Surama Fichamento Carlos Lemos Alvenaria Burguesa

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UFPB - Projeto de Pesquisa Quadro da arquitetura em Joo Pessoa

Fichamento
Temtica
Referncia

Alvenaria Burguesa

Carlos A. C. Lemos

Breve histria da arquitetura residencial de tijolos em So Paulo a partir


do ciclo econmico liderado pelo caf.
LEMOS, Carlos A. C. Alvenaria Burguesa. So Paulo: Nobel, 1985.

Os novos partidos e os estilos do povo


A So Paulo de taipa: cidade velha
P. 91 [...] Na cidade apertada, o partido arquitetnico era um s, condicionado pela
taipa velha, como vimos. Quando vieram as novas construes da cidade que se
enriquecia, os preos altos dos terrenos foraram ndices de aproveitamento que
exigiam as maiores taxas possveis de ocupao dos lotes, acarretando, portanto,
construes em andares. E surgiram os edifcios comerciais de trs e quatro
pavimentos, j dentro do ecletismo, que logo transformou os visuais que deram
cidade o aspecto europeu que todos os viajantes esto sempre a mencionar em suas
memrias. Construes completas, justapostas umas s outras e cobertas por
telhados piramidais de telhas de Marselha. Telhados arrematados por platibandas
decoradas, platibandas impostas at s casas velhas, que tiveram seus beirais
cortados e suas taipas rasgadas para esconderem os condutores. Velhas casas que
tambm agora foram definitivamente obrigadas a se despojarem das suas antigas
rtulas, balces entreliados e gelosias mouriscas, j to perseguidos desde os
tempos da chegada do Rei, no Rio. Queria a todo o custo a Cmara modernizar a
cidade, dar-lhe um aspecto civilizado que a prosperidade afinal estava a exigir. Esses
impulsos reformuladores claro que no foram bem aceitos por todos e foi inevitvel a
reao de muitos, principalmente os tradicionalistas que viam naquilo tudo uma
revoluo que ainda ia acabar destruindo um passado, que lhes era to caro, em troca
de uma modernidade ainda no muito bem definida ou compreendida nesta terra que
at ento sempre vivera afastada do resto do mundo. [...]
A So Paulo de tijolo: cidade nova
P. 93 [...] Logo depois, j nos primeiros dias da dcada seguinte, os ricos
comearam a tratar fazer suas manses apalacetadas tambm desencostadas de
seus vizinhos [...] Naturalmente, essas construes luxuosas foram executadas fora da
cidade velha [...]. Foram companhia s velhas chcaras que cercavam a cidade e que
serviam de residncia classe mdia abastada. [...] Com o tempo, porm, a palavra
chcara parece que passou a denominar o lote de terreno um pouco maior que os
demais e afastado do centro. [...]
P. 94 Acreditamos que esse partido de casa isolada tenha sido voluntrio, um

modismo lanado pela sociedade revelia das posturas municipais que, como vimos,
enquanto exigia recuos fronteiros nas casas operrias de periferia, praticamente
proibia esses afastamentos nas ruas dentro do permetro urbano. Os recuos
obrigatrios em certas ruas vieram mesmo foi j na dcada dos anos vinte, aps a
experincia e o exemplo erudito das cidades jardins da Companhia City, cujo jardim
Amrica, de 1912, serviu de paradigma, a partir de sua efetiva instalao, a todos os
loteadores desejosos de formar bairros elegantes. At ento, podemos considerar
esses recuos fronteiros e laterais, s vezes, como facultativos e por isso que vemos
em fotos, do incio do sculo, de ruas dos Campos Elsios, por exemplo, num mesmo
quarteiro, casas apalacetadas envolvidas por amplos jardins e casas destitudas de
recuos fronteiros, portanto somente em um dos seus flancos um modesto corredor
descoberto.
Do partido arquitetnico colonial aos novos partidos residenciais
P. 94 e 95 [...] A casa antiga, ainda de taipa, nos primrdios do caf, aquela com
salas na frente, alcovas no miolo escuro e varanda com sua cozinha anexa, pelo lado
de trs, estava ainda vinculada ao partido colonial: geminada de ambos os lados ou
raramente provida de passagem lateral para carros, coberta sempre por telhados de
duas guas, sendo a cumeeira necessariamente paralela ao alinhamento e isso devido
possibilidade de os panos de telhas das casas contguas terem continuidade fcil, o
que evitava intersees vulnerveis s guas pluviais, providncia tpica de sistemas
construtivos destitudos de recursos apropriados aos desvios da chuva [...] Da, a
proibio de cumeeiras perpendiculares s ruas, pelo menos em So Paulo, como
vemos no j citado Cdigo de 1886. Essa codificao possua vrios artigos tendentes
a normalizar as fachadas das construes com o fito de se obter uniformidade na
seqencia de frontispcios de um mesmo quarteiro. [...] tornava proibida a
construo dentro da cidade de sto de cumeeira para frente. [...]
P. 95 [...] At as profundidades dessas salincias to comuns nas modinaturas
neoclssicas o referido Cdigo de 1886 regulamentava. [...]
P. 96 [...] o primeiro esquema de circulao domestica foi substitudo por aquele cujo
partido caracterizado pelo corredor lateral descoberto, patrocinador de ar e luz aos
cmodos intermedirios. [...] O telhado que sempre comandou as decises relativas
segurana, satisfao da funo de abrigo, vinculando a planta s suas possveis
variaes formais. Somente a partir dos recentes recursos tcnicos, telhas planas de
Marselha, rufos e calhas de cobre, rinces protegidos adequadamente, condutores,
grgulas e buzinotes que os telhados passaram a ser movimentados, tornando-se
independentes de compromissos com as coberturas vizinhas. Antes, um pano de
telhado era justaposto a outro, evitando solues de continuidade, fatais pontos de
infiltraes; agora, telhados piramidais de quatro guas totalmente desvinculados dos
seus confinantes lindeiros. Essa a grande caracterstica desse partido, que podemos
denominar como o caracterstico da primeira arquitetura de tijolos, aquela dos
primeiros projetos de agrupamentos residenciais de aluguel, das primeiras casas
realmente bem iluminadas privilgio de todos [...].
P. 96, 98 Esse partido admitiu uma variante de certo interesse [...]. Referimo-nos s

residncias, em tudo semelhantes s caractersticas, que em vez de possurem um


estreito corredor lateral de iluminao, ostentavam em um dos seus flancos belo
jardim, que poderia, eventualmente, das passagem s viaturas de trao animal ou
automveis. Neste caso de moradias mais ricas, os critrios de circulao
permaneceram os mesmos, havendo a substituio do primitivo corredor externo,
agora transformado em jardim, por um corredor coberto, isto , por um alpendre
disposto longitudinalmente ao longo da casa, para o qual abriam as janelas (s vezes
portas) dos dormitrios. [...]
P. 98, 99 Todas essas casas invariavelmente possuam poro que a lei vigente exigia
para afastar o soalho da umidade do solo. Essa providncia possua tambm outros
mritos, pois evitava fossem os cmodos dianteiros devassados por quem passasse
pela calada [...]. Assim, essas casas, assoalhadas necessariamente [...] possuam no
embasamento de suas fachadas pequenas grades de ventilao, sempre uma em
baixo de cada janela. Se as derradeira casas de taipa j possuam pequenos pores
devido aos seus assoalhados, sempre muito baixos nos alinhamentos e nunca
utilizveis nas hipteses de terrenos planos, as novas construes de alvenaria logo
trataram de alterar os ps direitos desses afastamentos do solo, criando o que se
passou a chamar de pores habitveis. [...] Foram extremamente comuns pores de
2,00 a 2,20m de altura destinados a depsitos e a dormitrios de empregados.
P. 99 [...] esse segundo tipo de residncias do tempo do caf, de casas nos
alinhamentos, foi substitudo pelo partido da construo isolada em seus quatro lados.
Podemos dizer que essa soluo prpria do tempo em que a indstria e o comrcio
comearam a contar no panorama econmico [...]. J que eram edifcios isolados,
seus telhados poderiam participar com mais desenvoltura da composio
arquitetnica, em vez de ficarem escondidos e acomodados atrs de altas platibandas.
A tnica desses palacetes isolados eram as coberturas movimentadas, com seus
beirais bastante recortados e nessa hora recorreu-se mesmo ao ecletismo
desenfreado, com o abandono do obrigatrio neoclssico, para serem escolhidos os
mais variados estilos ou combinaes de modernismos que permitissem com mais
facilidade a sempre almejada personalizao do imvel rico. E surgiram telhados
arrematados por caprichosas grimpas de ferro forjado, telhados inclinados moda dos
Luses, com suas mansardas entre panos de ardsia, telhados de intersees
esdruxulas e de beiras ora horizontais, ora inclinadas, compondo no ar hipotticos
frontes em balano, protegendo culos, medalhes, janelas de sto, balces e
tantos outros elementos de composio arquitetnica.
P. 99 Essas, j so casas de edculas obrigatrias e de jardins bem cuidadosos.
Casas tambm de poro e quase sempre, de alpendres e varandas acessveis por
meia dzia de degraus. [...] Por falar em pores, nestas casas isoladas, muitas e
muitas vezes eles eram realmente habitveis e ali situavam-se, s vezes, a cozinha, e
normalmente os quartos de empregados, acomodaes para hspedes e at salas de
recreao, como de bilhares, por exemplo. Sempre possuam sua instalao sanitria.
P. 101 As plantas dessas casas isoladas normalmente tinham seus permetros
recortados, com salincias e reentrncias devido s movimentaes do telhado, o que
parece um contra-senso porque o certo seria a cobertura sujeitar-se aos ditames do

contorno da construo. [...]


Os estilos
P.102 Quanto inteno plstica, ou melhor, quanto eleio do estilo a ser seguido
nas construes paulistanas, j insinuamos ter havido mais critrios, um relativo s
construes oficiais e outro ligado s residncias particulares, estas, por sua vez,
divididas em dois grupos: as ricas e as de classe mdia para baixo. [...] As ricas
manses, tambm eruditamente, se sujeitavam aos ditames inflexveis dos estilos
eleitos pelo pensamento vigente, mas no eram necessariamente projetadas a partir
de uma teoria ou de um conjunto de regras tendo-se em vista uma expresso prpria
ou um personalismo identificados pois inmeras delas foram simplesmente
copiadas, numa verdadeira transposio, de modelos europeus integralmente
reproduzidos aqui em novas avenidas. As casas, digamos populares, no sentido amplo
da expresso, que vo desde aquelas da classe mdia at s proletrias, tinham os
seus estilos confusamente determinados sem policiamentos maiores, implicitando
sempre processos de recriao. [...]
O Neoclssico em So Paulo
P. 103, 104 O neoclssico foi o estilo da arquitetura do caf. Mas, como j foi dito,
esse neoclssico no foi bem aquele trazido pela Misso Francesa [...]. Corrente que
pouco apela nessas verses provincianas, aos atavios meramente decorativos,
concentrando-se principalmente volumetria marcada pelo diedro das duas guas do
telhado principal que arrematado pelo grande, s vezes muito grande, fronto
triangular coroado por esttuas de porcelana do Porto. [...]
Ramos de Azevedo e a arquitetura paulista
P. 108, 109 [...] Ramos de Azevedo cruzou o sculo como o arquiteto oficial do
governo e arquiteto e construtor de toda a classe alta. Seu escritrio concluiu milhares
de obras dominando o panorama das edificaes e remodelando a cidade. [...]
P. 114, 116 Desde o incio de seu escritrio paulista, Ramos de Azevedo esteve
envolvido com profissionais italianos, no s Rossi, mas desenhistas, mestres-deobras, pedreiros, serralheiros, estucadores, pintores e todo o squito de artesos
ligados ao acabamento e decorao de obras finas. E com esses italianos reformulou
a antiga Sociedade Propagadora de Instruo Popular transformando-a no atual Liceu
de Artes e Ofcios, instituio muito importante na evoluo da arquitetura popular da
classe mdia paulistana, porque, por mais de cinquenta anos, ditou as regras sobre o
que fosse bom ou ruim nos acabamentos arquitetnicos e no mobilirio em geral. [...]
Toda casa que se prezasse deveria possuir grades, gradis, cancelas, portes e portas,
guarda-corpos e grimpas de serralheira artstica executada no Liceu. Dobradias
trabalhadas e maanetas de bronze fundido. Lambris e forros artesoados, planos de
lavores entalhados inspirados na decorao renascentista. Estafados e mveis
incrveis, nas madeiras mais finas, em puro estilo provenal. Mosaicos, estuques,
escaiolas variadssimas, molduras, gregas e festes de gesso decorado. Sem dvida,
Ramos de Azevedo e o Liceu condicionaram o senso estilstico popular paulistano.

[...]
P. 118 Podemos afirmar que a vida do escritrio do nosso arquiteto dividiu-se em
duas fases: de 1896 at o inicio da Primeira Grande Guerra e desse tempo at a sua
morta em 1928. Na primeira fase, ao comando espiritual alm-tmulo de Vignola, que
certamente comovia o arquiteto brasileiro, mas que orientava necessariamente todos
os pensamentos de seu auxiliar Domiziano Rossi. Nesse perodo, os projetos de obras
oficiais so de modo deliberado no estilo neoclssico [...].
P. 119 Na segunda fase do escritrio, Ramos de Azevedo j conta prevalentemente
com a presena de Ricardo Severo e o afrouxamento das idias neoclssicas de
Rossi, que passou a se dedicar de corpo e alma ao Liceu at falecer, em 1920, com o
cargo de Inspetor de Curso de Arte. Foi quando espritos nacionalistas elevaram
oficialidade o neocolonial. [...]
P. 119 Mas, no que tangia produo arquitetnica relativa a moradias em geral, o
escritrio de Ramos de Azevedo, em qualquer um dos perodos acima equacionados,
no era excessivamente rigoroso quantos aos estilos dizem que o prprio arquiteto
titular sempre pendia para o neoclssico e para o ecletismo fundamentado ou no
repertorio italiano renascentista, ou no estilo francs divulgado durante o governo de
Napoleo III, mas no impunha suas idias aos clientes amigos. [...] Desse modo, foi
normal o puro e simples atendimento aos desejos estilsticos dos clientes particulares.
A maioria optava pelos estilos da moda e ao costume de caracterizar as construes
segundo seu tipo de uso as casas prprias, de moradia da famlia importante,
necessariamente deveriam ser isoladas e cercadas pelos quatro lados por caprichados
jardins e nesse isolamento haveria um mnimo de monumentalidade aliada a um toque
romntico e aconchegante, sem o que, a moradia iria dar impresso de edifcio oficial.
[...] A maioria dos ricos estava a fim era de construir seus palacetes bastante
personalizados e em estilos compatveis com a funo de morar e que nunca
pudessem lembrar reparties pblicas [...]
A moradia dos ricos e os bairros nobres
P. 120 [...] nos primrdios do caf, grandes residncias isoladas, s nas chcaras.
Quem pretendesse morar na cidade, mesmo na cidade nova, l pelos lados de Santa
Ifignia ou do Jardim da Luz, haveria de fazer como todo mundo: grandes, enormes
sobrades neoclssicos levantados nos alinhamentos e s vezes, sem nenhum jardim
lateral, somente com quintais arborizados.
P. 130 residncia Veridiana da Silva Prado (1884); residncia Maria Anglica Aguiar
de Barros (1891); e residncia do Conselheiro Antnio Prado (Chcara do Carvalho,
1891) > vieram [...] a constituir a trinca pioneira das construes nobres e eruditas
da cidade. Foram as trs o ponto de partida, o inicio da semostrao dos milionrios
que passaram a provar que sabiam morar bem como qualquer fidalgo doutras terras. A
cidade caipira fora-se com o tempo, O caf era a civilizao chegada.
P. 132 [...] Toda a classe mdia alta, no s a ligada ao caf, mas aqueles bem
situados graas indstria florescente e ao comrcio, principalmente gente de fora,

todos iniciaram, com o auxlio de centenas de mestres e capomastri, o grande


movimento renovador dos critrios de bem morar os valores agora eram avaliados,
antes de tudo, qualitativamente.
P. 132 Assim, at a Primeira Grande Guerra, todos os novos bairros, nascidos dos
planos urbansticos do final da centria anterior pela iniciativa principalmente, dos
especuladores alemes, como Campos Elsios, Higienpolis, Vila Buarque, Avenida
Paulista e circunvizinhanas, e, tambm, as ruas abertas alm Liberdade, ao longo do
caminho para Vila Mariana e Paraso, passaram a ostentar palacetes de alta categoria,
de diversos tamanhos e mltiplos estilos. Estilos variados, digamos, quanto
ornamentao aposta aos parmetros, mas quase todas as construes decorrentes
praticamente de um mesmo partido [...]. A maioria deles, dizia-se filiava-se ao estilo
francs, isto , possuam telhados gerando muito inclinados e, se possvel, de
ardsia. Esse estilo francs, na verdade, era a linguagem plsticaa assumida pelos
arquitetos que ajudaram Hausmann a redefinir Paris e seus arredores; estilo
propagado pelo mundo todo graas grande penetrao dos nove volumes de
preciosos desenhos editados pelo arquiteto Csar Daly, em 1870. [...] Ramos de
Azevedo projetou assim centenas dessas casas de gente importante, criando at uma
linguagem prpria baseada nas paredes de tijolos vista sempre arrematas nos
cunhais e nos aros das envasaduras por bossagens fingindo pedras angulares em
massa de cal e areia, pois no havia aqui disposio rochas brandas de fcil
manejo. Rarssimos os alpendres, a no ser em algumas casas trreas de poro alto,
ditas buclicas, e de estilo campestre, no propriamente chals lambrequinados,
que isso era coisa do passado paulistano, mas casas de movimentados telhados que
permitiam fundos alpendres guarnecidos de bons trabalhos de marcenaria, em que as
colunas e guarda-corpos formavam caprichosos desenhos que, s vezes,
prolongavam-se ao alto indo decorar at extremidades de cumeeiras em balano.

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