Supervisão em Acp

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UM MODELO DE SUPERVISO CLNICA NA FORMAO DO ESTUDANTE DE

PSICOLOGIA: A EXPERINCIA DA UFC


Mnica Teles Tavora*
RESUMO. Este trabalho apresenta um modelo de superviso que tem por objetivo promover o crescimento pessoal e tcnico
de terapeutas iniciantes. Embora os princpios gerais da Abordagem Centrada na Pessoa e da Socionomia (referencial
psicodramtico) sejam os pilares da metodologia de superviso desenvolvida no estgio clnico do Curso de Psicologia da
Universidade Federal do Cear, a proposta ampla o suficiente para ser aplicada em treinamentos de orientaes humanistas
em geral. A utilizao da Socionomia no trabalho em grupo pressupe uma aprendizagem compartilhada na qual cada
participante promotor de seu prprio crescimento e dos demais.
Palavras-chaves: superviso, trabalho em grupo, suporte afetivo e tcnico.

A MODEL OF CLINICAL SUPERVISION IN THE FORMATION OF


PSYCHOLOGY STUDENTS: THE UFC EXPERIENCE
ABSTRACT. This work presents a supervision model with the objective of promoting the personal and technical growth of
new therapists. Although the general principles of the Person-Centered Approach and Socionomy (psychodrama referential)
are pillars of the supervision methodology developed in a clinical training of the Psychology curriculum at the Federal
University of Cear, the proposal is flexible enough to be applied to humanist orientation training in general. The use of
Socionomy in group sessions presupposes shared learning where each participant is the promoter of his own as well as the
growth of others.
Key words: supervision, group sessions, affective and technical support.

Treinar futuros terapeutas exige, ao mesmo


tempo, tcnica, arte e sensibilidade. Exige respeito s
diferenas e crena no talento que pode brotar de cada
iniciante amedrontado, tmido em suas iniciativas e
pouco confiante em si. Significa tambm deixar que os
treinandos ensinem ao supervisor a arte de ser
paciente, de acreditar sem ver resultados imediatos e
de abster-se de induzi-los a um modelo de terapeuta j
pronto.
Supervisionar um processo de atendimento
psicoterpico tem como objetivo transmitir
ensinamentos bsicos mas, principalmente, fazer com
que cada estagirio olhe para dentro de si, para a
relao que estabelece com seu cliente e para o
vnculo que desenvolve com seu supervisor. Treinar
em grupo inserir o terapeuta iniciante em um mundo
de relaes reais e presentes onde ele pode avaliar-se,
*

espelhar-se e se encontrar com o outro. prepar-lo


para a relao profunda que se estabelece entre
terapeuta e cliente.
O modelo de interveno apresentado vem sendo
utilizado no estgio clnico anual do Curso de
Psicologia da Universidade Federal do Cear. Est
voltado, particularmente, para o treinamento de
profissionais iniciantes que desejam atuar como
terapeutas individuais, de grupo ou de casais. Embora
os princpios gerais da abordagem centrada na pessoa
e os recursos psicodramticos sejam os pilares de
suporte da metodologia de superviso desenvolvida, a
proposta ampla o suficiente para ser aplicada em
treinamentos de orientaes humanistas em geral.
As intervenes propostas foram sendo
organizadas ao longo da vivncia cumulativa de vrios
anos de superviso. A prtica clnica da autora em

Psicloga, mestre em Estudos de Famlia pela Purdue University, Indiana, EUA, professora adjunta e supervisora de estgio
clnico no Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Cear, psicodramatista pela FEPS do Brasil, psicoterapeuta
de casal e famlia.
Endereo para correspondncia: Rua Leonardo Mota, 2815 - 103, 60170-041, Fortaleza-CE. E-mail: [email protected]

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Tavora

atendimento centrado na pessoa foi posteriormente


complementada por um curso de formao em
psicodrama que veio atender necessidade de maior
utilizao de recursos tcnicos, principalmente no
trabalho com casais. A articulao destas duas
orientaes tericas foi fruto de um movimento
criativo e de identificao pessoal com o principio
comum s atitudes facilitadoras rogerianas e
abordagem socionmica de Moreno, ambas
possibilitando e estimulando a inovao e a
confirmao da diferena.

A ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA

Carl Rogers, psiclogo americano criador de


terapia centrada no cliente, desenvolveu uma
abordagem teraputica em torno da premissa de que
existe em cada cliente, como em qualquer ser humano,
um movimento natural para o crescimento e para a
expanso de si, a que ele chamou de tendncia
atualizante (ou tendncia realizao). Para que esta
tendncia possa efetivar-se, terapeuta e cliente
precisam estabelecer uma relao significativa que
favorea o encontro. Nestas condies interpessoais
favorveis, o terapeuta torna-se a pessoa facilitadora
deste processo de descoberta e criao em que se
lana o cliente:
Existe em todo organismo, em qualquer
nvel, em fluxo subjacente de movimento
para uma realizao construtora de suas
potencialidades intrnsecas. H no homem
uma
tendncia
natural
para
o
desenvolvimento completo. O termo mais
freqentemente usado para isso o de
tendncia de realizao, que est presente em
todos os organismos vivos. (Rogers, 1978, p.
17).

Trs atitudes essenciais devem estar presentes na


relao
teraputica:
considerao
positiva
incondicional, compreenso emptica e autenticidade.
Compreenso emptica: atitude que possibilita ao
terapeuta ser tocado pela pessoa do cliente e
apreender a sua vivncia particular a partir de uma
significao pessoal. Neste processo, o terapeuta,
sendo ele mesmo, com sua vivncia tambm
particular, toca o cliente e expressa a si mesmo
autenticamente.
Considerao positiva incondicional: receber
considerao positiva representa, segundo a
abordagem centrada na pessoa, uma necessidade
universal do ser humano. Ao ser considerado

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incondicionalmente por uma pessoa significativa,


em uma vivncia grupal ou bipessoal, o indivduo
arrisca-se a, gradualmente, reconhecer sentimentos
anteriormente temidos e negados. Isto possibilita a
elaborao de suas vivncias, resultando na
busca de comportamentos criativamente mais
adaptativos e em acordo com seu prprio
movimento interior. A possibilidade de oferecer
considerao positiva est diretamente ligada
condio pessoal do terapeuta de vivenciar
plenamente a relao teraputica. Desta forma,
ambos os parceiros se influenciam mutuamente,
dando s atitudes facilitadoras uma dimenso
dinmica de duplo sentido.
Autenticidade: ao ser autntico, o terapeuta se
apresenta ao cliente com um acordo interno, isto ,
em pleno contato com suas prprias experincias.
Quando se comunica com o cliente, est sendo ele
mesmo, sem mscaras e sem aspectos negados ou
escondidos de si mesmo.
Inicialmente formuladas por Rogers como atitudes
que provinham exclusivamente do terapeuta, as
condies facilitadoras so hoje compreendidas por
seus seguidores como uma vivncia intersubjetiva da
qual participam o terapeuta e o cliente. Originando-se
da experincia clnica com o nome de terapia nodiretiva, o mtodo de Rogers passou posteriormente a
se chamar abordagem centrada na pessoa, no s
pelo reconhecimento gradual da natureza bidirecional
das relaes de crescimento, como tambm pela
expanso da proposta rogeriana para vrios campos
das relaes humanas.

AS ATITUDES FACILITADORAS NO GRUPO

Assim como considera o indivduo digno de


confiana para se autogerir, movido por uma
tendncia natural para a realizao, Rogers tambm
reverencia a sabedoria do grupo, confiando no seu
potencial auto-regulador e transformador na presena
de condies favorveis. Tais condies referem-se ao
contato com uma pessoa facilitadora que possa
reconhecer e confirmar este movimento natural.
Em seu livro Grupos de Encontro, este autor
descreve exaustivamente seu trabalho em contextos
grupais. Ao escrever Um Jeito de Ser, trata
principalmente do trabalho com grandes grupos em
experincias de workshops por vrios pases.
Trabalhando com um s indivduo, com pequenos
grupos ou em grandes comunidades, Rogers reafirma
sua profunda crena no potencial auto-regulador do
organismo.

Um modelo de superviso clnica

As condies teraputicas facilitadoras traduzemse na vivncia grupal atravs de um movimento


direcionado para o crescimento e propagador da ao
teraputica entre os membros do grupo:
Mas, na presena de uma atitude facilitadora
criada pela equipe e por muitos participantes,
os indivduos gradualmente comeam a ouvir
uns aos outros e, lentamente, a compreender
e a respeitar. O ambiente torna-se propcio ao
trabalho, tanto nos grandes quanto nos
pequenos grupos, medida que as pessoas
comeam a pesquisar a si mesmas e a seus
relacionamentos. (Rogers, 1983, p. 60)

A contribuio terica e tcnica da abordagem


centrada na pessoa para a aprendizagem dos
estagirios em superviso pode ser observada nas
vivncias descritas e nas intervenes do exemplo
ilustrativo apresentado mais adiante neste trabalho.
Essa orientao terica oferece o princpio norteador
da conduta do supervisor, privilegiando a confirmao
da existncia das pessoas participantes do processo
grupal e crendo no potencial auto-atualizador dos
estagirios individualmente e do grupo como um todo.
Estes fatores, embora nem sempre to evidentes
primeira vista, formam o alicerce que d suporte
atuao do supervisor na referida experincia.
Somente ao se sentirem acolhidos e confirmados,
os terapeutas iniciantes podem se abrir para os
desafios da experincia clnica, utilizando seus
prprios erros e conquistas na construo de uma
identidade profissional integrada com seu crescimento
pessoal. Esta vivncia sedimenta os vnculos dentro do
grupo, estimula a reflexo dos participantes e permite
vislumbrar solues para as dificuldades encontradas
em seus atendimentos.

O PSICODRAMA

Jacob Levy Moreno, mdico romeno judeu,


criou a sociometria, o psicodrama e a psicoterapia
de grupo, posteriormente organizando sua obra no
que chamou de cincia socionmica. Seu
interesse central era estudar o homem-em-relao:
tinha preferncia por trabalhar em grupo, mantendo
um olhar atento tanto no processo grupal como na
dinmica individual de cada um de seus
participantes. Considerava ele que o eu, isto , a
noo de identidade pessoal, se forma a partir das
experincias sociais que se iniciam desde as
primeiras interaes do beb com sua me. A
criao do conceito de papel veio possibilitar a
exteriorizao da personalidade em um contexto

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interacional
e
desestimular,
no
meio
psicodramtico, estudos baseados em inferncias
sobre os atributos intrapsquicos de indivduos.
Denominou Moreno de papis psicodramticos
manifestao particular, individualizada, de um
determinado papel social. Este conceito, fortemente
influenciado pela experincia em teatro de seu
criador, no s expressa a posio que uma
determinada pessoa ocupa em relao aos outros
componentes de um grupo social, como tambm
permite avaliar os atributos pessoais dos indivduos
em interao.
Costa (1996) desenvolveu um trabalho meticuloso
de sistematizao da teoria moreniana, dando
organizao obra e possibilitando uma compreenso
da prtica psicodramtica mais abrangente e inserida
no contexto filosfico e terico da cincia
socionmica. Esta autora compreende a socionomia
como a cincia que estuda as leis que regem os
sistemas sociais com suas foras naturais autoorganizadoras e auto-integrativas, que podem ser
utilizadas para promover mudana e crescimento.
Desta forma, um trabalho de relaes norteado pela
proposta moreniana deve desenvolver-se no grupo sem
perder de vista sua insero no sistema social mais
amplo e sua capacidade transformadora da sociedade.
A utilizao da socionomia no trabalho em grupo
com objetivo de aprendizagem e superviso foi
desenvolvida por Costa (2000). O processo de
aprendizagem deve privilegiar, segundo esta autora, o
homem espontneo e criativo em seu contexto
interacional. O aprendiz colaborador de um processo
de criao conjunta que promove a adequao pessoal
e social. A superviso em grupo , pois, mais do que
um intercmbio de experincias que objetiva trabalhar
as vivncias de cada treinando com seus clientes; visa
tambm formao de vnculos dentro do prprio
grupo, entre os novos terapeutas, que, longe de serem
meras telas de projeo das relaes particulares de
cada participante, so produtores de vnculos vivos e
atuais, liberadores da espontaneidade e validadores do
crescimento mtuo.
Neste processo, cada participante promotor de
seu prprio crescimento e dos demais. A proposta de
transformao
socionmica
objetiva
uma
aprendizagem que se d atravs da liberao de
espontaneidade e do reconhecimento, por cada
indivduo, de seu potencial transformador de si e do
grupo. Neste sentido, cada novo terapeuta um agente
de transformao social como ser criativo e criador,
colaborador de um processo de crescimento coletivo
onde tem como parceiro e co-participante o seu
supervisor.

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A matriz de identidade

O conceito de matriz de identidade desenvolvido por


Moreno (1997) refere-se ao conjunto de condies
psicolgicas e sociais no qual a criana inserida ao
nascer. Ao longo de seu desenvolvimento emocional e
construo de sua identidade, ela passa por cinco fases:
Indiferenciao

o momento evolutivo em que a criana ainda


no se distingue das pessoas com quem interage: ela e
o mundo so uma nica coisa, uma massa informe sem
contornos definidos. Pessoas e objetos se confundem;
as fronteiras entre o interno e o externo esto diludas.
Reconhecimento do Eu

Nesta fase, a criana est com sua ateno


centrada em si: nos contornos do seu corpo, no
reconhecimento de si no espelho. Ao perceber que seu
corpo est separado da me, das pessoas, dos objetos,
concentra sua energia em explorar o reconhecimento
de suas fronteiras.
Este processo o resultado de um contnuo jogo
de papis entre o beb e seu ego-auxiliar, a me. A
partir das experincias psicossomticas da alimentao
e dos cuidados maternos, a criana vai identificando
suas necessidades e o movimento do outro para
satisfaz-las. , portanto, sempre no contexto
interpessoal que a aprendizagem emocional e a
definio da identidade se processam.
Reconhecimento do Tu

Caracteriza-se pela explorao do diferente, do que


no o eu. Atravs deste processo de reconhecimento do
que no prprio, a criana fortalece a sua identidade. O
tu, nesse momento, meramente instrumental, ou seja,
est convenientemente a servio do processo de
reconhecimento do eu. a fase da explorao do mundo,
do diferente, da descoberta de que o outro age e reage
diferentemente dela, criana..
Pr-inverso

a fase em que a criana comea a se experimentar


no papel do outro. Ainda uma vivncia automatizada,
carecendo de sensibilidade para a experincia alheia. a
fase da imitao, do faz-de-conta, uma espcie de ensaio
e preparao para uma futura inverso, quando a
reciprocidade estar ento presente.
Inverso de papis

Experincia indicadora do amadurecimento


emocional, em que o indivduo no s se percebe

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Tavora

separado do outro como tambm capaz de


compreender a significao de sua vivncia
diferenciada. A capacidade de se colocar no lugar do
outro e a possibilidade de que este se coloque em seu
lugar criam as condies necessrias para que se
realize um verdadeiro encontro, uma experincia
produtora de crescimento para ambos os participantes
e fortalecedora do vnculo.
Apesar de se iniciar com o nascimento e se
desenrolar em grande parte nos primeiros anos de vida
de um indivduo, este movimento evolutivo no
retilneo e pode sofrer avanos e retrocessos ao longo
das vrias vivncias que pontuam a sua existncia. Na
adolescncia, por exemplo, as mudanas fsicas,
emocionais e sociais provocam uma reativao de
vivncias caractersticas da fase do reconhecimento do
eu. O momento de definio profissional para o adulto
jovem pode configurar-se como outro ponto crtico na
construo e reviso de sua identidade.
O estgio curricular que deve ser cumprido pelo
estudante de psicologia prepara a sua entrada no
mundo profissional, experincia caracteristicamente
pontilhada de ansiedades e incertezas quanto sua
condio para um desempenho satisfatrio e bemsucedido. Um fator agravante desta vivncia a
natureza peculiar do instrumento de trabalho do
psiclogo que se define como a prpria relao
teraputica, qual deve estar subordinado o aparato
tcnico utilizado. Nestas condies, o estagirio de
psicologia clnica necessita no s do suporte de sua
prpria psicoterapia, como tambm do apoio de um
trabalho pessoal e relacional no contexto da
superviso.

A ESTRUTURA DO ESTGIO

O Curso de Psicologia da Universidade Federal


do Cear tem, tradicionalmente, formado profissionais
nas reas clnica, escolar e organizacional. Entretanto,
nos ltimos anos, vem crescendo o interesse de
estagirios e supervisores para atuar tambm nas reas
comunitria e hospitalar. A prtica nos ltimos
semestres do curso realiza-se atravs de um estgio
obrigatrio de quinhentas horas em uma das reas
mencionadas. O estgio opcional, com carga horria
de duzentas horas, deve acontecer como uma
experincia adicional em outra rea.
O modelo de superviso aqui descrito utilizado
com alunos que se matriculam no estgio anual de
psicologia clnica. O treinamento regular de um ano
compreende quarenta sesses de superviso em grupo,
com durao de trs horas, quando so realizadas
apresentaes e/ou dramatizaes dos casos em

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Um modelo de superviso clnica

atendimento, discusses tericas e vivncias. Outras


atividades como leituras, planejamento e avaliao de
sesses grupais, encaminhamento de clientes ou
atendimentos de emergncia devem complementar a
experincia de superviso.
O treinando dever cumprir duzentas horas de
atendimento individual ou grupal. Como parte desta
carga horria, ele poder, aps o primeiro semestre de
atendimento, fazer triagens de clientes que sero
encaminhados para outros estagirios. Este
encaminhamento feito por ocasio da superviso dos
estagirios que recebem o caso e , por este motivo,
creditado como duas horas de atividade clnica para o
estagirio triador.
Cada estudante deve atender, em mdia, a seis
clientes ou o correspondente em horas de atendimento
em grupo, para que tenha, ao final do perodo regular,
cumprido a carga horria necessria para a sua
aprovao no estgio. Caso isto no acontea, ele
poder assinar um termo de compromisso para
complementao das horas restantes aps a concluso
do perodo oficial.
A populao atendida na clnica-escola consiste
de pessoas da comunidade com baixo poder
aquisitivo, incluindo as classes baixa e mdia-baixa,
com um nmero significativo de estudantes
universitrios. O pagamento feito por meio de uma
taxa significativamente reduzida, variando de acordo
com a faixa salarial do candidato a atendimento.
A questo burocrtica, relativa ao cumprimento
de horas, pode levar o estagirio a utilizar o cliente
como instrumento de suas convenincias acadmicas.
Na medida em que lida com questes como o
momento da alta, abandono da terapia, faltas, frias
etc, ele entra em contato com sua condio para
respeitar as necessidades do cliente e, ao mesmo
tempo, levar em conta seus prprios limites. O
supervisor tem um papel fundamental no
acompanhamento do estagirio no momento em que,
por exemplo. este se depara com o encerramento de
um processo teraputico antes da concluso do
estgio ou quando necessita receber um novo cliente
para cumprir o tempo necessrio de atividade clnica
em um momento prximo concluso do curso.
Estas questes, que aparentemente representam
inconvenincia necessria na formao do estudante
de psicologia, podem converter-se em valiosa
preparao para futuras situaes profissionais. Se o
novo profissional no mais precisa cumprir carga
horria, deve, por outro lado, considerar o fator
remunerao. Isto , lidar com crditos' de natureza
diferente, mas que perpassam pelas mesmas questes

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prticas e se entrelaam na relao e vivncia com seu


cliente.

A PREPARAO PARA O ESTGIO

Ao longo do Curso de Psicologia, o estudante tem


contato com vrias abordagens tericas e estilos
pessoais dos professores-supervisores. O estudo da
teoria leva tambm o aluno a questionar-se sobre sua
condio para atuar como profissional de psicologia.
Alguns iniciam um processo pessoal de psicoterapia
como resultado destas reflexes, envolvem-se em
grupos de estudo ou procuram cursos complementares
paralelamente formao acadmica; outros deparamse com a urgncia de eleger um referencial terico e
investir em seu aprimoramento pessoal somente
quando o incio do estgio se aproxima.
O estagirio geralmente faz a escolha de seu
supervisor de acordo com alguns critrios: rea de
atuao preferida, abordagem terica de maior
identificao, simpatia e/ou afinidade com o
supervisor e disponibilidade deste. Com a rotatividade
de supervisores provocada pela sada de professores
para cursos de ps-graduao ou desligamento por
aposentadoria, a disponibilidade do supervisor tornase algumas vezes o critrio de escolha mais forte. Na
experincia de superviso apresentada aqui, no
entanto, raros so os casos em que o estagirio
inicialmente indefinido quanto sua identificao com
o supervisor no termine por se envolver no processo
interativo do grupo de superviso. Neste contexto, so
trabalhados no s a relao de cada novo terapeuta
com seu cliente mas tambm os vnculos estagirioestagirio e estagirio-supervisor, o que facilita a
elaborao das escolhas feitas pelo estudante durante
todo o seu processo de treinamento.
Ao iniciar o treinamento como terapeuta, os
estudantes esto em diferentes estgios de
amadurecimento pessoal e profissional. No entanto,
todos se deparam com as mesmas angstias
provocadas pelos primeiros contatos com os clientes.
No processo de internalizao de um mtodo de
atendimento e definio de estilo pessoal, eles
necessitam da orientao e do acompanhamento
afetivo que possam guiar seus primeiros passos. Aps
avanar na prtica de atendimento individual, cada
estagirio pode ainda ser treinado na conduo de
grupos teraputicos e ser iniciado no atendimento de
casais (Tavora, 2001).
Ao se deparar com o cliente sua frente, o
estagirio inicialmente lana mo de recursos de que
j dispe e que esto mais prximos de sua
experincia. Ele tem noo de que deve ouvir,

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Tavora

perguntar e dar algumas informaes. Sabe tambm


que deve evitar oferecer solues prontas s
solicitaes do cliente. A partir da, ter que aprender
respostas totalmente novas, que necessitam de treino,
feedback avaliativo dos colegas e apoio do supervisor.

O PROCESSO DE SUPERVISO:
DESENVOLVIMENTO DA MATRIZ
DE IDENTIDADE PROFISSIONAL

O grupo de superviso constitudo pela


supervisora e oito estagirios, em mdia. Vivncias,
estudos de textos, exerccios, discusso e
dramatizao dos casos em atendimento so atividades
desenvolvidas com o objetivo de avaliao e
desenvolvimento do papel de terapeuta. O estagirio
levado a refletir sobre suas habilidades, limitaes,
auto-imagem, relaes dentro do grupo e evoluo do
seu processo de crescimento pessoal. As vivncias
iniciais geralmente seguem a ordem descrita aqui. Ao
longo do processo, a escolha das atividades passa a ser
orientada pelo prprio movimento do grupo e
evoluo pessoal de cada participante.
Etapas do processo

As etapas descritas seguem uma ordem evolutiva


previsvel, embora aconteam segundo o ritmo de cada
grupo e se mostrem pontilhadas de avanos e retrocessos.
As vivncias apresentadas so representativas de cada
uma destas fases. No entanto, a durao de cada fase
varivel, ajustando-se necessidade do grupo, e pode
durar at vrias sesses de superviso.
A compreenso do processo de aprendizagem do
estagirio de psicologia clnica, luz de sua evoluo
ao longo das fases da matriz de identidade, tem como
base a observao do movimento que se repete com
cada estudante que inicia o estgio, revelando suas
necessidades de acompanhamento nesta trajetria e
sua prontido para entrar no mundo profissional ao
final do estgio. As vivncias apresentadas neste
trabalho so apenas exemplos de situaes que,
vividas no grupo de superviso, podem facilitar o
crescimento do estudante em trs etapas principais:
inicialmente quando ele precisa compreender a si
mesmo no contexto do desempenho do papel
profissional que est iniciando, em seguida quando
observa e ensaia colocar-se no lugar de outros (seus
clientes e seus colegas de aprendizagem em
superviso), e finalmente quando j capaz de
envolver-se profundamente na relao teraputica,
tornando possvel a vivncia do encontro. As fases
descritas a seguir ilustram esta evoluo:

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lndiferenciao

Este o momento anterior ao primeiro


atendimento do estagirio. Pode ter incio algum
tempo antes do comeo do estgio e termina quando o
cliente est finalmente sentado frente do novo
terapeuta. Nesta fase, o estagirio tenta organizar seu
conhecimento terico e visualizar um modelo de
terapeuta, muitas vezes representado por algum que
considera ser um papa da abordagem terica com
que se identifica. Sua mente encontra-se povoada de
imagens sobre o processo de atendimento; fantasia e
realidade se confundem e se superpem para formar
uma imagem imprecisa de si mesmo como terapeuta.
Dado que esta fase se inicia antes do primeiro
contato com o grupo de superviso, o estudante j chega
ao estgio com um drama interno em andamento. Ele
precisa, assim, compartilhar suas dvidas, ansiedade,
inquietaes, e sentir que no est sozinho no desafio em
que se vai lanar. Identificar-se com vivncias
semelhantes de seus colegas e poder contar com a
acolhida do supervisor so condies decisivas para um
bom incio de sua experincia como terapeuta.
Reconhecimento do Eu

No momento em que comea a atender, o


estagirio inicia a fase do eu comigo. Sua ateno
est muito concentrada em si: o que faz de certo ou
errado durante a sesso, se fala ou se fica calado,
como ele prprio est se sentindo na presena do
cliente. Sua condio para ouvir e estar disponvel
para o cliente fica em parte comprometida por sua
necessidade de ouvir e acalmar a si mesmo.
A utilizao da tcnica de auto-explorao na
superviso facilita o contato consigo de que o
estagirio necessita neste momento e inicia a
elaborao de seus sentimentos positivos e negativos
em relao a si mesmo. A conscientizao de como
estes sentimentos interferem na re1ao com o cliente
comea a se desenvolver a partir da.
Tcnica da auto-explorao1

Os participantes do grupo andam pela sala


enquanto entram em contato com os recursos pessoais
de que dispem para iniciar o estgio. Em seguida,
cada estagirio escreve, em uma folha de papel, suas
caractersticas fsicas, emocionais e intelectuais. Deve
ressaltar, dentre estes aspectos, aqueles que deseja
mudar e aqueles com os quais est satisfeito. A partir
deste passeio interior, os estagirios apontam as
habilidades que, neste ponto, consideram necessrio
1

Modificao da vivncia sugerida por Mrcio Miranda.


(1993, p. 47)

127

Um modelo de superviso clnica

desenvolver como terapeutas. A avaliao pessoal de


cada estudante colocada em um envelope lacrado,
para que seja comparada com uma anlise posterior no
final do estgio.
Em seguida, cada estagirio convidado a
construir, com almofadas e as outras pessoas do
grupo, sua prpria imagem e dizer como se sente
diante dela.

A vivncia de tarefas de desenvolvimento


acontece neste momento, potencializando a energia do
estagirio
para
focalizar
e
investir
no
desenvolvimento de seus aspectos pessoais
atrofiados ou subdesenvolvidos, ao mesmo tempo em
que se torna tambm capaz de identificar as
dificuldades evolutivas do cliente.
Tcnica: tarefas de desenvolvimento

Reconhecimento do Tu

A ateno do estagirio volta-se neste momento


para uma pessoa significativa de sua prpria vida,
elaborando
pessoal
e
profissionalmente
o
reconhecimento de um outro' que pode satisfazer suas
necessidades. Este outro ainda instrumental, isto ,
tem apenas a funo de proporcionar ao indivduo o
ponto de referncia de que ele necessita. a fase do
Eu e o Outro.
O supervisor tem, nesse momento, um papel
fundamental na confirmao, estmulo e considerao
da pessoa do novo terapeuta. Este ltimo precisa ser
validado e reconhecido com suas potencialidades e
limitaes para que possa gradativamente tambm
acolher a si mesmo com suas habilidades e
imperfeies. Em outras palavras, o supervisor uma
pessoa significativa' para cada participante e para o
grupo como um todo.
Ao refletir sobre como o outro se posicionou em
sua vida, de forma a ter uma influncia decisiva em
seu desenvolvimento, o estagirio comea tambm a
desenhar os contornos da pessoa significativa que ele
prprio pode vir a ser para o cliente. A construo
coletiva deste novo personagem inicia a transio
deste momento para uma fase de pr-inverso.
Tcnica: pessoa significativa do grupo2

Os participantes do grupo so convidados a andar


pela sala e pensar sobre uma pessoa que tenha sido
significativa na vida de cada um e que tenha feito
diferena em seu crescimento. Quais as suas
caractersticas? O que fez com que ela se tornasse uma
pessoa significativa? Em seguida, eles devem
construir coletivamente uma imagem da pessoa
significativa do grupo, utilizando almofadas e os
prprios participantes. Cada um, por sua vez, deve
experimentar sua posio dentro da imagem e
observar a distncia, o quadro produzido. A partir
dessa construo, eles vo avaliar a condio de se
tornarem pessoas significativas no processo de
crescimento de seus clientes.
2

Adaptao da vivncia sugerida por Marcio Miranda.


(1993, p. 45)

Psicologia em Estudo, Maring, v. 7, n. 1, p. 121-130, jan./jun. 2002

Em um determinado momento do atendimento, o


terapeuta iniciante v-se confrontado com suas tarefas
de desenvolvimento bem ou mal-sucedidas,
espelhadas pelas dificuldades trazidas por seus
clientes. (Buys, 1987) importante que ele avalie em
que ponto de seu prprio desenvolvimento est e do
que precisa para ajud-los em sua caminhada. Para
facilitar esta introspeo, o supervisor expe as
seguintes tarjas com algumas tarefas de
desenvolvimento.
Diferenciar-se dos valores dos pais
Reconhecer o outro como diferente
Lidar com os limites do outro
Tornar claros os seus prprios limites
Assumir riscos
Responsabilizar-se pelas conseqncias do que faz
Responsabilizar-se pela prpria mudana
medida que cada tarja mostrada, o estagirio
escreve, em uma folha de papel, uma palavra ou frase
que esteja relacionada ao tema proposto. Cada tarefa
de desenvolvimento deve passar de mo em mo de
forma a obter trs palavras ou frases de cada
participante, totalizando uma soma de vinte e um itens
para todas as tarefas.
A partir das palavras ou frases que escreveu, o
estagirio deve criar uma histria a ser compartilhada
com os colegas. Uma reflexo conjunta se d ento, com
o objetivo de identificar em que medida cada estagirio
consegue ajudar seus clientes nas tarefas mencionadas e
avaliar a relao das dificuldades encontradas no
atendimento com suas tarefas de desenvolvimento
pessoais.
Pr-inverso

Nesta fase, o estudante comea a imaginar-se no


lugar do outro significativo e a exercitar-se no seu papel.
Carece ainda, no entanto, de uma habilidade mais
refinada para ser sua prpria pessoa, espontnea e em
condio de se relacionar em profundidade com a
vivncia do cliente. A identificao com o supervisor e a
imitao deste podem acontecer neste momento, pois ele
o modelo concreto de que dispe sua frente.

128

Tavora

A prxima vivncia leva o estagirio a refletir sobre


as impresses que causa nos outros e a posio em que se
coloca na relao com o cliente. Construindo sua prpria
imagem com ajuda dos colegas de superviso, ele passa a
perceber os sinais afetivos que transmite em suas
relaes, fazendo uma sntese entre sua percepo pessoal
e sua imagem social.
Tcnica: percepo de si3

Cada estagirio escolhe trs pessoas de seu


convvio, dentro e fora da famlia, e escreve sobre
como acha que cada uma destas pessoas o v e o
sente. Em seguida, o grupo passa a caminhar pela sala
e as pessoas devem procurar identificar as mensagens
que enviam e recebem umas das outras. A partir desta
sensibilizao, cada participante fala sobre como acha
que est sendo percebido pelos outros. Esta 'imagem
social' comentada, modificada ou complementada
pelos colegas do grupo.
Tcnica: auto-revelao

Este momento reservado para o compartilhar de


situaes vivenciadas pelo estagirio quando seus
prprios sentimentos foram fortemente ativados na
relao com o cliente. Situaes de seduo, crticas,
manipulao, agressividade ou apatia provocadas pelo
cliente so dramatizadas e discutidas enquanto cada
terapeuta expressa suas vivncias na relao
teraputica, ao mesmo tempo em que procura
compreender e trabalhar a motivao que est na base
da conduta do cliente.
medida que os estagirios enfrentam
dificuldades em seus atendimentos individuais, eles
so estimulados a pedir ajuda aos outros participantes
do grupo. Estes ficam atentos, no s busca de uma
soluo atravs de sugestes ou treino de respostas,
mas principalmente vivncia do novo terapeuta e
conscientizao de seus recursos pessoais para
encontrar um estilo pessoal de resoluo.
Inverso de papis e o encontro

Esta a fase do Eu com o Outro. O


amadurecimento profissional est-se efetivando enquanto
o estagirio se diferencia do supervisor e de seus colegas
para encontrar sua prpria identidade profissional. O
outro, seja ele o cliente ou um participante do grupo de
superviso, no mais um mero instrumento para
satisfazer suas necessidades de adequao, mas algum
com quem o novo terapeuta agora capaz de estabelecer
uma relao de mutualidade.
3

Adaptao da vivncia sugerida por Tereza Cristina Erthal.


(1995, p. 53)

Psicologia em Estudo, Maring, v. 7, n. 1, p. 121-130, jan./jun. 2002

Tcnica: tomo social no grupo

Cada estagirio constri seu tomo social dentro do


grupo de superviso, dispondo as outras pessoas no
espao fsico da sala, de acordo com a distncia afetiva
em que dele se encontram e expressando como se sente.
Os outros participantes vo complementando e
modificando o que foi feito anteriormente medida que
formam uma grande teia relacional. Este geralmente um
momento de muita mobilizao afetiva, em que os
vnculos entre os estagirios so trabalhados e
fortificados. Os estagirios terminam por envolver
tambm a supervisora na delimitao de seus espaos
afetivos no grupo, trabalhando tambm a natureza deste
vinculo diferenciado. Esta vivncia favorece a sintonia e a
aceitao da experincia do outro, tornando possvel um
verdadeiro encontro no contexto da superviso.
Tcnica: habilidades como terapeuta

Cada participante recebe um feedback de todos os


outros sobre suas habilidades como terapeuta: suas
caractersticas que so percebidas como facilitadoras
do desempenho do papel profissional. Esta imagem
obtida ao longo do processo de superviso por meio
dos relatos de casos, dramatizaes, discusses
tericas e condio para auto-avaliao e autocorreo
na conduo do atendimento.
Esta tambm a ocasio em que muitas vezes
os estagirios do alguma espcie de feedback
supervisora, comentando sobre como a vem, a
relao que estabelecem com ela e em que medida
se identificam com sua forma de atuar. Este
momento final estimula a expanso do processo de
crescimento profissional alm dos limites da
superviso.
Com o suporte da experincia vivencial e
relacional, o estagirio passa por um treino de
respostas e de tcnicas de ao. No modelo proposto,
o aluno aprende, desde os primeiros momentos de
treinamento, que a aprendizagem da tcnica
indissocivel do desenvolvimento da condio para
vivenciar uma relao significativa com o cliente.
Desta forma, o treino de respostas teraputicas deve
ser interpretado como a instrumentalizao de uma
situao vivencial mais ampla, onde o profissional
promove tambm o seu crescimento na medida em que
ajuda o cliente a superar suas dificuldades, como
mostra o exemplo a seguir:
O Processo de ajuda no grupo

Os estagirios esto compartilhando as ansiedades


e dvidas vivenciadas em seus atendimentos:
Estagirio B: "Tive que telefonar para a casa do
cliente porque precisava cancelar uma sesso. O

Um modelo de superviso clnica

problema que ele no quer que ningum de sua casa


saiba que ele est em terapia. Ainda bem que ele
mesmo atendeu o telefone... mas pareceu
desconcertado...
Estagiria C: "Quando preciso ligar para um
cliente, eu tenho muito cuidado em deixar recado
sem dizer que sou algum da clnica...
Estagirio B: "Eu tenho vontade de dar uma
'lio pedaggica', explicar para ele que tem que ser
assim: tenho que ligar mesmo!"
Estagirio E: "Acho que esta forma fica muito
agressiva..."
Estagirio B: "O medo que tenho que ele acabe
me manipulando... que me faa entrar no seu
joguinho...
Supervisora: "O que me chama a ateno, Pedro,
que voc est prevendo que o cliente ir manipullo no futuro. De que recursos voc acha que dispe
para colocar seus limites como terapeuta e como
pessoa na relao com o cliente?"

O estagirio B levanta-se e, pela primeira vez, diz


que gostaria de dramatizar a sesso de atendimento
que ir acontecer no dia posterior superviso. Nas
supervises anteriores, havia, por vrias vezes,
manifestado sua dificuldade e pouca disponibilidade
para participar de dramatizaes.
O estagirio F escolhido para desempenhar o
papel de cliente e o estagirio B se coloca na posio
de terapeuta:
Estagirio B (no papel de terapeuta): "Precisamos
falar sobre um assunto: precisei telefonar para a sua
casa. Voc disse que no gostaria que eu ligasse, mas
foi necessrio desta vez. E, a, como que fica?"
Os atores invertem papis para que o estagirio B
responda sua prpria pergunta:
Estagirio F (no papel de terapeuta, repete a ltima
parte da fala do estagirio B): "Voc disse que no
gostaria que eu ligasse, mas foi necessrio desta
vez. E a, como que fica?"
Estagirio B (no papel de cliente): ". Eu lhe disse
que no queria que voc ligasse para a minha casa."
A supervisora solicita que os outros estagirios se
coloquem no lugar do terapeuta para fazer sua prpria
abordagem do problema. Em seguida, a supervisora
assume o papel de terapeuta:
Supervisora (no papel de terapeuta): "Jos, eu
estou preocupado com o telefonema que precisei
dar para voc. No sei como voc o recebeu, como
se sentiu."

Psicologia em Estudo, Maring, v. 7, n. 1, p. 121-130, jan./jun. 2002

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Estagirio B (no papel de cliente): "Eu no gostei.


As pessoas da minha casa ficaram me perguntando
e eu tive que inventar desculpas."
Supervisora (no papel de terapeuta): "Voc se
sentiu invadido, inseguro quanto ao que eu iria
fazer."
Estagirio B (no papel de cliente, confirma o que
foi dito com um movimento de cabea).
Supervisora (no papel de terapeuta): "Estou
sentindo necessidade de combinar com voc uma
forma de nos comunicarmos, no caso de uma
necessidade, que no deixe voc constrangido."
Estagirio B (no papel de cliente): "Voc pode
ligar, at deixar recado, mas no diga que meu
terapeuta."
Supervisora (no papel de terapeuta): "Parece que o
que mais o perturbou foi no saber como eu ia me
conduzir, ou se poderia realmente confiar que eu
no o iria expor."
Estagirio B (no papel de cliente; movimenta
afirmativamente a cabea e mantm a cabea baixa).
Finalizada a dramatizao, a supervisora pede
para o estagirio B permanecer no lugar do cliente.
Supervisora: "Como voc est se sentindo no lugar
do cliente, Pedro?"
Estagirio B: (suspira) "Estou aliviado. Deu para
'clarear' as minhas dvidas."
A supervisora insiste em indagar novamente sobre
os seus sentimentos do momento:
Estagirio B: "Quando eu entrei na Universidade,
procurei sempre seguir uma conduta tica. No estgio,
vi que precisava agir assim tambm com o cliente...
A supervisora pede ao estagirio B para ficar no
lugar do terapeuta e falar dos seus sentimentos, em vez
de dar explicaes sobre a sua conduta:
Supervisora: "Como voc est-se sentindo agora,
no lugar do terapeuta?"
Estagirio B: "Sinto-me mais em condies de
falar com o cliente, lidar com a prxima sesso...
Supervisora: "Como se voc agora pudesse cuidar
tambm de si mesmo, levar em conta sua
necessidade e no apenas a do cliente."
Supervisora (voltando-se para o grupo como um
todo): "Vejam a diferena: enquanto o Pedro buscava
uma soluo, a forma certa de agir como terapeuta,
falou de forma um tanto irritada com e sobre o cliente.
Ao entrar cm contato com sua necessidade e expressla, passou a se sentir diferente e mais disponvel para
entender tambm os sentimentos do cliente."

130

Tavora

Estagirio E: "Eu achei que o Pedro estava


precisando de apoio...
A supervisora solicita que o estagirio E venha
para o lugar de ajudador (o lugar que anteriormente
era do terapeuta) e ajude o estagirio B cm suas
vivncias no desempenho do papel de terapeuta.
Estagirio E (no papel de 'ajudador'): "O que voc
precisa, sente necessidade nesta situao ...
O dilogo prossegue por alguns minutos,
ajudando o estagirio B a se colocar verdadeiramente
no lugar de um cliente, agora falando de suas
angstias, inseguranas e necessidade de acertar
sempre em suas intervenes como terapeuta.

A FINALIZAO DO ESTGIO

Nos momentos finais do estgio, os estudantes


elaboram suas metas de aplicao do que foi
aprendido e um plano de ao para as pr em prtica.
Fazem tambm uma estimativa das dificuldades que
provavelmente iro enfrentar. Neste ponto, espera-se
que cada novo profissional esteja pronto para fazer
uma avaliao realista do que conseguiu realizar, do
seu potencial a desenvolver e do caminho que ainda
precisa percorrer. Os envelopes que foram lacrados no
incio do processo de superviso so abertos e cada
estagirio, comparando suas vivncias nos diferentes
momentos, pode ento avaliar o seu prprio
movimento de crescimento.
Aps o treino bsico, chega o momento do
psiclogo clnico entrar no mercado de trabalho. Ele
deve agora montar seu consultrio e formar uma
clientela. Necessita, neste ponto, principalmente de
confiana para lidar com as angstias e incertezas de
sua iniciao como profissional. Muitos procuram, por
este motivo, estender mais um pouco sua condio de
estudante, prolongando a permanncia na clnicaescola para completar horas de atendimento, assistir
alguns clientes que ainda no podem ser deixados
ou simplesmente para participar informalmente dos
encontros de superviso.
Quando o estgio se aproxima do seu final, o
supervisor comea a gradativamente perder a sua
funo. O profissional que est nascendo deve agora
arriscar-se a dar os primeiros passos por si mesmo.
Concluda a construo da base de sua identidade
profissional, e fora dos muros protetores da
universidade, ele ter que escolher e buscar o suporte
de que ainda necessita nesta nova etapa que se inicia.
O supervisor precisar tambm lidar com o
desligamento de seus orientandos, com a

Psicologia em Estudo, Maring, v. 7, n. 1, p. 121-130, jan./jun. 2002

transformao do vnculo pedaggico em uma relao


profissional entre colegas e o incio de uma nova
caminhada com outros estagirios que esto chegando.
O supervisor de um determinado grupo nunca
exatamente o mesmo do ano anterior: o seu papel de
supervisor sempre aprimorado ao longo de uma rica
aprendizagem compartilhada por todos os envolvidos.
O cliente, por sua vez, chega ao final do caminho
percorrido com seu terapeuta. o momento de avaliao
das dificuldades enfrentadas e dos desafios que ainda tem
pela frente. Encontra-se diante de duas possibilidades de
escolha: prosseguir sozinho levando consigo os reflexos
de seu crescimento na terapia ou iniciar um novo
processo com outro terapeuta. Qualquer das decises
certamente lhe parece arriscada nesse momento, exigindo
dele investimento em novos vnculos, a exposio a
outras formas de relao e o engajamento no desafio de
cativar e ser cativado. O momento do desligamento ,
sem dvida, difcil e enriquecedor para todos os
envolvidos. Supervisor, estagirio e cliente, estimulando o
crescimento um do outro, precisam enfrentar e transpor os
desafios desta passagem de vida concretizada pela
finalizao do estgio.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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humanista centrada na pessoa. So Paulo: Summus.
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Recebido em 07/11/2002
Revisado em 15/04/2002
Aceito em 26/04/2002

Um modelo de superviso clnica

Psicologia em Estudo, Maring, v. 7, n. 1, p. 121-130, jan./jun. 2002

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