade.
Esta carncia permite afirmar que a existncia do absolutismo no
corresponde ao centralismo, o que se deve a um conjunto de fatores restritivos que condicionam este sistema. Entre eles cumpre destacar uma srie
de inconvenientes resultantes duma deficiente rede vial que dificultava o
acesso do monarca e do corregedor da corte e certas reas do territrio, sobretudo em determinadas pocas do ano em que a circulao se tornava
impraticvel. A acrescentar s limitaes que incidem sobre as reas de interveno direta do monarca, deparamos com a realidade que o funcionalismo ao servio da coroa se apresenta extremamente reduzido na medida
em que a coroa no dispunha das verbas indispensveis manuteno desses rgos do executivo.
Daqui se depreende que o nosso sistema poltico funciona apenas reduzido a um mnimo de funcionrios que se situam em duas categorias
fundamentais: juzes e exatores fiscais. exceo destes funcionrios encarregados da cobrana de impostos e de misses de vigilncia, tudo o resto depende dos rgos locais que gozam duma aprecivel autonomia. Um
conflito latente dever ser devidamente assinalado. A presso senhorial, na
generalidade das vezes contrria aos interesses de coroa, produz os seus
efeitos sobre os municpios, os quais procuram a todo o transe conservarem
o seu estatuto de realengos, ficando desobrigados da pertena a um senhorio nobre ou sob a jurisdio direta de algum fidalgo.12
A manifesta carncia de rgos intermdios obriga a coroa a uma
cuidadosa regulamentao da vida judicial, materializando nas Ordenaes
do reino as obrigaes e os deveres que recaam sobre os juzes ordinrios
e sobre os corregedores. Estes funcionrios, cujo primeiro regimento remonta a 1332, no reinado de D. Afonso IV, tm um papel muito importante na administrao local e na regularizao das suas relaes com o poder
senhorial, cumprindo-lhes a observncia na aplicao das normas legais e
no bom vereamento dos concelhos. O rei D. Pedro I procede atualizao do regimento dos corregedores, incumbindo-os de designar os homens
elegveis para o desempenho das funes de juzes das terras. Acentua-se
em particular uma interferncia do poder central sobre o poder local, que
atinge o seu paroxismo quando em plena crise o rei D. Fernando, no desentendimento que mantm com os seus sditos, nomeia, revelia das
normas em vigor, regedores ou vereadores por el-rei.13
Na generalidade a nobreza identificava-se com os servidores de armas, que com os seus pequenos exrcitos se encontravam ao servio da co-
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A lei de 1372 apenas consignava aos nobres o acesso jurisdio cvel, sendo da competncia dos juzes da coroa o exame dos processos-crime. Em ltima instncia haveria sempre a possibilidade de recorrerem para
a justia do rei na sua qualidade de rgo supremo de jurisdio e avaliao dos pleitos em julgado.19
Com a crise de 1383-1385 assiste-se a um avultado nmero de doaes levadas a efeito pelo Mestre de Avis, que ao confiscar os haveres dos
que haviam seguido essencialmente o partido de Castela quis assim recompens-los pela dedicao sua causa. A situao apenas retomou a sua normalidade a partir de 1388, altura em que o nmero de doaes se coloca
no mesmo nvel dos anos anteriores revoluo.20
Naturalmente que ultrapassada a primeira fase revolucionria do seu
governo, em que o rei teve de realizar inmeras doaes passou-se seguidamente, a um conjunto de medidas de cunho restritivo que visava em
particular reaver o maior nmero possvel de bens, acautelando-se deste
modo os interesses da coroa. Essa medida aparece claramente consignada
numa doao feita em 15 de maio de 1393 a favor de Diogo Lopes Pacheco. O fundamento dessa doutrina exprime-se no princpio de que os bens
da coroa so inalienveis e que a sua doao pressupunha determinados
condicionalismos no respeitante sua transmisso.21
Trs normas aparecem consignadas nesta doutrina. A indivisibilidade
tendente a evitar a diviso do patrimnio adquirido da coroa pelos diversos
filhos. A primogenitura em que os bens doados apenas podem ser transmitidos ao filho mais velho legtimo e masculinidade, em que so exlcudas as
filhas, exceto em caso de merc especial. Paulo de Mera diz-nos que o princpio de excluso das mulheres apenas surge consignado numa carta de 8 de
junho de 1417, mas tal normativa j se encontra expressa numa carta de 27
de julho de 1398 concedida em benefcio de Diogo Lopes de Sousa.22
Numa doao de 24 de janeiro de 1429 D. Joo I excetua um fidalgo da aplicao da Lei Mental utilizando as palavras posto que nos tenhamos feita e hordenada uma lei em nossa vontade, medida que apenas viria a ser concretizada por seu filho D. Duarte em 30 de junho de 1434. Ao
ser promulgada muitos foram os que reagiram quanto sua aplicabilidade,
mas depararam com a obstinada resistncia do Infante D. Pedro que apenas abriu mo em 1442 relativamente ao cavaleiro da sua casa Ferno Gomes de Gois. D. Duarte dera alis o exemplo ao excetuar, por carta de 10
de setembro de 1434, a sua aplicao casa de Bragana.23
Com a derrota do in fan te D. Pedro em Alfarrobeira, D. Afon so V
cedeu em face da n obreza em relao a esta m atria. Tan to qu an to m e foi
possvel apu rar verificam -se qu in ze casos de exceo ao cu m prim en to da
Lei Men tal. Su cede com D. Fran cisco Cou tin h o, D. San ch o de Noron h a,
D. Hen riqu e de Men eses, com o in fan te D. Fern an do, seu irm o, em be-
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qu e pon h a tall h orden ama qu e taaes pessoas n om filh e por u asalos salu o per
lin h agem for ou ser filh o ou n eto de u asallo segu mdo j per ElRey u osso padre em seu tempo foy orden ado.27
Por seu turno os infanes eram possuidores de linhagem, no ultrapassando em meados do sculo XIV a centena de estirpes, sendo uma nobreza arraigada s reas rurais, onde apesar de ocuparem cargos inferiores aos dos vassalos e serem proprietrios de latinfndios de menor amplitude, desfrutavam
de grande influncia local. Muitos deles chegaram a ocupar funes de maior
importncia. Problema, contudo, ainda mal esclarecido na nossa historiografia,
consiste em saber se a maior parte destas estirpes se teriam extinguido em meados do sculo XIV, o que em caso conclusivo se dever atribuir a uma decadncia biolgica relacionada com fatores endogmicos, resultantes de cruzamentos
observados entre elementos pertencentes mesma famlia. Desta situao verificar-se-ia uma diminuio da natalidade e simultaneamente uma elavada
taxa de mortalidade infantil e juvenil, tal como se observa no reino de Castela.
Este estado de coisas tanto afetou os infanes, que desaparecem por completo dando origem aos cavaleiros-fidalgos, como igualmente aos ricos-homens, o
que certamente contribuiu para a constituio de uma nova nobreza.28
A cavalaria como grau da nobreza representava uma categoria transitria. O monarca podia armar cavaleiros, mas no podia fazer fidalgos. Apenas se
atingia a categoria de cavaleiro-fidalgo ao fim de trs geraes. Muitos dos cavaleiros que nos aparecem a partir da segunda metade do sculo XIV eram provenientes da cavalaria-vil, conhecidos genericamente pela designao de herdadores. Eram possuidores de bens fundirios nas zonas rurais, no se conhecendo na maioria dos casos como funcionava os mecanismos desta transio.29
Em consonncia com a tradio o cavaleiro era armado nessa categoria
pelo monarca, podendo contudo este ato reduzir-se a um simples formulrio
administrativo. Em conformidade com as leis do reino um cavaleiro era obrigado a possuir cavalo, perdendo essa condio no caso de no ter meios para proceder reposio da montada, cabendo-lhe a obrigao de participar na guerra acompanhado por um determinado nmero de lanas recrutados nas suas
terras e combatendo sobre as suas ordens diretas.30
A legislao em vigor estatua que pera cavalleiros fossem escolheitos hom e s de boa linhagem, que se guardassem de fazer cousa, perque podessem cair
em vergona, e que estes fossem escolheitos de boos lugares o que significava
gentileza. Ora esta gentileza vem em tres maneiras; a hua per linhagem; a segunda per saber; a terceira per bondade e custumes e manhas, e como quer que
estes, que a ganham per sabedoria, ou bondade, som per direito chamados nobres
e gentys, muito mais ho sam aquelles, que ham per linhagem antigamente, e fazem boa vida, porque lhes vem de longe assy como per herana....31
Ainda dentro da nobreza cabe mencionar uma categoria de acesso
cavalaria constituda pelos escudeiros. Este grupo social a partir do sculo
54
55
N OTA S
1. Idade Mdia. Problemas e Solues. Lisboa: p.265 ss.
2. Sobre esta matria veja-se CAETANO, M. As cortes de 1385. Revista Portuguesa de Histria
(Coimbra), tomo V, v.II, p.5 ss., 1951. Merecem ponderao as consideraes formuladas a
este respeito por ALBUQUERQUE, M. de. O poder poltico no renascimento portugus. Lisboa,
1968. p.23-4.
3. Vejam-se a propsito destas questes as pertinentes consideraes de VALDEAVELLANO,
L., em Histrias de las instituciones espaolas. Madrid, 1970. p.417.
4. Ibidem, p.430-1.
5. MARTIN, B. P. La coronacion de los reyes de Aragon, (1204-1410). Valencia, 1975. p.21 ss.
6. BRSIO, A. O problema da sagrao dos monarcas portugueses. (separatas) Anais da Academia
Portuguesa da Histria. v.12, 2. srie, Lisboa, 1962.
7. Ibidem, p.34.
8. Pombalina. Biblioteca Nacional de Lisboa (B. N. L.), cod. 443. Publicado por Martim Albuquerque, op. cit., p.405-8.
9. Ibidem.
10. Afonso X, o Sbio, 2. partida, com glosas em castelhano de Alonso Diaz de Montalvo, Sevilha, s.n., 1491.
11. D. Pedro I. Chancelarias Rgias. Lisboa: INIC, 1984. doc. 574, p.260-2.
12. Abordei esta questo volta das pretenses nobilirquicas sobre a posse das localidades
realengas no meu Estado. O poder real e as autarquias locais no trnsito da Idade Mdia para
a Idade Moderna. Revista da Universidade de Coimbra. Coimbra, v.30, p.369 ss., 1983.
13. MORENO, H. B. A batalha de Alfarrobeira. Antecedentes e Significado Histrico. Loureno
Marques, 1973. p.349, 420 e 964.
14. BARROS, H. G. Histria da Administrao Pblica em Portugal nos sculos XII a XV. Lisboa,
1945. v.II, p.377.
15. MARQUES, A. H. de O. Portugal na crise dos sculos XIV e XV. Lisboa, 1986. p.237-8.
16. Sobre esta questo veja-se o meu artigo Alcaidarias dos castelos durante a regncia do infante D. Pedro. Revista de Histria, p.282 ss., 1982.
17. Livro de Leis e Posturas, Lisboa, 1971, p.187-8.
18. HESPANHA, A. M. Histria das Instituies. pocas Medieval e Moderna. Coimbra, 1982.
p.282 ss.
19. VIEGAS, V.1383 e os documentos joaninos. Lisboa, 1989. v.III.
20. MERA, P. de Gense da Lei Mental. Boletim da Faculdade de Direito. Coimbra, v. X, p.7-8,
1910.
21. MORENO, H. B. Tenses sociais em Portugal na Idade Mdia. Porto, 1975. p.159.
22. Monumenta Henricina. Coimbra, 1963. doc.24, v.V, p.54-65.
23. Elementos colhidos no meu livro sobre A Batalha de Alfarrobeira.
24. Cortes Portuguesas. Reinado de D. Afonso IV (1325-1357). Lisboa: INIC, 1982. p.125 ss.
A mencionada Pragmtica de 1340 aparece publicada neste livro p.101 ss.
25. Ordenaoens do Senhor Rey D. Affonso V. Coimbra, 1972. livro IV, ttulo XXVI, p.116 e s.
26. A. N./T. T., Mao 2, de Cortes, n.14, fls. 14v-15.
27. Ibidem.
28. Ibidem.
29. Em relao cavalaria veja-se o artigo de MARQUES A. H. de O. Cavalaria. In: Dicionrio
de Histria de Portugal. Lisboa: 1963. v.I, p.540-2.
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30. Ordenaens do Senhor Rey D. Affonso V, livro 1, ttulo LXIII, p.360 ss.
31. Ibidem, p.363-4.
32. BARROS, H. da G. Histria da administrao pblica em Portugal nos sculos XII a XV. Lisboa:
s. d. p.374 ss.
33. MARQUES, A. H. de O, op.cit., v.II, p.249.
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captu lo 4
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CA RAVELA S E FA LCES
A expan so portu gu esa dos scu los XV a XVIII, a tal do com rcio e
das con qu istas, com descoberta de cam in h os m artim os, desce da terra
para o m ar e olh a depois do m ar para a terra. Um olh ar espan tado e in ocen te: n em estim am n en h u m a cou sa cobrir n em m ostrar as vergon h as
e tm n isto tan ta in ocn cia com o tm em m ostrar o rosto, escrevia Pero
Vaz de Cam in h a. Um olh ar de m ilh afre: Sen h or, os velu dos de Meca e
gu as rosadas dos caixes, qu e aqu i te trazem , dizia u m m agn ate de Ben gala rou bam os portu gu eses pelo m ar, tom an do os peregrin os qu e vo
para a san ta casa de Meca; e so ladres m u i su btis, qu e en tram n as terras
61
com m ercadorias a ven der e com prar, e ddivas de am izades, an dam espian do as terras e gen tes, e depois com gen te arm ada as vo tom ar, m atan do e qu eim an do, e fazen do tais m ales qu e ficam sen h ores das terras.2
A expan so grega teve u m su porte m artim o e de algu m m odo a
rom an a. Martim a a expan so dos n orm an dos. Mas n a expan so eu ropia, in iciada com os portu gu eses n o scu lo XV, a qu e abre os m ares do
u n iverso, os n avios so o vecu lo, a casa, a fortaleza, o tem plo, a oficin a,
a ten da e o arm azm das m ercadorias e da plvora, o tron co dos escravos, o porta-n avios, o caixo.
Os portu gu eses n o se deslocam com o h orda n em se organ izam
com o legio. No desfraldar das velas, os seu s n avios lem bram aves de rapin a prestes a cair sobre a presa. Qu an do os azen egu es viram os prim eiros n avios portu gu eses, ju lgaram , n o dizer de Cadam osto, qu e eram en orm es pssaros de asas bran cas; ou tros diziam qu e eram fan tasm as qu e pela
n oite n avegavam 100 m ilh as e m ais. Os olh os pin tados n a proa eram verdadeiros, viam e gu iavam os n avios n a n oite e n o dia do Ocean o.
A expan so portu gu esa en volveu m ilh ares de n avios de com rcio
e de gu erra. Saram da Ribeira de Lisboa, da Ou tra Ban da, do Porto, do
Algarve, de Coch im , de Goa, de Malaca, do Salvador. A su a con stitu io
e form as desigu ais ficaram assin aladas n a galeria dos n om es: barca, barin el, batel, bergan tim , caravela, caravelo, carraca, catu r, esqu ife, fu sta,
gal, galeaa, galeo, galeota, ju n co, n au , patach o, taforeia, u rca, zavra
A caravela, n avio de vela latin a e pequ en o calado, con stitu iu a
em barcao por exceln cia da explorao e descoberta do Atln tico. E
tam bm o n avio rpido prprio para levar e trazer in form aes. En qu an to u m a n au da carreira da n dia dem orava cerca de 6 m eses n a viagem
de ida, em 1516 a caravela de Diogo de Un h os gastou m en os de 6 m eses
n a ida e n o regresso. A caravela serviu tam bm com o n avio de gu erra.
Com boiava as pesadas n au s da n dia e da Am rica n a fase fin al da viagem ru m o costa portu gu esa. Um a caravela da n dia, n a prim eira m etade do scu lo XVI, podia dispor de 21 tripu lan tes, assim distribu dos segu n do a ordem dos ven cim en tos: o capito, o bom bardeiro, o m estre e
piloto, o carpin teiro, o calafate, o escrivo, o barbeiro, o tan oeiro e os
dois h om en s do capito, os qu atro m arin h eiros e os sete gru m etes. O
bom bardeiro u ltrapassava o ven cim en to do piloto m arcan do bem o papel essen cial da artilh aria. 3
A n au , n avio de carga arm ado, passou dos 120 ton is da n au S. Gabriel de Vasco da Gam a para 450 e at m il ton is do fin al do scu lo XVI.
No seu bojo carregaram os portu gu eses para Ociden te m u itas riqu ezas da
n dia. O valor da carga podia atin gir os 3 m ilh es de cru zados ou ro. A n au
Flor de la Mar em qu e D. Fran cisco de Alm eida com bateu n a batalh a de
Diu h averia de m orrer sepu ltan do con sigo n as gu as de Sam atra as gu losas riqu ezas colh idas por Afon so de Albu qu erqu e n a tom ada de Malaca.
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O S N AVEGA N TES
O grosso da popu lao das n au s da Carreira da n dia era con stitu da por m arean tes e m ilitares e tam bm por pequ en os n cleos de m ercadores profission ais e de religiosos. Os m ilitares podiam virar m arin h eiros
e os m arin h eiros soldados bem com o os m ercadores e os clrigos. Nos n avios de m en or ton elagem qu e cru zavam o Atln tico eram pou cos os m ilitares, m ais os passageiros.
No faltaram m en in os n a apren dizagem da vida com o An tn io
Correia, filh o do feitor Aires Correia, assassin ado em Calecu t. So raras as
m u lh eres. Na terceira viagem de Vasco da Gam a em barcaram algu m as s
escon didas. Lu s de Cam es, n u m a das su as cartas, con vida as m u lh eres
de vida fcil a ten tarem n a n dia a su a sorte. E h avia sem pre as rfs delrei exportadas para os vrios pon tos do im prio.
Nas viagen s de regresso n o faltavam as escravas. Sen h oras, pou cas m as algu m as. D. Leon or, m u lh er de Man u el de Sou sa Sep lveda,
n au fraga n o Cabo da Boa Esperan a. E qu an do os n egros lh e tiraram a
rou pa por fora, cobriu -se com os lon gos cabelos e a areia da cova qu e
abriu para en terrar viva a n u dez.
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Depois, a m an u ten o da praa e a n ecessidade de prover a su a defesa prom overam desde logo a criao de u m a direo poltico-m ilitar em
solo n acion al, voltada para o m ar e qu e a todo o m om en to m obilizava os
recu rsos m artim os. Com o passar do tem po, esta direo con solida-se
com o a cabea organ izadora e cen tralizadora de fru tu osas operaes corsrias n o Estreito de Gibraltar e tam bm da redescoberta das ilh as atln ticas e do seu povoam en to, de n ovas con qu istas em Marrocos e de viagen s
de corso e descobrim en to n a costa african a para l do Cabo Bojador.
En tretan to, ao lon go do scu lo XV, foram -se defin in do os m odelos
qu e a expan so portu gu esa iria desen volver n os scu los XVI e XVII.
O prim eiro m odelo en con trou n a con qu ista e con servao de Ceu ta e das ou tras praas m arroqu in as as lin h as defin idoras. prim eira vista
parece in serir-se, com o dissem os, n os velh os passos da Recon qu ista: con qu ista de terras, de h om en s e de riqu ezas. Mas a n ovidade est n o papel
crescen te do territrio m artim o. O socorro e a proteo das praas con qu istadas esto n o m ar. E o m ar defen dido pelas fortalezas. A ten tativa
de con qu ista das Can rias e as prim eiras viagen s de assalto s costas para
l do Bojador so ain da operaes de gu erra, de con qu ista e de saqu e.
O segu n do cam in h o rasga-se com a colon izao da Madeira e dos
Aores. In icialm en te esta colon izao assen tou em terra livre com o s
en cargo da dzim a a Deu s e organ izada n a pequ en a explorao cam pon esa ou n a m dia com trabalh o assalariado dos braceiros e a in trodu o do
trabalh o escravo.
O terceiro cam in h o defin iu -se com o estabelecim en to da feitoria e
castelo de Argu im e da feitoria e castelo de S. Jorge da Min a. Protegidas
por fortalezas, ergu idas em ilh as ou cabos facilm en te defen sveis por
qu em dom in ava o m ar, as feitorias assu m iam o exclu sivo do trato. Mais
tarde n a n dia este m odelo dar lu gar a u m a rede de alfn degas, protegidas por cidades e fortalezas, qu e san gram u m a parte sign ificativa do com rcio m artim o asitico.
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n a expresso do h istoriador L cio de Azevedo. A caa ao escravo far desaparecer com o a popu lao das Ilh as Can rias. Os ch oros e gritos dos escravos n egros e m ou ros, separados das m u lh eres e dos filh os n o partir dos
lotes, eram abafados pela f qu e se ju stificava com a salvao das alm as.
Mas com a abertu ra da Rota do Cabo am plia-se extraordin ariam en te
a tran sfega de riqu ezas e m ercadorias m edian te o com rcio desigu al e a
oportu n idade das presas. D. Joo II fora o rei da m oeda dos ju stos de ou ro,
m as D. Man u el o rei da pim en ta e dos portu gu eses de ou ro en qu an to
D. Joo III, n o dizer do poeta Lu s de Cam es, tu do pde e tu do teve.
Com as n avegaes, crescem as receitas do Estado e as dos particu lares e desen volvem -se as foras produ tivas. Os cereais torn am -se u m dos
m aiores n egcios do scu lo. E radica-se u m a agricu ltu ra especializada da
vin h a, do azeite, voltada para m ercados crescen tes; su rgem ou tros produ tos agrcolas, algu n s deles proven ien tes das n ovas exploraes assen tes
n o trabalh o escravo. o caso do a car. In ten sifica-se o m ovim en to plan etrio das plan tas e dos an im ais.
O ou ro da costa ociden tal african a ch ega a Lisboa pelas caravelas
qu e ligam esta cidade ao castelo de S. Jorge da Min a. O a car da Madeira e de S. Tom circu la n os m ercados eu ropeu s. Riqu ezas con siderveis,
proven ien tes, du ran te a gu erra com ercial m artim a, do assalto a cidades
com o Qu loa, Mom baa, Goa, Malaca, e a con tin u idade do com rcio da
pim en ta e das drogas en ton tecem os dirigen tes portu gu eses. Segu n do
Joo de Barros, n a Rota do Cabo, os lu cros com erciais atin giam cin co,
vin te, cin q en ta vezes o valor do capital in vestido.
Uma nau da ndia custava em 1506 com a carga cerca de 8 contos de
ris. Quando chegava ao Malabar, esses 8 contos passavam milagrosamente a 20. Mas esta mesma nau, quando regressava a Lisboa, tinha a sua carga avaliada em 100 contos de ris. Em termos nominais, uma nau da ndia
valia m ais n o regresso qu e as receitas do Estado n o tem po de
D. Afonso V. Tambm a alfndega de Lisboa que, no incio do sculo XVI,
rendia volta de 9 contos, nos anos 1680, o seu rendimento subia para 115.
A expan so portu gu esa tem fom e de cobre, u sado n a artilh aria, n as
m oedas e n os sin os das n ovas e velh as igrejas; de ferro para as ferram en tas e as arm as; de estopa, de breu , de pregadu ra, de corda. Desen volvem se n ovas tecn ologias e ferram en tas especializadas. E se u m a retagu arda
eu ropia forn ece trigo, produ tos in du striais, capitais, registam -se avan os
sign ificativos n a produ o in tern a portu gu esa, particu larm en te em setores de pon ta. A in d stria txtil desen volve-se n a Beira in terior, n o Alto
Alen tejo e n a periferia de Lisboa em bora fiqu e m u ito aqu m do m elh or
da in d stria txtil eu ropia e asitica. Mas o prin cipal avan o registra-se
n a con stru o n aval, n a produ o in du strial do biscoito e n o fabrico das
arm as. Portu gal con stru a n avios e fabricava arm as em solo n acion al e
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pim en ta, a perda prin cipal do rei pois os m ercadores eu ropeu s e portu gu eses tm os seu s lotes assegu rados n a Casa da n dia. Se h ou ver pou ca
pim en ta, os preos sobem e com a su bida o gan h o; se h ou ver m u ita, os
preos descem m as m an tm u m a m argem de lu cro. E o Estado qu e su porta o gasto com as fortalezas, as gu erras, os fu n cion rios e os soldados.
Por ou tro lado, con stitu a u m forn ecedor e u m clien te previlegiado dos
m ercadores e ban qu eiros.
No Brasil, os particu lares desem pen h aram u m papel decisivo.
Du arte Coelh o in vestiu em Pern am bu co capitais adqu iridos n a zon a de
Malaca e n os m ares da Ch in a. Fern an do de Noron h a e ou tros cristosn ovos m u ltiplicaram o seu capital com o com rcio em exclu sivo do pau brasil e a exportao em gran de escala de escravos n egros para a Am rica Espan h ola e o Brasil. Joo de Barros e o tesou reiro-m or Fern o lvares de An drade organ izaram , arrastados em boa m edida pela febre do
ou ro am erican o, a m aior esqu adra privada algu m a vez levan tada em Portu gal e qu e sossobrou n as gu as do Maran h o.
Mas o Estado portu gu s, ain da m u ito preso ao servio e a ban deiras ideolgicas, n o est preparado e respon de m al s n ovas tarefas. O rei
m ercador m as n o tem as m an h as do m ercador. Escolh e os altos fu n cion rios da fazen da pela lim peza de san gu e, pelas letras can n icas e teolgicas e n o favorece os m ercadores profission ais ligados ao com rcio in tern acion al. A Casa da n dia era u m a en orm e em presa estatal de im portao e exportao m as, segu n do o m ercador ban qu eiro Du arte Gom es
Solis, n o tin h a sequ er u m livro de caixa.
O rei pagava os servios em salrios m as tam bm com qu in taladas,
a atribu io de capitan ias e de m ercs boca das alfn degas. O n m ero
das capitan ias era lim itado e em 1533, por exem plo, algu n s capites agradecem desden h osam en te ao rei a prom essa de ocu parem capitan ias dali
a 10 ou 15 an os. E capites e fu n cion rios rou bavam os povos e o rei e
rou bavam com pran do os soldos dos soldados. An tn io da Silveira, qu e
en riqu ecera n a capitan ia de Orm u z, pedia ao rei m ais u m an o porqu e
precisava de se desen dividar.13
A n dia era u m a vin h a qu e se vin dim ava de 3 em 3 an os, escrevia
ou tro correspon den te do rei em 1533. Na verdade, o capito de Orm u z,
por exem plo, recebia de orden ado 600.000 ris an u ais. Mas, ao cabo de 3
an os, se fosse de s con scin cia, poderia retirar forros 20.000 000 ou
24.000.000 de ris, m ais de dez vezes o respectivo orden ado. E se qu isesse alargar a con scin cia, tin h a m u itas e gran des ocasies para retirar
m u ito m aior qu an tidade de din h eiro.14
Os h om en s am avam o din h eiro qu ase sobre todas as coisas m as o
Estado m ercador m an tin h a de qu aren ten a os m ercadores profission ais,
diariam en te am eaados n a vida e n a fazen da. Por ou tro lado, as ban dei-
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ras ibricas, qu e on du lavam por u m a m on arqu ia u n iversal catlica, con su m iam boa parte da riqu eza. E vejam s. No scu lo XVI veio m ais prata
e ou ro das Am ricas do qu e a qu e tiveram todos os reis de Espan h a desde o tem po do rei Pelgio. Apesar disso, Carlos V qu ebrou em 1554, Filipe II em 1560, 1575, 1596 at qu e se acabou o crdito e n o h m em ria de u m cerro to rico em prata com o o de Potosi. Em su m a, o crdito
e as foras da con tratao sobrepu n h am -se ao poder das arm as.15
MEN TE MOVE-SE
A expan so eu ropia repercu tiu -se profu n dam en te n as m en talidades e n a ideologia. Mu davam -se os tem pos e as von tades, atropelavam -se os cdigos da m oral, m u davam -se as idias, m u dava-se a prpria m u dan a.
Os livros im pressos con stitu em u m a boa am ostragem da propagan da e do u n iverso m en tal das elites. No scu lo XVI pu blicaram -se em
Portu gal cerca de 1.904 ttu los. Os livros de dou trin a e relativos organ izao da Igreja som avam 651. Ju n tan do-lh es os livros de m oral e os qu e
serviam de m aterial para as au las, m ajoritariam en te de Direito Can n ico,
o n m ero su bia a 1.099. As pu blicaes relacion adas com os servios do
Estado e as de dou trin a civil ron davam os 278. A literatu ra som ava 139
ttu los, as biografias, h agiografias e oraes f n ebres 98, os livros de filosofia-teologia ficavam pelos 38, os de astron om ia, m atem tica com o repositrio dos tem pos 31, os relatrios de viagen s 23, os livros de qu estes
m dicas 18 e os relativos s artes e tcn icas 14.16
O peso da Igreja n o m u n do do livro esm agador e con trasta com
a escassez das obras n o terren o cien tfico e tcn ico. Na aridez dou trin ria
sobressaem n a literatu ra as obras m aiores de Cam es e Gil Vicen te e u m
tratado cien tfico de en orm e relevn cia terica, os Colquios dos Simples e
das Drogas de Garcia da Orta, pu blicados pela im pren sa de Goa.
A febre da riqu eza con som ia largos estratos da sociedade. Todos os
dias arriscavam a vida n o s pela sobrevivn cia m as pela bu sca de riqu ezas; todos os dias se exercitavam os diferen tes m odos da arte de fu rtar. O
din h eiro m edrava sobre o servio, com o escrevia ao rei D. Joo III, em
1533, o vigrio-geral da n dia: os qu e an dam a gan h ar din h eiro tm -n o e
levam m u ito boa vida e depois pedem as m ercs; e os qu e servem so pobres e pobres vivem . Tu do se com prava e ven dia at os cargos p blicos,
as viagen s, os soldos, os corpos.
A Igreja est m u ito preocu pada com a ortodoxia e com a riqu eza e
o poder dos m ercadores portu gu eses. No seu Tratado do Cmbio, o jesu ta
Fern o Rebelo defen de qu e n ada se receba, por pou co qu e seja, con ta
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pacete, com o cu m pria; e dian te dele su a ban deira real de dam asco bran co e cru z de Cristo atrocelada de ou ro. 18
Nos prim eiros tem pos, o esprito da cavalaria perpassa em diferen tes episdios e relatos. Na con qu ista fracassada de Adem , Garcia de Sou sa escala a u m alto cu belo da m u ralh a e acaba por ficar cercado. Afon so
de Albu qu erqu e grita-lh e qu e desa e se salve pelas cordas qu e estavam
su spen sas do m u ro. Garcia de Sou sa respon deu : Sen h or, n o sou eu h om em para descer sen o com o su bi. E pois m e n o podeis valer se n o com
u m a corda, valh a-m e Deu s com seu favor qu e em lu gar estou para isso.19
Mas a n ova m en talidade explode n a Peregrinao de Fern o Men des Pin to e n ou tros passos n arrados pelos cron istas. Con su m ada a con qu ista de Baaim , Nu n o da Cu n h a sen tou -se sob u m a alpen drada dos
m ou ros receben do os lou vores da vitria. Algu n s com baten tes pediram lh e qu e os arm asse cavaleiros. E logo a m u rm u rao e a zom baria se espalh aram pelo arraial. Aqu eles pediam cavalaria n o pela exceln cia e o
perigo dos atos praticados m as para acrescen tam en to das m oradias. E
ch am avam -lh es cavaleiros de cru zado porqu e davam u m cru zado s
trom betas e ch aram elas qu e n o ato lh es tan giam .20
Um a ltim a n ota. A Reform a avan ava n o cen tro e n orte da Eu ropa m as em Portu gal n o teve base popu lar de apoio. A religio ju daica tin h a razes m u ito fu n das. E depois da con verso forada, a in fidelidade
h ebraica lavrava em su rdin a e atin gia m esm o cam adas de cristos-velh os.
E se algu m as idias dos reform ados com o a recu sa do cu lto dos san tos e
das im agen s, a n egao da con fisso con cordavam com as cren as ju daicas, os ju deu s de corao ou os qu e assu m iram as velh as cren as n as terras de exlio con tin u aram fiis ao Deu s n ico.
Por ou tro lado, para com preen der o n o alastram en to em Portu gal
da Reform a, tem os tam bm de ter em con ta a su a posio perifrica e a
alian a en tre o Papado e as m on arqu ias ibricas. As bu las pon tifcias garan tiam e sacralizavam a partilh a en tre os h ispn icos do m u n do recm descoberto. E en qu an to algu n s telogos, en tre eles o cristo-n ovo Diogo
Paiva de An drade, redefin iam a dou trin a da Igreja n o Con clio de Tren to,
ou tros, com o Joo de Barros, assu m iam a idia ju daica de povo eleito, en carn ada agora n o povo portu gu s. Deu s, em cu jo poder esto todos os
rein os e estados da terra ... tem olh o n aqu eles qu e vertem seu san gu e por
con fisso da su a f.
A partir de 1630, a In qu isio vigiava e reprim ia as idias con sideradas h erticas en qu an to a Un iversidade e os telogos defin iam o qu e era
para ter e crer. O espetcu lo catlico da f alim en tava-se em boa m edida
com os restos das cren as e o din h eiro dos cristos-n ovos. E o viver com
u m p n as cren as e cerim n ias catlicas e ou tro n o en con tro das idias
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N OTA S
1. JOO DE BARROS. sia. Dcada I. Lisboa: Im pren sa Nacion al, Casa da Moeda, 1974.
p.214.
2. CORREIA, G. Lendas da ndia. Porto: Lello & Irm o, 1975. v.III, p.479.
3. FELNER, L. Subsdios para a Histria da ndia Portuguesa. Lisboa: Im pren sa Nacion al, 1868.
p.9.
4. Ibidem , p.26.
5. VARELA RUBIM, N. Artilh aria Naval dos Descobrim en tos. In : Dicionrio de Histria dos Descobrimentos Portugueses. Lisboa: Crcu lo de Leitores, 1994. v.I, p.92.
6. FELNER, L., op. cit., p.9.
7. CORREIA, G., op. cit., v.III, p.392.
8. Ibidem , v.I, p.936.
9. Ibidem , v.III, p.394.
10. JOO DE BARROS, Dcada II, p.232.
11. CORREIA, G., op. cit., v.II, p.251.
12. MARQUES, S. Descobrimentos Portugueses. Lisboa: Ju n ta de In vestigaes Cien tficas do
Ultram ar, 1944. v.I, p.544.
13. AS GAVETAS DA TORRE DO TOMBO, Lisboa: Ju n ta de In vestigaes Cien tficas do Ultram ar, 1974. v.X, p.180.
14. LIVRO DAS FORTALEZAS. Lisboa: Centro de Estudos Histricos Ultramarinos, 1960. p.33.
15. GOMES SOLIS, D. Alegacion en favor de la Compaia de la India Oriental. Lisboa, 1955. p.58.
16. MACEDO, J. B. de Os lusadas e a Histria. Lisboa: Editorial Verbo, 1979. p. 50.
17. SOLIS, D. G. Discursos sobre los comercios de las dos Indias. Lisboa, 1943. p.100.
18. CORREIA, G., op. cit., v.III, p.468.
19. JOO DE BARROS. Dcada II. p.351.
20. CORREIA, G., op. cit., v.III, p.472 .
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captu lo 5
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viram. Assegurando a traduo dos textos rabes para latim e a sua consequente difuso, realizou, de uma maneira nica na histria da cultura europia, a passagem transcultural dos discursos cientficos da Antiguidade.
Esta fu n o de pon te en tre cu ltu ras aproxim ou Ptolom eu , Aristteles, Eu clides, Bocio, en tre ou tros e de to diferen tes origen s cu ltu rais
com o se v, da cu ltu ra crist, e perm itiu qu e n ela ocu passem por m u ito
tem po papel determ in an te.
A par da difu so levada a cabo pelos tradu tores de Toledo, ain da se
n o con h ece bem , em bora se adivin h e de prim eira im portn cia, o papel
das com u n idades sefarditas n a difu so da in form ao cien tfica da An tigu idade e in do-rabe. Mas, apesar de tu do, j sabem os m ais sobre a ao
exercida por elas n as tran sfern cias cu ltu rais da Escola de Tradu tores de
Toledo. Mas n o s; at fin ais do scu lo XV cabe-lh es parte sign ificativa n o
processo de difu so e m esm o de criao do saber em Portu gal em torn o da
n u tica e da cartografia e, por isso m esm o, papel de relevo n a form ao
das n ovas atitu des face ao con h ecim en to. Jos Vizin h o, Zacu to, Jcom e de
Maiorca, Cresqu es so estrelas de u m cu im perecvel.
O scu lo XV portu gu s foi tribu trio de todas estas fon tes, pois con h eceu in ten sa circu lao das su as idias, m as deve ter-se presen te qu e
este scu lo u m tem po m u ito especial n a con solidao da com u n idade
portu gu esa, qu er do pon to de vista da vida m aterial, qu er n os aspectos das
form aes m en tais e das m atrizes cu ltu rais qu e viriam a iden tificar a cu ltu ra en to em gestao. Sem d vida o aparecim en to da tipografia veio
acelerar de m ltiplas m an eiras essa circu lao, irritan tem en te restritiva,
n o tem po em qu e o su porte da in form ao era m an u scrito. O u so crescen te das lin gu agen s romance veio alargar, por seu lado, o u n iverso da recepo, acen tu an do a im plan tao das idias cien tficas n a tessitu ra social, e
pon do o con h ecim en to cien tfico ao servio dos gru pos sociais dom in an tes. No perodo pr-gu tem bergu ian o, circu lavam n a Pen n su la, e n atu ralm en te em Portu gal, verses latin as e at m esm o em vu lgar de Estrabo,
Pln io, Dioscrides, Pom pn io Mela, Eu clides, Bocio, Avicen a, Galen o,
Regiom on tan o, Sacrobosco e Abrao Zacu to, a par dos textos h ebraicos e
rabes de Ibn Ezra, Azarqu iel, Ibn Safar, Alfragan o (Ru dim en ta Astron om ica) e Messah ala. A Im ago Mu n di do Cardeal Pierre D'Ailly (c.-1410) circu lou em m an u scrito at ser editada em Lovain a en tre 1480 e 1483. m as
so pou co segu ras as provas de ter sido con h ecida em Portu gal, em bora
seja elevada a probabilidade de ter circu lado en tre n s.
J h m ais certezas qu an to verso latin a do Tratado da Esfera de
Sacrobosco, qu e corria a Eu ropa desde a segu n da m etade do scu lo XIII e
qu e circu lou n o Portu gal qu atrocen tista, con form e opin io de Lu s de Albu qu erqu e. Tam bm os estu dos de A. Moreira de S, segu n do in form ao
do m esm o au tor, com provam a circu lao de vrias obras de m atem tica
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vista da su a aplicabilidade n a cu ltu ra portu gu esa qu atrocen tista, so o aristotlico, o eu clidian o, o ptolom aico e o boecian o. En tre os scu los XI e XII
segu ir-se-ia o paradigm a rabe e de m eados do scu lo XIII em dian te, e
caldeado com este ltim o, viria acrescen tar-lh e o m editerrn ico. Os qu atro prim eiros paradigm as com portam -se com o agen tes de tradio e de
con tin u idade cien tfica, in capazes de correspon der s solicitaes im postas
pelos n ovos din am ism os econ m icos e sociais; en qu an to os dois ltim os (o
rabe e o m editerrn ico) assu m em a fu n o in ovadora, qu an tas vezes
beira de u m a ru ptu ra qu e foi sen do adiada at eclodir a partir de fin ais do
scu lo XV. Estes n ovos paradigm as m atizam as n ovas idias e vo firm arse com o agen tes im prescin dveis das tran sform aes qu e esto em vias de
ocorrer n a cu ltu ra portu gu esa.
Mas tu do, ou qu ase tu do, se joga n o progressivo en fraqu ecim en to
do paradigm a aristotlico, fato qu e arrastou os ou tros paradigm as de resistn cia e facilitou a im plan tao dos n ovos m odelos in terpretativos. Com o
avan o para o scu lo XVI, e s portas da poca Modern a, toda a m edievalidade se afu n da, in exoravelm en te; a viso de Nicolau de Cu sa j n o in teiram en te con sen tn ea com a organ izao aristotlica. Freq en tem en te a
fora da in ovao rom peu barreiras, com o n o caso dos escritos de Du arte
Pach eco Pereira dos qu ais h n otcia de qu e em fin s de qu in h en tos u m a
cpia teria circu lado por Espan h a. Algo de sem elh an te, m as em m ais larga escala, ocorreu n a segu n da m etade do scu lo XVI com os Colquios de
Garcia de Orta qu e foram , ain da qu e em circu n stn cias pou co favorveis,
tradu zidos para latim e vertidos para italian o, fran cs e in gls, ten do tam bm con h ecido vasta circu lao em Espan h a. Mas toda a in ovao feita
de restos, e a prtica da cin cia in ova com os restos qu e sobraram de ou tros saberes e de ou tras prticas. Os h om en s tam bm n o podem rejeitar
as su as razes, as su as leitu ras, esqu ecer o qu e em tem pos das su as vidas
apren deram . Coprn ico perm an ece m u ito m ais agarrado m edievalidade
do qu e ao pen sam en to m odern o qu e, sem d vida, aju dou a con stru ir. Por
isso foram precisos Keppler e Galileu para qu e a m odern idade da su a obra
viesse ao de cim a e desem pen h asse o papel cim eiro de agen te tran sform ador das vises do m u n do.
O len to processo da m odern izao estava, pois, em m arch a e o jogo
din m ico da oposio-in ovao ia recru descer n o vrtice dos paradigm as
baseados em Coprn ico, Kepler e Galileu , os qu ais, com m aior ou m en or
eficcia, serviriam de pean h a m on u m en talidade cartesian a e n ewton ian a qu e se lh es segu iria.
No por acaso qu e, pelo m en os n a aritm etizao de u m a certa realidade, o papel in ovador foi con du zido pelos paradigm as rabico e m editerrn ico, pois foram os m atem ticos rabes, desde o scu lo XII, e os m a-
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tem ticos italian os, desde o trecen to e du ran te as du as cen t rias segu in tes, qu e in ovaram a aritm tica. E sabem os com o isso foi im portan te pelas
fu n das con seq n cias qu e as leitu ras dos seu s trabalh os viriam a ter n a
form ao das m en talidades do h om em m odern o.
No foi in diferen te ao desen volvim en to deste processo a espan tosa
capacidade qu e a aritm tica con tm em si prpria, com o u ten silagem de
leitu ra de m u ltivariadas in ter-relaes qu e povoavam o cotidian o dos in divdu os, dos gru pos sociais, desde tem pos im em oriais do viver em sociedade. E ain da m ais: se tiverm os em lin h a de con ta o au m en to da com plexidade provocada pela teia destas n u m erosas in ter-relaes, n o m om en to
da irru po do capitalism o m ercan til, en con tram os talvez, o prin cpio da
explicao do papel fu n dam en tal desem pen h ado pela aritm tica n o processo bsico da m odern idade qu e a aritm etizao do real. A Aritm tica
assu m iu -se com o u m a u ten silagem de leitu ra da realidade e correspon deu , de form a cabal, s n ecessidades e s sen sibilidades em ergen tes das
n ovas m en talidades, tam bm elas a despon tar, m ergu lh an do razes n a
con ta, peso e m edida.2 Nestas circu n stn cias n o de estran h ar qu e viesse a tran sform ar-se n u m u ten slio de dom n io e n u m in stru m en to de poder, ao servio de gru pos profission ais ou con frarias de in teresses com o os
estu dos de Joaqu im Barradas de Carvalh o com provam para o Portu gal
qu atrocen tista e a h istria das com u n as italian as to exem plarm en te docu m en ta para a gen eralidade da Eu ropa do Su l.
E, todavia, este processo bem fam iliar aos h istoriadores: em toda
a h istria do pen sam en to cien tfico n o se con h ece u m n ico caso de n ascim en to espon tn eo da in ovao e os seu s legados, com o idias sociais qu e
so, difu n dem -se sob a form a de paradigm as, tran sform an do-se em h eran as, cu ja recepo sofre aju stam en tos cu ltu rais, m odelados pelas n ecessidades prticas. Em bora a velocidade de circu lao das idias cien tficas seja
desigu al de poca para poca, e at den tro da m esm a con ju n tu ra sofra desvios acen tu ados, torn a-se m u ito difcil segu ir a su a trajetria e saber, a
cada m om en to, de on de e para on de elas vo.
Tem sido afirm ado, vezes sem con ta, qu e a form ao do m u n do m odern o foi m arcada pela descon tin u idade, com h iatos e ru ptu ras, algu m as
at de difcil en ten dim en to. Sem d vida a h istria da circu lao das idias
cien tficas apresen ta u m desen volvim en to descon tn u o qu e n o su rpreen de o h istoriador por dem ais afeito s assim etrias do desevolvim en to dos
discu rsos cien tficos e sobretu do aos u sos qu e deles se fizeram . Mas im porta ter presen te qu e o scu lo XV assistiu a algu m as das m ais im portan tes
tran sform aes das m en talidades e, de en tre estas, a passagem do con h ecim en to im ediato ao m ediato n o foi, certam en te, a m en or.
Qu ais fossem essas idias cien tficas e os din am ism os qu e as tran sform aram , ign oram o-los em gran de parte. Todavia, as n ovas atitu des
an u n ciam m u dan as profu n das face apreen so da realidade. "Eu n o te-
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n h o dio sen o aos errores; n em ten h o am or sen o verdade" proclam a Orta qu e, em ou tro passo dos Colquios afirm a: "Eu trabalh ei de o saber e sou be-o. Errar dizer o qu e n o ". Nou tra passagem : "No m e con tradigam textos de au tores aqu ilo qu e eu vi com os m eu s olh os". Nesta atitu de radica-se u m a n ova viso do m u n do, e por ela, qu e an tes de m ais
n ada tradu z u m a m u dan a de m en talidade, passa a in ovao, se n o toda,
pelo m en os aprecivel parte dela.
tem po de regressarm os ao Mar, e ao con vvio de Veiga Sim es e
de Lu s de Albu qu erqu e. Ao Mar qu e foi, segu n do su as vozes, o espao de
on de tu do partiu e a fon te prim eva do n osso con h ecim en to e da n ossa
agregao com u n itria. Este tipo de con h ecim en to, qu e con du ziu do con h ecim en to em prico, desen volveu -se n a prtica das n avegaes. No dealbar dos descobrim en tos o con h ecim en to tradicion al form ado por u m a
con flu n cia de saberes, m u itas vezes an tagn icos, con traditrios sem pre,
m as qu e form am u m a h istria in telectu al, feita de idias e de sen sibilidades coletivas qu e defin em u m a viso do m u n do. Viso essa qu e gan h a sen tido en qu an to estru tu ra m en tal socialm en te aceita, n o seio da qu al se form am as represen taes do m u n do n atu ral e do m u n do das relaes dos
h om en s. Mais do qu e a viso, a con scin cia dessa m esm a viso qu e, sen do in delevelm en te m arcada pelo tem po, d h istoricidade con scin cia,
pois a n oo de h istoricidade im plica a con scin cia h istrica da h istria. E
volta da con scin cia h istrica qu e se organ izam os con ju n tos m ltiplos
da viso do m u n do. E foi n o m bito deste Leben welt qu e se criaram as form as de pen sar e de im agin ar o Mu n do, to caractersticas da cu ltu ra portu gu esa n a au rora dos tem pos m odern os. E este estar n o Mu n do e pen sar
n ele foi o receptcu lo de idias, de livros, de escritas, de textos qu e vieram
de fora e qu e foram lidos, refletidos, acim a de tu do experien ciados por esta
cu ltu ra n ica do Mar e dos lon ges vistos dos cestos das gveas.
Um a ltim a palavra para a form ao da lin gu agem cien tfica u m a
ou tra qu esto in teressan te, e n ela tiveram papel de relevo os textos de au tores estran geiros qu e en tre n s circu laram . Estes textos estiveram n a origem do lxico cien tfico da ln gu a portu gu esa. Difcil com eo pois, com o
se sabe, estes discu rsos n o prim avam pela objetividade sem n tica. Em
prim eiro lu gar u m a exign cia deste tipo era n u la, e depois a con ceptu alizao dos term os ain da n o se tin h a im posto com o u ten silagem n ecessria estru tu rao da discu rsividade cien tfica. E todavia estam os n u m m om en to de viragem em qu e as ln gu as vern cu las, aju dadas pela im pren sa
tipogrfica, com eam a veicu lar a in form ao dos saberes e, por toda a
parte, vo rasgan do o casu lo do latim . Mas, com o todos os elem en tos de
resistn cia in eren tes ao processo de tran sform ao, tam bm ele se acan ton a e persiste com o form a privilegiada de tran sm isso dos saberes n as esfe-
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ras cu ltas da sociedade, particu larm en te n os dom n ios in stitu cion ais, qu er
da Igreja qu er do Estado, este ltim o acabado de su rgir n a cen a in ter-relacion al dos h om en s.3
O aparecimento de tradues das obras que corriam impressas em latim ou em lnguas estrangeiras para a lngua portuguesa teria sido da maior
utilidade, e em muito teriam ajudado formao da linguagem cientfica;
mas por razes bem conhecidas, tal no aconteceu. E no h dvida que os
escritos importantes desde a dobragem do milnio, e depois os textos dos
tradutores de Toledo corriam, como vimos, em Portugal. Esta circulao
bem conhecida. Veja-se um caso exemplar, na primeira metade do sculo
XVI: a verso latina de Sacrobosco, j conhecida no ltimo quartel de quatrocentos, e que prestou excelentes servios pelos variados comentrios que
suscitou e pelas inmeras leituras que se adivinham. Esta verso era, portanto, anterior edio dos Guias nuticos quinhentistas, at que em 1537
Pedro Nunes publicou o seu Tratado da Esfera.4 Deve-se tambm ao seu labor a traduo na mesma altura da Terica do Sol e da Lua, de Puerbquio e
do livro primeiro da Geografia de Ptolomeu. Igual sorte no teve um outro
texto importante, os Elementos de Euclides, apesar de terem exercido influncia hegemnica durante todo este perodo, pois a verso portuguesa
s viria a ser publicada em 1768, para uso dos alunos do Colgio dos Nobres e em traduo de Giovani Angelo Bruneli.5
Mesm o n o plan o da form ao das lin gu agen s m ais h erm ticas, ou
tidas com o tal, caso da Aritm tica ou da Matem tica, m u ito distan te ain da das propostas con ven cion adas de Vieta, as in dicaes algortm icas eram
descritas, o qu e torn ava os sistem as operatrios fran cam en te in operan tes.
No adm ira pois qu e o lxico u sado por Gaspar Nicols siga m u ito de perto o de Paccioli, sen do in desm en tvel a leitu ra qu e fez da obra do fran ciscan o. A Summa de Arithmetica era con h ecida em Portu gal e m u ito divu lgada como atestam, ain da h oje, os exemplares dispon veis da edio de 1494,
existen tes n as bibliotecas portu gu esas.
Tambm aqui, na fixao de um quadro semntico, Pedro Nunes desempenhou papel de relevo, no s pela sua traduo de textos antigos na
verdade em grande parte tratava-se at de uma reescrita desses textos mas
igualmente pelo esforo de atribuio semntica, pelo menos no domnio
da matemtica. Pedro Nunes conhecia porque os lera Luca Paccioli,
Tartaglia e Cardano. Cita-os e comenta-os mas no era o nico, pois j antes dele o frade italiano merecera leitura atenta a um outro autor, Gaspar
Nicols, que publicara em Lisboa e em 1519 uma Practica darismetica que
contm abundantes referncias a Paccioli. Mas as leituras de Pedro Nunes
so mais extensas e profundas. Nada do que era importante no discurso do
frade italiano foi desprezado, particularmente o uso da regla da cosa, ou
seja, das propostas algbricas. A seu tempo, e a propsito dos atrasos veri-
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ficados nos estudos de lgebra em Portugal, face ao uso persistente das solues aritmticas para a soluo dos problemas, Pedro Nunes seria inclemente na formulao do seu juzo, atribuindo a Paccioli, justamente pela
sua grande difuso, a responsabilidade desse fato. Mas no me parece assistir-lhe razo; o atraso existia, mas devia-se a outros fatores, e diferentes
eram as razes que contriburam para que tal atraso se verificasse. E digase que tal situao nem era especfica de Portugal, pois por toda a Europa
a situao tinha algo de semelhante. Talvez a chave da explicao possa encontrar-se nas dificuldades surgidas no plano da recepo dos textos italianos e, conseqentemente, na formao do lxico cientfico quinhentista,
esse sim, considervel, mas ainda no irremediavelmente atrasado.
Para os h om en s do qu atrocen tos fin issecu lar o m u n do estava a m u dar com u m a evidn cia n u n ca vista e ao m esm o tem po a au toridade dos
An tigos com eava a ser posta em cau sa com o an tes n u n ca acon tecera. E
n o en tan to, o h orizon te con tin u ava cerrado; a Terra j n o era ptolom aica m as ain da n o era ou tra coisa e o Cu escon dia, por detrs do vu da
astrologia ju diciria, m u itos dos seu s segredos. Qu an do se pem os ps
n u m a terra qu e, afin al, n en h u m m apa n em n en h u m saber con sagrado au torizava estar ali, a perplexidade (su pon h o ser esta a palavra exata) torn ase com pan h eira de todos os dias. No foi preciso m u ito para o copo da in qu ietao tran sbordar. O h om em qu e in terroga o m u n do e ten ta in terpret-lo, n u m tem po an terior galxia cartesian a, con fin ado com o estava
m atriz da su a prpria experin cia, con stitu i-se prision eiro de si prprio. A
libertao das an tigas servides, qu e su jeitaram os saberes e os agrilh oaram au toridade dos An tigos, foi dolorosa e a resposta aos desafios do viver cotidian o foi con solidada com o con h ecim en to em prico. A circu lao
do livro im presso viera, en tretan to, acelerar a tran sfern cia dos n ovos saberes qu e, in felizm en te, n u n ca se elevaram , en tre n s, ao dom n io da form u lao terica. E poderia ter sido de ou tra m an eira?
A essa altu ra, o m u n do j se alterara decisivam en te; literalm en te, j
era ou tro. Os paradigm as qu e fizeram a m edievalidade resistiam ain da n o
casu lo do m gico-an im ism o qu e viria a caracterizar algu m as das fases do
Ren ascim en to. Mas os seu s dias estavam con tados. Os rseos dedos da Razo clareavam j a n oite m edieval.
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N OTA S
1. Cf. CARVALHO, J. B. de. A m en talidade, o tem po e os gru pos sociais. (Um exem plo portu gu s da poca das Descobertas: Gom es Ean es de Zu rara e Valen tim Fern an des). Revista de
Histria, So Pau lo, an o IV, p.37-68, ju l.-set., 1953.
2. MARQUES DE ALMEIDA, A. A. Aritmtica como descrio do real (1519-1679). Con tribu tos
para a form ao da m en talidade m odern a em Portu gal. Lisboa: Im pren sa Nacion al Casa da
Moeda, 1994.
3. Sobre este assu n to, leia-se CARVALHO, R. de O u so da ln gu a latin a n a redao dos textos cien tficos portu gu eses. In : Memrias da Academia das Cincias de Lisboa (Classe de Letras). Lisboa: Academ ia das Cin cias de Lisboa, 1988. t.XXIX, p.309-37.
4. ALBUQUERQUE, L. de Sobre u m m an u scrito qu atrocen tista do Tratado da Esfera de Sacrobosco. Revista da Faculdade de Cincias da Universidade de Coimbra. Coim bra, t.XXVIII,
p.142-76, 1959.
5. Segu iu -se logo ou tra edio em 1774. Este texto foi tradu zido desde o scu lo XVI para as
ln gu as eu ropias: italian a em 1543; alem em 1562; fran cesa em 1564; e a verso in glesa
em 1570.
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captu lo 6
REGIME IN STITUCION A L
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Os ben efcios podiam ser eletivos, providos por eleio can n ica, ou
colativos, providos por sim ples doao ou colao. Maiores (com o os de
papa, arcebispos, bispos, abades) ou m en ores (os restan tes). Cu rados, se
in clu am a cu ra de alm as (adm in istrar sacram en tos e difu n dir a palavra de
Deu s, exercer a ju risdio espiritu al), ou n o cu rados, se n o a in clu am (o
qu e se presu m ia). Regu lares, atribu dos a m em bros de u m a ordem ou regra m on stica, obrigan do a u m a m ais estrita obedin cia ao su perior e livrem en te depen den tes, qu an to s fu n es e qu an to ao perodo de con cesso, do arbtrio deste,6 secu lares, se atribu dos a clrigos regu lares, n o su jeitos a regra e m ilitan do n o scu lo (o qu e se presu m ia). Fam iliares, se o
seu provim en to tem qu e se verificar n o seio de certa fam lia, ou n o fam iliares, n o caso con trrio.7
O provim en to dos ben efcios era levado a cabo, n as m ais im portan tes dign idades eclesisticas (ecclesiae viduae: bispos e abades de orden s), por
eleio can n ica, i.e., respeitadas as n orm as do direito can n ico, n om eadam en te qu an to form a de efetu ar a eleio e qu an to aos requ isitos do
eleito 8), a efetu ar den tro dos trs m eses segu in tes vacatu ra. A eleio podia ser su bstitu da por u m a escolh a (compromissum) por u m gru po m ais
restrito de eleitores (com prom issrios) ou pela n om eao pelo titu lar do
poder secu lar, com o acon tecia, para os bispos, em Portu gal. Devia ser con firm ada pelo titu lar do direito de n om ear o ofcio.
Nos restan tes ofcios, o provim en to era feito por n om eao (ou colao), por via de regra, episcopal. Apesar de o Papa ser, com o vigrio de Cristo, o titu lar n atu ral do provim en to dos ofcios da Igreja, os bispos teriam adqu irido, com o decu rso do tem po, u m a expectativa ju rdica (fundata intentio) de os poder con ceder, em bora isto n o preju dicasse os direitos papais
(Fragoso, 1642, II, 655, n . 2/ 5). Da qu e, em bora ordin ariam en te cou besse
aos bispos a con cesso dos ofcios, este direito estava lim itado pelos direitos
cu m u lativos de colao qu e com petiam ao Papa. Assim , este era titu lar de
u m a reserva geral qu e lh e perm itia prover os ben efcios qu e vagassem em
certos m eses (m eses m pares) ou qu e vagassem n a c ria.9 Para alm de
even tu ais reservas especiais, n o caso de certos ben efcios (Gm ein eiri, X., X.,
1835, II, 127).10 Alm de qu e o papa, com o vigrio de Cristo e u san do de
seu poder absolu to, podia prover qu alqu er ben efcio, em qu alqu er circu n stn cia e m s, com o tam bm podia privar dele o ben eficiado.11
Por ou tro lado, o direito de provim en to dos bispos podia estar ain da lim itado por direitos de apresen tao (i.e., de proposta de n om es) qu e
com petissem aos even tu ais patron os do ben efcio, n os term os do direito de
padroado (v. infra).
O direito de padroado 12 qu e com petia a qu em tivesse fu n dado ou
dotado su bstan cialm en te u m a igreja (jus patronatus est jus honorificum, onerosum, & utile, alicui competens in ecclesia, pro eo, quo de diocesani consensu eccle-
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siam contraxit, fundavit vel donavit, Am aral, 1610, n . 1) in clu a, en tre ou tras coisas o direito de apresen tar pessoa idn ea para u m ben efcio vago.
Em bora a prtica an terior fosse diferen te e m ais perm issiva, o Con clio de Tren to procu rou restrin gir o direito de padroado, lim itan do a su a
con cesso aos casos de fu n dao ou dotao su bstan cial de u m a igreja ou
capela. Em todo o caso, con tin u a a adm itir-se, em bora relu tan tem en te,
qu e o papa, u san do do seu poder absolu to (i.e., su perior ao direito), pu desse con ceder padroados (de vi potestatis de camera) a qu em n o tivesse
fu n dado igrejas (Gm ein eiri, X., 1835, p.139). Sim u ltan eam en te, estabelecem -se con dies m ais rigorosas para a prova do direito de padroado, exigin do docu m en to au tn tico ou posse im em orial, com n ica ressalva dos
padroados im periais ou rgios, para os qu ais se con tin u avam a adm itir todas as provas adm itidas em direito.13
Alm do direito de apresen tao, o direito de padroado in clu a, desde logo, o direito de pedir alim en tos, por fora das ren das do ben efcio, n o
caso de pobreza; m as a avaliao da su a pobreza depen dia da qu alidade
do patron o. Em bora o Con clio de Tren to (scu lo XXII, de reform at., cap.
u lt.) ten h a n a seq n cia de determ in aes can n icas an teriores (cf. Decr.
Greg. IX, cap. extirpandae, III, 5, 30) proibido term in an tem en te os patron os de se in trom eteram n a percepo dos fru tos do ben efcio, a dou trin a
segu e adm itin do, m esm o n os fin ais do scu lo XVIII, qu e os patron os podem receber censos nos limites da igreja fundada (cf. Gmeineiri, X., 1835, II,
p.138, 160). No plan o sim blico, os patron os tm direito a lu gares de
destaqu e n a igreja, n o coro e n as procisses (ibidem .).
Estes direitos obrigam o patron o cu ra, in speo e defesa da igreja,
para qu e esta n o seja preju dicada n os seu s direitos. Em sn tese, costu m ava recitar-se o segu in te brocardo:
Patronos debetur honos, onus, utilitasque;
Praesentet, praesit, defendat, alatur egenus
(Deve-se ao patron o a h on ra, o n u s e a u tilidade; Apresen te, presida, defen da e seja alim en tado n a m isria).
Neste brocardo, destacam-se as caractersticas fundamentais do sistema de direitos e deveres includos no padroado. Ou seja, o seu carter honorfico, oneroso e utilitrio. Honorfico, pois encerra certas honras, como
a de apresentar o titular do benefcio (normalmente o reitor ou capelo da
Igreja), a de ter a precedncia nos atos de culto (como as procisses, os ofcios, a beno etc.), a de ter direito a preces, a cadeira especial na Igreja ou
no coro, a ter sepultura em lugar de destaque, etc. (Osrio, 1736, res. I, n.
7-11). Oneroso, porque sobre o patrono recai o nus de defender a igreja
ou capela do seu padroado e de impedir que os seus bens se dilapidem (n.
12). Utilitrio, pois o patrono, sua mulher e famlia tm direito a ser socorridos pelos rendimentos da Igreja se carem na misria (n. 14).
Os padroados podiam com petir a m u itas en tidades. Desde com u n idades paroqu iais ou poderosos locais a en tidades eclesisticas (com o ss ou
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cabidos). A distin o en tre padroados leigos e eclesisticos era a m ais im portan te, decorren do da origem dos ren dim en tos com os qu ais se tin h a
con stru do ou dotado da igreja ou da von tade do in stitu idor leigo n o sen tido de ser padroeiro o prprio abade da igreja (Cabedo, 1602, n . 11) e era
relevan te de diversos pon tos de vista. No apen as qu an do aos prazos de
apresen tao (6 m eses n os eclesisticos; 4 m eses n os leigos; em am bos os
casos, sob pen a de devolu o ao su perior, se n o exercido a tem po), m as
tam bm n o m odo de fazer a apresen tao. Nos eclesisticos, o con cu rso
en tre os con corren tes era de regra, estan do dispen sado n os leigos. Estes ltim os, por su a vez, tin h am regras m en os estritas qu an to idon eidade do
apresen tado (n o tin h am qu e abrir con cu rso, bastava escolh er dign o, m as
n o o m ais dign o) e qu an to su a design ao con creta, pois, an tes da con firm ao do apresen tado, podiam m u dar a escolh a (Decr. Greg. IX, III, 38,
24 e 29; Gm ein eiri, X., 1835, II, p.140, 163).
Os padroados tran sm itiam -se, desde logo, por su cesso. Neste plan o, n o se afastam do direito su cessrio n orm al, n o exigin do, design adam en te, m ascu lin idade ou progen itu ra. So in clu sivam en te divisveis,
qu an to aos direitos de percepo de ren das. Natu ralm en te qu e a apresen tao, em si m esm a, in divisvel. Mas, sen do vrios os h erdeiros titu lares
do direito de padroado, eles podiam com bin ar en tre si u m a form a de gerir o direito de apresen tar (por exem plo, por eleio en tre os co-titu lares
ou , o qu e era m ais freq en te, pelo exerccio altern ado) (Gm ein eiri, X.,
1835, II, p.145, 177). Algu n s, podem ser gen tilcios ou fam iliares, n o
poden do sair de certa fam lia (Am aral, 1610, n ota p.695 col. 1). O patron o pode doar o padroado igreja de qu e patron o qu e, assim , fica padroeira de si m esm a (Am aral, 1610, n . 30).
Para os que consideravam que o padroado era algo de meramente
temporal, este podia mesmo ser vendido, sem perigo de simonia.14 Outros
exigiam que o patronato estivesse anexo a uma universalidade de bens de
natureza temporal, para poder ser assim transacionado; porque em si mesmo, considerado como prerrogativa de apresentar ofcio eclesistico ou de
obter honras numa igreja, seria um direito espiritual (Amaral, 1610, n. 5).
No sen tido de m an ter os ofcios e ben efcios livres para serem con cedidos, n o m om en to da vacatu ra, estava proibida a prom essa de con cesso de ofcios n o vagos (cartas de expectativas). O Con clio de Tren to (sess.
24, de reform., cap. 19) ain da su blin h ou esta proibio, n o m bito de u m a
poltica de am pliao da liberdade de colao qu e in clu a tam bm a in trodu o de restries aos direitos de padroado (v. infra).
O sistem a ben eficial baseava-se, com o se viu , n a con ju n o en tre
u m ofcio ou fu n o eclesistica, com a correspon den te atribu io de poderes ou ju risdies, e u m ben efcio ou ren da.
No plan o dos poderes con feridos pelos ben efcios, por vezes eles
correspon diam a u m a certa prim azia ou preem in n cia ju risdicion al, n o-
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m eadam en te n os atos lit rgicos ou capitu lares ("n o coro ou n o captu lo");
falava-se, n estes casos, de u m a dignidade. Em con trapartida, se esta prim azia era m eram en te h on orfica, n o com portan do qu alqu er ju risdio (i.e.,
n o se u n in do a qu alqu er ofcio, com o u m lu gar h on orfico n o coro, procisses ou su frgios), falava-se de u m a sim ples pessoa (personatus). No caso
de esta prim azia se lim itar percepo de u m ren dim en to, falava-se de
u m a prebenda ou conezia.15 Fin alm en te, se os poderes con feridos fossem de
m era adm in istrao, sem ju risdio ou dign idade, com o n o caso dos sacristes ou porteiros, cu stdios, tratava-se de u m mero ofcio.
Neste m odelo adm in istrativo, ao desem pen h o de u m a fu n o correspon dia sem pre a percepo de u m a ren da, de u m "ben efcio". Na verdade, os ofcios eclesisticos n u n ca so con feridos sem ren das (sem titulum [ou cau sa de possu ir]). A razo seria tan to a ju stia ( ju sto qu e
qu em vive para o altar, viva tambm do altar, Vallensis, 1632, l. 3, tt. 5,
1, n. 5) com o a n ecessidade de evitar qu e su rjam clrigos vagos e acfalos (Teles, 1693, p.116, n . 13).16 Apesar de paradoxal com a lgica in icial do in stitu to, a situ ao in versa de existirem ben efcios sem a correspon den te fu n o podia verificar-se, n om eadam en te por se ter en tretan to
extin to, perm an ecen do a titu laridade dos ren dim en tos. Assim , ofcio e benefcio passam a con stitu ir sin n im os, design an do a m esm a coisa, em bora
sob perspectivas diferen tes. Mas, n o m u n do sem n tico da adm in istrao
eclesistica, a design ao de ben efcio (qu e rem ete para u m a perspectiva
patrim on ial) su plan ta fran cam en te a de ofcio (qu e rem ete para u m a
perspectiva fu n cion al ou m in isterial), em bora a lgica in stitu cion al h esite en tre u m a e ou tra viso.
Por u m lado, a ligao essen cial do ben efcio a u m a fu n o su bjacen te, a u m ministerium, de n atu reza espiritu al, tin h a com o con seq n cia
a obrigatoriedade da residn cia n o lu gar do ben efcio, a fim de poder desem pen h ar presen cialm en te as in eren tes fu n es, n om eadam en te as qu e
revestissem u m carter de u rgn cia, com o a adm in istrao da con fisso
ou da extrem a u n o.17 Da qu e n in gu m pu desse ter m ais do qu e u m ben efcio, pelo m en os se estes fossem en tre si in com patveis.18 Por ou tro
lado, o fato de algu m as das fu n es su bjacen tes serem essen cialm en te espiritu ais levava in capacidade dos leigos para serem titu lares de certos
ben efcios an exos a este tipo de fu n es (Gm ein eiri, X., 1835, II, 92,
66).19 Ain da n esta perspectiva, os ren dim en tos do ben efcio deviam servir
sem pre a fu n o su bjacen te. Assim , en ten dia-se os ben eficiados aplicar ao
seu m n u s os fru tos do ben efcio; e qu e, m esm o os ren dim en tos su prflu os, deveriam ser con su m idos em gastos piedosos (Gm ein eiri, X., 1835,
II, p.164). Tam bm os rditos dos ben efcios vagos deveriam perm an ecer
con sign ados ao ben efcio, sen do en tregu es ao su cessor ou gastos em ben efcio deste; de m odo a qu e os bispos n o se pu dessem apropriar deles
94
para gastos gerais da Igreja (Gm ein eiri, X., 1835, II, p.174). Em bora esta
perspectiva in teressasse tam bm , m esm o de u m a ptica pu ram en te patrim on ial aos fu tu ros ben eficiados.
Mas a conseqncia talvez mais notvel da lgica ministerial diz respeito aos critrios de seleo dos beneficiados. Aqui, muito presente a
idia de que o beneficiado no um mero arrecadador de rendas, mas uma
pessoa que, tendo que desempenhar um ministrio, tem que ter as qualidades requeridas para tal. Essas qualidades (morais, intelectuais, fsicas e de
idade 20) estavam fixadas pelo direito cannico e enfaticamente sublinhadas
pelo Conclio de Trento (sess. 24, c. 12) (cf. Amaral, 1610, v. Beneficium,
n. 9). Mas, para alm do cumprimento de requisitos absolutos, havia ainda
que ponderar os mritos relativos dos potenciais candidatos. Nos ofcios
eclesisticos mais importantes como os bispos e superiores de ordens religiosas isto obriga a que o provimento se faa mediante concurso, constando de um exame formal, devendo ser aprovado o melhor (dignior). No
plano dos princpios, isto impediria segundo alguns, mas no todos a
concesso de benefcios por preferncias pessoais, clientelares ou familiares.21 Nos benefcios inferiores exigncia era menor, havendo quem embora contra a letra dos decretos de Trento (sess. 24, c. 18) dispensasse o
concurso formal, nomeadamente nos benefcios que fossem apresentados
por patronos laicos,22 mas, de qualquer modo, exigia-se que o apresentado
fosse digno (embora no o mais digno), em termos de virtude (mais do que
em termos de nascimento.23 Em todo o caso, o princpio de que o ofcio
eclesistico tinha uma natureza espiritual, devendo ser exercido pelo mais
digno e meritrio, e de que a concesso do correspondente benefcio era
um ato gratuito e liberal faia com que qualquer motivao interesseira ou
qualquer pacto acerca da concesso fossem arguveis de simonia (i.e., o pecado que consistia na venda de funo espiritual). Pelo que os critrios objetivos do mrito sempre foram muito mais exigidos na colao dos benefcios eclesisticos do que na concesso dos ofcios ou mercs da repblica.
Em con trapartida, u m a viso patrim on ialista do ben efcio ten de a
con sider-lo com o u m a m era ren da, sem elh an te a tan tas ou tras, gravan do sobre certos ben s, existen tes n o m u n do m edieval e m odern o. E, da,
qu e se con cebesse a existn cia de ben efcios sem ofcio su bjacen te (preben das ou con ezias) ou a ven da de ben efcios (en ten didos com o m eros rditos tem porais, Vallen sis, 1632, l. 3, tt. 5, 1, n . 5) sem perigo de sim on ia. Adm itida a ven da (ou a troca), aceitava-se tam bm a ren n cia a favor de ou trem , em bora au torizada pelo colator. En ten den do-se m esm o
qu e este n o podia con ceder o ben efcio a ou trem (Am aral, 1610, v. Ben eficiu m , n . 46). Tais ren n cias eram m u itos vu lgares.
Nu m a lgica pu ram en te patrim on ial, tam bm se en ten dia qu e o
con ceden te do ben efcio pu desse reservar para si u m a poro do ren di-
95
m en to, a ttu lo de pen so. Isto foi frequ en te at ao Con clio de Tren to, o
qu al, segu in do a lgica espiritu alista, proibiu estas pen ses, a n o ser qu e
ficassem votadas a fin s tam bm espiritu ais (com o, v.g., a reparao da igreja do padroado) (Gm ein eiri, X., X., 1835, II, 172 s.). Mas, m esm o depois,
n o s se adm ite qu e o fu n dador de u m a igreja reserve u m a pen so sobre
os ben s doados (Am aral, 1610, Pen sio, n . 6), com o se m an tm -se a prtica de, em certos ben efcios, se exigir, n o m om en to da con firm ao, o pagam en to de u m a som a equ ivalen te m etade do ren dim en to an u al (meia
anata). Da qu e, peran te a gen eralidade da prtica, a dou trin a prefira fixar
lim ites s pen ses, estabelecen do a regra de qu e estas n o deviam ser de
tal m odo graves qu e o ben eficirio n o se pu desse su sten tar com odam en te, observan do os preceitos de u m a vida h on esta e da h ospitalidade; em
geral, a pen so n o deveria exceder a tera parte dos fru tos do ben efcio
(Am aral, 1610, Pen sio, n . 8-9).
Um a form a especial de atribu io de ben efcios era a com en da. Em
rigor, n o se tratava de u m a con cesso de ben efcio, m as apen as da su a
en com en dao (ou en trega com o qu e em depsito) 24 tem porria a algu m , qu e o deve proteger e cu rar, en tregan do-o, qu an do isso lh e for pedido, ao con ceden te, e pon do os fru tos disposio do ben efcio (Vallen sis, 1632, p.462).
O alem o Ju stu s Hen n in g Boeh m er 25 descreve assim a origem da
in stitu io: Nos tem pos prim itivos n o era possvel pr logo fren te das
igrejas u m pastor idn eo; en tretan to, para evitar todos os in cm odos qu e
n orm alm en te n ascem da an arqu ia, costu m ava-se en com en dar e com eter
a igreja vaga a algu m probo qu e, com o tu tor ou procu rador, se en carregasse de boa-f dos atos a ela relativos. Este n o era pastor da igreja e s
era n om eado por certo tem po (sec. 8, cap. 2, n . 25). E prossegu e, dan do
con ta das crticas qu e os protestan tes dirigiam a todas estas form as de
tran sfern cia para leigos das fu n es e ren das da Igreja, pou co a pou co,
esta in stitu io degen erou em rapin a, verifican do-se u m a reao con tra
ela obrigan do-se os bispos a, n o prazo de u m an o, proverem as igrejas
ou a su bstitu ir o com en dador Mas h oje estas com en das (ou beneficia
commendatae) ju stificam -se m ais pelos rditos qu e do do qu e pelo bem da
cu ra de alm as (sec. 8, cap. 2, n . 25-27).
Solorzan o Pereira,26 qu e trata lon gam en te da in stitu io da encomienda, pela qu al se distribu ram aos colon izadores as terras das Am ricas,
defin e ain da a com en da com o o recebim en to de algu m a coisa em gu arda
ou depsito, am paro e proteo (Pereira, 1972, III, 1,1). Mas tam bm j
lh e acrescen ta a ou tra dim en so patrim on ial, m ais prxim a da realidade
prtica da poca, ao defin i-la com o o direito de perceber os tribu tos dos
n dios, con ferido por m erc (III, 3, 2 ss.). Na verdade, com o refere, estas
n om eaes n o davam n em con feriam ttu lo algu m ao qu e servia o ben efcio, s o con stitu in do com o seu depositrio, gu ardador ou adm in istra-
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dor por certo tem po e por cau sa de eviden te u tilidade da Igreja; m as com
a facu ldade de qu e pu desse gozar e dispor dos fru tos, com o se fosse u m ben eficiado (Gm ein eiri, IV, cap. 15, 5 ss.).
Em Portu gal,27 a com en da defin ida com o u m ben efcio de coisa
im vel, retida a propriedade n o con ceden te, de m odo a qu e o u su fru to
passe para o aceitan te em virtu de da fidelidade deste (Carvalh o, 1693, II,
p.10, n . 7). Discu tia-se a su a n atu reza ben eficial, sen do dom in an te a opin io de qu e n o se tratava de ben efcios eclesisticos, j qu e o m n u s qu e
estava su bjacen te percepo de fru tos n ada tin h a de espiritu al, con sistin do n a obrigao de fazer a gu erra aos in fiis (Carvalh o, 1693, I, en . 2, n .
18 ss.). Era aos procos das igrejas da com en da qu e com petiam todas as
fu n es espiritu ais, para o qu e lh es era atribu da u m a certa pen so (ou
cota) extrada dos fru tos e ren dim en tos da com en da, de qu e os com en dadores eram m eros adm in istradores (Ibidem , n . 22).
Estavam atribu dos em com en das os ben efcios, ju risdies e ren das
das orden s m ilitares. Com a in tegrao dos m estrados das Orden s n a Coroa, esta torn a-se padroeira destas com en das.28 O rei, com o m estre, apresen ta a com en da (qu e n o u m ben efcio) e o com en dador apresen ta u m
vigrio perptu o ou reitor qu e prov os ben efcios.29 A, os com en dadores
repartiam com os cu ras (ou vigrios perptu os) os rditos eclesisticos, de
acordo com os disposto n a carta de con cesso (Osrio, 1736, p.90, n . 2).
Freq en tem en te, os com en dadores tin h am os fru tos das igrejas e os vigrios as su as pores (Am aral, 1610, v. Ben eficiu m , n . 11).
Em Espan h a, foi este, alm disso, o sistem a de distribu io das terras das Am ricas pelos colon os. O com en dador foi origin ariam en te u m en carregado tem porrio da adm in istrao de u m territrio, com a percepo
dos respectivos tribu tos e as ju risdies espiritu al e secu lar correspon den tes, en qu an to esta n o se provessem defin itivam en te os respectivos ofcios.
Mas esta idia de precariedade foi se obliteran do progressivam en te.
O ben efcio cu rado de San ta Maria de Vou zela vagou por m orte em
ou tu bro de 1663 [m s do papa]. Matias de Ara jo Bah ia, obteve-o por
con cu rso do Ordin rio. No en tan to, o Bailio de Lea, da Ordem de S. Joo
de Jeru salm , qu e tin h a direito de padroado n o m esm o ben efcio, apresen tou Man u el de Sou sa. Este foi ch am ado a ju zo [pelo Procu rador da
Mitra] para apresen tar as cartas apostlicas [i.e., de n om eao pon tifcia],
ten do o ju iz [delegado do Tribu n al da Nu n ciatu ra] revogado a su a posse
do ofcio, j in icada [por faltarem ao possu idor as cartas pon tifcias de n om eao, assu m in do, portan to, a com petn cia papal para a n om eao]. O
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Sen ado da Relao [de Braga], por via de recu rso a ele dirigido pela Mesa
da Ordem [por n o recon h ecer a existn cia de u m a reserva pon tifcia n este ofcio], declarou in ju stas as sen ten as do dito ju iz [dan do razo ao recu rso do apresen tado pelo Bailio].30
Toda a qu esto est em saber se a apresen tao deste ben efcio est
reservada San ta S, n os seu s m eses, ou se esta reserva n u n ca vale, por
se tratar de u m ben efcio de Ordem Militar (Ibidem , n . 32).
Esta qu esto liga-se n atu reza do ofcio con exo com o ben efcio,
pois era claro qu e os ofcios regu lares, m an u ais31 ou am ovveis n o estavam reservados (n . 32). Discu tvel era, porm , se isto valia tam bm para
os ofcios perptu os da Ordem . Segu n do u m a opin io, a Ordem podia
apresen tar, sem reserva pon tifcia, ben efcios m an u ais, relacion ados com o
m n u s especfico da Ordem , e am ovveis ad nutum. Mas j n o gozava dessa isen o n o qu e respeita aos ben efcios perptu os (n . 35-6). A opin io de
Pegas , con tu do, diferen te e oposta (cf. n . 156, p.210).32
A sen ten a fin al do ju iz n o recu rso para ela in terposto da sen ten a
da Relao Arqu iepiscopal de Braga foi a segu in te:
"O ben efcio da Igreja de San ta Maria de Sou zelas vagou em ou tu bro, qu e u m dos m eses reservados [ San ta S]; o provim en to dele perten ce S Apostlica, pela regra oitava da Ch an celaria [Apostlica].
Qu an to m ais qu e desde o an o de 1566, est a Mitra daqu ele Arcebispado
de posse de pr em con cu rso o dito ben efcio, sem em bargo dos privilgios
qu e por parte daqu ela religio [de Malta] se alegam , pois [estes] falam n os
ben efcios regu lares e m an u ais, com o so as preceptorias e vigararias u n idas s com en das, n as qu ais a Religio tem dzim os e ren das e se costu m am
dar aos clrigos de h bito dela . Nada do qu e tem [do qu e ocorre] n o
ben efcio da con ten da, pois se n o m ostra qu e em tem po algu m fosse servido por clrigos regu lares, an tes por secu lares do h bito de S. Pedro, n em
m en os ser u n ido s com en das, n em qu e a Religio ten h a n ele fru tos .
Nem obstam as clu su las, e derrogaes dos ditos privilgios [i.e., dos privilgios de In ocn cia VIII relativos aos ben efcios das Orden s], pois a dita
regra oitava tira e su spen de com exu beran tssim as clu su las e derrogaes
os efeitos de todos e qu aisqu er privilgios, de sorte qu e n o ten h am lu gar,
n em vigor con tra a reserva geral dos ben efcios [a favor da c ria] n os oito
m eses reservados . Ju lgam os e declaram os o ttu lo qu e o apresen tado
pela Ven eran do Bailio tem n o dito ben efcio por ilegtim o e n o can n ico,
e n o perten cer por esta razo Religio o direito de apresen tar n o dito
ben efcio, e m an dam os qu e sejam con servados em su a posse a San ta S
Apostlica, e o Sen h or Arcebispo de o proverem por con cu rso n a form a da
dita regra oitava e do Sagrado Con clio Triden tin o , Lisboa, 27.02.1677."
(Ibidem , n . 29).
A tese qu e faz ven cim en to , portan to, a de qu e o ben efcio cu rado
da Igreja era do padroado com preen dido n u m a com en da da Ordem de
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CA SO D A COMEN D A D E SOUSA ,
D A ORD EM D E SA N TIA GO 37
Com o se refere n o privilgio papal [o padroado da Igreja de Sou sa]
era do Mosteiro de S. Migu el, da Ordem de S. Ben to, e em vida do dito
Joo de Sou sa, foi tran sform ada em com en da de S. Tiago, de m odo qu e
depois da morte deste voltasse Ordem de S. Bento e ao dito mosteiro .
E depois disto, por con stitu io de Xisto IV, foi determ in ado qu e, depois da
m orte de D. Joo de Sou sa, D. Afon so V obtivesse a dita preceptoria ou com en da [agora perpetu am en te in corporada n a Ordem de San tiago], sen do
con cedido a este rei qu e ficasse aos seu s su cessores e dos ou tros reis apresen tar para a dita com en da pessoa idn ea 38 ... E assim , [an tes qu e a com en da fosse in corporada n os ben s da coroa], o rei doou este padroado e
direito de apresen tao para a dita com en da ao dito Joo de Sou sa e seu s
h erdeiros em perptu o,39 doao con firm ada por In ocn cio VIII, o qu al,
por cau tela, reservou perpetu am en te para o Mestre o direito de padroado
e apresen tao de pessoa idn ea para a dita preceptoria,40 (n . 5).41A Com en da de Sou sa era, portan to, u m a Com en da da Ordem de San tiago, em
direito de propriedade, por privilgio dos Papas, com a terra e toda a ju risdio tem poral e algu n s ou tros ben s (n . 4).42 Os reis de Portu gal tin h am o
padroado da com en da, poden do apresen tar com en dador, o qu al, en qu an to patron o da Igreja de Sou sa, apresen taria os seu s ben efcios, salva reserva cu m u lativa do Mestre de San tiago. Um a vez doada a com en da a D.
Joo de Sou sa, este ficou su b-rogado n os direitos do rei doador. Com a in corporao do Mestrado de San tiago n a Coroa, o rei passa a gozar da reserva cu m u lativa qu e com petia ao Mestre. H, portan to, qu e distin gu ir
aqu i: (i) o direito de apresen tao do com en dador, qu e com pete a Joo de
Sou sa e seu s su cessores; (ii) o direito em in en te do Mestre (rei) de n om ear
com en dador n a falta ou dilao da apresen tao; (iii) o direito de apresen tao dos ben efcios da Igreja de Sou sa, de qu e era titu lar o com en dador.43
A prim eira qu esto qu e su rge refere-se devolu o su cessria. En qu an to u n s dos litigan tes preten diam qu e a devolu o se fazia por lin h a
prim ogen itu ral, com o n os ben s da coroa, ou tros defen diam a devolu o
su cessria com u m , com o n os padroados e, ou tros, fin alm en te, a in existn cia de devolu o su cessria, com o n os ben efcios. Tu do depen dia, en to,
da n atu reza qu e prevalecesse n o objeto da con cesso (bem da coroa, padroado, ben efcio). Ora n este caso, existem trs dign idades distin tas: a de
patron o da com en da, n a titu laridade da fam lia dos Sou sas, em qu e se su cede por via su cessria; a dign idade de com en dador, em qu e se in vestido por apresen tao do patron o, con firm ada pelo Mestre (rei); os ben efcios do padroado da com en da, em qu e se provido por apresen tao do
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N OTA S
1. Em sen tido estrito, a praebenda ou canonica portio aqu ela parte qu e se tom a da m assa dos
ben s e proven tos dos eclesisticos e se d a cada u m com o arte su a (Vallen sis, 1632, p.442,
n . 1); m as qu e, em bora se preste pelos ben s da Igreja, n o se presta em razo do ofcio divin o, m as em razo de trabalh o tem poral.
2. A primeira referncia no C. I. C. reporta-se ao Conclio de Mogncia (813) (Decr. Greg., III, 48, 1).
3. TELES, M. G. De praeben dis et dign itatibu s. In : Commentaria perpetua in singulos textus quinque librorum decretalium. Lu gdu n i, 1693. v.III, tt. V, n . 12.
4. GMEINEIRI, X., 1835. II, 90, 62 ss.
5. GMEINEIRI, X., 1835, II, 92, 66; VALLENSIS, 1632, III, 5, 1, n . 7.
6. De fato, os ofcios m on acais (ou m an u ais) so dados e revogados ad nutum ( discrio); o
con te do das su as atribu ies tam bm depen de em absolu to do con ceden te (Fragoso, 1641,
1652. II, 854, 12).
7. Sobre este tem a, v., v.g., BARBOSA, 1632, cap. IV; VALLENSIS, 1632, III, 5, 2, p.444; m ais
recen tes, GMEINEIRI, X., X., X., 1835, II, 93, 69 ss.; Carn eiro, 1869, 121 ss.
8. Sobre as eleies e os requisitos dos eleitos, v. GMEINEIRI, X., X., X., 1835, II, 104, 88 ss.
9. Dado qu e esta reserva preju dicava os direitos dos patron os, h avia qu em restrin gisse fortem en te o m bito da reserva pon tifcia, n o a adm itin do n os ben efcios em padroado leigo, n os
obtidos on erosam en te, n os ben efcios das orden s m ilitares(cf. Pegas, 1669, XI, ad 2,35, c. 117,
149 ss.). Alm qu e a reserva pon tficia n o existia n os ben efcios regu lares ou m an u ais das
orden s (cf. Pegas, 1669, XI, ad 2,35, c. 117, n . 35-6).
10. Nos ben efcios de padroado eclesistico, a San ta S gozava de 8 m eses de reserva, fican do aos padroeiros apen as os m eses de m aro, ju n h o, setem bro e dezem bro (Con c. Triden tin i, sess. 24, cap. 18).
11. VALLENSIS, 1632, III, 7, 2, p.451 ss.
12. Decretu m , II p., C. XVI, Q. VII, c. 33: O m osteiro ou oratrio in stitu do can on icam en te
n o deve ser tirado do dom n io do in stitu idor con tra a su a von tade, deven do-se perm itir-lh e
qu e o en com en de ao presbtero qu e qu iser para a celebrao dos ofcios sagrados, com o con sen tim en to do bispo da diocese. Cf. tam bm Decretais, III, 38 (De iu re patron atu s). Sobre
o padroado, ver Osrio, 1736; AMARAL, 1740, ver. Ju s patron atu s; Cabedo, 1603; FRAGOSO, 1642, II, 689, 7; VALLENSIS, 1632, ad III, 38; Gm ein eiri, 1835, II, 136 ss.
13. Conclio de Trento, "Padroado", sess. 25, cap. 9: "Assim com o n o ju sto preju dicar os legtim os direitos de padroado e violar as pias von tades dos fiis qu an to su a in stitu io, tam bm n o de perm itir qu e, debaixo desta aparn cia, se coloqu em os ben efcios da Igreja em
servido, o qu e m u itos fazem de form a im p dica. Assim , para qu e se observe em tu do u m
equ ilbrio devido, o San to Sn odo recon h ece com o ttu lo do padroado a fu n dao ou a doao qu e se dem on stre provada por docu m en to au tn tico e ou tras provas requ iridas por direito; ou tam bm por m ltiplas apresen taes por tem po an tiqu ssim o qu e exceda a m em ria dos h om en s ou de ou tro m odo equ ivalen te, segu n do a disposio do direito. No en tan to,
n aqu elas pessoas, com u n idades ou u n iversidades n as qu ais aqu ele direito as m ais das vezes
costu m a ser obtido sobretu do por u su rpao, exige-se u m a prova m ais plen a e exata com o
ttu lo verdadeiro. Nem a posse im em orial lh es valer sen o qu an do, alm de ou tras coisas
n ecessrias, se provarem apresen taes, con tin u adas, e pelo espao n o in ferior a cin q en ta
an os, e sortidas de efeito. Todos os restan tes padroados n os ben efcios, tan to secu lares, com o
regu lares, ou paroqu iais, ou dign idades, ou qu aisqu er ou tros ben efcios, em catedral, ou igreja colegiada, ou privilgios con cedidos, tan to com efeito de padroado com o qu alqu er ou tro
direito de n om ear, eleger ou apresen tar para qu an do vagu em , so totalm en te revogados,
sen do tida com o n u la qu alqu er posse deles, exceto os padroados sobre igrejas, catredrais e
ou tros qu e perten am ao im perador ou aos reis ou possu idores de rein os, bem com o ou tras
en tidades su blim es e prn cipes su prem os qu e ten h am n os seu s dom n ios direitos im periais;
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assim com o os con cedidos em favor de estu dos gerais. Assim , os ben efcios so con cedidos
com o livres pelos seu s colatores, ten do as provises destes plen o efeito.
14. Tal a opin io de Gm ein eiri, X., 1835, II, p.144, 173.
15. Falava-se de pen so ou poro a respeito de u m a prestao peridica im posta sobre o
ren dim en to de certo ben efcio pelo titu lar da su a colao (i.e., por aqu ele a qu em com pete
prover esse ben efcio) a favor de u m a pessoa eclesistica ou leiga (cf. Lobo, 1825, 21 ss.). As
pen ses podiam ser im postas pelo papa, pelos bispos, pelos gro-m estres das orden s m ilitares e pelos reis (com o gro-m estres ou padroeiros). V. AMARAL, 1740, ver Pen sio, n . 2 ss.
16. Se o bispo orden ar clrigos sem titu lu m tem qu e lh es prestar alim en tos dos seu s ben s, Teles, 1693, p.118.
17. AMARAL, 1740, v. Ben eficiu m , n . 9. Este u m dos gran de tem as do Con clio de Tren to em m atria ben eficial: cortar os abu sos de ben eficiados au sen tes (cf. obrigaes do ben eficiado: residn cia assdu a, Gm ein eiri, X., X., 1835, II, 156 200; Tren to: sess. 23, cap.1). No
en tan to, a prtica con tin u ou a ser bastan te perm issiva, adm itin do, n om eadam en te, a falta de
residn cia n os ben efcios sem cu ra de alm as (AMARAL, 1740, Ben eficiu m , n . 63).
18. AMARAL, 1740, ver Ben ficiu m , n . 17.
19. J n o caso das sim ples preben das (v. supra), n o m ilita esta razo, pelo qu e podem ser au feridas por leigos.
20. O ben efcio cu rado exige 25 an os e ordem clerical; os ou tros exigem pelo m en os 14 an os
(Tren to, sess., 23, c. 6 de reform at). Sobre os requ isitos pessoais para ter ben efcios, v. FRAGOSO, 1642, II, p.663, 2, n . 4 ss.
21. Cf. AMARAL, 1740, ver Ben eficiu m , n . 8. Em con trapartida, Baptista Fragoso (FRAGOSO, 1642, II, p.663, 2, n . 4-5.) defen de qu e o bispo pode con ceder oficios a seu s con san g n eos idn eos, desde qu e o n o faa com escn dalo; apen as n o lh es pode con ceder os
ofcios ren u n ciados em su as m os por ou trem , n . 2.
22. No padroado real portu gu s, a apresen tao precedia exam e e in form ao, n orm alm en te tirada pelo deo da capela real (Cabedo, 1602, c. 19, p.69, n . 1.
23. Discu te a qu esto de se n os ofcios secu lares ou eclesisticos so de preferir os n obres, Teles, 1693, p.167, n . 4 (n o so de preferir os n obres pois n o a n obreza do n ascim en to m as
das virtu des e da vida h on esta qu e torn am o servidor grato e idn eo para Deu s; para o govern o da Igreja devem ser eleitos n o os n obres pela carn e m as os h u m ildes e pobres, n . 4).;
apoia-se em S. Tom s, De regim. principum., lib. 4, cap.15.
24. Commendare depositar, l. com m en dare, D. 50, 16.
25. Ius parochiale ad fundamenta genuina ius ecclesiasticum protestantium, Hallae, 1721.
26. PEREIRA, J. S. Politica indiana. Madrid: Bib. de au tores espa oles, 1972.
27. Sobre o regim e das com en das, em Portu gal, ver Carvalh o, 1693.
28. Ver lista das com en das de Cristo do padroado da coroa (as cin q en ta com en das do padroado), em Cabedo, 1602, cap.18, p.66, n . 1.
29. Cabedo, 1602, cap.18, n . 2-5; Ben to Cardoso Osrio diz qu e os reitores das igrejas do
padroado real, n as qu ais foram con stitu das com en das, con tin u am a apresen tar os cu ras e dem ais ben efcios, com o an tes (Osrio, 1736, p.91, n . 1; p.106, n . 4). Ver diplom a sobre a repartio das apresen taes dos ben efcios das com en das e seu s ren dim en tos en tre com en dadores e reitores em Osrio, 1736, p.93. l
30. PEGAS, M. . Commentaria ad Ordinationes, XI, ad 2,35, c. 117, n . 31.
31. A manualitas con siste n a obedin cia devida pelos regu lares (n . 34).
32. Para u m ou tro con flito deste tipo en tre a Ordem de Avis e o Arcebispo de vora, cf. ibidem , n . 102.
33. Em todo o caso, existe, n ou tros con textos, a opin io exatam en te con trria, de qu e os
ben s da coroa, qu an do doados Igreja, perderiam a su a prim eira n atu reza.
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34. PEGAS, M. A. Tractatus de exclusione, inclusione, successione & erectione maioratus. Ulyssipon e,
1685. v.I, p.116 ss.
35. Nos ben s da coroa, se o Prn cipe os con cede para u m m orgado, ficam vin cu lados e regu lam -se pelas vocaes do m orgado (cf. IV, ad I, 50, gl. 1, p.192, n . 12 ss.). Ou se a doao
foi feita a algu m e seu s filh os, fora da lei m en tal em perptu o, pode fazer-se u m vn cu lo de
tais ben s, PEGAS, ibidem , p.151.
36. A qu esto da n atu reza ben eficial ou no das comendas objeto de larga controvrsia nos
finais do sculo XVII, conforme se pode ver em Carvalho, 1693, enucl. 2 e 5. O autor inclinava-se para a opinio negativa, fundado principalmente (i) no fato de que os comendadores
no tinham qualquer mnus espiritual e (ii) na existncis de um costume inveterado de atribuir expectativas das comendas (ver exs. em Carvalho, 1693, I, p.357 ss.). Mas, em contrapartida, existiam tambm determinaes explcitas em contrrio, quer em diplomas papais, quer
em decises da Mesa da Conscincia e Ordens (v.g., em 8.9.1574: nula toda a promessa de
comenda, ainda que seja com a declarao, que haver efeito, sendo hbil a pessoa a quem se
prometeu, e assim nula a tena em defeito de comenda (Carvalho, 1693, en. 2, n. 4.)
37. PEGAS, M. ., 1669-1703. XI, ad 2,35, c. 117, n . 1 ss.
38. Ou seja, o rei e su cessores ficaram com o direito de padroado, com direito a apresen tar o
com en dador.
39. Qu e, assim , ficaram patron os da com en da.
40. Trata-se de u m a reserva cu m u lativa e n o privativa, poden do o Mestre de San tiago prover a com en da n a falta ou dilao da apresen tao do patron o (cf. n . 5).
41. con sta qu e sen do com en dador do Mosteiro e Igreja de Sou sa, Joo de Sou sa, a qu e
ch am aro o Rom an isco, em su a vida som en te, a fez o Su m m o Pon tfice com en da in perptu u m e con cedeu o direito de padorado dela ao sen h or rei D. Afon so V, para ele e para seu s
su cessores, e o m esm o sen h or, an tes qu e este padroado se in corporasse n a Coroa, o tran sferio e fez doao dele ao dito Joo de Sou sa, para ele e seu s h erdeiros e su cessores, ju re h ereditrio, assim com o pelo Papa lh e fora con cedido, orden an do qu e os Sen h ores Reis seu s su cessores lh e n am pu zessem a isso d vida, porqu an to dem itia de si an tes de ser patrim n io
real, e se in corporar n a Coroa.
42. Na qu al n o s h dzim os, qu e foram da Igreja, m as ben s prprios, e aqu ella villa, e ju risdio, qu e os Sen h ores Reis deste Rein o de seu patrim n io secu lar, e da Coroa lh e doaram ", p.211, col 1.
43. Note-se qu e, n as comen das, o papa no goza da reserva pontifcia. De fato, as comendas
e benefcios das Ordens no costumam devolver-se ao ordinrio, nem ao Papa, mesmo que os
benefcios vaguem na Cria; existe uma bula e privilgio de Inocncio VIII, segundo o qual
no se aceitam provises apostlicas para o provimento das comendas, pelo que a sua proviso nunca fica reservada ao Pontfice, mas sim ao Mestre e patrono, PEGAS, ibidem, n.21.
44. Segundo uma outra opinio, constante do processo, "estes bens, por uma vez que foram doados Igreja, perdero a natureza de bens da Coroa, e no ficam sujeitos Lei Mental", n. 160,
p.212, col 1.
45. Trata-se, aparen tem en te, de u m a colao abu siva e con flitu al com a an terior, pois n o se
verifica a apresen tao pelo patron o, alm de qu e o papa n o dispu n h a de reserva n os ben efcios das Orden s Militares.
46. Usan do dele ou por votos, ou por tu rn o.
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captu lo 7
PORTUGA L E A EUROPA N A
POCA MOD ERN A
Maria do Rosrio Th em u do Barata*
Para se desen volver este tem a dever-se- aten der, n ecessariam en te,
pela prpria evolu o h istrica portu gu esa e pela em ergn cia con com itan te da gran de n ao brasileira, a u m terceiro term o: o m u n do u ltram arin o.
Desta relao, n o a dois m as a trs, ir se tratar a segu ir, con scien tes de
toda a respon sabilidade de u m passado e de toda a expectativa de u m presen te n o qu al, descon h ecidos pela m aior parte dos crcu los de opin io os
verdadeiros con torn os do Tratado de Mastrich t, sobre as m tu as relaes
Portu gal Brasil perpassa o receio da secu n darizao dos laos qu e in trn seca e in dissociavelm en te os ligam . Ecos de m al fu n dadas in terpretaes,
de fu gazes deslu m bram en tos por realidades com as qu ais, con trariam en te
ao qu e possa parecer, Portu gal n u n ca deixou de estar fam iliarizado, escolh en do m u ito em bora vias altern ativas; seq elas de u m en ten dim en to direcion ado da Histria para o terceiro m iln io, privilegian do u m a ten dn cia poltica m ajoritria e com o tal apresen tada com o triu n fan te; in terrogao n acion al sobre o destin o h istrico aps u m a revolu o poltica qu e
preten deu resolver ao m esm o tem po u m a qu esto de regim e e u m a presen a h istrica em n vel m u n dial: todos estes elem en tos in flu em n a in terpretao h istrica dos tem pos passados e, m u ito n itidam en te, n o cam po
do estu do das relaes extern as, in tern acion ais e diplom ticas. Ju lgam -se
estas, tam bm , em paralelo com os ju lgam en tos eu ropeu s da poltica in tern acion al desde a Gu erra de 1939-1945, e essa avaliao vai, por vezes,
n o paralelo qu e estabelece, dem asiado lon ge, procu ran do sim ilitu des on de
elas n o existem , n ovidades on de h a con stn cia e, freq en tem en te, n o
aceitan do o en riqu ecim en to de perspectivas con ju n tas e in terdisciplin ares
qu e n o falseiem n em obliterem os fatos h istricos. Com paixo ou sem
ela volta-se Histria, m as m u itas vezes h istria-tribu n al, to desacon selh ada pelos n om es qu e se im pem en tre os h istoriadores, com o Marc
Bloch ou Lu cien Febvre. Mais se eviden cia qu e, com todo o rigor m etodolgico dos n ovos recu rsos in terdisciplin ares postos ao servio da in terpretao h istrica, o con h ecim en to dos fatos h istricos e ser in dispen svel
e in su bstitu vel. E isto n o pu ro h istoricism o, a m en os qu e seja a perm an n cia do cern e de verdade qu e o h istoricism o en cerra.
E volta a ser preciso en carar a Histria de Portu gal n o con ju n to das
coorden adas polticas, cu ltu rais, religiosas e n o esqu ecer as geogrficas.
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No an o (1997) em qu e a cu ltu ra portu gu esa deixa de con tar en tre os vivos com Orlan do Ribeiro, pertin en te con tin u a a su a reflexo m etodolgica sobre as relaes de Portu gal com o Mediterrn eo e com o Atln tico,
desde sem pre e n o s desde o delin ear da expan so u ltram arin a qu atrocen tista. E com esta reflexo do ilu stre m estre, ou tra de ou tro m estre n o
m en os ilu stre Jorge Borges de Macedo, falecido em 1996, se vem en tretecer: a do con dicion alism o geogrfico, estratgico, cu ltu ral portu gu s de
du as fron teiras igu alm en te presen tes n a Histria de Portu gal, a terra e o
m ar, a Hispn ia e o Atln tico 1. Creio qu e am bas as posies so a ch ave da
explicao das relaes de Portu gal com a Eu ropa n os tem pos m odern os,
com o procu rarei explicitar de segu ida.
Estas observaes so motivadas pelo que a opinio comum transmite de interrogaes e a que, de uma forma ou de outra, a historiografia portuguesa tem vindo a responder, numa produo historiogrfica variada e
questionadora do sentido global da histria portuguesa. Tal preocupao
patente nas obras sobre o sculo XX, as Repblicas, Salazar, Marcelo Caetano, a participao de Portugal nos conflitos internacionais, o processo de
emancipao dos territrios sob soberania de Portugal, as campanhas militares nos territrios do Ultramar, a Revoluo de 25 de abril de 1974, mas
tal atitude tambm explica terem surgido novas Histrias de Portugal, em
que se citam as de Joaquim Verssimo Serro, Joo Medina, Joel Serro e
Oliveira Marques, Jos Mattoso. Tempo de dvidas e de mudanas para
Portugal este ltimo quartel do sculo XX, a perspectiva histrica traz a segurana de uma seqncia de vida para uma nao e um estado e a esperana inconformista num futuro no previamente decidido.
Em term os do estu do das relaes in tern acion ais, h h oje a n ecessidade de reavaliar o in teresse sem pre m an tido por Portu gal qu an to s relaes in tern acion ais, evidn cia qu e n o deve ser su bstitu da pela afirm ao de isolacion ism o com qu e se qu er cen su rar o regim e con tra o qu al se
pron u n ciou a Revolu o do 25 de abril de 1974. E n essa rein sero do
tem a das relaes in tern acion ais de Portu gal, n o s m as tam bm com a
Eu ropa, h qu e recolocar a dicotom ia qu e caracterizou a h istria portu gu esa n os tem pos m odern os, ou seja, a presen a con stan te de atlan tism o
e de eu ropesm o, n o con traditrias, e qu e, n o decorrer da h istria, a poltica extern a portu gu esa avaliou e in tegrou n u m a con tin u idade de ao
de estado soberan o.
Tu do so m otivos qu e explicam o in teresse e a n ecessidade de se debater a realidade docu m en tada pela Histria, qu an to aos tem as das relaes in tern acion ais de Portu gal. Tem a tratado com o particu lar pelas obras
e au tores qu e referim os, o seu tratam en to global teve a servi-las, em obras
especializadas, a aten o de diplom atas e professores u n iversitrios de m rito. Cou be a precedn cia a Edu ardo Brazo, gran de sen h or da diplom acia
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pelos paralelos, dem on stran do a m aior preocu pao pelos territrios african os e m editerrn icos; celebrado, o segu n do, com o o cu lm in ar da m tu a
avaliao en tre D. Joo II e os Reis Catlicos Fern an do e Isabel, de Arago
e Castela, e propon do a diviso do globo terrestre em dois h em isfrios dem arcados por u m m eridian o a 370 lgu as das ilh as de Cabo Verde para a
parte do Poen te. Este tratado provava a im portn cia de qu e o Atln tico se
revestia para os poderes pen in su lares n o fin al do scu lo XV, talvez m ais do
qu e u m a viso m u n dial, qu e poder su rgir com o forada se se aten der
preocu pao fu n dam en tal expressa n os prprios tratados qu an to vigiln cia do acesso aos portos pen in su lares e a Lisboa, prim eiro porto de en trada n as viagen s de regresso e se se lem brar o debate qu e m an ifesta as d vidas qu an to form a de dem arcar o m eridian o n as reas do Pacfico. Mas
a form u lao das prprias d vidas tem a van tagem de datar, de m u ito
cedo, o in teresse pelo con h ecim en to geogrfico da Terra, qu e acom pan h a
toda a fase das n avegaes portu gu esas m edievais e m odern as.
Em com parao, a atitu de dos ou tros Estados eu ropeu s em term os
de relaes extern as n a Eu ropa eviden cia ou tras direes e ou tras precedn cias, se bem qu e con tem porn eos. Com eava, em 1498, o avan o do
rei de Fran a con qu ista do rein o de Npoles, prim eiro passo para as
Gu erras de Itlia, qu e ocu pam as vrias potn cias eu ropias, em vrias fases e com vrios protagonistas, que s se solucionaro no tempo de Filipe II
de Espan h a, provada a in eficcia da Liga Perptu a dos Estados Italian os 30
an os an tes, com a aceitao da Fran a de Hen riqu e II, n a ten tativa de debelar o avan o do Tu rco Otom an o e de con segu ir a su a con ten o n o Mediterrn eo Orien tal e qu an do am bos os reis coin cidiam n a von tade de su ster o avan o da reform a protestan te. Peran te estes in teresses gerais da Eu ropa, a aten o pelo Atln tico tin h a, n o fin al do scu lo XV e n o prin cpio
do scu lo XVI, em Portu gal e em Espan h a os prim eiros defen sores, o qu e
n o qu er dizer qu e h ou vesse desin teresse pelo qu e se passava n a Eu ropa.
E a prova m ais clara o debate con ju n to dos tem as do ren ascim en to cu ltu ral e artstico e dos tem as da expan so, a qu e a produ o da im pren sa se
dedica con com itan tem en te.
Mas retom em os as con sideraes acerca dos acordos in tern acion ais
n o com eo da Modern idade, ou seja, n o tem po de D. Joo II e dos Reis Catlicos. A este tem po segu e-se o rein ado de D. Man u el I. o tem po da
vice-realeza da n dia, dos prim eiros bispados u ltram arin os, do prestgio da
Casa da n dia e da Feitoria de An tu rpia. o tem po das relaes de Portu gal com o Im prio de Maxim ilian o, das em baixadas de au scu ltao e
aproxim ao dos dois im prios, con tin en tal e m artim o, propon en tes am bos de u m a icon ologia de triu n fo poltico, u m o Sacro Im prio Rom an o
Germ n ico, o ou tro o do sen h orio da con qu ista, n avegao e com rcio da
Etipia, Arbia, Prsia e da n dia. Expoen tes cu ltu rais de dim en so eu ro-
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nava o conflito continental na Europa. Tema de prestgio para o rei de Espanha Filipe II e a Casa de Sabia, num tempo em que a representao portuguesa enfraquecia politicamente porque se estava em regncia na menoridade de D. Sebastio (D. Joo III morrera em 1557 deixando um rei de 3
anos apenas), as negociaes foram conduzidas pela diplomacia espanhola
e com o trunfo do fato da vitria espanhola na Batalha de S. Quentino com
a presena do prprio rei. Apesar de os representantes da corte portuguesa, ou seus mandatrios, estarem presentes nas conversaes, os interesses
espanhis na rpida obteno da paz na Europa ditaram, como explicou Filipe II regente de Portugal, sua tia D. Catarina de ustria, que no se insistisse na incluso do assunto da capitulao sobre os territrios da expanso e sobre o exclusivo da sua freqentao no articulado do tratado, para
no prejudicar, com isso, a negociao dos termos da paz geral. No entanto, teria sido reconhecido, verbalmente, o direito de Portugal e de Espanha,
tendo a Frana tomado o compromisso de no se dirigir aos territrios de
descobrimento e ocupao pelos peninsulares, desenhando-se, na seqncia, para a Frana, uma reserva para a prpria expanso, nos territrios de
latitude norte no continente americano.5
No aspecto m artim o, a vitria qu e se celebrar, pou cos an os depois,
a da arm ada crist com an dada por D. Joo de u stria, em Lepan to em
1571. Era, n o en tan to, u m a vitria n o Mediterrn eo.
Relaes in diretas com a Eu ropa, n o pon to de vista da represen tao poltica portu gu esa? Se h certo recu o n a m en oridade de D. Sebastio
qu e correspon de aos prim eiros an os de govern o de Filipe II, este preju zo
ser com pen sado pelo reatar de laos diplom ticos diretos com as vrias
potn cias eu ropias por D. Sebastio, qu an do tom a posse efetiva do poder
em 1568. A ele se deve n ova poltica n o Atln tico Su l, a abertu ra do percu rso m artim o do Atln tico livre in iciativa dos seu s vassalos, o in teresse por An gola, pela Min a, pelas Ilh as e pelo Brasil, o in cen tivo evan gelizao, agora con fiada prioritariam en te Com pan h ia de Jesu s. n o seu
tem po recon qu istado o Rio de Jan eiro e os fran ceses so afastados da Baa
de Gu an abara; con tin u am -se as relaes com o Im prio Alem o, cu jos com ercian tes en caram o com rcio com o Orien te por rota portu gu esa em
n ovos term os. Ren ovam -se as relaes diplom ticas diretas com a In glaterra, en qu an to a corte portu gu esa qu ereria aproxim ar as cortes de Lisboa
e de Paris, propon do-se, para isso, o casam en to de D. Sebastio com a filh a de Catarin a de Mdicis. As relaes de Portu gal e da San ta S, n o tem po do pon tificado de Pio V, eram au spiciosas.
Alccer Qu ibir em 1578 e a crise din stica qu e se m an ifestou com a
m orte do rei e de gran de parte da n obreza, o im passe criado ao fu n cion am en to das in stitu ies du ran te o breve rein ado do Cardeal-Rei, a su a m orte, o avan o de u m partido a favor de Filipe II de Espan h a, a reserva da
Casa de Bragan a e a derrota m ilitar e poltica do Prior do Crato explicam
114
a solu o por u m a m on arqu ia du al aceita n as Cortes de Tom ar qu e, se declarava garan tir a separao in stitu cion al do rein o de Portu gal, n o garan tia a posse e exerccio dos poderes soberan os da realeza em separado, pois
qu er de Espan h a qu er de Portu gal eles seriam exercidos por Filipe II.
Acordo qu e pareceria van tajoso n o dom n io u ltram arin o por ser
u m a form a de lu tar con tra a pirataria n os m ares, acordo qu e fortaleceria
a m on arqu ia catlica e qu e parecia u m a garan tia peran te a Eu ropa dividida pela gu erra religiosa, a faln cia de tais objetivos torn a-se u m fato
m edida qu e os con flitos con tra Filipe II se acen tu am e se desen rola a
Gu erra do Trin ta An os. Iden tificados pelos estran geiros os in teresses de
Portu gal com os de Espan h a, os portu gu eses tm de procu rar estabelecer, n o dom n io privado, a teia de relaes econ m icas, sociais e cu ltu rais tradicion ais com o Norte da Eu ropa, ao m esm o tem po qu e lu tam
con tra ou tros eu ropeu s con corren tes n as regies portu gu esas do dom n io u ltram arin o. O dom n io filipin o coin cide com a form ao das Com pan h ias das n dias h olan desa e in glesa, com a su a posio con corren cial
n o n dico, com problem as em An gola, com a fixao h olan desa n o Brasil. En du recida a poltica in tern a espan h ola n os rein ados de Filipe III e
Filipe IV, torn a-se cada vez m ais con scien te a von tade de restabelecer a
in depen dn cia poltica e o fu n cion am en to portu gu s das in stitu ies do
rein o de Portu gal. A Restau rao da In depen dn cia de Portu gal e o m ovim en to do 1. de dezem bro de 1640 tm , assim , u m du plo e in dissocivel sen tido: o do restabelecim en to do fu n cion am en to das in stitu ies do
rein o de Portu gal de form a prpria e in depen den te e o da garan tia do recon h ecim en to e da participao de Portu gal n a poltica in tern acion al
com o rein o soberan o. Am bos os sen tidos esto in dissociados do destin o
dos territrios portu gu eses de alm -m ar. 6
Estes so os objetivos fu n dam en tais para a poltica portu gu esa n os
scu los XVII e XVIII, n u m a Eu ropa em qu e declin a o poder de Espan h a, e
qu e se m an ifesta o prestgio da m on arqu ia fran cesa de Lu s XIV e se prepara a h egem on ia m artim a da In glaterra. Mas tam bm se torn ava eviden te a com petio pelo Atln tico en tre a Fran a, a Holan da e a In glaterra,
qu e dita o acau telam en to, por parte de Portu gal, da situ ao n os seu s territrios atln ticos, o esforo pela libertao do Brasil e de An gola e o com bate peran te o ataqu e dos h olan deses e in gleses n o n dico. o tem po da
organ izao dos com bios de acom pan h am en to s frotas m ercan tes, da
discu sso das van tagen s e in con ven ien tes das com pan h ias de com rcio, da
gen eralizao da discu sso em torn o das m edidas m ercan tilistas para lu tar
con tra a con corrn cia estran geira. bem certo qu e o scu lo XVII o da
atlan tizao das aten es, com o vin cou Jorge Borges de Macedo.
No plano interno, na Europa, a par dos complexos problemas que se
exprimiram em revoltas ou revolues, assistia-se profissionalizao da
guerra, renovao do armamento, ao aumento do poder de tiro, ao au-
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mento do nmero de contingentes militares e da sua disciplina, importncia das fortificaes, enquanto, a Leste, continuava o combate contra os
Turcos, em que a ustria consegue resultados importantes que vincam a
sua preeminncia na poltica europia. Mais a Norte, novo debate poltico
e militar se desenhava, para o controle do Bltico. E nos fins do sculo XVII
parecia vitoriosa a tentativa da Unio Bourbon por parte da potncia mais
continental (a Frana) com a potncia mais martima (a Espanha) no coroamento das expectativas de Lus XIV desde a Paz dos Pireneus.
Creio qu e seria ch egada a altu ra de relem brar as posies cien tficas in vocadas ao prin cpio, para esboar u m a in terpretao de con ju n to
da ao diplom tica de Portu gal n os scu los clssicos do ancien-rgime: as
teses de Orlan do Ribeiro e Jorge Borges de Macedo con firm am -se pelo
qu e dado com preen der da atitu de dos respon sveis portu gu eses n a su a
defin io de n eu tralidade n a poca m odern a. A n eu tralidade n o m ais
do qu e a l cida observao de qu e a Portu gal in teressa n o h ostilizar a
Espan h a, e as su as aliadas con tin en tais, ao m esm o tem po qu e se aproxim a da In glaterra, qu e n o pode ter com o in im iga n as qu estes u ltram arin as. As relaes de Portu gal com a Fran a, com as zon as flam en gas e
h olan desas, do Mar do Norte e Bltico, do Im prio Alem o, do Im prio
Ru sso e com os sen h orios italian os sero avaliadas de acordo com a bipolarizao dos in teresses fu n dam en tais. Im pon dervel estar sem pre a
aproxim ao San ta S. Su bjacen tes, s vezes con traditrias, as opes
cu ltu rais. Mas com o fio con du tor ou in terpretao m ais geral, creio qu e
o sen tido das opes seria o esboado: o sen tido problem tico em qu e as
opes foram tom adas, a razo de atitu des pon deradas qu e n o se devem
apresen tar com o m eras h esitaes ou com o pu ro resu ltado dos jogos de
in flu n cia. Assim poderam os recon stitu ir a realidade dos debates de qu e
tem os con h ecim en to e descrever a poltica com o o resu ltado do acaso, da
n ecessidade e da arg cia.
A partir de 1640 Portu gal recu pera a In depen dn cia n o dom n io
in tern o e n o dom n io extern o. Poderem os dizer qu e, se as in stitu ies in tern as da m on arqu ia se reforam n o rein ado de D. Joo IV, em se tratan do da corte, tribu n ais su periores, levan tam en to dos gru pos m ilitares para
a gu erra con tin en tal e para a in depen dn cia dos territrios u ltram arin os
com a criao do Con celh o de Gu erra e do Con celh o Ultram arin o, com pan h ias de com rcio, vitalizao da ln gu a e da cu ltu ra, reafirm ao do
papel das u n iversidade e das gran des in stitu ies religiosas, bem com o
dos cam in h os de u m a arte n acion al, n o rejeitan do a m odern izao qu e
poderia ter in trodu zido o govern o filipin o, a recu perao da represen tao extern a do Estado soberan o foi m ais difcil. A Espan h a protestou peran te as potn cias eu ropias o carter de rebelio con tra o rei qu e, n a su a
perspectiva, represen tava a Restau rao de 1640, levan do ao n o recon h ecim en to do rei de Portu gal pelo prprio papa. A posio espan h ola
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explica qu e, n os Tratados de Westeflia de 1648, em qu e se tratou de n egociar e acordar a situ ao eu ropia aps a Gu erra dos Trin ta An os, se debateu o destin o do Im prio Alem o, se vin cou o su cesso das estratgias
su eca e fran cesa, e em qu e tom aram parte todas as potn cias eu ropias
salvo a In glaterra, o Tsar e o Tu rco, Portu gal n o tivesse possibilidade de
creditar agen tes reu n io das potn cias catlicas, em Mu n ster, ten do-lh e
apen as sido facu ltado figu rar n o squ ito da Fran a em Mu n ster e ten do a
Su cia viabilizado o acesso reu n io protestan te em Osn abru ck. Portu gal
con segu iu acordos com a Fran a e com a Holan da em 1641. Mas os agen tes diplom ticos portu gu eses eram persegu idos e atacados, sen do m u itas
as dificu ldades postas su a ao. No en tan to, a Holan da acordava a paz
com a Espan h a em 1648. Portu gal e a Espan h a s acordaro a paz 20 an os
depois, n o Tratado de Madri, aps a paz celebrada en tre a Fran a e a Espan h a, n os Piren eu s, em 1659. Pelo qu e Portu gal voltava-se, de n ovo,
para a In glaterra, n o tem po de Crom well e, depois, com o restau rado rei
Carlos II Stu art. A alian a de Portu gal com a In glaterra fortalecia-se com
o casam en to da filh a do rei restau rador, D. Catarin a de Bragan a, com o
rei in gls. Com o cau o ou dote iam du as praas m artim as qu e vo ter
especial im portn cia n o Im prio m artim o britn ico: Tn ger e Bom bam .
Mas tem de se lem brar qu e foi a In glaterra, e n o a Fran a, a m ediadora
do Tratado de Paz en tre Espan h a e Portu gal.7
O reforo do regime, a estabilizao do regime interno continuava o
seu curso, aps a morte de D. Joo IV, na regncia de D. Lusa de Gusmo,
no trgico reinado de D. Afonso VI, sustido pelo escrivo da puridade Conde
de Castelo Melhor, perante as crises de corte, a guerra com Espanha e o no
reconhecimento da monarquia portuguesa pela Santa S, talvez, segundo
Joaquim Verssimo Serro, o mais difcil caso a resolver nas relaes internacionais, pelas graves conseqncias que acarretava a sua no-soluo
tanto em nvel interno como externo, com a excomunho da pessoa do rei
e o no-provimento de cargos eclesisticos nos territrios portugueses na
Europa e no Ultramar. Na corte portuguesa de D. Pedro II exprimiam-se
opinies divergentes, favorveis umas aproximao com a Inglaterra, outras ao estreitamento das relaes com a Frana. Mas o certo que, feita a
paz, conselheiros, elementos do clero e do povo teriam instado D. Pedro a
no tomar parte nas guerras europias. Reforava-se o desejo de neutralidade e concomitantemente refaziam-se laos polticos com as potncias europias. Aps o casamento do rei com D. Maria Francisca Isabel de Sabia,
polarizadora da aproximao com a Frana de Lus XIV, D. Pedro, vivo e
sem filho varo, realizava o seu segundo casamento no Imprio Alemo.
Em relao ao papado, s aps a paz de 1668, entre Portugal e Espanha, o
papa Clemente IX promulga um breve prometendo resolver a questo portuguesa que s ser normalizada a partir de 1670.8
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seu Du qu e o ttu lo de Rei do Piem on te e da Siclia. E o Bran debu rgo obtin h a, igu alm en te, o ttu lo de rei, con stitu in do-se, assim , o em brio do Rein o da Pr ssia. Portu gal vin cara, en tretan to, os laos polticos e n o s econ m icos com a In glaterra n o Tratado de Meth u en de 1703 e acordava, n o
Brasil (em qu e a Fran a m an tin h a in teresses n o Maran h o) o aju stam en to da fron teira com a Gu ian a Fran cesa, n o territrio da foz do Am azon as,
bem com o com a Espan h a n o Rio da Prata. A colaborao de Portu gal n a
poltica da Gran de Alian a, posta de lado a h iptese de apoio ao partido
Bou rbon , defen dida, n o obstan te, com o altern ativa, n a corte de D. Pedro
II, m otivava a aproxim ao dos in teresses de Portu gal com os in teresses
in gleses, au stracos e h olan deses. E n esta opo de alian a tin h a pesado,
n o s a von tade de afastam en to da alian a Fran a-Espan h a, m as tam bm
a procu ra de garan tia para os in teresses u ltram arin os.
Esta a leitu ra do sen tido das n egociaes, n a con ju n tu ra da Gu erra da Su cesso de Espan h a, em qu e Jorge Borges de Macedo in clu i a in terpretao do Tratado de Meth u en . Nele tin h a-se prom etido a Portu gal a
cedn cia de algu m as praas espan h olas, com o Badajoz, Albu qu erqu e, Valn cia de Alcn tara, e Tu i, La Gu ardia, Baion a da Galiza e Vigo, alm da
Coln ia do Sacram en to. Os portu gu eses tin h am avan ado em 1706 tomando vrias praas espanholas. Mas nesse mesmo ano morria D. Pedro II
de Portu gal, m orria o Im perador e o can didato Habsbu rgo ao tron o espan h ol regressava s terras alem s e receberia o Im prio. Nos Tratados de
Utrech t e Rastadt Portu gal pediu a con stitu io de u m a zon a de fron teira
com praas de garan tia en tre Portu gal e Espan h a. Seria a Barreira sem elh an te qu e fora pedida pela Holan da em relao Fran a. Mas n o o
con segu iu . Obteve, isso sim , a Coln ia do Sacram en to.
In tern acion alm en te, os acordos de Utrech t e Rastadt sign ificavam ,
tam bm , a adm isso de n ovos prin cpios n o direito in tern acion al: a In glaterra fazia aceitar a n ova su cesso n a coroa in glesa da Din astia Han over,
con firm ada n a Declarao dos Direitos de 1689, segu n do a qu al o n ovo rei
n o o era por direito divin o, m as por ju ram en to peran te o parlam en to.
Qu ase qu e con com itan tem en te, n o Im prio, o Im perador Carlos VI regu lava a su cesso dos territrios au stracos por su cesso catlica, n a su a filh a
m ais velh a, Maria Teresa, pela Pragm tica San o de 1713. O Direito In tern o ren ovava-se, com o con seq n cia, tam bm , dos con flitos in tern acion ais. E an u n ciava-se o con flito u ltram arin o do scu lo XVIII: a rivalidade
en tre a Fran a e a In glaterra, en qu an to prossegu iam as pen dn cias en tre
Portu gal e a Espan h a sobre a regio Platin a e os lim ites m eridion ais do
Brasil, qu e prossegu em m esm o depois do Tratado de Madri de 1750.
En tretan to, o reforo das relaes de Portu gal com Rom a e a plen a
afirm ao do absolu tism o, n a su a feio patern alista, coin cide com o rein ado de D. Joo V, o Magn fico. Con siderada com o poca u rea do absolu tism o em Portu gal, teria correspon dido a u m a viso im perial qu e ps ao
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servio da ao m ecen tica n as artes e n a cu ltu ra os in gressos das riqu ezas u ltram arin as em qu e largam en te con tribu iu o ou ro do Brasil, a partir
de 1697. O rei de Portu gal desen volve u m a poltica de prestgio in tern acion al possibilitada pelo fortalecim en to in stitu cion al e cu ltu ral e pelo
apoio m aterial. As em baixadas portu gu esas ju n to da corte rom an a retomam importncia semelhante que revestira as do tempo de D. Manuel I:
a com prov-lo o fato de o Papa Ben to XIV, solvidas as dificu ldades das relaes com a coroa portu gu esa n a 4. din astia, ter con ferido a D. Joo V o
ttu lo de Fidelssim o, em 1748. Era, segu n do Jorge Borges de Macedo, a
Paridade Diplom tica en fim recon qu istada. No dom n io in tern o, a cidade
de Lisboa progredia com o m ercado de in teresse in tern acion al: o trfico
u ltram arin o, as m an u fatu ras, as con stru es u rban as, as academ ias, o esplen dor artstico do barroco joan in o referen ciam u m rein ado lon go e
prspero qu e s en trar em decln io com a doen a do rei. O an o de 1750
ser o in cio de u m a n ova poca.
O an o de 1750 ser, tambm, u m n ovo marco n as relaes in tern acionais, potencializando tendncias que eram anteriores. A neutralidade
reassumida no reinado do Magnfico como a melhor defesa balanada das
duas constantes da poltica portuguesa (a poltica continental e a martima)
surgira num novo contexto porque correspondera a um poder realmente
assumido, com capacidades e recursos tanto interna como externamente.
Compreende-se, assim, que a Frana tivesse evidenciado desconfiana em
relao neutralidade portuguesa, opondo-se a que Portugal estivesse presente nas negociaes entre a Frana e a Espanha que decorreram no Congresso de Cambrai de 1721 a 1722, considerando Portugal, sobretudo, como aliado da Inglaterra, cuja hegemonia martima temia. Era o tempo do
jogo diplomtico da Frana no reinado de Lus XV. Mas a Frana, pelo temor da Inglaterra, aproxima-se desta, afastando-se da Espanha, recusando
o casamento de Lus XV com D. Maria Ana Vitria, e preferindo o casamento do seu rei com a filha do rei da Polnia. Voltar, mais tarde, a reaproximar-se da Espanha. Na altura, porfiava em lutar contra a ustria e contra
os seus interesses continentais, levantando problemas sucesso no Imprio de Maria Teresa, acabando, no entanto, por reconhecer que os interesses continentais a levariam a aliar-se ustria para vencer a Inglaterra que,
por seu lado, contava no continente com outra aliada, a Prssia.
Du ran te o seu rein ado, D. Joo V dem on strou , m ais u m a vez, a
von tade de m an ter a n eu tralidade n as qu estes eu ropias, rebaten do
Lu s Ferran d de Alm eida as in terpretaes qu e con sidera apressadas do
Con de de Carn axide, segu n do o qu al D. Joo V voltara costas Eu ropa.
Haveria, sim , a m arcada prefern cia do rei pela dim en so atln tica e u ltram arin a, e n o con tin en tal, sen do Ferran d de Alm eida e Jorge Borges
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de Macedo con cordes em su blin h ar o crescen te papel estratgico e econ m ico do Ocean o e das terras am erican as n o scu lo XVIII. Ou tro aspecto em qu e tam bm in siste Ferran d de Alm eida: D. Joo V qu ereria con ciliar esta poltica de n eu tralidade com a fidelidade In glaterra, torn an do este ltim o pon to u m a con dio in dispen svel para o tratado de n eu tralidade com a Espan h a. Nesta estratgia, a am izada fran cesa equ ilibraria o excesso de in flu n cia in glesa.
In tern acion alm en te, n a Eu ropa, afirm ava-se o m ovim en to con tin en tal de defesa con tra a In glaterra, qu e vai levar alian a en tre a u stria e a Fran a e ao an tibritn ica. O ch an celer au straco Kau n itz im pu lsion a a alian a com a Fran a para com bater a Pr ssia. Em Espan h a, o
m in istro Carvajal am bicion a aproxim ar-se de Portu gal e da In glaterra, ten tan do recu perar Gibraltar. A Espan h a tin h a a con vico qu e cedera peran te Portu gal n o Tratado de Madri de 1750, qu an to aos lim ites do Brasil e esperava, com a aproxim ao, u m gesto de boa von tade da parte in glesa,
com o diz Borges de Macedo. Peran te esta poltica desen h ava-se ou tra con trria, n a corte de Madri, expressa, en tre ou tros m in istros, por La En se ada, qu e preferia claram en te a alian a com a Fran a. E dava-se o caso de
tan to a Fran a com o a Espan h a qu ererem captar as relaes de Portu gal
para fortalecer as respectivas posies m artim as.
Ao m esm o tem po, n a Fran a, tan to qu an to n a u stria, n a Espan h a
e em Portu gal, n os an os 50 do scu lo XVIII, debatia-se a n ecessidade de reform u lar o regim e. E n esta problem tica se in sere a qu esto essen cial da
im portn cia das reform as de estado n os regim es absolu tos eu ropeu s dos
m eados do scu lo XVIII, realizadas n a u stria e em Portu gal e qu e n o tero sido con segu idas em Fran a, aceleran do-se a os an teceden tes e as m otivaes da Revolu o Fran cesa.
D-se, en to, o qu e a h istoriografia con sagrou com o a Revolu o
Diplom tica do scu lo XVIII, n o con ju n to de revolu es setecen tistas a
qu e perten ce a Revolu o In du strial e a acim a referida: o Tratado de Versailles de 1756 con sagra a alian a en tre a Fran a e a u stria (as du as potn cias con tin en tais tradicion ais opositoras n a poca m odern a) a qu e se
ju n tam , n o segu n do Tratado de Versailles, a R ssia e a Su cia. Peran te estas potn cias u n em -se a In glaterra e a Pr ssia, n os Tratados de Westm in ster.
Era o com eo da Gu erra dos Sete An os, con tra o Im prio Ultram arin o in gls.
Nesta con ju n tu ra tem a m xim a im portn cia o ch am am en to de
Portu gal. A n eu tralidade, n o tem po de D. Joo V, sign ificara in depen dn cia e garan tia do Atln tico. Mas tin h a-se efetu ado o casam en to de D. Jos,
fu tu ro rei de Portu gal com D. Maria An a Vitria in fan ta de Espan h a, bem
com o o da in fan ta portu gu esa D. Brbara com o fu tu ro rei de Espan h a Fern an do VI. Desses casam en tos esperava-se, en tre ou tras, a garan tia da
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os in teresses m artim os. Mas este projeto foi im possibilitado pela adeso da
Espan h a aos ideais da Revolu o Fran cesa e lu ta con tra a In glaterra. As
potn cias con tin en tais, a breve trech o, declaram o Bloqu eio Con tin en tal
In glaterra. A in vaso de Portu gal ficava, desde en to, em in en te.
Nesta seq n cia, a opo de D. Joo, prn cipe regen te em n om e de
su a m e a rain h a D. Maria I, de em barcar com toda a corte e ru m ar em direo ao Brasil, efetivan do u m plan o apresen tado e discu tido peran te as
dificu ldades polticas portu gu esas desde, pelo m en os, a Restau rao de
1640, teve o plen o sen tido da defesa da soberan ia, correspon deu a u m a
opo respon svel preparada com an terioridade e prova, u m a vez m ais, a
im portn cia qu e o rein o de Portu gal atribu iu dim en so m artim a do seu
viver coletivo, n a Idade Modern a, dim en so m artim a qu e se desen volveu
oferecen do n ovas form as de viabilizar u m a von tade de in depen dn cia e de
m an ter a capacidade de escolh a do prprio regim e in tern o, peran te a presso con tin en tal.
Eis, em sn tese, o qu e se pode con clu ir da avaliao do m odo com o
Portu gal se relacion ou com a Eu ropa n a Idade Modern a.
123
N OTA S
1. RIBEIRO, O., 1967.
MACEDO, J. B. de, s.d.
CORTESO, J., 1940.
2. Esta refern cia aos professores qu e, n as Un iversidades de Lisboa, Coim bra e do Porto, h
m u ito, se tm em pen h ado n o desen volvim en to dos estu dos h istricos sobre o Brasil, vem ao
en con tro da preocu pao de Jos Ten garrin h a de procu rar com preen der, n o h orizon te tem poral de seq n cia, a poltica portu gu esa, in clu in do as relaes extern as. Ver. TENGARRINHA, J. La historiografa portuguesa en los ltimos veinte aos. TENGARRINHA, J.; DE LA TORRE, H.; INDJI, T.; VOLOSIUK, O.; ALMODVAR, C., 1997.
3. MACEDO, J. B. de Th e Portu gu ese m odel of State Exportation . BLOCKMANS, W., MACEDO, J. B. de, GENET, J. P., 1996 .
4. BARATA, M. do R. T., 1971, p.122-31. ALBUQUERQUE, R. de, 1972.
5. ALBUQUERQUE, R, de. As regncias na menoridade de D. Sebastio. Elem en tos para u m a h istria estru tu ral, v. I-II,Tem as Portu gu eses, Im pren sa n acion al Casa da Moeda, 1992. v.I, p.221
e ss. Neste tratado, en tre Filipe II de Espan h a e Hen riqu e II de Fran a, so m en cion adas com o
en tidades n ele com preen didas a In glaterra, qu e estabelecera tratados prvios, o Im prio, os
sen h orios flam en gos, borgon h eses, Sabia (com particu lar relevn cia) e os sen h orios italian os. MOUSNIER, R., 1967. p.432.; ZELLER, G., 1963. p.38-9.
6. o tem po da ao de Joo Fern an des Vieira, em Pern am bu co, das du as batalh as dos Gu ararapes, de 1648 e 1649, da Restau rao de An gola, com Salvador Correia de S, em 1648,
da capitu lao dos h olan deses em 1654. SERRO, J. V., 1994.
7. Aqu i lem braram os as opin ies de Edu ardo Brazo sobre a perm an n cia do in teresse da
alian a en tre Portu gal e a In glaterra, apesar da aproxim ao da Fran a, da Restau rao de
1640 at Paz dos Pirin eu s, qu e sign ifica j o aban don o desta ten dn cia. Westeflia represen ta o in teresse das n egociaes para os pequ en os Estados, segu n do Jorge Borges de Macedo: a n egociao, m ais do qu e a gu erra o qu e in teressa a Portu gal. MACEDO, J. B. de, s.d.
8. A este respeito dever-se- lem brar a ao do dom in ican o, bispo e secretrio de Estado de
D. Pedro II, D. Fr. Man u el Pereira, Provin cial da Ordem , o 1 Bispo n om eado para o Rio de
Jan eiro, para on de n o ch egou a partir ten do-lh e sido pedida a con tin u ao dos servios n a
corte, on de foi o secretrio de Estado de el-rei de 1680 at su a m orte ocorrida em 1688. VALLE, T. L. M. do, 1994.
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128
captu lo 8
129
pon den do a u m a n ova con figu rao dos cen tros de poder, qu e se tradu ziu
em diversos m ecan ism os de estru tu rao das elites sociais. A prim eira in ten o deste texto ser, precisam en te, dar con ta dessas m u taes. Sim u ltan eam en te, procu rar-se- iden tificar a evolu o das con ju n tu ras e das
form as de exerccio do poder n o cen tro poltico da m on arqu ia, articu lan do-as com as dim en ses an tes referidas. A an lise poltica m ais detalh ada
abran ger a etapa com preen dida en tre 1668 e o adven to do pom balism o
em m eados de 1700.
A propsito do perodo con siderado (grosso m odo o qu e term in a
com a m orte de D. Joo V), tem -se falado do Portu gal Barroco. Neste particu lar, im porta recordar, apesar das m u itas reservas qu e se lh e podem colocar, o qu adro particu larm en te en ftico da organ izao social e estilo de
vida do Portu gal Barroco traado por Jaim e Corteso,4 on de o casticism o
e a cristalizao social so tn icas dom in an tes.
130
tero do Portu gal seiscen tista. Existem , n o en tan to, algu m as vias cu ja
explorao poder perm itir u m a leitu ra poltica m ais in tegrada de u m
perodo a vrios ttu los relevan te.
Um a delas a iden tificao da esfera do poltico n o con texto con siderado. Tem-se destacado, em algumas contribuies recentes, que a atu ao da adm in istrao cen tral n o An tigo Regim e se en con trava lim itada a
esferas bem restritas, e, alm disso, im pregn ada por u m a cu ltu ra poltica
voltada sobretu do para con servao. Mesm o em m atrias de graa as decises seriam dom in adas pelo paradigm a ju risdicion alista,8 de acordo com
o qu al o fim ltim o do bom govern o a ju stia, en ten dida com o dar
a cada u m o seu lu gar. No en tan to, as fon tes n arrativas da poca perm item iden tificar com clareza a existn cia de u m a esfera bem defin ida da poltica, da dispu ta poltica e da deciso poltica. De form a abreviada, essa esfera pode resu m ir-se aos segu in tes tpicos: n om eao de pessoas para os
cargos e ofcios su periores, rem u n erao de servios (m ercs), deciso fin al sobre con ten das ju diciais especialm en te relevan tes, poltica tribu tria
e alin h am en tos polticos extern os (in clu in do a gu erra), para alm , n a con ju n tu ra estu dada, do problem a especfico dos cristos-n ovos. A todas estas
dim en ses dever-se ia acrescen tar m ais u m a: a form a e o qu adro in stitu cion al on de tin h am lu gar os despach os rgios. Fora das reas referidas, n o
h avia lu gar para polticas sistem ticas e con tin u adas. Era u m a esfera lim itada, m as qu e correspon dia aos restritos recu rsos, dim en so e com petn cias da adm in istrao cen tral.
Na perspectiva referida, o ciclo poltico in iciado com os episdios tu m u ltu osos do afastam en to do valido Castelo Melh or (1667) e da deposio de D. Afon so VI possu i algu m as caractersticas de con ju n to qu e claram en te o diferen ciam . Em prim eiro lu gar, abre-se u m a con ju n tu ra de acalm ia blica, com o estabelecim en to da paz defin itiva com Espan h a (1668),
qu e viria a ser in terrom pida precisam en te pou cos an os an tes da m orte de
D. Pedro (1703). De resto, n esta altu ra qu e se estabilizam os alin h am en tos polticos extern os da din astia. Em segu ida, a dispu ta poltica, em bora
sem pre presen te, deixa de revestir a dim en so fortem en te polarizada qu e
assu m ira n a fase an terior. No s a lu ta faccion al parece m ais aten u ada,
exclu in do agora a elim in ao daqu eles qu e a perdem , com o o papel arbitral da figu ra real su rge com u m a preem in n cia in dispu tada. Decisiva a
con solidao da din astia, con segu ida n o apen as atravs da paz extern a e
da reposio do dom n io sobre as su as possesses colon iais,9 m as tam bm
por via dos vrias disposies qu e assegu ram a defin io dos m ecan ism os
de su cesso coroa, qu e adian te se referiro. Por fim a poltica de m ercs
sofre u m a in flexo de extrem a im portn cia, bem in diciada pelo fato de o
n m ero de ttu los criados en tre 1670 e 1700 correspon der a m en os da m etade dos con cedidos n os 30 an os an teriores. O qu e sign ifica, com o adian -
131
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lh eiros parece ter sido em 1704 14). No Con celh o de Estado, n este rein ado,15com o n os an teceden tes,16 qu ase s tm lu gar os Gran des e filh os eclesisticos de Gran des. De resto, m on opolizan do as presidn cia dos tribu n ais, a prin cipal aristocracia do regim e ter tido n este perodo u m papel
de lideran a poltica direta praticam en te in dispu tado.17 Alis, apesar do
estatu to social de Castelo Melh or, o afastam en to do valido su scitou em
Portu gal, tal com o em Espan h a pela m esm a altu ra,18 a adeso de larga
m aioria dos m em bros da prim eira n obreza: saiu de su a casa o In fan te,
com tu do qu an to h avia de ttu los e sen h ores n a Corte e en trou n o
Pao, on de n esta ocasio se en con travam 1.400 h om en s, a flor da n obreza da Corte.19 An os depois, a Gu erra da Su cesso de Espan h a (17031713) represen taria para Portu gal, de acordo com todas as fon tes con h ecidas, a expresso paradigm tica e, provavelm en te, derradeira, de u m a
Gu erra aristocrtica, on de os fidalgos levan tavam h om en s e os Gran des
dispu tavam m ais ou m en os tu m u ltu osam en te todos os com an dos m ilitares e, tam bm , as m ercs correspon den tes.
Os con flitos en tre faces da Corte n este perodo, com o de resto n o
scu lo su bseq en te, parecem ter sido determ in ados, em larga m edida, pela
prioridade con ferida aos alin h am en tos polticos extern os. Den tro desses
parm etros, Castelo Melh or represen taria o partido in gls e o seu afastam en to o m om en tn eo triu n fo do partido fran cs. Ao con trrio do qu e
algu m as vezes se tem su gerido e do qu e in sin u avam os correspon den tes
diplom ticos fran ceses, n o existiria propriam en te u m gru po estvel defen sor da in tegrao em Espan h a, iden tificado com os sequ azes do valido
de D. Afon so VI, n em u m a correspon dn cia perm an en te en tre m odelos de
regim e poltico e alin h am en tos extern os.20 De resto, o partido fran cs,
apesar dos seu s slidos apoios, seria su cessivam en te derrotado em 1668,
com o estabelecim en to da paz, qu e procu rou adiar, e em 1687, qu an do
D. Pedro II se casou pela segu n da vez com a prin cesa Maria Sofia de Neu bou rg, filh a do eleitor palatin o do Ren o, e n o com u m a prin cesa fran cesa. Apesar das presses con trapostas, pode se dizer qu e de form a con sisten te prevaleceu at a Gu erra da Su cesso de Espan h a u m a prioridade
atln tica, apoiada n a estabilidade das relaes com a In glaterra, e u m relativo distan ciam en to em relao aos con flitos n a Eu ropa, on de o rein o
obtivera j o seu plen o recon h ecim en to.21
de fato para o Atln tico e para o Brasil qu e se dirigem , de form a
prioritria as aten es da poltica portu gu esa n este perodo. As ten tativas
de m in orar os efeitos dos tratados com erciais ps-Restau rao dar-se-o
in icialm en te n u m a con ju n tu ra m arcada ain da pela qu ebra n a econ om ia
au careira. Som en te em m eados de 1690, n a derradeira dcada do rein ado, a descoberta do ou ro brasileiro se com bin ar com u m a rpida expan so econ m ica da coln ia, qu e atin gir as su as expresses m ais espectacu -
133
lares j du ran te o lon go rein ado joan in o. O exito da Restau rao n a gran de coln ia da Am rica do Su l e o seu u lterior in crem en to con stitu iro u m a
base fu n dam en tal para a con solidao da din astia brigan tin a.22
Num perodo caracterizado pelo restabelecimento de antigas formas
de governo e pela escassa produo legislativa e inovao tributria, pode
parecer surpreendente que tenha surgido uma das primeiras tentativas de
fomento industrial, protagonizada pelo 3. Conde de Ericeira e teorizada, ao
que parece, por Duarte Ribeiro de Macedo. Trata-se, de fato, de uma iniciativa tipicamente mercantilista, que responde a uma conjuntura de desequilbrio da balana comercial e das finanas da monarquia e que se esgota
quando essa conjuntura ultrapassada. Leis anti-sumpturias, pragmticas,
lanamento de fbricas e importao de mo-de-obra qualificada so, afinal, os ingredientes caractersticos desse tipo de intervenes. Em todo o
caso, a fundao de fbricas de tecidos no Fundo, na Covilh, e em Portalegre lanariam sementes de uma implantao industrial duradoura.23
Mas os ritm os da vida poltica seriam , em larga m edida, balizados
pelo problem a sem pre decisivo de garan tir a con tin u idade da coroa do rein o, at porqu e as opes sobre a m atria con dicion avam as alian as extern as. As cortes de 1668 foram con vocadas para a deposio de D. Afon so,
repu tado in capaz, acaban do o In fan te D. Pedro por se proclam ar regen te,
e n o rei, com o algu n s preten deram . As de 1673-1674 para ju rar com o
presu n tiva h erdeira a filh a n ascida do seu casam en to com a cu n h ada,
D. Isabel Lu sa. As de 1679 para derrogar as ch am adas atas das Cortes de
Lam ego qu e coibiam o casam en to da jovem su cessora com u m prn cipe
estran geiro. As de 1697-1698, u m a vez m ais, para derrogar aqu ela qu e era
repu tada a lei fu n dam en tal do rein o, perm itin do a su cesso de u m filh o
de irm o de rei sem n ecessidade de con vocar n ovas Cortes. Con sagravam ,
assim , a su cesso do Prn cipe D. Joo, prim ogn ito do segu n do casam en to de D. Pedro II, n elas, aclam ado, de resto, com o h erdeiro. As Cortes reu n iam -se, desta form a, para n o terem de ser de fu tu ro con vocadas. Com
efeito, as retificaes con stitu cion ais qu e in trodu ziram vieram a dispen sar,
du ran te m ais de u m scu lo, a su a reu n io.
Pelo que se conhece, at as ltimas Cortes convocadas no deixou de
se exercer o direito de petio.24 De resto, questes como as do perdo aos
cristos-novos transformaram algumas destas reunies, como as de 16731674, em momentos de turbulncia poltica, tanto mais que at a sua morte (1683) se sucederam as conspiraes (1672) ou os simples rumores favorveis ao retorno de D. Afonso VI. No entanto, a verdade que o pluralismo da iniciativa poltica dos diversos corpos se foi restringindo cada vez
mais. O fim do sculo distingue-se j fortemente, nessa matria, da relativa efervescncia, por exemplo, das Cortes de 1641. Gradualmente, vo sendo cada vez menos as instituies que se exprimem publicamente.
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De fato, poder-se ia afirm ar, com algu m arrojo, qu e ao n vel da legitim ao da realeza, a Corte ten de a su bstitu ir-se s Cortes. Nu m a an lise detalh ada do cerim on ial, fcil apreen der com o au tos de aclam ao se
con fu n dem j com as ltim as Cortes. As Cortes de 1697-1698 foram , sobretu do, o ju ram en to do prn cipe su cessor, e o seu ritu al con fu n dia-se com
o qu e teve lu gar, u m a dcada depois, aqu an do do levan tam en to, e ju ram en to do prprio com o rei, bem com o com os dos su bseq en tes m on arcas portu gu eses. Em todos esses atos, pon tificava a prim eira n obreza e
os prin cipais dign itrios civis e eclesisticos da m on arqu ia.25
Em con traste com o preceden te, o rein ado de D. Joo V, ain da m ais
lon go do qu e o de seu pai, ficou registrado em ton alidades fortes e carregadas por su cessivas geraes de h istoriadores, escritores e pu blicistas qu e
sobre ele recorren tem en te escreveram . Os efeitos do Tratado de Meth u en
(1703), o ou ro de Brasil, Mafra, as cam pan h as pela elevao ju n to de San ta S, e, en fim , a prpria im agem do rei beato e l brico, n as palavras
m ordazes de Oliveira Martin s, so apen as algu n s dos tpicos em torn o dos
qu ais se con stru ram as im agen s pstu m as do perodo joan in o. J n o scu lo XX, discu rsos polticos divergen tes viriam a con trapor polm ica e reiteradam en te a im agem de D. Joo V (1689-1750) e da su a poca do
Marqu s de Pom bal e do seu con su lado.
O rein ado do ou ro prin cipiou sob o sign o da Gu erra e da escassez.
A participao de Portu gal n a Gu erra da Su cesso de Espan h a ficou assin alada por u m a oscilao in icial, qu e fez com se qu e se passasse do apoio
ao preten den te fran cs para a alian a com o can didato au straco, apoiado
pela In glaterra. n o qu adro deste n ovo alin h am en to qu e assin ado o Tratado de Meth u en com a In glaterra (1703) e qu e, depois da aclam ao form al do jovem m on arca (1707), se celebra o seu casam en to com u m a prin cesa au straca, D. Marian a de u stria (1708). Qu alqu er qu e seja o balan o fin al qu e se faa dos tratados de Utrequ e (1713) e de Rastadt (1714), o
rescaldo do en volvim en to de Portu gal n este gran de con flito eu ropeu parece ter sido a con solidao da opo atln tica e da alian a com a In glaterra, a potn cia m artim a dom in an te.
Na verdade, os m ais espetacu lares in vestim en tos diplom ticos do
rein ado, desde logo pelo fau sto das en tradas dos en viados diplom ticos, tiveram lu gar n o cen rio con tin en tal da Eu ropa, apesar das pertu rbaes
qu e freq en tem en te assin alaram as relaes de Portu gal com essas potn cias. Com a Fran a, on de se en viaram fau stosas em baixadas, as relaes
135
diplom ticas estiveram in terrom pidas en tre 1722 e 1730. Com a Espan h a,
apesar dos casam en tos cru zados de 1728 do Prn cipe D. Jos com D. Maria An a Vitria e de D. Fern an do de Espan h a com a in fan ta portu gu esa D.
Maria Brbara, ch egou a ser declarado o estado de gu erra em 1735-36 e a
ser solicitado o au xlio britn ico, s se con sagran do a paz defin itivam en te
em 1737. De resto, as relaes com o poderoso vizin h o ibrico, sem pre
m arcadas pelo tem or da in tegrao, foram em larga m edida determ in adas
du ran te este perodo pelos problem as decorren tes das possesses colon iais
da Am rica do Su l, adian te referidos. No en tan to, n a Eu ropa o gran de in vestim en to joan in o em m atria diplom tica foi a con qu ista da paridade de
tratam en to com as ou tras gran des potn cias catlicas n o seu relacion am en to com a San ta S, sem elh an a do qu e ocorria an tes de 1580. Um
processo caro, m oroso e arrastado n o tem po, qu e n o exclu iu , sequ er, a
ru ptu ra das relaes diplom ticas en tre 1728 e 1732, e qu e certam en te sobrestim ava a cen tralidade poltica do Papado. Mas qu e, em term os gerais,
alcan ou os objetivos visados. Se o padroado n o Orien te n o foi plen am en te recon qu istado, a atribu io da dign idade de igreja e baslica patriarcal em qu e se em pen h ou com xito o Marqu s de Fon tes (1716) e, m ais
tarde, a atribu io da dign idade cardin alcia ao Patriarca de Lisboa Ociden tal (1737), o recon h ecim en to do direito de apresen tao dos bispos pelo
m on arca portu gu s (1740) e a atribu io a este do ttu lo de Rei Fidelssim o (1748) con sagraram o triu n fo de u m dos m ais sistem ticos in vestim en tos diplom ticos da h istria portu gu esa.26
A gran de prioridade, porm , foi sem pre o Brasil, a defesa das su as
rotas e a defin io e proteo das su as fron teiras. Em bora os feitos portu gu eses n o Orien te fossem celebrados com in u ltrapassveis en cm ios e
para l se en cam in h assem com o vice-reis algu n s dos m ais destacados fidalgos do rein o j n a dcada 1740 (Marqu eses do Lou rial, de Castelo
Novo/ Alorn a e de Tvora), a verdade qu e desde 1736 (vice-rein ado do
1 Con de de San dom il) qu e a presen a portu gu esa n a n dia en trara n u m a
fase de irreversvel decln io. O Brasil, pelo con trrio, registrava u m m om en to de gran de prosperidade econ m ica e de aprecivel crescim en to dem ogrfico, n ele se an coran do, em larga m edida, o equ ilbrio fin an ceiro da
m on arqu ia. Com o afirm ava o velh o Du qu e de Cadaval em 1715, do Brazil depen de h oje absolu tam en te m u ita parte da con servao de Portu gal.27 As relaes com a Espan h a foram , de resto, sem pre con dicion adas
pelo problem a da defin io das fron teiras do Brasil, sobretu do com a regio do atu al Uru gu ai. O Tratado de Madri de 1750, ao qu al se costu m a associar o n om e do seu prin cipal n egociador portu gu s Alexan dre Gu sm o,28
forn eceu u m a solu o provisria qu esto, pois qu edava por solu cion ar o
problem a dos territrios sob a tu tela da Com pan h ia de Jesu s. A solu o fin al s se viria a con h ecer j n o perodo pom balin o.
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Um a ou tra dim en so essen cial do lon go rein ado joan in o foi a cen tralidade qu e veio a assu m ir a Corte e as relaes n o seu in terior. Se, com o
adian te se su blin h ar, a defin itiva fixao de toda a alta n obreza n a Corte/ Lisboa u m dos resu ltados visveis da Restau rao, qu e to fortem en te
con trastam com o in cio do scu lo XVII, se a cristalizao da elite do regim e se detecta claram en te j n o rein ado de D. Pedro II, cou be ao perodo
joan in o reform u lar os ritu ais da Corte, redefin ir a su a h ierarqu ia de precedn cias e afirm -la com u m a visibilidade sem preceden tes prxim os. Algu n s dos prin cipais con flitos qu e tm lu gar n o prim eira fase do rein ado decorrem den tro do u n iverso cu rial e resu ltam precisam en te da m odificao
dos estatu tos n o seu in terior, e n o da su a com posio. Resu ltado direto
da elevao da capela real a patriarcal (1716), a qu esto de precedn cias
en tre os cn egos da Patriarcal e os Con des apen as o m ais con h ecido dos
n u m erosos en fren tam en tos qu e en to se registram , e qu e ch egaram a in clu ir u m a ao con ju gada das dam as do pao. A clebre lei dos tratam en tos de 1739 testem u n h a de form a con clu den te o esforo de reclassificao
desse u n iverso fortem en te h ierarqu izado qu e en to tem lu gar. Mas os vrios episdios de con fron to en tre os m agistrados reais e os Gran des, dos
qu ais resu ltaram vrios degredos de aristocratas, o m ais con h ecido dos
qu ais teve lu gar em 1728, m as qu e teve ain da vrios su cedn eos at o in cio do rein ado de D. Jos,29 m ostram com o esse claro esforo de im posio
da disciplin a n a vida da Corte se n o pode dissociar da afirm ao da su prem acia rgia. E, n o en tan to, a n om eao dos prin cipais ofcios e a poltica
de m ercs, cada vez m ais con fin adas a esse u n iverso social, in stitu cion al e
sim bolicam en te restrito, n o deixaram de con tin u ar a revestir u m a aprecivel m argem de n egociao.30
Aspecto essen cial da Corte joan in a foi a afirm ao da su a in dispu tada cen tralidade cu ltu ral. Expresso em blem tica deste perodo, Mafra foi
apen as a tradu o m ais visvel du m con tn u o in vestim en to cu ltu ral e artstico,31 qu e se con su bstan ciou n a im portao sistem tica de n u m erosos
artistas e m sicos italian os, bem com o n a en com en da direta de trabalh os. 32
O au ge da cu ltu ra barroca em Portu gal expressar-se- tam bm , n o s n as
diversas academ ias literrias, cu ja expan so vem de trs, m as ain da n a
fu n dao da Real Academ ia da Histria, em 1722. A im presso, peridica
e ou tra, con h ecer tam bm du ran te o perodo joan in o u m a aprecivel expan so, geralm en te su bestim ada. A dim en so de represen tao espetacu lar do poder real tem sido m u itas vezes destacada com o u m a das m arcas
sin gu lares do perodo joan in o.33 Mas n o deve fazer esqu ecer o olh ar freq en tem en te crtico expresso, n o s por viajan tes do Norte qu e visitavam
a Pen n su la catlica, m as ain da em escritos de portu gu eses. Regressado das
cortes fran cesa e espan h ola, o jovem 4 Con de de Assu m ar n o deixava de
se ch ocar com a parcim n ia da corte portu gu esa j n o fin al do rein ado joa-
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n in o: n o h divertim en tos n em sociedade; depois de ter con h ecido Elrei de Fran a e o de Castela assim o qu e presen tem en te rein a com o o an teceden te de qu em recebi m il h on ras coisa n en h u m a m e fez tan ta espcie
n a n ossa terra com o a au steridade do(s) n ossos Prn cipes, m as isso atribu o
eu pequ en ez do rein o.34
De fato, algu m as das expresses m ais n otrias de crtica sociedade
portu gu esa joan in a foram produ zidas por m em bros da elite poltica com
experin cia de ou tros cen rios in tern acion ais, aos qu ais a posteridade veio
a dar, algu m as vezes, a design ao polm ica de estran geirados.35 No en tan to, ser difcil en con trar u m pen sam en to articu lado e sistem tico ou
parm etros con ceptu ais com u n s em person agen s com o o clebre diplom ata D. Lu s da Cu n h a 36 ou o Alexan dre Gu sm o. Alm disso, parece im possvel dem on strar qu e estes au tores, dos qu ais se con h ecem escassos e dispersos escritos, form assem u m a corren te de opin io com expresso poltica faccion al. A in discu tvel m odern izao cu ltu ral deste perodo n os dom n ios artstico e arqu itetn ico, s m u ito lim itadam en te existiu n ou tros terren os, em obras com o da Martin h o de Men don a de Pin a Proen a e Lu s
An tn io Vern ey. De resto, as propostas de in ovao tm qu ase sem pre lu gar n o in terior da restrita elite poltica, com o se disse, e recorren do s form as de expresso caractersticas deste perodo.
Em nvel de administrao central, com efeito, o reinado de D. Joo V
represen tou u m a gran de m u tao silen ciosa.37 At cerca de 1723, a idia
de reu n ir as Cortes parece ain da sobreviver, m as depois vai cain do gradu alm en te n o esqu ecim en to. O Con celh o de Estado, an tes o cen tro da deciso poltica, parece ter deixado de se reu n ir desde os an os vin te.38 Assistido pelo Secretrio de Estado Diogo de Men don a Corte Real, o rei despach a geralm en te depois de con vocar ju n tas com u m a com posio varivel. Na seq n cia da m orte de Diogo de Men don a (1736), tem lu gar a reform a das Secretarias de Estado, sen do por in ern cia os trs secretrios
m em bros do Con celh o de Estado.39 No en tan to, est-se ain da lon ge da
con stitu io de au tn ticas secretarias (os fu tu ros m in istrios), processo
qu e s ter lu gar m u ito m ais tarde. At su a m orte (1747), o rei despach a
frequ en tem en te com o Secretrio de Estado do Rein o, Cardeal da Mota,
em bora n em m esm o isso con stitu a regra in varivel. Sem qu e n en h u m deles tivesse o ttu lo de m in istro assisten te ao despach o, ou tros person agen s,
com o o Cardeal e In qu isidor-Mor D. Nu n o da Cu n h a, Frei Gaspar da En carn ao ou o sim ples secretrio particu lar Alexan dre Gu sm o podiam assistir o m on arca n as su as decises. E, de fato, a docu m en tao con h ecida
su gere qu e, qu an do n o estava en ferm o, o m on arca se em pen h ava pessoalm en te de qu ase todos os assu n tos qu e su biam a despach o, con h ecen do-os com su rpreen den te porm en or.40 De resto, h ten ses n o in terior da
elite poltica e religiosa da poca qu e m arcam a ltim a fase do rein ado joa-
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n in o, design adam en te as su scitadas pelo problem a do m ovim en to religioso dos ch am ados jacobeu s,41 cu jas im plicaes polticas ain da so m al con h ecidas.
Este in equ voco decln io do govern o dos con celh os e tribu n ais
com bin ou -se, tam bm , com u m in discu tvel reforo da adm in istrao perifrica da coroa.42 No en tan to, esses n ovos in stru m en tos n o so ain da poten ciados. A produ o legislativa do rein ado foi redu zida e m u ito localizada n o tem po. A n om eao de ofcios e a rem u n erao dos servios, para
alm da poltica exterior, con tin u aram a absorver a m aior parcela das
aten es do cen tro poltico do rein o. As reform as sistem ticas estavam
ain da para vir. De resto, n os ltim os an os do rein ado, a m orte do cardeal
da Mota e a doen a do m on arca parecem ter paralisado, em larga m edida,
a adm in istrao cen tral e reacen dido a lu ta de faces, peran te o apagam en to da figu ra do m on arca.
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A m u tao an tes descrita teve efeitos decisivos n a con figu rao das
elites sociais e n o bloqu eam en to das vias de acesso s diversas distin es su periores, ofcios e ren das con cedidas pela m on arqu ia.53 Um a breve im agem
de con ju n to do acesso a algu m as das prin cipais doaes rgias (ttu los e com en das) perm ite-n os situ ar com preciso os m arcos prin cipais da evolu o
verificada. A qu al, recorde-se bem , se reporta ao topo da h ierarqu ia in stitu cion al e social, e n o su a base, on de a evolu o poder ter sido diferen te.54
Com ecem os pela titu lao. O m om en to fu n dam en tal da con stitu io defin itiva da elite titu lar da poca m odern a situ a-se n as ltim as dcadas da m on arqu ia du al (1580-1640), ao lon go das qu ais se criaram cerca
de qu atro dezen as de casas titu lares. O n m ero total de casas en to atin gido, passan do de cerca de du as dezen as para m ais de m eia cen ten a, m an ter-se- praticam en te estvel at a ltim a dcada do scu lo XVIII, apesar
de cerca de 40% das casas portu gu esas terem desaparecido com a Restau rao. De fato, foram rapidam en te su bstitu das, e a freq n cia da con cesso an u al de ttu los en to alcan ada s voltou a ser u ltrapassada (largam en te) du ran te a regn cia do prn cipe D. Joo (1792-1816) e seu posterior rein ado. A n otvel estabilidade alcan ada n os cerca de 130 an os posteriores ao fim da Gu erra da Restau rao (1668) n o tem paralelo em n en h u m ou tro perodo da h istria portu gu esa, e raras vezes ter sido igu alada por ou tras aristocracias eu ropias. Du ran te m ais de u m scu lo criaram se e extin gu iram -se pou qu ssim as casas. Acresce qu e o n cleo cen tral do
gru po se m an teve extrem am en te estvel. No pon to m xim o da su a cristalizao, em 1750 (an o da m orte de D. Joo V e da en trada de Pom bal para
o govern o), das 50 casas titu lares existen tes em Portu gal, 34 tin h am sido
elevadas h m ais de 100 an os e 7 vin h am desde o scu lo XV. Passado u m
perodo de m u dan a de din astia, de gu erra e de agitao poltica, delim itara-se a elite aristocrtica do n ovo regim e. As vias para o acesso Gran deza foram -se torn an do cada vez m ais estreitas. E as doaes rgias foram se con cen tran do cada vez m ais n essa elite restrita.55
Um bom in dicador da evolu o verificada n os forn ecido pelas com en das das trs orden s m ilitares in corporadas n a Coroa (Avis, Cristo e
San tiago). Neste caso, possvel con fron tar du as situ aes in tervaladas de
qu ase scu lo e m eio (1611 e 1755), qu e perm item detectar m ais claram en te as m u dan as operadas. Apesar de as fon tes con su ltadas para o efeito
apresen tarem im en sas lacu n as, as gran des lin h as de evolu o ficam claram en te esboadas. Nos prim rdios do scu lo XVII os com en dadores das orden s m ilitares eram u m a categoria social n u m erosa, qu e abran gia m ais de
qu atro cen ten as de in divdu os e casas, em bora os pou cos titu lares absorvessem j u m a avu ltada parcela do ren dim en to agregado das com en das
com adm in istrador. Scu lo e m eio m ais tarde (1755) o n m ero de com en dadores viu -se redu zido a bem m en os de m etade, e as 50 casas titu lares
existen tes absorviam j cerca de dois teros do ren dim en to con ju n to. A
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distribu io dos ren dim en tos das com en das forn ece-n os, assim , u m retrato im pression an te da evolu o do topo da pirm ide n obilirqu ica: desde o
in cio do scu lo XVII, o gru po sofre u m a espetacu lar dim in u io da su a dim en so, passan do as casas titu lares an tigas (qu ase todas com Gran deza) a
absorver a m aior parte desses ren dim en tos.
No lon go perodo de en cerram en to de m ais de u m scu lo qu e se
segu iu abertu ra da prim eira m etade de seiscen tos, os vice-rein ados n a
n dia ou n o Brasil con stitu ram u m a das raras vias de acesso Gran deza,
pois n a fase m ais restritiva (1671-1760), da qu al aqu i n os ocu pam os, cerca de m etade dos ttu los foram criados em rem u n erao daqu eles servios.
Sim plesm en te, com o a totalidade dos n om eados n aqu ele perodo eram
Gran des ou n ascidos n a prim eira n obreza, a abertu ra restrin giu -se a esse
crcu lo bem restrito. De fato, os vice-rein ados n a n dia con figu ram -se at
o perodo pom balin o com o o ofcio de m aior preem in n cia sim blica e
m ais estreitam en te iden tificado com a Gran deza, m an ten do at en to u m a
au ra de h eroicidade m ilitar n ica, decorren te, n o apen as da m em ria dos
feitos passados, m as ain da da atu alidade blica qu e rodeava o seu exerccio, celebrada alis com en cm ios sem preceden tes em m eados de setecen tos. No en tan to, ao con trrio do qu e se verificou n o scu lo XVI, qu an do a
m aioria dos vice-reis tin h a lon ga experin cia n a n dia, apen as 4 dos 21 n om eados en tre 1651 e 1765, tin h am estado an tes n o Orien te. O vice-rein ado in dian o j n o servia de cu m e a u m a carreira ascen sion al n as vrias
praas in dian as, aberta a soldados da fortu n a, m as sobretu do de tradu o do valim en to n a corte dos seu s deten tores, m u itos dos qu ais n em sequ er possu am qu alqu er experin cia colon ial.56 Na verdade, eviden cian do
a crescen te aristocratizao do cargo, a m aior parte dos vice-reis era primognitos e, como se disse, praticamente todos nascidos em casas da prim eira n obreza do rein o. O pen oso exerccio do cargo serviu sobretu do para
acrescen tar as casas com as rem u n eraes a qu e dava direito, m u itas vezes du ram en te n egociadas an tes da partida.
A con cen trao de ofcios n as casas da prim eira n obreza esten dia-se tam bm aos eclesisticos, design adam en te, s carreiras qu e forn eciam s in stitu ies as su as prin cipais figu ras eclesisticas: bispos das dioceses m ais im portan tes, cardeais, m in istros assisten tes ao despach o, en fim , qu ase todas as m ais preem in en tes dign idades eclesisticas e ofcios secu lares desem pen h ados por eclesisticos. Na verdade, at ao seu irreversvel decln io n a segu n da m etade de setecen tos,57 as carreiras eclesisticas
dos filh os dos Gran des n o passaram majoritariamen te pelo in gresso n u ma
ordem regu lar, caracterstica qu e se acen tu ou n a passagem do scu lo XVII
para o XVIII. A elevao da S de Lisboa a Patriarcal (1716) e a m agn fica
dotao qu e recebeu de D. Joo V con tribu ram para qu e, ao lon go do scu lo, a m aioria dos eclesisticos a term in asse os seu s dias. Era o destin o
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in stitu cion ais preexisten tes. No existiam qu aisqu er direitos region ais,
n em in stitu ies prprias de provn cias (cristalizadas, por exem plo, an tes
da su a u n io), n em sequ er com u n idades lin g sticas acen tu adam en te diversificadas. Nas prprias ilh as atln ticas a m u n cipalizao do espao poltico local coarctou o su rgim en to de in stn cias au tn om as region ais.
Depois da Restau rao, pois an tes o rein o de Portu gal era de certa form a u m corpo den tro da m on arqu ia du al, a coroa portu gu esa n u n ca
teve de se defron tar com corpos dotados de forte en tidade e com expresso territorial, ao con trrio de ou tras m on arqu ias eu ropias. As in stitu ies com iden tidade in stitu cion al relevan te (a com ear pelos tribu n ais
cen trais) n o s se localizavam qu ase todas em Lisboa, com o eram abran gidas em larga m edida pelas teias da sociedade de Corte, diagn stico qu e
se aplica at a in stitu ies qu e tiveram algu m protagon ism o poltico, com o
a cm ara da capital ou o respectivo ju iz do povo.62 O con trapon to do
cen tro eram os poderes locais e sobretu do m u n icipais. Aspecto qu e divergia fortem en te do qu e se passava em Fran a, em Espan h a e n a gen eralidade das m on arqu ias eu ropias da poca.
Passada a con ju n tu ra im ediatam en te u lterior Restau rao, o
plu ralism o poltico e in stitu cion al parece dim in u ir claram en te n o Portu gal
Barroco. A polarizao en tre a Corte e as provn cias adqu ire, em todos os
terren os, u m a dim en so sem preceden tes.
145
N OTA S
1. Cf., en tre ou tros, HESPANHA., 1989. Cf. tam bm A "Restau rao" portu gu esa n os captu los das cortes de 1641. Penlope. Fazer e desfazer a Histria, n .9-10, 1993; tam bm o texto clssico de TORGAL, L. R. Ideologia poltica e teoria do Estado na Restaurao. Coim bra, 1981-1982.
2.v.
2. BOUZAS ALVAREZ, F., 1987., cf. tam bm SCHAUB, J.-F., 1994. p.223 ss.
3. Cf., en tre m u itos ou tros texto, G. M. Matos, O sign ificado poltico da Restau rao, 4.
CONGRESSO DA ASSOCIAO PORTUGUESA PARA O PROGRESSO DAS CINCIAS. Porto, 1943, p.355-63.
4. Cf. CORTESO, J., 1984. parte I, t.I.
5. Cf. as du as aln eas qu e se segu em tiveram com o pon to de partida a reelaborao de captu los origin alm en te redigidos para a edio de 1998 de HESPANHA, A. M., 1998.
6. E em boa parte im pressas, com o As Mon stru osidades, A Catstrofe... e a An ticatstrofe,
a Gazeta em form a de Carta de Joo Soares da Silva, e, m ais recen tem en te, as fabu losas "Mem rias Histricas" do 1. Con de de Povolide, en tre m u itas ou tras. Sem falar das m an u scritas
(cf. sobre o assu n to, MATOS, G. de M. Notcia de alguns memorialistas portugueses do princpio do
sculo XVIII. Nao Portuguesa, 1929. v.I, 1936 v.X.
7. Cf. BAIO, A. Causas de nulidade do matrimnio entre a rainha D. Maria Francisca Isabel de Saboya e o rei D. Afonso VI. Coim bra, 1925
8. Sobre o assu n to cf. diversos trabalh os de HESPANHA, A., 1988, e ain da SUBTIL, J., 1998.
9. Cf. en tre ou tros, BOXER, C. Salvador de S and the Stugle for Brazil and Angola, 1602-1686.
Lon dres, 1952. e CABRAL DE MELO, E. Olinda Restaurada: Gu erra e A car n o Nordeste,
1630-1654. So Pau lo, 1975.
10. II vol., p.461.
11. Biblioteca Nacion al de Lisboa, FG, 6937, fl. 8-14, ou 649, 3.
12 . Tradu o do relatrio pu blicado em SERRO, J. V. Uma relao do reino de Portugal em
1684. Coim bra, 1960. p.31, qu e con stitu i u m a m agn fica fon te de in form ao.
13. Ibidem , p.25.
14. Cf. CONDE DE TOVAR., 1961.
15. Cf., en tre ou tros, SERRO, J. V., op. cit., p.31, e SILVA, J. S. da, Gazeta em forma de carta
(1701-1716). Lisboa, 1933. p.86.
16. Cf. PRESTAGE, E., 1919. p.17 (de en tre os 33 n om eados n o rein ado joan in o, 22 eram
Gran des leigos).
17. Veja-se a esse respeito as con su ltas do todo poderoso 1. Du qu e de Cadaval n o in cio do
scu lo XVIII, Biblioteca Nacion al de Lisboa, F. G. 749.
18. Apesar das diferen as, o paralelism o com Espan h a, n a seq n cia do afastam en to de Valen zu ela, bvio; cf., sobre o assu n to, Valien te, F. T. Los validos em la m on arqu a espa ola
del siglo XVII. Madrid, 1982, e, sobretu do, ALVREZ-OSSORIO, A. El favor real: liberalidad
del prn cipe y jerarqu ia de la rep blica (1665-1700). In : CONTININSIO, C., MOZZARELLI C.
(Ed.). Repubblica e virt. Pen siero politico Mon arqu ia Cattolica. Rom a, 1995.
19. SILVA, J. S. da Monstruosidades do tempo e da fortuna (1662-166). Porto, 1938. p.36. v.I.
20. Cf. as teses, bem docu m en tadas, de Matos, G. de M., 1940. v.VII, e 1944. v.VIII.
21. Sobre o con ju n to destes tem as, cf. MACEDO, J. B. de, s.d.(a). p.193-9 e p.211-20.
22. dem asiado vasta a bibliografia sobre o assu n to para se poder aqu i citar; cf. sn teses recen tes de MAURO, F. O Imprio luso-brasileiro (1620-1750) de, SERRO, J.; OLIVEIRA MARQUES, A. H. Nova Histria da Expanso Portuguesa. Lisboa, 1991. v.VII. e BETHENCOURT, F.,
CHAUDURI, K. (Dir.) Histria da Expanso Portuguesa. Lisboa, 1998. v.2 e 3.
146
23. Cf. MACEDO, J. B de, 1982, p.22. s. e, apesar das lim itaes e deficien te tradu o, HANSON, C., 1986, p.161 ss.
24. Cf., sobre o con ju n to destes tem as, CARDIM, P. O qu adro con stitu cion al (). As Cortes.
In : HESPANHA, A. (Dir.) O Antigo Regime (1620-1870). p.132 s, e tam bm CARDIM, P., 1998.
25. Cf. Cortes de Lisboa dos annos de 1697 e 1698. Congresso da Nobreza, Lisboa, 1824, e Auto do levantamento, e juramento, que os Grandes, Titulos Seculares, Ecclesiasticos, e mais pessoas, que se acharo presentes, fizero ao muito alto, e muito poderoso senhor El Rey D. Joo V... Lisboa, 1750. Um a
su gesto clara n o sen tido proposto se pode depreen der con fron tan do as ch am adas m em rias h istricas (Portugal, Lisboa e a Corte no reinado de D. Pedro II e D. Joo V Memrias Histricas de Tristo da Cunha de Atade 1. Conde de Povolide (in t. de A. V. Saldan h a in t. e Carm en
M. Radu let), Lisboa, 1990, p.136-7) com as im propriam en te ditas m em rias n tim as
(A.N.T.T., Casa de Povolide, 19-A, tom . I, fl.113) do 1. Con de de Povolide.
26. Cf., en tre ou tros, BRAZO, E., 1938.
27. Citado em SERRO, J. V., 1982, p.247.
28. Cf. CORTESO, J., 1984.
29. Cf. A ultima condessa de Atouguia. Memorias autobiograficas. Pon tevedra, 1916. p.10.
30. Cf. a n otvel correspon dn cia de D. Joo V pu blicada em BAIO, A., 1945.
31. Cf. PIMENTEL, A. F., 1992.
32. O tem a tem sido objeto de u m a vastssim a bibliografia recen te. Cf., en tre m u itos ou tros
ttu los, CARVALHO, A. de, D. Joo V e a Arte do seu tempo. Mafera, 1962; 2v. PEREIRA, J. F.
(Dir.) Dicionrio da Arte Barroca em Portugal. Lisboa, 1989, e MAGNIFICO J. V. A Pintura em
Portugal no tempo de D. Joo V, 1706-1750. Lisboa, IPPAR, 1994.
33. Cf. BEBIANO, R., 1987.
34. A. N. T. T., Casa Fron teira e Alorn a, m aos n .s 118 e 122. A correspon dn cia do jovem
Con de de Assu m ar en con tra-se em vias de pu blicao.
35. Cf. u m a crtica en ftica do con ceito em MACEDO, J. B. de, s.d.(a)
36. Cf. CLUNY , I., 1996.
37. Sobre o con ju n to destas m atrias, cf. o texto fu n dam en tal de ALMEIDA, L. F, 1995.
38. Cf. Portugal, Lisboa e a Corte , p.372.
39. Cf. MERA, P., 1965.
40. Cf. BAIO, A., op. cit.
41. Cf. SILVA, A. P. da A questo do sigilismo em Portugal no sculo XVIII. Braga, 1964.
42. Cf. MONTEIRO, N. G. Con celh os e com u n idades. In : MATTOSO, J. (Dir.) Histria de Portugal. Lisboa, 1998. v.IV.
43. Cf. HESPANHA, A. M. La Corte. In : La gracia del derecho. Econ om ia de la cu ltu ra en la
Edad Modern a. Madri: 1993. p.93.
44. Cf. Corte na aldeia e noites de Inverno (1616), Lisboa, 1945.
45. Cf. Biblioteca Nacional de Lisboa. Fu n do Geral, cdice 7641, fl. 52 ss. Na m edida em qu e se
m en cion am os Con des de Ficalh o (castelh an os), ttu lo de 1599, m as n o os posteriores, a dita
relao ter sido elaborada por volta de 1600.
46. Cf., en tre ou tros, OLIVEIRA, A. de Poder e oposio poltica em Portugal no perodo filipino
(1580-1640). Lisboa, 1990. Sobretu do p.234-5, e BOUZA LVAREZ, F. La n obleza portu gu esa
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Portu gaises (EHESS). (exem plar policopiado)
47. Cf. DRIA, A. A. (n ota D) In : CONDE DE ERICEIRA. Histria de Portugal Restaurado. Porto: n ova ed., s.d. p.488-9.
48. Cf. SOARES DA CUNHA, M. As redes clientelares da Casa de Bragana (1560-1640). vora,
1997. Dissertao (Dou torado) (Mim egr.).
147
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150
captu lo 9
151
quais se consubstanciam as reformas a serem aplicadas Colnia; 2 a interpretao do sentido de tais prticas reformistas segundo o ponto de vista da retrica das autoridades da Metrpole presente nos respectivos discursos; 3 o freqente desprezo pelas especificifidades da colnia, a situao
colonial, a pluralidade dos espaos e a diversidade dos tempos; 4 O silncio, quase total e insistente, a respeito da recepo das reformas no
ambiente colonial, isto , suas leiturase as prticas da decorrentes, quer
dos prprios agentes da administrao lusitana, quer dos grupos, ou segmentos sociais, que, na falta de um termo mais preciso, denominamos as
elites coloniais.3
152
POMBAL E O BRASIL
Com ecem os pelo espao, ou espaos. O espao de Pita uma Amrica lusa constituda por dois Estados o do Brasil e o do Maranho e
Gro-Par. O Brasil de Antonil, apesar de mais amplo, concentra-se de
fato nas plantaes e engenhos de acar e nas catas aurferas e diamantferas das Minas Gerais. O espao, em Azeredo Coutinho, o de um
Vice-Reino que tenta dar conta dos mltiplos problemas de correntes da
prpria dialtica da totalidade, entrevista da metrpole, e da diversidade,
imposta pelas mltiplas realidades regionais que se encontram na raiz da
pluralizao do Brasil em Brasis. Mesmo Aires de Casal, cujo Brasil ,
j ento, o do Reino Unido, no consegue evitar a presena do peso das diversidades de toda ordem que relativizam a cada passo uma unidade desejada mas problemtica.
Se admitirmos que as variaes terminolgicas denotam oscilaes
nas prprias maneiras de apreender o espao colonial como um todo, talvez seja possvel compreender tambm a importncia que podem ter, para
a anlise do reformismo ilustrado, as estruturas administrativas coloniais
e a chamada dupla-mutao colonial, na primeira metade de Setecentos.
As estruturas administrativas, compreendendo-se a instituies e
pessoas, subdividiam-se em dois subsistemas, em funo de dois critrios: o
funcional e o geopoltico. O critrio funcional fixava esferas ou setores distintos: governo civil e militar, justia, fazenda e religio. O critrio espacial
reconhecia trs instncias hierarquizadas: geral, ou superior; regional, ou
intermediria; local ou inferior, ou seja, o Governo Geral, as capitanias, e
as cidades e vilas. Apesar da Coroa tender a prestigiar em cada nvel o governo civil e militar, os agentes pertencentes s diferentes funes entendiam-se, com freqncia, apenas com os seus iguais do mesmo setor, na
Colnia e/ou na Metrpole, ignorando, no raro, as autoridades civis e militares de sua prpria instncia. Divergncias e disputas entre rgos e
agentes coloniais a propsito de questes administrativas, muitas vezes com
caractersticas pessoais, constituem assim, no por acaso, fenmeno normal do cotidiano da Colnia.12
A denominada dupla mutao13 indica duas sries de transformaes que transformaram radicalmente a fisionomia da Colnia: a mutao
espacial e a econmica e demogrfica. Resultou a primeira da rpida e gigantesca expanso do territrio colonial, sobretudo no centro-sul e centrooeste; a segunda mutao tem a ver com descobrimento e rpida expanso
das reas de minerao de ouro e diamantes e o intenso deslocamento de
populaes, de dentro e de fora da Colnia, para estas reas. A mutao
espacial exigiu gastos cada vez maiores da Coroa com a defesa e o povoamento dos novos territrios, sobretudo nas regies prximas a territrios
castelhanos, alm, claro, de complicadas negociaes diplomticas e conflitos blicos que iro estender-se por todo o Setecentos.
153
A mutao econmica e demogrfica, alm de promover o deslocamento do eixo econmico e administrativo da Colnia das reas nordestinas para as do sudeste, exigiu providncias rpidas e dispendiosas. Fez-se
necessrio estabelecer, a toque de caixa, rgos e agentes da Coroa junto aos novos ncleos de povoamento e extrao mineral, a comear pela
criao de diversas vilas, a fim de estabelecer a lei e a ordem, condio indispensvel fiscalizao da produo extrativa, do comrcio e do acesso a
minas de homens, animais e mercadorias. Somente assim seria possvel
garantir-se a cobrana e arrecadao dos quintos devidos Coroa e dos
direitos sobre operaes mercantis e passagens para as minas direitos de
entrada e de sada. Acima de tudo isto estava a inteno de coibir as sadas ilegais do ouro.14
Em face das mltiplas demandas resultantes dessas duas mutaes,
como que imprensada entre as sucessivas ordens e instrues da Metrpole, e a crnica insuficincia de meios materiais e humanos, os agentes da
administrao colonial empenharam-se, quando muito, em realizar o que
lhes parecia ser o possvel. Esta contradio tradicional, inerente administrao colonial escassez de meios em comparao com a ambio dos fins
ser um elemento decisivo na avaliao das reformas pombalinas do
ponto de vista de sua efetiva implementao no (s) espao (s) colonial (is).
Passem os agora, aos tem pos. A refern cia aos tem pos (plu ral) u m a
form a qu e aqu i u tilizam os para su blin h ar du as orden s de qu estes: as diferen as en tre os tem pos da Metrpole e os da Coln ia; a n o-h om ologia, n a
Coln ia, en tre o tem po da econ om ia e o tem po poltico-adm in istrativo.
Com relao Metrpole, a tradio historiogrfica por muito tempo
habituou-se ao recorte dinstico que distingue os tempos joaninos dos josefinos e estes dos marianos. Absolutizados em termos de pocas, estes
tempos conferem uma espcie de realidade parte ao perodo pombalino,
cortando-lhe as possveis amarras com a histria que o antecede cria uma
certa viso caricatural do reinado de D. Joo V , e a que se lhe segue por
intermdio da construo mtica de um Viradeira improvvel. A partir de
Jorge de Macedo,15 procedeu-se demolio de tais rupturas, conforme se
evidenciaram duas coisas: as muitas continuidades existentes, em termos
polticos e administrativos, com relao ao antes-1750 e ao ps-1777; a
resistncia do movimento conjuntural da economia em enquadrar-se na
camisa-de-fora da cronologia poltica tradicional,16 especialmente com referncia ao perodo pombalino encarado como um bloco.
Quanto Colnia, tambm nos encontramos em face de duas temporalizaes, conforme se trate de ritmos administrativos ou econmicos.
Os ritmos poltico-administrativos seriam assim descritos: uma reao centralizadora, tpica do incio do reinado de D. Joo V, de 1707 a 1720, como
154
POMBAL E O BRASIL
155
rocratas de Queluz e os intelectuais (muitos tambm burocratas) da Academia Real das Cincias, de Lisboa, empenham-se em diagnosticar seus fatores e sugerir medidas prticas para reformar e ao mesmo tempo conservar
o prprio sistema.21
Concluindo esta parte, desejamos sublinhar a multiplicidade de espaos e tempos. De espaos: o espao do sistema colonial, o espao geopoltico, os espaos socioeconmicos e poltico administrativos e, ainda, os espaos de sociabilidade, como iremos ver adiante. De tempos: o tempo dos prncipes, os tempos das conjunturas econmicas, os tempos poltico-administrativos e o tempo das idias ilustradas, este tambm ainda por abordar.
A fim de no estendermos em demasia este trabalho, vamos aqui enfocar apenas trs tpicos do reformismo: o econmico, o poltico-administrativo, e o cultural-pedaggico.
156
POMBAL E O BRASIL
157
em conexo com providncias contra as fraudes e contrabandos, e o comrcio deficitrio com a Inglaterra, especialmente a partir de 1760, quando o
declnio do afluxo do ouro, conseqncia da queda vertiginosa no rendimento das minas, fez escassear o metal reequilibrador da balana comercial.25 Captulo parte, a extrao e o comrcio dos diamantes das Minas
Gerais constituem uma das faces mais persistentes e curiosas das idias e
prticas pombalinas.26
No mbito do fiscalismo, a principal medida consistiu na criao do
Real Errio, ou Errio Rgio (1761), que abordaremos mais adiante.27
Em resumo, parece razovel afirmar que as reformas econmicas
associaram s prticas mercantilistas, antigas mas permanentes, as preocupaes fiscalistas ditadas, sobretudo, pelas urgncias das finanas do Estado. Do ponto de vista da Colnia, alis, foram provavelmente as medidas
fiscalistas as mais diretamente percebidas pelos colonos. No deve causar
espanto, em conseqncia, o fato de ser a viso de tais reformas ilustradas, a partir das elites coloniais, muito diferente daquilo que nos dizem
as histrias produzidas em funo dos discursos metropolitanos.
158
POMBAL E O BRASIL
tigar/conhecer uma natureza a colonial de acordo com um certo finalismo pragmtico ou utilitarista.31
Outro campo, imenso por sinal, da cultura colonial que tem a ver
com as reformas ilustradas o da produo literria e artstica, j bastante investigado e analisado e que continua a atrair o interesse dos pesquisadores.32 A governao pombalina tentou constantemente, inclusive a pretexto de patrocin-la, controlar essa produo. Paralelamente, a censura
oficial empenhou-se em cercear a circulao de obras, especialmente estrangeiras, sobretudo as de natureza sediciosa, isto , hostis ao absolutismo ou aos princpios ticos e sociais do Antigo Regime.33
Do ponto de vista historiogrfico, as reformas pedaggicas esto para
a histria cultural da Colnia assim como as companhias de comrcio esto
para sua histria econmica. A partir da dominncia exercida pelos padres
da Companhia de Jesus sobre o sistema educacional da Colnia, at 1759,
a historiografia tende a fixar um marco divisrio, um antes e um aps,
em torno do qual se alinham os crticos e os defensores das reformas. Segundo Laerte Ramos de Carvalho 34 o processo de transformao pedaggica, que teve seu momento decisivo na expulso dos jesutas, insere-se no
bojo do universo de prticas reformistas tendentes secularizao do ensino e do prprio Estado absolutista.
A reforma dos estudos, como uma das dimenses do regalismo, visava laicizar os quadros docentes, reformular a estrutura organizacional do
sistema e o seu funcionamento, tendo como principal objetivo transformar
os currculos e mtodos pedaggicos de acordo com os valores modernos
ou ilustrados.35 A reforma dos Estudos Menores, lanada em 1759, aboliu
as escolas jesuticas e estabeleceu nas Aulas e Estudos das Letras uma Geral Reforma.36 As dificuldades e insucessos desta primeira tentativa conduziram ao relanamento da reforma pela Lei de 6 de novembro de 1772 37,
j agora sob a direo da Real Mesa Censria e contando com os recursos a
serem arrecadados atravs do Subsdio Literrio.
Conhece-se o processo de Implantao da Reforma na Bahia, Rio de
Janeiro, Pernambuco e Minas Gerais atravs de vrios trabalhos, sobretudo
os de Andrade e Carrato,38 nos quais se percebe as muitas disputas e problemas que acompanharam a implementao das mudanas: a querela das
gramticas e dos textos recomendados, a parca remunerao dos mestres,
a disciplina autoritria e repressiva, a arrecadao deficiente do Subsdio
Literrio e o desvio dos seus recursos, a falta de livros, o difcil recrutamento dos quadros docentes, agravado por muitas delongas e complicaes burocrticas, a marginalizao das zonas rurais, sobretudo, no caso brasileiro,
devido s enormes distncias entre os ncleos povoados.
Para concluir este tpico, conviria ter presentes no s as inevitveis
diferenas entre as reformas aqui consideradas, conforme se trate de Portugal ou do Brasil, como, principalmente, os problemas interpretativos resul-
159
160
POMBAL E O BRASIL
161
administrao colonial, materializada em incessantes recomendaes, advertncias e punies; um esforo para a racionalizao dos procedimentos
administrativos e modernizao dos quadros burocrticos.
No seu conjunto, os resultados ficaram muito aqum dos objetivos. A
justia rgia continuou a ser escassa, demorada e mesmo ausente em vastos
espaos. Poucos juzes-ouvidores, sobrecarregados de tarefas, mal remunerados e sujeitos a presses as mais diversas. Arbitrariedade e venalidade caracterizam, por outro lado, os comportamentos de alguns desses juzes.43
No setor fazendrio, modernizaram-se os procedimentos contbeis
das receitas e despesas,mas no se conseguiu avanar muito na racionalizao das fontes de receita. Os apertos financeiros, crnicos na Colnia,
agravaram-se em decorrncia de freqentes despesas extraordinrias impostas por contingncias blicas e calamidades pblicas. Para os colonos, o
que houve de concreto foi um aumento sensvel da carga tributria conseqente intensificao das presses fiscais.
Apesar das muitas crticas de ento, o sistema dos contratos reais
foi mantido; continuou precria a remunerao dos agentes da administrao pagos pela Coroa, persistindo os tradicionais abusos quando tal remunerao competia aos usurios caso dos ofcios vitalcios.44
Concluindo, pode-se perceber a distncia considervel existente entre o desenho das reformas pombalinas nos discursos oficiais e as realidades da sua implementao. A idia, muito difundida, de um absolutismo s
plenamente concretizado, em clave iluminista, graas a Pombal, no passa de um mito. Finalmente, duas perguntas que somente a prpria pesquisa histrica poder vir a responder: em que sentido, ou at que ponto, as
reformas ilustradas foram como tais percebidas pelos colonos? em que
medida muitas dessas reformas representaram apenas, para os colonos,
mais explorao e tirania?
No gostaramos de terminar este trabalho sem uma rpida referncia a uma questo fundamental por ns j tratada em outros textos45: as atitudes das elites coloniais diante do reformismo ilustrado. A par dos problemas atinentes caracterizao dessas elites do ponto de vista socioeconmico e cultural, importa-nos aqui sobretudo a anlise das relaes
entre elas e os agentes poltico-administrativos. Pensamos que tal anlise
dever colocar em evidncia a dialtica do conflito versus acomodao/cooperao no mbito de tais relaes.46 Com efeito, a partir de trs tpicos ou
temticas a historiografia recente vem evidenciando que a hiptese do
conflito precisa ser devidamente relativizada. 1 atravs do conhecimento mais preciso da burocracia colonial sua estrutura, composio socioprofissional, carter de suas funes, insero dos agentes no meio social
da Colnia; 2 reavaliao da importncia da cidade colonial como espao de sociabilidade, de interao de colonizadores e colonos; 3 o processo de interpenetrao de elites e agentes da Coroa, a partir de for-
162
POMBAL E O BRASIL
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3. Tentamos avaliar essa historiografia ao final do captulo Portugal y Brasil en el siglo XVIII
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164
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168
captu lo 10
O SENTIDO DA COLNIA.
REVISITANDO A CRISE DO ANTIGO
SISTEMA COLONIAL NO BRASIL
(1780-1830)
Jos Jobson de An drade Arru da*
A on da descolon izadora qu e varre os pases african os e asiticos n o
ps-Segu n da Gu erra Mu n dial, som en te en con tra paralelo, em term os do
seu im pacto h istrico, n a prim eira escalada do m ovim en to em an cipacion ista das coln ias da poca m odern a, in scritas n o an tigo sistem a colon ial,
e qu e redirecion am o front dos acon tecim en tos, n a passagem do scu lo
XVIII para o XIX. De fato, a em an cipao das an tigas coln ias ibricas, in spiradas n a precedn cia das 13 coln ias in glesas, con stitu em -se n o fato h istrico de m aior relevn cia n esse m om en to e, cu jas repercu sses u ltrapassariam de m u ito os estreitos lim ites cron olgicos de su a in cidn cia.
A ru ptu ra dos liam es en tre a m etrpole portu gu esa e a coln ia brasileira tem sign ificado diverso n a tradio h istrica en cetada, a partir de
en to, pelos dois Im prios. A n atu reza m esm a dessa ru ptu ra, seu sign ificado h istrico especfico, com porta vises diferen ciadas con soan te o n gu lo do observador. As razes de su a ecloso, igu alm en te, percorrem u m
vasto lequ e de en con tros e desen con tros.
Com ear por estas qu estes talvez aju de a com preen der o fu lcro de
n ossa an lise. Pen sa-se u m a coln ia especfica, localizada n a terra brasilis,
su a form a particu lar de in sero h istrica, o sistem a colon ial da poca m odern a e, privilegiadam en te, o m om en to cru cial da ru ptu ra en tre a m etrpole e a coln ia, isto , a crise do Im prio Lu so-Brasileiro, e n o a crise da
Am rica Portu gu esa. Para tan to, torn a-se in dispen svel a rem em orao
das lin h as m estras do regim e colon ial aqu i im plan tado, sem o qu e, os fatos con tin gen tes da tran sform ao seriam in in teligveis, reforan do a perspectiva aciden tal da h istria.
No se trata de qu alqu er coln ia. No u m a coln ia de povoam en to sem elh an a das coln ias in glesas da Am rica do Norte.1 No , prim acialm en te, o espao de realizao da poltica de fom en to do Im prio portu gu s. Trata-se, isso sim , de u m a coln ia de explorao, u n iverso h istrico privilegiado n a produ o de su perlu cros destin ados a alim en tar o crescim en to e o desen volvim en to da m etrpole eu ropia, por m eio da trade
latif n dio-m on ocu ltu ra-escravido ou do regim e de exclu sivo aplicado
169
170
va en orm es dispon ibilidades de capitais para in vestim en tos ren tveis, capazes de aten der exign cia de realizao rpida dos in vestim en tos m ercan tis. Isto explica porqu e os em presrios descon h eciam a especializao,
caracterstica dom in an te en tre os pequ en os n egocian tes, m estres, logistas.
Os gran des n egocian tes atu avam sob os im pu lsos do m om en to, poden do
ser su cessiva ou con com itan tem en te m ercadores, arm adores, fin an cistas,
segu radores, ban qu eiros e, n o lim ite, em presrios agrcolas ou in du striais.
Um a volu bilidade in trn seca presidia o m ovim en to do capital m ercan til:
perdas com a pim en ta eram com pen sadas n o com rcio da coch on ilh a; perdas n os fin an ciam en tos para os Estados eram recu peradas n os em prstim os aos pequ en os agricu ltores; perdas n os fretes das cargas eram com pen sadas com a elevao do segu ro das m ercadorias; perdas n a arm azen agem
poderiam sign ificar avan o n a con stru o n aval.
O capital m ercan til se preservava crian do altern ativas para fu gas rpidas, com pen satrias. Por isso, Brau del afirm ava qu e n o h avia u m ram o
da atividade econ m ica su ficien tem en te rem u n erador, capaz de absorver
toda poten cialidade do capital m ercan til. Da su a m aleabilidade, qu e poderia lev-lo at m esm o a in vestim en tos em terras, m en os por su a ren tabilidade poten cial e m u ito m ais por su a capacidade agregadora em term os de
prestgio social. O extrem o lim ite seriam os deslocam en tos ru m o s atividades de m in erao e in du striais.5
Agilizao do circu ito do capital era a expresso de com an do do capital m ercan til. Fossem m atrias-prim as, m ercadorias, arm azn s, equ ipam en tos, n avios, m oedas. Mas tam bm poderia ser crdito para clien tes e
agen tes, servios de cm bio, operaes ban crias e secu ritrias. Bu scavase estreitar o circu ito m on etrio, elevan do-se os lu cros pela plu ralizao
das ch an ces de in vestim en tos, o qu e o levava a resistir em aden trar a produ o e su bm et-la diretam en te ao seu con trole, preferin do as form as de
su bordin ao in direta, m esm o qu e isso viesse a sign ificar qu e a m aior parcela do capital circu lan te represen tasse gastos com o trabalh o in corporados n a m ercadoria. Em com pen sao, aproxim avam -se os dois plos extrem os do circu ito do capital, pois n o h avia im obilizao em fatores de
produ o, garan tin do-lh e plen a liberdade para tran sladar-se rapidam en te
s m elh ores opes do m ercado.
Isto explica porqu e o capital m ercan til en globa tan to o trabalh o in depen den te do arteso eu ropeu , qu an to o trabalh o com pu lsrio dos escravos n as plan taes tropicais, represen tan do am bos cu stos elevados para o
capital circu lan te, m as qu e deixavam para seu s con troladores im ediatos o
n u s de m an u ten o e reposio do estoqu e. Assim se explica a n atu reza
con servadora do capital m ercan til, e o fato de qu e som en te n o m om en to
em qu e as ch an ces de lu cro rpido pelo giro m ercan til se con traram , o capital m ercan til ten deu a pen etrar a produ o, am plian do a parcela de ca-
171
pital fixo im obilizado, com con seq en te perda de versatilidade, qu e sem pre fora su a m arca expressiva. Neste con texto, projeta-se o papel do trfico con dio de elem en to m otor da acu m u lao n o espao colon ial.
Portanto, o essencial reter a subordinao completa do movimento histrico da economia colonial preponderncia do capital mercantil
que, na fase de expanso das economias centrais europias, subordina a
produo na sua forma artesanal e manufatureira, determina o padro e os
limites do processo de acumulao e comanda o ritmo das economias coloniais.6 Estabelece-se uma relao de cumplicidade entre a metrpole e a colnia, articulao vital entre capitalismo e colonizao, cristalizada na funo colonial. Da a inevitabilidade da subordinao da economia e da sociedade colonial. Afinal, a produo colonial no se autodetermina, isto , o
circuito do capital somente se completa fora da colnia, quando as mercadorias de novo se transformam em dinheiro, o dinheiro se transforma em
fatores de produo, especialmente na aquisio de escravos no mercado
externo, no havendo reproduo, na colnia, dessa fora de trabalho. A
mais, a parcela do excedente que se transforma em lucro realiza-se no plano externo, nas mo da burguesia mercantil. As decises polticas essenciais
se do, igualmente, no espao da metrpole, e no da colnia.
Destarte, a com preen so global desse processo h istrico particu lar,
en volve a captao dessa in terao dialtica en tre a con dio colon ial articu lada m etrpole e a form ao social escravista da coln ia, in terao
esta n a qu al o com an do en con tra-se fora do espao colon ial, pois a reprodu o das relaes sociais n o se realiza en dogen am en te. Essa n fase n o
com an do extern o da con dio colon ial n o sign ifica, con tu do, a exclu so
perm an en te e defin itiva da ao dos h om en s colon iais n a bu sca de su a
au todeterm in ao. Ao se delin ear as lin h as-m estras dessa relao, n o se
exclu i a gradativa in teriorizao da coln ia.
A n fase n o setor exportador da econ om ia colon ial n o sign ifica
descon siderar a im portn cia da produ o de su bsistn cia ou do abastecim en to. Os estu diosos, qu e cen tram su a aten o n o setor exportador, o fizeram por vrias razes. Prim eiro porqu e era, efetivam en te, aqu ele qu e
garan tia a prpria con dio colon ial. Segu n do, porqu e a docu m en tao
m ais abu n dan te e acessvel era exatam en te aqu ela referen te ao m ercado
extern o, com o as Balan as de Com rcio, por exem plo, ten do em vista su a
im portn cia estratgica n a sobrevivn cia poltica da coln ia, razo pela
qu al a docu m en tao sobre a produ o in tern a, especificam en te a de su bsistn cia, era rarefeita e precisava ser rastreada em repertrios docu m en tais qu e a ela se referem de m odo oblqu o.
Nestes term os, esgotados os docu m en tos relativos ao setor exportador viria, n ecessariam en te, a fase dos estu dos referen tes produ o destin ada ao m ercado in tern o. Isto seria qu ase n atu ral. O equ voco, est n a form u lao de paradigm as n egativos, qu an do se bu sca ju stificar os n ovos es-
172
tu dos, procu ran do reverter a n fase, isto , deslocar a relao prepon deran te do exterior da coln ia para seu in terior. Isto, para n o se falar da sistem tica desqu alificao dos in terlocu tores qu e delin earam o qu adro m ais
geral das explicaes. Da, a ten dn cia radicalizao dos escritos dos adversrios, atribu in do aos m esm os afirm aes qu e n o fizeram , isto , n egar qu alqu er sign ificado produ o in tern a n o processo de con stitu io
h istrica da coln ia.
A busca inaudita de originalidade levou pesquisadores srios a formulaes incautas, a exemplo desta sntese, do que possivelmente significaria o sentido da colonizao outorgada aos autores ditos tradicionais: a
economia colonial no presenciaria a constituio de um mercado interno
suprido por produes locais, a possibilidade de gerar acumulaes endgenas e muito menos teria condies de possuir ritmos econmicos prprios,
desvinculados do mercado internacional e das economias a dominantes.7
Pelo con trrio, au tores com o Fern an do Novais, ao explicar a crise
do sistem a colon ial e a cam in h ada ru m o in depen dn cia, afirm a qu e a razo da ru ptu ra estava n o fato de qu e n o possvel explorar a coln ia
sem desen volv-la.8 Mais explcito im possvel. Diz ser im pen svel a explorao econ m ica das coln ias sem a criao de con dies m n im as, ou
seja, a im plan tao da m qu in a bu rocrtico-adm in istrativa, a criao da
in fra-estru tu ra portu ria, das vias de circu lao, do aparato de defesa in tern a e extern a, da produ o com plem en tar ao setor exportador, represen tado pela su bsistn cia. Em su m a, flagran te a im possibilidade de explorar as riqu ezas colon iais sem desen volver, progressiva e con cretam en te, a coln ia, sem am pliar su as m assas popu lacion ais e, por decorrn cia,
agravar as ten ses, os con flitos e as resistn cias.
A diversificao da produ o colon ial n a Am rica Lu so-Espan h ola
u m atestado dessa assertiva. Na Am rica Hispn ica, n as zon as con sideradas cen trais, por volta de 1600, a popu lao era den sa, com igrejas, m on astrios, com rcio in ten so, h orticu ltu ra e atividades in du striais especializadas. Nas zon as ditas in term edirias, cu ltivavam -se produ tos destin ados
exportao e ao con su m o in tern o, h aven do in d strias especializadas em
m atrias-prim as locais. Nas regies perifricas o com rcio era ain da m ais
r stico, assen tado n a criao de m u ares e cavalares.9 No Brasil, a m aior ou
m en or u tilizao dos escravos n a produ o destin ada ao con su m o estava
estreitam en te vin cu lada s flu tu aes do setor exportador, m as con stitu am atividades n ada desprezveis n o cm pu to global dos valores de u so
realizados n a coln ia.10
Esta con statao n o perm ite, con tu do, in verter a roda da h istria.
Pen sar a econ om ia colon ial, isto , scu los XVI, XVII e prim eira m etade do
scu lo XVIII, su bstan ciam en te, com o defin ida pelo trip: acu m u lao en dgen a, m ercado in tern o e capital m ercan til colon ial residen te, trade esta
qu e articu la u m n ovo sen tido para a colon izao, expressa n a relativa
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au ton om ia do processo de reprodu o da econ om ia... dian te das flu tu aes do m ercado in tern acion al; n os processos de acu m u lao en dgen a
e a reten o da parcela do sobretrabalh o gerado pela agroexportao n o
in terior do espao colon ial; e, fin alm en te, con sideran do-se qu e esse capital residen te, para alm do exceden te apropriado pelo produ tor,11
com eter o pecado do an acron ism o, isto , tran sferir para o n cleo du ro da
coln ia as caractersticas qu e com eam a se form ar n as su as bordas, fin al
do scu lo XVIII e prim eiras dcadas do scu lo XIX, m om en to n o qu al, con sen su alm en te, as estru tu ras colon iais en con tram -se em tran sform ao.
Sobretu do, n o se pode tom ar as feies adqu iridas pela n atu reza da acu m u lao m ercan til, j n os m eados do scu lo XIX, n a rbita de gran des
m ercados u rban os com o o Rio de Jan eiro, para realidades essen cialm en te
diversas postas n o scu lo in iciais da colon izao. Neste con texto, a em an cipao poltica da coln ia n ada sign ificou ?
Em texto recente e com a propriedade usual, Fernando Novais retomou esta questo, explicando aos seus incuriais intrpretes que, ao falar de
explorao colonial pensava nos mecanismos de conjunto que enlaavam o
mundo metropolitano e colonial e, que a nfase na acumulao para fora,
externa, refere-se tendncia dominante no processo de acumulao, no
evidentemente sua exclusividade. Em decorrncia, claro que alguma
poro do excedente devia permanecer (capital residente) na Colnia, do
contrrio no haveria reproduo do sistema. O uso da expresso capital
residente alude quem se destina a rplica e, sem ser tautolgico, mas precisando ser pedaggico, reverbera: No se trata, desde logo, de uma formao social capitalista que se elabora sem acumulao originria; mas com um
nvel baixo dessa acumulao. Nvel baixo no significa estagnado, mas sim
crescente, na medida em que o processo se punha em movimento. O reproche leitura forada que fizeram de seus escritos, se expressa enfaticamente nessa formulao: No cabe, portanto, a increpao de obsesso com relaes externas (porque no estamos falando de nada externo ao sistema),
nem de desprezo pelas articulaes internas, pois estas no so incompatveis com aquelas; trata-se, simplesmente, de enfatizar um ou outro lado, de
acordo com os objetivos da anlise. Nesta mesma linha, os trabalhos recentes e de grande mrito sobre o mercado interno no fim do perodo colonial
no refutam (como seus autores se inclinam a acreditar) de maneira nenhuma aquele esquema que gostam de apodar de tradicional; o crescimento
do mercado interno , pelo contrrio, uma decorrncia do funcionamento
do sistema, ou, se quiserem, a sua dialtica negadora estrutural.12 Mais explcito impossvel. Se as proposies destarte realadas identificam o tradicional, e se isto sinnimo de passadio, de superado, adiro ao tradicional contra o moderno, mas certamente nada eterno.13
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portu gu esa, especialm en te aqu ela direcion ada ao Brasil, passou por alteraes sen sveis, m esm o preservan do as lin h as m estras da poltica m ercan tilista. Sob o im pacto da crise qu e se abatia sobre o Im prio Portu gu s, diretam en te relacion ado retrao da produ o au rfera brasileira, im prim e-se u m a n ova diretriz in flu en ciada pela ilu strao, en qu adrada n o qu e
se con ven cion ou ch am ar o m ercan tilism o ilu strado portu gu s, cu ja
m eta fu n dam en tal era a realizao de abertu ras den tro do sistem a colon ial
m ercan tilista, visan do am en izao do exclu sivo m etropolitan o, estim u lan do-se a produ o da coln ia pela bu sca de in tegrao m ais forte en tre
o m u n do da m etrpole e o da coln ia.
O dilem a dos estadistas portu gu eses era atroz, n a form u lao de
Fern an do Novais. No plan o econ m ico, para con segu ir aproveitar os estm u los da explorao de su a gran de coln ia, Portu gal precisava desen volver-se; m as a explorao da coln ia era con dio para seu desen volvim en to. Im agin ar u m a in tegrao era qu an to se con segu ia propor para su perar esse dilem a in sol vel. Mesm o assim , para con segu ir in tegrar, tin h a de
m odern izar-se, m as, agora n o n vel in tern o, isso levava a u m n ovo dilem a:
m obilizar o pen sam en to crtico para em preen der as reform as, e con t-lo
para qu e n o revelasse a su a face revolu cion ria. O ecletism o terico e o
reform ism o prtico n o con segu iram , pois, su perar as agu das con tradies
por on de se m an ifestava a crise.16
Nou tros term os, a m an ifestao do reform ism o ilu strado n a poltica
colon ial som en te adqu iriria total in teligibilidade, desde qu e fosse in serida
n o qu adro m ais geral da crise do sistem a. E esta crise resu ltava de su a prpria estru tu ra e fu n cion am en to n a m edida em qu e, ao acelerar a acu m u lao de capitais, acelerava-se o processo de acu m u lao m ercan til e a su a
m etam orfose em capitalism o in du strial, especialm en te n a In glaterra, an corada n o cen tro do sistem a. Aqu i, a tran sform ao vital represen tada pela
passagem da m an u fatu ra produ o baseada n a m qu in a-ferram en ta, resu ltava do im pacto do m ercado m u n dial e, sobretu do, do m ercado colon ial. Por essa via, peas fu n dam en tais do an tigo sistem a colon ial, tais com o
m on oplio e escravism o, torn avam -se gradativam en te obstcu los in tran spon veis ao desen volvim en to do capital em escala m u n dial, colocan do em
ch equ e a prpria explorao colon ial assen te n as determ in aes m ais gerais do capital m ercan til.17
As m u dan as estru tu rais n o m ago do sistem a so, por certo, as con dies m ais am plas n a explicao da crise do sistem a colon ial. Desdobram en tos qu ase n atu rais dessa assertiva relem brar a con tradio m aior qu e
a explorao colon ial en gen drava: o crescim en to e o desen volvim en to da
coln ia. No plan o m ais im ediato, o papel das circu n stn cias con ju n tu rais
precisa ser rem etido s tran sform aes estru tu rais, especialm en te, as relaes en tre Fran a e In glaterra. As m u dan as n a con ju n tu ra poltica eu ropia
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n o podem , de per se, serem respon sabilizadas pela crise do sistem a colon ial.
Atribu ir toda cu lpa aos bloqu eios e con tra-bloqu eios, aos bloqu eios terrestres e aos con tra-bloqu eios m artim os, tom ar a n u vem por Ju n o. desprezar o papel desem pen h ado pela coln ia, pelos h om en s qu e a viviam .
Jorge Pedreira, em seu estu do sobre a Estrutura Industrial e Mercado
Colonial, afirm a qu e as vibraes con ju n tu rais em an adas das gu erras qu e
se segu iram s revolu es am erican a e fran cesa con correram para u m a
vasta reorden ao da econ om ia in tern acion al e facu ltaram as con dies
para a in depen dn cia das coln ias qu e as m on arqu ias ibricas possu am n a
Am rica.18 No n egligen cia, certam en te, as relaes en tre os m ovim en tos
estru tu rais, as oscilaes con ju n tu rais e as alteraes poltico-m ilitares.
Mas, coloca n o ostracism o absolu to qu alqu er m an ifestao con creta da coln ia n as m u dan as qu e en to se operavam , espectadora im passvel de seu
prprio destin o.
A idia de u m a certa in rcia colon ial tran sparece, igu alm en te, n os
escritos de Valen tim Alexan dre. A com u n idade de ln gu a, h bitos e religio seriam respon sveis por u m a certa solidariedade en tre brasileiros e
portu gu eses qu e, apesar de rom pida pon tu alm en te com o n o caso dos em boabas, era, n o geral, reforada pela n ecessidade de m an ter a dom in ao
sobre a im en sa m assa escrava. Em decorrn cia, o Estado lu so-brasileiro
fu n cion ava ain da sem ten ses excessivas, tan to n o dom n io econ m ico
qu an to n o poltico ... Nu m am bien te de prosperidade m ercan til gen eralizada, as presses n acion alistas n o Brasil, ain da in cipien tes, n o criam n u n ca qu alqu er am eaa real de ru ptu ra.19 Se assim era, a ru ptu ra do pacto colon ial teria qu e ser explicada, forosam en te, de fora para den tro, a partir
de alterao n o qu adro de foras defin ido pelas relaes polticas e diplom ticas en tre as n aes eu ropias h egem n icas, especialm en te, a Fran a e
a In glaterra, porqu an to, a Portu gal, ficava reservado u m papel igu alm en te passivo, con torcen do-se en tre os plos rivais, esgu eiran do-se sistem aticam en te n a bu sca de u m a n eu tralidade im possvel, m as oportu n am en te
proveitosa, en qu an to du rasse.
n otvel a m in im izao do papel da Coln ia n a bu sca de seu prprio destin o. Reifica-se a viso in cru en ta da trajetria h istrica da Coln ia.
Su blim a-se o papel das n u m erosas m an ifestaes de resistn cia qu e se
agu dizam n a segu n da m etade do scu lo XVIII, especialm en te o papel da
In con fidn cia Min eira, m an ifestao con creta e sin tetizadora dos descon ten tam en tos da popu lao colon ial em relao m etrpole portu gu esa.20
Um raro paradigm a in dicirio.
A recu perao h istrica do papel da Coln ia n a su perao do an tigo sistem a colon ial, im pe a retom ada de su a trajetria n o ltim o tero do
scu lo XVIII. No se pode falar em decadn cia de Portu gal n esse perodo.
Nada qu e lem brasse a retrao m ercan til da prim eira m etade do scu lo
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XVII, qu an do en to se delin eia a gran de crise daqu ele scu lo. Pelo con trrio, apesar das dificu ldades polticas, especialm en te n o qu adro das relaes
diplom ticas, a poltica exterior portu gu esa aproveitava ao m xim o as
possibilidades in scritas n o prin cpio da n eu tralidade. O au ge da produ o
au rfera n o Brasil correspon dera a persisten tes dficits n a balan a com ercial portu gu esa em relao In glaterra. Paradoxalm en te, o colapso n a explorao de m etais, equ ivale ao perodo em qu e a balan a se equ ilibra e,
n os fin ais do scu lo, torn a-se m esm o su peravitria em relao aos in gleses. Um feito h istrico. Com isso tin h a sido possvel?
Um a n ova articu lao n as relaes m etrpole-coln ia. A con tin u idade da poltica pom balin a, o seu carter in tegrado, n o qu al in d stria,
agricu ltu ra e com rcio so objetos da ao govern am en tal, defin in do-se
u m am plo espao de ao das polticas p blicas com elevado grau de u n idade. Con sideran do as m in as riqu ezas fictcias, Pom bal fez do estm u lo
agricu ltu ra o epicen tro de su a ao poltica. Seu s efeitos n o tardaram , expressan do-se n a diversificao agrcola do espao colon ial brasileiro, geran do produ tos para a reexportao do Rein o, alim en tos para a popu lao
m etropolitan a e m atrias-prim as para as m an u fatu ras, en laan do in d stria e agricu ltu ra, tran sform an do a cam in h ada ru m o in du strializao
u m a possibilidade con creta. A criao das com pan h ias de com rcio, cu ja
fin alidade era exatam en te u n ir os espaos agrcola e in du strial, separados
pelo ocean o, fech ava o circu ito da perspectiva econ m ica qu e en to se delin eava para o Im prio Lu so-Brasileiro. Nestes term os, a poltica in du strialista portu gu esa n o foi o fru to passageiro de u m a crise com ercial, com o
ocorrera n o scu lo XVII. Tem u m carter estru tu ral e en orm e poten cial
tran sform ador, seja n a m etrpole, seja n a coln ia.
Esta form u lao, bem o sabem os, con fron ta as explicaes do m estre Victorin o Magalh es Godin h o, para qu em os m ovim en tos in du strialistas se deram n o segu im en to de crises com erciais profu n das e, portan to
de baixa prolon gada de preos, o m esm o acon tecen do com a poltica
pom balin a do terceiro qu artel do scu lo XVIII.21 Godin h o h om ologiza o
discu rso, repon do para o scu lo XVIII a m esm a explicao dada ao scu lo
XVII, n o atin en te s ten tativas falh as de in du strializao, n o qu e im propriam en te acom pan h ado pelos qu e vem n a essn cia da poltica colon ial
portu gu esa o arcaism o por projeto, elevado con dio de n ervo explicativo da con dio colon ial,22 com o se coln ia e m etrpole fossem sin n im os
u n idos por u m m esm o sin al explicativo, in fen so diferen ciao qu e o processo h istrico in stau ra. Isto explica a aproxim ao en tre os revision istas
portu gu eses e seu s segu idores n o Brasil n a rdu a tarefa de ressem an tizao h istrica da Coln ia, da n atu reza m esm a de su a existn cia, das con dies especficas de su a em an cipao. Um privilegiam en to n ada recn dito
da con tin u idade em detrim en to da ru ptu ra, on de tu do so con ju n tu ras,
n ada estru tu ral.
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Com o en ten der o arcaism o com o projeto dian te do pertu bador crescim en to econ m ico, expresso do n ovo e com plexo relacion am en to m etrpole-coln ia. Nele, as coln ias torn am -se m ercados con su m idores das
m ercadorias in du strializadas produ zidas n a m etrpole e forn ecedores de
alim en tos e m atrias-prim as, declin an do gradativam en te a im portn cia
dos produ tos tropicais. n otvel a distn cia en tre este relacion am en to e
aqu ele qu e se delin eara n a fase de m on tagem do sistem a colon ial, e m esm o de su a m atu ridade, isto , n os scu los XVI e XVII. O n ovo m odelo n o
rom pe visceralm en te com o an terior. Refora os liam es en tre a m etrpole
e a coln ia e, de certa form a, an tecipa as ten dn cias qu e seriam dom in an tes n a segu n da m etade do scu lo XIX, n o qu adro do n eocolon ialism o.
pion eiro e precoce. Em erge do m ago do an tigo sistem a colon ial, o qu e
talvez expliqu e os en traves estru tu rais su a rpida e plen a realizao.
Defron tam o-n os com u m a tran sform ao vital. Se a m etrpole avan a crian do fbricas, a coln ia diversifica su a produ o, seu s m ercados se in tegram in tern a e extern am en te. Se as ren das geradas pelo setor exportador
so m en ores, tan to n o Brasil qu an to em Portu gal, com parativam en te ao
au ge da produ o au rfera, com pen sam pela su a distribu io m ais plu ral,
refletida n os n dices de ren da per capita. A con ju n tu ra econ m ica era de
prosperidade. No se pode falar em depresso, em decadn cia. E, em tais
circu n stn cias, en gen dra-se u m en orm e poten cial tran sform ador.
Os prim eiros sin ais den otadores da em ergn cia de u m a n ova con figu rao n as relaes n o m bito do sistem a colon ial aparecem n a segu n da
m etade do scu lo XVII, con secu tivo crise geral.23 Rom pe-se o m on oplio
da produ o au careira, acirra-se a com petio en tre as m etrpoles, in tern acion aliza-se o capital m ercan til, am plia-se o con su m o pela baixa de preos, ao m esm o tem po qu e cresce o m ercado con su m idor colon ial para produ tos m an u fatu rados vin dos das m etrpoles. A m axim izao dos lu cros
pela otim izao dos fatores de produ o, estritam en te regidos pelas leis da
econ om ia de m ercado, su gerem a em ergn cia de u m segu n do sistem a
Atln tico, n a den om in ao Peter Em m er.24 Porm , apesar de seu elevado
grau de especializao, a essn cia desse sistem a produ tivo assen tava-se n o
trip m on ocu ltu ra, latif n dio e escravido. A diferen a essen cial do n ovo
padro de colon izao, criado pelos portu gu eses, estava exatam en te n o
en lace coln ia-m etrpole sob a gide da in du strializao, u m n ovo arran jo pelo qu al, sem abrir m o do m on oplio, firm ava-se u m n ovo tipo de relacion am en to bilateral.
Equ voco falar-se, portan to, em decadn cia ou crise n o sen tido restritivo. Trata-se de u m a crise de crescimento qu e, em Portu gal, tran sform a-se
gradativam en te em crise de retrao, qu e algu n s au tores preferem den om in ar colapso,25 reforan do a sen sao de u m tem po perdido qu e con du z a reificao n ostlgica do m ito da decadn cia. No Brasil, igu alm en te,
a produ o h istoriogrfica dos an os 60 acabou por con solidar a idia de
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qu e u m a profu n da prostrao se abatia sobre a coln ia, n os an os qu e an tecederam a in depen dn cia. Celso Fu rtado refere-se falsa eu foria do fim
da poca colon ial. Virglio Noya Pin to assim en ten de o perodo em seu estu do sobre a con ju n tu ra econ m ica n a poca da In depen dn cia 26. Essas in terpretaes so bem o exem plo de com o as con dies h istricas presen tes, viven ciadas pelos h istoriadores, podem in flu ir em su a percepo do
passado. De fato, n o m om en to em qu e esses escritos eram produ zidos, deparavam o-n os, n o pas, com o im pacto de u m a forte crise do capitalism o
perifrico, crise esta qu e, mutatis mutandis, gu ardava u m a certa sem elh an a com a crise dos prim rdios dos an os oitocen tos. A in telectu alidade brasileira, qu e vivia in ten sa e agu dam en te este perodo, an te-sala dos an os de
exceo qu e se segu iriam , precon izava du as sadas possveis para a crise: o
colapso fin al do capitalism o perifrico brasileiro e a con seq en te im plan tao do regim e socialista; ou , a cam in h ada in exorvel da sociedade brasileira ru m o a estagn ao econ m ica in evitvel.
A aproxim ao im agin ria en tre estes dois m om en tos crticos da
Histria do Brasil, in du ziu iden tificao sim blica en tre o an tigo sistem a
colon ial e o capitalism o perifrico; a altern ativa revolu cion ria com a ru ptu ra do pacto colon ial e o m ovim en to da In depen dn cia; a estagn ao irrem edivel com a situ ao econ m ica e poltica de Portu gal aps a tran sm igrao da fam lia real para o Brasil.
Trs dcadas se passaram . Os acon tecim en tos h istricos vieram a
dem on strar qu e h avia u m a terceira possibilidade in scrita n a in terpretao
da crise do capitalism o perifrico, e qu e se tran sform ara em pon to de refern cia in con scien te para o equ acion am en to da crise do an tigo sistem a
colon ial, isto , a possibilidade de qu e o capitalism o con tin u asse a su a trajetria, am en izado em su as tran sgresses sociais por reform as dem ocrticas ou dem ocratizan tes, reais ou , sim plesm en te, alardeadas.27 Im pen svel
m esm o, n aqu eles an os, era o desaparecim en to total da opo socialista,
pela crise arrasadora qu e sobre ela se abateu n os an os 80/ 90. Por tu do isso,
as pesqu isas qu e apon tavam para o crescim en to econ m ico da coln ia e,
portan to, seu desen volvim en to n o in terior das m alh as do sistem a colon ial,
n o foram devidam en te con tem pladas n as an lises.28
Partin do-se do pressu posto de qu e h avia crescim en to e desen volvim en to real da Coln ia, com o en ten der a ru ptu ra, o resu ltado ocasion al de
con tin gn cias h istricas fortu itas e in apelveis? A trajetria n atu ral con du cen te globalizao atu al propiciada pelos descobrim en tos qu an do coln ias foram criadas e fu tu ras n aes in depen den tes an u n ciadas? O discu rso poltico da elite colon ial era sobretu do an ticolon ial e an tim etropolitan o, o qu e se explica pela n ecessidade fu n dam en tal de preservar a liberdade de com rcio e a au ton om ia con qu istada com a qu ebra do m on oplio, n o con texto da abertu ra dos portos.29 Mas esta m obilizao crtica do
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im portaes n este Rein o n o tem dim in u do, segu e-se qu e o referido con traban do todo ven dido a troca de m oeda corren te. Um a ao to agressiva teria qu e con tar, certam en te, com o respaldo dos h abitan tes da coln ia e, at m esm o, dos com ercian tes portu gu eses aqu i in stalados. o qu e
se depreen de dos escritos de 1806: a estagn ao do com rcio provm do
ru in oso prin cpio da in trodu o clan destin a das m ercadorias proibidas n este e n aqu ele con tin en te, pela falta de patriotism o de algu n s n egocian tes
qu e, esqu ecidos das leis qu e n os regem , procu ram to som en te os seu s in teresses. A con su m ao da tragdia an u n ciada an os an tes se d em 1807,
qu an do diz: ten h o m u ito pou co a pon derar do estado do n osso com rcio
n o an o passado de 1807, qu e n o seja u m a repetio do qu e disse n os an os
de 1805 e 1806, por ele cam in h ar para su a decadn cia e abatim en to.34
Mesm o qu e se afirm e qu e os respon sveis pela coibio dos descam in h os, com o era o caso do con tador Mau rcio Jos, via de regra exageram em su as avaliaes som brias, n o se pode n egligen ciar a con clu so
bvia de qu e as exportaes portu gu esas para a Coln ia ten deram a zero
e qu e, efetivam en te, os portos brasileiros abriam -se an tes de 1807, tran sform an do o docu m en to de abertu ra dos portos de 1808 n u m a m era form alizao sobre prticas con cretas.
O perodo de 1780-1830 vital para que se possa compreender a trajetria brasileira. Nublado pela experincia vitoriosa do ouro e do caf, remetem a segundo plano a produo de subsistncia, a histria do abastecimento, a dinmica da economia mercantil de subsistncia, a fora da diversificao econmica, que a marca indelvel do perodo e, a partir da qual,
pode-se entender a emergncia de um patamar mnimo de integrao do
Brasil no mercado mundial, ou seja, um mnimo de articulao interna entre as diferentes regies e zonas produtivas brasileiras; a existncia de diferentes relaes de produo e variados padres de acumulao nas regies
brasileiras; a emergncia de um centro dinmico capaz de integrar o conjunto e mesmo se auto-reproduzir, como o caso de Minas Gerais.
O con trapon to com esta experin cia in tegradora an corada em Min as
Gerais, e qu e sobreleva o seu sign ificado h istrico, o exem plo das coln ias
espan h olas da Am rica qu e realizam u m a trajetria in versa, pois o rom pim en to com a m etrpole an u la o n ico vn cu lo de u n idade existen te, expon do e reforan do a plu ralidade dispersiva da region alizao econ m ica.
Revela-se, portan to, n a in tegrao de vrios m ercados region ais
brasileiros em torn o de u m cen tro articu lador, o su rgim en to de u m esboo do m ercado n acion al, em fu n o do qu al arregim en tam -se in teresses
sociais especficos, capazes de m obilizar a ao poltica coletiva ru m o
ru ptu ra e con stitu io do Estado Nacion al. A crise do sistem a colon ial
produ z-se n o in terior do processo colon izador, on de se en gen dra a n ao
e se gesta a n oo de perten cim en to, reforada pela lin gu agem do in teresse com u m do m ercado.
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N OTA S
1. De toda evidn cia, trata-se de u m a coln ia de explorao, de acordo com a tipologia clssica de LEROY-BEAULIEU, P. De la colonisation chez les peuples modernes. Paris, 1902. t.II, p.563
ss, assu m ida por Fern an do An tn io Novais em seu en saio Con sideraes sobre o sen tido da
Colon izao, Revista de Estudos Brasileiros (So Pau lo), v.6, p.55,1969. Fora de cogitao, portan to, en ten d-la com o u m a coln ia de povoam en to, com o o faz ALEXANDRE, V., 1993.
p.810. No se percebe a distin o fu n dam en tal, n este caso, en tre explorar econ om icam en te
para fixar a popu lao (coln ia de povoam en to) e povoar para garan tir a explorao econ m ica (coln ia de explorao). Em dois livros diferen tes: PRADO JNIOR C. 1961a. e PRADO
JNIOR, C., 1961 j ensinava que: Para os fins mercantis que tinha em vista ... era preciso
criar u m povoam en to capaz de abastecer e m an ter as feitorias qu e se fu n dassem , e organ izar
a produ o dos gn eros qu e in teressavam seu com rcio. A idia de povoar surge da e s da.
(grifo n osso).
2. Cf. PRADO JNIOR, C., 1961, especialm en te o captu lo Sen tido da Colon izao, p.13-26.
NOVAIS, F. A. 1979, especialm en te A Colon izao com o sistem a, p.57-72.
3. HAMILTON, E. J. Th e Role of Mon opoly in th e Overseas Expan sion an d Colon ial Trade of
Eu rope Before 1800. The American Economic Review, 1948, v.38, n .2, p.53.
4. NOVAIS, F. A. O Brasil n os Qu adros do An tigo Sistem a Colon ial. In : MOTA C. G. (Org.)
Brasil em Perspectiva. So Pau lo: Difel, 1969. p.47-62.
5. Para Fern an d BRAUDEL, O processo de produ o u m a espcie de m otor de dois tem pos, os capitais circu lan tes so destru dos im ediatam en te para serem reprodu zidos ou m esm o au m en tados, j, a deteriorao do capital fixo u m a doen a econ m ica pern iciosa qu e
n u n ca se in terrom pe. Assim sen do, a estru tu ra econ m ica e tcn ica qu e con den a certos
setores particu larm en te a produ o in du strial e agrcola a u m a pequ en a form ao de capital. Sen do assim , n o de adm irar qu e o capitalism o do passado ten h a sido m ercan til, qu e
ten h a reservado o m elh or do seu esforo e dos seu s in vestim en tos esfera da circu lao. O
resu ltado u m a con tradio flagran te, pois em pases su bdesen volvidos o capital lqu ido, facilm en te acu m u lado n os setores preservados e privilegiados da econ om ia, seja por vezes su perabu n dan te e in capaz de ser in vestido de m odo til em su a totalidade. In stala-se sem pre
u m vigoroso en tesou ram en to. O din h eiro estagn a, apodrece; o capital su bem pregado.
Em certos m om en tos, u ltrapassa a qu an tidade de ben s capitais e de din h eiro qu e su a econ om ia poderia con su m ir. En to ch ega a h ora das com pras de terras pou co ren tveis, a h ora
das m agn ficas casas de cam po con stru das n essa poca, do desen volvim en to m on u m en tal,
das exploses cu ltu rais. Essas econ om ias produ ziam u m a qu an tidade n otvel de capital
bru to, mas em certos setores esse capital bru to derretia como n eve ao sol. BRAUDEL, F.,1996,
p.210-5. Sobre a n atu reza do capital m ercan til, n os term os em qu e aqu i foi delin eado, Cf.
ARRUDA, J. J. de A. Explorao Colon ial e Capital Mercan til. In : SZMRECSNYI T. (Org.)
Histria Econmica do Perodo Colonial. So Pau lo: Hu citec,1996. p.217-23.
6. Cf. MELLO, J. M. C. de, 1982. p.89.
7. FRAGOSO, J. L. R. 1992. p.20.
8. NOVAIS, F. A., 1972. p.23.
9. VAN BATH, S. Econ om ic Diversification in Span ish Am erica Arou n d 1600: Cen tres In term ediate, Zon es an d Periph eries. In : Jahrbuch fr Geschichte von Staat, Wirtschaft und Gesellschaft,
1979. p.78.
10. Sobre este tem a ver CARDOSO, C. F. A brech a Cam pon esa n o Sistem a Escravista. In :
Agricultura, Escravido e Capitalismo. Petrpolis: Vozes, 1979.
11. FRAGOSO, J. L. R., op. cit., p.21.
12. Estas reflexes, absolu tam en te n ecessrias, NOVAIS, F., 1997, relegou a u m a n ota de p
de pgin a de seu referido captu lo.
183
184
26. Cf. FURTADO, C., 1963, p.112.; PINTO, V. N. Balan o das Tran sform aes Econ m icas n o
Scu lo XIX. In : Brasil em Perspectiva. So Pau lo: DIFEL, 1969. p.125-46.
27. GOERTZEL, T. apon ta Fern an do Hen riqu e CARDOSO com o u m dos raros in telectu ais capazes de pren u n ciar estas possibilidades. Cf. O Modelo Poltico Brasileiro e Outros Ensaios. So
Pau lo: DIFEL, 1972. p.66.
28. Cf. MAURO, F. A Con ju n tu ra Atln tica e a In depen dn cia do Brasil. In : MOTA, C. G.
(Org.) 1822 Dimenses. So Pau lo: Perspectiva, 1972. p.38-47; MATTOSO, K. de Q. Os Preos
n a Bah ia de 1750 a 1930. In : LHistoire Quantitative du Brsil de 1800 a 1930. Paris: CNRS, 1973.
p.167-82; JOHNSON, H. B. Mon ey an d Prices in Rio de Jan eiro (1720-1860). In : MAURO, F.
(Org.), op. cit., p.39-47.
29. Cf. COSTA, E. V. da, 1969, p.63-124.
30. Cf. BRAUDEL, F., 1996. p.373. v.3.
31. Cf. ARRUDA, J. J. de A Mercado Nacion al e Mu n dial en tre o Estado e a Nao: Brasil, da
Coln ia ao Im prio. In : Estados e Sociedades Ibricas. Realizaes e Conflitos (Sculo XVIII-XX), Actas dos 3s Cu rsos In tern acion ais de Cascais, v.III, p.195-206, Cascais, 1996.
32. However, in m om en ts of crisis, th e aggressive pen etration of forein g com m erce in to th e
colon y cou ld lead to a desin tegration of th e system or th e loss (in depen den ce) of th e colon y.
ARRUDA, J. J. de A. 1991. p.397.
33. Cf. MAXWELL, K. Th e Atlan tic in th e Eigh teen th Cen tu ry: A Sou th ern Perspective on
th e Need to Retu rn to th e Big Pictu re. Transactions of the Royal Historical Society (Lon don ), 6th
series, v.3, p.230, 1993.
34. Prlogo das BALANAS de 1802, 1805, 1806 e 1807. MORAES, M. J. T. de Balana Geral do Commercio do Reyno de Portugal com seus Domnios. Lisboa: In stitu to Nacion al de Estatstica, 1807. Texto atu alizado. Em estu do recen te, Ern st Pijn in g an alisa de form a den sa e pen etran te a relao en tre con traban do e sistem a colon ial. Parte da con statao de qu e o fen m en o do con traban do era parte visceralm en te con stitu tiva do tecido da sociedade colon ial e
m esm o de su a m en talidade. Con stata, a partir da an lise das apreen ses realizadas pelo poder
p blico n o fin al do scu lo XVIII, n o Rio de Jan eiro, a in ten sificao do com rcio ilegal, pois
os altos e baixos das apreen ses m ostram a cau tela qu e se segu e s aes restritivas. De qu alqu er form a, o an o de 1798 expressivam en te distin gu ido pelo salto espetacu lar das apreen ses, defin in do u m m om en to especfico do fortalecim en to da prtica do con traban do n o
Brasil colon ial. Cf. PIJNING, Ern st, Controlling Contraband: Mentality, Economy and Society in
Eighteenth-Century Rio de Janeiro. Tese de dou torado, Joh n s Hopkin s Un iversity, Baltim ore,
Marylan d, 1997, p. 17.
185
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186
187
captu lo 11
189
Jos Tengarrinha
o num quadro legal reformista e as alianas que se estabelecem entre diversos grupos sociais inferiores e mdios no mbito das administraes locais.
Antes de tudo, as convulses que abalaram os campos quando das Invases com um triplo contedo de revolta social, guerra religiosa e luta nacional permitiram que as populaes rurais adquirissem, como nunca,
conscincia do seu poder; e que tais aes se revestissem, tambm, de um
sentido social superior, na medida em que a interveno rebelde, o ato amotinador passa a ser no apenas socialmente justificvel mas at dignificante.
uma verdadeira inverso de valores psicolgicos e morais da sociedade.
Outra diferena fundamental relativamente s movimentaes agrrias anteriores para alm das motivaes e do alargamento quantitativo
da interveno popular reside na substancial alterao das categorias sociais envolvidas, aparecendo agora as camadas mdias ou mdias inferiores
com uma participao na rebeldia social como no se vira at a, pelo menos com essa dimenso. Acabaro elas por ser, nesta fase, os principais motores da movimentao, na sua globalidade. E este fato de grande importncia na histria social portuguesa contempornea ir provocar motivaes polticas que se estendero, em ondas reflexas, por toda a sociedade.
No mais se poder dizer que o povo mido, de um lado, e a gente grada, do outro, em posies irredutveis, nem que a agitao social resulta de
atos irresponsveis de gente rude e ignorante. O tecido social que se envolve na contestao apresenta, agora, maior heterogeneidade.
visvel, alm disso, um maior inconformismo das populaes rurais, mesmo relativamente a situaes que no passado haviam aceito. As
prprias autoridades o reconheciam, com freqncia. Por exemplo, o provedor da comarca de Coimbra, ao intervir no conflito sobre os direitos banais em Penela (1816), admitia que a rebeldia dos agricultores tomara
maiores propores por influncia das modernas opinies e doutrinas dos
pretendidos defensores dos direitos dos povos.2 Ou o prior de Vila Nova de
Monsarros ao testemunhar, em 1814, que os habitantes, tendo comeado
por contestar os excessos cometidos na cobrana dos encargos do foral, acabaram colocando em causa os direitos senhoriais na sua totalidade, tanto
assim que o senhorio, cabido da S de Coimbra, pouco tem arrecadado.3
Emergem, assim, atitudes gerais de contestao que pem em causa, mais
frontalmente, relaes de dependncia e hierarquias tradicionais.
Tal favorece que o sentido poltico passe a impregnar mais a contestao social (tornando menos ntidas as fronteiras entre eles), o que abre
uma nova dimenso no relacionamento entre o social e o poltico.
O eco das lutas da segunda metade do sculo XVIII, solitrias e desesperadas, contra a opresso senhorial e a apropriao individual da terra,
est presente. Mas esta nova qualidade da contestao, ento emergente,
que se projeta na dimenso nacional, poltica e militar dos abalos anteriores e posteriores Revoluo de 1820.
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Jos Tengarrinha
Invases. S a partir de 1813, coincidindo com o incio da recuperao agrcola e de uma baixa de preos de longa durao, se reanima a movimentao rural, tendo registrado, a partir da at Revoluo de 1820, trinta movimentos com maior significado e envergadura.
A TERRA
Quanto aos conflitos sobre a terra, no surpreender o relevo que tomam neste decnio se tivermos em conta que a grande falta de gados que
se seguiu s Invases provocou acentuado aumento nos preos da carne e
da l; e que era dominante preocupao do Governo, coincidindo com os
interesses de agricultores ricos das provncias, aproveitar mais intensivamente as terras at a abertas para aumentar a produo agrcola.
A presso sobre a terra fez-se sentir, assim, no duplo aspecto dos pastos e da expanso do individualismo agrrio. Localizam-se tais conflitos,
predominantemente, como sempre, na regio de Castelo Branco, e tambm Guarda e Viseu.
Grandes criadores de gado sobretudo langero, nesses trs distritos
da Beira interior apossavam-se de melhores pastos, quer porque podiam
arremat-los por quantias mais elevadas quer pela influncia que exerciam
sobre os vereadores; tal poder sobre as governanas locais permitia, tambm, que estes criadores, e ainda os de gado vacum, usassem a seu favor os
odiados rendeiros do verde5 e assim pudessem cometer abusos com os rebanhos mesmo em terras cultivadas. Alm disso, proprietrios abastados
vedavam terras suas at a usadas como pastos comuns, sendo certo que,
sem eles, os pequenos agricultores no poderiam manter os seus gados de
lavoura e arranjar estrumes; tais vedaes, levantadas com a justificao de
abandonar o regime de longos pousios para agricultar mais intensivamente a terra, tambm muitas vezes se destinavam a pastos para uso dos gados
prprios ou para aluguel.
Protestos dos povos surgiram, tambm, na seqncia de aforamentos de terras baldias de que se serviam. De pouco valera a Portaria de
13.2.1815 recomendar, expressamente, que no exame dos baldios e terras
incultas se tomasse em conta o interesse que se pode tirar da sua cultura
e pores indispensveis para logradouros dos povos. Os interesses destes,
de fato, no foram em muitos casos devidamente precavidos, pelo que a linha de tenso permanece, muito viva, no mundo rural: de um lado, lavradores ricos, geralmente apoiados por corregedores e provedores, do outro,
pequenos agricultores, freqentemente com o apoio das cmaras, que deixavam assim de beneficiar com o aluguel, para pastos, dessas terras quando livres de culturas. Ao ponto de, em 1818 (Alvar 6-7), o Governo, mais
192
do que nunca receoso de agitaes sociais, define que deviam considerarse baldias as courelas no s enquanto os possuidores as no tapassem completamente, mas enquanto no possussem legtimo ttulo para as tapar.
Eram evidentes, neste domnio, as grandes hesitaes dos governantes. Houve locais em que os agricultores ricos tiveram influncia suficiente
para impor as vedaes (sobretudo, na Beira Baixa). Admitiam que, dessa
maneira, as rendas dos concelhos algo diminuam e tambm, com isso, a
tera real; mas defendiam que, resultando dos tapumes utilidade particular e pblica com o aumento da agricultura, a fazenda real acabava por
ser beneficiada com a maior tributao resultante do aumento da riqueza
produzida. Em maior nmero de locais, porm, as tentativas de apropriaes individuais e vedaes de terras comuns desencadearam tais oposies
que no puderam ser concretizadas. Ento, como mesmo depois em regime liberal, a desesperada luta dos agricultores pobres em defesa dos seus
baldios ir levantar obstculos ao avano do individualismo agrrio. Mesmo em perodo revolucionrio, os legisladores vintistas recuaro perante o
problema, sendo este um dos mais expressivos aspectos da sua incapacidade para desenvolver um projeto capitalista nos campos.
PROTECIONISMOS AGRCOLAS
A difcil conjuntura comercial que atravessa Portugal e a Europa nesse segundo decnio do sculo XIX teve enormes repercusses nos nossos
campos, sobretudo pelas dificuldades no escoamento do vinho nacional
para os mercados externos e pela entrada torrencial de gros estrangeiros.
Traduziram-se em grandes movimentos de protesto em vrias partes do
Reino que obrigaram o Governo a tomar medidas.
Na verdade, a exportao do vinho fundamental para a prosperidade do mais amplo setor comercial da agricultura portuguesa, para obter
benefcios alfandegrios e para diminuir o desequilbrio da balana comercial atravessava grandes dificuldades. s que se prendiam com a adversa
conjuntura internacional, somavam-se as resultantes da abertura dos portos do Brasil aos vinhos de todas as naes, com destaque para os franceses
e espanhis e, igualmente, aorianos; e tambm do aumento da entrada
dos vinhos espanhis em Inglaterra e dos favores desta importao dos do
Cabo da Boa Esperana, o que fez diminuir tendencialmente o consumo
dos vinhos portugueses no nosso principal importador. Em 1811, a situao era particularmente grave, com a descida da exportao geral para um
quarto em relao a de 1798 (84.386 pipas em 1798, contra apenas 21.972
em 1811); em 1812, tem a mesma gravidade (ligeira, a subida para 28.168
pipas). Nestes 2 anos, a exportao para o Brasil e domnios ainda relativa-
193
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pelos interesses comerciais que a ela se ligavam. Os preos baratos dos estrangeiros fizeram parar a venda dos trigos e milhos nacionais. Comparando as entradas no Terreiro Pblico em 1790 e 1812, verifica-se que a de
gro nacional, naquele primeiro ano, foi de 27.748 moios e, no segundo,
de 8.184, em vez da evoluo da entrada do gro estrangeiro que, em 1796,
foi de 66.738 moios e, em 1812, de 268.846.10 Em produto de vendas, vse que, no mesmo Terreiro, e nos anos de 1810 a 1812, as dos gros estrangeiros passaram de 73,5 milhes de cruzados, ao passo que as dos nacionais
no chegaram a 6 milhes. Se quele primeiro produto se juntar o das
quantidades de gros vendidos fora do Terreiro sem pagar a devida comisso e das que entraram e se venderam em diversos pontos do Reino nesses
anos, poder avaliar-se a importncia total da venda dos gros estrangeiros
neste perodo em 112 milhes de cruzados; em grande contraste, pois, com
os anos de 1808 e 1809, em que a importncia dos gros estrangeiros entrados e vendidos no Terreiro alcanou apenas 8 milhes de cruzados e a
dos nacionais passou de 7 milhes.11 Ao longo de todo o decnio, assiste-se
incapacidade do trigo nacional competir com a barateza do estrangeiro,
apesar das providncias dadas pelo Governo para sustentar-lhe o preo. Os
protestos dos produtores de cereais subiram de tom perante a extraordinria importao de gros estrangeiros nos ltimos meses de 1818, continuada no ano seguinte. Ainda em vsperas da Revoluo, no ltimo relatrio
para o Rio de Janeiro, os governadores do Reino alertavam estar a agricultura arruinada pelo baixo preo do gro estrangeiro que tem inundado o
Reino, de que resulta o abandono da cultura que o lavrador no pode continuar sem perda e o conseqente abatimento de todas as rendas que consistem em frutos.12 Do Ribatejo e Alentejo, sobretudo, levantaram-se os
clamores para que se proibisse a entrada dos gros ou, ao menos, fossem os
comerciantes obrigados a incluir nas compras uma parte dos nacionais ou
outra qualquer providncia que facilitasse a venda destes. Foi um movimento de protesto de grande amplitude que obrigou o Governo de Lisboa,
com alguma precipitao, perante o silncio do Rio de Janeiro, a promulgar medidas protecionistas.13
PREOS E SALRIOS
Perante uma to agressiva concorrncia externa e as dificuldades de
coordenao do espao econmico nacional, iriam acentuar-se desequilbrios regionais, aes comerciais especulativas, desajustes entre preos e salrios, gerando tenses de diversas naturezas que eclodiram, por vezes, em
conflitos de considervel envergadura.
Assim, rivalidades entre regies prximas com os mesmos produtos
no raro provocavam confrontos, o que era mais freqente quando se tra-
195
Jos Tengarrinha
A PRESSO FISCAL
A situao nacional fortemente condicionada pelas grandes dificuldades financeiras do Tesouro. Nos relatrios enviados pelos governantes de
Lisboa para a Corte no Rio de Janeiro em maio de 1809 mostrava-se que
todas as rendas do Estado no chegavam, ento, a satisfazer sequer as despesas militares.17 As receitas das tributaes ordinrias mostravam um
acentuado decrscimo em todas as rubricas, entre 1801 e 1811.18
Mltiplas causas estavam na origem da insuficincia das receitas.
Umas, diretas resultantes das Invases: dificuldades de cobrana das rendas
rgias em virtude da desorganizao do aparelho de suco fiscal e quebra
geral das atividades econmicas que, conjugada com a escassez de numerrio, se refletia em forte diminuio das trocas internas; outras, ligadas s
trocas externas, que provocavam considervel quebra nos importantes rendimentos das alfndegas: diminuio do comrcio devido abertura dos
196
portos do Brasil aos mercadores estrangeiros, agressiva concorrncia internacional e recesso geral europia. Ambas, provocando forte diminuio
dos impostos indiretos, que forneciam ento cerca de 60% das receitas fiscais. Outras, ainda, em conseqncia da fixao da Corte no Rio de Janeiro: deixaram de pertencer a Portugal os rendimentos rgios do Brasil, Ilhas
e domnios na sia e frica, escoavam-se para o Brasil os capitais e as rendas da famlia real e dos nobres, altos funcionrios e capitalistas que a
acompanharam. E, ainda, as que vinham da falta de confiana no Estado,
que se refletia no abaixamento dos valores ou mesmo no arrematao de
contratos rgios. Viam-se os maiores capitalistas e negociantes passar para
fora grande parte dos seus capitais, colocando-os em operaes comerciais
e bancos no estrangeiro (em especial da Inglaterra e Irlanda), apesar de auferirem assim quase metade dos juros que lhes ofereciam os emprstimos
pblicos abertos em Portugal (6% ).19 A que se somava a contnua diminuio, desde o terceiro quartel de setecentos, do envio de remessas de metais
preciosos do Brasil: o produto do quinto do ouro brasileiro, em 1819, no
ia alm de 270.000 cruzados quanto ao de Minas Gerais e no ultrapassava os 90.000 cruzados o das restantes capitanias.
Se tivermos em conta este conjunto to poderoso de causas, num
Reino exausto e com um aparelho fiscal menos eficaz, deveremos admitir
que, apesar da quebra no rendimento global, as recolhas feitas mostram,
como em Espanha, uma presso tributria crescente. Traduzia-se em mais
apertada cobrana das rendas da Coroa, tanto as de natureza senhorial
como as de carter fiscal, quer feita pelos almoxarifados quer pelos contratadores. De 1812 a 1817 assiste-se, mesmo, a uma inverso na tendncia,
com uma considervel subida na receita efetiva do Estado.20 A partir de
1816, porm, eram visveis os sinais de novo agravamento, a receita volta
a cair bruscamente, o endividamento do Estado cresce em ritmo ainda mais
preocupante, entra-se na rampa final para a Revoluo de 1820. Em Portugal, como noutros pases europeus, a Fazenda surge como um dos mais
poderosos inimigos da monarquia absoluta.
Essa maior presso fiscal no poderia deixar de desencadear tenses
e conflitos no mundo rural.
A questo das sisas assume particular relevo, sendo ento a fuga ao
seu pagamento motivo freqente de queixas das autoridades, que a apontavam como uma razo importante na diminuio das receitas do Errio. Entre os movimentos mais significativos neste domnio, assinale-se, logo em
1812, no termo de Lisboa, a amotinao de lavradores e criadores contra o
rendeiro principal das sisas dos gados, que lhes lanara penhoras e procedimentos judiciais por no manifestarem nem pagarem sisa das vacas de criao e lavoura.21 Ou o forte movimento de protesto dos moradores da vila do
Sabugal, em 1815, contra injustias do juiz de fora de Castelo Branco no encabeamento das sisas, lanando importncia superior do patrimnio real.22
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exercer, sobretudo, desde finais do terceiro quartel do sculo XVIII, e da exploso social de 1808. Era a moderada rplica aos ataques frontais ao regime senhorial que percorriam a Europa napolenica e ao programa de mudanas revolucionrias que em Espanha fora formulado no convulsionamento antifrancs das lutas das Invases.
As conseqncias do pequeno programa de intenes que era a
Carta Rgia de 1810 repercutem-se em diversas direes. Por um lado, promove o debate poltico-jurdico, nela procurando apoio algumas posies
mais avanadas,32 por outro, so tomadas na sua seqncia algumas medidas legislativas que, concretamente, limitam certos direitos senhoriais; e
ainda, como se disse, estimula a contestao dos encargos senhoriais.
Peran te os riscos qu e da vin h am , o Govern o de Lisboa levan ta dificu ldades aplicao das reform as. Apesar da m aior abertu ra do prin cipal
Sou sa, predom in am as in flu n cias con servadoras. So m u ito sign ificativas
algu m as das objees qu e os govern an tes levan tam , em especial con tra m odificaes n as im posies dos forais: dificu ldades de u m a tal operao, tan to qu an to s averigu aes n ecessrias com o avaliao das com pen saes
aos sen h orios; os in con ven ien tes das in ovaes; dificu ldade de estabelecer
u m a im posio direta qu e su bstitu sse as extin tas, alegan do qu e os povos receberiam m al n ovas im posies, acostu m ados com o estavam s ju gadas,
teros e qu artos; em bora recon h ecen do qu e a extin o dos direitos dos forais pou co efeito tin h a n o Errio (com o os liberais iriam com provar ao discu tir esta m atria n as Cortes de 1821-1822), m u ito afetariam algu m as com en das, corporaes eclesisticas e in divdu os a qu em perten cem , qu e assim se in disporiam con tra o Govern o; alm de provocar o risco im in en te de u m a su blevao dos povos qu e ou por ign orn cia ou por m alcia recu sariam pagar n o s os direitos su prim idos m as todos os dos forais.33
Assim, a recuada posio do Governo de Lisboa est ainda longe,
mesmo, das propostas da Comisso nomeada para o efeito.34 Apenas admite que, alm dos pequenos encargos dos forais cujo rendimento era as
mais das vezes absorvido pelas despesas da cobrana , deviam ser prontamente extintos os direitos banais, que na prtica j no eram em geral respeitados, e os servios pessoais, mas apenas os que no estivessem convertidos em dinheiro; que s parcialmente se tocasse noutro direito pessoal, as
lutuosas, que a referida Comisso considerava, com aqueles, o nico resto que ainda ficaria de feudalismo; e aconselhando a que no se alterasse
o direito enfitutico, fonte permanente de litgios.35
Razo tinha o Governo, ao recear que a supresso de alguns direitos
acabaria por arrastar contestao de outros. Com efeito, o simples fato de
superiormente se admitirem reformas estimulava as atitudes gerais de rebeldia. Tal concorreu para que, entre os diversos movimentos de protesto
que percorreram os campos portugueses nesse decnio anterior Revolu-
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Entre outros casos, vejamos, por exemplo, o movimento dos moradores de Martim Anes (concelho da Guarda), que em 1815 se recusaram
generalizadamente a satisfazer direitos senhoriais impostos pelo mosteiro
de Arouca e seu enfiteuta,37 o dos povos de Santo Andr de Poiares (concelho de Poiares) e de Penacova que, partindo de um protesto contra os excessos na cobrana de imposies senhoriais pela poderosa casa de Cadaval,
em 1815, acabaram por abranger a totalidade dos direitos,38 o dos agricultores de S. Silvestre (concelho de Coimbra) que desenvolveram desde princpios de 1820 uma ao de resistncia contra abusos e excessos na cobrana de direitos senhoriais, sem que fossem apresentados ttulos justificativos,
o que punha em causa a legitimidade dos direitos no seu conjunto.39
Mas a movimentao mais ampla e de maiores repercusses foi a
que se desenrolou nos coutos do mosteiro de Alcobaa.40 Iniciada em 1815,
desenvolveu-se at a Revoluo de 1820 e os seus ecos estenderam-se a
todo o Pas, inclusive s Cortes liberais quando se discutia a reforma dos forais e dos direitos senhoriais.
O movimento desencadeou-se a partir do referido Alvar Rgio de
11.4.1815, que isentava de encargos do foral as terras improdutivas que se
quisesse cultivar. Os agricultores de vrios lugares daqueles coutos passaram
logo nesse ano a pressionar para a execuo da medida. Alegavam ser possuidores de vrias terras de que era senhorio o mosteiro de Alcobaa e que
estavam incultas, abandonadas e desamparadas por falta de braos e de
meios e por serem oneradas com o pagamento de encargos ao mosteiro. Quiseram, pois, passar a cultiv-las com o benefcio da nova iseno, mas foram
impedidos pelos religiosos, que interferiram decididamente. Em face disso, fizeram os agricultores uma exposio ao Trono, em 19 de janeiro de 1816, pedindo que se procedesse a averiguao dos terrenos incultos que poderiam
ser abrangidos pela iseno. Mais de um ano depois (referida Proviso Rgia
de 12 de fevereiro de 1817) avanava-se que na referida iseno deveriam
tambm ser compreendidas as terras dos donatrios que, tendo sido em outro tempo amanhadas, estivessem abandonadas. E, em novembro desse ano,
em vrios locais da comarca de Alcobaa, foram afixados editais avisando os
agricultores de que deviam apresentar at final do ano as suas alegaes para
ficarem isentos do pagamento. Imediatamente eles requereram que o juiz ordinrio procedesse a diligncias nesse sentido, mas pela segunda vez o mosteiro impediu-as, intimidando e ameaando os que as haviam solicitado.
Crescia o nmero de agricultores que se negavam ao pagamento de dzimos,
quartos e oitavos, assumindo o movimento a expresso de uma contestao
global das prestaes exigidas no foral. Em vsperas da Revoluo de 1820,
a confrontao subia de tom, de parte a parte, ganhando especial significado
por se desenrolar nos imensos domnios pertencentes a um dos maiores, ou
porventura o maior senhorio eclesistico do Reino.
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virulncia dos do sculo XVII, ao contrrio destes no mostram extensa solidariedade vertical, desde os nobres aos camponeses pobres. O agravamento pesa em especial sobre as camadas baixas, no apenas porque a sua predominante agricultura de subsistncia no registrara aumento de produtividade e at denunciara generalizado decaimento (e assim era puncionada
uma riqueza em decrscimo) como tambm porque acabavam por ser elas
as principais prejudicadas com as isenes dos privilegiados (no sistema de
encabeamentos, as isenes de uns agravavam outros). Assim, nos protestos das camadas rurais inferiores contra tributaes da Coroa, vislumbra-se,
como no primeiro vintnio da segunda metade do sculo XVIII, o duplo
sentido de uma contestao anti-senhorial e contra uma pequena nobreza
e notveis locais que, legitimamente ou no, gozavam de tais isenes.
Nos conflitos sobre pastos, os pequenos agricultores e criadores tiveram de enfrentar a presso crescente dos criadores de gado que pretendiam
expandir os seus domnios. Aqueles tinham, porm, meios limitados e frgeis para se opor fora destes, pouco mais lhes restando do que o protesto e o apelo ao monarca. Tanto mais que, como se disse, os ricos proprietrios e criadores gozavam freqentemente dos favores das autoridades locais, que lhes cobriam, at, aes arbitrrias e abusivas.
Outras situaes em que era visvel o conluio entre gentes da governana e poderosos locais eram as especulaes sobre preos, que s cmaras cabia evitar em primeiro lugar, e as taxaes de salrios. Como numerosas vezes ocorreu no passado, vimos, por exemplo, a Cmara de Coimbra, em 1814, ceder ao poder dos monopolistas, no tomando medidas
para impedir que estes ocultassem os gneros de primeira necessidade a fim
de provocar escassez e encarecimento deles; e, no mesmo ano, em Santarm, a Cmara atuar ao sabor da vontade dos lavradores de vinhas para que
os salrios fossem taxados a partir de fevereiro; entre muitas outras situaes com menor repercusso.
Assim, o poder administrativo local e o poder de uma burguesia rural
com fora econmica considervel em muitos casos se encontravam estreitamente entrelaados, ao ponto de serem at representados pelas mesmas pessoas.
Diferente, porm, era a posio das administraes locais perante as
vedaes de terras, mesmo quando executadas por poderosos e influentes
proprietrios. Nestes casos, com freqncia, viam-se as cmaras lesadas
por lhes serem retirados espaos que at a arrendavam juntarem-se aos
pequenos agricultores nas mesmas aes de protesto. Desempenhou o quadro institucional aqui, pois, algum papel mediador.
Todas estas linhas conflituais mantm as caractersticas qualitativas essenciais do sculo anterior (variando apenas a intensidade), o que j no acontece
com as de natureza anti-senhorial, que apresentam diferenas considerveis.
Naquelas, predominara a solidariedade horizontal das camadas sociais
mais baixas contra as mais abastadas. Tratava-se de lutas contra a expanso do
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nomos pelas terras prprias que tinham vindo a adquirir. Condies materiais e psicolgicas favorveis, pois, ao aumento da sua interveno na luta
anti-senhorial e sua convergncia nessa luta com os camponeses pobres
que sempre a haviam mantido.
Assiste-se, ento, a um fenmeno de grande significado poltico: no
apenas no Centro Litoral como noutras partes do Reino, as cmaras (onde
recuara a influncia dos donatrios e aumentara a dos notveis) passam a
apoiar mais decididamente os agricultores (ricos e pobres) na sua luta contra
os donatrios religiosos. Tal se verificou, sobretudo, a propsito das prestaes raoeiras, nomeando louvados que se opunham aos indicados pelos senhorios ou seus contratadores de rendas para a avaliao das produes.
Esta solidariedade reforou-se quando o referido reformismo de Estado criou condies polticas favorveis contestao dos encargos senhoriais e em tempo e locais em que as confrontaes sobre terras comuns no
atingiam grande expresso. E quando, em 1813, com o incio da longa tendncia para a baixa dos preos, esses notveis locais, produzindo para
mercado, so os mais duramente atingidos, ao contrrio da agricultura de
subsistncia. V-se, ento, as pessoas mais distintas de algumas terras
aliarem-se a pequenos agricultores e at assumirem a sua liderana na oposio s avaliaes das produes para determinao dos quantitativos dos
encargos e na luta pelas isenes estipuladas pelo Alvar Rgio de
11.4.1815. significativo que, nos documentos emanados dos agricultores,
pela primeira vez os donatrios apaream pejorativamente designados
como aristocratas, marcando ntida clivagem com todos os outros que
no beneficiavam dos favores rgios.
Tal aliana social em regies de mais dura conflitualidade senhorial e
a utilizao das cmaras como instrumento poltico dessa aliana no combate ao velho regime so fatos que no podero deixar de ser tomados em
conta para a compreenso das condies que favoreceram o desencadeamento do processo liberal vintista.
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CON CLUSES
Indaguemos, antes de tudo, da relao entre as tenses e contestao que vimos desenvolverem-se no espao rural portugus aps 1810 e o
desencadeamento da Revoluo de 1820.48
Se adotssemos o critrio, to limitado, e de que tanto se abusou no
passado, de uma simples relao de causa e efeito entre alteraes de preos e mudanas sociais e polticas, poderamos ser tentados a sobrevalorizar
o fato de a Revoluo liberal se inserir numa baixa de longa durao, que
se inicia em princpios do segundo decnio do sculo XIX e s amortece cerca de 1825-1826; de que poderia sair a explicao da apatia das massas
rurais pobres (beneficiadas com o po barato, sem que a sua agricultura de
subsistncia sofresse com isso) e alguma maior agitao dos agricultores
produzindo para mercado, fortemente prejudicados com a conjuntura dos
preos e do comrcio externo e interno.
Quando estudamos os movimentos agrrios a partir do seu interior
e no de simples curvas de ndices econmicos verificamos que eles se
relacionam tanto com dinmicas gerais da sociedade, de que os preos so
uma das expresses, como com fatores prprios da sociedade rural, de diversas naturezas. O que nos coloca a questo de como o mundo rural se insere no conjunto da sociedade.
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nham as cmaras condies para ser um instrumento poltico representativo da generalidade das aspiraes anti-senhoriais.
Por outro lado, estas elites locais no eram agentes de ruptura com
o regime senhorial, relativamente ao qual tinham, de resto, no poucos
pontos de compromisso, em especial no plano das concesses enfituticas.
Impeliam as cmaras defesa dos interesses gerais da comunidade contra
os senhorios, sobretudo, quando reconheciam serem favorveis as condies polticas gerais: assim, em 1815-1820, sob o impulso reformista do Trono, e em 1820-1823, ainda com maior expresso, quando estavam criadas
condies polticas favorveis reforma dos direitos senhoriais e foi alterada por via eletiva a composio de numerosos elencos camarrios, de acordo com a nova legislao liberal.
Tal enquadramento social e institucional imprime presso rural
no um sentido revolucionrio, mas reformista. O que se traduzir no escasso alcance transformador da legislao vintista. Em contraste, pois sobretudo nas zonas onde tinha sido e estava a ser mais intensa a luta antisenhorial , com as expectativas levantadas pela Revoluo liberal e os trabalhos das Cortes, que se anunciava irem acabar com os forais e os dzimos,
o que no aconteceria.
O mundo poltico liberal no alheio a tudo isso. Vrios destacados
dirigentes liberais, quer por razes profissionais (corregedores, juzes ou advogados ligados a pleitos nos meios rurais), quer familiares e pessoais (filhos de agricultores ou eles prprios foreiros e enfiteutas) acompanharam
muito de perto as tenses rurais que antecederam a Revoluo. No surpreende, pois, que o Governo e os deputados liberais se tenham mantido
muito atentos s reaes do campo, sendo falsa a idia generalizada na historiografia portuguesa de que estiveram de costas viradas, como dois mundos que se ignoraram. Da, se compreende o grande esforo que os liberais
fizeram sem comparao com qualquer governo do passado para ultrapassar as seculares distncias, incompreenses e suspeitas entre o mundo
rural e o mundo urbano.
Primeiro, houve que conter as impacincias, com o concelho de se
aguardar a lei de reforma dos forais, que traria grandes benefcios. Ao mesmo tempo, dotavam-se os intermedirios culturais (advogados, burgueses
letrados e clrigos liberais espalhados pelas provncias) com instrumentos
ideolgicos adequados: jornais, livros, editais, folhetos, catecismos, manifestos, proclamaes, circulares quer da iniciativa do Governo e das autoridades militares quer de algumas cmaras.52
Tentando usar a seu favor a influncia clerical junto das populaes
rurais, as Cortes liberais resolveram que os arcebispos e bispos deviam divulgar pastorais incitando os seus diocesanos a aderir e obedecer ao novo
governo, esclarecendo-os de que as reformas no feriam a religio tradicio-
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nal (Res. 26.2.1821), e que os procos esclarecessem nas homilias as vantagens do novo regime e a no conflitualidade de princpios entre a Regenerao e a religio (Decr. 28.2.1821, reforado com a Port. 1.10.1821).53
Mas a operao de propagan da liberal m ais am pla dirigida diretam en te s popu laes dos cam pos desen volveu -se com base n a lei de reform a dos
forais. Logo u m m s aps a prom u lgao desta, u m aviso da In ten dn cia Geral da Polcia (5.7.1822) m an dava qu e ela fosse lida e explicada s popu laes, em qu atro dom in gos segu idos, em todas as cm aras do Rein o.54
Este esforo de propaganda no deixaria de ter efeitos, sobretudo, na
zona compreendida entre o Douro e o Tejo. A lei de reforma dos forais seria, em vrios locais, o ponto de partida para uma contestao global dos direitos senhoriais, indo assim muito alm das suas limitadas formulaes.
Provocaria um recrudescimento da rebeldia onde a opresso senhorial era
mais dura, sobretudo quando baseada em penses raoeiras e dzimos. Seria essa a razo principal da abolio da lei em 1824 (um ano aps a queda
do regime constitucional) e no os efeitos lesivos que dela resultariam para
os senhorios. A abolio vai provocar uma reao de vrios senhorios no
sentido do regresso a imposies ainda mais pesadas. V-se, ento, em diversos locais, as populaes que em 1822 e 1823 haviam contestado o limitado alcance da lei, aps a queda da monarquia constitucional apoiarem-se
na mesma lei para enfrentarem aqueles senhorios. Sem que isso significasse, porm, identificao poltica quer com o regime absoluto quer com o
regime liberal.
Diferente era a situao em outras partes do Reino, nomeadamente
no Minho, regio transmontana e parte da Beira Alta. A, nas zonas onde
predominavam a enfiteuse e a subenfiteuse (sobretudo no Minho e parte
de Trs-os-Montes) eram generalizados os benefcios da estabilidade da
posse da terra quer para os que a trabalhavam quer para os que beneficiavam de foros enfituticos. Eles viam com apreenso a legislao liberal que
desencadeara uma certa confuso entre bens da Coroa e bens patrimoniais,
pois a contestao rural estendeu por vezes as redues enfiteuse particular, numa contaminao pelas penses foraleiras que as Cortes haviam tentado a todo o custo evitar. Nestas regies, a mobilizao das populaes rurais contra o regime liberal foi facilitada, pois, pelos receios sobre a segurana da propriedade. A insegurana dos proprietrios era referida nas Cortes como um fator de desapego ordem constitucional. Dever ter-se em
conta, tambm, a influncia pessoal de grandes senhorios laicos que na regio duriense se encontravam presentes em maior nmero, nos seus domnios: mantinham com as populaes rurais uma relao simultaneamente
de opresso e proteo (alguns tinham mesmo chefiado a luta contra os invasores e defendido os povos), numa atitude que poderamos qualificar
como de duro paternalismo. Alm de que era a, tambm, que a igreja
conservadora exercia maior influncia, como se viu nas lutas de 1808, que
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por isso tiveram um carter dominante de guerra religiosa contra os mpios jacobinos franceses e, agora, contra os liberais portugueses.
A interpretao do comportamento do rural a partir de motivaes
exclusivamente ideolgicas, sem ter em conta a ligao s suas condies
materiais de existncia nem a complexidade da relao que entre esses planos se estabelece, tem conduzido, pois, a uma viso redutora na historiografia portuguesa. A idia de que o projeto do rural se limitava ao absolutismo ou ao miguelismo fazia esquecer o essencial: no se pode identificar a sua contestao social com um modelo ou um projeto poltico.
Nem sequer a afeio de uma parte do campesinato ao miguelismo
se poder confundir com apoio ao regime absoluto e organizao senhorial da sociedade em que este assentava. Tenho defendido que tal afeio,
como fenmeno coletivo bastante generalizado, encontra a sua mais forte
raiz no vazio psicossocial que se gerou nas populaes, sobretudo rurais,
mesmo com alguns tons dramticos, quando da ida da Corte para o Brasil
em dezembro de 1807, aproximao das tropas de Junot. E agravado com
a longa permanncia do outro lado do Atlntico, muito alm da sada das
tropas francesas do territrio nacional. O que fez correr, nas provncias, o
rumor de que o monarca abandonara o Reino, entretanto confiado a uma
Junta Governativa integrada por um general ingls, e estava mesmo disposto a entreg-lo Espanha, em troca de territrios a sul do Brasil (regio cisplatina). Outros tinham o anseio de que tal como no passado, em momentos de crise nacional, se visionara a chegada do rei Sebastio, perdido
na derrota de Alccer-Quibir tambm D. Joo VI estava prestes a chegar
ao Tejo. Este vazio foi agravado com a morte do rei e a crise de sucesso que
se seguiu, considerada afastada a investidura do primognito D. Pedro por
se ter assumido como imperador de um reino independente.
O fundo da questo era que, ao transferir o centro dos sentimentos
de dependncia e solidariedade dos portugueses da ordem pessoal, o rei,
para a ordem impessoal, a ptria, operava-se uma verdadeira revoluo
sentimental: porm, o valor simblico do primeiro diminura (mero primeiro magistrado, que tambm devia obedincia s decises dos que representavam a Nao) sem que a segunda j se impusesse, pois assente num conceito de soberania nacional ainda no suficientemente estruturado, numa
base muito instvel e frgil de organizao jurdica da democracia. Criavase, assim, um vazio de representao de poder e autoridade gerador de forte instabilidade psicossocial, que D. Miguel preencheria. Seria ele a consubstanciar, de algum modo, um projeto unificador, mas socialmente retrgrado e fora do quadro constitucional.55
O fenmeno do apoio de largas massas rurais a D. Miguel est longe
de significar, pois, a sua identificao com o regime absoluto e a opresso
senhorial. Tentar preservar os valores tradicionais como garantia de segu-
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rana e estabilidade no implicava defender o sistema social que os gerava. Eram valores que, na mente do rural, existiam fora de uma organizao social determinada e temporalmente circunscrita, como se fossem de
todos os tempos e lugares.
Estava impedida, assim, a possibilidade de o campesinato desenvolver ao e projeto autnomos no processo transformador da sociedade de
Antigo Regime e desempenhar papel relevante na construo do novo regime. No estava, porm, eliminada a influncia sobre o Poder que a movimentao rural exercia, correspondente a fases do desenvolvimento desta: o mbito local, onde predominava o isolamento das comunidades campesinas, criando dificuldades transmisso; a ressonncia dos alarmes dos
agredidos nas instncias do Poder; e as consonncias desses alarmes com
aqueles que julgavam dispor de solues. Assim, o encaixe do protesto popular agrrio nas estruturas da sociedade e do Poder vai-se alterando, criando diferentes dinmicas que esto presentes quer nas propostas reformistas
pr-liberais quer nos trabalhos das Cortes vintistas. Contribuem para radicalizar as posies de uns, no sentido no da reforma mas da abolio dos
forais (o que s seria feito em 1832), e para atemorizar outros, receosos de
que a abolio dos foros foraleiros arrastasse abolio dos foros enfituticos, provenientes de emprazamentos particulares, de que beneficiavam.
As novas dinmicas da interveno popular aps as Invases, na seqncia das linhas de contestao rural desde o ltimo quartel do sculo
XVIII, do argumentos aos que defendem a necessidade inadivel de reformas e tornam mais ntidas as clivagens no campo liberal, aps a Revoluo.
Mas no se poder dizer que a extino do Antigo Regime e o advento da
sociedade liberal ocorram a culminar um processo opondo irredutivelmente classes feudais e classes burguesas. O processo ser conduzido como
se deduz do que atrs ficou brevemente exposto por um bloco social, dominado por um senhorialismo renovado, em que a burguesia tem um papel subalterno. O percurso ser feito mais pela sucesso de readaptaes
do que de descontinuidades.
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N OTA S
1. ANTT, CF, Consultas, L. 31,f. 67.
2. Manifesto das Contendas do Cabido da S de Coimbra com o Prior e Moradores do Couto de Vila
Nova de Monsarros (Annimo). Lisboa: Impresso Rgia, 1815.
3. Muito abundante documentao sobre este assunto consultamos em ANTT, MJ, vrios maos
(ex. n. 184 e 233) e CF, Consultas, diversos livros (ex. n. 25).
4. Os que arrendavam a cobrana das multas sobre os que punham os seus gados a pastar, irregularmente, em terras que no lhes pertenciam ou em perodos no-autorizados.
5. Balanas Gerais do Comrcio do Reino de Portugal..., elaboradas por Maurcio Teixeira de Morais (INE, AHMOP, e ANTT). Adrien Balbi, Essai Statistique, I, p. 152. NEVES, A. das Memria sobre
os Meios de Melhorar a Indstria Portuguesa... In: Obras Completas. Porto: Afrontamento, s.d. v.4,
p.125. E ALEXANDRE, V. Os Sentidos do Imprio. Questo Nacional e Questo Colonial na Crise do Antigo
Regime Portugus. Porto: Afrontamento, 1993. p.787-92.
6. ANTT, MNE, Cx. 899.
7. ANTT, MR, Governadores do Reino..., L. 316, f. 110, conta de 7.1.1815 e f. 125v.-126, conta de
21.2.1815 e L. 317, p.50-1, conta de 16.2.1816 e p.201-5, conta de 17.9.1816.
8. ANTT, CF, Consultas, L. 25, f. 12; MR, Governadores do Reino..., L. 316, f. 110 e L. 317, p.201205, contas, respectivamente, de 7.1.1815 e 17.10.1816.
9. ANTT, MR, Governadores do Reino..., L. 315, f. 269-273 v., conta de 15.1.1814.
10. ANTT, MR, M. 356, n.16.
11. ANTT, MR, Governadores do Reino..., L. 319, p.452-65, conta de 2.6.1820.
12. ANTT, MR, Governadores do Reino..., L. 319, p.126-8.
13. Ver, por exemplo, ANTT, DP Corte..., M. 612, n. 9 e M. 613, n. 1.
14. Ver, por exemplo, o movimento de protesto das populaes da rea de Coimbra, em julho de
1814, que teve considerveis repercusses (ANTT, DP Beira, M. 367, n. 27 768).
15. ANTT, MR, M. 460.
16. Nesse ano, a renda lquida do Estado foi de 5.625.541$694 ris e, s com o Exrcito, os gastos
subiram a 5.971.334$122. Para o conhecimento da situao no Reino e das polticas de Lisboa e do
Rio de Janeiro neste perodo foi fundamental o estudo exaustivo que fizemos da correspondncia
trocada entre o Governo de Lisboa e a Corte no Brasil entre 1808 e 1821: ANTT, MR, Governadores do Reino. Registro de Cartas ao Prncipe Regente (1808 a 1821), LL. 314-321 e Ordens do
Prncipe Regente para os Governadores do Reino (1809 a 1820), LL. 380-383.
17. Globalmente, a mdia anual dessas receitas passou de 9.299.335$185 no trinio de 1801-1803
para 6.444.718$274 ris em 1809-1811, com base em dados de um relatrio redigido em 31.5.1812
e enviado para o Rio de Janeiro (ANTT, Ministrio dos Negcios Estrangeiros, Cx. 894, s.n.).
18. Admitiam ter, assim, a segurana da pontualidade com que lhes pagavam os juros e sem o encargo de tributos Fazenda.
19. Ter resultado da maior eficcia da Secretaria de Estado dos Negcios da Fazenda (cuja competncia e expediente passaram a ser regulados pelo Decreto de 8.10.1812), bem como do perodo de
paz e da recuperao econmica que se vive.
20. ANTT, CF, Consultas, L. 24, f. 70 v.
21. ANTT, DP - Beira, M. 209, n. 13 637.
22. Considerando em conjunto as alfndegas e todos os mais rendimentos dos cofres de correntes,
do trinio de 1801-1803 para o de 1809-1811 h um abaixamento da receita anual mdia de
7.290.954$759 para 5.082.232$852.
23. ANTT, DP Beira, M. 160, n. 11 490.
24. A receita anual mdia, no trinio 1801-1803, fora de 121.605$697, ao passo que no de 1809-
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46. Informaes recolhidas de um conjunto documental, at agora no estudado, constitudo pelos relatos dos corregadores e juzes de fora ao intendente geral da Polcia sobre o estado do esprito pblico no Reino em 1817 (ANTT, MR, M. 461); alm de pasquins e panfletos e informaes
contidas nos Livros de Secretarias da Intendncia Geral da Polcia, de que utilizei uma parte na minha Histria da Imprensa Peridica Portuguesa, 2. ed., p.69-74 e 82-3.
47. No limitado espao deste artigo, apenas poderamos ficar s portas da Revoluo. O estudo que
fizemos das contestaes e lutas agrrias que se desenvolveram em Portugal nos primeiros anos do
liberalismo no cabia aqui.
48. Manifesta-se tambm, entre outras medidas, pela retomada das audincias rgias semanais ao
povo.
49. Aps a Revoluo liberal, abrem-se condies mais favorveis ao impulso do movimento peticionrio, que, em contraste com o carter organizado dos cahiers de dolances franceses de 1789,
apresenta uma predominante espontaneidade. Este movimento peticionrio do primeiro trinio
constitucional encontra-se na seqncia do anterior. At o formulrio usado ao dirigir-se s Cortes
liberais era idntico ao das antigas peties ao monarca instrudas pelo Desembargo do Pao: Soberano Congresso, Augusto Congresso, Vossa Majestade.
50. Colectivismo Agrrio en Espaa, 1.ed., 1899.
51. Ver, por exemplo, Coleo Geral e Curiosa de Todos os Documentos Oficiais e Histricos Publicados por Ocasio da Regenerao de Portugal desde 24 de agosto, Lisboa, Tip. Rollandiana, 1820;
ANTT, IGP, Correspondncias dos Corregedores das Comarcas; e, entre os vrios livros, DULAC, A.
M. Vozes dos Leais Portugueses. Lisboa: Impresso Rgia, 1820.
52. Sabe-se que muitos foram os procos que assim procederam e tiveram assinalvel influncia no
esclarecimento das populaes rurais. Porm, a maior parte do Reino teria ficado margem da influncia liberal dos clrigos, que foi em decrscimo do sul para o norte, sendo a maior resistncia a
do clero regular.
53. Alm do Algarve (onde foram abrangidas, pelo menos, todas as cmaras a barlavento de Faro),
temos notcias mais expressivas que nos chegaram de sesses efetuadas na regio entre o Douro e
o Tejo, onde as terras foraleiras eram em muito maior nmero e se haviam desenrolado as mais
agrestes lutas anti-senhoriais. Algumas dessas sesses assumiram particular significado: por exemplo, em terras dominadas pela poderosa Ordem de Cristo (comarca de Tomar), nos domnios do no
menos poderoso mosteiro de Alcobaa ou na regio de Feira-Aveiro e da Guarda, onde se localizavam importantes e exigentes donatrios eclesisticos e laicos. A, foram vivamente mostrados os
sentimentos anti-senhoriais das populaes rurais.
54. Desenvolvimento desta idia em TENGARRINHA, J. Da Liberdade Mitificada Liberdade Subvertida. Uma explorao no interior da represso imprensa peridica de 1820 a 1828. Lisboa: Colibri, 1993. p.76-7.
218 Dela saiu o trabalho Movimentos Populares Agrrios em Portugal. 1751-1825. Lisboa: Publicaes
Europa-Amrica, 1994. 2v. Entre as fontes em que me apoiei, em diversos ncleos de vrios arquivos, tiveram maior importncia os tribunais superiores do Desembargo do Pao e do Concelho da
Fazenda, a Intendncia Geral da Polcia e o Ministrio do Reino nos Arquivos Nacionais-Torre do
Tombo.
217
captu lo 12
D IVERSID A D E E CRESCIMEN TO
IN D USTRIA L
Miriam Halpern Pereira*
A sociedade portu gu esa oitocen tista, en tre 1820 e 1890, assen tava
n a atividade agrcola e n o com rcio extern o a ela ligada n u m a proporo
m aior qu e em qu alqu er ou tro perodo da su a h istria, a poca m edieval
excetu ada. Perdida estava a prin cipal base colon ial da econ om ia portu gu esa desde o scu lo XVII, o Brasil, as posseses orien tais eram in sign ifican tes
h m u ito, e as coln ias african as dem orariam a adqu irir papel de relevo.
En tre dois im prios, a econ om ia portu gu esa teve qu e adaptar-se n ova diviso in tern acion al de trabalh o. Algu n s setores da produ o agrcola, com
destaqu e para a vitivin icu ltu ra, adqu iriram prim azia n o com rcio extern o,
em proporo n u n ca an teriorm en te atin gida. A atividade in du strial viu o
seu escoam en to regridir violen tam en te: o Brasil in depen den te com praria
vin h o ou azeite portu gu s, ao lado do espan h ol, m as n o tecidos de lin h o,
algodo, seda ou l. Apen as ch apu s, sapatos, ren das con tin u aram ain da,
em bora em qu an tidade redu zida, a en con trar clien tela do ou tro lado do
Atln tico. A m em ria do m ercado colon ial perdido seria ain da perceptvel
em testem u n h os n orten h os do fin al do scu lo, to forte fora a su a m arca
n a proto-in d stria do n oroeste atln tico.
Ao sair do rescaldo dos an os 1808-1820, a an tiga estru tu ra in du strial en con trava-se destroada, com o os in qu ritos dessa poca o testem u n h am . Len tam en te prin cipia u m a recon verso. Revolu to o tem po das
gran des m an u fatu ras reais, das qu ais pou cas sobreviveriam , vai operar-se
u m a tran sform ao sem gran diosidade, tan to m ais discreta qu an to ser
acom pan h ada n algu m as regies por u m fen m en o de ru ralizao. Um a
recon verso qu e apresen ta traos com u n s com a evolu o n o n orte da Itlia, estu dada por Dewerpe.1 Men or dim en so das u n idades in du striais,
m aior articu lao com o ritm o da atividade agrcola, seria u m a form a de
redu o de cu stos, de m aior flexibilidade e adequ ao s flu tu aes da
procu ra qu e se situ ava a u m n vel in ferior. In ferior em qu an tidade, em
qu alidade. A recon verso, orien tada para o m ercado in tern o, far-se- em
fu n o da procu ra dos estratos da popu lao com m en or poder de com pra. o segm en to do m ercado m en os atin gido pelos artefatos estran geiros. Na regio do Porto, foram os tecidos m ixtos de seda e algodo qu e aju daram a sair da crise len tam en te, n a Covilh foram os baetes. O cresci-
219
m en to in du strial ser con dicion ado pela con figu rao do m ercado in tern o,
en qu an to n o su rgem oportu n idades de in tegrao n o m ercado in tern acion al. A estru tu ra social do m ercado oferece oportu n idades desigu ais aos
diferen tes setores da in d stria. A elite abastada, o m elh or segm en to do
m ercado n o m u n do an terior "sociedade de con su m o", privilegia a produ o de qu alidade, qu e m esm o n o setor bsico da in d stria, qu e n esta
poca o txtil, ten de a ser de origem estran geira. A m atriz das relaes com erciais extern as delin eada desde o fim da prim eira dcada do scu lo facilitaria esta prefern cia.2
Aprofu n dar a con figu rao qu e a estru tu ra in du strial veio a adqu irir du ran te a segu n da m etade do scu lo XIX n este con texto, foi o n osso
prin cipal objetivo n esta abordagem de algu n s aspectos do crescim en to in du strial. Desen volvim en to in du strial, crescim en to fabril e m ecan izao
tem sido con siderados im plicita ou explicitam en te fen m en os equ ivalen tes. Aqu i qu estion a-se esta iden tificao, m ostran do qu e o crescim en to
in du strial pode ter assu m ido form as diversas, tal com o a h istoriografia tem
vin do a apon tar em relao a ou tros pases.3 A h iptese de qu e se partiu
n esta abordagem sobre as form as do crescim en to in du strial portu gu s oitocen tista assen ta n a idia de u m a possvel diversidade de opes n o esforo dos in du striais portu gu eses n a adaptao n ova diviso in tern acion al
do trabalh o n o scu lo XIX-XX. Essa diversidade, em bora presen te desde o
estu do pion eiro de Arm an do de Castro e n ou tros estu dos sobre a in d stria
oito e n ovecen tista, m erece ser objeto de u m a rein terpretao.
220
e regio serran a da Estrela. Os dois con celh os do Porto e da Covilh ocu pavam u m lu gar m par n o con texto n acion al: a popu lao ativa in du strial
represen tava 42% e 43% em 1890, qu an do em Lisboa atin gia apen as
31% e n acion alm en te era ain da m en or, 19% .
Um dos gran des problem as con ceptu ais com o qu al os in qu iridores
de 1881 se defron taram pren de-se com a gran de variedade de form as de
organ izao qu e caracterizava en to a paisagem in du strial. A classificao
em trs gran des gru pos, fbricas, oficin as e in d stria a dom iclio vai orien tar o con ju n to do in qu rito e m edian te ela pode obter-se u m a viso sistem tica do con ju n to. O problem a qu e a aplicao desta classificao espartilh a a realidade su bjacen te qu al n o se aju sta, con du zin do a agru pam en tos de pou co rigor.
A flu tu ao n a aplicao do con ceito de fbrica e oficin a com prova
as dificu ldades de defin io en con tradas dian te de u m m u n do in du strial
diversificado. Tradu z a in existn cia real de u m a fron teira. Desde lon ga
data qu e esta flu tu ao de vocabu lrio existia, e n ada obrigara ain da a
u m a separao de gu as, de u m pon to de vista ju rdico e fiscal.6 No existiria n ecessariam en te gran de diferen a de dim en so com a in trodu o das
prim eiras m qu in as. o qu e n o caso do Porto explicitam en te ju stificou a
incluso de fbricas de moagem a vapor na categoria de oficinas.7 Pelo contrrio a oficina de fechaduras comuns do mestre Venncio da Silva Cambra
encontra-se mencionada anonimamente entre as sete oficinas de Ramalde,
Bouas: ora, tratava-se de uma pequena fbrica, onde cinqenta homens
trabalhavam a brao, em seis forjas, quarenta a cinqenta tornos de bancada, alm de outros utenslios, enquadrados por uma acentuada diviso do
trabalho.8
O caso de u tilizao m ais in exata da design ao de fbrica, e qu e
n o foi objeto de qu alqu er crtica n a apreciao fin al do in qu rito, o da
Covilh e Gu arda. Todas as u n idades in du striais, in depen den tem en te da
su a estru tu ra e dim en so, foram design adas por fbricas, o qu e in trodu z
u m erro con sidervel qu e n o foi corrigido. Com pren der-se- m elh or m ais
adian te a dificu ldade em efetu ar tal correo.9
No caso das oficin as, a form a globalizan te com o foram descritas n as
visitas locais o con ju n to das oficin as ou in d strias em dom iclio, existen tes em cada con celh o ou localidade, ocasion ou u m a con tagem com o u n idades in du striais de con ju n tos qu e n o tin h am n ecessariam en te articu lao en tre si. A su a desagregao perm ite a reavaliao da parte represen tada pelo trabalh o oficin al n os vrios ram os in du striais.10 Fbricas e oficin as agru pavam aparen tem en te parcelas qu ase idn ticas da m o de obra,
cerca de 23% cada gru po, m as n ote-se qu e elevado n m ero de oficin as
n o in dicaram a m o de obra. Con tu do, a gran de au sen te do in qu rito
221
a in d stria em dom iclio, s n o Porto ela foi in clu da de form a sign ificativa. Mesm o assim os trabalh adores em dom iclio n o con ju n to do territrio
n acion al som avam 45.095, 49,55% do total, ou seja qu ase igu alavam o
total da m o-de-obra in serida n as fbricas e oficin as. Desse total, 30 m il
eram teceles da cidade do Porto.
Apon tada a dom in n cia das pequ en as u n idades in du striais e do trabalh o m an u al, a qu esto qu e se coloca a da su a in terpretao. Ao lado
de artesos in depen den tes, por vezes bem prsperos e n ada decaden tes,
coexistiam m ltiplas form as de articu lao en tre produ tor e m ercado e de
articu lao en tre fbrica, trabalh o oficin al e em dom iclio. So as partes do
In qu rito referen tes aos distritos do Porto, Castelo Bran co estes dois apen as cobertos pelo in qu rito direto, o m ais fidedign o da Gu arda e algu m as zon as do Norte, qu e m elh or n os in form am a este respeito.
Lin h o e seda foram len tam en te sen do destron ados pelo pan o de algodo, de in cio m esclado com seda. Evolu o m ais m arcada n a Regio
Norte, on de as prim eiras fbricas de fiao fabril de in icativa portu en se se
situ aram n o n a cidade, m as n a regio em redor do Porto, on de o cu sto da
m o-de-obra e da en ergia h idra lica eram fatores favorveis.11 Tin h am
com o fin alidade evitar a im portao de fio in gls. Com o acon teceu n ou tros pases, a m ecan izao da fiao veio ao en con tro da expan so da tecelagem m an u al, em dom iclio e em oficin as. Um crescim en to qu e im pression ou Oliveira Marreca em m eados do scu lo: "A tecelagem do algodo em teares m ovidos pelas foras an im adas tem m ostrado n o Porto u m a
progresso espan tosa". Tradu zira-se pelo au m en to da im portao de fio, s
em trs an os, en tre 1845 e 1848, de 638.703 para 999.706 arrteis.12
Decorridos 30 an os, o fen m en o repete-se. Em 1881, o crescim en to da
tecelagem m an u al em relao situ ao m eio scu lo m ais cedo era en orm e,
passara-se de 2.500 trabalh adores em dom icilio n o txtil portu en se em 1830,
para 30 m il, ou seja u m a alterao de 4,8% para 28,34% da popu lao u rban a.13 N m eros qu e valem com o estim ativa, em bora possam h oje parecer-n os
excessivos, desabitu ados da dim en so do trabalh o m an u al, n a poca n o foram qu estion ados. No caso da in d stria do Porto o papel desem pen h ado pelos teceles cen tral e in trigan te. On de se in tegravam e a qu e estru tu ra in du strial correspon diam os 30 m il teceles em dom iclio n a cidade do Porto,
qu e con stam com o u m a u n idade n os qu adros-sn tese? No foram in clu dos
n as pequ en as in d strias da cidade, m as n a popu lao fabril.14 Na realidade
so teceles qu e trabalh am para fabrican tes do Porto e para u m a fbrica, a fbrica de Asn eiros. S para esta fbrica trabalh avam tarefa 229 teares 126
222
n a cidade, 103 n os con celh os lim trofes e oitocen tos teceles com pravam
fio da fbrica, ven den do-lh e depois o tecido, retribu in do parte em din h eiro,
parte em fio. Asn eiros era o prin cipal destin atrio da tecelagem m an u al portu en se, m as de m odo algu m o n ico. Um a dezen a de fabrican tes con trolavam
en tre cem a oitocen tos teares, calcu lan do-se qu e a m dia ron daria os du zen tos teares; ou tros qu atrocen tos a qu in h en tos fabrican tes con trolavam u m a
m dia de qu in ze a vin te teares cada u m . Todos estes fabrican tes eram an tigos
operrios qu e tin h am en riqu ecido, ou seu s filh os, algu n s ter-se-iam m esm o
se torn ado "opu len tos". No total calcu lava-se em 10 m il o n m ero de teares,
o qu e con tan do u m m n im o de trs pessoas por tear alm do tecelo, a m u lh er dobadora ou fian deira, o rapaz qu e en ch e as can elas perfaz 30 m il in divdu os.15 Mais de u m qu arto da popu lao portu en se, 28,34% , trabalh ava
n u m a n ica atividade in du strial, o qu e represen ta u m a forte especializao
da popu lao desta cidade, isto sem con tar a popu lao n ela en volvida n a
rea ru ral en volven te. 16
A estru tu ra em presarial dos fabrican tes era m u ito varivel, se algu n s
n em oficin a prpria possu am , ou tros tin h am pequ en as oficin as de tecelagem , bem m en os im portan tes qu e os teares qu e trabalh avam fora por su a
con ta, ou tros dispu n h am de tin tu rarias an exas, e fin alm en te h avia aqu eles
qu e tin h am pequ en as fbricas em su as prprias casas, in staladas n o fu n do
dos qu in tais. Estes pequ en os em presrios n o eram alh eios tecn ologia do
vapor, dois u tilizavam m otores de vapor para dobar e fiar.
Esta exten sa rede txtil, qu e produ zia baetas, cobertores, cotin s e
riscados tin tos, era muito mais considervel em nmero que as fiaes e tecelagens
a vapor, afirm ava-se n o in qu rito. A ela se deve ain da ju n tar u m con ju n to de pequ en as oficin as qu e produ ziam colch as e toalh as. Situ adas n a rea
u rban a, eram oficin as an exas das h abitaes, on de se reu n ia u m n m ero
varivel de teares, qu e podiam elevar-se a 28. Nas oficin as visitadas os teares eram todos Jacqu ard. Tal com o n as an teriores, qu an do existia u m m otor m ecn ico ele destin ava-se s dobadou ras, torcedeiras ou cardas. O fio
com a grossu ra n ecessria para este tipo de tecido n o era im portado, s
era u tilizado fio n acion al.17
De tu do isto se con clu a em 1881, n a visita s fbricas do distrito do
Porto: "A m an u fatu ra do algodo aparece com o u m a irradiao ou depen dn cia da gran de in d stria. En tre n s a preparao do algodo n asceu capitalista e pau talm en te".18 Estava-se dian te de u m a en orm e m assa de trabalh adores em dom iclio qu e produ ziam pea para fabrican tes ou fbricas. A organ izao da in d stria da tecelagem do algodo, sobretu do n a
rea u rban a do Porto assem elh ava-se das "fbricas coletivas".19 A exten so do trabalh o em dom iclio apresen ta-se com o u m fen m en o qu e n o se
deve opor s criaes fabris, s qu ais pelo con trrio se articu la.
E a este segundo e notvel crescimento da tecelagem manual correspondeu desta vez um verdadeiro boom da fiao mecnica organizada em
223
fbricas entre 1874 e1880. Na poca, esta criao fabril no ofuscou contudo o significado da extenso do trabalho manual como vimos,20 mas isso curiosamente aconteceu posteriormente na historiografia. Das 44 fbricas algodoeiras existentes em 1881, dezesseis dedicavam-se fiao, nove das
quais lhe associavam a tecelagem.21 No conjunto do pas, as sete fbricas de
fiao e as nove que associam fiao e tecelagem concentram 66% da mo
de obra do setor txtil fabril. Metade deste tipo de fbricas situavam- se no
distrito do Porto, onde se concentrava tambm, como j vimos, a tecelagem
oficinal e domstica. Em grau varivel, todas utilizavam a energia a vapor,
com a exceo de uma unidade de catorze operrios em Belm.22
Destas dezesseis fbricas, dez tin h am m ais de cem operrios, u m a
delas u ltrapassava qu in h en tos. O con traste com as qu in ze fbricas exclu sivam en te dedicadas tecelagem das qu ais seis esto sediadas n o distrito do Porto con sidervel: oito em qu in ze tm m en os de cin q en ta operrios, e ou tras qu atro en tre cin q en ta e cem . Apen as qu atro se servem
em pequ en a escala do vapor. Na tecelagem fabril a pequ en a em presa e o
trabalh o m an u al coin cidiam , com o n a in d stria a dom iclio.
Situ ao diferen te era a da estam paria, con siderada o setor m ais
prspero do txtil, du ran te gran de parte do scu lo at 1881, e con cen trada em Lisboa. Os in du striais deste ram o eram h erdeiros da an tiga fu n o
dos m ercadores de tecidos, com o eles dedicavam -se ao acabam en to de tecidos qu e n o produ ziam : os tecidos, qu e em tem pos idos vin h am da n dia, eram agora de proven in cia in glesa.23A su a m en talidade refletia essa
proxim idade do m eio com ercial.24 Eram treze as u n idades de estam paria,
de dim en so m dia e pequ en a, cin co com qu an tidade de operrios abaixo
de cin q en ta, trs en tre cin q en ta e cem . Mas s trs n o u tilizavam a
en ergia a vapor e o setor era con siderado m u ito bem apetrech ado de u m
pon to de vista tcn ico. Era a estam paria qu e colocava Lisboa ligeiram en te
acim a do Porto n a ocu pao de m o-de-obra fabril txtil (39% e 32% ),
qu e n o con ju n to totalizava apen as 5.517 operrios. Con tu do a in clu so da
m o-de-obra trabalh an do em oficin as e em dom iclio desequ ilibraria m arcadam en te a relao en tre as du as zon as em sen tido in verso. Alm dos 30
m il teceles a dom iclio portu en ses, qu ase todas as oficin as de algodo e lin h o se situ avam n o Porto.25
A produ o txtil destin ada a estratos sociais m dios e popu lares
en volvia alm da regio do Porto, diferen tes plos de produ o n a rea ru ral dos distritos de Braga, Vian a e Aveiro, don de aflu am cotin s e riscados
para abastecer o distrito do Porto, n o fin al dos an os 80.26 Esses tecidos de
baixa qu alidade eram com petitivos e capaz de ven cer a con corrn cia fabril.
Em m eados do scu lo, Oliveira Marreca apon tara-o: "Estes produ tos obscu ros do pobre cu ja produ o se n o regu la pela m edida do capital, privados com o o foram do au xlio dos gran des m otores, e do ben efcio da bara-
224
teza qu e estes con ferem a qu alqu er fabricao com todas as con dies
de in ferioridade ven deram -se, ven dem -se a u m preo m ais baixo qu e o
dos produ tos, ou an logos, ou sim ilares qu e saiem das gran des fbricas".27
Decorridos 30 an os, a con corrn cia n o m ercado in tern o da in d stria m an u al portu en se, articu lada ou n o fbrica, apresen tava-se com o tem vel
qu elas fbricas do su l qu e n o dispu n h am do seu apoio. A Com pan h ia de
Torres Novas declarava qu e praticava preos feitos para esm agar essa con corrn cia, m esm o com preju zo.28
A com petitividade deste setor in du strial provin h a em prim eiro lu gar do baixo cu sto da produ o, desta produ o caseira ou em pequ en as
oficin as, levada a cabo por u m a popu lao operria qu e sobrevivia n u m
lim iar de m isria, qu e im pression ou os in qu iridores tan to aqu i com o n ou tras zon as da in d stria txtil. Dispu n h a alm disso de proteo pau tal con siderada su ficien te em 1881: n o se im portavam cotin s e riscados, su bm etidos a direitos proibitivos, os tecidos de plo e os alcoch oados tam pou co,
pois os direitos sobre o peso desin cen tivavam -n o. No im pedia con tu do
con sidervel con corrn cia do con traban do.29 A pequ en a e m dia in d stria
algodoeira vivia n u m equ ilbrio qu e u m a proteo am pla e diversificada ao
setor, solicitada pelas fbricas de fiao e tecelagem rom peria. Seria por
isso desacon selh ada pelos relatores da su bcom isso de in qu rito do Porto,
qu e con sideravam a fbrica m aior perigo para esta con sidervel popu lao
in du strial qu e a con corrn cia estran geira. No fin al da dcada este equ ilbrio parecia ter-se qu ebrado com o aparecim en to de n ovos con corren tes,
tecidos de algodo cardados de origem alem , m u ito leves, pagan do por
isso m en os direitos, riscados e cotin s fran ceses, ben eficiados pelo recen te
tratado, e ain da tecidos espan h is (provavelm en te catales), em bora n o
seja especificado se am bos setores, fabril e pequ en a in d stria, estariam
sen do afetados.30 No in cio do scu lo XX, pelo m en os n a regio de Braga,
depois de u m prim eiro em bate a in d stria m an u al se recu perara e vivia
n u m "relativo desafogo", e isso se devia a "seu s produ tos de con textu ra
sim ples, m as forte, prprios para o gran de con su m o das popu laes ru rais,
poderem con correr em preo com os de fabricao m ecn ica". Tam bm o
geren te de u m a das fbricas "m odern as" de Gu im ares in form ava qu e o
setor m an u al da fbrica produ zia para o abastecim en to de "tecidos para as
classes pobres".31
A segm en tao social do m ercado in tern o fazia-se a dois n veis. A
presen a de m ercadorias estran geiras, qu e m ereciam a prefern cia da elite abastada, era estim u lada pelo m ecan ism o pau tal de direitos em virtu de
do peso e n o ad valorem os tecidos de qu alidade eram leves, pagavam
m en os qu e os tecidos grosseiros. Ou tro fator de prefern cia, m ais su til e
difcil de ven cer, era o poder da m oda. Um a qu esto qu e con vin h a con h ecer era a relao en tre o setor txtil e a in d stria da con feco. Esta podia
225
con tribu ir para orien tar as prefern cias da clien tela, n u m a poca em qu e
a pu blicidade j tin h a algu m a in cidn cia n o m ercado. Maior in cidn cia tin h a, con tu do, ou tro n vel de segm en tao do m ercado qu e derivava da
prpria estru tu ra da in d stria. As ten tativas de pen etrar n o estrato elevado do m ercado in tern o por parte dos in du striais da fiao e da tecelagem
esbarravam n a privilegiada situ ao da in d stria da estam paria, qu e colocava tecidos de m elh or qu alidade n o m ercado, tecidos im portados qu e
apen as estam pava.
Desde qu e a in d stria algodoeira n o se restrin gisse a ficar con fin ada s qu alidades in feriores de tecidos, en con trava, com o u m dos prin cipais
gargalos de estran gu lam en to, a proteo preferen cial da estam paria, du plam en te favorecida pela con ju gao de elevados direitos sobre os tecidos
tin tos e estam pados e direitos baixos sobre os tecidos lisos, cru s e bran cos.
Estes tipos de tecido con stitu am o essen cial da im portao de tecidos:
77% en tre 1875 e 1879 e con tin u aram a represen tar a parcela m ais con sidervel at ao fin al do scu lo. Lim itava-se assim a diversificao tan to da
fiao como da tecelagem.32 Um mecanismo alfandegrio complexo associava a proteo da estam paria orien tada para o estrato social m ais elevado
do m ercado, qu e agregava u m gru po pequ en o de in du striais, proteo
do setor m an u al da tecelagem de cotin s e riscados para as classes m en os
favorecidas, proteo in direta atravs do peso do txtil. Este m ecan ism o
qu e pen alizava a in ovao n a tecelagem e n a fiao tin h a sen tido con servador. Tin h a tam bm a van tagem , do pon to de vista das relaes com erciais extern as, de n o ter gran de in cidn cia n as im portaes: pou co provvel qu e algu m a vez se tivessem im portado tecidos grosseiros em qu an tidade sign ificativa. As alteraes pau tais do fin al da dcada de 1880 e a
su bseq en te criao de u m m ercado preferen cial n as coln ias african as
abriram u m n ovo can al de escoam en to qu e m elh orou u m pou co a situ ao, apesar de se exportarem essen cialm en te tecidos de baixa qu alidade.33
Len tam en te, o crescim en to da in d stria algodoeira fora-se refletin do n a com posio das en tradas de algodo, ten do au m en tado a parcela do
algodo em ram a n as im portaes globais de algodo e dim in u do em proporo relativa os tecidos, qu e represen tavam 75% deste gru po em 18751879. a partir de 1890-1894 qu e tem lu gar u m a m u dan a qu alitativa, a
qu ota-parte do algodo em ram a im portado passou a ser su perior en trada de tecidos 47% e 43% in ician do-se u m a in verso qu e prossegu ia s
vsperas da Prim eira Gu erra Mu n dial. A parcela de fio im portado ao lon go de 34 an os (1865-1899), m an tm -se qu an titativam en te pou co im portan te, en tre 4% -7% .34 Na origem das qu eixas dos in du striais, estaria o tipo
de fio im portado e o seu preo, n o tan to a qu an tidade. A dom in n cia do
setor txtil vai refletir-se n a m aqu in aria in du strial im portada: en tre 1888
e 1897, 46% destin ava-se a ele, qu ase toda destin ada fiao e tecela-
226
gem . Os 54% restan tes correspon dem a parcelas dispersas, n en h u m a represen tan do valor com parvel. Mas os valores absolu tos so relativam en te baixos. E, a produ tividade m esm o n o txtil era m u ito baixa. Com paran do com a situ ao n a In glaterra, su blin h ar-se-ia qu e en qu an to u m operrio podia m an ejar en tre seis e catorze teares n aqu ele pas, em Portu gal u m
operrio n o con segu ia u tilizar m ais de dois ou trs teares sim u ltn eam en te. Form ao tcn ica in su ficien te, m as tam bm graves carn cias alim en tares, para n o referir ou tros fatores com o o alojam en to e a situ ao san itria, estariam n a origem desta discrepn cia.35
Em 1917, m esm o n o txtil, on de 8% das fbricas con cen travam
m ais de m etade da m o de obra, a gran de m aioria das em presas con tin u avam a ser de pequ en a e m dia dim en so: 41% tin h am dez a cin q en ta
operrios, 28% m en os de dez operrios.36 O recu rso ao trabalh o dom iciliar
tam bm con tin u ava a ser m u ito con sidervel, seria estim ado em 20 m il
pessoas, e bem provvel qu e a m aioria estivesse sediada n o Porto.37
O algodo, prim eiro associado seda, depois isolado, foi in vadin do
o m ercado in tern o, su bstitu in do len tam en te o tradicion al lin h o e a seda.
A in d stria n acion al foi evolu in do: a mule-jenny su bstitu iu a roca m ais rpidam en te qu e o tear Jacqu ard, e o tear m ecn ico su bstitu iu o tear m an u al. O crescim en to tom ou diferen tes form as, criaes fabris e tam bm
m u ltiplicao de pequ en as u n idades. No foi diferen te n ou tros pases. Mas
com periodizaes e prin cipalm en te ritm os distin tos. No prprio con texto
da Eu ropa m eridion al, Portu gal distan ciara-se da Espan h a e da Itlia. O
con su m o de algodo em ram a por h abitan te em ton eladas era em 1910 o
segu in te: Portu gal 2,7, Espan h a 3,7, Itlia 5, Gr-Bretan h a 21.38 A situ ao
n o fora m u ito diferen te n os 50 an os an teriores, apen as se delin eara u m a
ligeira m elh oria em relao vizin h a Espan h a. A posio relativa da in d stria txtil n o con texto in tern acion al n o se m odificara, apesar do seu
in discu tvel crescim en to.
O S LA N IFCIOS
A in d stria de lan ifcios teve u m a n otvel expan so aps os an os
40, prin cipalm en te em dois dos cen tros tradicion alm en te m ais im portan tes, a Covilh e os con celh os de Gou veia e Seia, n a zon a da serra da Estrela. A m aioria das em presas existen tes n a Covilh em 1881 tin h a qu atro
dcadas de existn cia, m ais de m etade tin h a alterado pelo m en os a den om in ao da em presa in icial, sin al de forte m obilidade. Apen as oito em presas tin h am sido fu n dadas an tes de1839: u m a datava de 1765, J. Gom es
Barata, ou tra de 1784, J. Men des Veiga, J. Silva Ran ito de 1800, das ou tras con sta s a in dicao su m ria de "an tiga". Em 1881, detin h am a prim azia do m ercado n acion al de lan ifcios.
227
Regies de proto-in d stria secu lar sofrem u m a con sidervel tran sform ao em 20 an os. No in qu rito de 1839/ 1840, o qu adro geral desan im ava ain da a com isso: os processos eram an tigos, apen as n u m a fbrica se
in trodu zira m qu in as de cardar, fiar e tozar, descon h ecia-se a arte da tin tu raria, o acabam en to dos tecidos era im perfeito. Tam bm em Seia o processo m ecn ico n o se alterara, n o se u savam m qu in as.39 Escreven do
por volta de 1860, Fradesso da Silveira n o con tin h a a su a adm irao pelo
progresso tcn ico: "Qu em en tra n a Covilh , vin do de Coim bra pelas Pedras Lavradas, ou de Castelo Bran co por Alpedrin h a, pasm a ao ver fu n cion ar n as fbricas as m qu in as aperfeioadas de Verviers. Qu e sacrifcios e
esforos, para levar ali os m aqu in ism os pesados e volu m osos, qu e a in d striae de tecidos requ er! Qu e srie de tran sform aes, qu e pertin cia de en saios e ten tativas para passar do m todo aprovado pelo regim en to de 7 de
jan eiro de 1690 para o processo m odern o!" 40.
Nos 18 an os segu in tes a in d stria dos lan ifcios da Covilh e da regio serran a atravessaram u m dos perodos m ais au spiciosos da su a existn cia. A produ o de tecidos da Covilh era em 1878, su perior a toda a
im portao de tecidos de l em Portu gal.41
O equ ipam en to das fbricas alterou -se su bstan cialm en te. O n m ero de fu sos su biu de 13.195 para 22.175, os teares Jacqu ard m an u ais m ais
do triplicaram e os com u n s cresceram . Mas pou cos foram os teares m ecn icos in trodu zidos, as dispon ibilidades en ergticas locais cerceavam o seu
u so e os teares m ecn icos ch egavam a ficar parados por falta de en ergia.
Os lim ites en ergticos eram desde os an os 60 referidos com o a razo do redu zido u so de pises ciln dricos, teares m ecn icos, e da prefern cia dada
s m qu in as belgas, m en os exigen tes em fora m otriz. O parcial estran gu lam en to tecn olgico era u m a con seq n cia do prprio crescim en to. Os recu rsos h idra licos revelavaram -se in su ficien tes para abastecim en to sim u ltn eo da agricu ltu ra e da in d stria du ran te a estiagem , o ritm o de trabalh o in du strial dim in u a e torn ava-se n otu rn o. O cu sto do carvo era proibitivo.42 Nos an os segu in tes, os lim ites dos recu rsos en ergticos e a gran de
dispon ibilidade de m o-de-obra m an tm o padro da evolu o, m as com
algu m as alteraes. Crescim en to m oderado da fiao, m ecn ica, qu e au m en tou ligeiram en te, m as m elh orou em qu alidade e se diversificou com
o fio retorcido m ais do qu e triplicou o n m ero de fu sos das retorcedeiras e a gran de expan so da tecelagem . Neste caso, em bora se ten h a observado a in trodu o de m aior n m ero de teares m ecn icos, a base deste
en orm e crescim en to da tecelagem en tre 1881 e 1890 con tin u ou a assen tar fu n dam en talm en te n a en ergia h idra lica e n a m u ltiplicao do tear
m an u al, qu e o au m en to dem ogrfico viabilizou .
A Covilh torn ou -se u m forte plo de atrao e foi a cidade portu gu esa com m ais in ten so crescim en to n este perodo, e u m dos con celh os
com m aior pon derao da popu lao in du strial, ao lado do Porto.43
228
229
& Irm o qu e con tin u ava a fu n cion ar n o edifcio da an tiga real fbrica, de
qu e fora ren deiro on de n o h avia fiao m ecn ica.
Um trao m arcan te das m dias e pequ en as em presas de cardar e fiar
em presas com u m n m ero de operrios en tre cin co e 39 era o grau de
m ecan izao con sidervel. Todas praticavam fiao m ecn ica detin h am
57% dos fu sos do parqu e in du strial e apen as du as em dezesseis lh e agregavam fiao m an u al; das 28 cardas con tn u as existen tes n o con celh o,
doze (ou catorze, se se ju n tar du as em presas qu e estavam a m on t-las) situ avam -se n o seu m bito; cin co tin h am perch eas m ecn icas, m ais qu e n as
prin cipais fbricas. Na tecelagem , a situ ao era diferen te: n o h avia teares m ecn icos e os 37 Jacqu ard eram qu ase todos propriedade das fbricas
com pletas, apen as a fbrica (in com pleta) Paiva & Rogeiro de cardar e fiar
qu e tam bm tecia, u tilizava qu atro teares deste tipo. Dos teares m an u ais,
39% estavam n as prin cipais oito fbricas, du as delas con cen travam cada
u m a cin co dezen as, m as a m aioria dos teares m an u ais en con trava-se dispersa, poden do as oficin as reu n ir en tre trs e n ove u ten slios.
A isto h ain da qu e acrescen tar a m alcon h ecida in d stria em dom iclio, era provavelm en te o caso dos 218 teares sediados n a Covilh , Tortozen do, Teixoso e ou tras fregu esias, de qu e n em se in dica o proprietrio
n em o n m ero de braos. Mqu in a a vapor s existia n a fbrica Marqu es
de Paiva e servia para acion ar seis pises ciln dricos, u ten slio de qu e pou cos dispu n h am , sen do ain da dom in an te o u so das m aceiras de pau .50
A con cen trao era em 1881 m en or qu e em 1863 em todos os aspectos: as prin cipais on ze em presas u tilizavam 57,4% da m o-de-obra, u m
pou co m en os qu e em 1863, e apen as 29,3% dos fu sos e 42,2% dos teares
m an u ais com u n s. Das 38 pequ en as em presas, 21 so oficin as de cardar e
fiar qu e tm fiao m ecn ica .51No gru po in diferen ciado de 55 fbricas pequ en as de tecelagem , em bora o trabalh o seja todo m an u al, u tilizavam -se
12 jacqu ard. A m ecan izao da tecelagem len ta e m in oritria, foi sobretu do efetu ada n o m bito das prin cipais on ze em presas, n elas se aplicavam
alm de 78% dos Jacqu ard m an u ais, 84% dos teares m ecn icos. A m ode-obra fem in in a e in fan til estava presen te de form a sign ificativa n as prin cipais fbricas, e n o s n a pequ en a in d stria.52
Mas o que particularmente especfico no tecido industrial covilhanense o carter segmentado da produo, as fbricas incompletas eram oficinas que apenas desempenhavam uma ou duas fases da produo. Existiam
em 1863: quinze fbricas de cardar e fiar, algumas tambm tinham pises e
tesouras de correr; doze estabelecimentos de pises, alguns com tinturaria;
nove tinturarias; quatro de ultimao e de acabamento; uma fbrica de papelo preparada para prensar as fazendas, um laboratrio de cido ntrico.
Acrescente-se os 218 teares instalados em "edifcios exclusivamente destinados tecelagem", e em casas de fabricantes e teceles na Covilh e arredores.53
A segm en tao das fases da produ o em u n idades in du striais diferen ciadas u m a caracterstica do tecido in du strial qu e determ in a u m a m u l-
230
231
Em qu atro dcadas, a regio da Covilh , Gou veia e Seia h aviam adqu irido u m peso determin an te n a produ o n acion al de lan ifcios. Nos distritos de
Castelo Bran co e Gu arda trabalh avam em 1881: 46% da mo-de-obra do
setor, 58% dos fu sos, 58% dos teares man u ais. Era u ma estru tu ra in du strial
cu jo crescimen to assen tara n a pequ en a in d stria e n a articu lao en tre a fiao mecn ica e a tecelagem man u al.
Na segu n da dcada do scu lo XX, o modelo de crescimen to covilh an en se parecia ter en trado em crise: desde 1890, o escoamen to da produ o comeara a ter dificu ldade em en fren tar a con corrn cia estran geira n o mercado in tern o, o n ico de qu e dispu n h a esta in d stria.59 Esta regio con stitu i u m caso
de crescimen to e relativa modern izao do aparelh o produ tivo com base n a
pequ en a e mdia empresa n u ma regio in terior sem estrada de ferro. A carn cia en ergtica viera en travan do a ren ovao tecn olgica desde os an os 60, e a
modern izao dos tran sportes an tes da resolu o do abastecimen to de en ergia
teria efeito desestru tu rador. Qu an do a estrada de ferro ch egou , em 1891, ligan do a Covilh a Man gu alde e capital, parece ter viabilizado mais facilmen te a en trada de tecidos estran geiros do qu e o escoamen to da produ o local.60
Apesar de a empresa h idroeltrica da Sen h ora do Desterro (serra da Estrela)
ter sido a primeira do con tin en te, o desfasamen to en tre a ligao ferroviria e
o forn ecimen to de en ergia eltrica foi dramtico.
Em modelo diverso se organizaram os lanifcios em Lisboa: em 1881, as
oito fbricas do distrito representam por si s 30% da mo-de-obra, 23% dos
fusos, 24% da tecelagem manual, 51% da tecelagem mecnica e 64% dos cavalos-vapor do setor. A grande empresa, o vapor e a mecanizao da tecelagem,
apontavam caminho diverso na capital. Constitua escolha minoritria, contrariamente ao que se poderia concluir de anlise acrtica baseada no uso da designao de fbrica nos inquritos sobre a Covilh e a regio serrana, que poderia sugerir elevada ponderao do trabalho fabril no setor dos lanifcios.61
Os lanifcios portugueses conseguiram ocupar um espao crescente no
mercado nacional. Num primeiro tempo, entre a dcada de 1840 e os anos 80,
foram preenchendo as necessidades do consumo dos estratos mdios e populares, em nvel local e interregional, com maior difuso a norte do Mondego. Diferente seria a franja do mercado atingida pela importao de tecidos estrangeiros.
Contudo, a produo nacional foi tentando a sua sorte tambm a esse nvel.62
CON CLUS O
Na passagem para o sculo XX estava-se bem longe da situao vivida
nos anos 1808-1820. Mas a atividade industrial conservava ainda o seu papel
complementar em relao agricultura, como se idealizara em meados do sculo. "Olhou(o jurado) as fbricas como continuao ou complemento do laboratrio dos campos". Concebiam-se a agricultura e a indstria como os dois
232
233
Ramos
industiais
Fiao
Fiao
tecelagem
Tecelagem
Estamparia
tinturaria
Fbricas/total
15
13
44
Lisboa
4(a)
13
20
Porto
Produo/contos
612
968
424
1.381
3.385
Operrios
840
2. 832
916
929
5.517
F. vapor/cv
256
1.062
73
1.152
2.543
F. hidralica/cv
185
335
53
Cv por unidade
63
155
8,4
82
Oficinas (b)
131
15
147
Lisboa, distrito
Porto, distrito
124
15
142
Operrios
1.014
48
1.062
Ind. domiclio
(c)9
Rendas
Total
13
573
23
26
Porto
20
22
Operrios
1.600
30.100
2.300
33.000
Obs. qu adro: Fon te: In q. In d.1881,qu adro n .15. Con sideraram -se fbricas todas as u n idades
com m ais de 10 operrios qu e n o tivessem m en o de oficin a ou in d stria em dom iclio.
a) Um a fbrica agrega u m a seo de tin tu raria; b) As ou tras qu atro oficin as situ avam -se em
Ton dela, distrito de Viseu . No se con h ece o n m ero de operrios de sessen ta oficin as, n em
o valor de produ o de seten ta; c) o in qu rito in dica as localidades em qu e existe em in d stria em dom iclio, m as n o o n m ero de u n idades, n em sem pre in dica o n m ero de trabalh adores. S se con h ece o n m ero de operrios em cin co cen tros de produ o.
234
Operrios
Fiao
Fiao e tecelagem
Tecelagem
Estamparia
10-49
50-100
101-200
201-300
301-500
15
13
+500
Total
Distritos
Cardas
ativas
Cardas
inativas
Fusos
ativos
Lisboa
74
24..320
Porto
135
43.509
Fusos
inativos
1.214
Teares
mecnicos
Teares
manuais
711
68
633
11.452
Santarm
17.932
254
192
Leiria
7.806
124
14
Braga
600
211
Total
94.167
1.720
11.996
235
Distritos
Fbricas*
Operrios
Fusos
Teares
mecnicos
Teares
manuais
Castelo Branco
73
2.713
22.715
57
802
Guarda
44
1.385
18.543
22
309
Leiria
11
1.000
6.800
40
40
Lisboa
2.661
16.125
182
457
Porto
567
4.600
34
82
Total **
160
8.964
70.007
356
1.911
* No quadro-sntese por tipos de unidades industriais constam 151 fbricas e nove oficinas
(Inq. Ind. 1881, Resumo, p.86-7). No sendo explicitado o critrio de classificao utilizado, e
dado que, como se pode ver pelos quadros anteriores, s nos distritos de Castelo Branco e no
da Guarda, o nmero de oficinas muito mais elevado, no se considerou esta classificao
justificada e manteve-se a classificao do quadro-sntese do setor de lanifcios (ibidem, n.16).
** In clu das as fbricas de Aveiro, Bragan a, Faro, Portalegre, San tarm e Viseu , qu e n o se
explicitam aqu i.
236
N OTA S
1. NEVES, J. A. das. Variedades sobre os objetos relativos s artes, com rcio e m an u fatu ras.
In : Obras Completas. v.III, t.I, p.239-70; PEDREIRA, J. Estrutura industrial e comrcio colonial:
Portu gal e Brasil, 1780-1830. cap.II, p.129, 137; NUNO, M. Mercado e privilgios na indstria
portuguesa, 1850-1834, ruralizao na Covilh. p.528-532 (Mim eogr.). DEWERPE, A. L' industrie
aux champs. Essai sur la proto-industrialisation en Italie du Nord (1800-1880), 1985; crtica in teressan te ao m odelo da proto-in du strializao do pon to de vista dem ogrfico, salien tan do qu e n o
caso do n orte de Itlia se caracteriza por u m crescim en to m oderado.
2. PEREIRA, M. H. Atitu des polticas e relaes econ m icas in tern acion ais n a 1. m etade do
scu lo dezan ove em Portu gal. In : Das Revolues liberais ao Estado Novo, 1994
3. RAPHAEL S. Workshop of the world: steam power an d h an d tech n ology in m id - victorian
Britain . In : History Workshop Journal. 1977. v.3, p.18. Um estu do clssico, m u ito bem docu m en tado. Con tm u m qu adro m u ito til da u tilizao da en ergia a vapor por setor in du strial
em 1870. Boa sn tese do caso in gls em BERG, M. La era de las manufacturas, e em JOYCE, P.
Cambridge Social History of Great Britain. v.I. SABEL, C., ZEITLIN, J. Historical altern atives to
m ass produ ction . In : Past in Present, Au gu st 1985. LEQUIN, Y. Les ouvriers de la rgion lyonnaise (1848-1914); COTTEREAU, A. Th e distin ctiven ess of workin g-class cu ltu res in Fran ce,
1848-1890. In : KATZNELSON, ZOLBERG. Working-class formation. SCRANTON, P. Proprietary
Capitalism: th e Textile Man u factu rer at Ph iladelph ia, 1983, in ZEITLIN, J. Les voies m u ltiples
de l'in du strialisation . In : Mouvement Social, 1985. p.133. DEWERPE, A. L' industrie aux champs.
Essai su r la proto-in du strialisation en Italie du Nord (1800-1880), 1985.
4. Au tores acim a citados, n om eadam en te Sam u el, Joyce e Cottereau , op. cit.; LEQUIN, Y. Le
m tier. In : NORIA, P. Lieux de la mmoire, e DEWERPE, A. Le monde du travail en France (18001950).
5. Nem sem pre se pu blicaram os resu ltados in tegrais dos in qu ritos, a docu m en tao do in qu rito tecelagem do Porto de 1898 n u n ca ch egou a ser editado de form a com pleta, para
n o referir os in qu ritos an teriores a 1860.
6. Abu sava-se das palavras fbrica e fabricante n as reparties de fazen da, com o se observava
n o in qu rito, a propsito do An u ario da Direo-Geral das con tribu ies diretas, In q. In d.
1881, II, III, p.57. Acerca da im preciso do con ceito de fbrica n o in cio do scu lo, ver PEDREIRA, J, op. cit., p.178-182.
7. Relatrio da su bcom isso en carregada da visita aos estabelecim en tos in du striais, In qu rito In du strial 1881, II-II, Direto.
8. In qu rito Dir. Visita, II-II, p.35-37
9. Ver n ota 45. H ain da a con siderar as om isses de fbricas, m as em bora n o ten h am sido
in clu das algu m as em presas im portan tes, n o con ju n to essas lacu n as n o alteram sign ificativam en te a pon derao das fbricas n o con ju n to.
10. In qu rito, In trodu o ao Resu m o, p.XXX-V: explica-se esta situ ao e in dica-se qu e
esta correo n o foi efetu ada n os qu adros-sn tese (qu adro sem correo, p.86-7) m as pu blica-se a desagregao das oficin as, o qu e m e perm itiu fazer a correo setor a setor. Feita a
correo, o con ju n to das oficin as passa de 907 para 2.515 u n idades.
11. CORDEIRO, J. L. Indstria e energia na bacia do Ave 1845-1959. Braga, 1993 p.107-10. Dissertao (Mestrado, Mim eogr.).
12. Relatrio Geral do Ju rado in Exposio da Indstria 1849, Sociedade Prom otora da In d stria Nacion al, p.6 atribu do a Oliveira Marreca, m as assin ado con ju n tam en te por Jos Maria
Gran de, Hen riqu e Nu n es Cardoso, Fran zin i, Joo An drade Corvo.
13. In qu rito de 1830, Ju n ta do Com rcio, em SERRO, J. Temas oitocentistas. v.I p.142-5.,
JUSTINO, D. A formao do espao econmico nacional. v.I, p.98.
14. In q. In du str, Dir., Parte II, L.II, relatrio da Com isso Cen tral do Distrito do Porto, qu adros p. 272-5 e p. 279-80.
237
15. Esta estim ativa n o con diz com os dados do In qu rito In du strial de 1890, m u ito in feriores, IV, p. 486-7, 508-509, 615-619; recorde-se qu e se trata de in qu rito in dreto. J n o Inqurito Tecelagem do Porto, 1898, p.8-9, aceita-se a estim ativa de 10 m il teares, e eleva-se ain da
m ais o clcu lo do n m ero de pessoas correspon den tes, qu atro em m dia por tear, ou seja,
u m total de 40 m il.
No m esm o perodo, com pare-se com Lyon , u m cen tro de forte especializao in du strial e com
organ izao da produ o do tipo de fbrica coletiva: existiam 35 m il teares de seda, m ais do
dobro qu e n o fim do An tigo Regim e, qu an do eram calcu lados em 14 m il (LEQUIN, Y. Les ouvriers de la rgion lyonnaise (1848-1914). v.I, p.65-66, GARDEN, M. Lyon et les lyonnais au XVIII.e
sicle. p.209), parcela ain da pequ en a da expan so da segu n da m etade do scu lo XIX, qu e fora
particu larm en te im portan te n a regio em redor de Lyon , on de o n m ero de teares passou de
60 m il a 120 m il en tre 1850 e 1872.
16. In qu rito de 1889, j referido, p.8-9. PERY, G. refere 277 pequ en as fbricas de tecelagem
de algodo e trs de fiao n o distrito do Porto, em Geografia e estatstica geral de Portugal e colnias, 1875, p.147.
17. In qu rito In d. 1881, visita s fabricas do Porto, p.138 a 151.
18. Op. cit., p.43-44
19. Con ceito u tilizado n a poca por Leplay, retom ado por Yves Lequ in para a in d stria oitocen tista da seda em Lyon e Alain Cottereau em term os m ais gen ricos.
20. Ver n .18.
21. Nesta con tagem , in clu ram -se todas as u n idades com dez ou m ais operrios, critrio qu e
pelo m en os tem a van tagem de ser u n iform e. O n m ero de fbricas portan to su perior ao
in dicado n os qu adros-sn tese do In q. 1881, qu e de trin ta.
22. Cerca de m etade dos fu sos ativos fu n cion avam n o Porto, m as o n m ero de teares m ecn icos era ligeiram en te su perior em Lisboa, on de os teares m an u ais recen seados eram in sign ifican tes, o qu e j sabem os n o ser o caso n o Porto.
23. Acerca dos m ercadores de tecidos e a in d stria da estam paria n o in cio do scu lo XIX, ver:
PEDREIRA, J. Indstria e negcio: a estam paria da regio de Lisboa, 1780-880. A.S. p.112-113,
1991; Estrutura industrial e mercado colonial (1780-1830), 1994. Acerca do con flito de in teresses en tre m ercadores e in du striais deste setor n o m esm o perodo, PEREIRA, M. H. Negociantes, fabricantes e artesos entre velhas e novas instituies, 1992.
24. PEREIRA, M. H. Portugal e a partilha do mercado mundial nos sculos XIX e XX, 1976, reeditado com aditam en tos em Das Revolues liberais ao Estado Novo, 1994. cap.IV, p.159-60.
25. Oficin as de algodo e lin h o (tecelagem , tin tu raria, fitas e passam an aria): distritos de Lisboa -1, Porto - 142, Viseu - 4, em Ton dela. No distrito do Porto, 58 oficin as localizavam -se
n o con celh o do Porto, 51 n o con celh o de Pen afiel, as restan tes disperavam -se por vrios con celh os. Dados extrados do In q. In d. 1881, Resu m o, qu adro 15, e corrigidos pela leitu ra do
in qu rito.
26. Inqurito tecelagem no Porto, 1889, p.7.
27. Relat. do Ju rado, op. cit., p.12-3, situ ao qu e atribu ida in existn cia de ju ro, en qu an to a fbrica paga ju ro pelo crdito, ao qu e se segu e u m a apologia de u m a taxa do ju ro redu zida para a in d stria.
28. In q. In d. 1881, I, p.82. Aban don ado o fabrico de lon as por esta Com pan h ia, em razo da
direitos desfavorveis, h aviam passado a produ zir brin s, passadeiras de ju ta, pan o de lin h o e
toalh as adasm acadas. Neste dom n io a con corrn cia estran geira n o en trava. Mas en con travam a con corrn cia portu en se.
29. Relatrio da su bcom isso do distrito do Porto, In q. In d. 1881. Dir, II, p.151-2
30. Inqurito tecelagem do Porto, 1889, p. 8-9.
31. GIRALDES, M. M. N. Mon ografia sobre a in d stria de lin h o n o distrito de Braga, 1913.
p.106 e 102. In : CORDEIRO, J. L. Indstria e energia no vale do Ave 1845-1959. Braga, 1993.
p.87-8 (Mim eogr.).
238
32. Clcu los feitos por m im com base n as estatsticas do com rcio extern o. Acerca de toda
esta com plexa situ ao pau tal, e a in existn cia de su ficen te diferen ciao de direitos, ver a
excelen te m em ria sobre a in d stria do algodo oferecida com isso cen tral do In qu rito de
1881, pelo proprietrio da fbrica de algodo torcido e tin to H. P. Taveira, Porto, In q. In d.
1881, v.I, p.110 e ss., e o depoim en to do diretor da Com pan h ia de Torres Novas, p.86-89. Ver
tb. PEREIRA, M. H. Portu gal e a partilh a do m ercado m u n dial. In : Das Revolues liberais
p.159-160.
33. Filom en a Mn ica m ostra bem os efeitos do "boom " african o e seu s lim ites m edian te a
an lise da evolu o da Real Fbrica de Tom ar, Os teceles de algodo. In : Artesos e operrios,
p.163-4.
34. Estatsticas do com rcio extern o, dados organ izados por m im ; referem -se aqu i valores,
n o qu an tidades.
35. SIMES, O. Escoro dalgu n s aspectos da in d stria fabril portu gu esa. In : BTI, n .83, p.20
ss. Neste en saio Oliveira Sim es forn ece dados acerca da situ ao com parativa da produ tividade e igu alm en te da alim en tao, salrios, con dies de vida do operrio e form ao tcn ica em Portu gal e n ou tros pases eu ropeu s, fatores qu e n o seu con ju n to explicariam a baixa
produ tividade. Dados acerca da produ tividade com parada n a in d stria portu gu esa e eu ropia
on de so relacion ados u n icam en te com a edu cao e a form ao tcn ica em REIS, J. A in du strializao n u m pas de desen volvim en to len to e tardio. In : O atraso econmico portugus:
1850-1930. Acerca da evolu o do con su m o alim en tar, ver, PEREIRA, M. H. Nveis de con su m o e n veis de vida em Portu gal (1874-1922). In : Das Revolues liberais ao Estado Novo,1994
36. Dados do In qu rito In du strial de 1917 em MEDEIROS, F. A sociedade e a economia portuguesa nas origens do salazarismo, 1978. p.75-77. In felizm en te n o foi efetu ada u m a an lise por
ram os in du striais e por zon as, qu e perm ita com parar m ais aprofu n dadam en te com a in form ao de 1881 tratada acim a.
37. PERDIGO, J. A. A in d stria em Portu gal. In : Arquivos da Universidade de Lisboa, 1916.
v.III, p.115.
38. Clcu los efetu ados por m im com base n as estatsticas de Mitch ell, 1978.
39. Relatrio da com isso en carregada de con h ecer o estado da in d stria agrcola, com ercial
e fabril do con celh o da Covilh , 6 de dezem bro de 1839, idem con celh o de Ceia, 18 de Maro de 1840 in Correspondncia do M. Reino com a Cmara dos Pares, seco VI., Cx. 2, A.H.P.
40. SILVEIRA, F. da As fbricas da Covilh, 1863. p.10 e 35. Acrescen taria qu e u m a fbrica, de
Marqu es de Paiva tin h a seis pises ciln dricos m ovidos a vapor. Con su lte-se tam bm PEREIRA, J. M. E. A Covilh e a in d stria dos lan ifcios. Ocidente, n .699, 1897, reeditado em A indstria portuguesa, 1979; baseia-se fu n dam en talm en te em Fradesso da Silveira, m as con tm
algu n s dados teis para a situ ao posterior.
41. In q. In d. 1881. III,p.205
42. Acerca dos recursos energticos: em 1860, SILVEIRA, F., op. cit., p.101-2, 107, 1881,. Nos
meses de vero, os meses da "vela", chegava-se a fazer 6 horas de trabalho noturno. Calculara-se em 1881 que mesmo a estrada de ferro no faria baixar o preo do carvo o suficiente,
e assim aconteceu: ainda em 1933 o preo da tonelada de carvo na Covilh era o quadruplo
do custo em Inglaterra (GALVO, J. A. L. In: I CONGRESSO INDSTRIA PORTUGUESA,
1933. In: CORDEIRO, J. L. op. cit., p.54). Mais flagrante no caso da Covilh, em razo do preo do carvo, os limites dos recursos hidralicos afetavam tambm alguns centros algodoeiros,
como a bacia do Ave, ver CORDEIRO, J. L., op. cit., p.89 e a propsito de cada fbrica. Qui
tambm tenha sido um dos limites da mecanizao da tecelagem nesta regio.
43. N de h abitan tes da cidade da Covilh :
1864
1878
1890
9.022
10.809
17.562
A populao da Covilh (quatro freguesias) aumentou 62,47% entre 1878 e 1890, enquanto Lisboa
nesse perodo apenas aumenta 28,4% . Para a populao industrial, recenseamentos de 1890 e 1911:
concelho da Covilh (maior que a cidade, para a qual no existe esta informao) 43% e 39% .
239
44. Para torn ar com parvel a con tagem de fbricas aqu i e n o resto do pas, n o m e pareceu
correto con tar s as fbricas com pletas. No algodo tam bm existiam fbricas in com pletas, s
de estam paria, de tecelagem ou de fiao. O m otivo porqu e n o se lh es daria essa design ao pren de-se ao fato de elas n o con stitu rem u m elo de u m a cadeia produ tiva com o aqu i.
Pareceu -m e prefervel m an ter a design ao de origem , qu e correspon de a u m a diferen a de
estru tu ra.
45. In qu rito de 1839/ 1840, op.cit.
46. MADUREIRA, N. Mercado e privilgios na indstria portuguesa, captu lo sobre a Covilh ,
p.498.
47. No total de operrios esto in clu dos os m estres e os escritu rrios, qu e, on de existem , raram en te passam da u n idade.
48. A oficin a de Sebastio Rato de pisoam en to, tesou ra e tin te em 1863, com trs operrios,
tem em 1881 tam bm teares, fiao e oiten ta operrios. A fbrica de Jos Men des Veiga, an tigo m ercador, u m a das m ais an tigas, data de 1784 passa de 92 a qu atrocen tos operrios.
(MADUREIRA, N. op. cit., p.484; SILVEIRA, F. In dagaes, p.112-3, n .30 ; In q. In d. 1881,
p.186, n .6 e 8). Ou tras ligaes parecem possveis, m as seria n ecessrio ter elem en tos com plem en tares; advin h am -se bastan tes m u dan as de n om e, resu ltan tes de provveis agregaes de firm as an teriores.
49. SILVEIRA, F., op. cit., qu adro p.117.
50. Ibidem , m apas 112 e ss.
51. Das restan tes oficin as, dez so tin tu rarias, u m a de apisoar, seis so de tecer.
52. 1881: Total das m u lh eres n a in d stria: 39,4% ,(ligeiram en te m en os qu e em 1863, 41% ).
Nas prin cipais on ze em presas em 1881: 41,5% . O trabalh o fem in in o n a gran de in d stria tin h a tradio an tiga, fora u m exclu sivo da Real Fbrica. (MADUREIRA, N., op. cit., p.501).
Men ores: em 1863, m ascu lin os 315, fem in in os 26; em 1890, m ascu lin os 1.202, fem in in os
272. Ver, tam bm , qu adro 1. Com o j acon tecia an teriorm en te n esta regio, a u tlizao de
m en ores afetava sobretu do a popu lao m ascu lin a, ver MADUREIRA, N., op. cit., p.498.
53. Ibidem , p.88-92. A afirm ao de David Ju stin o de qu e a pequ en a produ o tin h a pou ca
im portn cia sobretu do por se dedicar a fases parcelares da produ o, m ostra a su a in com pren so peran te a organ izao especfica da Covilh . (v.I, p.102) .
54. A form a com o o forn ecim en to da prin cipal m atria-prim a, a l, estava organ izada era ou tro dos problem as graves da in d stria da Covilh e da regio serran a. A in existn cia de forn ecim en to regu lar obrigava a com pras an u ais n as gran des feiras, o qu e im plicava ou u m
gran de em pate de capital ou o recu rso ao crdito com ju ro elevado. SILVEIRA, F., op. cit.,
p.48; In q. In d. 1881, III. Visita ao distrito da Gu arda, p.84-151. O abastecim en to de l era
efetu ado n os prin cipais pon tos de produ o relativam en te prxim os, o Alen tejo, Beiras, Espan h a, m as para os tecidos su periores era in dispen svel com prar l proven ien te da Alem an h a, Au strlia e da Am rica. Silveira, F., op. cit., p.92.
55. Ibidem , p.90-2.
56. Resposta dos fabrican tes da Covilh aos qu esitos propostos pela com isso das Pau tas em
1858. Jorn al da Associao In du strial Portu en se, n .8, p.59, 24 m aro de 1860.
57. SCRANTON, P. Proprietary capitalism : th e textile m an u factu rer at Ph iladelph ia, 1983. In :
ZEITLIN, J. Les voies m u ltiples de l'in du strialisation . In : Mouvement Social, 1985, p.133.
58. Con clu so do relatrio de dois delegados da Com isso Cen tral de In qu rito qu e visitaram
a regio, 1881, In q. In d. v.III, p.172-3 e o con ju n to do relatrio p.88 ss., dos m ais com pletos
de todo in qu rito.Ver tam bm SILVEIRA, F., op. cit.
59. PERDIGO, J. A. A in d stria em Portu gal. In : Arquivos da Universidade de Lisboa, 1916,
v.III, p.117 ss. POINSARD, L. Le Portugal inconnu, 1910. p.209, con sidera a regio decaden te;
porven tu ra u m a viso exagerada.
60. O prin cipal m ercado n a distribu io dos tecidos da Covilh , pelo m en os n os an os 60, era
Man gu alde, on de os prin cipais fabrican tes da Covilh tin h am arm azn s e ali ven diam por
grosso aos com ercian tes do Norte, n a feira do 1 dom in go do m s. SILVEIRA, F., op. cit., p.92.
240
61. Ver Qu adro 3: n o total das 160 fbricas, 117 situ am -se n os distritos de Castelo Bran co e
da Gu arda e a m aioria eram pequ en as e m dias u n idades in du striais.
62. Dados organ izados por m im , com base n as estatsticas do com rcio extern o.
63. Relatrio do Ju rado, 1850, p.29, con cepo qu e se espraia n as p.26-30. MARTINS, O. Fomento rural e emigrao, p.197.
64. Teriam ch egado a 22 m il os trabalh adores n a con stru co das lin h as do Norte e do Leste
en tre 1861 e 1864, dim in u in do posteriorm en te, PINHEIRO, M. Chemins de fer, structure financire de l' Etat et dpendance extrieure. Tese (Dou torado), p.224-5, (Mim eogr.). Acerca do papel
da agricu ltu ra n a segu n da m etade do scu lo XIX, ver o m eu livro Livre cmbio e desenvolvimento econmico: Portu gal n a segu n da m etade do scu lo XIX 2.ed. 1971, 1983.
65. Acerca da in d stria corticeira e con serveira e as su as relaes com o m ercado in tern acion al, ver MIRANDA, S. O crculo vicioso da dependncia (1890-1939),1991. Um a verso diferen te
em REIS, J. A in du strializao n u m pas de desen volvim en to len to e tardio: Portu gal,18701913. In : O atraso econmico portugus 1850-1930.
241
captu lo 13
243
Jaime Reis
244
bariam por ficar certam en te m ais ricos ao lon go destas dcadas, o acrscim o n o seu ren dim en to real cifrou -se en tre os 40% e os 65% m as,
com o se figu ra, a su a posio relativa tin h a decado acen tu adam en te. Em
1913, o produ to n acion al per capita era cerca de 30% da m dia de u m con ju n to de 19 pases qu e poca se poderiam con siderar avan ados.2
Com os an os 20 deste scu lo in iciava-se u m a in verso n esta ten dn cia e despon tava u m a n ova era. No s m an tin h a-se o crescim en to
Logaritm o natural do PNB pe r capita e m Portugal com o pe rce ntage m do
logaritm o natural PNB pe r capita e m pase s de se nvolvidos (1850-1992)
70
65
Pe rce ntage m
60
55
50
45
40
35
30
1990
1986
1982
1978
1974
1970
1966
1962
1958
1954
1950
1946
1942
1938
1934
1930
1926
1922
1918
1914
1910
1906
1902
1898
1894
1890
1886
1882
1878
1874
1870
1866
1862
1858
1850
1854
25
su sten tado da econ om ia, com o, graas a taxas agora relativam en te m ais
elevadas, cessava o seu decln io relativo e, a partir da dcada de 1930, o
pas en trava n o ram o ascen den te da cu rva em U, n a figu ra, qu e tradu z a
progressiva recu perao em relao s econ om ias qu e n os servem de term o de com parao.3 En tre 1930 e 1939, o produ to n acion al per capita em
Portu gal su bia para 35% da m dia acim a referida; n a dcada de 1950,
elevava-se para 37% ; e n os prin cpios dos an os 70, n a seq n cia dos
An os de Ou ro do ps-gu erra e an tes do prim eiro ch oqu e petrolfero,
atin gia os 54% .4 Con trariam en te perspectiva tradicion al sobre este perodo e qu e ain da en con tra aderen tes, o Estado Novo, lon ge de ter sido
u m tem po de estagn ao, foi u m a das pocas m ais din m icas, em term os
econ m icos, da h istria portu gu esa.5
Peran te com portam en tos de lon go prazo to con trastan tes, n o
su rpreen de qu e tam bm a h istoriografia os ten h a procu rado separar n a
su a bu sca de explicao para os ritm os da econ om ia portu gu esa n o con fron to com as dem ais. No caso do atraso cada vez m ais acen tu ado do scu lo XIX, a n fase tem sido posta n as barreiras, in tern as e extern as, qu e
im pediram qu e os fatores in tern acion ais estim u ladores do crescim en to tivessem tido u m im pacto sem elh an te ao registrado n ou tras econ om ias sim ilarm en te atrasadas e qu e com eavam tam bm en to a crescer em bora
245
Jaime Reis
de form a m ais din m ica. Para o segu n do perodo, do scu lo XX, a qu esto qu e se coloca algo diferen te. Con siste em saber com o e at qu e pon to aqu elas barreiras tero cado e qu e im pu lsos an tigos ou n ovos tero
en tretan to proporcion ado a n otvel elevao n o ritm o de expan so verificado desta vez.
Para u m a prim eira gerao de estu diosos, n os in cios dos an os 70,
o acen to deveria ser posto em trs aspectos do problem a. Um a revolu o
liberal in com pleta, du ran te as prim eiras dcadas do scu lo XIX, e u m desen volvim en to in com pleto do capitalism o, su bseq en tem en te, tero tido
com o con seq n cias u m a estru tu ra agrria, assen tada n u m du alism o m in if n dio/ latif n dio, qu e n o en corajava n em a eficin cia produ tiva, n em
u m a repartio de ren dim en tos m ais equ ilibrada. Por ou tro lado, circu n stn cias polticas im pu n h am ao pas, a partir de 1840, u m livre-cam bism o
qu e expu n h a a su a in cipien te in d stria a u m a feroz con corrn cia extern a e o em pu rrava em sim u ltn eo para u m a especializao agrcola e de
exportao de produ tos prim rios, sobretu do para a In glaterra. Em tais
con dies, faltou ao setor m an u fatu reiro o im pu lso com pen satrio de
u m a procu ra in tern a forte qu e o fizesse crescer e, m odern isan do-se, lh e
possibilitasse com petir in tern acion alm en te, pelo qu e o seu con tribu to
para o crescim en to n o cu m priu aqu ilo qu e seria de esperar dele. agricu ltu ra estava destin ada, a prazo, a estagn ao, dada a con corrn cia cada
vez m ais in ten sa n o m ercado extern o e a in abilidade estru tu ral, em n vel
socioecon m ico e tcn ico, para su perar a su a produ tividade proverbialm en te baixa.6 As dificu ldades su scitadas por esta depen dn cia extern a
con ju gavam -se com u m a h eran a sociocu ltu ral provin da do An tigo Regim e e de qu e resu ltava, por u m lado, u m a sociedade fech ada aos valores
em presariais m odern os e ao esprito racion al e cien tfico e, por ou tro, a
falta de u m a ordem poltica bu rgu esa forte e qu e abraasse o progresso
econ m ico acelerado.7
O debate acerca das cau sas do atraso econ m ico portu gu s n o scu lo XIX con h eceu u m n ovo im pu lso a partir da dcada de 1980, m erc
de u m a srie de trabalh os qu e vieram levan tar d vidas em relao s in terpretaes vigen tes e propor n ovas solu es. Um a destas objees cen trava-se sobre a tese da depen dn cia extern a. Nu m a com parao in tern acion al, Portu gal afin al n o s estava lon ge de ser livre-cam bista an tes,
tin h a u m a das protees alfan degrias m ais altas da Eu ropa com o tin h a
u m a das depen dn cias extern as m ais fracas. En tre as econ om ias pequ en as e m ais atrasadas da poca, a razo das su as exportaes para o produ to n acion al bru to, qu e n os serve para m edir esta dim en so, era dos
m ais baixos.8 Ao m esm o tem po argu m en tava-se qu e, pelo m en os n a su a
dim en so latifu n diria, a estru tu ra agrria n o seria respon svel pelo
atraso tcn ico do setor prim rio, an tes revelava u m a capacidade de adap-
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Jaime Reis
fren taram u m a procu ra in tern acion al fraca e crescen tes dificu ldades com petitivas n os m ercados extern os. O problem a estava em qu e n em o pas
tin h a van tagen s com parativas n a produ o de carn e, laticn ios e ovos,
qu e eram os gn eros agrcolas tem perados com ercialm en te m ais van tajosos n esta poca, n em a su a agricu ltu ra era capaz de levar a cabo os m elh oram en tos precisos para lh e gran gear u m estatu to verdadeiram en te
com petitivo. Con vm acrescen tar qu e a terra n o s era m com o era
pou ca relativam en te ao n m ero dos qu e a cu ltivavam . Em 1900, h avia 3
h ectares de terra por ativo, en qu an to n a Fran a e n a In glaterra h avia 5,4
e 10 h ectares respectivam en te.
escassez de recu rsos n atu rais som ava-se u m a n o m en os m arcada deficin cia de recu rsos h u m an os. Du ran te a segu n da m etade do scu lo XIX, Portu gal foi u m dos pases eu ropeu s m en os dotados n este aspecto, em virtu de de u m an alfabetism o em prin cpio esm agador, qu e atin gia
qu atro qu in tos da popu lao e logo a vasta m aioria da fora de trabalh o
por volta de 1850; e de u m a taxa de escolarizao baixa dem ais para ven cer esta con dio de atraso social. Em 1911, os iletrados con stitu am ain da 75% dos portu gu eses en qu an to n a Itlia esta proporo era de 46% e
n a Espan h a de 53% , sin al de qu e o problem a, n a su a verten te portu gu esa, n o era sim plesm en te explicvel por fatores cu ltu rais ou religiosos.12
Em bora lon ge de ser m atria pacfica, a relao en tre n vel cu ltu ral
e edu cativo e produ tividade parece su ficien tem en te explcita, m esm o n o
qu e toca ao scu lo passado, para n o cau sar estran h eza qu e as m ais altas
taxas de crescim en to econ m ico n a Eu ropa se ten h am verificado, du ran te o perodo em con siderao, em pases, com o a Din am arca e a Su cia,
com u m a elevada form ao e dotao de capital h u m an o. Nesta lin h a de
raciocn io e em bora carecen do ain da de u m a am pla in vestigao, as in dicaes atu alm en te dispon veis sobre Portu gal apon tam para qu e, qu er n a
in d stria qu er n a agricu ltu ra, este ter sido u m fator sign ificativo para explicar o fraco desem pen h o de am bos os setores, u m a circu n stn cia qu e,
alis, n o passava despercebida dos em presrios con tem porn eos, com o
fator de atraso tecn olgico e de baixa ren tabilidade do trabalh o in du strial.
A fraca qu alificao da m o de obra a todos os n veis do aparelh o
produ tivo n o era, n o en tan to, a n ica razo para qu e a produ tividade da
in d stria portu gu esa fosse geralm en te m etade ou m en os daqu ilo qu e se
registrava n os pases m ais avan ados. Argu m en tava-se qu e con tribu a
igu alm en te para este resu ltado a redu zida dim en so do m ercado qu e esta
servia e qu e im pedia a m u itos setores de poderem gozar das econ om ias
de escala qu e a tecn ologia m odern a possibilitava e a algu n s, m orm en te n a
in d stria pesada, vedava m esm o a su a im plan tao. O problem a radicava-se n u m a popu lao excessivam en te pequ en a e com u m ren dim en to
pessoal de tal form a baixo qu e a procu ra agregada de ben s m an u fatu ra-
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dos n o ch egava para su sten tar, por exem plo, a in stalao de sequ er u m
con versor Bessem er para a produ o de ao. A solu o para con torn ar
esta dificu ldade era am pliar o m ercado pela exportao, m as a baixa produ tividade com parada da in d stria portu gu esa exclu a eviden tem en te
esta possibilidade. Por ou tro lado, a elevada proteo alfan degria de qu e
ela gozava retirava-lh e o in cen tivo para m elh orar as con dies de produ o sob o im pu lso da con corrn cia extern a, e obrigava-a a procu rar ref gio n o m ercado dom stico som en te. Estava assim in stalado u m crcu lo vicioso de qu e parecia difcil sair, u m a vez qu e n o era possvel abater estas barreiras tarifrias sem grave leso para o tecido in du strial existen te
n o pas e os in teresses a ele ligados. Man ten do-as porm o progresso tecn olgico era in adequ ado para u m crescim en to econ m ico m ais veloz.
A dcada de 1990 n o alterou fu n dam en talm en te os term os deste
debate, m as acrescen tou -lh e n ovas dim en ses e perm itiu lev-lo m ais lon ge n ou tras. Um a destas ltim as a qu esto da deficin cia da fu n o em presarial a qu e Helder Fon seca deu u m a n ova profu n didade, estu dan do as
atitu des econ m icas dos gran des lavradores e proprietrios do Alen tejo
du ran te a segu n da m etade do scu lo passado, u m gru po tradicion alm en te
tido por refratrio m u dan a tcn ica e m axim izao do lu cro. Segu n do
este au tor, pelo con trrio, a regio caracterizou -se por u m a gran de adaptabilidade evolu o das con dies de m ercado. As in ovaes foram adaptadas por estes em presrios agrcolas com a celeridade e a exten so qu e
as circu n stn cias econ m icas ditavam e as form as de in vestim en to e de organ izao da produ o den otaram u m a flexibilidade m u ito distan te do
paradigm a da crn ica falta de in iciativa e din am ism o.13
Em bora n o focan do diretam en te a qu esto da terra n a ptica qu e
aqu i n os ocu pa, a qu an tificao cu idadosa dos valores e qu an tidades en volvidos n a ven da dos Ben s Nacion ais, n os an os aps a Gu erra Civil
(1835-1843), veio de n ovo pr con siderao o argu m en to, tam bm tradicion al, segu n do o qu al esse processo teria fru strado a oportu n idade de
u m a reform a econ m ica n ica e com im portan tes con seq n cias para o
desen volvim en to do pas. verdade, sem d vida, com o se tem afirm ado,
qu e esta ven da em n ada con tribu iu para alterar, com o poderia h ipoteticam en te ter feito, a estru tu ra agrria latifu n diria/ m in ifu n diria e assim
poder-se- dizer qu e esta reform a n o aju dou a erradicar certas caractersticas peren es do m u n do ru ral portu gu s. Mas os dados agora dispon veis tam bm perm item con clu ir qu e o valor e a exten so das terras em
qu esto n o eram de ordem tal qu e, m esm o se tivessem sido estru tu radas em propriedades m dia, com u m a u tilizao presu m ivelm en te m ais
eficaz, o im pacto sobre o produ to n acion al pu desse ter sido m ais do qu e
exgu o. Nu m a altu ra em qu e este ltim o seria de cerca de 200 m il con tos, os Ben s Nacion ais ren deram , em h asta p blica, cerca de 8.500 con tos
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ten h a sido cru cialm en te afetada qu er pela dotao de recu rsos n atu rais
qu er pela con figu rao da procu ra in tern acion al, am bas an teriorm en te
alegadas com o barreiras de m on ta ao crescim en to econ m ico. A segu n da
qu e a relao cau sal en tre exportaes e produ to n acion al, se existiu ,
ten h a tido a direco qu e lh e tem sido atribu da, an tes parecen do qu e
o n vel do produ to qu e determ in a a capacidade para exportar e n o o
con trrio. Em con seq n cia, segu n do Pedro Lain s, em Portu gal era o
atraso econ m ico e social qu e travava a exportao, u m a situ ao qu e s
podia ser su perada atravs de u m processo dem orado de len ta evolu o
qu e pases com o os escan din avos tin h am j con segu ido levar a cabo an tes de m eados dos oitocen tos.24 Este en ten dim en to vai ao en con tro de
u m a corren te n a literatu ra in tern acion al qu e afirm a qu e, n o lon go prazo,
existem gru pos de pases com ren dim en to per capita baixo m as sem elh an te e qu e ten dem a aproxim ar-se en tre si, m as raram en te dos qu e con stitu em o gru po dos pases com ren dim en to m ais elevado e tam bm sem elh an te en tre si. Visto deste m odo, Portu gal perten ceria a u m clu be de
con vergn cia eu ropeu de ren dim en to baixo e por isso a teve de perm an ecer du ran te estas dcadas sem con segu ir u ltrapassar os bloqu eios a u m
crescim en to m ais rpido.25 Esta abordagem represen ta u m avan o in discu tvel m as su scita dificu ldades. A m ais salien te reside, por su a vez, n a
au sn cia, de explicao adequ ada para o atraso portu gu s n a poca qu e
an tecede o perodo em apreo, para on de rem etida agora a ch ave do
problem a. Em segu n do lu gar, a au sn cia de u m a an lise qu e elu cide por
qu e m eios qu e algu n s pases con segu iram escapar perten a ao clu be
dos m ais pobres e in gressar n o das econ om ias m ais din m icas porqu e
m ais ricas deixa u m a rea de in certeza n a com preen so do fen m en o.
Esta in certeza im portan te n o s para a com preen so do problem a do atraso econ m ico oitocen tista, m as tam bm para explicar a recu perao qu e, em con traste, a econ om ia portu gu esa logrou efetu ar n o decorrer do scu lo XX. A in terrogao qu e aqu i se coloca se, depois de
u m a lon ga e len ta evolu o n o scu lo XIX, Portu gal ter atin gido fin alm en te, aps a Prim eira Gu erra Mu n dial, o patam ar de riqu eza m in m a
para poder fazer parte do gru po das n aes avan adas e con vergen tes.
Ou , em lu gar disso, se tero su rgido fatores im pu lsion adores do crescim en to an tes au sen tes a alterar radicalm en te a situ ao passada? Metodologicam en te, su rgem com isto du as qu estes. A prim eira a de iden tificar, com o fizem os at aqu i, u m m odelo in terpretativo qu e in tegre satisfatoriam en te a evolu o do caso portu gu s em si e em perspectiva com parada. A segu n da a de assegu rar a coern cia desse qu adro com a in terpretao qu e se preten deu dar para o atraso verificado n o decu rso do scu lo XIX. Assim , se h ou ver circu n stn cias qu e an tes obstacu lizaram u m
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m elh or desem pen h o, estas devem ser recon sideradas para se apu rar se,
n o scu lo atu al, deixaram de existir, de atu ar, ou se por qu alqu er m otivo
passaram a ter u m efeito diverso do an terior. Da m esm a form a, se n ovos
fatores em ergem a im pelir m ais fortem en te o crescim en to a partir das dcadas de 1920 ou 1930, a su a in existn cia n a poca preceden te deve ser
assin alada e explicada.26 Tal com o fizem os para o prim eiro su bperodo
aqu i con siderado, ser a dim en so estru tu ral, de lon go prazo, de qu e n os
vam os ocu par, e n o a dim en so con ju n tu ral, de cu rto prazo da h istria
econ m ica portu gu esa.
O com portam en to da econ om ia n acion al n o scu lo XX da ptica
qu e estam os an alisan do tem m erecido m en os aten o dos h istoriadores
do qu e acon teceu n o caso do scu lo XIX. As dim en ses polticas associadas em ergn cia e lon gevidade do Estado Novo e a relevn cia deste para
a m ais recen te viven cia dem ocrtica do pas so in du bitavelm en te razes
sobejas para isto. No obstan te, o volu m e de in vestigao j dispon vel sobre este captu lo de h istria econ m ica forn ece pistas abu n dan tes e eviden te qu e, m esm o se m u itas qu estes restam por esclarecer, as lin h as gerais de u m qu adro an altico adequ ado s n ecessidades j se en con tram
traadas.
Do pon to de vista do crescim en to, a gran de viragem para a econ om ia portu gu esa data do fim da segu n da gu erra m u n dial. No perodo en tre as gu erras assistiu -se in terru po do processo de atraso secu lar qu e
tem os con siderado at aqu i (ver figu ra) e m esm o a u m a pequ en a m elh oria da posio portu gesa relativa n este dom n io. Estru tu ralm en te, n o se
tin h am ain da verificado, porm , as gran des alteraes qu e assin alaram os
an os 1945-1973, qu e so aqu eles em qu e disparou a expan so da econ om ia a u m a taxa m dia an u al de 5,6% a preos con stan tes e teve lu gar, pela prim eira vez n a h istria do pas u m a sign ificativa recu perao
relativam en te s econ om ias desen volvidas. sobre esta ltim a experin cia qu e con cen tram os portan to a n ossa aten o.
O aspecto porven tu ra m ais salien te desta poca a con verso de
Portu gal n u m pas in du strial, cu jo setor secu n drio n o s su perou fin alm en te o prim rio com o, com u m a taxa de crescim en to an u al de 10,7%
ao an o, passou a determ in ar a evolu o global da econ om ia.27 Um a elevao im portan te da produ tividade in du strial perm itiu qu e a exportao
de m an u fatu ras dom in asse o setor extern o, com 64% das ven das n o exterior, en qu an to a agricu ltu ra, o esteio tradicion al das exportaes, se lim itava agora a 10% desse flu xo. Os ram os da in d stria previam en te m ais
im portan tes os txteis, o calado e a alim en tao m an tiveram u m papel relevan te n esta evolu o, m as perderam o seu lu gar preem in en te
para u m con ju n to se setores m odern os, m ais avan ados tecn ologicam en te e m ais capital in ten sivos o ao, a m etalu rgia, a qu m ica, o m aterial
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eltrico e de tran sportes, o papel e o petrleo. A este fen m en o esteve ligado o aparecim en to de sete gran des gru pos econ m icos em qu e se com bin avam as atividades fin an ceiras com os in teresses colon iais e in du striais
e qu e lograram ocu par posies predom in an tes n as reas m ais din m icas
do tecido produ tivo e con dicion ar a poltica econ m ica.28 A esta n otvel
expan so tam bm n o podia ser alh eio u m au m en to sign ificativo do grau
de abertu ra da econ om ia, qu e se tradu ziu por trs facetas prin cipais. Au m en taram as exportaes e as im portaes a ritm os ain da m aiores do qu e
o do produ to n acion al. Recom eou a em igrao, cu jo cau dal era praticam en te n u lo desde 1930 e qu e agora, n o seu au ge (1970), atin giu u m a
taxa de 21 por m il h abitan tes.29 Assistiu -se, du ran te os an os 1960, a u m
in flu xo de capitais e de tecn ologia estran geira, graas liberalizao de
u m a legislao an teriorm en te con trria a tais m ovim en tos e m aior
atrao exercida pelas oportu n idades agora oferecidas pela econ om ia portu gu esa sobre os in vestidores in tern acion ais.
Segu n do recen tes an lises baseadas n a tcn ica do growth accounting,
este rpido crescim en to da econ om ia portu gu esa deveu -se em gran de
parte (70% ) ao au m en to dos seu s fatores produ tivos trabalh o, capital e
capital h u m an o m as tam bm , em bora em m en or grau (30% ) a u m a sign ificativa elevao da produ tividade n a u tilizao destes fatores.30 Para
obterm os u m a viso adequ ada das cau sas qu e estiveram por detrs de u m
e do ou tro tipo de in flu n cia so cin co as reas de an lise para qu e precisam os de aten tar.
Um a das tran sform aes m ais im portan tes da sociedade portu gu esa, n esta ptica, foi o en orm e in vestim en to feito du ran te este scu lo em
m atria edu cativa. Em bora largam en te criticada e criticvel por n o ter
ido m ais alm , n o se pode n egar qu e foi con sidervel e de gran de im pacto econ m ico o acrscim o n a dotao de capital h u m an o qu e daqu i resu ltou . No caso paradigm tico da alfabetizao, passou -se de u m n vel de
75% de an alfabetos n a popu lao, em 1900, para 40% , em 1940, e 25% ,
em 1970. Se forem tom ados em con siderao ao m esm o tem po o en sin o
in term edirio e o u n iversitrio o progresso ain da m ais im pression an te,
se bem qu e tardio em relao n orm a eu ropia con tem porn ea. O n dice de Harrison e Meyers, qu e reflete con ju n tam en te todos estas in stn cias, elevou -se de u m valor de 0,4 em 1900 para 1,3 em 1940, atin gin do
3,9 em 1960.31 Qu an to ao efeito disto, as opin ies so u n n im es. A qu alificao crescen te da m o-de-obra a todos os n veis con tribu iu sobrem an eira para a elevao da produ tividade e do produ to n acion al. Um estu do de m bito in tern acion al dem on strou , para o caso de Portu gal, qu e a
taxa de retorn o sobre o dispen dido com a edu cao n o an o de 1977 foi
de 10% , u m a in dicao razovel do qu e se ter podido obter n as dcadas
preceden tes.32 Por ou tro lado, a forte correlao detectada para o lon go
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Jaime Reis
prazo en tre a form ao de capital h u m an o e o m ovim en to do produ to n acion al tem a su a con trapartida n o resu ltado m ais recen te do growth accounting segu n do o qu al este fator foi respon svel por u m qu arto do crescim en to econ m ico total en tre 1951 e 1973.33
A crescen te abertu ra ao exterior du ran te estas dcadas tem sido
igu alm en te recon h ecida n o geral com o u m a das cau sas prin cipais do din am ism o en to verificado. Ter sido ela o m eio pelo qu al a econ m ia portu gu esa foi con tagiada pela gran de expan so econ m ica in tern acion al
destes an os, exportan do e im portan do cada vez m ais e su jeitan do-se a
u m a m obilidade do trabalh o, do capital e da tecn ologia qu e s lh e podiam
ser ben ficos. Apesar de u m regim e com u m a in clin ao de raiz para o
protecion ism o e a au tarqu ia econ m ica, pela n ecessidade das coisas, as
polticas segu idas n o ps-gu erra pelo Estado Novo foram n o sen tido oposto, da liberalizao e da ligao s organ izaes in tern acion ais, cu lm in an do com o tratado de adeso de Portu gal Associao Eu ropia de Com rcio Livre, em 1959. Em qu e m edida isso aju dou a econ om ia a crescer
algo qu e est, porm , ain da por resolver. A opin io geral qu e este ter
u m fator cru cial de tran sform ao. Na in d stria, os setores exportadores
j referidos tero se ben eficiado, sem d vida, com o m ais fcil acesso aos
gran des m ercados eu ropeu s e com isso tero recebido u m im portan te estm u lo para sim u ltan eam en te expan dir e au m en tar su a eficin cia. Um
exam e m ais aten to su gere, n o en tan to, qu e n a su a m aior parte a econ om ia con tin u ou refu giada atrs de barreiras alfan degrias qu e, apesar de
n om in alm en te em qu eda, se m an tin h am , em term os efetivos, qu ase to
altas em 1970 com o 20 ou 30 an os atrs. Os setores in du striais n o exportadores e a m aior parte da agricu ltu ra e dos servios n o experim en taram o desafio da con corrn cia extern a, pelo qu e m u itas em presas ben eficiaram con tin u am en te de n veis de proteo elevados e pu deram sobreviver em fu n o do m ercado in tern o, com efeitos qu e n o tero sido
positivos para a produ tividade geral.34
A im portn cia qu e a form ao de capital fixo teve em todo este
processo, tradu zida por u m con tribu to de cerca de 50% para o crescim en to global da econ om ia e n u m erosas refern cias n a literatu ra, obriga-n os
a pon derar sobre as circu n stn cias qu e torn aram possvel u m au m en to
to acen tu ado e in u sitado deste fator produ tivo. No existem dados qu e
proporcion em u m a com parao com pocas an teriores. Tu do leva a crer,
porm , qu e n este dom n io deva ter h avido u m a alterao profu n da n o
com portam en to dos agen tes econ m icos graas qu al os recu rsos fin an ceiros m obilizados para este fim cresceram em 600% en tre 1950 e 1973.
O elem en to m ais im portan te n este en orm e esforo foi in du bitavelm en te
a pou pan a das fam lias portu gu esas, qu e se elevou de u m a form a n otvel ao lon go do perodo, at atin gir u m m xim o de 30% do ren dim en to
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dispon vel, em 1972, partin do de u m valor de 10% n o im ediato ps-gu erra. Qu ais as razes de u m fen m en o to su rpreen den te u m tem a de
m om en to praticam en te ign oto e qu e, pela su a im portn cia n a in terpretao destes An os de Ou ro da econ om ia portu gu esa, carece de in vestigao. A elevao progressiva do ren dim en to per capita ser u m a parte bvia da explicao para este au m en to n o esforo de pou pan a. Ou tra de
n o m en or sign ificado ser a atu ao do sistem a ban crio, cu ja expan so
e tran sform ao estru tu ral du ran te estes an os lh e facu ltou u m a capacidade m u ito acrescida n o s para captar recu rsos de tal m on ta, m as tam bm
para con segu ir recicl-los em larga m edida para o in vestim en to das em presas e dar-lh es por con segu in te u m fim produ tivo.35
Mais fcil de explicar a segu n da fon te m ais relevan te, con stitu da
pela pou pan a das em presas, as qu ais pela reten o de parte dos seu s lu cros con segu iram fin an ciar u m a frao su bstan cial da su a form ao de capital fixo. Em bora u m a h iptese ain da por testar rigorosam en te, opin io
de vrios au tores qu e as con dies de m on oplio ou de oligoplio de qu e
n o pou cas gozaram som bra da regu lam en tao oficial ter torn ado
possvel lu cros su ficien tem en te elevados para isso assim com o o estm u lo para agir n esse sen tido. Em con trapartida, o papel do Estado e dos in vestidores estran geiros n a form ao de capital talvez n o ten h a tido u m
im pacto com en su rvel com o in teresse de qu e tem sido alvo por algu n s
au tores. No prim eiro caso, in egvel o au m en to dos in vestim en tos estatais ao lon go deste scu lo e tam bm o fato de estes se orien tarem cada vez
m ais para as in fra-estru tu ras in dispen sveis ao crescim en to, com o os
tran sportes, as com u n icaes e a en ergia, para alm de u m com pon en te
n o desprezvel de apoio ao in vestim en to in du strial e edu cao. E a partir de 1953, su cessivos Plan os de Fom en to govern am en tais vieram disciplin ar e even tu alm en te con ferir m aior eficin cia a este esforo. Ao lado
do privado, o in vestim en to p blico n u n ca deixou de ter u m lu gar secu n drio cerca de 10% a 15% do total at m eados da dcada de 1960, altu ra em qu e ascen deu aos 30% .36 De igu al m odo, o in vestim en to estran geiro tem recebido bastan te aten o, m as o seu im pacto restrin giu -se essen cialm en te aos an os 60 e 70 e aos escassos, m as im portan tes setores in du striais em qu e se con cen trou . Assim , m esm o du ran te a poca da liberalizao por via legislativa da en trada destes capitais, o seu volu m e n u n ca excedeu os 4% do produ to n acion al, n u m m om en to em qu e o total da
form ao bru ta de capital n u n ca estava abaixo dos 20% desta varivel.37
Paralelam en te a ou tros m ovim en tos sem elh an tes em todo o su l da
Eu ropa, o su rto em igratrio recom eado logo depois da segu n da gu erra
m u n dial tem sido iden tificado com o o fator qu e m ais decisivam en te in flu en ciou a situ ao econ m ica global em Portu gal.38 Para a econ om ia
foram vrias as con seq n cias qu e advieram de u m xodo qu e com eou
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por ser da ordem dos 1,7 por m il h abitan tes, at 1950, e qu e n o seu au ge,
por volta de 1970, correspon dia a u m a taxa de 21 por m il. Por u m lado,
a estagn ao popu lacion al resu ltan te possibilitou u m processo de crescim en to m arcadam en te capital in ten sivo e absorvedor de n ova tecn ologia,
u m a forte dim in u io da m o-de-obra agrcola sem o aparecim en to de
u m desem prego in du strial pertu rbador e au m en to da produ o qu e n o
se dissiparam por u m a base dem ogrfica em rpida expan so, com o su cedeu n ou tros casos con tem porn eos de desen volvim en to econ m ico.39
Por ou tro, gerou -se u m con sidervel e crescen te cau dal de rem essas para
o pas n atal, captado e can alizado m ajoritariam en te pelo setor ban crio
portu gu s e cu jo efeito foi assin alvel em du as reas cru ciais para a tran sform ao da econ om ia. A prim eira era a do com rcio extern o, em qu e a
expan so das im portaes de equ ipam en tos e m atrias-prim as n orm alm en te associada a processos de in du strializao rpida n o con du ziu a
u m estran gu lam en to graas s abu n dan tes divisas assim obtidas e reforadas pelas receitas do tu rism o en to em fu lgu ran te ascen so. A segu n da
foi o con tribu to prestado por estas rem essas para o con su m o e particu larm en te para a econ om ia das fam lias, qu e viram o seu ren dim en to au m en tar em virtu de disso, em m dia, de 3,5% du ran te os an os 1960-1965 e de
7,7% em 1966-1973, u m valor qu e con trasta fortem en te com os 2% obtidos da m esm a origem n o prin cpio do scu lo, ou tra poca de gran de
em igrao, m as de fraco crescim en to econ m ico.
O qu in to e ltim o dos tpicos essen ciais para a h istria da recu perao da econ om ia portu gu esa aps 1945 de todos o m ais com plicado e
difcil de avaliar. Trata-se da vasta e com plexa teia regu latria qu e o Estado Novo com eou a tecer desde o seu in cio, n os an os 30 e m an teve essen cialm en te at o fim , em parte com o u m a srie de respostas pragm ticas a problem as con ju n tu rais qu e iam su rgin do, e, em parte, com o resu ltado de u m a forte descon fian a ideolgica em relao aos m ecan ism os de
m ercado. Em con seq n cia e sob a capa de u m m u ito apregoado estado
corporativo, estabeleceram -se circu itos com erciais obrigatrios para
gran de n m ero de produ tos, fixaram -se preos e salrios n u m largo m bito produ tivo e com ercial e regu lou -se a im portao por via adm in istrativa. No dom n io in du strial em particu lar im plem en tou -se u m a poltica
altam en te in terven cion ista, o con dicion am en to in du strial, qu e con feria
s au toridades poderes discricion rios para licen ciar a criao de n ovos
estabelecim en tos, a reabertu ra e a expan so dos j existen tes e at a su bstitu io dos respectivos m aqu in ism os. Os objetivos, oficialm en te, eram
diversos corrigir os excessos de capacidade produ tiva, fom en tar econ om ias de escala, im pu lsion ar a m odern izao tecn olgica, dim in u ir a depen dn cia extern a em bora n a prtica o acen to ten h a estado em travar
a con corrn cia, lim itan do a en trada de n ovos produ tores ou de processos
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Jaime Reis
N OTA S
1. REIS, J. How Poor Was th e Eu ropean Periph ery before 1850? In : XVII ENCONTRO DA ASSOCIAO PORTUGUESA DE HISTRIA ECONMICA E SOCIAL, 1997, Pon ta Delgada.
2. No existe con sen so qu an to expresso qu an titativa exata desta evolu o. Ver: NUNES,
A. B., MATA, E., VALRIO, N., 1989; LAINS, P., REIS, J., 1991; LAINS, P., 1995. JUSTINO,
D. A evolu o do Produ to Nacion al Bru to em Portu gal, 1850-1919 Algu m as Estim ativas
Provisrias. Anlise Social, p.451-611,1987.
3. TORTELLA, G., 1994, iden tificou com o Mediterrn ica esta cu rva em U represen tativa
do rcio en tre o produ to n acion al per capita e u m a m dia da m esm a varivel em vrios pases avan ados, u m a vez qu e ela esteve presen te em sim u ltn eo n o s em Portu gal com o
n a Itlia e n a Espan h a.
4. Estes dados, ain da n o pu blicados, so tirados do trabalh o de L. AMARAL Is the Theory of
Convergence Useful for the Study of Growth in Portugal in the Postwar Period? Floren a, 1997. (Mim eogr.).
5. Ver, por exem plo, BIRMINGHAM, D. A Concise History of Portugal. Cam bridge: Cam bridge Un iversity Press, 1993.
6. PEREIRA, M. H., 1983. Para u m a reafirm ao recen te destas idias, ver, MIRANDA, S.
de. Portugal: o crculo vicioso da dependncia (1890-1939). Lisboa: Teorem a, 1991.
7. GODINHO, V. M., 1975.
8. Ver JUSTINO, D., 1988-1989. Ver tam bm LAINS, P. Exportaes Portu gu esas, 18501913: a tese da depen dn cia revisitada. Anlise Social, p.381-419, 1986.
9. Ver REIS, J. Latif n dio e progresso tcn ico: a difu so da debu lh a m ecn ica n o Alen tejo,
1860-1930. Anlise Social, p.371-443, 1982.
10. Sobre este argu m en to, ver FONSECA, H. A., REIS, J. Jos Maria Eu gn io de Alm eida,
u m capitalista da regen erao. Anlise Social, p.865-904, 1987. A citao de SERRO, J.,
MARTINS, G. Da indstria: do An tigo Regim e ao capitalism o. Lisboa: Horizon te, 1978. p.32.
11. REIS, J., 1993.
12. Ibidem .
13. FONSECA, H. A., 1996.
14. Dados obtidos por SILVA, A. M. da. Desamortizao e venda dos bens nacionais em Portugal
na primeira metade do sculo XIX. Coim bra: Facu ldade de Letras, 1989. Ver o argu m en to em
REIS, J., 1992.
15. LAINS, P.,1995.
16. MATA, E., 1990.
17. ESTEVES, R. P. O Crowdin g-Ou t em Portu gal, 1879-1910. In : XVII ENCONTRO DA ASSOCIAO PORTUGUESA DE HISTRIA ECONMICA E SOCIAL, 1997, Pon ta Delgada.
18. REIS, J., 1991.
19. OROURKE, K., WILLIAMSON, J. G. , 1997.
20. So vrios e excelen tes os estu dos sobre o tem a da em igrao portu gu esa. Ver PEREIRA, M. H. A poltica portuguesa de emigrao, 1850-1930. Lisboa: A Regra do Jogo, 1981. BAGANHA, M. Portuguese Emigration to the United States, 1820-1930. Nova York: Garlan d, 1990.
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21. Um prin cpio de discu sso sobre este tem a en con tra-se em HATTON, T. J., WILLIAMSON J. G. Late Com ers to Mass Em igration . Th e Latin Experien ce. In :___. Migration in the
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captu lo 14
JACOBINOS, LIBERAIS E
DEMOCRATAS NA EDIFICAO DO
PORTUGAL CONTEMPORNEO
Am adeu Carvalh o Hom em *
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O in trprete m ais qu alificado do program a da Regen erao foi Fon tes Pereira de Melo. O fon tism o tradu ziu -se, portan to, n u m a poltica de m elh oram en tos m ateriais ou de obras p blicas. Estas foram qu ase exclu sivam en te su portadas pelos cofres oficiais, em razo da in existn cia de u m a
bu rgu esia forte e em preen dedora. Mas com o o errio p blico era an m ico,
teve qu e recorrer por sistem a ao crdito extern o. Foi com libras esterlin as
pedidas de em prstim o praa de Lon dres qu e se su priu a rarefao dos
m eios creditcios n acion ais. Assim , a obra de fom en to liberal origin ou o
crescim en to in con trolvel da dvida p blica e o desequ ilbrio crn ico da balan a de pagam en tos. O servio da dvida, aliado presso dos credores extern os, ditar os gravosos term os da poltica tribu tria levada a efeito pelos
su cessivos govern os regen eradores. A correlao qu e forosam en te se estabeleceu en tre o volu m e dos em prstim os e a carga in tern a dos im postos
explica a prxim a ecloso de crises sociais, qu e vitim aro sobretu do os estratos popu lacion ais de ren dim en tos m ais dbeis. A filosofia de tribu tao
dos govern os regen eradores segu iu os trilh os da ortodoxia liberal, u m a vez
qu e recorreu gam a dos im postos in diretos, in ciden tes sobre o con su m o,
e evitou on erar os ren dim en tos gerados pelos capitais privados. Ficou para
a h istria o ju zo em itido por Fon tes Pereira de Melo, qu an do o con fron taram com as reclam aes dos setores sociais m ais fragilizados pelo agravam en to tribu trio: O povo pode e deve pagar m ais.
A partir de 1851, o Partido Regen erador aam barcou os lu gares de
represen tao poltica e redu ziu a tradio n eovin tista e setem brista a
com parsas m en ores da realidade rotativa. Nu m a prim eira fase dessa prtica rotativa, a oposio ao con servadorism o cartista ser debilm en te desem pen h ada pelo Partido Histrico do Marqu s de Lou l. Mas era u m to
fraco con traste en tre am bos qu e em 1865 foi possvel organ izar u m gabin ete de fu so, n o qu al regen eradores e h istricos con vivem placidam en te. A con testao ao fu sion ism o partir de u m setor de partidrios
h istricos qu e, clam an do por reform as, con sideraram esp ria e an tin atu ral a coligao fu sion ista qu e n asceu deste diverso m odo de ver a patru lh a partidria do Reform ism o.
A revolu o espan h ola de 1868 e o dram a san gren to da Com u n a
de Paris de 1871 viro a ser os in spiradores diretos de altern ativas exteriores lgica da m on arqu ia, m edian te a u lterior fu n dao dos partidos
repu blican o e socialista. Den tro do cam po m on rqu ico, porm , foi a in egvel prim azia do Partido Regen erador qu e forou u n ificao das foras
qu e lh e eram opon en tes. O Pacto da Gran ja de 1876 u n iu os reform istas de D. An tn io Alves Martin s, bispo de Viseu , e os h istricos ch efiados por An selm o Braam cam p, fazen do n ascer o Partido Progressista e
in au gu ran do o ch am ado segu n do rotativism o. O com prom isso da
Gran ja apresen tava as m elh ores poten cialidades para qu e o n ovo partido
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PROPOSTA REPUBLICA N A
Acan ton ado defen sivam en te n u m pequ en o n m ero de cen tros m ilitan tes, n u m ericam en te rarefeitos, sediados em Lisboa, n o Porto e em
Coim bra, o repu blican ism o do decn io de 70 apresen ta-n os du as corren tes program ticas: a do federalism o (Tefilo Braga, Carrilh o Videira, Teixeira Bastos, Silva Lisboa etc.) e a do u n itarism o dem ocrtico (Jos Elias
Garcia, Bern ardin o Pin h eiro, Gilberto Rola etc.). En qu an to perdu raram
as su gestes revolu cion rias vin das da Fran a e sobretu do de Espan h a, o
federalism o portu gu s desen volveu a su a propagan da em efm eros rgos da im pren sa peridica (O Rebate, A Repblica Federal). Na lin h a das
dou trin as de Pi y Margall, de Em lio Castellar, de Eu gn e Varlin e qu ejan dos, os federalistas bateram -se pela descon cen trao das riqu ezas privadas, pela ch efia colegial da fu tu ra federao repu blican a, pelo m an dato
im perativo dos represen tan tes parlam en tares e pela descen tralizao adm in istrativa e territorial. Com o esm agam en to da Com u n a de Paris e o
alu im en to da rep blica espan h ola de 1873, o federalism o en tra em retrocesso e tran sfere a h egem on ia para a corren te u n itria. Esta prescin de da
tn ica socializan te glosada pelo federalism o, alijan do tam bm os tem as da
ch efia coletiva do Estado, do m an dato im perativo e da descen tralizao.
O seu eixo referen cial passar a ser o da dign ificao e am pliao do su frgio, ten den cialm en te dirigido su a u n iversalizao. A par disto, preten de-se tam bm racion alizar o sistem a econ m ico vigen te e reforar a
cidadan ia, com a con sagrao dos direitos, liberdades e garan tias in dividu ais, tidos com o falseados n a in terpretao restritiva do con stitu cion alism o m on rqu ico. A n ovidade trazida pelo repu blican ism o ao liberalism o portu gu s oitocen tista ser a de lh e aditar a n ota dem ocrtica con su bstan ciada n a reclam ao do su frgio u n iversal. A ideologia repu blican a n o preten deu m u dar a n atu reza econ m ica do liberalism o. Con ten tou -se em precon izar qu e a ortodoxia cen sitria do sistem a evolu sse politicam en te n u m sen tido dem oliberal. isto qu e explica a vocao eleitoralista da prim eira propagan da repu blican a. Os cen tros do repu blican ism o u n itrio apresen tavam -se com o verdadeiras escolas de civism o eleito-
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ral, in sistin do n o aspecto pedaggico da propagan da a ser realizada. Con victos da su a expresso m in oritria e u rban a, os repu blican os desta gerao preten deram en sin ar aos seu s destin atrios os ru dim en tares valores e
as bsicas n oes da su a cren a m atricial. Fizeram -n o cien tes da esm agadora expresso do an alfabetism o popu lar, o qu al atin gia porcen tagen s escan dalosas n os m eios ru rais. Era u m ideal dem opdico qu e se en con trava sem pre presen te n os com cios, n as con fern cias proferidas em associaes popu lares, n os folh etos de divu lgao e at n os prstitos com em orativos com o o qu e se realizou , por exem plo, n a festividade do tricen ten rio de Cam es, celebrado em 1880. A in ten o de difu n dir s m assas
ign aras ru dim en tos de cu ltu ra poltico-social su ficien tem en te acessveis,
deu origem a broch u ras redigidas em lin gu agem in gn u a. Esto n este
caso a Cartilha do Povo, de Jos Falco, e o Catecismo Republicano para uso
do Povo, de au toria de Carrilh o Videira e de Teixeira Bastos. Um a ou tra razo, de n dole filosfica, con feria a este su rto propagan dstico a su a n ota
de pedagogism o pacfico. Referim o-n os relevn cia assu m ida pelo positivism o n a m en talidade dos ch efes repu blican os dos decn ios de 70 e de
80. Tan to Au gu sto Com te com o Em lio Littr propu n h am u m a filosofia de
desen volvim en to h istrico regido pela fam osa lei dos trs estados. A h u m an idade tran sitaria de u m in icial estado m en tal teolgico para u m defin itivo estado m en tal positivo ou cien tfico, por m eio da m ediao provisria de u m estado m en tal m etafsico. O term o fin al da evolu o con fu n diase, em term os polticos, com o adven to da rep blica. Im perava assim , n o
evolver h istrico, u m determ in ism o rgido, o qu al postu lava a n ecessidade in trn seca do triu n fo dem ocrtico. Assim se en ten de qu e esta gerao
repu blican a, em balada pela can tata positivista, qu e lh e reforava a credu lidade n a in evitabilidade do resu ltado fin al, se ten h a fixado n as frm u las
da propagan da ordeira, pacfica, pedaggica e evolu cion ista. Do qu e se tratava, afin al, era de elevar a sociedade n scia altu ra do esclarecim en to sociolgico. Um a vez qu e esta em presa tivesse sido realizada, a Rep blica
su rgiria fatalm en te, qu al fru to am adu recido e pron to a ser colh ido.
O SONHO IMPOSSVEL
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cia de Berlim sin gu larizou -se por avolu m adas restries s liberdades p blicas fu n dam en tais. So disso exem plo as persegu ies m ovidas im pren sa pela portaria de 12 de ou tu bro de 1881 e a fru la persecu tria protagon izada em 1884 por Lopo Vaz, au tor da lei das rolh as. Esta acen tu ao do au toritarism o receber in cen tivos com o falecim en to do rei D.
Lu s e com a su bseq en te en tron izao de D. Carlos. En qu an to o prim eiro observou cu idadosam en te os lim ites do seu papel con stitu cion al, o segu n do qu is in tervir ativam en te n a poltica, correspon den do ao pedido
qu e lh e era dirigido por m u itas in dividu alidades sim patizan tes do cesarism o germ n ico. No gru po in telectu al e gastron m ico dos Vencidos da Vida,
prxim o de D. Carlos, form ado por algu m as das glrias literrias do pas
(Oliveira Martin s, Gu erra Ju n qu eiro, Ram alh o Ortigo, Ea de Qu eirs)
e por aristocratas perten cen tes prim eira n obreza do Rein o (Con de de Ficalh o, Con de de Sabu gosa, Bern ardo Correia de Melo, Lu s Pin to de Soveral, Carlos Lobo de vila), eram freq en tes as in vectivas con tra a situ ao rotativa e con tra o parlam en tarism o. S u m a factvel proxim idade
desses pon tos de vista perm item com preen der a cobertu ra qu e D. Carlos
dispen sou aos m odos de govern ao extrapartidria por on de se en veredou aps o Ultim ato in gls de 1890 e a gabin etes apostados em fazer vin gar processos ditatoriais. Este agravam en to das con dies da in terven o
cvica prepara u m a profu n da in flexo n o estilo da propagan da repu blican a. A u m a gerao de pedagogos dou trin rios, cren tes n as virtu alidades
do evolu cion ism o poltico e n a eficcia dos m eios pacficos de difu so do
seu iderio, su ceder u m a ou tra, m ais jovem , m ais in sofrida e m en os
iden tificada com o determ in ism o teleolgico do positivism o.
Peran te a legislao in tern acion al con sagrada n o Ato Fin al da Con fern cia de Berlim , algu n s govern an tes portu gu eses, com o Jos Vicen te
Barbosa de Bocage, Man u el Pin h eiro Ch agas e An tn io En es, abraaram a
idia de Portu gal poder vir a estabelecer n a zon a m eridion al african a u m
eixo de expan so en tre An gola e Moam biqu e, su scetvel de brin dar o pas
com u m a zon a de soberan ia sem solu o de con tin u idade. Un ir-se-ia o
ociden te an golan o ao orien te m oam bican o. Sabia-se, porm , qu e a realizao do projeto portu gu s im olava a expectativa britn ica e o son h o qu e
Cecil Rh odes atiara com os con cilibu los servidores da Rain h a Vitria. A
delim itao territorial das preten ses portu gu esas con stava de dois con vn ios n egociados em 1885 com a Fran a e a Alem an h a. Os m apas an exos aos tratados, coloridos a rosa, pu n h am o Zam beze a correr in teiram en te em reas de soberan ia portu gu esa. En tre 1884 e 1889, a Sociedade de
Geografia patrocin ou vrias exploraes dirigidas s zon as sertan ejas n evrlgicas para a con su m ao do porten toso objetivo. A irritao britn ica
foi su bin do de tom m edida qu e a estratgia portu gu esa preten dia con solidar posies n a fron teira leste de Moam biqu e, en tre o Lim popo e o
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Zam beze. Com efeito, a am bio portu gu esa de criar n a frica u m n ovo
Brasil colidia com o plan o da estrada de ferro tran safrican a qu e os in gleses
alm ejavam con stru ir en tre o Cabo e o Cairo. De tu do isto resu ltou o u ltim ato qu e Salisbu ry fez en tregar ao govern o portu gu s em 11 de jan eiro
de 1890. Nele se in tim ava Portu gal a retirar im ediatam en te todas as su as
foras m ilitares das regies em litgio. A im plcita am eaa de u tilizao de
m eios blicos con feriu in tim ativa a fora do in apelvel.
Os in trpretes do iderio dem oliberal au feriram das van tagen s con seq en tes gravidade deste m om en to h istrico. qu e os su cessivos govern os, para ten tarem con trariar a vozearia an n im a das ru as e a m ar
dos protestos, en du receram flagran tem en te os seu s m eios de ao. O recu rso a elen cos m in isteriais extrapartidrios e a ditadu ras adm in istrativas
foi determ in an te para a ten tativa de in stitu cion alizao de agrem iaes
in depen den tes qu e pu dessem salvagu ardar a tradio valorativa do radicalism o liberal e restau rar o abalado prestgio da n ao. Tan to a Liga Liberal, ch efiada por Au gu sto Fu sch in i e dirigida sobretu do ao elem en to m ilitar, com o a Liga Patritica do Norte, presidida por An tero de Qu en tal, obedeceram ao propsito de in stalar assem blias con su ltivas de reflexo,
m argem da lgica partidria rotativa, n as qu ais se pu dessem debater solu es de resgate fu tu ro. Foram ten tativas bem in ten cion adas, m as fin alm en te abortadas. Con tu do, a crise do u ltim ato por em relevo u m a n ova
gerao repu blican a de propagan distas ativos, em fran ca dissidn cia
com os m todos pu ram en te eleitoralistas, verbalistas e pacficos at en to
em voga. Su rgiu u m jorn alism o de com bate, sobretu do iden tificado com
crcu los estu dan tis in vu lgarm en te au dazes. O rgo da Academ ia repu blican a lisbon en se, A Ptria, revelou os n om es de Higin o de Sou sa, Brito Cam ach o e Joo de Men eses; o estu dan te de m edicin a Edu ardo de Sou sa
pu blicou n o Porto a folh a O Rebate; em Coim bra im prim iu -se O Ultimatum,
qu e estam pou os agrestes artigos de An tn io Jos de Alm eida e de Afon so Costa. Mas n o foram apen as os estu dan tes qu e se m ovim en taram . O
jorn alista Joo Ch agas, con qu istado para a cau sa repu blican a pelo ch oqu e
patritico do u ltim ato, in cen diou as pgin as dos peridicos A Repblica e
A Repblica Portuguesa, am bos su rgidos n o Porto. O segu n do destes rgos
de im pren sa passou a exarar n u m erosos depoim en tos de m ilitares de baixa paten te, clam an do por u m a exem plar desafron ta qu e restau rasse os
brios feridos do exrcito portu gu s.
Foi esta a an tecm ara da revolta portu en se de 31 de jan eiro de 1891,
ten tativa in gn u a e rom n tica em qu e em barcaram em otivam en te os trs
oficiais a qu e se redu ziu o Estado-Maior dos su blevados (Alferes Malh eiro,
Ten en te Coelh o e Capito Leito) e u m a pequ en a m u ltido de praas de
pr, cabos e sargen tos. Agu en taram -se 8 h oras n a con ten da, an tes de serem obrigados a capitu lar peran te as foras fiis m on arqu ia. A revolta fi-
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liava-se flagran tem en te n a m em ria do vin tism o. A prova m ais irrefu tvel
desta filiao en con tra-se n o fato de terem sido fielm en te repetidos pelos
su blevados os itin errios e os cerim on iais da distan te m as recorren te e
obsidian te revolu o de 24 de agosto de 1820! Qu e u m tal atavism o de
postu ras se desen cadeie assim , to sim bolicam en te, a tam an h a distn cia
tem poral, bem a prova do veio em qu e m ergu lh am as razes do repu blican ism o portu gu s. Na su a pan plia ideolgica en con tram os a reivin dicao de u m liberalism o expu rgado da m cu la cartista, a reclam ao de u m
con stitu cion alism o defen sor dos foros da soberan ia n acion al e a exign cia
de u m parlam en tarism o sem o aaim o do veto real e do pariato.
A dou trin a do en gran decim en to do poder real acabou por sedu zir os ch efes dos partidos m on rqu icos m ais represen tativos n u m m om en to em qu e a m orte j ceifara vu ltos com o o de An selm o Braam cam p
e Fon tes Pereira de Melo, defen sores de u m cartism o m ais respeitador do
con vvio plu ral. Tan to a ch efia regen eradora, en tregu e a Hin tze Ribeiro,
com o a progressista, n as m os de Jos Lu cian o de Castro, se m ostraram
perm eveis a apelos e ten taes liberticidas. Esta n ota especialm en te visvel n o perodo qu e m edeia en tre 1893 e 1897. A ditadu ra en cetada por
Hin tze Ribeiro e Joo Fran co em fin s de de 1893, in au gu ra u m lon go perodo de com presso poltica e de vigiln cia social. Su prim e-se o pariato
eletivo, im possibilita-se a represen tao das m in orias, fu n da-se u m Ju zo
de In stru o Crim in al com en orm es e discricion rios poderes, pu blica-se
legislao fortem en te lesiva das garan tias fu n dam en tais com o a tristem en te fam osa lei an tian arqu ista de fevereiro de 1896, qu e os repu blican os apelidaram de lei celerada e qu erela-se por razes pu eris o jorn alism o oposicion ista. No cam po dem ocrtico lavrava a desorien tao. Um
setor repu blican o m ais m oderado ch egou a firm ar com o Partido Progressista u m a coligao liberal, sob a vivssim a discordn cia de correligion rios opositores a tal pacto. A su baltern izao a qu e ficaram con den adas as
oposies, dim in u das por u m a legislao eleitoral cerceadora dos seu s direitos de represen tao, determ in ou o seu aban don o su m rio das u rn as
n o ato eleitoral de n ovem bro de 1895, ao qu al s se apresen taram can didatos regen eradores. A Cm ara dos Depu tados viu -se redu zida a u m a situ ao m on opartidria, sen do forada a sim u lar debates parlam en tares
de pu ra circu n stn cia. Qu an do, em fevereiro de 1897, Jos Lu cian o de
Castro arredou fin alm en te a situ ao regen eradora, os repu blican os objetores da coligao liberal con firm aram as su as pretritas descon fian as. Man tiveram -se, n o essen cial, todos os aparelh os repressivos h erdados da govern ao an terior. Por isso, o Partido Repu blican o ir persistir
n a su a postu ra de absten cion ism o eleitoral, s vin do a regressar ao su frgio em fin s de 1899. Alis, a su a desarticu lao era to preocu pan te qu e
An tn io Jos de Alm eida, n u m artigo su rgido em fin s de 1903 n o jorn al
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desfeitear os progressistas, estes in stru m en talizavam Joo Fran co para irritar os regen eradores. Arriscada tavolagem era esta, em qu e os dois ch efes dos m aiores partidos se serviam de in terposies odiosas para se deprim irem m u tu am en te... Faltou aos gran des partidos m on rqu icos clarividn cia bastan te para m argin alizarem as patru lh as dissiden tes, as qu ais,
caso tivessem sido aban don adas ao seu prprio valim en to, se teriam de
con form ar com a su a fatal su baltern idade.
A form ao do gabin ete m in isterial fran qu ista, em m aio de 1906,
era com patvel com as regras con stitu cion ais, u m a vez qu e a in clu so de
in dividu alidades do Partido Progressista con feria ao m in istrio o su porte
de legitim idade qu e lh e era in dispen svel. Joo Fran co m an ifestara a in ten o de govern ar in glesa, ou seja, sob a vigiln cia do Parlam en to, e
retratara-se pu blicam en te do seu passado poltico ditatorial. Porm , tu do
se com plicou qu an do foi levada discu sso da Cm ara dos Depu tados a
ch am ada qu esto dos adian tam en tos. Tratava-se de regu lar os dbitos
da Coroa para com o Errio p blico, em ergen tes de verbas en tregu es por
diversos m in istros da Fazen da realeza, para cobertu ra de gastos excepcion ais e qu e excediam , con seq en tem en te, as cifras con stan tes da lista
civil qu e legalm en te eram atribu veis Casa Real. O debate parlam en tar
desta m atria am otin ou as oposies an tifran qu istas e forn eceu aos depu tados repu blican os (An tn io Jos de Alm eida, Afon so Costa, Alexan dre
Braga e Joo de Men eses) o desejado pretexto para a exau torao da m on arqu ia. agitao dos setores polticos correspon deu a in tran q ilidade
de segm en tos sociais relevan tes. A partir de m aro de 1907, a Un iversidade de Coim bra con vu lsion ou -se com u m a greve acadm ica, acaban do
por ser en cerrada pelo govern o. Joo Fran co ten tou persu adir Jos Lu cian o de Castro a aprofu n dar a con cen trao liberal, atravs do recu rso a
u m a rem odelao m in isterial valorizada pela en trada n o gabin ete de algu n s dos n om es m ais son an tes do progressism o. Mas o ch efe do Partido
Progressista fu rtou -se a este desiderato. A con cen trao liberal esgotara-se. Regressar-se-ia ao rotativism o? n esta con ju n tu ra qu e se revela
com clareza o desgn io de D. Carlos. Em vez de em pu rrar Joo Fran co
para a dem isso, o m on arca in citou o seu valido a exercer a ditadu ra. Ao
decreto qu e en cerrou o parlam en to, em 10 de m aio de 1907, su cederam se ou tros diplom as lim itativos dos direitos e garan tias in dividu ais. Todas
as oposies se u n ificaram in form alm en te. Era com o se de u m lado existisse a barricada com u m de Joo Fran co e de D. Carlos, e do ou tro su rgisse u m a vasta fren te, en globan do todo o pas poltico. O processo en con trado para resolver a qu esto dos adian tam en tos levan tou larga celeu m a. Os setores crticos acu savam o govern o de ter avaliado com excessos
de parcim n ia as dvidas reais. Abateu -se sobre Fran co u m ven daval de
cen su ras, sen do este apresen tado pelo jorn al Correio da Noite, ligado aos
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nria no seu conjunto e as figuras individuais de Jos Relvas, Inocncio Camacho, Jos Barbosa, Antnio Jos de Almeida e Joo Chagas rejubilaram
com o revs sofrido por Afonso Costa e Bernardino Machado, paladinos da
tendncia moderada. Afonso Costa, contudo, aceitou sem azedume os resultados do congresso, no se furtando, sequer, a integrar um comit revolucionrio civil, na companhia de Joo Chagas e Antnio Jos de Almeida.
Organizou-se um comit revolucionrio militar sob o comando do almirante Cndido dos Reis. E do mesmo modo que a Carbonria prosseguiu a todo
o vapor a sua tarefa de seduo s baixas patentes militares, assim o almirante tratou de aliciar, por seu turno, individualidades militares de mais alta
hierarquia. Em 30 de janeiro de 1910 realizou-se na capital uma reunio
republicana com os correligionrios mais prestigiosos de todo o pas para
ponderar sobre a viabilidade de promover no espao nacional uma forte
agitao. Os que defendiam a imediata passagem ao sobrelevavam a
militncia dos mais reticentes. Alm do proselitismo revolucionrio que
Joo Chagas continuava a desenvolver nas Cartas Polticas, tambm Antnio
Jos de Almeida, na recm-criada revista Alma Nacional, manifestava e difundia os mesmos pontos de vista. O congresso republicano de abril de
1910, convocado para o Porto, selou o pacto entre a Carbonria e o restante associativismo democrtico no clandestino, fazendo aprovar uma moo de solidariedade para com as associaes polticas secretas que cooperavam na obra revolucionria. O Partido Republicano ir obter nas eleies
de 28 de agosto de 1910 a maior vitria jamais alcanada por ele, com os
seus catorze deputados eleitos. Os resultados das urnas no demoveram,
contudo, os adeptos da metodologia revolucionria. Como sabido, foi de
armas na mo, no decurso da madrugada de 4 para 5 de outubro, que Machado Santos fez singrar a repblica, resistindo nas barricadas da Rotunda
aos augrios pessimistas que ditaram o suicdio de Cndido dos Reis. Joo
Chagas vaticinara que se o novo regime pudesse implantar-se em Lisboa,
pelo veredito da violncia, os novos poderes seriam decretados pelo telgrafo, pacificamente, para o resto do pas. Foi isso que se verificou. Portugal
era ainda uma Grei centralista. Se tal constituiu e constitui uma das
suas maiores fraquezas ou, pelo contrrio, o segredo da sua perenidade, tal
questo matria para desenvolvimentos que ultrapassam os limites deste
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partido nacional (e, portanto, nico), de vanguarda, e cientificamente programado. O Partido Republicano desenvolver-se-ia na razo direta do desalento pblico e da propaganda do moderno saber, trazido na fecunda corrente europia. E, mais adiante, definia-se Repblica como uma nacionalidade exercendo por si mesmo a prpria soberania, intervindo no exerccio normal das suas funes e magistratura. Monarquia e monrquicos
relegavam-se, pois, para o campo do obscurantismo, do passado pr-cientfico, do quase absolutismo, do no-europeu, do antinacional. No se tratava de uma opo pluralista, mas de uma dicotomia entre progressismo e
reacionarismo. A introduo do Manifesto e Programa encerrava-se por uma
evocao das grandes geraes do passado as de 1384, 1640, 1820 e 1834
e por um apelo obra gloriosa da reorganizao de Portugal.
O texto continuava com a definio de liberdade e de igualdade em
termos polticos e com um primeiro pargrafo dedicado Organizao
dos Poderes do Estado. Nele apontava para os trs poderes tradicionais, o
legislativo, o executivo e o judicial, rejeitando conseqentemente o poder
moderador da Carta Constitucional e perfilhando as bases da Constituio
de 1822. O poder legislativo seria exercido, em nvel municipal, pelas federaes de municpios legislando em assemblias provinciais e, em nvel nacional, pela federao de provncias legislando numa assemblia nacional.
De dez em dez anos funcionaria uma Constituinte destinada reviso peridica da Constituio e reforma da codificao. O poder executivo dividir-se-ia em trs superministrios, o da Segurana Pblica (Exrcito e Marinha de Guerra, Interior, Justia e Negcios Estrangeiros), o da Educao
Pblica (Educao, Cultura e Assistncia) e o da Economia Pblica (Agricultura, Comrcio, Indstria, Marinha Mercante, Comunicaes, Obras Pblicas e Finanas). No poder judicial existiriam juzes de conciliao, preparao, arbitragem e reviso, juzes cveis (singular, coletivo e especial),
criminais, policiais e administrativos.
A segunda parte, ou pargrafo, do Manifesto e Programa continha as
chamadas liberdades essenciais, as liberdades polticas e as liberdades
civis. Nas primeiras incluam-se, alm das tradicionais liberdade de conscincia, liberdade de imprensa e liberdade de discusso, certas aspiraes
muito caras aos republicanos, tais como a igualdade entre todos os cultos,
a abolio do juramento religioso, o registro civil obrigatrio, o ensino elementar secular e a secularizao dos cemitrios, alm de outras bastante
originais, como a diviso do professorado em docente e examinante, a
educao progressiva da mulher, a abolio dos graus e da freqncia obrigatria no ensino superior e a harmonizao e simplificao dos vrios
cdigos. Nas liberdades polticas entravam, como novidades, o sufrgio universal, a autonomia municipal e a descentralizao (e administrao civil)
das colnias, a abolio dos monoplios particulares, a abolio do corpo di-
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A questo colonial, especificamente portuguesa na sua forma de receio e desconfiana em face das demais potncias com patrimnio ultramarino e de corrida contra o tempo para o aproveitar e valorizar, esteve intimamente ligada questo do regime. Foi um dos grandes motivos do descrdito da Monarquia, da proclamao da Repblica e da interveno de
Portugal na guerra. E, embora apaziguada e relegada a segundo plano aps
1919, continuou a desempenhar papel de relevo na poltica, na economia e
na sociedade portuguesas no decnio seguinte. O patrimnio colonial era
considerado malgrado algumas opinies em contrrio inalienvel e indestrutvel. A lusitanizao dos territrios possudos na frica e sia tinhase por evidente, pensando-se pouco em hipteses de independncia brasileira. Alm disso, e como j foi dito atrs, as colnias permitiam a Portugal manter ainda alguma figura no conserto internacional.
A questo da dvida pblica externa foi outro quebra-cabeas de ento, como alis de toda a histria portuguesa. O pas, pouco produtivo e em
vias de desenvolvimento, exigira sempre gastos avultados. Parte deles, alis,
respeitara a guerras civis e a questes polticas diversas. Pedia-se ento dinheiro emprestado ao estrangeiro. Pagava-se mal, com sucessivos atrasos e
moratrias. Os credores protestavam e ameaavam. Recorria-se a expedientes, a converses foradas, a manobras financeiras sempre insatisfatrias para os interesses nacionais. Em maro de 1900, o tribunal arbitral de
Berna, a quem Portugal recorrera numa dessas questes com os credores
estrangeiros a questo da estrada de ferro de Loureno Marques , proferiu sentena altamente desfavorvel ao pas. Foi necessrio pagar 3 mil contos aos governos britnico e norte-americano. Em 1902 resolveu-se outra
questo de dvida pblica externa, sendo aprovado um convnio que levantou tempestade nas tribunas e na imprensa.
A atribulada histria da Primeira Repblica Portuguesa passou por
trs grandes fases. Na primeira, de 1910 a 1917 a Repblica forte , o
novo regime justificou-se e aguentou-se merc de uma atitude agressiva
e pouco contemporizadora, tanto no interior como no exterior. Na segunda, de 1917 a 1919, dominado pelas foras de direita e subjugado pelas conseqncias desastrosas da guerra, tentou enveredar por caminho diferente,
que se revelou ento impossvel. Finalmente, na terceira, de 1919 a 1926
a Repblica fraca , aceitou compromisso atrs de compromisso, abandonando, na prtica, os princpios revolucionrios de 1910 e renovando toda
uma poltica de hesitaes e incoerncias que caracterizara os finais da Monarquia. Vtima sobretudo do conflito mundial, cujos efeitos comeou a
sentir logo em 1914, a Primeira Repblica Portuguesa foi, de certa maneira, um regime sem sorte, que os acontecimentos internacionais impediram
de se fortalecer e cristalizar (veja-se o paralelo com a Segunda Repblica
Espanhola, qual faltou, igualmente, o tempo indispensvel para deitar
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razes). Foi tambm um regime excepcional na Europa do seu tempo, vanguardista na contestao e, em muitos casos, na subverso que propunha,
o que tornava difcil a sua consolidao num perodo curto. E foi, por fim,
um regime apoiado sobretudo nas massas urbanas e flutuando ao sabor da
instabilidade social que elas atravessaram entre 1910 e 1926. Em qualquer
destes aspectos, a Primeira Repblica contrastou flagrantemente com o regime que lhe sucedeu, o qual, em perfeita sintonia com os movimentos autoritrios e fascistas da Europa, solidariamente ancorado nas massas rurais
e conservadoras, e dispondo de suficiente tempo de paz para se estabilizar,
pde aguentar-se durante dezenas de anos.
A poltica agressiva da Repblica forte dirigiu-se, no plano interno,
em primeiro lugar contra a Igreja, reconhecida como o baluarte mais perigoso do conservantismo e do reacionarismo. Dirigiu-se igualmente contra
os monrquicos, contra a oligarquia financeira e econmica, contra o anarco-sindicalismo e a organizao operria em geral, contra o caciquismo rural tradicional etc. No plano externo, e obviamente mitigada pelos melindres diplomticos e pelos perigos de isolamento internacional, dirigiu-se
contra a Espanha e, conjunturalmente, contra a Alemanha, numa tentativa para minorar a hegemonia espanhola na Pennsula e para assegurar o
futuro desanuviado do patrimnio colonial. Neste sentido, e tambm para
sacudir o peso protetor da Inglaterra, adotou, desde os primeiros dias do
conflito de 1914-1918, uma poltica belicista e intervencionista, ao lado dos
Aliados, a contrastar com a neutralidade do pas vizinho.
A Repblica surgiu e triunfou em Portugal ao abrigo de dois mitos:
o da ptria decadente, beira do abismo, conduzida pela Monarquia
ruina e desonra, e o da possibilidade do seu ressurgimento com novas
instituies, iniciado pela gerao de 1890 e desde essa data. A decadncia
da ptria dever-se-ia sobretudo a mltiplos fatores morais, todos eles incorporados na Monarquia: o jesuitismo, a corrupo moral, o servilismo, os
preconceitos e os privilgios das castas e outros conceitos mais ou menos
vagos, difundidos e partilhados pela opinio pblica. Por isso se aspirava a
uma repblica pura, imenso e grande ideal, perfilhado por homens instrudos e politicamente responsveis como um Afonso Costa ou um Paulo
Falco. Mas rejeitava-se que fosse apenas uma corrente filosfica a determinante do iderio republicano. Para muitos, a Repblica era a conseqncia lgica e fatal da prpria evoluo histrica portuguesa, caracterizada por instituies e costumes fundamentalmente democrticos.
A monarquia constitucional, estabelecida depois da revoluo liberal
de 1820 e estabilizada a partir dos meados do sculo, seguira os padres comuns maioria dos Estados europeus da poca. O rei reinava mas no governava, ainda que as suas funes em Portugal estivessem acrescidas do
chamado poder moderador que lhe dava certos direitos intervenientes,
como o de dissolver as Cmaras quando necessrio.
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mantiveram-se. Os partidos da Repblica, ainda que mais definidos ideologicamente, nunca conseguiram eximir-se ao prestgio do chefe e ao autoritarismo do cacique. Quando o chefe morria, fraquejava ou se retirava da
vida poltica, o partido declinava, abria ciso, extinguia-se muitas vezes.
Depois de 1919, a tendncia para a especializao ideolgica acentuou-se. Na ala esquerda formaram-se alguns partidos ou associaes polticas interessadas pela estruturao programtica e pela relativa coerncia
de atitudes; sirvam de exemplos o Partido Comunista (1919), o grupo Seara Nova (1921) e a Esquerda Democrtica (1925), alm de uma maior afirmao parlamentar e prtica do velho Partido Socialista. Na ala direita, o
movimento era menos perceptvel: grupos como o dos Catlicos, ou o dos
Monrquicos, mostravam-se to heterogneos como o antigo Partido Republicano. O nico agrupamento coeso era o do Integralismo Lusitano, datando j de antes da guerra, e que iria fornecer a essncia da ideologia do
Corporativismo portugus depois de 1930.
No obstante esta tendncia poltica, o grosso do eleitorado continuava firmemente sob a alada dos partidos tradicionais, detentores de um
maquinismo complexo e de um savoir-faire que escapava ainda (ou por
vontade) aos novos. Era o Partido Democrtico (nome por que era geralmente conhecido o P R P), era o Partido Nacionalista (resultado final e herdeiro da fuso de Evolucionistas com Unionistas) que geralmente governavam sozinhos ou combinados, e que ganhavam as eleies.
A revoluo de 28 de maio de 1926, que ps fim Repblica Democrtica, foi, superficialmente, uma rebelio de todos os partidos contra a supremacia do Partido Democrtico, enquistado no poder. Analisada em profundidade, contudo, foi muito mais do que isso: foi um autntico movimento de reao antiurbana, a resposta da maioria conservadora das
provncias maioria radical das cidades-capitais. semelhana da revoluo republicana de 1910, o 28 de maio foi uma coligao de elementos heterogneos, definida antes pelo que no queria do que pelo que queria. Ao
contrrio dela, foi um movimento majoritrio da estabilizao, que triunfou, porque soube utilizar as camadas inertes, subjacentes, da populao, as
interpretou no seu conservadorismo e as representou na defesa dos chamados valores tradicionais: a Religio, o Exrcito, a Nao, a Famlia, a Ordem,
a Terra. semelhana do que aconteceu com os vrios movimentos conservadores ocorridos por toda a Europa pela mesma poca, a situao poltica portuguesa oriunda do 28 de maio foi provavelmente apoiada pela
maioria da Nao.
A Repblica evolua logicamente para um radicalismo de feio socialista ou socializante. Reforma agrria, aumento de tributao sobre os
possidentes, nacionalizaes, desenvolvimento da assistncia social, melhoria do nvel de vida das classes populares, contavam-se entre os assuntos
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em discusso e inseriam-se na agenda dos partidos, quando no se achavam j em vias de efetivao. Era o resultado bvio da gradual industrializao do pas e da lenta alfabetizao das massas.
Mas esta evoluo, se parecia excessivamente demorada a uns os
intelectuais, os operrios , afigurava-se espantosamente rpida a outros
os proprietrios rurais, os capitalistas, parte da classe mdia, a Igreja. De
uma maneira geral, todos estavam descontentes. De uma maneira geral, todos se uniam contra o status quo. De uma maneira geral, todos aplaudiram
o golpe, muitos porque foram incapazes de o compreender, muitos porque
julgaram poder aproveitar-se dele. Como sucedera em 1910, com a Monarquia, a Repblica Democrtica caa agora por falta de defensores.
O movimento produziu-se. Desencadeara-o o exrcito as altas e
mdias patentes, cujo poder de compra estava reduzido metade do que
fora em 1910. Apoiaram-no: o alto e mdio funcionalismo pblico, por
idnticas razes; os bancos, o alto comrcio e a grande indstria, agravados
pela crise econmica e financeira, aterrorizados pelo surto do socialismo; o
clero, decadente pela progressiva descristianizao, ansioso por recuperar a
influncia perdida; parte da classe mdia das cidades, descontente com a
crise econmica, saturada de instabilidade poltica e de ameaas revolucionrias; parte da intelligentzia, desiludida com o decair dos ideais republicanos, atrada pela novidade do Integralismo. Como grande pano de fundo, a
Nao agrria, a Nao conservadora, a Nao feminina.
Depois de uma natural instabilidade poltica durante os trs ou quatro primeiros anos semeada de revolues, de golpes de Estado e de ministrios o Novo Regime consolidou-se por volta de 1931. Smbolo dessa consolidao foi a entrega da chefia governamental a Salazar (1932) que,
na realidade, dominava j desde 1928.
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DESAGREGAO DO ROTATIVISMO
Politicam en te, a Regen erao baseava-se n o rotativism o, ou seja,
n a altern n cia pacfica, n o poder, das du as alas do liberalism o m on rqu ico, e qu e seriam , depois do pacto da Gran ja (fu so de h istricos e reform istas n o Partido Progressista, o partido patu lia, em 1876), os sem pitern os Regen eradores, liderados pelo etern o Fon tes (qu e h avia de falecer
em 1887), e os Progressistas, n a prtica con du zin do am bos as m esm a polticas e revelan do os m esm os vcios, m as in capazes de caberem n a m esm a m esa oram en tal. Eles n o esto divididos, eles cabem n os m esm os
prin cpios on de eles n o cabem n a m esm a sala de jan tar!, satiriza o
pan fletrio repu blican o Joo Ch agas (Posta restante, 1906). A lei eleitoral,
de base cen sitria, e a perverso sistem tica do su frgio torn avam alis o
voto u m a farsa qu e foi tem a obrigatrio de qu an tos caricatu ristas, jorn alistas e at rom an cistas trataram desse tem a,1 den u n cian do, com ju sta
pertin cia, ao lon go de toda a segu n da m etade do scu lo XIX e n a prim eira dcada da cen t ria segu in te, a m en tira eleitoral, as m ais diversas form as de caciqu ism o e a con stan te desvirtu ao do voto livre n o Portu gal con stitu cion al, ten do sido tam bm tpico in varivel da propagan da
repu blican a n a crtica aos m ales da realeza liberal. Os partidos n o passavam de pequ en os gru pos fixados em Lisboa. Com a su a clien tela certa e
os seu s caciqu es n a provn cia ou in flu en tes qu e serviam s su as
clien telas pagas o con sabio carn eiro com batatas das ch apeladas eleitorais, fabrican do as m aiorias n ecessrias para qu em fora ch am ado a form ar govern o. De fato, as eleies saam dos govern os e n o estes daqu elas: a Coroa n om eava u m m in istro, este form ava o seu gabin ete en tre os
seu s am igos e m aiorias do partido, dissolvia o parlam en to e preparava a
m aioria parlam en tar in dispen svel para govern ar com ela. Qu an do j n o
lograva m an ter-se n o poder, cabia ao rei n om ear ou tro prim eiro-m in istro, qu e repetia o processo. As m u dan as freq en tes de gabin etes e a dificu ldade em assegu rar govern os de legislatu ra torn avam qu ase im possvel m an ter u m a poltica estvel e coeren te por m u ito tem po.
As qu ezlias in tern as dos partidos m on rqu icos ir-se-iam agravan do n o fin al do scu lo XIX, dan do origem a dissidn cias qu e afetaram tan to progressistas (os Dissiden tes de Alpoim su rgiram em 1905) com o Regen eradores (dos qu ais se h avia de separar Joo Fran co ao criar o Cen tro
Regen erador Liberal em 1901); pela m esm a altu ra ten tou -se ain da a criao du m Partido Nacion alista, fortem en te en feu dado ao catolicism o retrgrado, liderado por u m dissiden te regen erador, Jacin to Cn dito da Silva. O partido legitim ista, o Migu elism o m an ter-se-ia todavia arredado
da vida parlam en tar. O operariado, u m a vez desfeitas j n a dcada de
1880 as ilu ses dos h om en s qu e tin h am fu n dado em 1875 o Partido So-
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cialista, viu -se depressa sem u m rgo partidrio do Repu blican ism o, qu e
garan tiam aos trabalh adores qu e a fu tu ra Rep blica seria social. Qu an to aos repu blican os, esses n o logravam sair dos m in scu los redis a qu e
os tin h am con den ado as leis eleitorais feitas para favorecer a m aqu in aria
partidria da m on arqu ia, o qu e seria agravado com diplom as verdadeiram en te escan dalosos; u m deles, da lavra de Hin tze, ficou m esm o design ado por ign bil porcaria (lei eleitoral de 1901) ... por fim , n ota-se qu e o
partido h egem n ico por exceln cia, ao lon go de todo o n osso sistem a parlam en tar m on rqu ico, o Regen erador qu e por essa razo m ais tem po
ocu pou o poder en tre 1851 e 1910 , sofreria, alm da referida ciso fran qu ista, u m en orm e en fraqu ecim en to in tern o por via das capelas agru padas em torn o de lderes qu e n o se en ten diam , en tre eles (Teixeira de
Sou sa, J lio Vilh en a, Veiga Beiro, Cam pos Hen riqu es etc.). Assim , arredado do jogo parlam en tar a altern ativa in stitu cion al do repu blican ism o e
en tran do em fragm en tao os partidos rotativistas, crescen do en tre algu m as faces dissiden tes a ten tao ditatorial ou cesarista de qu e o Fran qu ism o foi a expresso m ais agressiva e calam itosa (J. Vilh en a, n u m artigo de 20.X.1907, n o Popular, profetizara qu e aqu ela ditadu ra term in aria
fatalm en te por u m crim e ou u m a revolu o, acaban do alis por am bos,
pois ao Regicdio 1.II.1908 se h avia de su ceder, dois an os volvidos, a
revolu o do 5 de ou tu bro... ), o Liberalism o oitocen tista torn ara-se, sobretu do depois da prim eira experin cia ditatorial de Fran co (feita de parceria com Hin tze Ribeiro, 1895-1897), u m sim ples cen rio pin tado, u m
m ero acervo de prin cpios em qu e n in gu m j acreditava.
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RECOMEAR O LIBERALISMO
De fato, tom ada a revolu o n o seu m ais fu n do an seio e sign ificado, 1910 foi an tes de m ais a terceira ten tativa de estabelecer en tre n s o
Estado bu rgu s liberal, aps os ten tam es pom balin os e a revolu o de
1820-1834, e de m odelar u m a sociedade realm en te bu rgu esa, de in stalar
em Portu gal a (at ali falh ada) civilizao bu rgu esa. O qu e sign ificava qu e
se tin h am de fato gorado os propsitos sem elh an tes in ten tados sobretu do pela revolu o liberocapitalista do prim eiro m odelo liberal, aqu ele qu e
se en saiara en tre 1820 e 1851. Agora ia ten tar-se u m remake do liberalism o qu e se fru stara e fora ren egado pelos seu s prprios filh os desde os
an os 90, ten tan do de n ovo ergu er u m a sociedade, u m Estado, u m a cu ltu ra e u m a sociedade realm en te bu rgu eses sobre os escom bros do fiasco
da an terior ten tativa com prom etida por D. Carlos e Joo Fran co, para s
citar as cabeas visveis do im en so processo de desm an telam en to e in u m ao dos ideais vin tistas, m in deleiros e regen eradores. O Estado e a sociedade, a econ om ia e a cu ltu ra ressen tiam -se ain da, altu ra do 5 de ou tu bro, do arcasm o de An tigo Regim e qu e perdu rara apesar da desam ortizao das propriedades, do en cerram en to das orden s religiosas, da extin o do m orgadio, da laicizao do en sin o e da vida em geral, e de
qu an tas reform as ju rdicas, fiscais, adm in istrativas, fu n dirias da Silveira,
tin h am en saiado para im plan tar en tre n s o regim e represen tativo com an dado pela bu rgu esia, segu n do valores bu rgu eses.
Con tu do, com o se disse, Portu gal n o se m odern izara a fu n do, an tes acabar, n a fase da crise n oven tista, por ter sau dades do an tigam en te
au toritarista e clerical, em su m a m igu elista, de qu e o fran qu ism o, com
os seu s m todos bru tais, fora u m a varian te atu alizada. Um dos m elh ores
e m ais l cidos crticos repu blican os do cesarism o fran qu ista, Joo Ch agas,
debru an do-se sobre as qu erelas em torn o do clero e do ressu rgir de u m
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Em ou tras palavras, o tal sedim en to do An tigo Regim e sobreviveria s ten tativas su perficiais de liberalizao e m odern izao, resistira
in clu m e s reform as e aos ten tam es de in du strializao capitalista, voltava su perfcie da sociedade com a crise de 1890 a prpria gerao de
90 exaltara esses valores passadistas e retrgrados (v. g., A. Nobre e Alberto de Oliveira) , e fazia agora bloco com os esforos de en direitas,
com o Joo Fran co, a fim de arrasar de vez todo o edifcio liberal. A tal
oligarqu ia fin an ceira tem perada por fices con stitu cion ais (O. Martin s) dava lu gar aos ven cidos de 1834, de regresso ao poder, don de afin al,
n u n ca tin h am sido com pleta e estru tu ralm en te afastados. A Rep blica
era, destarte, a ten tativa de recom ear o liberalism o, alis em parm etros
econ m icos e sociais qu e n o divergiam de todo os m oldes vin tistas qu e
o seu im agin rio tan to aperfeioara, cu ltu an do h om en s com o Jos Estevo, Passos Man u el, Mou zin h o da Silveira e ou tros gran des prceres do
esprito liberal e reform ista de oitocen tos.
A VERGONHA DA ADESIVAGEM
A Rep blica ten tou , pois, a reform a radical, o regresso ao pu ro liberalism o. F-lo a vrios n veis, pren den do-se desde logo com a reform a
dos sm bolos e da m en talidade: a ban deira, o escu do, a topon m ia, a ortografia, as in stitu ies do en sin o (por exem plo, criaram -se as Facu ldades
de Letras e Direito, em 1911 e 1913, respectivam en te), os feriados, os
form u lrios oficiais ( o afran cesado Sa de e Fratern idade! su bstitu iu a
frm u la de en cerram en to dos ofcios da m on arqu ia, qu e era Deu s gu arde V. Exa!), as n ovas estam pilh as postais, a criao de u m cu lto cvico
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popu lar e n acion al em torn o do m ito de Cam es etc. Nu m a Eu ropa con servadora e predom in an tem en te m on rqu ica, a isolada Rep blica lu sa
s h avia m ais du as, a h elvtica e a fran cesa posta de qu aren ten a pela
fiel aliada e m alvista pela Espan h a de Afon so XIII, qu e n o h esitaria em
dar gu arida aos m on rqu icos portu gu eses ou talassas, com o eram en to design ados ali h om izados com in tu itos de organ izarem as in cu rses
arm adas con tra o n ovo regim e (o qu e fariam em 1911 e 1912) h esitava en tre o certo radicalism o extrem o n os propsitos e u m a pru den te n ecessidade de se con solidar an tes de pr em prtica as su as reform as.
Estas tin h am m u ito a ver com os escn dalos de corru po, com padrio e sobretu do com os adiam en tos qu e a fam lia real se h abitu ara a
pedir ao errio p blico, con fu n din do-o com o errio rgio, com m an ifesto preju zo do prim eiro, casos qu e tin h am de fato m an ch ado a repu tao
tan to da din astia com o do pessoal poltico dirigen te, sen do im pu tada a
Fran co a m an eira atrabiliria com o liqu idara esse caso, em plen a ditadu ra, e forn ecen do con tas m an ipu ladas de m olde a darem essas dvidas
com o saldadas. Em pen h ado em m oralizar e in iciar vida n ova, o n ovo regim e com eou portan to por qu erelar o an tigo dotador Fran co, qu e acabaria alis ilibado, prim eira das m u itas desilu ses e falh an os do projetado Dies Irae repu blican o qu e, com o o con fessaria de n ovo Joo Ch agas,
era m ais u m idlio do qu e o prom etido dia do castigo.
O fenmeno da adesivagem, um dos mais impressionantes e curiosos m ovim en tos sociais e polticos da n ossa classe poltica n os tem pos m odern os, com plicaria ain da m ais os ru bros propsitos de barrela, castigo,
em en da e cau trico qu e se tin h am desde sem pre associado idia de in stau rao en tre n s du m regim e de barrete frgido, ou seja, h on esto, reto,
fratern o, igu alitrio e livre, abn egadam en te devotado regen erao da
vida portu gu esa; os aderen tes ou adesivos eram aqu eles qu e, ten do
servido Mon arqu ia em lu gares de destaqu e ou m esm o em fu n es m an ifestam en te repressivas (gu arda m u n icipal, polcia, exrcito), se passavam para o n ovo regim e, m u dan do de cam isa, lbaro e con vices com
u m a fu lm in an te rapidez, su scitan do assim a in dign ao com preen svel
dos pou cos m on rqu icos qu e se m an tin h am fiis ban deira azu l e bran ca, assim com o dos velh os repu blican os h istricos, qu e viam en trar de
roldo n os arraiais da Rep blica aqu eles m esm os qu e, ain da on tem , os
persegu iam , descrim in avam , espadeiravam ou espin gardeavam .
O fen m en o da adesivagem , cu ja am plido im pression ou e desgostou as alm as retas e fez as delcias dos gazetilh eiros e caricatu ristas,
su scitan do m esm o u m a revista satrica ch am ada O Adesivo (1911), alim en taria at o fin al da Rep blica os protestos, a irritao, a clera ou a
sim ples m ofa de qu em via deste m odo im oral o tem plo do n ovo regim e
assaltado por clien telas fam licas e deson estas, raceosas de perderam po-
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sies, em pregos, preben das ou sin ecu ras. Foram pou qu ssim os os qu e,
com o Paiva Cou ceiro ou Parati, se n egaram a aderir a n ova ban deira
verde-ru bra e se m an tiveram fielm en te in tran sigen tes n o seu am or pelo
an tigo regim e cado. Figu ras m in isteriais, da m agistradu ra, da diplom acia,
do exrcito, da polcia, do clero, da u n iversidade, do fu n cion alism o p blico ou in telectu ais fam osos celebrizaram -se pela su a adesivagem qu e
iam do rbido Pe. Matos (qu e com eara por fu gir para Espan h a, don de
m an daria a su a en vergon h ada declarao de adeso Rep blica), a polticos com o Jos Maria de Alpoim , Teixeira de Sou sa, Ferreira do Am aral,
Cerveira de Albu qu erqu e, Leote do Rego, Norton de Matos, ou escritores
com o Hen riqu e Lopes de Men don a, Abel Botelh o, J lio Dan tas etc. O
m oderan tism o prtico e a au sn cia de au tn tico Dies Irae repu blican o
derivam em larga m edida deste fen m en o de adesivagem qu e m u ito
degradou as gran des esperan as de verdadeira reform a e em en da dos m ales n acion ais depositadas n o adven to do n ovo regim e. Se, com o dizia u m
jorn al sin dicalista lisboeta, a realeza m orrera pu lh am en te (A Sementeira,
n . 26, ou tu bro de 1910), a verdade qu e a im acu lada im agem da esperan osa Rep blica, m u lh er virgin al, aparecia desde as prim eira h oras
con spu rcada pelo lodo dos adesivos, qu e se lh e colavam ao corpo com o
san gu essu gas, com o alis o explicava u m desen h o do Suplemento Ilustrado
(27.XI.1910, des. De A. Moraes): Percebo, m en in os ... Aderem , com o as
san gu essu gas!
A BALBRDIA SANGUINOLENTA
A fragilidade da ordem p blica, o desen ten dim en to perm an en te
dos prin cipais lderes polticos do n ovo regim e (A. Costa, B. Cam ach o e
A. J. Alm eida, dirigen tes, respectivam en te, dos Dem ocrticos, Un ion istas
e Evolu cion istas), a in stabilidade poltica tradu zida em govern os efm eros cu ja du rao n o excederia os trs m eses, a geral in capacidade de preparar e execu tar reform as de fu n do decepcion ariam assim os qu e tin h am
esperado da rep blica u m a gran de barrela, e qu e agora, m u itas vezes dolorosam en te m agoados (Baslio Teles, Mach ado San tos, Sam paio Bru n o,
Cu n h a e Costa etc.), ora se abstin h am de participar do n ovo estado de
coisas, ora se afastavam en ojados ou at m u davam de cam po; as cizn ias
perm an en tes, a in capacidade de u n ir em torn o de u m n cleo cen tral e
fu n dam en tal de reform as os esforos dos n ovos dirigen tes e das n ovas
foras partidrias, a con stan te in stabilidade govern am en tal, o agravar dos
velh os problem as de sem pre, n o cam po econ m ico e fin an ceiro, as qu erelas da sociedade civil e, agora, n ovos con flitos qu e se agu ariam de
m odo exasperan te n om eadam en te com a Igreja catlica fragilizaram
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Joo Medina
a Rep blica, torn aram -n a an m ica, in capaz, paralizada por in decises, revoltas, bern ardas castren ses, sobressaltos, era a balb rdia san gu in olen ta prevista u m a vez por Ea de Qu eirs , e erros fu n estos.
Destes, u m dos m ais graves talvez ten h a sido a declarao de gu erra, lan ada n os prim eiros dias e depois extrem ada por Afon so Costa com
a su a lei de Separao das Igrejas (u m plu ral in ju stificado...) e do estado
(20.IV.1911), verdadeiro arete lan ado con tra os catlicos, o clero e tu do
o qu e em Portu gal, para o m elh or e para o pior, represen tava a vivn cia
da religio tradicion al. Esta gu erra cu staria im en so Rep blica, n a m edida em qu e, som ada a ou tros con flitos n o m en os can den tes, redu ziria
cada vez m ais o cam po dos qu e apoiavam o Novo Regim e: os 16 an os qu e
m edeiam en tre a revolu o de 1910 e o golpe castren se de Braga em 1926
so a crn ica m on ton a, fren tica, qu ase sem pre san gu in olen ta, de desilu ses con stan tes e desvarios in fin dveis, em ritm o cada vez m aior, crn ica du m a progressiva degradao do ideal, da f e da esperan a n u m regim e qu e fora, con tu do, proclam ado, sau dado e apoiado com u m a u n an im idade en tu sistica e qu ase m essin ica, qu e raram en te se ter con h ecido n ou tras pocas da n ossa Histria de oito scu los. Os assassin atos da
Noite San gren ta (19.X.1921) a n oite in fam e, com o lh e ch am ou
Rau l Bran do , du ran te a qu al tom bam fu n dadores da Rep blica com o
Mach ado San tos, An tn io Gran go e Carlos da Maia, leva ao clm ax esta
dan sa m acabra qu e s term in aria de vez cin co an os depois.
Ao n m ero dos in im igos da Rep blica con vm acrescen tar o operariado, depressa desilu dido com os preten sos in tu itos sociais do n ovo regime Oh! A Repblica!... , gemeria a revista Terra Livre (n. 11, 24.IV.1913),
desen gan ada da u tilidade de ter trocado u m m on arca por u m Presiden te
da Rep blica , qu e n o tardaria alis em fazer m an ifestaes con tra as
greves e em disparar sobre u m cortejo de m u lh eres qu e pediam au m en to de salrio, em Set bal (m aro de 1911), ao m esm o tem po qu e a lei
bu rla de Brito Cam ach o sobre a greve, com o lock-out igu alm en te garan tido, levaria os sin dicalistas e as m assas trabalh adoras em geral a in iciarem u m con ten cioso com a rep blica, qu e teria m om en tos dram ticos em
1912 (declarao do estado de stio em Lisboa, prises em m assa de sin dicalistas, m etidos em pores de n avios su rtos n o Tejo, en cerram en to da
Un io Operria Nacion al, deportaes de sin dicalistas para presdios alen tejan os...), 1913 (en cerram en to da Casa Sin dical, represso violen ta con tra os an arqu istas, expu lso de Pin to Qu artim para o Brasil), 1917,
1918 etc.
Este divrcio en tre operariado e rep blica n u n ca m ais seria san ado, em bora aqu i e alm , m u ito pon tu alm en te com o du ran te a revolta
m on rqu ica de Mon san to (jan eiro de 1919), trabalh adores pegassem em
arm as con tra sedies talassas, para defen der u m regim e qu e, afin al, lh es
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pagava sem pre com tiros, assaltos Casa Sin dical, deportaes, prises arbitrrias e leis an ti-sociais.
Ou tro setor qu e depressa se afastaria da rep blica foi o exrcito,
cu jo con ten cioso de algu m m odo com eara n o prprio dia da revolu o
de ou tu bro de 1910: im plan tado pelas ram as. O regim e n u n ca lograria,
porm , reform ar e dem ocratizar o exrcito de m olde a tran sform -lo n o
seu brao arm ado, preferin do criar a Gu arda Repu blican a com o fora pretorian a, alis in clin ada a segu ir o seu prprio cam in h o. A en trada n a
gu erra, em 1916 m as desde 1914 qu e com batam os em An gola con tra
as tropas alem s , u m dos erros m ais obstin adam en te levados adian te
pela Rep blica, com o libi da defesa das coln ias cu ja partilh a a Alem an h a e a In glaterra tin h am projetado em 1898 e depois em 1913 ,
acarretou dram as su plem en tares para as Foras Arm adas, m an dadas m orrer sem glria n a Flan dres ou n as epopias m alditas dos sertes african os, prim eiro em An gola, depois em Moam biqu e. Destes trau m as derivaria u m con stan te m al estar n as fileiras, en tre as qu ais cresceria alis a
idia de qu e delas devia partir precisam en te a derru bada do regim e qu e,
n ascido das arm as, com elas h avia de perecer.
Nu n ca as ten do con segu ido con trolar, a Rep blica m orreria logicam en te degolada pelas du rin dan as. In capaz de criar u m exrcito realm en te repu blican o, de m odelo h elvtico com o son h ara a propagan da dos
apstolos repu blican os, in capaz de o dotar de ch efes de con fian a, ideologicam en te en qu adrados n a m en talidade triu n fan te em 1910, a Prim eira
Rep blica lim itara-se afin al a abalar a velh a in stitu io m ilitar com h u m ilh aes e tarefas in glrias, de qu e a n ossa in terven o n a gu erra de 19141918 foi o episdio m ais calam itoso.
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Joo Medina
prprio regim e qu e assim , acin tosa e fron talm en te, desafiava a m ilen ar
in stitu io con fession al, to fu n dam en te en raizada n a m en talidade e n os
costu m es portu gu eses. Se as ch am adas aparies de Ftim a ocorreram
em 1917, em plen o govern o (o terceiro e ltim o) de Afon so Costa, tal fato n ada tem de casu al: o m ilagrism o ou m essian ism o du m pas com o o
n osso reagia deste m odo, pelo cu lto m arin ico e pelo recu rso ao m ilagre,
em plen a gu erra, a rbida h ostilizao afron tosam en te decretada pelo
dito poltico beiro, esse Costa Cabral da Rep blica, com o lh e ch am ou
Carlos Malh eiro Dias (Zona de Tufes, 1912; repetiu -o Roch a Martin s n Os
Fantoches, 1 srie, 20.I.1914).
Qu an do Sidn io Pais, fortem en te apoiado por todos os setores h ostis ao gu errism o e ao seu partido (o Partido Dem ocrtico de Afon so Costa), desde os operrios aristocracia, passan do pelo clero, tom a o poder
(dezem bro de 1917), u m a das su as prim eiras m edidas seria a de pr fim s
disposies qu e, desde 1910, os m in istros da Ju stia do Novo Regim e tin h am vin do a decretar con tra todos os bispos, a pon to de, j em 1912, doze
prelados estarem su spen sos, destru dos ou desterrados (m edidas tom adas
por apen as dois m in istros da referida pasta, A. Costa e An tn io Macieira).
Sidn io pu n h a assim fim irritan te qu esto (com o lh e ch am aria,
m ais tarde, Salazar), dan do os passos diplom ticos n ecessrios para reatar
relaes com a San ta S, e com ean do por dar ele m esm o o exem plo do
n ovo esprito de relacion am en to Igreja/ Estado, ao ser o prim eiro Presiden te da Rep blica portu gu esa a en trar n u m tem plo catlico para ali assistir a u m a cerim n ia em m em ria dos n ossos soldados tom bados n a
gu erra. Praticam en te liqu idado en to o con ten cioso Rep blica/ Igreja, restabelecidas as relaes en tre a Rep blica portu gu esa e o Vatican o (teve
papel de relevo n estas n egociaes o n osso fu tu ro prm io Nobel da Medicin a, Egas Mon iz, en to Min istro de Sidn io Pais), a fase ps-sidon ista
(1918-1926) a qu e se ch am ou a n ova Rep blica Velh a (j qu e o sidon ism o ou dezem brism o fora design ado por Rep blica Nova) j n o con h eceria as en orm es dificu ldades qu e tin h am pau tado as relaes Igreja/ Estado. Mas n o deixaria esse con ten cioso de acicatar o m ovim en to
poltico catlico, qu e desde o fim da Prim eira Gu erra Mu n dial decide afirm ar-se au ton om am en te n o cam po partidrio, estim u lado n esse sen tido
pelos Papas Ben to XV e Pio XI, caben do a Salazar papel de relevo n esta
estratgia dem ocrata crist.
310
crescen te das classes m dias u rban as em relao a u m regim e n o qu al tin h am depositado to fu n das esperan as. O aparecim en to, em 1914, de
u m a n ova ideologia m on rqu ica e ao ressu rgir do sen tim en to afeito realeza, reclam an do-se ain da por cim a do velh o m igu elism o tem perado com
con tribu tos fran ceses da Action Franaise o In tegralism o Lu sitan o dava
ao cam po con servador an ti-repu blican o u m dos pilares m ais agressivos e
atu an tes da con tra-revolu o, aqu ele qu e m ais pesaria n o derru be da
Prim eira Rep blica, de par com o con servador sidon ista e u m a ou ou tra
su gesto ditatorialista prpria do esprito do tem po, esses an os 20 to prolifcos em m odelos cau dilh istas.
O exrcito aparecia n atu ralm en te, aos olh os destes gru pos e setores ideolgicos, com o a fora ideal, o in stru m en to providen cial destin ado
a cortar o n grdio da rep blica dem oliberal, catica e desgovern ada, o
m on oplio in con testvel do sistem a eleitoral e partidrio n as m os do
afon sism o, ou seja, do Partido Dem ocrtico, a faco h egem n ica do velh o Partido Repu blican o Portu gu s. O sidon ism o fora j u m exem plo de
com o podiam federar-se e triu n far todos os cls e m eios qu e se opu n h am
a este predom n io afon sista, dem oliberal, an ticlerical e dem aggico este
ltim o gru po era geralm en te sin tetizado n a expresso alis apropriada de
dem agogia. O cu lto da ditadu ra e o lou vor da espada com o solu o torn aram -se com u n s, ao m esm o tem po qu e proliferavam as ten tativas de
derru be do regim e parlam en tar, o qu e seria fin alm en te con segu ido du ran te o segu n do m an dato do catastrfico Bern adin o Mach ado n a Presidn cia da Rep blica, em m aio de 1926. O Exrcito estava fin alm en te n o
poder, os m ilitares iriam procu rar estabelecer u m a ditadu ra, e s faltava
o ditador o qu e levaria pelo m en os dois an os a ach ar, depois de se apresen tarem algu n s can didatos can h estros ao cargo (Gom es da Costa, Sin el
de Cordes, Joo de Alm eida, Filom en o da Cm ara, Vicen te de Freitas).
Paradoxalm en te ou , m u ito ao in vs, com bastan te lgica e, de algu m m odo, sim bolicam en te tam bm , a lideran a resu ltan te do golpe de
espadas de 1926 acabaria por ser con fin ada a u m civil alis de cepa clerical, j qu e o Min istro das Fin an as fin alm en te ch am ado pelos m ilitares
em 1928, aps algu n s m eses de catastrfica con du ta da n au do Estado,
An tn io de Oliveira Salazar (n ascido em 1889, n o m esm o an o em qu e
Ch arlot, Heidegger e Hitler vieram ao m u n do) freq en tara o sem in rio
e recebera m esm o orden s m en ores, m as optara afin al pela carreira acadm ica, en tran do em Coim bra pou co depois da revolu o repu blican a ter
eclodido. Em su m a, as du rin dan as en gen draram u m ditador glacial vin do
do cam po catlico, ch am ado com o m ero tcn ico fin an ceiro, com o se
tratasse apen as de con sertar u m a cadeira estragada e n o de fu n dar u m
n ovo tipo de tron o para o poder, de govern ao e de ditadu ra. Qu e u m
an tigo dirigen te das h ostes catlicas, reagru padas depois da gu erra sem
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Joo Medina
qu artel qu e a Prim eira Rep blica m overa Igreja portu gu esa e com an dadas por este estratego e teorizador form ado n o C. A. D. C. de Coim bra acabasse por ser o ditador esperado pela ditadu ra in iciada em 1926 era, ao fim
e ao cabo, u m ju ste retou r des ch oses: o regim e im plan tado em 1910
persegu ira a Igreja e ten tara esm ag-la, caben do agora, m u ito n atu ralm en te portan to, a u m dos prin cipais dirigen tes catlicos form ados n esses
an os de ch u m bo e h u m ilh ao assen h orear-se do Estado, desterrar a dem ocracia e govern ar com m o de ferro u m pas on de os m ilitares degolada
a rep blica, tin h am procu rado qu em fosse capaz de segu rar o tim o do govern o, e m an t-lo fixo n u m a direo certa e ordeira. E este sabia o qu e
qu eria e para on de ia, com o o disse com sibilin o lacon ism o n u m discu rso
de 1930
312
N OTA S
1. Lem brem os algu n s n om es de escritores e an alistas polticos e ttu los de jorn ais ou pan fletos n os qu ais a crtica bu rla do su frgio do con stitu cion alism o m on rqu ico foi con stan te e particu larm en te agu da: Rafael Bordalo Pin h eiro n os sem in rios satricos An tn io
Maria (du as sries: 1879-1884 e 1891-1898) e Pontos nos ii (1885-1889), o pan fleto A Lanterna, J lio Din is n a Morgadinha dos Canaviais (1868), Ea e Ram alh o Ortigo n as Farpas
(desde 1871 em dian te), Gu ilh erm e de Azevedo e Gu erra Ju n qu eiro n a pea satrica Viagem,
Pin to em O Sr. Deputado (1882), o rom an cista repu blican o Teixeira de Qu eirs em Sastico
Nogueira (1883), o m on rqu ico Con de de Ficalh o em Uma eleio perdida (1888), o poltico
m on rqu ico dissiden te Au gu sto Fu sch in i n o seu exam e crtico da Regen erao in titu lado O
presente e o futuro de Portugal, etc.
313
Joo Medina
B IBLIOGRA FIA
OBRAS GERAIS
MEDINA, J. (Dir.) Histria de Portugal dos tempos pr-histricos aos nosso dias.
15v. Alfragide: Ediclu be, 1993.
___. Histria de Portugal Contemporneo poltico e in stitu cion al. Lisboa:
Un iversidade Aberta, 1994.
OBRAS ESPECFICAS
HOMEM, A. C. A idia republicana em Portugal. O con tribu to de Tefilo
Braga. Coim bra: Livraria Min erva, 1989.
___. A Propaganda republicana (1870-1910). Coim bra: s.n ., 1990.
MEDINA, J. Oh! a Repblica!... Estu dos sobre o repu blican ism o e a Prim eira Rep blica portu gu esa. Lisboa: INIC, 1990.
TELO, A. J. Decadncia e queda da Primeira Repblica portuguesa. Lisboa: A
Regra do Jogo, 1980, 1984. 2 v.
314
captu lo 17
O ESTA D O N OVO.
FA SCISMO, SA LA ZA RISMO E EUROPA
Lu s Reis Torgal*
315
FA SCISMO E SA LA ZA RISMO
Ao su bin titu larm os este texto Salazarism o, Fascism o e Eu ropa,
n o preten dem os repor u m a velh a polm ica qu e se desen volveu em dois
plan os com plem en tares: por assim dizer, de fora para den tro e de den tro
para fora. Expliqu em os m elh or: n o desejam os voltar a discu tir a qu esto
ou as qu estes de saber se ou n o legtim o falar de Fascism o com o u m
con ceito fu n dam en tal para caracterizar regim es qu e, apesar de diferen tes,
so com u n s em pon tos essen ciais e qu e con stitu em sistem as prprios de
u m a poca, e, por ou tro lado, de qu estion ar sobre o problem a da legitim idade de con siderar o Estado Novo portu gu s u m a form a de Fascism o.8
O qu e desejam os foi sim , pela ju n o dos trs con ceitos, abarcar m elh or
toda a profu n didade e latitu de do problem a em debate. Qu er dizer, segu n do pen sam os n o seria possvel en ten der a qu esto do posicion am en to do
Salazarism o peran te a Eu ropa, se n o n os in terrogssem os sobre as su as
relaes com os fascism os (con ceito qu e con sideram os poder con tin u ar
a u tilizar) e tam bm acrescen tam os com ou tros con ceitos e realidades
polticas bsicas, tais com o dem ocracia e com u n ism o.
A dem arcao das origin alidades do Estado Novo parte de afirm aes in sisten tes do prprio Salazar, m an ifestadas n o prin cpio do seu con su lado e qu e se prolon gam du ran te o a su a govern ao.
Logo n a en trevista dada a An tn io Ferro, em 1932, afirm ou , falan do
da ditadu ra m ilitar portu gu esa: A n ossa ditadu ra aproxim a-se, eviden tem en te, da ditadu ra fascista n o reforo da au toridade, n a gu erra declarada a
certos prin cpios da dem ocracia, n o seu carter acen tu adam en te n acion alista, n as su as preocu paes de ordem social. Afasta-se, n os seu s processos de
ren ovao. A ditadu ra fascista ten de para u m cesarism o pago, para u m Estado Novo qu e n o con h ece lim itaes de ordem ju rdica ou m oral, qu e
m arch a para o seu fim , sem en con trar em baraos ou obstcu los.9
Portan to, Salazar qu e adm irava Mu ssolin i, a pon to de ter a su a fotografia n a m esa de trabalh o 10 e de ter preparado u m a su a foto com dedicatria en dereada ao Duce11 qu is salien tar o carter prprio do sistem a,
con sideran do a ain da existen te ditadu ra, sada do 28 de m aio, em bora a
dar o passo decisivo para o n ovo regim e, com o u m a form a de au toritarism o m oral, ao passo qu e en ten dia o fascism o com o u m a ditadu ra am oral, m aqu iavlica. In clu sivam en te, para distin gu ir bem os dois regim es, argu m en tou com a clebre afirm ao de Mu ssolin i, cau sa de algu m as con fu ses sobre a caracterizao dos regim es au toritrios da Eu ropa
do tem po: O fascism o u m produ to tpico italian o com o o bolch evism o
u m produ to ru sso. Nem u m n em ou tro podem tran splan tar-se e viver
fora da su a n atu ral origem .12
E apen as para dar m ais u m exem plo, em bora este m en os claro n o
con fron to com o fascism o, m as m ais rico em ou tros aspectos, vejam os o
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m o e a dem ocracia, e ch am an do a aten o para a u rgn cia de u m a revolu o n ecessria, feita n a base de valores tradicion ais ren ovados. Apen as para exem plificar com u m a obra de gran de im pacto em Portu gal, recordem os o livro do su o Gon zagu e de Reyn old, LEurope tragique (1935).
Joo Am eal, com a obra de 1938 Construo do Novo Estado, ou com as su as
reflexes de 1945, A Europa e os seus fantasmas,33 so bem o exem plo tpico deste gn ero de pen sam en to, prim eiro n u m a fase ain da in depen den te, de tipo m on rqu ico e fascista (en tre aspas) e depois n u m a perspectiva de regim e, de con torn os ideolgicos m ais vagos. No con texto da
gu erra, tam bm o tradicion alista m on rqu ico Edu ardo Freitas da Costa,
n o seu Testamento da Europa, esperava o ren ascer da Eu ropa das ru n as,
sen do Portu gal o arau to dessa n ova m en sagem de civilizao.34 Era, em
certo sen tido, a idia de Qu in to Im prio qu e ressu rgia. E ain da a prpria polm ica de Silva Dias35 con tra Abel Salazar 36 dos an os 40, aqu ele defen den do u m a idia catlica de Eu ropa, em oposio a u m a vaga e con fu sa con cepo de n ova Eu ropa assen te em valores dem ocrticos, reveladora de idn tico esprito.
Mas claro qu e as idias de Salazar, em bora in tegran do-se n este
vasto m ovim en to, tm a su a origin alidade, resu ltan te de fatores reais da
poltica e da razo do Estado. Vam os an alis-las de segu ida, de u m
m odo sistem tico e orden ado, para u m a m elh or com preen so das vrias
qu estes qu e su pe. An tes de m ais ch am em os, todavia, a aten o para o
fato de, apesar do seu carter idn tico por toda a su a lon ga vida poltica
parafrasean do a afirm ao de u m jorn alista belga, Salazar con siderou se u m h om em qu e jam ais se en gan ou 37 h aver n o seu pen sam en to alteraes de tom e de expresso em razo das con ju n tu ras diferen tes de
Portu gal, da Eu ropa e do Mu n do. De qu alqu er form a, em bora salien tan do sem pre a posio pessoal e p blica de Salazar, com o presiden te do
Con celh o e poltico in con testado do sistem a qu e fu n dou , an alisarem os,
m ais latam en te, a idia de Eu ropa do Salazarism o, isto , do m ovim en to qu e brotan do de Salazar teve os seu s in trpretes, qu e ain da h oje fazem
ecoar, em bora de m odo tn u e e in con seq en te a su a voz.
S A LA ZA R, SA LA ZA RISMO E EUROPA
As idias do Salazarism o sobre a Eu ropa su pem ou tm su bjacen te as segu in tes qu estes e posies:
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no menos sistemtico antiliberalismo e antidemocratismo. Este prin cpio explica, em parte, com o tam bm afirm am os e vam os ain da m elh or esclarecer,
a posio do Salazarism o qu an to Eu ropa.
Por u m lado, Salazar e os salazaristas n o adm itiam qu e, de qu alqu er form a, os pases com u n istas, n om eadam en te a R ssia, pu dessem participar da aven tu ra eu ropia. Tal com o Gon zagu e de Reyn old, a R ssia
com u n ista aparecia-lh es com o u m a an ti-Eu ropa.38 Este an ticom u n ism o
obsessivo at certo pon to explicvel, ten do presen te a ditadu ra estalin ista con dicion ou toda a poltica extern a portu gu esa. De on de a posio
pron ta de Portu gal a favor dos n acion alistas espan h is, com o objetivo
de evitar o qu e se con siderava im in en te, isto , o perigo da con cretizao
do plan o com u n ista de con stitu ir n a Pen n su la as rep blicas soviticas
ibricas.39 Da qu e Salazar e os seu s idelogos tivessem en ten dido a posio germ n ica com o fron teiro do Ociden te, com preen den do, de form a
m ais ou m en os explcita, a posio de Hitler, e, depois da derrota da Alem an h a, tivessem defen dido a n ecessidade da su a recon stitu io.
Pela su a im portn cia e sign ificado este pon to m erece-n os u m pou co m ais de aten o.
Na verdade algu n s pen sadores m ais ou m en os prxim os de Salazar
en ten deram explicitam en te o papel da Alem an h a n azi, revelan do a su a
sim patia por Hitler. Ain da em 38, aqu ele qu e h averia de ser o h istorigrafo do regim e, Joo Am eal, afirm ava: Hitler, pela su a reao vigorosa e
triu n fal, sou be levan tar a barreira m ais eficaz barreira in tran spon vel
m arch a para oeste da epidem ia m arxista. Ttu lo de glria su ficien te para
lh e ren der a ju sta gratido de todos os povos do Ociden te em perigo.40 E
o ten en te Jos Gon alves An drade person alidade m u ito pou co im portan te, m as cu jas idias so sign ificativas com o fen m en o de m en talidade
ch egou a tran screver, n u m a obra de elogio de Salazar, u m a carta qu e
ter en viado ao Fhrer, con vidan do-o a colaborar ativam en te n a organ izao de u m a Liga In tern acion al con tra o com u n ism o.41
Salazar n u n ca ter tido especial sim patia por Hitler e pelo n azism o,
ao con trrio do qu e se passou com Mu ssolin i, por ele con siderado u m
gn io poltico,42 e com o fascism o, em bora com o vim os sem pre ten h a afirm ado qu e era u m sistem a s aceitvel n a Itlia; n o en tan to, as
parcas afirm aes p blicas sobre a Alem an h a e, sobretu do, as su as en trelin h as e os seu s siln cios provam com o con siderava fu n dam en tal o seu
papel n o con texto da Eu ropa. Com efeito, em bora se tivesse esforado por
explicar qu e a n eu tralidade portu gu esa n a gu erra fora, n o seu dizer, u m a
n eu tralidade colaboran te,43 colaboran te com os Aliados o qu e n a realidade acon teceu depois de 1942-1943 eviden te a su a com preen so
pela qu esto alem . Assim su cedeu qu an do, n u m im portan te discu rso
proferido n a Em issora Nacion al, em 27 de ou tu bro de 1938, criticou o
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Tratado de Versalh es pela situ ao de m en oridade qu e atribu ra Alem an h a,44 elogiou o Tratado de Mu n iqu e, qu e n o seu dizer se n o origin ou u m a n ova Eu ropa, ao m en os criou as perspectivas de u m a Eu ropa m u ito diferen te,45 e ch am ou a aten o para o papel da Itlia e da
Alem an h a n o apoio Espan h a n acion alista com o objetivo de ergu er
barreiras in vaso com u n ista.46 A R ssia era sem pre o prim eiro objetivo da su a lu ta. Da o seu m edo em qu e ela tivesse u m papel in terven ien te n a gu erra, qu e criasse u m a situ ao de alian a com pases am igos. Por
isso, n u m discu rso de 39 afirm ar tam bm qu e jam ais a R ssia poderia
aju dar o Ociden te n o restabelecim en to da paz, parecen do in clu sivam en te com preen der, ou pelo m en os n o criticar com veem n cia, a in vaso
pela Alem an h a da Poln ia qu e h om en ageia pelo seu h erico sacrifcio
e pelo seu patriotism o para au m en tar a fren te an tibolch evista.47 E, em
1940, n u m discu rso qu e j referim os, m an ifestar-se- an ticom u n ista,
m as igu alm en te an tidem ocrata e an tiliberal.48
Salien tam os ou tra vez este ltim o pon to, porqu e ele ser fu n dam en tal para en ten derm os a posio do salazarism o, depois da gu erra, an te a Eu ropa com u n itria em form ao. Efetivam en te, Salazar e os salazaristas viam com m goa qu e o ps-gu erra trou xe a vitria das dem ocracias,49 o qu e im plicava, segu n do o seu m odo de ver ten do em con ta a
su a idia de qu e as dem ocracias estavam em crise e qu e a su a esperan a
apon tava para a afirm ao dos Estados fortes e de cu n h o n acion alista ,
u m n tido retrocesso. So elu cidativas estas palavras de Salazar proferidas
em ou tu bro de 1945, em qu e fala do ven to da dem ocracia e da gravidade das con tradies e dos equ vocos em qu e a Eu ropa se debate: Para
m im creio qu e o pen sam en to poltico eu ropeu , n o sen tido da reviso objetiva, lu z da razo e da experin cia, dos prin cpios qu e devem reger a
organ izao e o govern o das n aes, acu sa u m n tido recu o, isto , u m retrocesso.50 Mas, m ais do qu e o perigo da dem ocracia, Salazar receava
sobretu do o perigo com u n ista qu e ressu rgia com esses ven tos e qu e
perm itia a in trom isso dos com u n istas n os Estados dem ocrticos. Afin al a
Eu ropa batera-se e arru in ara-se para se opor n ova ordem germ n ica,
m as so palavras textu ais de Salazar, ditas em 1946 sobre as su as ru n as ain da fu m egan tes qu e se v alastrar a n ova ordem com u n ista.51 O
m edo con stan te do com u n ism o e da R ssia sovitica persegu iu sem pre Salazar, n o possibilitan do ou tra lgica poltica. Dir in sisten tem en te, de resto, qu e a R ssia tem u m a m stica e u m a estratgia expan sion ista,52 ao passo qu e a Eu ropa se m an tin h a em con stan tes h esitaes. E igu al crtica acabar por fazer aos Estados Un idos, j em m om en to de con flito com os
am erican os.53 A Alem an h a ocu para sem pre u m lu gar estratgico n a Eu ropa fora desde tem pos passados o seu fron teiro , pelo qu e era n ecessrio n o a deixar an iqu ilar, dado qu e o perigo n o vin h a da e sim do Les-
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a lu ta da dem ocracia con tra o n azism o, isto , con tra o Estado totalitrio. Esta in tegrao tin h a os seu s cu stos tericos e prticos e, assim ,
com o j dissem os, Salazar teve tam bm de salien tar qu e essa afirm ao e
essa lu ta n o en volviam o ataqu e a form as diversas de organ izao do
Poder, qu eren do com isto exclu ir Portu gal da acu sao de Estado fascista. Ao con trrio, n u m verdadeiro jogo de cin tu ra, preten deu m ostrar qu e,
em term os de alcan ce social, os verdadeiros dem ocratas ram os
n s. n u m discu rso n otvel proferido n a Assm bleia Nacion al em 18
de m aio de 1945 qu e deparam os com este raciocn io de circu n stn cia,62
de qu e ain da se ou vem ecos n a lgica de algu n s salazaristas, qu e con tin u am a acreditar n a eficcia do Estado corporativo. Mas n esse m esm o
discu rso, Salazar volta a exclu ir o pas da aceitao do parlam en tarism o e
das solu es federalistas da Eu ropa, ao m esm o tem po qu e salien ta o papel especial de Portu gal n a recon stitu io do Ociden te.63
A posio do Estado Novo portu gu s procu rava, pois, afirm ar-se e
m an ter-se n u m a situ ao sui generis, s aceitan do pactu ar o m n im o in dispen svel com os ven tos da Histria. qu e Salazar con tin u ava a afirm ar, agora em razo da vitria das dem ocracias e do avan ar do perigo
com u n ista, qu e a Eu ropa e o Mu n do estavam em crise m oral acelerada
O Mu n do est ch eio de idias falsas e palavras vs, proclam ava ele,64 de
qu e era n ecessrio salvar o pas. Portu gal esteve n a Sociedade das Naes
(SDN), propu n h a-se en trar n a ONU, m as isso n o alteraria su bstan cialm en te a su a lin h a de ru m o. E a lin h a da su a poltica extern a seria de tipo
atln tico. Den tro ou fora das Naes Un idas, a n ossa poltica extern a n o
tem sen o de segu ir, ao lado dos tradicion ais im perativos h istricos e geogrficos, as claras in dicaes do ltim o con flito. O cen tro de gravidade da
poltica eu ropia sen o da poltica m u n dial, deslocou -se m ais ain da
para oeste e situ ou n o prim eiro plan o o Atln tico, com os estados qu e o
rodeiam . Em recon h ec-lo n o deixam os de ser eu ropeu s; o qu e dam os
m ais largo sen tido ao Ociden te.65
Est aqu i traado, n este texto fu n dam en tal de u m seu discu rso de
1946, o perfil da su a con cepo de Eu ropa, qu e depois an alisarem os
com u m pou co m ais de cu idado. Por en qu an to preocu pem o-n os com as
qu estes qu e a explicam . Um a das m ais im portan tes ser a realidade prpria de Portu gal com o u m pas colon izador e qu e teim ava em con tin u ar
a ju stificar essa posio. Se essa situ ao teve de levar Salazar a alterar
n os an os 50 a estru tu ra ju rdico-poltica do Estado s desta form a lh e
foi perm itido en trar em 1955 n a ONU, pelas m os dos Estados Un idos e
da Gr-Bretan h a o certo qu e ela con stitu iu o gran de problem a portu gu s e a cau sa do aban don o do apoio dos pases Aliados, bem com o, a certo prazo, o m otivo da qu eda do regim e.
Salazar, m edida qu e se esforava por m an ter a im agem paradisaca de Portu gal ain da em 1951, falan do das su bverses do Mu n do, n a
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m aior parte catastrficas, referia-se n ossa situ ao privilegiada,66 lu tava con tra as posies an ticolon ialistas, qu e iam crescen do n o con texto in tern acion al. Com efeito, se n a frica, m erc da descolon izao qu e se in icia n o ps-gu erra, se verificavam os prim eiros m ovim en tos con tra as posies portu gu esas n o con tin en te, vai ser in icialm en te a Un io In dian a a
m ovim en tar-se con tra a presen a portu gu esa n o Estado da n dia e a criar
o prim eiro gran de con ten cioso colon ial portu gu s. As presses su rgiram n os fin ais dos an os 40 67 e disseram respeito a qu estes do Padroado,
m as foi n os an os 50 qu e se efetu ou a ao sistem tica de Nh eru , qu e cu lm in aria com a in vaso dos territrios in dian os de colon izao portu gu esa. Peran te este com bate aceso e peran te a falta de apoios, in clu sive da
su a aliada In glaterra, Salazar qu eixa-se por vrias vezes de a Eu ropa se
sen tir en vergon h ada do seu passado colon izador.68
Mas o dram a de Salazar au m en ta ain da qu an do verifica qu e o
fen m en o da descolon izao e da au todeterm in ao im parvel. Para
alm , com o dissem os, de se ter alterado o estatu to das coln ias portu gu esas, qu e passaram a ser apelidadas de Provn cias Ultram arin as, defen de o
direito da colon izao por parte de Portu gal e da Eu ropa. Ain da em 1957
afirm ava: Ns crem os qu e h raas, decaden tes ou atrasadas, com o se
qu eira, em relao s qu ais perfilh am os o dever de ch am -las civilizao...69 Em 1960, em en trevista a Le Figaro, in sistia qu e a palavra coln ia
n o seu m ais pu ro sign ificado con tin u ava a ser respeitvel70 e su blin h ava, dian te da im in n cia da descolon izao e da lu ta pela in depen dn cia
dos territrios da frica: Se tem os ju zo, n o separem os as coletividades
african as dos seu s gu ias secu lares qu e pou co a pou co, e n o com o torren te devastadora, lh es vo tran sm itin do a su a civilizao.71
A gu erra colon ial african a ia com ear e Salazar ia fican do cada vez
m ais isolado. A ONU tom ar posies con tra Portu gal e a favor da au todeterm in ao dos territrios colon izados e os EUA, govern ados por Ken n edy, votaro a favor dessas m oes.72 Os discu rsos de Salazar passaro a
versar predom in an tem en te os problem as u ltram arin os e afirm ar a clebre e j referida posio de orgu lh osam en te ss, qu e con stitu iu o ch avo da ltim a fase do seu con su lado.
EUROPESMO E ANTIEUROPESMO
A ideologia salazarista em relao Eu ropa e ao Mu n do m an tevese essen cialm en te con stan te. S se alteraram as su as con dicion an tes. Vejam os, pois, agora, com o corolrio desta an lise, a idia aparen tem en te
con traditria de Salazar dian te da realidade eu ropia e en ten dam os porqu e n ele se con ju gam , logicam en te alis, u m eu ropesm o e u m
an tieu ropesm o. An tes, porm , para u m a m elh or com preen so do as-
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su n to, esbocem os, em lin h as gerais, as corren tes eu ropestas qu e se perfilam , sobretu do, n o ps-gu erra.
O projeto eu ropesta velh o, com o se sabe, sen do com u m dizer-se
qu e, de u m a form a pr-m odern a, rem on ta a Pierre Du bois (qu e m orreu
cerca de 1321). As in ten es desse projeto ou desses projetos esto ligadas a con cepes diversas e de variado tipo, desde a idia de u n idade crist, ten do com o base poltica de h egem on ia sacerdotal ou im perial,
idia de paz e de solidariedade en tre os povos, ou a desgn ios m ais con cretos de m an u ten o de u m a ordem con servadora, ou de idias de in tern acion alism o liberal, dem ocrtico ou socialista, ou at a pragm ticos
plan os de organ izao econ m ica. Depois da Prim eira Gran de Gu erra,
m as em especial depois da Segu n da, esses projetos en tram n u m a ordem
de in iciativas m ais direta, n o s n u m a m era con cepo eu ropesta m as
m esm o m u n dial. Foi n esse con texto qu e su rgiu a SDN em 1919-1920, e
em 1945 a ONU, e qu e apareceu , s em 1957, com o Tratado de Rom a,
a Com u n idade Econ m ica Eu ropia (CEE), precedida em 1947 da criao
do BENELUX, em 1949 do Con celh o da Eu ropa e em 1951 da Com u n idade Eu ropia do Carvo e do Ao (CECA), para falar apen as em algu m as etapas fu n dam en tais.
No en tan to, para u m m elh or en ten dim en to das lin h as em con fron to, sem o qu e n o ser fcil en ten der com u m a certa exatido as posies
do Salazarim o, parece-n os ain da im portan te falar das ten dn cias qu e se
esboavam n o cam po das idias e das realizaes. Pode dizer-se, em prim eiro lu gar, qu e se desen h am plan os apen as con cretizados n o cam po das
ideologias m ilitan tes. Um deles, assu m ido pela esqu erda socialista in depen den te, qu e criara n o ps-gu erra o Movim en to para os Estados Socialistas da Eu ropa, pen sava n a possibilidade de alterar a face eu ropia capitalista, n u m a perspectiva poltica, cu ltu ral e socioecon m ica socialista,
fora, n o en tan to, do sistem a de in flu n cias sovitico. Em 1947 tran sform a-se n o Movim en to Socialista Eu ropeu , perden do, segu n do algu n s dos
seu s in iciais organ izadores e depois dissiden tes, adeptos de u m esqu erdism o radical, o seu idealism o de prin cpio, e in tegran do-se n u m certo
pragm atism o eu ropeu .73 Ou tra lin h a, diam etralm en te oposta a esta,
con stitu a a extrem a direita n acion alista e catlica, qu e n o propen dia
para u m projeto con creto e su pran acion al de Eu ropa, em bora estabelecesse algu m as pon tes com os projetos pragm ticos e im perialistas do n azism o e do fascism o italian o. Acim a de tu do, pen sava tam bm n u m a alterao da face da Eu ropa, m as in vocan do a experin cia da cristan dade
m edieval e as idias revivalistas rom n ticas n u m a perspectiva corporativa, au toritria e catlica. Nou tro sen tido, em con fron to direto com o n azi-fascism o, en con trava-se o com u n ism o sovitico, qu e, m ais do qu e u m
plan o eu ropeu , tin h a objetivos in tern acion alistas de poder proletrio e
projetos con cretos de expan so n a Eu ropa e n o Mu n do.
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da Eu ropa se pode afirm ar qu e criou , sob in spirao crist, valores u n iversais, gen erosam en te, gratu itam en te, postos ao dipor do Mu n do, n a
su a n sia de tran splan tar civilizao. Cada u m de n s deveria sen tir o orgu lh o de se afirm ar eu ropeu . E con tin u ou n ou tro sen tido: Seria, n o en tan to, desrazovel fech ar os olh os crise da Eu ropa n o presen te m om en to; devastada, em pobrecida, dividida, m oralm en te desfeita, corroda pelo
desn im o, a braos com u m a perigosa desorien tao m en tal e o claro declin ar das virtu des em qu e se form ou , m u itos pergu n tam se n o so estes
sin tom as da decadn cia e se esta n o ser defin itiva: finis Europae.74
Com o se v, u m a Eu ropa trgica qu e Salazar n os apresen ta
lEurope tragique (Gon zagu e de Reyn old), a Eu ropa e os seu s fan tasm as (Joo Am eal) , m as tam bm u m a Eu ropa gloriosa. Na verdade,
o seu eu ropesm o tem sobretu do este sen tido vago, qu ase diram os rom n tico, espiritu al, este sen tido de Eu ropa com o patrim n io cu ltu ral.
Mas n o s. Com o homo politicus, Salazar viu tam bm a qu esto em term os estratgicos. Da a adeso de Portu gal ao Pacto do Atln tico. qu e
para ele com o procu ram os provar h dois prin cpios essen ciais qu e esto n a base da su a poltica extern a e n a su a idia de Eu ropa e de Mu n do:
o seu an ticom u n ism o sistem tico, em ligao com u m tam bm sistem tico an tiliberalism o e an tidem ocratism o, e a im agem da origin alidade de
Portu gal, ten do em con ta a su a ao prpria de civilizador de vastas regies, em particu lar da frica. Esta ltim a posio ju stificava em parte o
afastam en to do pas em relao aos con flitos da Eu ropa: Sem pre qu e o
fizem os afirm ava n esse m esm o discu rso livrem en te ou com pelidos
por ou tros e pelas circu n stn cias, distram o-n os das n ossas tarefas u ltram arin as, e sem lu cros, an tes com graves dan os e perdas de vidas e fazen da, voltam os para a Ptria, se s vezes com glria, sem pre desilu didos das
n ossas in terven es.75 Os dois prin cpios con ju n tam en te explicavam , por
su a vez, u m a con cepo de Eu ropa alargada, de tipo atln tico, n a base de
u m a ao fu n dam en tal dos Estados Un idos, com o potn cia m essin ica:
A Eu ropa n o pode sem o au xlio am erican o salvar n esta h ora o qu e resta do seu patrim n io m oral e da su a liberdade.76
Afin al o qu e defen deu Salazar n o foi u m a Eu ropa com u n itria, de
tipo con tin en tal e m u ito m en os de tipo federalista. Desde m u ito cedo
pelo m en os em 1936 qu e o vem os a criticar o qu e con sidera a fan tasia dos Estados Un idos da Eu ropa,77 assim com o, pou cos m eses aps o
Tratado de Rom a, o en con tram os den u n cian do a Eu ropa dos Seis e o
Mercado Com u m , con sideran do qu e qu ebrava o sistem a de relaes dos
pases qu e con stitu am a OECE e repu tava-a u m a organ izao preju dicial
em n om e do com rcio livre (recorde-se qu e em 1960 Portu gal in tegrarse- n a OCDE e aderir EFTA).78
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N OTA S
1. GARCIA, M. M. Arquivo de Salazar. Inventrio e ndices. Lisboa: Estam pa, 1991.
2. Este texto qu e agora pu blicam os u m a refu n dio e atu alizao do artigo Salazarism o,
Fascism o e Eu ropa. Vrtice, p.41-52, jan .-fev., 1993; n ova edio: O Estu do da Histria. Boletim da Associao de Professores de Histria (Lisboa), II srie, n .12-13-14-15, p.111-34, 19901993. No con texto da m esm a tem tica e retom an do, em boa parte, idias desse artigo, pu blicam os tam bm : Salazarism o, Alem an h a e Eu ropa. Discu rsos Polticos e Cu ltu rais. Revista
de Histria das Ideias, n .16. Do Estado Novo ao 25 de Abril, 1994, p.73-104; pu blicado tam bm em SANTOS, M. L. dos, KNEFELKAMP, U., HANENBERG, P. (Org.) Portugal und Deutschland auf dem Weg nach Europa (Portugal e a Alemanha a caminho da Europa. Cen tau ru s-Verlagsgesellsch aft, Pfaffen weiler, 1995. p.193-219, e em TELO, A. J. (Coord.) O fim da Segunda Guerra Mundial e os novos rumos da Europa. Lisboa: Cosm os, 1996. p.241-262.
3. Na BGUC o Fu n do Pedro de Mou ra e S tem u m a excelen te coleo de obras sobre a
Eu ropa. Relativam en te bibliografia sobre a Eu ropa em Portu gal n o scu lo XX, ver LANDUYT, A. (Org., Ed.) Europa Unita e Didactica Integrata. Storiografie e Bibliografie e Confronto / A
United Europa and Integrated Didactics. Historiographies and Bibliographies Compared / Europe
Unie et Didactique Intgre. Historiographies et Bibliographies Compares. Sien a: Protagon Editori
Toscan i, 1995. - Portu gal e a In tegrao Eu ropia / Portu gal an d th e Eu ropean In tegration
(Lu s Reis Torgal e Maria Man u ela Tavares Ribeiro), p.130-139 e seleo bibliogrfica in tegrada.
4. Ver AMEAL, J. (Dir.) Dez anos de poltica externa. 10 v., Lisboa: Im pren sa Nacion al, Anais da
Revoluo Nacional, particu larm en te v.V, Barcelos, Com p. Editora do Min h o, 1956; TEIXEIRA, L. Neutralidade colaborante. Lisboa, 1945 (Prm io Afon so de Bragan a, do Secretariado
Nacion al de In form ao); CASTRO, A. de Subsidios para a histria da poltica externa portuguesa durante a guerra. Lisboa: Livraria Bertran d, s.d.; GOMES, M. Poltica Externa. Edies Alm ,
1953 e NOGUEIRA, F. Histria de Portu gal, II su plem en to. 1933-1974. In : BARCELOS (Ed.)
Histria de Portugal. Porto: Civilizao, 1981 e Salazar, especialm en te v. III e IV.
5. OLIVEIRA, C. Salazar e a Guerra Civil de Espanha. Lisboa: O Jorn al, 1987.; LOFF, M. Salazarismo e Franquismo na poca de Hittler (1936-1942). Porto: Cam po das Letras, 1996, e RODRGUEZ, A. P. El Estado Novo de Oliveira Salazar y La Guerra Civil Espaola: In form acin , Pren sa
y Propagan da (1936-1939). Madri, 1997. Tese (Dou torado) Un iversidade Com plu ten se de
Madrid, (Policopiada).
6. TELO, A. J. Portugal na Segunda Guerra Mundial. Lisboa: Perspectivas e Realidades, 1987;
___. Propaganda e guerra secreta, 1939-1945. Lisboa: Perspectivas e Realidades, 1990; ___. Portugal na Segunda Guerra (1941-1945). Lisboa: Veja, 1991. 2v.; ROSAS, F. O Salazarismo e a
aliana luso-britnica. Lisboa: Fragm en tos, 1998; ___. Portugal entre a Paz e a Guerra. Lisboa:
Estam pa, 1990; CARRILHO, M., et al. Portugal na Segunda Guerra Mundial. Con tribu tos para
u m a Reavaliao. Lisboa: Dom Qu ixote, 1989; ANDRADE, L. V. de. Neutralidade colaborante.
O Caso de Portu gal n a Segu n da Gu erra Mu n dial. Lisboa: Pon ta Delgada, 1993. ROLLO, F.
Portugal e o Plano Marshall. Lisboa: Estam pa, 1994.
7. Note-se, todavia, qu e esta qu esto tem sido por vezes abordada, em algu m as obras gerais
sobre o Salzarism o. Por exem plo, C. OLIVEIRA apresen tou sobre ela algu m as reflexes n o
seu livro Salazar e o seu tempo. Lisboa: O Jorn al, 1991. Sobretu do cap. III.
8. Pode-se en con trar u m levan tam en to do problem a n a obra de PINTO, A. C. O salazarismo
e o fascismo europeu. Problem as de In terpretao n as Cin cias Sociais. Lisboa: Estam pa, 1992.
En tre ou tros, e destacam os aqu i o recen te en saio de SCHIR, L. B. de. A experincia fascista
em Itlia e em Portugal. Lisboa: Edies Un iversitrias Lu sfon as, 1997, poderem os dizer qu e
n s prprios participam os n este debate com u m artigo, pu blicado n o Brasil e qu e em breve
ter u m a edio refu n dida em Espan h a: Estado Novo em Portu gal: En saio de Reflexo sobre o seu Sign ificado. Estudos Ibero-Americanos (Porto Alegre), PUCRS, n .1, v.XXIII, p.3-32,
ju n . 1997.
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49. Exposio sobre a poltica in tern a e extern a, n otas taqu igrficas de u m discu rso dirigido s n ovas com isses da Un io Nacion al, n u m a sala de biblioteca da Assem blia Nacion al, em 18 de agosto de 1945, Discursos, IV; p.142.
50. Votar u m gran de dever, discu rso proferido n u m a das salas da biblioteca da Assem bleia Nacion al em 7 de ou tu bro de 1945, Discursos, IV, p.175.
51. Relevn cia do fator poltico..., discu rso j citado, Discursos, IV, p.254.
52. Ibidem , p.255 ss.
53. A Posio Portu gu esa em face da Eu ropa, da Am rica e da frica, discu rso proferido
n a sede da Assem blia Nacion al em 23 de m aio de 1959, Discursos, VI, p.67.
54. Misria e m edo..., discu rso citado (25.11.1947), Discursos, IV, p.289 ss.
55. Pan oram a da poltica m u n dial, en trevista cit. (Le Figaro, 2-3.9.1958), Discursos, VI, p. 6.
56. Ibidem , p.3 ss.
57. Cf. Erros e fracassos da era poltica, discu rso proferido n a posse da Com isso Execu tiva da Un io Nacion al, em 18 de fevereiro de 1965, Discursos, v.VI, p.368.
58. Portu gal, a Alian a In glesa e a Gu erra de Espan h a, discu rso proferido n a sala dos Passos Perdidos da Assem blia Nacion al, em 6 de ju lh o de 1937, ao agradecer aos oficiais de
terra e m ar as h om en agen s qu e lh e prestaram pelo m alogro do aten tado de qu e foi alvo n o
dia 4, Discursos, v.II, p.304.
59. Ibidem, p.302.
60. Em especial sobre os film es Revoluo de Maio (1937) e Feitio do Imprio (1940), de An tn io Lopes Ribeiro, ver o n osso artigo Cin em a e Propagan da n o Estado Novo. A con verso
dos Descren tes. Revista de Histria das Ideias (Coimbra), n .18, p.277-337, 1996.
61. O Sculo, 2.8.1940.
62. Portu gal, a gu erra e a paz, discu rso cit., Discursos, v.IV, passim , n om eadam en te p.106,
114, 119-120.
63. Ibidem , p.110 ss. Ver tam bm Exposio sobre poltica extern a, n otas sobre u m discu rso cit. (18.8.1945), p.142 ss., e Votar u m gran de dever, discu rso cit. (7.10.1945),
p.169 ss.
64. Ideias falsas e palavras vs (Reflexes sobre o ltim o ato eleitoral), discu rso proferido
n a reu n io das com isses dirigen tes da Un io Nacion al, realizada em 23 de fevereiro de
1946, n u m a sala da biblioteca da Assem blia Nacion al, Discursos, v.IV, p.213.
65. Ibidem , p.211-12.
66. In depen dn cia da poltica n acion al su as con dies, discu rso proferido n a sesso
in au gu ral do III Con gresso da Un io Nacion al, em Coim bra, a 22 de n ovem bro de 1951, Discursos, v.V, p.51 ss.
67. Qu estes de poltica in tern a, discu rso proferido n u m a das salas da biblioteca da Assem blia Nacion al, dirigido aos Govern adores Civis, s com isses distritais da Un io Nacion al e aos can didatos a depu tados, em 20 de ou tu bro de 1949, Discursos, v.IV, p.449 ss.
68. Goa e u n io in dian a (Aspectos econ m ico, poltico e m oral), discu rso proferido em 12
de abril de 1954, ao m icrofon e da Em issora Nacion al, Discursos, v.V, p.189.
69. A atm osfera m u n dial e os problem as n acion ais, discu rso proferido em 1. de n ovem bro de 1957, ao m icrofon e da Em issora Nacion al, Discursos, v.V, p.427.
70. En trevista cit., Discursos, v.VI, p.11.
71. Ibidem , p.27.
72. O u ltram ar portu gu s e a ONU, discu rso proferido n a sesso extraordin ria da Assem blia Nacion al, em 30 de ju n h o de 1961, Discursos, v.VI, p.128 ss. Ver sobre os con flitos en tre Salazar e Ken n edy, ANTUNES, J. F. Kennedy e Salazar. O leo e a raposa. Lisboa: Difu so
Cu ltu ral, 1991.
337
73. Ver sobre este tem a BOURDET, C. A farsa da Europa. Paris: Segh ers, 1977.
74. Portu gal n o pacto do Atln tico, discu rso proferido n a sala de sesses da Assem blia
Nacion al, em 25 de ju lh o de 1949, Discursos, v.IV, p.419-20.
75. Ibidem , p.412.
76. Ibidem , p.420.
77. In depen dn cia da poltica n acion al, discu rso proferido n u m a das salas de So Ben to,
em 21 de fevereiro de 1936, Discursos, v.II, p.117.
78. A atm osfera m u n dial e os problem as n acion ais, discu rso proferido em 1. de n ovem bro de 1957 aos m icrofon es da Em issora Nacion al, Discursos, v.V, p.439.
79. Ver o n osso artigo, qu e retom a algu m as con sideraes aqu i expostas, Salazarism o, Eu ropa e Am rica. Revista Portuguesa de Histria (Coimbra), tom o XXXI, p.615-34. Facu ldade de
Letras.
80. Cf. Por exem plo, Preparao n acion al para o ps-gu erra, discu rso proferiso n a sesso
de abertu ra do II Con gresso da Un io Nacion al, em 25 de m aio de 1944, n o Liceu D. Filipa
de Len castre, Discursos, v.IV, p.61, Apon tam en tos sobre a situ ao in tern acion al, discu rso
proferido n a Sociedade de Geografia, em 30 de m aio de 1956, n a sesso de abertu ra do Con gresso da Un io Nacion al, ibidem, v.V, p.371 ss., A posio portu gu esa em face da Eu ropa,
da Am rica e da frica, discu rso proferido n a sede da Un io Nacion al em 23 de m aio de
1959, idem, p.64 ss.
81. Portu gal com o elem en to de estabilidade n a Civilizao Ociden tal, palavras de Salazar
pu blicadas n o Journal de Genve n o n m ero de 13 de ou tu bro de 1953, dedicado a Portu gal,
Discursos, v.V, p.157 e passim .
82. No volu m e Dfense de lOccident, qu e o au tor ofereceu Biblioteca Geral da Un iversidade de Coim bra, pode ler-se este passo, qu e foi depois tran scrito n o op scu lo (coletn ea extrada da obra Les ides restent) Occidente ou Oriente? No lim iar da Hora Trgica. Coim bra: Casa
do Castelo, 1949: La civilisation ne vivra que dans la mesure ou nous voudrons, ou nous en ferons
une ide-matresse, ide-chef cest ce le Portugal a compris et qui en fait le bastion avanc de la dfense de lOccident.
83. DASSAC, J. P. Dictionnaire politique de Salazar. Lisboa: S. N. I., 1964. p.135 ss.
84. Cf. GOMES, M. Poltica externa de Salazar. Lisboa: Edies Alm , 1953. cap.XI, p.261 ss.
85. Ibidem , p.271.
86. Op. cit., p.XIV.
87. Ideia de Europa. Cu rso Professado n os An os Lectivos de 1965-1966 e 1966-1967. Lisboa:
In stitu to Su perior de Cin cias Sociais e Poltica Ultram arin a, 1967. Ver sobretu do p.165 ss.
88. O Ocidente e Portugal Separata do Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, ju lh o-setem bro, 1969, p.195.
89. Note-se todavia, qu e, n o con texto da n ova situ ao eu ropia, o didata da Histria, A. S.
RODRIGUES, colaborou n u m a obra con ju n ta: Histria da Europa. Escrito por doze h istoriadores eu ropeu s. Coim bra: Min erva, 1992, tradu o da obra pu blicada em Paris: Hach ette,
1992.
90. Ver Histria da Europa. Porto: Tavares Martin s, 1961, 1964, 1969. 3v. (2.ed, Lisboa: Verbo, 1982-1984, 5v.). Cf. Prefcio da 1.ed., p.XVII.
91. O movimento poltico europeu e as instituies supranacionais, Lisboa, Separata do Boletim do
Ministrio da Justia, 1963, em particu lar p.152-53.
338
92. Ver, por exem plo, a coletn ea do pen sam en to de CAETANO, M. Eu ropa. In : ZORRO, A.
M. (Com p.) Princpios e definies. Lisboa: Pan oram a, 1969. (Textos de 1936 a 1967). Ali, sobretu do n o ttu lo Eu ropa (p.67-69), verifica-se qu e Marcello, apesar de m an ter as su as
descon fian as em relao aos Estados Un idos da Eu ropa e de con ceber a Eu ropa essen cialm en te com o u m a cu ltu ra, fala com certa n fase da cooperao eu ropia e parece perceber a dificu ldade de pases pequ en os com o Portu gal em su bsistirem isolados. Procu ravase a abertu ra, em gran de parte desm en tida pelas realidades. No en tan to, recorde-se o papel de algu n s m em bros m ais liberais do govern o m arcelista, com o, por exem plo, Rogrio
Martin s, qu e tiveram , n o dom n io terico e prtico (vide, de su a au toria, Caminho de pas
novo. Lisboa, 1970), u m papel im portan te n essa abertu ra. Esta qu esto, m eram en te esboada, precisa de ser profu n dam en te an alisada em vrias perspectivas, o qu e est fora das
n ossas in ten es de m om en to.
93. Ver Espao Europeu, Discu rso proferido pelo Min istro do Ultram ar [...], em 5 de n ovem bro de 1962, n a sesso solen e in au gu ral do Cen tro Portu gu s de Estu dos Eu ropeu s, Lisboa,
Agn cia-Geral do Ultram ar, 1962, e A Europa em formao, Lisboa, Separata do Boletim da
Sociedade de Geografia, 1974. No discu rso referido, Moreira m ostra a su a desilu so peran te a ONU e defen de, n u m a altu ra em qu e se in au gu rava em Lisboa o Cen tro Portu gu s de
Estu dos Eu ropeu s, o reforo da Eu ropa, qu e precisa de en con trar o seu esprito e de salvar a ou tra m etade. No segu n do estu do, m ais pen sado e pen sado n ou tra poca, fala do
equ voco da NATO, qu e n o foi u m a in stitu io de dilogo en tre a Eu ropa e URSS, m as sim
dos EUA, o n ico in terlocu tor, e a URSS E fala da velh a idia de a Pen n su la con stitu ir u m
espao Atln tico-Su l.
94. Cf. A idia de Europa. Razes histricas. evoluo. Concretizao atual. Portugal e a Europa, Gu im ares, Separata da Revista de Guimares, 1982. Silva Cu n h a apresen ta-se n este op scu lo
com o Professor da Un iversidade Livre do Porto.
95. Expresso Revista, v.6, n .6, p.12, 1992.
339
captu lo 18
APS O 25 DE ABRIL
Jos Medeiros Ferreira*
Eduardo Loureno, no Labirinto da saudade, dedica algumas das melhores pginas da sua reflexo atitude dos portugueses perante a descolonizao.
Nesse ensaio de psicanlise mtica do destino portugus, Eduardo
Loureno salienta Pelo imprio devimos outros, mas de to singular maneira que na hora em que fomos amputados fora (mas ns vivemos a
amputao como voluntria) dessa componente imperial da nossa imagem, tudo pareceu passar-se como se jamais tivssemos tido essa fagimerada existncia imperial e em nada nos afetasse o regresso aos estreitos e
morenos muros de pequena casa lusitana.
Eduardo Loureno escrevia assim entre o vero de 1997 e a primavera de 1978, entre S. Pedro em Portugal e Vence na Frana. Hoje a imagem imperial no estar to ausente do imaginrio de alguns como parecia naquele momento. Mas ento como detectou o mesmo filsofo: Num
dos momentos de maior transcendncia da histria nacional, os Portugueses estiveram ausentes de si mesmos....1
Essa ausncia durou pelo menos um ano e meio, exatamente o
tempo necessrio para se operar a alienao da soberania portuguesa nos
territrios sob administrao colonial com a conhecida singularidade aplicada a Macau, e a exceo constituda pelo caso de Timor.
A questo africana estava no centro dos problemas nacionais a serem
resolvidas e estivera certamente na origem da sublevao das Foras Armadas. Como afirmou transparentemente o ento general Costa Gomes:
O que tornou inevitvel a revolta do 25 de Abril foi a necessidade de resolver o problema da guerra em frica. As reivindicaes dos oficiais do Quadro Permanente foram quase na totalidade satisfeitas... o problema colonial
era, no s o mais importante, como aquele que os oficiais conheciam melhor, tendo certamente chegado concluso de que s poderia ser solucionado depois de derrubar o regime ento existente.2
A grande clivagem entre os oficiais do MFA e o General Spnola situou-se exatamente no rumo a dar descolonizao e esteve presente na
341
elaborao e na apresentao do programa do movimento das Foras Armadas, tendo o general Spnola conseguido suprimir da verso original a
referncia ao direito das colnias autodeterminao.
A visita a Lisboa do secretrio-geral da ONU, Kurt Waldheim, de 2 a
4 de agosto de 1974, foi um marco importante nas presses internacionais
para que a descolonizao portuguesa se fizesse o mais rapidamente possvel, sem que isso viesse a significar um maior empenho das Naes Unidas
nas conversaes entre as partes.
Nos contactos que o secretrio-geral da ONU manteve com os responsveis portugueses foi explicada a posio das Naes Unidas quanto
questo dos territrios sob administrao colonial, assim como a atitude da
Organizao de Unidade Africana (OUA) sobre o reconhecimento dos movimentos de independncia como os representantes desses territrios.3
As conversaes entre Kurt Waldheim e as autoridades portuguesas
deram mesmo lugar a um comunicado conjunto Portugal-ONU em que se
explicita o entendimento da ONU e da OUA sobre essa matria assim como
o comprometimento de Portugal a respeitar as pertinentes solues da ONU
e a reconhecer o direito autodeterminao e independncia de todos os
territrios ultramarinos sob a sua administrao, posio j consagrada
constitucionalmente com a publicao de Lei 7/74 de 26 de julho.
Alis s a publicao dessa lei ter permitido a visita do SecretrioGeral da ONU naquela altura.
As relaes entre Portugal e a ONU durante o processo de descolonizao no foram depois to intensas conforme deixara antever esse encontro. Notar-se- at uma dbil presena da ONU no processo de descolonizao em causa.
A nomeao do professor Veiga Simo para chefe da Misso Portuguesa junto da ONU inscrevia-se no entanto no propsito de criar
responsabilidades aos Movimentos de Libertao no s perante as autoridades portu gu esas com o, tam bm , peran te en tidades in tern acion ais
idneas que, co-responsabilizando-se no processo serviriam de foras moderadoras aos setores extremistas.4
Tal poltica teria sido frontalmente contrariada pela Comisso Coordenadora do MFA e pelo general Costa Gomes, que consideravam aquela
estratgia como abertura interferncia da ONU no processo de descolonizao e, conseqentemente, desprestigiante para o pas. A nica via, diziam, era a das negociaes diretas com os Movimentos de Libertao.5
O MFA ir ter, de qualquer maneira, um papel decisivo na definio
dos interiocutores para as negociaes de trgua, cessar-fogo, paz e transferncia de soberania. Neste particular as condies militares nos teatros de
guerra tiveram uma enorme influncia e foram os responsveis pelo MFA
na Guin, em Moambique e em Angola que pressionaram Lisboa a legiti-
342
APS O 25 DE ABRIL
GUIN-BISSAU
A descolonizao da Guin apresentava-se como a de mais difcil negociao poltica, j porque o PAIGC declarara unilateralmente a independncia da Guin-Bissau em 24 de setembro de 1973 em Madina de Bo e
o fato fora reconhecido por 82 pases membros da ONU, j porque o PAIGC
pretendia ver tambm reconhecido o direito independncia para o arquiplago de Cabo Verde.
Essas condies so apresentadas logo na primeira reunio entre as delegaes do governo portugus e do PAIGC em Londres, a 25 de maio de 1974.
A particularidade de o general Spnola ter sido Governador-Geral da
Guin no teria ajudado a rapidez das tomadas de deciso sobre essas matrias.
343
As reunies de 25 de maio e de 13 de junho entre o PAIGC e a delegao portuguesa, presidida por Mrio Soares na sua qualidade de MNE,
so inconclusivas. S depois da tomada de deciso do MFA na Guin, numa
assemblia realizada em 1 de julho, se consegue cortar o n grdio da
questo, ou seja, passar da fase da discusso sobre a natureza da descolonizao (se com consulta eleitoral, se com um maior ou menor perodo transitrio) fase da transferncia do poder.
Nessa moo, aprovada pelo MFA da Guin, numa reunio com delegaes de base de todas as unidades militares, no qual participaram cerca
de oitocentos militares, considera-se que a ideologia do PAIGC tem uma
grande adeso popular e domina o panorama poltico da Guin; que os grupos polticos surgidos naquele territrio aps o 25 de Abril careciam de legitimidade e de representatividade apenas tendo servido para envenenar
o ambiente poltico da Guin; que o reconhecimento internacional do
PAIGC um fato to forte que o nmero de pases que reconhecem a repblica da Guin-Bissau j superior ao daqueles que mantm relaes diplomticas com Portugal; que a Resoluo n. 03061 da Assemblia Geral
da ONU de 9 de setembro de 1973 torna ilegal a presena de tropas portuguesas; que o PAIGC o nico agrupamento poltico cuja ideologia e programa asseguram a conivncia e a igualdade de direitos de todas as etnias
da Guin e o respeito pelos legtimos interesses dos europeus radicados, e
assim por diante.
Como corolrio de todos esses considerandos que revelam uma
grande ateno quer a situao militar quer a situao internacional, essa
reunio deliberou:
1. Repudiar qualquer soluo local e unilateral que no fosse aceita
pelo governo central de Portugal;
2. Exigir que o governo portugus reconhecesse imediatamente e
sem equvocos a Repblica da Guin-Bissau e o direito autodeterminao e independncia dos povos de Cabo Verde;
3. Exigir que fossem imediatamente reatadas as negociaes com o
PAIGC, no para negociar o direito independncia, mas to s os mecanismos conducentes transferncia dos poderes.7
Em sntese, nessa reunio de cerca de oitocentos militares, em 1 de
julho de 1974, reconhece-se a legitimidade exclusiva do PAIGC como re-
344
APS O 25 DE ABRIL
presentante do povo da Guin e exige-se o recomeo das negociaes entre as autoridades de Lisboa e aquele movimento de independncia, conversaes que haviam sido interrompidas por deciso do Presidente da repblica Antnio Spnola.
Semanas mais tarde, nas matas do Cantanhez, uma delegao de militares portugueses, chefiada pelo governador da Guin Carlos Fabio, e
uma delegao do PAIGC, chefiada por Jos Arajo, concordam num cessar-fogo em todo o territrio da Guin.
O acordo de Argel, assinado em 26 de agosto de 1974 e ratificado
pelo presidente Spnola em 29 do mesmo ms, reconhecia dois dados de fato: a Repblica da Guin-Bissau e o cessar-fogo, j estabelecido no interior
da Guin.
CABO VERDE
O acordo assinado em 26 de agosto de 1974 entre o Governo Portugus e o PAIGC continha, alm dos preceitos destinados transferncia de
soberania da Guin, o reconhecimento do direito do povo do arquiplago
de Cabo Verde autodeterminao e independncia. As negociaes para
esse efeito seriam, no entanto, separadas das conversaes sobre a Guin
depois daquele acordo.
Dos nove artigos do Acordo entre o Governo Portugus e o PAIGC,
dois so dedicados a Cabo Verde.
essa sem dvida uma das decises mais discutveis do processo de
descolonizao dado que a unidade pretendida pelo PAIGC entre a Guin e
Cabo Verde acabou por no se verificar. Mas no menos verdade que a
Assemblia Geral da ONU havia reconhecido na sua Resoluo A/2918
(XXVII) de 14 de novembro de 1972 o dito PAIGC como representante
nico e autntico do povo da Guin e Cabo Verde.
Enquanto a descolonizao da Guin era obviamente inevitvel em
1974, j a independncia concedida ao arquiplago de Cabo Verde foi um
ato voluntrio do poder em Portugal e tem, pois, uma interpretao mais
vasta radicando nas causas da descolonizao, que no se resumem s necessidades dos militares e presso das Foras Armadas para o efeito.
O processo de transferncia de soberania de Portugal para a Repblica de Cabo Verde teve as suas especificidades. Assim no h qualquer acordo publicado, como os de Alger, Lusaca ou Alvor realizados para a GuinBissau, Moambique ou Angola respectivamente, embora tivesse havido
um documento formalizado em 19 de dezembro de 1974 no qual se previa
a eleio de uma assemblia constituinte em Cabo Verde que decidiria sobre o futuro poltico do territrio.
No plano jurdico existiu, sim, o Estatuto Orgnico de Cabo Verde
para o perodo de transio que terminaria em 5 de julho de 1975 (Lei n.
13/74 de 17 de dezembro).
345
346
APS O 25 DE ABRIL
S . TOM E PRNCIPE
Se a luta armada na Guin-Bissau teve conseqncias sobre o acesso independncia do arquiplago de Cabo Verde, onde o PAIGC no tivera expresso militar, a independncia de Cabo Verde, por sua vez, vai constituir um paradigma para a transferncia de soberania noutro arquiplago:
o de S. Tom e Prncipe.
Em S. Tom e Prncipe a represso colonial havia sido brutal no passado mesmo sem luta armada por parte dos emancipalistas. Quando em
1960 fundado o Comit de Libertao de S. Tom e Prncipe (CLSTP), ainda est bem viva na memria de todos o massacre de Batep ocorrido em
fevereiro de 1953 em que teriam sido mortos mais de mil so tomenses por
se recusarem a trabalhar nas roas de cacau.
O ambiente local no pois muito propcio defesa da manuteno
da soberania portuguesa por parte da populao de S. Tom e Prncipe.
Pelo seu lado a ONU havia reconhecido desde 1962 o CLSTP como
nico e legtimo representante do povo do arquiplago. Quando surge o 25
de Abril os seus principais dirigentes estavam exilados na Repblica do Gabo onde, em 1972, haviam alargado o conceito de Comit de Libertao
para o de Movimento de Libertao.
No caso da descolonizao de S. Tom tambm tem particular relevncia o papel da visita a Portugal do secretrio-geral da ONU, Kurt Waldheim, em agosto de 1974 e das repetidas reunies de militares em servio
no territrio. Assim numa reunio realizada em S. Tom, a 12 de outubro
de 1974, os oficiais dos trs ramos das Foras Armadas declararam o MLSTP
como nico interlocutor para as negociaes que se avizinham.
Essas negociaes principiam no ms seguinte em Argel, tendo sido
assinado um Protocolo de Acordo entre o Governo portugus e o MLSTP
em 26 de novembro. Nesse acordo, o Governo portugus reconhecia o
MLSTP como representante legtimo do povo daquele arquiplago. semelhana dos casos anteriores, os rgos polticos para o perodo de transio
eram um alto-comissrio e um Governo de Transio com competncias legislativa e executiva.
Embora oficialmente se trate de um Protocolo de Acordo,8 este diploma est mais aperfeioado nos seus termos e no articulado jurdico geral do
que os anteriores acordos similares: so dezessete os seus artigos em que,
347
M OAMBIQUE
As presses para Portugal clarificar a sua posio quanto descolonizao eram tambm muito fortes no plano internacional. As dvidas sobre o comportamento do Estado portugus na matria eram tantas que at
os governos da Zmbia e da Tanznia procuram no vero de 1974 o separatista branco Jorge Jardim para avaliarem as possibilidades de independncia mais claras para Moambique de imediato.
Entre junho e julho de 1974, ou seja nos dois meses de maior indefinio sobre o rumo a dar questo ultramarina, vrias entidades procuram Jorge Jardim, encarando este como algum que, sua maneira, pretendia a transferncia da soberania de Portugal para Moambique.
Lisboa est pois, na mira de todos.
H aqui um conjunto de circunstncias que concorrem para que os
poderes africanos se auscultem mutuamente perante o que julgam ainda
ser a tentativa de protelamento da descolonizao por parte do novo poder
poltico instaurado em Portugal.
348
APS O 25 DE ABRIL
Ora, esse novo poder poltico em Portugal atravessava ento, e precisamente por causa da natureza da descolonizao, uma verdadeira crise que s
terminaria com a queda do 1 Governo Provisrio prisidido pelo professor Palma Carlos e a formao de um 2 Governo Provisrio chefiado por um militar,
o coronel Vasco Gonalves. Mais exatamente era o aparecimento do MFA como
agente poltico determinante. Como j havia concludo Jorge Jardim o centro
de deciso mais vlido residia no MFA e fiquei de lhes fazer chegar as nossas
recomendaes. 9
O centro principal de deciso era o MFA no s em Portugal como ainda em Moambique e nos outros territrios ultramarinos.
Em Moambique o papel dos militares no pra de crescer nesse perodo. Deste modo o MFA de Moambique envia, a 22 de julho de 1974, uma
mensagem para a Comisso Coordenadora do Movimento em Lisboa recomendando o reconhecimento imediato da Frelimo como legtimo representante do
povo moambicano e do direito desse povo independncia.
Essa reunio realizou-se em Nampula tendo as comisses regionais do
MFA de Cabo Delgado e de Tete anunciado a que davam um prazo at o fim do
ms de julho para se encontrar um acordo global de cessar-fogo com a Frelimo;
caso contrrio as tropas estacionadas nos referidos distritos imporiam um cessarfogo unilateral. Mais, o pessoal dos helicpteros negava-se a fazer os reabastecimentos das tropas terrestres depois daquele prazo.10
Em Moambique, como alis na Guin, a seleo do interlocutor
para as negociaes sobre a transferncia de soberania foi claramente ditada pela existncia de um movimento que lutara militarmente contra a presena do colonialismo portugus. A Frelimo foi esse movimento para Moambique. Esse entendimento entre as Foras Armadas portuguesas e a
Frelimo deitar por terra a procura de outras vias como as procuradas por
Jorge Jardim e por Joana Simio.
O percurso desde o 25 de Abril at ao Acordo de Lusaca de 7 de setembro foi muito acidentado no interior de Moambique, com o aparecimento de
vrios movimentos que tentavam tirar Frelimo pelo menos o exclusivismo de
representatividade poltica no territrio. Apareceu assim o Grupo Unido de Moambique (GUMO) que viria a dissolver-se em fins de junho de 74 em razo de
sua conhecida proximidade ao governo colonial anterior. Mas tambm surgem
outros agrupamentos que proclamam propsitos semelhantes como o Movimento Federalista de Moambique ou a Frente Independente de Convergncia Ocidental (FICO). Ou os que querem concorrer no terreno prprio Frelimo como o Movimento de Libertao de Moambique (MOLIMO).
Com efeito, logo nos princpios de junho, comeam em Lusaca encontros exploratrios nos quais participam o ministro portugus dos Negcios Estrangeiros Mrio Soares e Samora Machel, presidente da Frelimo, embora sem
resultados conclusivos. Reabrem as hostilidades na Zambzia e seguem-se as
peripcias relatadas por Antnio Spnola no seu livro Pas sem rumo.
349
350
APS O 25 DE ABRIL
A NGOLA
O processo de descolonizao de Angola foi o mais complexo e aquele que mais conseqncias internas e internacionais teve.
Foi o mais complexo, porque do ponto de vista militar a situao no
era alarmante embora se mantivessem cerca de 65 mil homens em armas
do lado portugus. Por outro lado, o entendimento entre os movimentos de
independncia no se apresentava pelas realidades tnicas e pelas rivalidades polticas em que se baseavam: FNLA, UNITA e MPLA eram movimentos
armados rivais. No territrio angolano o elemento branco era significativo e
tinha expectativas de poder desempenhar um papel poltico relevante. Finalmente, a diviso entre os movimentos de libertao veio dar azo a uma
internacionalizao dos conflitos internos que muito perturbou o acesso
independncia de Angola e o perodo subseqente, aumentando a rivalidade entre a URSS e os Estados Unidos na frica negra.
O processo de descolonizao de Angola foi tambm aquele que maiores preocupaes provocou em Portugal. Angola estivera sempre no centro
351
das polticas ultramarinas de Lisboa, e era, em ltima instncia o que motivara a construo da doutrina do Espao Econmico Portugus em 1961.
Ora, mais do que a situao militar no territrio angolano em 1974,
o que funcionava mesmo mal, em relao de articulao entre Portugal e
Angola, era o desequilbrio comercial agravado pelo desequilbrio da balana de pagamentos portuguesa. O problema dos atrasados apenas veio dar
uma expresso financeira a essa negativa relao.
Logo em outubro de 1963 Angola foi obrigada a recorrer ao crdito
automtico do Fundo Monetrio da Zona Escudo, e em novembro desse
mesmo ano esgotara j os limites mximos do crdito a que tinha direito,
tendo a partir de ento comeado a acumulao de atrasados, ou seja, de
pagamentos devidos metrpole e no liquidados.
A partir de 1964, os atrasados cresceram irreversivelmente.
A credibilidade do sistema foi seriamente posta em causa quando o volume
de atrasados se tornou insustentvel, na ordem dos 9 milhes de contos, em
1971.13
352
APS O 25 DE ABRIL
O que precipitou a descolonizao de Angola foi assim mais da ordem das razes econmicas do que motivaes militares.
certo que a situao militar no teatro de operaes de Angola no
era to grave como o que se vivia em Moambique e na Guin. Mas, mesmo assim, o volume dos efetivos militares em Angola no decrescia. Pelo
contrrio, exigia cada vez mais tropas mobilizadas.
Se antes dos acontecimentos de maro de 1961 o efetivo em Angola
era de apenas 1.500 soldados metropolitanos, j no fim desse ano estacionam 28.477 homens. Esse nmero no deixar de subir, com a nica exceo do ano de 1972. Assim, o efetivo total das tropas era, em 1973, de
65.592 homens, sendo 27.819 de recrutamento local e 37.773 mobilizados
de Portugal.16
Mas se a guerra no colocava qualquer questo urgente como em
Moambique ou na Guin, o simples fato de haver no territrio mais de 60
mil homens em armas atribua ao elemento militar uma posio determinante para o futuro daquele territrio. E na medida em que eram os oficiais
da metrpole que controlavam o dispositivo militar, principalmente naquele territrio, era necessrio contar com ele no perodo em que a descolonizao se ia decidir.
Foi o caso de Angola onde, numa reunio realizada em Luanda em
18 de setembro de 1974, cerca de quinhentos oficiais se pronunciaram no
intuito de a descolonizao ser protagonizada por aqueles movimentos que
haviam adquirido uma legitimidade revolucionria pelo fato de terem lutado contra o regime colonialista:
Foi na noite de 18 de setembro que se reuniram no salo nobre do Palcio
do Governo cerca de 500 oficiais dos trs ramos das foras armadas que vieram a aprovar uma moo por 427 votos a favor, 7 contra e 48 abstenes.
Considerava o seu texto, no essencial a necessidade de respeitar o j proclamado princpio do direito autodeterminao e independncia dos povos
colonizados.17
Esta reunio de militares em Luanda efetuou-se no preciso momento em que em Lisboa o general Spnola pretendia chamar a si o caso especial de Angola.
Exatamente trs dias antes efetuara-se na Ilha do Sal um encontro
entre o presidente portugus e o presidente Zairense, Mobutu. Nesse encontro de 15 de setembro teriam sido tratados temas como os de Cabinda,
possveis contactos com Holden Roberto para efeitos de cessar-fogo no norte de Angola, e o comportamento dos ex-gerdarmes catangueses refugiados
naquela provncia.
A entrevista entre Spnola e Mobutu, realizada na ilha do Sal em cabo
Verde em 14 de Setembro de 1974, foi interpretada na frica como um con-
353
vite para que a FNLA avanasse sobre Angola, onde entretanto uma sua coluna militar havia sido feita prisioneira na regio de Toto pelo exrcito portugus. E a declarao feita por Spnola, em 22 de setembro, de que assumiria pessoalmente a responsabilidade da descolonizao de Angola ter sido
acolhida pelo elemento branco a residente, pela FNLA e pela Unita.18
O ltimo ato poltico ligado descolonizao do general Spnola
como presidente da Repblica foi exatamente a realizao de uma reunio
com vrios elementos da Provncia de Angola, realizada no Ministrio de
Coordenao Interterritorial em 25 de setembro a que tambm assistiu o
ministro Almeida Santos.
Mais do que todo o resto foi a descolonizao que dividiu Spnola e
o MFA. Essa diviso iniciara-se com a supresso j referida na alnea c do
ponto 8 do Programa do MFA, na noite de 25 para 26 de abril, e ir aprofundar-se na reunio da Manuteno Militar em 13 de junho para culminar na demisso do primeiro presidente da Junta de Salvao Nacional em
30 de setembro. Spnola no se entendia com ningum quer sobre a Guin, quer sobre Moambique, quer sobre Angola. Nem interna nem externamente, a sua poltica encontrava apoios que a viabilizassem.
Os acontecimentos do 28 de setembro de 1974, se desencadeados
por razes atinentes evoluo poltica interna portuguesa, acabaram por
ter incidncia sobretudo na questo da descolonizao de Angola.
O impacto destes acontecimentos em Angola no foi porm abrupto. A FNLA continuou a sua penetrao no interior do norte de Angola depois do 28 de setembro e, aps conversaes com dirigentes do MFA em
Kinshasa, aceitou um cessar-fogo com o exrcito portugus que entrou em
vigor em 15 de outubro.
No era porm o primeiro movimento guerrilheiro a faz-lo. J em
14 de junho de 1974 a Unita, pelo prprio Jonas Savimbi, havia aceito formalmente a suspenso das hostilidades num encontro com representantes
das Foras Armadas portuguesas (tenente-coronel Passos Ramos, Major Pezarat Correia, capito Moreira Dias) na Zona Militar Leste, numa regio do
rio Lungue-Bungo controlada por foras da Unita.19
A partir da a Unita pde desenvolver atividade poltica naquela parte do territrio angolano.
Por sua vez, o MPLA, por meio de Agostinho Neto, assinou um cessar-fogo, em 21 de outubro, com uma delegao portuguesa presidida pelo
comodoro Leonel Cardoso, e composta pelo major Emlio da Silva, brigadeiro Ferreira de Macedo e major Pezarat Correia. Foi na Chana do Lunhamege, no Leste, perto da fronteira com a Zmbia.
A partir da o MPLA vai encetar uma estratgia de implantao poltica do poder popular, organizado em nvel de bairro e de empresa e da
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As mesmas fontes indicam que a partir de abril de 1975 o MPLA comeou a receber armamento pesado da Rssia e de outros pases da Europa de Leste que eram transportados em barcos iugoslavos at Brazaville e
depois encaminhados para Angola. Desde o momento em que o MPLA passou a dominar a cidade e o porto de Luanda, esse armamento passou tambm a entrar por a.
John Stockwell que foi um dos responsveis pela ao da CIA em
Angola, nessa altura, revelou mais tarde uma cronologia dos diferentes
apoios externos aos movimentos angolanos:24
em maio de 1974, a China envia um carregamento de 450 toneladas de armas para a FNLA e 112 conselheiros militares;
em julho de 1974, a CIA inicia o financiamento do FNLA de Holden Roberto;
em fins de 1874, os soviticos comearam a enviar armas para o
MPLA, e vo intensificar essas remessas de armamento a partir de maro
de 1975;
em julho de 1975, os EUA enviam armas para Angola e uma ajuda de 14 milhes de dlares aprovada para apoiar a FNLA e a Unita;
Em 9 de julho de 1975, o MPLA lanou a segunda batalha de Luanda.25 Por meio de uma ao combinada das suas foras regulares, as FAPLA
(Foras Armadas populares de Libertao de Angola), e da milcia da capital angolana. O conflito angolano entra, ento, numa fase de internacionalizao cada vez mais acentuada: a FNLA e a Unita recebem ajudas dos
EUA, Zaire e frica do Sul; do MPLA dos soviticos, pases da Europa de
Leste, Cuba e Congo-Brazza.
Em 22 de agosto de 1975 tendo em conta a evoluo da situao em
Angola para um autntico estado de guerra, o V Governo Provisrio, o ltimo presidido pelo general Vasco Gonalves, declara suspensa a vigncia
do acordo de Alvor no respeitante aos orgos de Governo de Angola (decreto-lei n. 458- a/75).
Portugal no conseguira impedir a internacionalizao do conflito
angolano. No ms de outubro essa internacionalizao do conflito em Angola deixa de ser caracterizada apenas pela ajuda efetiva de tropas estrangeiras em territrio angolano: uma coluna, constituda majoritamente por
tropas regulares sul-africanas, entrou em Angola proveniente do ento sudoeste africano em meados desse ms. Altamente mvel, dispondo de
uma logstica slida, e equipada num nvel tcnico superior ao que os trs
movimentos haviam alcanado naquela altura, esta coluna varreu literalmente o MPLA do seu caminho. No incio de novembro, chegou cidade
de Lobito, permitindo assim que a Unita e os seus aliados reocupassem todo
o territrio a oeste e a sul do Huambo que haviam anteriormente perdido.
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O reconhecimento da Repblica Popular de Angola a nica forma de garantir os direitos e expectativas dos refugiados e de assegurar as negociaes
relativas ao contencioso existente entre os dois Estados, derivado da situao colonial, decorram de maneira mais favorvel aos interesses nacionais.28
CONSEQNCIAS INTERNACIONAIS
Lisboa, desde a dcada de 1960, mais do que capital de um imprio
colonial, estava subjugada por este, gastando na defesa diplomtica e militar da manuteno da soberania poltica o melhor do seu tempo, fazenda e
energia.
Mas, se prestarmos ateno quer ao programa do MFA quer s teses
federalistas do general Spnola, mesmo depois do 25 de Abril, muitas e diversas foras nacionais apostaram na continuao de uma poltica integrada entre Lisboa, Bissau, Praia, Maputo e Luanda. O que diferia, e era o essencial, era o peso relativo atribudo s capitais referidas: Spnola tentando
libertar Lisboa do beco em que a haviam introduzido Salazar e Caetano e
querendo dar-lhe papel determinante na conduo da nova comunidade
federativa; Melo Antunes desejando a emergncia de um eixo tropical no-
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A SPECTOS POLTICOS
O Estado portugus teve que definir uma poltica imediata em relao frica depois das transferncias de soberania, tantos eram os problemas a resolver: retorno de nacionais, segurana dos portugueses que pretendiam continuar nos territrios agora independentes, interesses econmicos e financeiros a defender para no onerar ainda mais o povo portugus com as seqelas da organizao e da guerra, diversificao dos mercados tradicionais de abastecimento em caf, acar, algodo, petrleo etc.
Tratava-se, pois, de definir qual o lugar que as relaes com frica ocupariam na estrutura das relaes internacionais de Portugal sem colnias.
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CONCLUSO
Embora o desencadeador do movimento do 25 de Abril se deva, em
primeiro lugar, necessidade de resolver a questo colonial, esta efetivamen-
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fornecedor j que como cliente a sua posio desceu depois da descolonizao. Algum j chamou ciclo comercial a este perodo posterior s independncias.
Os interesses econmicos de Portugal nas colnias no se resumiam,
no entanto, aos seus aspectos comerciais. A vertente investimento tinha
um significado tal que, por altura da visita a Lisboa do secretrio-geral da
ONU, Kurt Waldhein, no vero de 1974, foram os investimentos privados
portugueses, efetuados em Angola e em Moambique, estimados em 190
milhes de contos e em 150 milhes de contos respectivamente, em documentos preparados para conversaes entre as autoridades portuguesas e o
secretrio-geral da ONU.
Pode-se mesmo interpretar as nacionalizaes, nomeadamente as
dos Bancos, efetuadas em Portugal a partir de maro de 1975, como uma
medida capaz de facilitar um certo tipo de descolonizao, e colocar do lado
portugus, como interlocutor dos novos Estados, no uma multido de interesses privados, mas o prprio Estado portugus. As relaes econmicas
entre Portugal e esse conjunto de pases tornaram-se assim, no perodo posterior descolonizao, eminentemente polticas, tanto mais que s nacionalizaes efetuadas pelos governos em Lisboa se seguiram as nacionalizaes operadas pelos governos na frica. Por causa dessas nacionalizaes,
efetuadas tanto em Portugal como nos novos pases africanos, as questes
econmicas situaram-se freqentemente no nvel das relaes polticas entre os Estados.
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N OTA S
1. LOURENO, E., 1978, p.47.
2. GOMES, C. 1979, p.17.
3. No caso de Angola s mais tarde a OUA reconhecer tambm a UNITA como movimento
de independncia.
4. SPNOLA, A., 1978, p.270.
5. Ibidem, p.271.
6. SOARES, M., 1976. p.36.
7. Moo aprovada pelo MFA da Guin. Reunio de 1. de julho de 1974 (Documento datilografado de quatro pginas, consultado no Centro de Documentao sobre o 25 de Abril. Universidade de Coimbra).
8. DG, n. 293, 3 supl., 1. srie de 17.12.1974.
9. JARDIM, J., 1976, p.278.
10. SPNOLA, A., op. cit., p.437-438.
11. DG, n. 210, 2. supl., 1. srie de 9 de setembro de 1974.
12. Mozambique a Country Study, Federal Research Division. 3. ed. Washington: Library of
Congress, 1985. p.58
13. NETO, A. M., 1991.
14. FERREIRA, M. E., 1990, p.131.
15. Ibidem, p.139
16. Estado Maior do Exrcito, Resenha Histrico-Militar das Campanhas de frica (19611974). Lisboa, v. 1, 1988, p.260-261.
17. HEIMER, F. W., 1980, p.93.
18. Ibidem, 1980, p.63.
19. CORREIA, P. P., 1991, p.98.
20. Ibidem, p.105-106.
21. HEIMER, F. W., op. cit., p.76.
22. KISSINGER, W. I. A biography. London, Boston: Faber and Faber, 1992.
23. BELL, C. The diplomacy of detente. The Kissinger Era. London: M. Robertson, 1877. p.173.
24. Ver STOCKELL, J. A CIA contra Angola. Lisboa: Ulmeiro, 1979.
25. HEIMER, F. W., op. cit., p.81.
26. Ibidem, p.84.
27. ISAACSON, op. cit., p.673-685.
28. Memorando de 3 pginas, datilografado, arquivado no Centro de Documentao de 25 de
Abril, Universidade de Coimbra.
29. Cf. Ministrio da Defesa Nacional, Livro branco da defesa nacional, MDN, 1986, p.150-1.
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A UTORES
Jos Mattoso
*Professor da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa desde 1977. Diretor do Instituto
dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo entre 1996 e 1998.
Maria He le n a d a Cru z Co e lh o
*Professora Catedrtica da Facu ldade de Letras da
Un iversidade de Coimbra.
A n t n io Bo rge s Co e lh o
*Professor aposen tado da Facu ldade de Letras de Lisboa.
A n t n io A u gu sto Marqu e s d e A lm e id a
*Professor Catedrtico da Un iversidade de Lisboa.
A n t n io Man u e l He sp an h a
Pesqu isador do In stitu to de Cin cias Sociais da Un iversidade de Lisboa. Professor da Facu ldade de Direito das
Un iversidades Nova de Lisboa e de Macau .
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Jos Te ngarrinha
Professor da Universidade de Lisboa.
Jaim e Re is
Professor Catedrtico do In stitu to Un iversitrio Eu ropeu
de Floren a.
A m ad e u Carvalh o Ho m e m
Professor Associado da Un iversidade de Coim bra.
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Jo o Me d in a
Professor Catedrtico da Facu ldade de Letras da Un iversidade de Lisboa.
Lu s Re is To rgal
Professor Catedrtico da Facu ldade de Letras da Un iversidade de Coim bra, m em bro do In stitu to de Histria e
Teoria das Idias.
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So bre o Livro
Formato: 16x23 cm
Mancha: 27x43 paicas
Tipologia: Meriden Rom an 10 (texto),
Meriden Rom an 12 (ttu los)
Equ ip e d e re alizao
Coordenadora Executiva
Lu zia Bian ch i
Reviso Tcnica
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Joo Edu ardo Pedroso de Oliveira
Carlos Valero
Catalogao
Valria Maria Cam pan eri
Projeto Grfico e Criao da Capa
Cssia Letcia Carrara Dom ician o
Diagramao e Capa
Ren ato Valderram as
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