Conto Uma Galinha

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Conto Uma Galinha

Introduo
Esta a nona de uma srie de 16 sequncias didticas que formam um programa de
leitura literria para o Ensino Fundamental II. Veja, ao lado, o contedo completo.

Objetivos
Estimular o gosto pela leitura;
Desenvolver a competncia leitora;
Desenvolver a sensibilidade esttica, a imaginao, a criatividade e o senso crtico;
Estabelecer relaes entre o lido, o vivido ou o conhecido (conhecimento de mundo);
Explorar a diferena entre o ponto de vista de um narrador em 3 pessoa e o ponto de
vista das personagens da trama narrativa;
Perceber a importncia da Forma literria.

Contedos
Sentido literal e sentido figurado;
Parfrase, hiptese, anlise e interpretao;
Ponto de vista (ou foco) narrativo;
Forma literria.

Tempo estimado
Cinco aulas

Ano
8 ano

Material necessrio
Livro Laos de famlia. Clarice Lispector. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1990.
Se possvel, um computador conectado internet.

Desenvolvimento
1 aula: sondagem oral
Pergunte aos alunos se eles j ouviram falar da escritora Clarice Lispector e se conhecem
alguma obra por ela publicada. Conte a eles sua interessante biografia.

Clarice Lispector - Biografia

Quando seus pais viajavam para o Brasil, como imigrantes vindos da Ucrnia, Clarice
Lispector nasceu a bordo de um navio. Chegou a Macei com dois meses de idade, com
seus pais e duas irms. Em 1924 a famlia mudou-se para Recife, e Clarice passou a
frequentar o grupo escolar Joo Barbalho. Aos oito anos, perdeu a me. Trs anos depois,
transferiu-se com seu pai e suas irms para o Rio de Janeiro.
Em 1939, Clarice Lispector ingressou na faculdade de Direito, formando-se em 1943.
Trabalhou como redatora para a Agncia Nacional e como jornalista no jornal "A Noite".
Casou-se em 1943 com o diplomata Maury Gurgel Valente, com quem viveria muitos anos
fora do Brasil. O casal teve dois filhos, Pedro e Paulo, este ltimo afilhado do escritor rico
Verssimo.
Seu primeiro romance foi publicado em 1944, "Perto do Corao Selvagem". No ano
seguinte, a escritora ganhou o Prmio Graa Aranha, da Academia Brasileira de Letras.
Dois anos depois, publicou "O Lustre".
Em 1954 saiu a primeira edio francesa de "Perto do Corao Selvagem", com capa
ilustrada por Henri Matisse. Em 1956, Clarice Lispector escreveu o romance "A Ma no
Escuro" e comeou a colaborar com a Revista Senhor, publicando contos.
Separada de seu marido, radicou-se no Rio de Janeiro. Em 1960 publicou seu primeiro
livro de contos, "Laos de Famlia", seguido de "A Legio Estrangeira" e de "A Paixo
Segundo G. H.", considerado um marco na literatura brasileira.
Em 1967 Clarice Lispector feriu-se gravemente num incndio em sua casa, provocado por
um cigarro. Sua carreira literria prosseguiu com os contos infantis de "A Mulher que
matou os Peixes", "Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres" e "Felicidade
Clandestina".
Nos anos 1970 Clarice Lispector ainda publicou "gua Viva", "A Imitao da Rosa", "Via
Crucis do Corpo" e "Onde Estivestes de Noite?". Reconhecida pelo pblico e pela crtica,
em 1976 recebeu o prmio da Fundao Cultural do Distrito Federal, pelo conjunto de sua
obra.
No ano seguinte publicou "A Hora da Estrela", seu ultimo romance, que foi adaptado para
o cinema, em 1985.
Clarice Lispector morreu de cncer, na vspera de seu aniversrio de 57 anos.
Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u592.jhtm

2 aula: leitura compartilhada do conto "Uma galinha"

Leia com a turma o conto "Uma galinha" e em seguida recolha as impresses gerais. Pea
aos alunos que formulem hipteses: Por que, afinal, a famlia desistiu de comer a galinha?
E por que, tempos depois, eles decidem com-la? Em discusso coletiva, escolha com a
turma as duas hipteses que lhes parecerem mais pertinentes.
ATENO: Ainda que voc, professor, perceba que as hipteses escolhidas pela turma
so frgeis, no tente direcionar a discusso. As hipteses, equivocadas ou no, servem
como ponto de partida para uma anlise minuciosa. Deixe que o prprio texto confirme ou
desminta as hipteses de seus alunos, como veremos a seguir.
3 e 4 aulas: anlise literria
Em aula expositiva dialogada, analise o conto "Uma galinha" seguindo os procedimentos
descritos abaixo.
Anlise do conto "Uma galinha"
1) Parfrase
A parfrase a primeira parte da anlise. Ela corresponde questo "o que fala o texto?".
um resumo do enredo, um "contar histria com as suas prprias palavras", por isso deve
ser curta e objetiva, deve resumir-se apenas ao essencial. Pea aos seus alunos que
contem a histria do conto como se um colega, que no leu, lhes tivesse pedido um
resumo.

Exemplo
O conto "Uma galinha" conta a histria de uma famlia que escolhe uma galinha para o
almoo de domingo. Inesperadamente, a galinha foge e tem de ser perseguida pelos
telhados da vizinhana. Depois de capturada, bota um ovo e a famlia desiste de com-la.
Passado um tempo, a galinha acaba por virar almoo.
2) Questo norteadora / Hiptese interpretativa
Quando comeamos a analisar um texto de fico, estamos buscando elementos para
interpret-lo. Ao mesmo tempo, desde o incio, temos em mente uma idia do que o conto
significa, uma hiptese interpretativa ou um elemento que nos deixou intrigados.
importante formular questes para a obra literria, mas s so pertinentes as perguntas
que nos ajudem a entender a obra em sua totalidade. Quer dizer, perguntar por que o pai
colocou um calo de banho para subir no telhado de pouco serviria para entendermos o

conto. As questes norteadoras fundamentais para a compreenso da narrativa de Clarice


Lispector foram lanadas na aula anterior, e devolvidas em forma de hipteses
interpretativas.

Exemplos de questes norteadoras


Por que, afinal, a famlia desistiu de comer a galinha? E por que, tempos depois, eles
decidem com-la?
Exemplo de hipteses interpretativas: A famlia desistiu de comer a galinha porque
percebeu que ela era agora necessria para dar vida ao ovo que ela chocava. Depois eles
decidem com-la porque ela no est mais chocando ovo nenhum.
3) Anlise
Agora chegamos ao corpo do trabalho. Voc vai analisar o conto. No sabe nem por onde
comear? Ento vamos por partes:
Em primeiro lugar, investigue elementos do conto que sirvam para responder sua
questo norteadora. A anlise constri argumentos que sustentem a interpretao. Ela
conduz o leitor por meio de seu raciocnio. como se, lendo a sua questo, o leitor
dissesse "tambm no entendi" ou "no acho esta questo pertinente". Sua anlise o
caminho para convenc-lo.
Mas no podemos nos esquecer tambm de que, em arte, forma contedo. Por isso,
preciso ressaltar a contribuio que alguns aspectos formais possam vir a ter na economia
do conto. O que so "aspectos formais"? So elementos que se referem menos
diretamente ao que est sendo dito e mais ao como est sendo dito. O tipo de narrador, a
caracterizao de algum personagem, o tempo, o espao e o tipo de discurso so alguns
dos elementos formais que podem ser fundamentais ao desvendar o mistrio. Se voc
observar bem o conto escolhido, no difcil perceber o que, em sua forma, lhe chama
mais ateno. Por exemplo, que a narrativa oscila entre a humanizao e a animalizao
da galinha. s vezes ela uma galinha de domingo, s vezes tem seus anseios; ora ela
estpida, ora tmida e livre; mais uma galinha entre todas as galinhas, mas tambm
uma jovem parturiente; um nada, mas tambm um ser.
Releia com a turma os seguintes trechos para que fique clara tal ambivalncia:
Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque no passava de nove horas da manh.
Parecia calma. Desde sbado encolhera-se num canto da cozinha. No olhava para
ningum, ningum olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua

intimidade com indiferena, no souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se


adivinharia nela um anseio.
Sozinha no mundo, sem pai nem me, ela corria, arfava, muda, concentrada. s vezes,
na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com
dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E ento parecia to livre.
Estpida, tmida e livre. No vitoriosa como seria um galo em fuga. Que que havia nas
suas vsceras que fazia dela um ser? A galinha um ser. verdade que no se poderia
contar com ela para nada. Nem ela prpria contava consigo, como o galo cr na sua
crista. Sua nica vantagem que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no
mesmo instante outra to igual como se fora a mesma.
Todos correram de novo cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando
seu filho, esta no era nem suave nem arisca, nem alegre, nem triste, no era nada, era
uma galinha.
Existem inmeros elementos passveis de anlise em um bom conto. Se conseguirmos ter
uma boa questo (que se refere mais ao contedo do conto) e ainda um olhar atento no
que se refere forma, ento j possvel traar um caminho seguro pelo qual nossa
anlise pode seguir.

Exemplo resumido de anlise


O conto comea apresentando a galinha j como almoo: "Era uma galinha de domingo."
Como animal irracional que era, a galinha passava despercebida pelos habitantes da casa
desde sbado. Mas, no domingo, surpreendentemente ela foge para o telhado, fazendo
com que o narrador da histria reconhea nela um anseio pela vida. O dono da casa
comea ento a persegui-la como quem persegue o prprio almoo. Com alguma
dificuldade, o rapaz a alcana e a despeja no cho da cozinha.
"Foi ento que aconteceu. De pura afobao a galinha ps um ovo. Surpreendida,
exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade,
parecia uma velha me habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim ficou respirando,
abotoando e desabotoando os olhos."
Diante de tal fato, a menina pede me:
" - Mame, mame, no mate mais a galinha, ela ps um ovo! Ela quer o nosso bem!"

Note o uso de citaes de trechos do conto. Isso no s possvel como geralmente traz
um bom resultado. Quanto mais a anlise der voz ao texto, melhor.Em uma anlise assim,
to prxima da parfrase, pouco ainda se pode interpretar. preciso reunir forma e
contedo, que na verdade foram separados artificialmente, para podermos responder s
questes norteadoras e chegar a uma interpretao.
4) Interpretao
A interpretao corresponde questo "do que fala o texto". Ela a exposio do sentido
profundo do conto. E ele que estamos buscando desde o incio. Quando analisamos,
queremos saber o que est dito pelos silncios, nas entrelinhas; o que se origina da
relao ntima entre forma e contedo. Se na anlise desmontamos o texto em partes, na
interpretao temos de reorganiz-lo como um todo, um todo que rene forma e contedo.
A galinha, at ento vista pelos personagens apenas como um almoo, passa a ser
personificada, a ter sentimentos humanos a ela atribudos. Todos os da casa desistem de
com-la e a galinha passa a morar junto com a famlia.
"At que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos."
Se observarmos bem o conto, podemos notar que, desde o incio, h uma diferena entre
o olhar do narrador e o olhar da famlia sobre a galinha. Enquanto a ltima v o animal
apenas como almoo, o narrador sonda a intimidade da galinha tentando descobrir se h
algo nela que lhe confira o estatuto de ser. Enquanto o narrador percebe nela "um anseio",
o pai v "o almoo" subir no telhado. Para a famlia, a galinha menos que um bicho, ela
coisa: almoo. J o narrador procura saber se ela pode ser mais do que bicho ou coisa, se
ela deseja a vida ou a liberdade.
Quando a galinha bota um ovo, o olhar do narrador e o da famlia confluem: todos
personificam o animal, vendo nela "uma velha me habituada". a maternidade que
confere galinha o estatuto de ser. No entanto, que ser esse? Fora da funo
reprodutiva, ela volta a ser vazia de sentido, estpida; volta a se confundir com os objetos
da casa. Enquanto isso, o narrador projeta nela os dilemas da condio feminina.
"Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam t-la esquecido, enchia-se de
uma pequena coragem, resqucios da grande fuga e circulava pelo ladrilho, o corpo
avanando atrs da cabea, pausado como num campo, embora a pequena cabea a
trasse: mexendo-se rpida e vibrtil, com o velho susto de sua espcie j mecanizado.
Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se recortara
contra o ar beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos enchia os pulmes
com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado s fmeas cantar, ela no cantaria mas

ficaria muito mais contente. Embora nem nesses instantes a expresso de sua vazia
cabea se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu luz ou bicando milho era uma
cabea de galinha, a mesma que fora desenhada no comeo dos sculos."
Na projeo do narrador (narradora?), a galinha/me/mulher gostaria muito de no ter o
sentido de sua vida reduzido maternidade. No quer (ou no ousa) cantar como o galo
(ou cantar de galo), mas ficaria feliz em saber que pode.
Finalmente, os membros da famlia, alheios personificao da galinha promovida pelo
narrador, e longe de qualquer reflexo igualitria sobre a condio feminina, "mataram-na,
comeram-na e passaram-se anos."
5 aula: releituras
H no site YouTube inmeras releituras deste conto. Se possvel, assista com a turma a
animao de Rafael Aflalo:
http://www.youtube.com/watch?v=OFguEGJ5bww

Avaliao
Depois de lidos os outros contos do livro, pea, como lio de casa, que cada aluno
escolha o conto de sua preferncia e formule, para ele, uma questo norteadora e uma
hiptese interpretativa.

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