Este documento discute os músicos que participaram da Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo. Eles são divididos em dois grupos: os músicos de câmera, que eram convidados por Villa-Lobos para executar suas obras, e os virtuoses solistas, como Guiomar Novaes e Ernâni Braga. Enquanto os primeiros se dedicavam aos ensaios sem se envolver nos debates, os segundos atraíam público individualmente e influenciavam as discussões.
Este documento discute os músicos que participaram da Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo. Eles são divididos em dois grupos: os músicos de câmera, que eram convidados por Villa-Lobos para executar suas obras, e os virtuoses solistas, como Guiomar Novaes e Ernâni Braga. Enquanto os primeiros se dedicavam aos ensaios sem se envolver nos debates, os segundos atraíam público individualmente e influenciavam as discussões.
Este documento discute os músicos que participaram da Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo. Eles são divididos em dois grupos: os músicos de câmera, que eram convidados por Villa-Lobos para executar suas obras, e os virtuoses solistas, como Guiomar Novaes e Ernâni Braga. Enquanto os primeiros se dedicavam aos ensaios sem se envolver nos debates, os segundos atraíam público individualmente e influenciavam as discussões.
Este documento discute os músicos que participaram da Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo. Eles são divididos em dois grupos: os músicos de câmera, que eram convidados por Villa-Lobos para executar suas obras, e os virtuoses solistas, como Guiomar Novaes e Ernâni Braga. Enquanto os primeiros se dedicavam aos ensaios sem se envolver nos debates, os segundos atraíam público individualmente e influenciavam as discussões.
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O Coro dos Contrrios
a msica em torno da semana de 22
Jos Miguel Wisnik
Cn] Livraria EjHlI Duas Cidades
destacados ou evidentes. Mas esse restante interessa em outros
nveis e a ele volto no captulo que comenta em particular as obras de Villa-Lobos.
3.
Villa-Lobos, cameristas e virtuoses
Vistos os programas, reunimos aqui os nomes do conjunto
de msicos que participou da execuo das peas de Villa-Lo bos: piano Fructuoso de Lima Vianna, Luclia Guimares Villa-Lobos e Emni Braga (que, alm de vrios solos de piano, tocou celesta no Quarteto simblico); violino George Marinuzzi e Paulina dAmbrsio; viola Orlando Frederico; vio loncelo Alfredo Gomes; contrabaixo Alfredo Corazza; flauta Pedro Vieira; clarineta e saxofone Anto Soares; canto Frederico Nascimento Filho e Maria Emma. Os intrpretes presentes na Semana de Arte Moderna po dem ser divididos em dois grupos: os msicos de cmera e os virtuoses solistas, se separarmos do conjunto enumerado acima os nomes de Emni Braga e Guiomar Novaes. No contexto da Semana, essa distino no tem apenas um carter musical (re metendo a dois gneros de interpretao e de repertrio dife rentes), mas aponta para a prpria maneira pela qual o msico se relaciona com o pblico e se integra no movimento. De ma neira geral, pode-se dizer que os cameristas no chamam a ateno sobre si individualmente, e prestam sua colaborao ao movimento sem operar qualquer interveno no plano polmico. Os virtuoses, por sua vez, constituindo-se em plos de atrao parte, agem tambm de alguma forma sobre o andamento das discusses, manifestando preferncias e repdios. Os cameristas participam da Semana a convite de VillaLobos, que os escolheu e ensaiou. Desse modo, eram quase todos msicos j acostumados a executar peas dele no Rio de Janeiro, e sua participao est inseparavelmente ligada figura do compositor, do qual constituram funcionalmente uma esp cie de prolongamento. Segundo depoimento de Fructuoso Vianna (que mais tarde viria a se impor como compositor), sua participao no movi mento dependeu unicamente de sua ligao pessoal com o autor das Danas africanas, e no de eventuais preocupaes moder nistas prvias: Eu havia me interessado pela figura de Villa74
Lobos, que j tinha dado vrios concertos no Rio, em homena
gem a Epitcio Pessoa, inclusive. Villa-Lobos tinha participado da composio de uma pea em trs partes: A Guerra, A Vitria* e A Paz, das quais comps a primeira, J. Otaviano a segunda e Francisco Braga a terceira. Participei da Semana apenas como intrprete, em funo da amizade de Villa-Lobos, nada mais que isso(17). Dedicando-se devotadamente nos ensaios, os intrpretes cumpriram a sua parte sem se envolver nos debates da Semana, ainda que fossem envolvidos irresistivelmente na confuso dos festivais, conforme ilustra esse depoimento da violinista Paulina dAmbrsio: Fazamos ensaios dirios, executando sonatas, trios, quartetos e outros conjuntos num abrir e fechar de olhos. Alm de msicos executantes, havia poetas, pintores, escultores e outros artistas, muitos dos quais prematuramente desaparecidos e que, reunidos na casa de Villa-Lobos, penetravam pela noite em saraus inesque cveis. Em So Paulo o grupo era sempre o mesmo e inseparvel. Os ditos engraados e pitorescos que adiante relatarei e que ti veram lugar no teatro Municipal de So Paulo, motivaram mo mentos jocosos em nossas reunies. Cumpre assinalar que as realizaes no referido teatro foram tumultuosas: metade da platia delirava aplaudindo e a restante vaiava. (. . . ) Quanto a mim, antes de comear a tocar uma sonata (alis muito aplaudida) no levantar a ala do meu vestido que estava fora de lugar, gritaram: Quem tem alfinete a? o que me fez chorar de nervosismo, sendo acalmada pelas boas palavras e olhares de advertncia do querido Villa. Achava-se ele na ocasio atacado de cido rico nos ps e tendo um deles enfaixado, apoiado em um guarda-chuva, entrou em cena. Nessa mesma ocasio o insu pervel artista Nascimento Filho (vulgo Pequenino") comeou a cantar e ento um gaiato nas galerias gritou: Ridi Pagliaccio, e o Nascimento replicou: Desce para eu lhe ensinar como se canta", e o Villa, com a ponta do guarda-chuva espetou-o para que se calasse. No dia seguinte, Nascimento apareceu com um dos olhos arroxeados, produto de ingular lio de canto
A mesma Paulina dAmbr
, que fizera grande sucesso aos concertos da Exposio de 1908 como solista no Rio, pos sui tambm a importncia de ter reunido sua volta, como j vimos, o grupo de msicos que deu origem Sociedade Glauco Velasquez, dedicada obra desse compositor, da qual partici pava Gallet. 75
A cantora Maria Emma, por sua vezr havia dado um recital
em So Paulo pouco antes da Semana, nxdia 8 de fevereiro, manifestando algumas preferncias ligadas msica francesa da passagem do sculo, na interpretao de Nanny de Chausson, La flte de Pan de Debussy, seguidas d Le march e Voil la vie de Villa-Lobos. Alm dessas, interpretou peas de Widor, Rachmaninof e Nepomuceno, tendendo pelo menos a interpretar autores vivos. No dia 9/2, a seo Registro de Arte do Correio Paulistano afirma o sucesso da apresentao, e destaca as peas de Debussy e Villa-Lobos como nmeros bisados. Separados desses pela imagem de artistas fora de srie, Guiomar Novaes e Ernni Braga (mais ela do que ele) apare cem juntos ao pblico como talentos altamente individualizados, fazendo-se ouvir com certo acatamento e respeito. O Estado anota, por exemplo, que Guiomar Novaes teria obtido do pblico um comportamento especial, quando da sua apresentao, que foi ouvida em silncio profundo. Por sua vez, Ernni Braga conseguiu tocar a discutida pea de Satie sem que recasse sobre ela nenhuma contestao mais forte: ao contrrio, o jornal Fo lha da Noite afirma que o pblico permaneceu esttico ante a execuo da pea, e ressalta a seguir o valor da interpretao<19>. Observa-se de maneira generalizada, nos comentrios de jornal, o respeito e o interesse pelo virtuose, da parte de um p blico formado no gosto pelo piano, assunto a que faz meno o artigo de Mrio de Andrade no primeiro nmero da revista Klaxon. Nesse texto, que se chama Pianolatria, Mrio ob serva que So Paulo havia constitudo uma brilhante tradio pianstica (a melhor da Amrica do Sul), que, no entanto, viciava o gosto do pblico, restringindo o repertrio e promo vendo a prtica da interpretao sentimentalista. Chama a aten o exatamente para a grande disparidade existente entre o estudo do piano e dos demais instrumentos, o que motiva a pobreza da cultura camerstica e sinfnica. Em So Paulo ha veria um bom nmero de pianistas brilhantes, mas raramente um violinista ou um flautista com seis anos de estudo. O culto do piano representaria portanto um mal, agravando o atraso musical: Estamos ainda em pleno romantismo sonoro; e Chopin o soluante ideal de todas as nossas pianeiras, dizia um segundo artigo de Klaxon, seguindo a mesma linha de pensa mento. So Paulo no conseguiu ainda sustentar uma sociedade de msica de cmera. E s agora a sinfonia parece atrair um pouco os pianlatras paulistanos (o texto referia-se recente criao da Sociedade de Concertos Sinfnicos). No Rio, por 76
outro lado, j havia uma tradio de msica de cmera, com
bons professores de violino, cello e canto. E, curiosamente, ob serva: Com inveja verificamos h pouco o admirvel conjunto de Paulina dAmbrsio!<20). A diviso dos participantes da Semana em cameristas e virtuoses tem, pois, interesse para os problemas do modernismo no Brasil; j que remete crtica das condies de produo musical, que vai ser posteriormente desenvolvida em Klaxon, e que uma das obsesses da obra de Mrio de Andrade. O pro blema agudo no ponto em que a produo musical depende fundamentalmente das condies de reproduo de que o msico disponha, principalmente se pensarmos que o intrprete est muito prximo da criao, e de suas decises no momento da execuo depende em grande parte o sentido da obra. A tcnica composicional e a tcnica interpretativa constituem igualmente conquistas culturais que esto na base de avano da msica. Dessa maneira, os intrpretes disponveis constituam,' no mo mento da ecloso do movimento modernista, um problema im portante como o das prprias obras compostas. nesse sentido que se configuraria uma certa incompatibilidade, formulada nos artigos de Klaxon, entre o preconceito pianstico e a difuso da msica moderna no Brasil. A questo do intrprete ressoa, pois, no interior dos fes tivais da Semana de Arte Moderna, onde se tem, de um lado, virtuoses consagrados, e de outro a amostragem de um tipo de atividade musical camerstica relativamente estranha ao meio paulistano. Ao ressaltar a qualidade do grupo de Paulina dAmbrsio, e ao criticar a pianolatria, os modernistas estariam revendo em Klaxon a prpria diviso de atitudes manifesta na Semana, optando por acentuar o interesse pedaggico e renova dor da msica de cmera. Vemos, pois, que a Semana expe as condies de produ o da msica no Brasil configuradas em um certo grau de tenso, explicitada por exemplo no momento em que Guiomar Novaes reage orientao irreverente do movimento. Eis o texto de sua declarao pblica: Em virtude do cartej^bastante exclusivista e intolerante que assumiu a primeira festa de arte moderna, realizada na noite de 13 do corrente, no Teatro Municipal, em relao s demais esco las de msica, das quais sou intrprete e admiradora, no posso deixar de declarar aqui o meu desacordo com esse modo de pen sar. Senti-me sinceramente contristada com a pblica exibio de peas satricas msica de Chopin, 77
Admiro e respeito todas as grandes manifestaes de arte^ inde
pendente das escolas a que elas se filiem, e foi de acordo com esse meu modo de pensar que, acedendo ao convite que me foi feito, tomei parte num dos festivais de Arte Moderna (21). \
Significativo tambm a esse respeito um trecho de Me~
notti dei Picchia (sob o pseudnimo de Hlios), na sua seao do Correio Paulistano, no dia 15/2: Hoje entra em combate um novo contingente de foras: brilhante e tem antecipada mente garantida sua vitria, pois leva como segura mascote o apoio dessa glria universal que Guiomar Novaes ( . . . ) Ser preciso galgar mais alto, para proclamar, do cimo desse pncaro de ouro, o sucesso da noitada? Guiomar o dolo canoro da gente paulista. Seu nome tem a magia singular de atulhar pla tias. o gnio de dedos magnficos. verdade que a gloriosa artista est visceralmente em desacordo com as irreverncias dos futuristas para com os mestres, que ela adora. Isso no a impede de achar altamente intelectual o galhardo movimento dos vanguardistas, que esto afirmando, no Municipal de So PaiflT a existncia de uma arte profundamente autnoma, moderna e nacional (22\ Mais adiante, outra afirmao evidencia igualmente que existe uma distncia entre as motivaes tericas do movimento e o interesse pelo talento individual da pianista, distinguindo, mas conciliando neste ponto virtuosismo e modernismo: Quem detesta a casta modernista deliciar-se- com a graa levpede e finamente esttica de Yvonne(23>. Todos passadistas e futu ristas aplaudiro Guiomar Novaes. Que mais querem? Noi tada mais forte, como conjunto de elementos artsticos, poderia desejar a culta e exigentssima platia paulista? <24>. A coluna de Hlios oferece aqui um exemplo da oscilao muitas vezes verificvel entre as duas facetas da Semana; o debate de idias e o espetculo mundano. Oscilao que s vezes faz ver um pblico despreparado e superficial no gosto (como nos textos de Mrio, posteriores Semana) mas freqentemente recobre essa imagem com a figura da culta e exigentssima platia paulista. Emni Braga, em depoimento sobre a Semana, manifesta tambm uma certa distncia (aqui menos acentuada) dos pro psitos modernistas, ao discordar de Villa-Lobos sobre a pedalizao de uma pea, o que motivou um pequeno incidente na sua apresentao: "Lembro-me que tinha de tocar a "Fiandeira* tre muitas outras cousas. Dias antes executara a mais recente do meu querido amigo, em Luiz Chiaffarelli, para um grupo de discpulas 78
de Villa-Lobos, en essa pea, que era casa do professor suas e convidados.
Villa-Lobos estava presente. Quando eu acabei, ele se levantou,
de olhos arregalados, e declarou energicamente no meio da sala que aquilo que eu tocava no era dele. Foi um sucesso. Expliquei, ento, aos ouvintes que o autor exigia na pea, e principalmente no final, um pedal contnuo que me parecia insuportavelmente cacofnico. Chiaffarelli pediu bis** para a Fiandeira", com o pedal do autor. Fiz a vontade do velho mestre. E todos pareceram muito contentes com a cacofonia, in clusive Villa-Lobos que me abraou entusiasmado. S quem no gostou foi Chiaffarelli. Tomou-me a um canto, c me aconselhou: use o pedal como da primeira vez; o Villa - no pianista; voc quem est com a razo. Pois beni, quando no meio da perturbao em que eu estava pelos incidj.tes daquela noite fat dica, chegou o momento da Fiandeira, iquei sem saber o que devia fazer. Com pedal ou sem pedal? Villa-Lobos ou Chiaffarelli? Seguindo o conselho do mestre acatado podia provocar um pro testo do autor, e desta vez diante de um pblico j meio zangado. Ataquei a pea litigiosa em plena turbao de sentidos. E reduzi-a quarta parte, porque me perdi no meio, e me achei sem saber como, na ltima pgina. O auditrio gostou daquela pea to viva, to extravagante e ... to curtinha. Por isso aplaudiu muito, no dando tempo a Villa-Lobos de protestar. Chiaffarelli depois me felicitou por eu ter encontrado a frmula exata de resolver o problema. Alm de mestre admirvel de arte pianstica, era Chiaf farelli sutilssimo na arte da ironia* <25>.
Concluindo: os intrpretes participantes da Semana deram
sua contribuio musical ao movimento (assinalada em seu bri lhantismo pela crnica jornalstica de maneira geral), sem par ticipar, no entanto, da defesa polmica do programa modernista. Se os nomes mais conhecidos (que emprestam sua fama ao sucesso da promoo) mostram-se avessos a certas tendncias do acontecimento, o conjunto de msicos est distante, por sua vez, dos problemas tericos em discusso. No entanto, se no cabe necessariamente a eles teorizar sobre a arte, os intrpretes tomar-se-iam acentuadamente um tema de reflexo, logo depois da Semana, na medida em que se constata que deles depende substancialmente o avano da msica. Nesse sentido, procura-se mostrar em Klaxon e Ariel, evistas publicadas j em 22 e em 23, a importncia da msica de cmera para a melhoria do gosto musical e da difuso da nova m$ica, assim como se faz um verdadeiro levantamento crtico do terreno pianstico, no sentido de destacar entre os pianistas do momento aqueles que, alm de suas qualidades individuais, evidenciassem uma especial afinidade com a msica recente, servindo assim diversificao e ao aprimoramento das escolhas estticas. 79