Borges Jorge Luis. O Idioma Analitico de John Wilkins
Borges Jorge Luis. O Idioma Analitico de John Wilkins
Borges Jorge Luis. O Idioma Analitico de John Wilkins
simples: no sabemos o que o universo. "O mundo escreve David Hume talvez
seja o rudimentar esboo de algum deus infantil que o abandonou pela metade,
envergonhado de sua execuo deficiente; ou a obra de um deus subalterno, alvo de
zombaria dos deuses superiores; ou a confusa produo de uma divindade decrpita e
aposentada, que j morreu" (Dialogues Concerning Natural Religion, V, 1779).
Pode-se ir alm; pode-se suspeitar que no h universo no sentido orgnico,
unificador, que tenha essa ambiciosa palavra. Se houver, falta conjeturar seu
propsito; falta conjeturar as palavras, as definies, as etimologias, as sinonmias do
secreto dicionrio de Deus.
A impossibilidade de penetrar o esquema divino do universo no
pode, contudo, dissuadir-nos de planejar esquemas humanos, mesmo sabendo que eles
so provisrios. O idioma analtico de Wilkins no o menos admirvel desses
esquemas. Os gneros e espcies que o compem so contraditrios e imprecisos; o
artifcio de as letras das palavras indicarem subdivises e divises , sem dvida,
engenhoso. A palavra salmo no nos diz nada; zana , o vocbulo correspondente,
define (para o homem versado nas quarenta categorias e nos gneros dessas
categorias) um peixe escamoso, fluvial, de carne avermelhada. (Teoricamente, no
inconcebvel um idioma em que o nome de cada ser indicasse os pormenores de seu
destino, passado e vindouro.)
Esperanas e utopias parte, talvez o que de mais lcido se
escreveu sobre a linguagem sejam estas palavras de Chesterton: "O homem sabe que
h na alma matizes mais desconcertantes, mais inumerveis e mais annimos que as
cores de um bosque outonal... Cr, no entanto, que esses matizes, em todas as suas
fuses e converses, podem ser representados com preciso por meio de um
mecanismo arbitrrio de grunhidos e chiados. Cr que mesmo de dentro de um
corretor da Bolsa realmente saem rudos que significam todos os mistrios da
memria e todas as agonias do desejo" (G. F. Watts, p. 88, 1904).