Roger Cousinet PDF
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COUSINET
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ROGER
COUSINET
Louis Raillon
Traduo
Marcela Lopes Gomes
Orgnizao
Jos Luis Vieira de Almeida
Teresa Maria Grubisich
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ISBN 978-85-7019-560-9
2010 Coleo Educadores
MEC | Fundao Joaquim Nabuco/Editora Massangana
Esta publicao tem a cooperao da UNESCO no mbito
do Acordo de Cooperao Tcnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a
contribuio para a formulao e implementao de polticas integradas de melhoria
da equidade e qualidade da educao em todos os nveis de ensino formal e no
formal. Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos
neste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as
da UNESCO, nem comprometem a Organizao.
As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo desta publicao
no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCO
a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio
ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites.
A reproduo deste volume, em qualquer meio, sem autorizao prvia,
estar sujeita s penalidades da Lei n 9.610 de 19/02/98.
Editora Massangana
Avenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540
www.fundaj.gov.br
Coleo Educadores
Edio-geral
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Coordenao editorial
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Assessoria editorial
Antonio Laurentino
Patrcia Lima
Reviso
Sygma Comunicao
Reviso tcnica
Denise Gisele de Britto Damasco
Ilustraes
Miguel Falco
Foi feito depsito legal
Impresso no Brasil
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
(Fundao Joaquim Nabuco. Biblioteca)
Raillon, Louis.
Roger Cousinet / Louis Raillon; traduo: Marcela Lopes Gomes; organizao:
Jos Luis Vieira de Almeida, Teresa Maria Grubisich. Recife: Fundao Joaquim
Nabuco, Editora Massangana, 2010.
148 p.: il. (Coleo Educadores)
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7019-560-9
1. Cousinet, Roger, 1881 1973. 2. Educao Pensadores Histria. I. Almeida,
Jos Luis Vieira de. II. Grubisich, Teresa Maria. III. Ttulo.
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SUMRIO
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ANTONIO GRAMSCI
Bibliografia, 145
Obras de Cousinet, 145
Obras sobre Cousinet, 146
Obras de Cousinet em portugus, 146
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COLEO
EDUCADORES
APRESENTAO
O propsito de organizar uma coleo de livros sobre educadores e pensadores da educao surgiu da necessidade de se colocar disposio dos professores e dirigentes da educao de todo
o pas obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram
alguns dos principais expoentes da histria educacional, nos planos nacional e internacional. A disseminao de conhecimentos
nessa rea, seguida de debates pblicos, constitui passo importante
para o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao
objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da
prtica pedaggica em nosso pas.
Para concretizar esse propsito, o Ministrio da Educao instituiu Comisso Tcnica em 2006, composta por representantes do
MEC, de instituies educacionais, de universidades e da Unesco
que, aps longas reunies, chegou a uma lista de trinta brasileiros e
trinta estrangeiros, cuja escolha teve por critrios o reconhecimento
histrico e o alcance de suas reflexes e contribuies para o avano
da educao. No plano internacional, optou-se por aproveitar a coleo Penseurs de lducation, organizada pelo International Bureau of
Education (IBE) da Unesco em Genebra, que rene alguns dos maiores pensadores da educao de todos os tempos e culturas.
Para garantir o xito e a qualidade deste ambicioso projeto
editorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto Paulo
Freire e de diversas universidades, em condies de cumprir os
objetivos previstos pelo projeto.
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A relao completa dos educadores que integram a coleo encontra-se no incio deste
volume.
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Fernando Haddad
Ministro de Estado da Educao
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ROGER COUSINET1
(1881 1973)
Louis Raillon 2 e 3
Assim, em 1954, num congresso de educadores, Cousinet expressava, de forma concisa e quase brutal, a mensagem que no
cessou de difundir na segunda metade de sua vida, aps ter experimentado longamente as condies concretas de Educao Nova.
No pensamento de Cousinet, essa substituio da aprendizagem
do aluno em relao ao ensino do professor no admitia nenhuma
concesso. Para ele, a introduo, na escola, da Educao Nova
supe, sobretudo, uma mudana radical da atitude pedaggica do
1
Este perfil foi publicado em Perspectives: revue trimestrielle dducation compare.
Paris, Unesco: Escritrio Internacional de Educao, v. 23, n. 1-2, pp. 225-236, 1993 (85/
86).
2
Louis Raillon (Frana) diretor da revista ducation et dveloppement (1964-1980) e
antigo redator chefe da revista Educateurs (1946-1959). Entre suas principais obras,
citamos: ducation de plein vent, Largent problme dducation, Comment animer une
association, Lenseignement ou la contre-ducation, essai de pdagogie fondamentale,
Roger Cousinet, une pdagogie de la libert.
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professor nas suas relaes com seus alunos. Esse radicalismo era
ao mesmo tempo atrativo e difcil de admitir, mas ele se apoiava
em uma longa experimentao; a partir da qual ele fazia ressaltar a
caracterstica cientfica de uma pedagogia fundada sobre um conhecimento verdadeiro da criana e das leis de seu desenvolvimento. Todavia, a resistncia ao seu propsito quase no o surpreendia. Com muito humor ele notava: Ns somos muito difceis
de satisfazer, nosso humor no est muito de acordo com nossos
princpios. Ns fazemos o possvel para que as crianas aprendam
a no precisar de ns, e temos dificuldade todas as vezes que elas
o conseguem (Cousinet, 1954).
Quem foi, pois, este homem? Qual experimentao ele conduziu? A que concluses ele chegou? Sua obra, suas ideias so ainda
interessantes para os educadores de hoje? Essas so as questes
que o estudo a seguir pretende responder, de uma maneira forosamente concisa.
O itinerrio de Roger Cousinet
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inteligncia e funda a pedagogia experimental. Ele se torna redator-chefe de uma revista pedaggica, Lducateur moderne, ocasio
de reencontrar e publicar Decroly, Claparde, Ferrire, fazer a apreciao dos estudos de Maria Montessori, publicar resumos em
francs dos trabalhos de Dewey e de Stanley Hall. Em 1910,
Cousinet nomeado inspetor primrio: por essa razo, ele se
torna responsvel por uma centena de escolas pblicas. Ele exercer essa funo at 1942, sucessivamente em Aube, Ardennes,
Seine-et-Oise (perto de Paris).
1920. Com alguns professores voluntrios, Cousinet experimenta
seu mtodo de trabalho livre em grupos. Sua hiptese de partida
simples: as crianas so capazes de se organizar, de se esforar e de
persistir em atividades que lhes agradam, como os jogos. Por que
no mostrariam as mesmas qualidades em trabalhos que seriam diretamente escolhidos e conduzidos por elas prprias? No lugar de
ensinar, o professor prepara documentos, objetos, plantas, minerais.
Rapidamente, as crianas levam os objetos de seu interesse. O professor prope s crianas formar livremente pequenos grupos de
trabalho; ns entraremos nesse aspecto mais adiante.
Entre as atividades escolhidas pelas crianas, Cousinet prope,
a exemplo de Tolstoi, a publicao de textos escritos por crianas,
Loiseau bleu (1920-1928), o que lhe custa uma m reputao no
Ministrio de Instruo Pblica do qual ele pertence.
Nesse perodo, Cousinet participa ativamente do congresso
da Liga Internacional para a Educao Nova em que realiza contatos com educadores dos mais diversos pases. Incentiva, na Frana,
o movimento Nova Educao que, de 1921 a 1939, publica um
fecundo Bulletin, edita vrios livros escritos por crianas, organiza
cada ano congressos em que participam todos os inovadores em
educao.
1944. Fim da Segunda Guerra Mundial. Cousinet tem 63 anos,
terminou sua carreira de inspetor, mas comea uma segunda
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observaes paralelamente s de outros pesquisadores, em particular Charlotte Bhler6. Sem dvida, observou com mincia os
jogos das crianas. Contudo, parece doravante difcil continuar
a afirmar que o jogo seja uma atividade natural da criana. Por
mais distanciada que se encontre dele, a atividade natural est
mais prxima de nosso trabalho que de um jogo; encontra-se
ento a aplicao, o amor dificuldade, a conscincia da utilidade, junto com o prazer. A criana une o srio e a alegria, que,
para ns, se tornaram contrrios. talvez essa a caracterstica
mais ntida de sua atividade, da qual decorreria todo o resto. A
criana no gosta precisamente de jogar, ela gosta de trabalhar se
divertindo, ela se diverte ao trabalhar. Para ns, tal fato se torna
to difcil de se compreender, to difcil de ser auxiliado por
meio da educao, mas muito educvel e disponvel para nossa
forma de trabalho. E permanece, com certeza, nas crianas uma
tendncia ao jogo anloga a dos adultos: Favorea-lhes a atividade mais adequada sua atividade natural, permita-lhes fazer
alguma coisa precisamente da maneira segundo a qual elas desejam, enfim, deixe-as viver naturalmente, e voc ver que, em certos momentos, elas abandonam essa atividade para se entregar
ao jogo. A explicao sem dvida muito simples: o jogo uma
regresso, um retorno s ocupaes mais fceis7.
Ora a atividade natural da criana a conduz manifestadamente,
ao fazer uma construo, a descobrir as leis fundamentais da fsica,
por exemplo. Ela descobre as exigncias da matria: um boneco
de plstico se faz de um modo diferente de um boneco de papel,
um castelo de areia obedece a outras leis tcnicas daquelas de um
6
Autor de Kindheit und Jugend, Leipzig, 1930. O problema da atividade da criana foi o
centro do congresso da Nova Educao, em Paris, ao fim de maro de 1931, com uma
interveno de Elsa Kolher, colaboradora de Charlotte Bhler, sobre A atividade dos 56 anos, uma exposio de Maria Montessori sobre A atividade da criana nova e de
Roger Cousinet sobre O jogo e o trabalho.
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Cousinet, R. Une mthode de travail libre par groupes, 3.ed. 1967. p. 24.
Idem, p. 27.
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Ibid., p. 37.
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Ibid., p. 39. Ele nota que Jean Piaget, a propsito dos mtodos de trabalho em grupos,
emitiu reflexes psicolgicas totalmente anlogas. Cf. Le travail par quipes lcole:
enqute du Bureau International Dducation. Genebra, 1935 (Textos de Jakiel, Piaget,
Petersen, Cousinet).
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Trata-se de restituir s crianas a liberdade de que elas desfrutavam antes de sua entrada na escola: preciso, ento, que a encontrem, introduzindo o maior nmero de atividades possveis de
escolher13.
Alm de sua preparao psicolgica (ele deve decidir no dar
mais lies), o professor precisa antever o material para cada
atividade e saber utiliz-lo. Quando tudo estiver preparado, o professor convida as crianas a se dividirem em grupos, conforme
seus hbitos de jogo e suas simpatias naturais, totalmente de acordo
com sua vontade.
A constituio dos grupos pode levar tempo. As crianas fazem
experincias preciosas aprendendo a reconhecer aquelas com quem
elas podem trabalhar. No h nenhuma regra quanto ao nmero
Fato que justifica o ttulo do estudo de Giustino Broccolini: Broccolini, G. Roger Cousinet,
pedagogista della libert. Rome: Armando, 1968.
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por grupo (de fato, seis em mdia) nem quanto estabilidade dos
grupos (mudanas podem sempre ocorrer).
Os grupos de crianas se dispem em uma rea da sala de aula
que se torna, de certa forma, sua casa, mesmo se o intervalo que a
separa de uma outra casa seja quase fictcio. Os grupos colecionam
rapidamente, ao lado de seus trabalhos, plantas e animais: conveniente que eles disponham de armrios instalados ao longo das paredes.
O professor informa s crianas que elas podem escolher entre as diferentes atividades preparadas para elas e indica-lhes seu
mtodo de trabalho. Esse mtodo, muito simples, diferencia-se
um pouco conforme ele trata das atividades de criao ou das
atividades de conhecimento.
Sob a rubrica atividade de criao, Cousinet classifica o trabalho artstico, o jogo dramtico, o trabalho manual. Nesse momento, a liberdade total. Frequentemente, os grupos se rompem,
pois a redao de um poema ou a realizao de uma pintura so
ocupaes de expresso pessoal. A atitude do professor deve ser
de compreenso e de simpatia: preciso que ele goste dessa atividade como ele deve gostar de todas as demais, tenha prazer ao
ver seus alunos criar, mesmo que sejam obras ingnuas e desajeitadas,
se abstenha de julg-las... encoraje as crianas, se entretenha com
elas em seus trabalhos, perguntando-lhes sobre o que elas querem
fazer, se elas consideram ter expressado claramente o que
pretendiam dizer14.
A rubrica atividades de conhecimento comporta trs espcies
de trabalhos de ordem intelectual: o trabalho cientfico, o trabalho
histrico, o trabalho geogrfico. As crianas recebem do professor
algumas regras elementares que constituem as regras do jogo e
que so as seguintes: 1) O trabalho consiste em observar os objetos,
os documentos e redigir as observaes comuns no quadro do
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Cousinet, no corresponde a nenhum interesse da criana na idade considerada16. Se as crianas, extraordinariamente, manifestam tal interesse, elas procedem como nos outros tipos de trabalhos: observao e anlise das palavras, classificao, construo
de uma primeira gramtica. Dentre 40 salas de experimentao,
esse fato se produziu somente uma vez.
Observa-se tambm que com exceo dos textos livres (no
somente quanto sua forma e ao seu contedo, mas tambm sua
prpria existncia, contrariamente a diversas classes ativas em que o
texto livre est previsto no horrio de aula) a redao, como
exerccio literrio, no est prevista. A composio francesa, a redao so exerccios de adolescentes, escreve Cousinet. Em
contrapartida, a linguagem constantemente desenvolvida, exercitada: tanto no plano oral como no escrito, pois h troca nos grupos
e se trabalha para criar textos escritos, to claros, precisos, com o
mnimo de ambiguidades. Na composio francesa, pede-se aos
alunos que desenvolvam um tema: convida-os a dizer alguma coisa,
ainda que no tenham nada a dizer. Enquanto isso todas as vezes
que eles analisam e descrevem um fato cientfico, histrico ou geogrfico, eles aprendem a expressar seu pensamento com preciso e a
redigir com clareza. Quanto ortografia, na idade pr-gramatical, o
erro , para Cousinet, um falso movimento; a correo sistemtica
suficiente para gerar reflexos durveis.
Outra disciplina que no est includa nas atividades de conhecimento a aritmtica. No est prevista de maneira explcita,
mas aparece e se desenvolve na medida em que h emergncia das
necessidades suscitadas pelo trabalho manual, pelo trabalho domstico e pela manuteno da casa. Em muitos casos, constata
Cousinet, um interesse espontneo se manifestou por esse estudo
independentemente de toda aplicao. Ao se observar que as
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Essa metodologia exata, preocupada com os detalhes concretos, foi empregada em escolas pblicas do campo ou de cidades
em que no era possvel efetuar despesas. No se trata de um
sonho utpico, mas de um modelo elaborado e aplicado, de 1920
a 1942, em quarenta classes diferentes. Dessa forma, em uma escola de meninas, em Savigny-sur-Orge, perto de Paris, uma professora pde manter suas alunas e faz-las trabalhar, assim, sete
anos seguidos.
Ao realizar um balano dessa longa experimentao, Cousinet
nota primeiramente que as crianas nunca foram inativas e que elas
no perderam tempo escutando o que no tinham solicitado, ainda menos ouvindo colegas declamarem lies ou responderem a
interrogaes. Com essa concluso inesperada, revela-se rapidamente, sob a aparncia de humor, uma verdade que os adultos
esto pouco inclinados a observar e a admitir. Se se considera
todos esses discursos aos quais os estudantes esto mais ou menos
atentos, todos os momentos inativos provocados pelos avisos de
ordem e pelos regulamentos disciplinares, sem falar nos exerccios
pouco ou quase nada rentveis como o ditado, deve-se admitir,
com efeito, que a escola tradicional e obrigatria faz as crianas
perderem muito tempo.
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Idem, p. 68.
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Com relao a esse balano, Cousinet assinala que a quantidade mdia de trabalhos escritos por cada grupo foi de 30 por ms
(ou seja, mais de um por dia de aula), sem contar a redao de
fichas e os quadros recapitulativos.
A avaliao dos conhecimentos se revelou tambm positiva.
Assim quando o mtodo foi introduzido nas turmas ao trmino
das quais ocorre o exame do certificado de estudos (mais de 50%
dos alunos da escola pblica saem dela sem ter obtido esse diploma), as crianas foram constantemente as mais numerosas a serem
aprovadas em exames e sempre com as notas mais elevadas em
cincias e em composio francesa. Essa ltima observao no deixa
de ser interessante quando se conhece a posio especfica de
Cousinet a respeito dessa questo.
Sem nenhum ensino de gramtica, a ortografia foi consideravelmente aprimorada nas salas de aula, a mdia de erros passou,
por exemplo, em uma turma de curso elementar, de 9,04% em
outubro para 3,8% em julho18.
Com certeza, impossvel realizar comparaes restritas, ano
a ano, entre as crianas que seguiram um programa e as que trabalharam sem programa. Todavia, as comparaes globais se mostram mais vantajosas quelas que procederam segundo o mtodo
de trabalho em grupos:
- o trabalho de anlise (quer se tratasse de uma flor, de um
inseto, de uma mquina, de um fenmeno geogrfico...) favorece o desenvolvimento intelectual;
- a organizao em grupo auxilia o amadurecimento e tambm a persistncia. A preguia desaparece;
- a vida moral encontra igualmente seu valor: aprende-se naturalmente em uma sociedade de iguais a respeitar o trabalho dos
outros, a no os incomodar, a realizar um favor ao prximo.
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Ibid., p. 90.
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ativo. Um outro insere, em parte de seu tempo, em um dia especfico e em uma determinada hora um exerccio de expresso livre. J outro organiza um passeio escolar com um programa de
observaes, fixado por ele rigorosa e anteriormente, e atribui a
esse exerccio imposto o nome pomposo de estilo educao nova
de estudo do meio ambiente. E assim por diante19.
Cousinet no se limita a denunciar as caricaturas da Educao
Nova, ele as explica, em seu ensino e em suas obras, isso seu o
verdadeiro objeto. Ao retomar a histria desse movimento internacional, reportando queles que ele considera como seus inventores
(Rousseau, depois Tolstoi) e evocando seus fundadores (Dewey,
Stanley Hall e seus sucessores), ele destaca o que h de comum e,
consequentemente, de essencial por meio de organizaes e de
sistemas diversos.
A Educao Nova sobretudo um esprito que reconhece a criana como um ser em autodesenvolvimento. Esse desenvolvimento
requer condies favorveis, a primeira delas um ambiente de
liberdade. Como todos os seres vivos, a criana se desenvolve interagindo com o meio em que vive; a funo do educador, nessa perspectiva, construir para a criana um meio que responda o mais perfeitamente possvel s suas necessidades. Ao procurar uma metfora adequada para expressar essa concepo, Cousinet rejeita aquela, clssica, do jardineiro pela do higienista. Est claro que a funo do educador-higienista totalmente diferente daquela do docente, seu recrutamento e sua formao devem se revestir de formas diferentes.
Portanto, o esprito importa, o mtodo no seno um instrumento de trabalho, uma ferramenta pela qual a criana aprende
a utilizar para trabalhar. A funo do professor favorecer o
reencontro da criana-aprendiz e do mtodo que lhe convm. Ao
estudar cada dia mais as crianas, que se descobre e se aperfeioa
o mtodo colocado sua disposio.
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Idem, p. 45.
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trabalho livre em grupos ao apresentar s crianas, como um instrumento de estudo de objetos e de documentos. Cousinet est
muito lcido acerca desse legado: o valor dessa aprendizagem
histrica no reside no princpio do domnio conforme o sentido
escolar da palavra aprendizagem de conhecimentos. Esse valor
reside no trabalho efetuado pelo aluno ao examinar, comparar,
classificar, reunir certo nmero de documentos colocados sua
disposio ou encontrados por ele, a fim de conseguir construir,
nunca adquirir22. Isso est rigorosamente correto. Nada impede
que, alm disso, os alunos adquiram conhecimentos mais slidos
mesmo que tenham que engolir o programa previsto.
Atualidade do pensamento de Cousinet
Ibid., p. 100.
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A formao do educador24
Prefcio
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quem fosse bom, paciente, enrgico e digno, poderia assumir o encargo. segunda
indagao, nada tambm de resposta precisa, salvo a de que o aprendiz de educador
deveria imitar o seu mestre na forma do ensino, ou na organizao da disciplina;
mas imitao no aprendizagem, e h, na aprendizagem, coisa bem diversa da
simples imitao (s possvel, de resto, enquanto o aluno apenas aluno). Em que
consiste o ofcio de educador? Dizem-nos que consiste em formar indivduos, mas
que que isso quer dizer? E, enfim, qual o objeto produzido nesse ofcio? Poderse-ia reconhecer o artfice que houvesse aprendido o ofcio, pelo fato de eleno entregar
ao consumidor o objeto, utilizvel e de qualidade, de que este necessitasse. Qual
, porm, o produto fabricado pelo educador? o aluno aprovado na escola
primria? muito pouco. o bacharel, o politcnico, o engenheiro agrnomo?
Mas se so esses os produtos do educador, produtos de qualidade, entregues
sociedade que deles precisa, como se explica que no produza mais que to pequeno
nmero e ponha a perder tamanha quantidade? Bem mal aprendeu o ofcio, pois
nunca est seguro de acertar. Por certo se defender com o declarar que no
responsvel pelos malogros, que no lida com matria inerte, submissa, mas com
matrias vivas, diversas e desiguais, e de reaes imprevisveis. Ento, se assim ,
porque a aprendizagem do oficio no o habilitou a tratar convenientemente cada
uma dessas matrias? E se a justificao for exata, se por causa da matria e,
no, da arte que ele malogra, como poder afirmar que graas arte e, no,
matria, que acerta? E como nos poderemos orgulhar de ensinar um ofcio, mediante aprendizagem to pouco determinada que nunca permite ao artfice estar
seguro de acertar ao menos na maioria dos casos?
O problema se complica pelo fato de no sabermos em que consistem esses
acertos. Que uma educao certa? Uma educao que produz o objeto do qual
a sociedade precisa? Mas a sociedade no como o consumidor individual, que
sabe o que quer. A sociedade no sabe o que quer: tem necessidade de bons
engenheiros, bons advogados, bons polticos; no sabe, porm, o que um bom
poltico, bom advogado, bom engenheiro, nem mesmo bom professor. Recebe os
produtos que o educador lhe entrega, interessado em persuadi-la de que so,
precisamente, os que lhe convm; e o engenheiro, o mdico, o advogado, tm, de
inteira boa f alis, muito interesse em apoiar, nisso, a opinio do educador.
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Ver a relao desses defeitos em: Compayr, G. Histoire de la pdagogie. 2. ed. Paris:
Delaplane, 1911. p. 218. (Gabriel Compayr arrola, alis, dezesseis defeitos). Jean
Baptiste de La Salle (1651-1719) foi o fundador da congregao dos Frres des coles
Chrtiennes, consagrada educao do povo. Escreveu, para orientao do trabalho
dessa congregao, a obra Conduite des coles, de publicao pstuma (1720). Levou
vida de trabalho, ascetismo e piedade; e da a canonizao, em fins do sculo passado.
Ver a seu respeito, alm do livro de Compayr, citado nesta nota, e entre outros, o artigo
pertinente: Buisson, F. et al. Nouveau dictionnaire de pdagogie et dinstruction primaire,
Paris: Hachette, 1911; Cole, L. A history of education: Socrates to Montessori. New
York : Rinehart, 1950. pp. 356-367; Reisner, E. H. The evolution of the common school.
New York: MacMillan, 1930. pp. 107-115; Collard, F. Histoire de la pdagogie. Bruxelles:
Boeck, 1920. pp. 316-325; Cubberley, E. P. The history of education. Boston: Houghton
Mifflin, 1920. pp. 347-351 (Riverside textbooks in education series); e do mesmo Cubberley,
a obra que acompanha esse compndio, e Cubberley, E. P. Readings in the history of
education. Boston: Houghton Mifflin, 1920. pp. 282-284. (Riverside textbooks in education
series). Quanto s doze qualidades do professor, foram expostas, mais tarde, pelo irmo
Agathon (1731-1979), quinto superior geral dos Frres des coles Chrtiennes, em obra:
Agathon. Les douze vertus dun bom matre. Paris: Frres des coles Chrtiennes, 1785;
e esto indicadas no livro ainda agora citado de Collard, e no artigo: Buisson, F. Agathon
(Frre). In:_____. Nouveau dictionnaire de pdagogie et dinstruction primaire. (Nota dos
tradutores).
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Sempre com o mesmo objetivo. Trata-se de permitir ao educador que lecione melhor, que melhor levante, pedra por pedra, o
edifcio espiritual do qual arquiteto, e do qual os alunos no passam de operrios. So significativas as expresses das quais se serve, por exemplo, J.-B. de La Salle. O silncio, diz, um dos
principais meios de estabelecer e conservar a ordem nas escolas.
Por isso, aconselha o professor a falar o menos possvel e utilizar
complicado sistema de sinais que imaginou. H, diz ainda, oito
coisas principais que contribuem para estabelecer e manter a ordem nas classes: 1, a vigilncia do mestre; 2, os sinais; 3, os
catlogos; 4, as punies; 5, a assiduidade dos alunos; 6, o regulamento dos feriados; 7, a instituio de vrios oficiais (monitores)
e sua fidelidade ao bom desempenho do encargo; 8, a estrutura e
uniformidade das escolas e do mobilirio conveniente. Indicaes
desse gnero so encontradias em todos os tratados pedaggicos
at nossos dias. V-se que a assiduidade dos escolares no seno um
dos elementos dessa arquitetura pedaggica. Dir-se-ia de boa mente,
parodiando dito clebre, que acima do interesse do educador e do
educando, h o interesse da educao.
A literatura pedaggica menos rica, e mais incerta, em matria
de saber. Evidentemente, todos esto de acordo no admitir que o
educador especializado deve ter um saber e, precisamente, essa espcie de saber de que falamos no captulo precedente. Mas quase
no h acordo quanto a extenso e qualidade desse saber, que as
famlias no podem julgar (pois que durante muito tempo elas
prprias no o possuam seno imperfeitamente ou qui, no o
possuam de modo nenhum), e a cujo respeito moralistas, filsofos,
pedagogos, bem sabiam no poder exigir muito. Os mestres de
meninos provam, de comeo, seus talentos nos conhecimentos instrumentais de sua privana: letra talhada, leitura em voz alta (compreendida a dos ofcios religiosos em latim), clculos meio complicados. A esses elementos os preceptores ajuntam um saber artstico
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Leiam-se, na matria, os pargrafos iniciais do prefcio, datante de 1939, que o pranteado pedagogista brasileiro A. Almeida Jnior (1892-1971) escreveu o trecho, vazado na
forma tersa e clara que foi sempre a dos escritos desse mestre, assim se l: O educador
se faz [...], pelo estudo. Nature and nurture. A propsito do estudo, assinalei [...] um velho
preconceito, grato aos que querem baratear a educao popular rebaixando o nvel do
respectivo magistrio: O professor primrio no deve saber muito. Para a cincia do
professor, como para a temperatura dos ambientes, haveria um grau timo, no muito
superior ao zero termomtrico, acima do qual a eficincia docente comea a decair.
Atenuao desse preconceito a f caricatamente exagerada nos milagres da tcnica.
Procura-se fazer crer o que est certo que h segredos da profisso, uma arte de
ensinar privativa dos iniciados; mas tambm se afirma e a comea o erro que essa arte
independe da cultura geral e, podendo perfeitamente funcionar no vcuo, confere por si s
competncia didtica. essa f pueril na fora mstica de uma tcnica problemtica, de
uma tcnica sem cultura, que faz que se atribua ao magistrio, um tom pejorativo, o
chamado esprito primrio, e se envolvam os estudos pedaggicos em uma atmosfera de
desconfiana ou de ridculo. Qualidades inatas e formao tcnica so indispensveis,
mas no bastam. Tarefa de natureza complexa, essencialmente espiritual, a educao
exige do professor uma cultura geral slida e variada, haurida no convvio diuturno com a
literatura e com a cincia. E isso tanto para aperfeioar-lhe a tcnicacomo para fornecerlhe matria-prima substancial e pura. (Almeida Jnior, A. Biologia educacional. Atualidades
pedaggicas. So Paulo, v. 35, p. 9. 1939) (Nota dos tradutores).
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O autor se refere, neste passo, a uma interessantssima figura da histria da educao, o baro Frederich Everhard Von Rochow (1734-1805), a quem se devem reformas
tericas e prticas, empreendidas com grandes viso e dedicao. Ver a esse respeito o
livro de Franois Guex: Guex, F. Histoire de l instruction et de l ducation. 2. ed.
Lausanne: Payot; Paris: Alcan, 1913. pp. 265-271. Ver tambm Parker, S. C. A textbook
in the history of modern elementary education. Boston: Ginn, 1919; Eby, F.; Arrowood, C.
F. The development of modern education, in theory, organization and practice. New York:
Prentice-Hall, 1941; e o artigo Guillaume, J. Rochow. In: Buisson, F. et al. Nouveau
dictionnaire de pdagogie et dinstruction primaire. Paris: Hachette, 1911.
29
A Conveno (Convention Nationale) foi a assembleia revolucionria subsequente
Assembleia Legislativa; governou a Frana de setembro de 1792 a outubro de 1795.
Grandes instituies foram fundadas nesse perodo. E grande ateno foi dada instruo
pblica. Ver a respeito dessa fase to fecunda da ao e do pensamento pedaggico
francs, de tamanha influncia por toda parte, em: Compayr, G. Histoire de la pdagogie,
op. cit. pp. 327-346; Luzuriaga, L. Histria da educao pblica. Traduo de Luiz e J. B.
Damasco Penna. Atualidades pedaggicas; 71, n. 3, p. 1, 1959; Glatigny, M. Histoire de
lenseignement en France. Paris: Presses Univesitaires de France, 1949, cap. 5. (Que
sais-je?; 393); Lon, A. Histoire de lenseignement en France. 2. ed. Paris: Presses
Univesitaires de France, 1972. cap. 4. (Que sais-je?; 393); Palmro, J. Histoire des
institutions et des doctrines pdagogiques par les textes. Paris: Sudel, 1955. parte 6, cap.
5; Guillaume, J. Convention. In: Buisson, F. et al. Nouveau dictionnaire de pdagogie et
dinstruction primaire. Paris: Hachette, 1911. pp. 375-416; Reisner, E. H. Nationalism and
education since 1789. New York: MacMillan, 1922. cap.2.
Quanto aos numerosos escritos tericos aparecidos no sculo XVIII, ver entre muitos
outros, o livro de Compayr, citado nesta nota e a obra: Hubert, R. Histria da pedagogia.
Traduo de Luiz e J. B. Damasco Penna. Atualizades Pedaggicas, v. 66, 1967. (Nota
dos tradutores).
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unicamente em termos de conhecimento, o futuro educador, no primeiro caso, alcanar, custa de muito tempo, e talvez, de esforos,
um saber que esquecer bem depressa, pois no h de ter mais vagar
nem oportunidade, para consolid-lo e utiliz-lo. No segundo caso,
sob o pretexto de que no precosar dele futuramente, privam-no,
por deciso arbitrria, da possibilidade de adquirir o saber, quando
talvez fosse capaz disso, e assim o mantm fora em camada social
inferior. O futuro mestre comear a tarefa de educador somente
aps haver terminado os estudos, todos os estudos; ou ento, prematuramente, aps haver recebido na conta certa, o saber que ser
encarregado de distribuir. A controvrsia na matria, foi grande no
correr dos sculos dezenove e vinte; e a discusso ainda no est
esgotada. Escreve um pedagogista belga escreve, mui recentemente:
Tenho, s vezes, ouvido a opinio, do melhor estilo Luz-Filipe, de
que o professor no deve saber tanta coisa para ensinar ortografia e
as quatro operaes fundamentais, que os estudos secundrios completos poderiam inebri-lo alcandor-Io e que a professora principalmente, to tocante, to maternal, poderia vir a tornar-se uma cerebral, uma pedante insuportvel (D. Tits). Mas, em 1946, o Advisory
council on education, da Esccia discutia (e rejeitava) proposta de alguns
membros no sentido de que as normalistas destinadas s escolas
maternais no fossem obrigadas a seguir o programa completo, j
que poucas dentre elas desejavam deixar as escolas maternais. Essa
obrigao corre o risco de introduzir atmosfera de escola primria
no jardim da infncia. Tais solues, opostas umas s outras, foram,
amide, determinadas por motivos que nada tinham a ver com a
pedagogia, nem com o interesse das crianas, nem at com o dos
educadores. Uns mal dissimularam o desejo de conservar os professores primrios, como classe social, na modstia, na humildade,
relembradas, volta e meia, entre outors por numerosos discursos
ministeriais, e das quais se temia-se que uma instruo muito a fundo
os tirasse, e lhes excitasse o amor prprio, lhes desenvolvesse a ambio
e lhes aumentasse as exigncias. No outro extremo, os adversrios
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e mxime, de fazer-lhes adquirir conhecimentos instrumentais, desprovidos de comeo, de qualquer atrativo, e dos quais a criana,
precisamente, no descobre a utilidade, o interesse, seno depois
que acabou de adquiri-los. E bem por isso que foram sempre to
numerosos os mtodos de leitura, de escrita e de clculo.
Por todas essas razes, se o valor, o saber e o saber fazer so
realmente as qualidades exigidas de todo educador profissional, apresentam-se em ordem diferente segundo se trate de mestres primrios
ou de professores secundrios; de uns foi exigido, durante muito
tempo, muito valer, muita habilidade e apenas um saber mnimo;
dos outros, muito saber, valer suficiente e saber fazer mnima.
2
Tal diversidade de pontos de vista influencia importante na preparao dos educadores. Se, com efeito, o que acabamos de escrever
exato, certo que essa preparao, essa formao, deviam consistir
em desenvolver o valor de uns, em lev-los a adquirir o saber indispensvel, e em dedicar o maior tempo e cuidado caquisio da
habilidade, e, quanto aos outros, em faz-los adquirir a maior quantidade possvel de saber, com virtude mnima, e habilidade reduzida
a alguns conselhos dos antigos e ao que lhes colhessem, com os
anos, da prpria experincia. Sabe-se a que est reduzida, ainda hoje,
a preparao pedaggica dos professores do ensino secundrio30.
A preparao do futuro mestre foi, de comeo, como j disse,
inteiramente emprica. Quanto o valer, limitava-se educao moral
30
Essa preparao vai ser assegurada agora por fora de recentes reformas (organizao de centros pedaggicos regionais, que permitam, aos candidatos ao C.A.PE.S.,
iniciao nas funes de ensino. C.A.P.E.S. a sigla de Certificat daptitude pdagogique
lenseignement secondaire. O original deste livro de 1952. De ento para c, vrias
reformas ou projetos de reforma ocorreram na Frana. A esse respeito ver: Vexliard, A.
Pedagogia comparada. Trad. de Luiz e J. B. Damasco Penna. So Paulo: Companhia
Editora Nacional, Editora da Universidade de So Paulo, 1970. (Atualidades pedaggicas;
99); Bereday, G. Z. F. Mtodo comparado em educao. Trad. de Jos de S Porto. So
Paulo: Companhia Editora Nacional, Editora da Universidade de So Paulo, 1972. (Atualidades pedaggicas; 102). (Notas dos tradutores).
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recebida, como todas as crianas, quase sempre do sacerdote, desenvolvida pela disciplina religiosa, e pelos conselhos, pelas exortaes
que o jovem mestre no cessava de receber dos que o haviam formado e dos que lhe vigilavam a vida profissional. Pedia-se-lhe vida
moral mais rgida, mais rigoroso domnio de si mesmo, e, ainda
uma vez, exemplo perptuo, sem que de resto se lhe fornecesse,
para chegar a essa perfeio, outro meio alm da constante evocao
das virtudes que devia praticar, e dos vcios de que se devia abster-se.
Pedia-se-lhe, porque deveria constituir exemplo moral, e ensinar a
moral, que fosse assim como um homem moral especializado, mais
moral que todos os contemporneos, e nisso se entretivesse pela
prece, pela meditao, pela submisso aos superiores.
No que tange preparao no terreno do saber, vimos que, a
despeito de algumas reticncias, algumas reservas que repontam
aqui e ali, pelo menos no ensino pblico, o problema foi resolvido,
no sentido na tendncia de que a soma de conhecimentos adquiridos
pelos futuros educadores no limitada seno pela natureza do
exame que lhes sanciona os estudos, pela idade em que comeam
a carreira e, ainda, evidentemente, pelo ensino que tero de dar.
Exige-se, em Frana, tal diploma, isto , tal quantidade de saber
do futuro mestre primrio, um saber um pouco superior, ao menos
em extenso, do futuro professor de colgio, um saber ainda superior do futuro professor de liceu. De modo que houve uma
conciliao entre as duas atitudes das quais falava acima, e que,
para cada categoria de educadores, se deu, aos futuros mestres,
saber superior ao que teriam normalmente de transmitir aos alunos. Noutras palavras, o saber adquirido no foi medido pelo
saber por fazer adquirir, e sim pelas possibilidades e pelas necessidades espirituais do aluno-mestre, mas foi medido por suas possibilidades e por suas necessidades espirituais. Todos comeam uniformemente at um exame comum, que , na Frana o bacharelado. Ningum , pois, prejudicado no decurso desse primeiro passo,
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Sabe-se que a seleo no existe em parte alguma. Isso, evidentemente, no quer dizer que qualquer indivduo possa tornar-se educador. Mas as condies exigidas do futuro mestre esto bem abaixo
daquele retrato ideal que esboamos no captulo precedente. J se
no insiste quase no valor, no por desdenhado; mas por subentendido, e admite-se implicitamente que os candidatos devem ter, ao menos, boa moralidade. Em numerosos pases pedem-se, aos candidatos, certificados de bons costumes, ou de boa conduta, passados,
geralmente, pelas autoridades escolares ou pela direo da ltima escola frequentada. Nalguns exigida at folha-corrida. (Inqurito feito em 1950 pela Unesco e pelo Bureau Internacional de Educao,
nos ministrios de instruo pblica). Mas h cada vez menos insistncia explcita sobre esse valor moral, e cada vez menos frequentemente ouve o mestre dos superiores ou dos livros especializados que
deve ser o exemplo vivo dos alunos. D-se o mesmo com sua apresentao, a que se permite mais descuido, e com sua linguagem, em
que se tolera mais liberdade. Pede-se cada dia menos ao educador
que seja mais espetacular, para ser mais exemplar. No campo, como
na cidade, os professores, as professoras, os professores de liceu, no
se distinguem exteriormente dos circunstantes.
Nisso h, sem dvida, o movimento social geral que pouco a
pouco foi apagando os atributos especiais das profisses e dos
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Creio intil repetir aqui, por minha vez, as crticas que bastas
vezes tm sido feitas ao sistema de exame. Mas ainda onde o pequeno nmero de candidatos, a conscincia, a experincia, a perspiccia dos juizes permitem reduzir ao mnimo os inconvenientes
do exame, ao ponto de ele poder ser, ento, considerado um bom
instrumento de medida, no menos verdadeiro que no medida
pedaggica. No fim de contas trata-se de escolher educadores e
no, de modo nenhum, de escolher cientistas ou mais sabentes que
outros. Um educador no , de modo nenhum, algum que saiba
mais, ou menos, de gramtica ou de geografia, pois, muito trivial
repeti-lo, a gente pode saber muita geografia, ou muita gramtica,
e no ser capaz de ser educador. E tampouco um educador
algum que saiba mais, ou menos, pedagogia geral, pedagogia especial, psicologia da criana ou legislao. A educao no do
domnio do saber, do domnio da ao. Escolher um educador
escolher algum que tenha aptides para agir, para exercer certa
espcie de atividade, atividade que , sem dvida, nutrida por um
saber, mas permanece como o fim ltimo da educao.
E bem por isso parece que a habilidade que deveria ser o
elemento preponderante da seleo.
Se, com efeito, os futuros educadores no mais so escolhidos
pelo valor, se se admite que o saber tambm no permite verdadeira
seleo pedaggica, o que fica, realmente, com o auxilio da habilidade que se h de operar a seleo. A habilidade a atividade prpria do
mestre, a ars discendi do Pe. Jouvency35, sua mesma tcnica, a essncia de sua profisso, o que faz que de dois matemticos que tenham,
exatamente, o mesmo saber, um ensine a matemtica, outro a ensine
35
O Padre Joseph Jouvency (ou Jouvancy, forma, talvez, mais comum) (1643-1719),
jesuta francs, foi emrito latinista e professor de retrica, e autor de obra copiosa e
variada. Dessa obra faz parte a ars discendi qual se fere Cousinet e que a Chirstianis
litterarum magistris de ratione discendi et docendi (1692). Ver referncias importncia do
trabalho de Jouvancy no belo estudo: Franca, Padre Leonel S. J. O mtodo pedaggico
dos jesutas. In: _____. Obras completas, v. 10. Rio de Janeiro: Agir, 1952. (Nota dos
tradutores)
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mal, ou nem a ensine, seja como for. Isso parece evidente; e foi sempre, realmente, essa habilidade prtica que caracterizou e distinguiu os
bons professores. Quando, porm, se trata de fazer dessa habilidade,
instrumento de seleo, deparamos, com efeito, problema cuja soluo no fcil. Ou se procurar apreciar a habilidade do futuro educador antes de ingressar na profisso, e isso impossvel pois ele ainda
no faz. Ou, ento, aprecie-se essa habilidade depois que ingressou, o
que , efetivamente possvel; mas ento j no tempo de afast-lo, se
se conclui que a habilidade no suficiente. Conhecem-se todas as
razes de serem essas coisas como so. Primeiro, seria, da parte do
Estado, quando se trata do ensino pblico, quebra do contrato tcito
entre a administrao e o candidato: pediu-se-lhe prova do valer e do
saber exigidos, ele a fez e tem, agora, o direito de exercer o ofcio.
Ademais, temos necessidade dele (e ele frequentemente no o ignora).
Enfim, sempre se pode esperar que, graas fiscalizao e assistncia
contnua que lhe so dispensadas, adquirir essa habilidade de que
desprovido, ou insuficientemente provido. verdade que, por vezes,
(e at frequentemente, se quiserem) as coisas se passam assim. No
menos verdade, porm, que nem sempre assim; e, a despeito dos
entendimentos com os inspetores gerais, e dos estgios, no ensino do
segundo grau, das visitas repetidas dos inspetores, das reunies dos
veteranos e das conferncias pedaggicas, no primrio, houve, e ainda
h, professores de liceu, professores primrios, sem quase nenhuma
habilidade, incapazes ou pouco capazes, de ensinar, os quais s obtm
resultados medocres, ou, at, no obtm resultado algum. A tal ponto,
que os pais, os observadores, os alunos chegados idade do julgamento e da reflexo, indagam como foi possvel escolher, para exercer a profisso de educador, pessoas desprovidas, precisamente, da
qualidade que teria justificado a escolha.
Os responsveis pela nomeao podem, sem dvida, responder que no escolheram os educadores, e circunstncias escapas
sua alada levaram-nos a aceitar quantos se apresentaram, com o
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balsamado, e complet-lo noutras fontes. Mas, por um lado, durante muito tempo esse complemento no se podia encontrar seno em obras s acessveis a um pequeno nmero e, por outro,
durante longos perodos tambm, o saber foi esttico e imutvel.
Os historiadores, os gegrafos, os fsicos, no traziam cincia
seno progressos, modificaes, acrescentamentos de pormenor,
ao ponto de que os mestres, longamente adormecidos nessa segurana, no souberam despertar a tempo quando chegadas as crises
de crescimento que, por exemplo, puseram em dvida o prprio
sentido daquilo que se chamava de verdade histrica, ou fizeram
nascer a geografia humana ou a nova fsica.
que essa segurana necessria mantena do papel de mestre, e a todo conjunto de sua atividade. Essa atividade necessita, de
sua parte, uma segurana que impressione os alunos. Eles lhe so
atentos e deferentes. Tm-lhe f absoluta. Assim como, segundo j
vimos, lhe pedem constncia na atitude para com eles, pedem-lhe
igual constncia no ensino. Toda palavra que cai da boca do mestre
a verdade e, para os alunos, matria de f, coisa, alis, compreensvel, pois que o mestre sabe, e eles no sabem e no tem nenhum
meio de verificar. A nica verificao poderia ser feita com o manual que tm em mos, mas, ou o prprio professor o autor do
manual, ou serviu-se dele para preparar a lio, ou, ainda, se dele
discorda, afirma que est com a razo, e os alunos o acompanham
de bom grado, ao menos na aparncia, porque lhes mais vantajoso
o partido do mestre que o partido do manual. Toda essa confiana
vacilaria e, pois, tambm, a submisso autoridade do mestre, se,
no correr do ano, ele os informasse de que tal afirmao, em tal
ponto, j no era exata e cumpria substitu-la por outra. Os bons
alunos ficariam desconcertados, os maus logo se desculpariam com a
declarao de que no mais se lembravam de qual era a afirmao
certa. Por outro lado, em primeiro lugar, o mestre guardou, da vida
de aluno, o hbito de adquirir um saber que se no desenvolve, em
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geral, seno por srie de adies quantitativas, e no comporta, seno mui raramente, variaes. Cada ano o aluno adquire um saber
mais amplo que o do ano precedente, diferente, pois, em grau, no
em natureza. O saber de cada ano escolar constitui, pois, base slida,
permanente, para o saber do ano seguinte. Ao longo do ano letivo,
o mestre prossegue imperturbvel, sem retornar jamais ao que j
ensinou. Em segundo lugar, essa necessidade de segurana to
grande nele como nos alunos, a necessidade de sentir-se em terreno firme. Eles tm necessidade de acreditar no que o mestre ensina;
mas o mestre tambm. Isso j chegou at, por vezes, a ser obrigao. A qualidade essencial do educador, diz Jean-Paul, a sinceridade: cumpre-lhe crer no que diz37. E essa crena, que lhe apresentam como dever, lhe serve de apoio. As crianas confiam, e ele
tambm, em que no se engana. Essa atitude cmoda, necessria.
Permite marcha segura, impede o mestre de duvidar de si (um dos
perigos que o ameaam), no o obriga a rever incessantemente o
ensino. Tal reviso lhe foi, sem dvida, frequentemente recomendada, como o melhor remdio contra a rotina; mas se to pouco
obedeceu recomendao, que, alm do esforo que essa recomendao lhe pediria, haveria nela uma espcie de contradio interna, que ele obscuramente sentia. Pedia-se-lhe, a um tempo, fosse
constante e varivel. Mostramos j quanto isso era difcil. A rotina ,
a um tempo, perigo e condio do ensino. O mestre no pode ensinar
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Isso acarreta, alis, outra consequncia desagradvel. Objetar-me-o, com efeito, que
h bom nmero de professores primrios que se preparam para a licenciatura, ou para o
concurso de inspetor primrio, de professores de colgio que preparam a agregao. Mas
todos eles sabem quo penoso ocupar-se simultaneamente das duas atividades, sem
detrimento desta ou daquela. Ao lado dos que se saram bem, quantos h que, no
querendo, por conscincia profissional, negligenciar o ensino, tiveram de abandonar o
saber, e outros que, decididos a conquist-lo, tiveram de negligenciar o ensino! Tanto
difcil reunir duas atividades que foram artificialmente separadas.
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, para uma personalidade vida de aprovao, a procura de reconhecimentos e admiraes fceis; a necessidade, dos fracos, de
exercer soberanamente sua autoridade; avidez de ternura excessiva, cuja indiscrio pode provocar, na criana, perigosas fixaes
afetivas. Mas pode ser, tambm, e conjuntamente, o surto de uma
imaginao viva para um universo potico ao alcance da mo, um
pendor mais espiritual ainda pelo frescor, da vida montante que
desabrocha, pela inocncia (Trait du caractre).
certo, com efeito, que, tirante os logtropos, os educadores
que amam sua atividade, de modo todo independentemente daqueles sobre quem se exerce, e se encontram muita vez entre os professores e professoras (menos frequentemente, alis, entre as mulheres)
dos cursos complementares e, sobretudo, entre os do ensino secundrio, o sentimento que anima um grande nmero de mestres o
amor s crianas, sentido como dirigido a seres fracos e julgados
inferiores. E esse amor ao fraco e ao inferior pode, como indica
Mounier, ter duas origens e manifestar-se de duas maneiras. Ou o
educador ama esses alunos porque passam por estgio de desenvolvimento no qual desejaria mant-los e no qual ele prprio teria querido, e quereria manter-se (por efeito daquele medo de crescer que
os psicanalistas bem conhecem), e tem prazer em procurar, junto
dos alunos, um refgio contra a vida, que no tem coragem de
arrostar. Devo dizer, alis, que esse tipo de educador, muita vez
perigoso para as crianas, mais frequente entre as mulheres, constitui
minoria, pequena minoria40. Ou ele os ama, no pelo que so, mas
pelo que deles far. Fica-lhes reconhecidos por serem fracos, pois
pode apresentar-lhes sua fora, e por serem inferiores, pois porque lhe so inferiores que poder proporcionar-se, a si mesmo, o
prazer de educ-los. Ama-os, mas os deplora; tem, por eles, menos
Ainda tendo-se em conta casos nos quais o interessado no toma conscincia dessa
conspirao com a fraqueza, que se manifesta, amide, por excesso de autoridade, o
qual, como diz acertadamente Mounier, no passa de necessidade dos fracos.
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amor que piedade. Porque os ama, no os submete a sujeio excessiva, no lhes sublinha as faltas com muita severidade, ainda menos
com brutalidade. Essas faltas nem por isso as ignora; so, para ele,
realmente, faltas, que corrige com indulgncia, a sorrir, mas considera de seu dever principal corrigir; e tem por falta, por erro, todo
modo de comportamento diverso do seu. Gesto desajeitado, palavra mal pronunciada, depois, mal escrita, problema incompreendido,
dissertao pobre, tudo isso provoca comiserao mesclada de ternura. Com ser indulgente, porm, no complacente, no deixa de
corrigir o gesto desajeitado, fazer pronunciar novamente a palavra
mal articulada, corrigir a palavra mal escrita, mostrar como passar
da dissertao pobre uma dissertao enriquecida. Essa inferioridade das crianas, longe de provocar-lhe a clera, o enternece, pois
as ama, nunca, porm, ao ponto de resignar-se. No as ama na medida em que as castiga; mas, para esse tipo de educadores, am-las, a
cada passo, corrigi-Ias no sentido etimolgico41, emend-las, procurar, incessantemente, no que so, aquilo que sero. Para julgar
bem os homens, diz Fnelon, o mais alto representante desse tipo
de educador, cumpre comear por saber o que devem ser. Ama
as crianas, na medida, contudo, em que pode agir sobre elas, e se
persuade de que a elas que realmente ama, sem tomar conscincia
de que as ama porque, pela fraqueza, lhe possibilitam agir sobre elas.
No podemos censur-lo porque ame sua atividade mais que s
crianas. So realmente as crianas que ele ama, mas porque, e na
medida em que, pode agir sobre elas. E aqueles sobre quem no
pode agir, (no falo dos apticos ou dos amorfos, mas dos espritos
independentes), a esses ele os ama menos. Ainda quando os v desenvolverem-se regularmente, e avanar, sem quedas graves, para
seu devir, fica um pouco ressentido pelo fato do desenvolvimento
No sentido etimolgico, corrigir (de cum e regere, reger, dirigir) , por regra, aquilo que
dela se havia desviado, restabelecer o certo, o bom, o justo (rectum). (Nota dos tradutores).
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ocorrer sem auxlio dele, e pelo fato de que no seja ele, ou s ele,
que os ajude a sobrepujar a fraqueza e a sair da inferioridade. Ama
sobretudo os outros, os que dependem, ou lhe parecem depender
mais dele; e, se no pensa, absolutamente, em mant-las na inferioridade, tanto mais os ama quanto dela no saiam seno com a andadura que lhes prope, e pelos caminhos que lhes traa.
Essa forma especial do amor s crianas, que poderamos
chamar o amor pedaggico, no nos pode satisfazer. Tem o inconveniente de acentuar no educador, ainda quando experimenta
evit-la e, com maior razo, quando dela no tenha seno obscura
conscincia, a atitude exageradamente formativa da qual a educao
nova assinalou os perigos. Porque ama as crianas muito menos
pelo que so do que pelo que podem vir a ser, no as respeita no
que so, e arrisca-se sempre a faz-las tornar-se no conforme o
que so, mas conforme o que deseja que sejam. No as conhece,
nem individualmente, nem em bloco, no procura conhec-las,
no as observa. E como no as conhece, nem, no fundo deseja
conhec-las, pode cometer erros graves. Dissemos que gostava
sobretudo dos dceis, que gostava menos os rebeldes. Mas, por
isso mesmo, no podendo evitar de testemunhar a uns o prazer (e
no apenas, como qualquer mestre, a satisfao pedaggica) que
lhe causa a docilidade, nela os mantm nela, artificial e excessivamente. E deixando entrever a outros que se molesta sua no-independncia, pode desenvolver, neles, seja excesso de independncia, por fanfarrice, seja hesitao, seja incerteza, ou seja insegurana,
que aperturbam o desenvolvimento. Ele quer, enfim, que a educao,
como diz Fnelon, seja, exatamente, atraente; quer atrair, seduzir.
Ama, e quer ser amado; e pode vir assim, a desenvolver nos alunos essas perigosas fixaes afetivas das quais falava Mounier, e
de to numerosa ocorrncia.
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feliz que o mestre, pois seus semelhantes esto, com ela, na classe;
no vive, porm, com eles seno clandestinamente, j que, como
se sabe, durante os exerccios escolares o mestre, com maior ou
menor xito, condena cada aluno ao isolamento42.
O primeiro problema pedaggico , pois, o seguinte: como
fazer dessemelhantes viverem juntos?
Sabe-se como a educao o vem resolvendo h tempos, e ainda
o resolve. O educador, seja porque a situao lhe desagradvel,
seja porque a julgue difcil, seja, sobretudo, porque tem a
42
O eminente autor deste livro foi sempre dos mais acerados crticos desse estranho
isolamento da criana. Veja-se, a esse respeito, o captulo A vida social e o trabalho em
grupos que escreveu para a obra coletiva: Debesse, M. (Org.). Psicologia da criana: do
nascimento adolescncia. Trad. Luiz e J. B. Damasceno Penna. Atualidades pedaggicas, v. 108, pp. 254-270, 1972. Extramos da primeira seo desse captulo (intitulada
precisamente de O isolamento pedaggico) as seguintes passagens:
A maior parte dos educadores considera ainda, como condio indispensvel da ao
educativa, isto , da ao que lhes cabe, o isolamento do discpulo, tanto na famlia quanto
na escola. A despeito das aparncias, toda educao , ainda, preceptorado [...] No ,
certamente, interdito criana, na famlia, brincar com irmos e irms, aos intervalos da
ao educativa; fora dessa ao, nos brinquedos no vigiados pelos pais, durante os
recreios, no decorrer dos quais os professores se mantm afastados e no exercem seno
vigilncia muito discreta. Mas, assim que a criana reentra na situao educativa, e
sobretudo na situao escolar no interior da classe, essas relaes sociais so imediatamente interrompidas e o aluno se encontra s, em face do professor, isolado dos colegas
por todo um sistema disciplinar e por uma disposio material que lhe impedem [...] sob
forma de auxlio, ou de pedido de auxlio, que chegam a impedir at, na medida do
possvel, de aperceber-se da presena de colegas como tais. Aluno que d uma lio, que
responde a uma pergunta, no o faz para que os colegas se beneficiem dessa atividade (o
que pareceria, entretanto, bem legtimo). Recita e responde ao mestre, para o mestre,
exatamente, enquanto o faz, como se estivesse sozinho na classe, ignorante dos colegas,
e deles ignorado. como que extrado da comunidade, da vida social, para ser reintroduzido
na situao pedaggica, e essa extrao contnua, pois que se exerce quanto recitao
das lies, s interrogaes, aos exerccios escritos, e pois que mantida, como acabamos de dizer, pela disciplina e pela autoridade do mestre.
Vm de longe, alis, essas ideais de Cousinet. J em 1908, escrevera, para a Revue
philosophique, um artigo sobre La solidarit enfantine; em 1920, ocorrera-lhe a ideia do
mtodo de trabalho livre em grupos (que acabou chamado de mtodo de Cousinet); anos
depois, descrevera esse mtodo em opsculo famoso: Cousinet, R. Une mthode de
travail libre par groupes. Paris: Les ditions du Cerf, 1943. Compusera o artigo: Cousinet,
R. Les premires manifestations de la vie sociale chez les enfants. Journal de psychologie,
1950. Redigira o pequeno e primoroso livro: Cousinet, R. La vie sociale des enfants:
essai de sociologie enfantine. 2.ed. Paris: Les ditions du Scarabe, 1959. (A la dcouverte
de lenfant). Notemos que, para este ltimo livro, o diretor da coleo, professor Maurice
Debesse, escreveu prefcio deveras esclarecedor. (Nota dos tradutores).
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dessemelhana por inferioridade que deve fazer desaparecer, emprega, com efeito, toda a arte em faz-la desaparecer. E tem sido, e
ainda , considerada legtima e necessria essa obrigao; pensa-se
que precisamente a que est o papel do educador. Julgou-se, por
muito tempo, e ainda se julga, que o melhor educador aquele que
consegue fazer cessar o mais rapidamente e o mais completamente
possvel essa inferioridade, e, logo, essa dessemelhana. O mestre
deve chegar a tornar as crianas semelhantes a ele. considerado na
medida em que o consegue. E no sofre dvida, com efeito; que as
crianas devam vir a ser adultas, que esses dessemelhantes devam,
no seio da sociedade, transformar-se em semelhantes. E no sofre
dvida que, nas grandes linhas, essa transformao se opere.
No menos de duvidar, contudo, e a simples observao basta
para mostr-lo, que o desaparecimento dessa dessemelhana s em
certa medida devido em certa medida ao do educador, sem
falar nos inconvenientes, atrs assinalados, do excesso, ou da inpcia,
da ao educativa. E, alm da observao, a psicologia da criana,
medida que progride, nos instrui sobre os motivos dessa insuficincia.
Mostra-nos, cada vez melhor que a dissimilaridade da criana tamanha, que ela cede ao do mestre mais lentamente do que ele
pensa, persiste muito mais demoradamente do que ele acredita, e se
encontram, no escolar que j no criana, persistncias e recorrncias
inesperadas.
E precisamente porque o mestre no aceitou, nem reconheceu,
de comeo essa dissimilaridade; e ainda do mestre que ama as
crianas que estou a falar. Desde que entra na escola, ao primeiro
contato com a nova turma de alunos, sabe que os amar, como
amou todos quantos conheceu antes, mas sabe, tambm, que com
doura e carinho vai trabalhar assiduamente por faz-los diferentes
do que so. Ama as crianas, no ama infncia43.
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Cousinet, R. O meio escolar. In: _____. A educao nova. Traduo e notas de Luiz
Damasco Penna e J. B. Damasco Penna. So Paulo: Cia Editora Nacional, 1959. pp. 110132. (Atualidades pedaggicas; 69).
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perplexidade, certa inquietude a ameaar-lhe a necessidade de segurana, porque at aquele momento vivera em meio relativamente
restrito, no qual os elementos novos s se introduziam lentamente
e, ao mesmo tempo, em nmero muito pequeno. Ou bem, sensvel a esse inconveniente, ou sem tempo ou disposio para constituir esse meio rico, o educador escolhe, a seu gosto, e por motivos
estranhos s necessidades da criana, os elementos que julga apropriados para organiz-la, e se a criana no reage ou reage frouxamente a essas excitaes, tenta decidi-la ou mesmo compeli-la, isto
, age sobre ela, em lugar de agir sobre o meio, o que contrrio
aos princpios da educao nova. realmente o caso da maior
parte dos mtodos ditos ativos, os que apresentam, s crianas,
excitaes escolhidas pelo educador, prescrevem-lhes que reaja e
lhes deixam, to somente, a liberdade de agir segundo os caminhos
em que a marcha mais fcil para ele, educador, e dedicar a isso o
tempo que ele julgue conveniente.
As quatro condies que acabamos de indicar seriam, pois,
difceis de realizar e trariam, como se v, problema quase insolvel,
se a psicologia da criana no trouxesse, aqui, pedagogia, no
uma justificao (que lhe no pode dar, como vimos), mas um
apoio precioso, se a pedagogia decidir, de incio, considerar aquilo
que a psicologia lhe fornecer. A psicologia j deu a conhecer s
mes, s amas, as necessidades do beb, as necessidades verdadeiras e as de fantasia. Ajudada da medicina, da observao, de mltiplas experincias, de tateios, descobriu o que o beb desejava, de
fato, levar boca e mastigar, os objetos que tinha necessidade de
manusear, o tamanho exato dos cubos correspondente aos estgios
sucessivos de seu desenvolvimento etc. Descobriu at, com a clebre experincia da Doutora Clara M. Davis, que ainda em matria
de necessidade to primitiva como a nutrio, a criana, como
diz C. Washburne, de quem tomo a narrativa, realmente o mestre, e a me, ou o educador, o aluno. A experincia foi a seguinte:
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mais ou menos todas as necessidades das crianas encontrem satisfao, e considerar que nosso papel velar por que as necessidades
da criana sejam satisfeitas, e no por que se torne o indivduo
particular que temos na cabea47.
As dificuldades dessa maneira de ver, repitamo-la, so inegveis, mas as especulaes de Dewey, a classificao de Ferrire,
informam j o educador, pelo menos no aspecto dos interesses
intelectuais, sobre as necessidades das crianas, e cada nova conquista da psicologia, seja sob forma sistemtica, seja sob a de informaes fornecidas por observadores hbeis e objetivos, um
benefcio para a educao e para a pedagogia.
Mas, medida que a criana avana em idade, complica-se o
problema, pelo fato de que os objetos novos introduzidos no meio,
posto correspondentes a necessidades naturais, encontram na criana a tendncia, sem que ela encontre em si o meio de satisfaz-la, o
instrumento necessrio. Nos primeiros anos da criana, a prpria natureza do objeto o adaptar-se exatamente necessidade: ter necessidade de cubos, ter necessidade daquilo para que so feitos os
cubos, ser manuseados, empilhados em certa ordem; ter necessidade
de uma bola, ter necessidade de jogar qualquer coisa, para o que
uma bola , precisamente, apropriada. Mas j nesses primeiros estgios, nos quais todas as excitaes do meio desencadeiam, somente
e simplesmente, reaes de ao (que formam, de resto, o pensamento), certos objetos suscitam necessidades difusas, que a criana
incapaz de satisfazer totalmente. Em certa idade, uma criana com
uma bola na mo e outra criana, de sua idade, diante dela, tem um
desejo obscuro (relao com a outra por meio da bola), confuso,
em parte contraditrio (deseja, ao mesmo tempo, jogar a bola
outra e conserv-la), mas que o auxlio ocasional do educador no
pode satisfazer (pois a criana no sabe ao certo o que quer) desejo
que a criana , pois, obrigada a aprender a satisfazer. E aqui aparece
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exteriormente a ao quando a preenso no era possvel (automvel, locomotiva, avio). Mas, com o tempo, a percepo se
libera da ao, graas linguagem, socializao e ao desenvolvimento geral do indivduo. O objeto excitador provoca uma reao
no mais de manuseio, mas de observao; ao comportamento utilitrio sucede um comportamento objetivo, definio pelo uso,
de Binet49, a definio analtica, ao, o conhecimento. A criana
sente necessidade de saber como feita uma planta, como e com
auxlio de que rgos vive um animal, como funciona certa mquina. Para satisfazer essa necessidade, usa, sem dvida, experimentaes, pesquisas, tentativas, mas o auxlio do educador lhe
muita vez necessrio no sentido que indicamos e, em certos casos
at (dissecaes, por exemplo), necessria uma aprendizagem.
Essa aprendizagem mais necessria ainda quando as excitaes
do meio consistem no mais apenas em objetos reais, mas tambm em objetos elaborados ou simblicos. o caso, por exemplo,
dos documentos figurados para estudos histricos (histria da
habitao, do vesturio, da ferramenta etc.), ou dos diferentes tipos de mapas, ou da feitura de mapas pelas crianas, para os estudos geogrficos. o caso, com mais forte razo, do estudo das
lnguas mortas e das lnguas vivas. Mas, ainda uma vez, cumpre
evitar concluir da necessidade dessa aprendizagem do aluno para a
necessidade de um ensino do mestre. sempre sobre o meio que
o educador age. Continua a enriquecer o meio colocando nele os
objetos que a psicologia da criana e suas prprias observaes
lhe revelaram como suscetveis de provocar reaes nos alunos.
Mas acontece que certos objetos no podem ser apresentados
49
O autor se refere a um dos testes da escala Binet-Simon para medida do desenvolvimento da inteligncia: a definio pelo uso seria caracterstica, segundo essa escala, do
nvel de 6 anos, ao passo que as definies superiores ao uso caracterizariam o nvel
mental de 9 anos. Conferir: Binet, A.; Simon, T. Testes para a medida do desenvolvimento
da inteligncia. Trad. de Loureno Filho. So Paulo: Melhoramentos, s.d. pp. 59-60.
(Bibliotheca de educao). (Nota dos tradutores).
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Pelo oitavo ou nono ano aparece, no desenvolvimento das crianas, nova necessidade, no conhecida dos psiclogos e dos educadores seno depois de Rousseau. uma necessidade de natureza complexa, de origens, sem dvida, muito diversas, mas que, por ora, basta
ao educador constatar. Chamemo-la necessidade de socializao. , evidentemente, ligada s necessidades de segurana, de xito, de afirmao
do eu. Consiste, de fato, nisto: constata-se que, a partir da idade indicada,
a criana sente a necessidade de agir, de experimentar, de construir, de
produzir uma obra (um objeto, um brinquedo ou uma explicao do
mundo), com auxlio de camaradas, e lhe preciso experimentar a
atividade em contato com outros, seja fazendo-a aceitar tal qual emana dela, como reao individual s excitaes do meio, seja aceitando
as modificaes propostas pelo grupo. Como essa necessidade demanda satisfao no mesmo sentido que as outras, segue-se que s
pode ser satisfeita se a satisfao for livre, isto , se a criana escolher
os companheiros com os quais quer trabalhar. Essa liberdade no
limitada seno pela prpria natureza da nova excitao aparecida no
meio: o camarada. Cada excitao tem, com efeito, natureza tal que as
modalidades das reaes no so infinitas, podem ser variadas, mas
em pequeno nmero, e limitadas. Podemos servir-nos, por exemplo,
duma faca para cortar, para produzir vibraes, enfiando a lmina na
mesa; no nos podemos, contudo, servir dela para bater um prego,
como no nos podemos servir de um martelo para cortar. Assim,
podemos servir-nos do camarada para cooperar em certa atividade;
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O educador deve, de resto, continuar a permitir a satisfao das necessidades individuais. Se uma criana (anormal, supernormal, associal, por diversas razes) no sente a
necessidade de socializar-se, evidente que o educador deve deix-la sossegada e no
a constranger a filiar-se a um grupo.
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satisfao das diferentes necessidades geogrficas da criana, procurou-se, tambm, como se poderia apresentar esse dado que a
transformao do mundo no tempo, de modo a permitir a atividade histrica, a satisfazer as necessidades histricas: observao,
descrio e classificao de documentos figurados, construo de
maquettes etc. Quanto a isso h tambm, sem dvida, vrias
solues boas do problema.
Assim tambm para as lnguas antigas. Podemos simplesmente introduzir, no meio escolar, textos latinos e esperar que eles
provoquem reaes, isto , permitir que as crianas partam diretamente do latim. Ou aguardar uma necessidade lingustica mais geral que se aplicasse em descobrir as origens antigas de nosso vocabulrio e de nossa sintaxe.
Poderamos fazer observaes da mesma ordem quanto a todos os objetos de pensamento suscetveis de ser introduzidos no
meio escolar. Ora, h um que, pelos quinze anos, mais cedo nuns,
mais tarde noutros, aparece no desenvolvimento, a tomada de
conscincia de si mesma pela criana. Essa tomada de conscincia
sucede naturalmente os estgios anteriores: a criana, depois de haver manuseado, construdo e analisado, observado, chega da observao do objeto sobre o qual agiu, observao de si mesma, que
age. O novo objeto que se introduz em seu meio ela prpria: o
sujeito torna-se em objeto de conhecimento. Esse estdio o estdio prprio da introspeco (sem que se apresente, nem tenha de
ser apresentado, ento, o problema do valor dessa introspeco e de
todas as questes que ela prope): o adolescente se examina, espanta-se de si mesmo, inquieta-se, interroga-se, sente a necessidade de conhecer-se. Mas, como atravessou o estdio da primeira socializao, preocupa-se no apenas consigo, mas com os outros. Alcana, de modo
geral, a noo de comportamento (no importa que ignore o nome),
noo que j deixa pressentir a ideia de proposies gerais, e de
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Realmente somos todas iguais, diz uma adolescente. Quando falardes a outra moa,
descobrireis que ela sonha com as mesmas coisas que vs (Fedder, R. Guiding homeroom
and club activities).
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Escusa dizer que, nessa anlise sumria, no pretendo rigor algum. Experimento
pensar as coisas como as pensa o adolescente no momento em que elas se lhe apresentam pela primeira vez, e falar sua linguagem.
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Tentativas desse gnero foram feitas por certos professores de forma sistemtica, em
particular, h cerca de quarenta anos nos Estados Unidos (The seekers), onde todo um
ensino moral foi baseado exclusivamente nas perguntas feitas pelos alunos.
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Conferir meu livro: Cousinet, R. Une mthode de travail libre par groupes. 2.ed. 1949.
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de si mesmo. Nas escolas normais, nos centros pedaggicos, com o auxlio dos
conselhos que lhe dispensam generosamente os mais velhos e os superiores, pde
fazer sua aprendizagem de mestre. Aprendeu, e verdadeiramente de maneira
muito completa, como se ensina.
E, assim, encarregado de ensinar, e tendo aprendido a ensinar, que entra
pela primeira vez, por exemplo, numa classe de escola primria e a encontra
crianas de 6 anos que esto tambm entrando pela primeira vez, e esto
encarregadas de aprender. Mas se esse jovem mestre, ao entrar pela primeira
vez numa escola, e encarregado de ensinar, aprendeu previamente a ensinar, o
jovem aluno, ao entrar pela primeira vez numa escola, e encarregado de aprender, no aprendeu a aprender. O mestre fez sua aprendizagem de ensinante; o
aluno no fez sua aprendizagem de aprendente. O mestre sabe, antes de ensinar, como se ensina; o escolar, antes de aprender, no sabe como se aprende.
Se essa diversidade, esse estado de privao do aluno, jamais, ou s muito
raramente, impressionaram os pedagogistas, que a formao didtica do mestre lhes parecia muito suficiente, mais que suficiente, para compensar o despreparo
do aluno. verdade, dizem naturalmente, que nossos alunos no sabem
aprender, e ns o deploramos. Mas, precisamente, ensinamos to bem que nossa
atividade didtica basta para compensar essa insuficincia. Bem por isso entendem que, tambm precisamente, a vantagem do escolar, a quem basta, pois,
submeter-se a essa atividade didtica. E no se cansam de repetir-lhe que, para
aprender, necessrio (e suficiente) ser dcil, atento, ter, em suma, atitude que
facilite a ao ensinante do mestre, ao que no mais ter de intensificar-se e
fazer-se acompanhar de ao disciplinar. Quanto mais o escolar, pela docilidade
e pela ateno, facilitar a ao ensinante do mestre, mais se beneficiar com essa
ao, para a prpria aprendizagem. Aprender no seno deixar-se ensinar.
A essa tradio venervel, ainda hoje havida como incontestvel por muito professor, parece, entretanto, que caibam algumas objees.
A primeira que h, nisso, verdadeira injustia para com os escolares. Que
entrem na escola, onde so intimados a aprender, quando nunca aprenderam a
aprender, enquanto seus mestres aprenderam a ensinar, eis o que os pe em molesta
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Uma criana de 6 anos, escrevia Lange em 1879, j aprendeu muito mais, no curso
de seus 6 primeiros anos, que um estudante durante todos os anos de universidade (Die
Vorstellungkreis unsere 6 Kleinen).
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Mas, precisamente, essa primeira aprendizagem, que os psiclogos nos fazem conhecer cada vez melhor, e que poderia ser, para as crianas, no momento
em que entram na escola, to precioso instrumento de trabalho, os mestres a
recusam. Ou, como veremos, no a utilizam, de maneira imperfeita, seno
durante o comeo de sua tarefa; depois disso a abandonam, e a substituem por
sua didtica, constituda por toda a aparelhagem da qual falamos e por eles
considerada como algo que pode, e deve, substituir toda aprendizagem.
que sua tarefa essencial (que cumprem, alis, no mais das vezes, com
tamanho ardor, e sem p-la em dvida) afeioar o aluno, condicion-lo como
escolar, como foram, eles prprios, condicionados como ensinantes, no seio de um
mundo escolar inteiramente artificial. No se trata de discutir, aqui, o valor desse
artifcio; mas o artifcio incontestvel. Os escolares vo escola no, de modo
algum, para aprender gramtica, histria ou latim; vo para aprender o ensino
da gramtica, o ensino da histria, o ensino do latim, tais como esses ensinos foram
constitudos, no por latinistas, historiadores ou gramticas, mas por aqueles que,
assumindo a tarefa de ensinar latim, histria ou gramtica, construram inteiramente esses ensinos, mediante processos de modo algum includos nas matrias
ensinadas, mas que lhes pareceram judiciosos.
Nessas condies, era muito natural que, em seu esprito, houvesse concordncia perfeita entre ensino e aprendizagem. Se aprender o latim e o ingls, , verdadeiramente, aprender o latim e o ingls, tais como se apresentam ao esprito, no
estado de matrias brutas, claro que oaluno dever, mediante mtodos de aprendizagem, aprender o latim e o ingls. Mas se se trata, para o aluno, de aprender
no essas lnguas, mas o ensino dessas lnguas tal como o construiu a didtica,
no menos claro que aprender e ser ensinado sero, para ele, a mesma operao.
Assim, a didtica resolve o problema, ou, antes, o anula, com esse rodeio
hbil. Pelo ensino, que para isso constru, evito, ao escolar, a aprendizagem que
lhe seria necessria se meu ensino no existisse. Ensino, precisamente, para evitarlhe o trabalho da aprendizagem e quanto mais, por consequncia, ele participar,
pela docilidade e pela ateno, de meu ensino, menos ter que aprender.
E no quero repetir, com isso, que, na maior parte das escolas, o escolar
seja passivo. No o , certamente, ativo; no o , porm, seno no seio desse
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mundo artificial onde os seus passos (aos quais obrigado) so ditados pelo
mestre, e onde aprende cada vez mais, cada vez melhor, a ser ensinado, mas
onde no aprende quase a trabalhar, e, ainda menos, a aprender. Certo, se
bom aluno, instrui-se ou, antes, o mestre o instrui. Adquire, com o tempo, e
at conserva, ao menos na especialidade na qual se empenha cada vez mais,
quantidade considervel de noes, que sabe, at, usar convenientemente. Remeto
a tantos relatrios feitos pelos presidentes de bancas de exames superiores (cincias e letras) e s queixas por eles formuladas, para julgar esse regime.
O que eu desejaria buscar, nesse livro, que realmente, conforme o ttulo,
uma pedagogia da aprendizagem (e no uma psicologia, matria na qual
j foram escritas obras em bom nmero), a resposta a esta pergunta: como
longa tradio didtica, renovada incessantemente e, ao menos na aparncia,
aperfeioada, muniu, aquele que ensina, de mtodos de ensino, ser possvel
munir, enfim, aquele que aprende, de mtodos de aprendizagem? Proporei, adiante, alguns deles.
Comportaro, evidentemente, importantes modificaes na ao do mestre. Se
o mestre continuar a ensinar como ensina, admissvel, com efeito, que o aluno no
tenha necessidade de aprender, pois o aluno tido como devedor de tudo formao
que recebe. A aprendizagem quase no cabe, com efeito, em nossas escolas de hoje.
Mas, se se quiser que o escolar se forme, aprenda a formar-se, saiba o que sabe, e
o que no sabe, saiba o que faz, saiba o que quer, certo, realmente, que cumpre
agir de outra forma.
Outras disciplinas59
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escolar aprende o saber-operar de maneira cada vez mais informada, com nmeros, palavras ou frases da prpria lngua, ou de lnguas
estrangeiras. Fazendo, aprendeu a fazer, a fazer problemas de aritmtica, de lgebra, de geometria, a fazer exposies inteligveis, redaes, dissertaes, explicaes de textos, conversaes em outras
lnguas, tradues. Todas essas aprendizagens, se foram feitas nas
condies indicadas, podem ser qualificadas de aprendizagens naturais, pois dessa maneira que a criana naturalmente aprendeu todos
os saberes que possui quando entra na escola.
Dissemos que essas aprendizagens so baseadas na imitao,
ajudadas pelos instrumentos naturais que o aprendiz possui, ou
pelos que lhe pomos disposio. Faz, vendo fazer, trabalha, vendo trabalhar.
Evidentemente, a aprendizagem escolar no poderia dispensar,
aqui, um pouco de artifcio. Quando os escolares aprendem a escrita, imitam o mestre que escreve diante deles; quando aprendem a
contar, imitam o mestre no ato de contar e de fazer, diante deles,
operaes aritmticas; at quando aprendem a ler, imitam o mestre,
ao menos pronunciando palavras, ou slabas, como se ele prprio
fizesse trabalho de leitura. Mas, evidentemente, no o imitam mais
quando lhes faz um ditado, d-lhes problemas, impe-lhes uma redao, uma dissertao, uma verso para o ingls, uma traduo do
latim. O mestre no restabelece a imitao a no ser bem depois,
com retardamento, quando os alunos fizeram seu trabalho sem
modelo por imitar, e mediante o artifcio do trabalho-modelo. J no
diz aos alunos, no quer mais dizer e, alis, no caso dos exerccios
escolares ordinrios, j no lhes pode mais dizer: Olhem o que eu
fao e faam como eu. Diz-lhes, refazendo, por exemplo, depois
dos alunos, o problema que acabam de resolver, ou a traduo do
grego feita dias antes: Olhem o que eu fao e tratem de ter feito como
eu. Eis como deveriam ter feito, como deveriam ter operado para
chegar operao de nmero, ou de linguagem, que fao diante de
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tcnica didtica, assegurar a ateno e a memria, os escolares adquiriro, e devem conservar, um nmero considervel de conhecimentos, que Ihes constituem a bagagem intelectual (essa bagagem
que tantos deles guardam no depsito, decididos a nunca mais ir
busc-la, quando, como se diz, terminaram os estudos).
Ser preciso dizer que no h, nisso, a mnima aprendizagem, e
que ateno e memria em nada constituem mtodos? Mas, alm
disso, nesse domnio do saber bruto o problema agravado por
novo equvoco, que de h muito separa o mestre e os escolares.
Estes, quando esto atentos, apenas para adquirir, adquirir uma
informao desejvel, interessante ou agradvel. No se preocupam, absolutamente, com a conservao, a qual , ao contrrio, o
cuidado maior do mestre. Quando o mestre informasse os alunos
de que, em certa poca, em certo lugar de certo nome, viveram
animais curiosos, hoje desaparecidos, que os cientistas chamam
dipldocos, os alunos lhe diriam de boa mente: Agradecemos-lhe
por nos haver contado essa estorieta to interessante. Mas se assim dissessem, o mestre no deixaria de responder-lhes que no
lhes havia comunicado a informao para interess-Ios, mas para
que a conservassem na memria. Se os alunos lhe perguntassem
por que preciso guardar, ficaria, evidentemente, embaraado para
responder; se lhe perguntassem como, e se ele poderia indicar um
mtodo de conservao, responder-lhes-ia, como vive a dizer, que
quanto mais atentos estiverem durante sua exposio, melhor a
conservaro, e que a memria depende da ateno.
Ora, no somente a prtica, mas tambm alguns experimentos sistemticos, mostram suficientemente que a memria no est,
absolutamente, condicionada pela ateno, que o escolar pode esquecer totalmente aquilo que escutou atentamente e que a conservao depende de mltiplos fatores, e a ateno apenas um deles. Como muitos desses fatores, alis (afetividade, o interesse, dependente de toda sorte de disposies internas, e mantido por
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informaes extraescolares), no so possesso do mestre, ele recorre sempre apenas repetio (reviso, recitao), que no
mtodo de trabalho, nem de aprendizagem. E a tal ponto que se
pede aos alunos, e at se exige deles, uma conservao que lhes
ininteligvel, e Ihes no justificada. Diga-se ainda uma vez: s
perguntas que poderiam ser feitas pelos alunos: por que devemos
conservar tal noo, e como podemos conserv-la? nenhuma resposta jamais foi dada, nenhuma resposta pode ser dada.
Que a conservao exercita, fortifica a memria, torna o escolar mais capaz de lembrar-se, o que o mestre lhe diz, lhe afirma, lhe repete; e , na realidade, afirmao baseada em coisa nenhuma. Em verdade, velho hbito, ou certo pudor, impede o mestre
de reconhec-lo e, ainda mais, de diz-lo: h um programa ao qual
deve submeter-se, esse programa comporta um nmero, cada vez
mais considervel, alis, de conhecimentos que deve transmitir a
seus alunos (esta expresso , de resto, puramente verbal). Se controles lhe permitem verificar que os alunos conservam esses conhecimentos, claro que sua tarefa fica mais fcil, pois pode continuar seu caminho didtico seguido pelos alunos. Se verifica, infelizmente, o contrrio, deve voltar frequentemente atrs, recomear,
coisa, a um tempo, penosa e desencorajadora. Deve, pois, reconhecer honestamente que a principal vantagem da conservao,
pelos alunos, das noes adquiridas, facilitar-lhe o ensino, e que
essa conservao lhes , pois, menos til que a ele. de novo a
didtica a sobrelevar a aprendizagem.
Os escolares devem, pois, adquirir e conservar conhecimentos
de toda espcie, porque figuram nos programas. Devem faz-lo,
tambm, como lho repetem, porque esses conhecimentos so os de
toda gente, so aqueles, como dizia candidamente o outro, que nenhum homem deve ignorar. Julgo intil voltar a esse crculo, a saber:
esses conhecimentos (supondo que isso seja verdadeiro) so os de
todos, unicamente porque os adquiriram na escola; e, se houvessem
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dois interesses: obrigao, para o mestre, de apresentar, a alunos, conhecimentos que o no interessam pessoalmente, obrigao, para os
alunos, de adquirir e conservar conhecimentos que tampouco os interessam, porque no sabem o que ho de fazer de tais conhecimentos.
Assim, a supor que (por via de razes que no examinaremos
aqui) queiramos, ao menos em parte, conservar para a escola o
saber bruto, no parece que haja outro meio de faz-lo seno transformar esse saber em saber operatrio, isto (de acordo com a
definio que demos das condies de aprendizagem), apresentar
aos escolares cada noo por adquirir como objeto algo conhecido,
utilizvel para operaes ulteriores, e passvel de ser atingido por
uma srie de operaes.
O objetivo ltimo de todo trabalho desse gnero so as coisas, o real, e o conhecimento do real, e esse real estudado e
conhecido de diferentes pontos de vista, histrico, geogrfico, cientfico. Ou, com efeito, o trabalhador quer saber porque o real
assim atualmente e se foi transformando no decurso das idades
para chegar ao ponto onde est, e assim considera o real sob seu
aspecto temporal, e o historiciza; e seu objeto a compreenso do
estado presente do real, e, para compreend-lo, busca-lhe as origens temporais, propondo a si mesmo a pergunta: como que tal
estado, material, tcnico, social se constituiu ao longo das idades?
Ou, ento, procura saber porque um objeto natural o que , e o
geografiza fazendo a pergunta: por que tal parte da natureza o que
? Ou, ainda, procura saber o que , em sua realidade profunda,
esta ou aquela realidade que tem sob os olhos e a cientificiza63. Quer
saber porque Paris foi construda e se desenvolveu na margem do
Sena e empreende pesquisa histrica. Quer saber porque o Sena
tem certo curso, e empreende pesquisa geogrfica. Quer saber a
composio da gua do Sena, e empreende pesquisa cientfica.
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O essencial, nessa matria, , evidentemente, um trabalho de inqurito. Trata-se, para o escolar, no mais de receber do mestre, ou do
manual, um saber feito e acabado, e, sim, nos casos em que esse saber
desejado, de descobrir, ou aprender, os meios de adquiri-lo. E podemos, pois, responder aqui, nesse domnio do saber bruto, indagao essencial do aprendiz. Assim, como quando no domnio do saber
operatrio, ele perguntava ao mestre: Como se deve fazer para saber serrar, aplainar, limar? e o mestre serra, aplaina e lima diante dele
e, melhor, com ele, aqui pergunta ao mestre: Como se deve fazer
para saber... e o mestre lhe responde: Vamos procurar juntos.
bvio que, a essa pergunta ingnua, se fosse feita (mas a ela,
infelizmente, o mestre responde sempre, na escola, antes de que
seja proposta), ele responderia: Para saber, deve escutar-me atentamente, e reter o que houver escutado. Mas, primeiro, como
dissemos, a ao de escutar (ser que mesmo ao?), atentamente
embora, no constitui, de modo nenhum, mtodo de aquisio,
verdadeira aprendizagem; e, alm disso, cumpre-nos indicar, aqui,
outro vcio redibitrio de que ela padece.
afirmao corrente, trivial, isso de que quem deseja saber, no
caso, o escolar, no tem seno dirigir-se quele que sabe, no caso, o
mestre. Isso simples e natural: o mestre constitui uma espcie de
escritrio de informaes, ao qual o escolar se dirige, ou poderia
dirigir-se, em caso de necessidade, exatamente como um viajante
pergunta a um empregado de estao a que hora parte o trem que
deseja tomar. Mas, primeiro, o escolar nunca tem o direito, em classe,
de perguntar o que tem necessidade de saber, pois o mestre que
pressupe essas necessidades. E, em segundo lugar, precisamente
porque o escolar no tem o direito de formular sua pergunta, o
mestre no pode satisfaz-la. Ensina sempre e quase nunca informa.
Da, inconvenientes maiores.
Em primeiro lugar, o aluno nunca sabe, justa, quando no
sabe; e, pois, no sabe formular pergunta precisa, ainda quando
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bem claro que o objetivo por atingir o conhecimento mais completo, e historicamente construdo, do estado presente. Digamos, ainda uma vez, que a pergunta feita pelo
aprendiz historiador, pergunta de modalidades muito diversas segundo sua idade, esta:
Como, depois de quais transformaes chegou o estado presente a ser o que ?.
Segue-se que, obvio, nessa perspectiva desaparecer ou, antes, no chegar a aparecer, aos olhos dos alunos, um nmero considervel de acontecimentos e de personagens
ditas histricas atualmente presentes nos manuais, e que apareceram e desapareceram
sem deixar trao. Pior para eles. E, alis, esses acontecimentos e essas personagens
podero satisfazer curiosidades, constituir objeto de leituras, de palestras, com a condio de no ser objeto de ensino obrigatrio. No peo que deixemos os alunos ignorar
Bayard, Duguesclin, Colbert ou Mirabeau: peo, apenas, que no os obriguemos a
conhecer essas pessoas e a conservar-lhes a lembrana. Sabemos, alis, quando a isso
as obrigamos, o que lhes resta na memria alguns anos depois de sarem da escola. E
no perco de vista as reservas de Bergson, por mim referidas em obra anterior, em
matria de interpretao do presente pelo passado.
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grfico a partir do momento em que a criana pergunta a si mesma, ou aos outros, por que a gua corre. E, nesse primeiro perodo,
no h outra coisa por fazer seno permitir-lhe construir um regato. E essa construo, sem ensino, permitir-lhe- verificar que o
regato corre porque o leito inclinado, mais ou menos abrupto, e
que o leito inclinado porque o ponto de partida do regato (nascente) est em altura maior que o ponto de chegada67.
A partir desse momento, o real est geografizado e esse real
geogrfico, o escolar comea a constru-lo, a reconstru-lo, antes de
submet-lo observao. construo no tabuleiro de argila sucedem a construo de planos em relevo, depois, de planos desenhados com aparecimento da noo de escala, depois, enfim, a fabricao
de cartas locais seguida da utilizao de cartas de grande escala. Nesse momento, o aluno tem efetuado verdadeira aprendizagem geogrfica e tem utilizado os instrumentos de trabalho necessrios para
chegar, tambm a, a um saber operado, a um saber construdo68.
Vemos, assim, o que j tm de comum a aprendizagem histrica e a aprendizagem geogrfica. Nas duas aprendizagens, o objetivo
o mesmo, o conhecimento construdo, graas ao qual conhecemos
de relevos de gesso, de um pouco de argila afeioada mo, ou da areia seca, que os
alunos, por sua vez, podero adaptar, reproduzindo o que o preceptor houver feito.
Um estudioso da matria, autor de pequeno livro de metodologia didtica assaz interessante ainda hoje, passado quase meio sculo de sua publicao, escreve o seguinte: ...
alguma coisa [...] a modelagem como auxiliar da geografia. Recomenda-se o uso do
tabuleiro de areia mida, porm imprprio para classes numerosas. A modelagem deve
ser trabalho individual e exige, portanto, um grande nmero de tabuleiros para que todos
os alunos trabalhem simultaneamente. S em circunstncias muito especiais poder ser
posto em prtica o processo. Mais praticvel a modelagem em argila umedecida. Neste
caso cada aluno pode ter a sua prancheta e, em falta de local apropriado, executar o seu
trabalho sobre a carteira mesma. (Proenca, A. F. Como se ensina geographia. So
Paulo: Melhoramento, s.d. p. 60. (Bibliotheca de Educao; 7). (Nota dos tradutores).
67
O que impede a maior parte dos alunos de compreender o deplorvel uso das cartas
apresentadas verticalmente, ou desenhadas verticalmente no quadro-negro.
68
Digamos, todavia, que aquilo que aqui estou a esboar mereceria mais o nome de
reaprendizagem. Como Ferrire j o havia indicado, o interesse geogrfico anterior
idade escolar, sobretudo em nossos dias, em que o rdio, o cinema, a televiso familiarizam a criana, desde muito cedo, com os pases longnquos e lhe fazem adquirir a
noo de viagem.
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no mais apenas o que um objeto , mas como, no correr das idades, veio a tornar-se, por transformaes sucessivas, o que (histria), e porque o que (geografia), acrescentada, medida que os
escolares avanam em idade, a interao das duas ordens de pesquisas, a histria da geografia e a geografia da histria.
E, nessas duas aprendizagens, o mestre pode ministrar, aos escolares, verdadeiros mtodos de trabalho. Pode dizer-lhes: Se quiserem saber exatamente como tal estado o que hoje (habitao,
vesturio, cultura do solo, instruo dos jovens ou organizao judiciria), procurem, nos documentos que esto sua disposio, os
referentes ao assunto de sua pesquisa, juntem esses documentos,
consultem-nos, classifiquem-nos. Ajudarei em caso de necessidade:
se esses documentos forem suficientes, vocs os utilizaro; se virem
que deixam certos pontos na sombra, juntos procuraremos outros.
A prtica, assim, os ensinar a saber o que sabem e o que no sabem,
para construir aquilo que se propuseram construir e, assim, a julgar,
vocs mesmos, nossa informao e seu trabalho.
Assim ser ( assim, felizmente numerosas experincias permitem atest-la) quanto histria. Ser tambm quanto geografia, pois a aprendizagem geogrfica tambm comporta a observao do real geogrfico, qual se ajunta a utilizao do documento geogrfico, ou estatstico, que desempenha, no espao, o mesmo papel do documento histrico, no tempo.
Assim, nesses domnios puramente escolares, os alunos esto
submetidos s condies de toda aprendizagem: conhecimento do
objeto, conhecimento, de comeo, imperfeito, mas suficiente para
suscitar o desejo de conhec-lo melhor, de construir, pois, um saber
satisfatrio (segundo a idade dos escolares), construo que se efetuar com instrumentos de trabalho postos disposio dos escolares,
e dos quais aprendem a servir-se sobretudo servindo-se deles.
Deve acontecer o mesmo no terceiro tipo daquilo que chamei
de saber bruto, isto , o saber cientfico. Sem dvida, socialmente, no
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movimentos de marcha, de voo, de natao, de tomada de alimentos, diferentes dos movimentos humanos. Esse interesse pela
observao da atividade primeiro nas crianas, anterior observao do agente. Esto, de incio, mais atentas ao que o besouro
faz (quando anda, ou quando posto de costas), ao que fazem o
macaco, a foca ou, simplesmente, o cavalo ou a vaca, do que
prpria natureza desses animais. Suas duas primeiras perguntas so,
pois, sempre, como acabei de dizer: Como fazem? e, no caso
de movimentos na aparncia inexplicveis: Por que fazem?.
por isso que, ainda as crianas muito pequenas, em presena de
animais, tm, primeiro, exatamente a mesma atitude dos
entomologistas, ou dos zologos de toda especialidade. Observam
primeiro a atividade do animal e experimentam sobre essa atividade,
quando reviram um besouro, ou depositam uma palhinha no caminho da formiga, para ver o que vai acontecer.
Encontramos, pois, a, nossas condies ordinrias da aprendizagem: interesse pelo objeto, nascido de um primeiro conhecimento, desejo de conhecer melhor esse objeto, emprego da observao e da experimentao como mtodos de trabalho, como
instrumentos para chegar a esse fim. assim que se faz, que deve
fazer-se a aprendizagem natural no domnio da zoologia, da anatomia, da fisiologia. Gradualmente, com a idade, o desenvolvimento mental, o exerccio, a observao e a experimentao permitiro classificaes, conducentes a generalidades. Isto , a aprendizagem, neste domnio, procede ao inverso do ensino. O professor que ensina comea por generalidades para chegar aos exemplos particulares; o aprendiz parte dos exemplos particulares, entre os quais descobre diferenas e semelhanas que lhe permitem
chegar, com o tempo, s generalidades. O mestre informa os escolares de que h seres vivos, divididos em vertebrados e
invertebrados, vertebrados, divididos em mamferos, aves etc. O
aprendiz, vendo viver um cavalo, um burro, um carneiro, uma
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Quer dizer, reproduzi-lo. Todo trabalho cientfico, para as crianas, comea na ao,
anterior observao. (Uma criana diante de quem colocarmos um inseto, experimentar faz-lo fazer alguma coisa, isto , comea por experimentar, e observa os resultados
de sua experimentao. Observa, depois, o que se passa quando no mais experimenta).
Ora, essa ao, a manipulao, ainda no tem seno lugar ntimo na escola, e , muita
vez, relegada quase para o fim dos estudos, segundo a marcha dos princpios para as
aplicaes. Ora, a manipulao uma atividade primeira, qual se entregam todas as
crianas, quando no so proibidas de faz-lo. Querem fazer funcionar quando viram
funcionar, querem construir quando viram construir. E a est uma primeira atitude
verdadeiramente cientfica.
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Tambm conviria, realmente, dizer ao menos algumas palavras de uma aprendizagem de outra espcie, ainda menos representada na escola que aquelas das quais acabamos de falar, a saber,
a aprendizagem moral, cuja necessidade, penso, no parece quase
contestvel, mxime nos internatos, onde o escolar vive inteiramente vida escolar.
A formao moral efetuada, na escola, de duas maneiras:
teoria e prtica. A teoria constituda, como no caso da formao
intelectual, pelo ensino; a prtica, pela aplicao do juzo do mestre
sobre a conduta dos escolares, juzo positivo, representado pelas
diversas formas de reconhecimento da boa conduta, e encorajamento a essa conduta, e juzo negativo, representado pelas punies,
nos casos de infrao lei. O juzo positivo, a despeito do que nos
ensinam, sobre esse ponto, tantos experimentos psicolgicos, est
antes em regresso. O juzo negativo no perdeu terreno, longe
disso. O escolar, em qualquer idade, muito menos apreciado, no
domnio da conduta como nos outros domnios escolares, pelo
que , do que informado do que no , e condenado porque no
70. Com efeito, o escolar moralmente imperfeito interessa muito
mais o mestre que o bom escolar71: Ele o interessa, poderamos
dizer, no sentido material. Pelo fato de que, por obra da m conduta, perturba o mestre, o mestre obrigado a ocupar-se dele
muito mais que do bom escolar e, assim, no para de fazer-lhe
observaes, isto , de apresentar-lhe, como nos domnios intelectuais, a distncia que ainda o separa da boa conduta, e de corrigi-lo, na
esperana de que, graas a essa correo, aquela distncia venha a
diminuir, no futuro.
Quanto teoria, consiste, desde o fim do sculo XIX, numa
didtica moral, cujo objeto fazer o escolar refletir (em qualquer
70
When you are good, diz uma menininha de 4 anos, nobody pays attention to you
(Wolff, W. The personality of the preschool child. New York: Grune & Stratton, 1947).
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verdadeiro educador, nos informam de que, nesse estdio, no caberiam ensino, nem lies magistrais. Nunca tanto como aqui seria
indicado o mtodo das conversaes familiares dos alunos entre si,
e dos alunos com um mestre em quem tenham confiana73.
Concluso74
73
Foi o que to bem fez P. Chambre, em domnio particularmente difcil. Ver sua notvel
obra Les jeunes devant lducation sexuelle.
Cousinet, R. Concluso. In: _____. A formao do educador e a pedagogia da aprendizagem. Traduo e notas de Luiz Damasco Penna e J. B. Damasco Penna. So Paulo: Cia
Editora Nacional e Editora da USP, 1974. pp. 166-175. (Atualidades pedaggicas; 112).
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sabe e aprende, assim, aquilo que no sabia. Nem parece que essa
afirmao possa, at, ser posta em dvida.
Ela no vlida, entretanto, seno sob certas condies.
A primeira que quem no sabe, saiba o que deseja saber,
falta do que desejar, como M. Jourdain, aprender tudo quanto
puder, posto M. Jourdain escolhesse em favor da ortografia, e
do almanaque75.
A segunda que cesse a ambiguidade, por ns assinalada, da
palavra aprender. Na linguagem da escola, com efeito, aprender
receber certos saberes das mos do mestre, que sabe. Na escola, o
aluno aprende histria, geologia, fsica, geografia. Chega escola
sem nada saber dessas disciplinas, o mestre as sabe e, pois, lhas
comunica; e, graas a esse contato, como se diz, entre o mestre e o
aluno, este ltimo aprender histria ou geografia, isto , passar
da condio de ignorante da geografia e da histria para a condio
de sabente, tornar-se- aquele que sabe, ao menos por uns tempos, a histria e a geografia. Era aquele que no sabe; tendo aprendido, agora aquele que sabe. Pode dizer, como o mestre, sem
precisar olhar o livro: Louvois foi ministro da guerra, Lus XVI
foi guilhotinado, Bonaparte fez a campanha do Egito. No de
duvidar que esse contato entre o mestre e o aluno transformou
este ltimo, f-lo passar do estado de ignorante para o estado de
sabente, permitiu-lhe aprender. E considera-se como igualmente
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Certo, pessoas das mesmas classes sociais parecem, hoje, ao menos mais instrudas
que antanho. No , porm, melhor conservao das recordaes escolares que o
devem, e, sim, s informaes que lhes so prodigalizadas pela imprensa e pelo rdio.
Isso faz, alis, seja a instruo de muitos de nossos contemporneos, hoje, bem mais
aparente que real e consista muito em palavras cujo sentido mal conhecido, ou de todo
desconhecido, daqueles que as empregam.
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Nossos experimentos, escreve Smirnov, mostram que a atividade intelectual consistente em procurar ativamente a soluo de um problema pode servir de base reteno
mnmica espontnea. Mostram, por outro lado, o papel desempenhado pelo carter da
ao, em cujo seio ocorreu a reteno mnmica espontnea, assim como pelo grau de
empenho ativo do sujeito na busca da soluo [...]. A reteno mnmica depende da ao
desenvolvida pelo sujeito [...]. O que sobretudo importa o grau de empenho ativo do
sujeito na ao. (Smirnov. Bulletin de Psyhologie, pp. 154-155).
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quase no se interessam, pois, e no se submetem seno por esprito de docilidade ou, at, a contragosto e opondo, ao magistral, essa espcie de resistncia qualificada, pelos mestres, de preguia. E, enfim, pela apresentao e pela decomposio e por outros
processos didticos, os mestres criam, nos escolares, hbitos que,
em certa medida, prestam servio a uns e, talvez, a outros, sem
que possam, contudo, constituir, para os escolares, mtodos de
aprendizagem. No sendo ensinados, e porque somos ensinados,
que aprendemos. E poderamos dizer, ao menos, que quanto menos ensinados formos, mais aprenderemos, pois ser ensinado
receber informaes, e aprender buscar informaes.
Ajuntemos, aqui, que se os mestres foram; durante tanto tempo,
e so, ainda, tamanhamente apegados sua atividade didtica, (alm
de vrias outras razes)78 em parte porque so vtimas do que se
poderia chamar de iluso pedaggica. Por um lado, exercem certa
atividade na qual tm f, porque lhes foi legada por uma tradio,
respeitvel, isto , respeitada como todas as tradies, e porque,
exercendo-a, em geral, muito conscienciosamente, no podem duvidar, sofreriam muito em duvidar, da eficcia dessa atividade. Por
outro lado, como verificam que, em certo nmero de casos, essa
atividade que a sua seguida de resultados positivos nos escolares,
sua crena nessa eficcia , assim, reforada. Desse xito que se segue sua atividade, atribuem naturalmente, a si mesmos, todo o
efeito (post hoc, ergo propter hoc). Quando sua didtica d certo, transforma o indivduo informe em escolar, em bom escolar, e por
causa deles; quando malogra, por causa do indivduo. Os bons
alunos so feitos pelo mestre; os maus, por si mesmos.
Ser preciso (mas preciso) dizer que essa inferncia no tem
nenhum valor? Estamos a ver, de um lado, certa atividade do mestre,
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There is somehting in us which leads us to want to play God and do the whole job, which
keeps us from doing this limited skilled function (Cantor, N. The teaching-learning
process. New York: The Dryden Press, 1953).
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Ficando claro que mestre e alunos se conformem igualmente com a ordem e obedeam
igualmente lei. A frmula que apresento no autoriza nem o desregramento dos alunos, nem
o abuso de autoridade do mestre. Mestre e alunos vivem em um mundo organizado e regrado.
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punha abaixo e obrigava a edificar outra. Como as outras aprendizagens, a aprendizagem escolar permitir, ao escolar, saber o
que quer, e o que pode, e ajustar o poder ao querer.
E o mestre no incomodar mais o escolar com sua exibio de
um saber pronto e acabado, o escolar no incomodar mais o mestre pela apresentao de sua ignorncia, por seu estado de no-sabente
daquilo que o mestre sabe. Passa de um estado negativo para um
estado positivo. , em certo estdio, o que , ser natural e necessariamente outro no estdio seguinte, o mestre se abster de conduzi-lo, e o acompanhar.
Evidentemente, a escola, assim, muda de alma. E nela comea
vida nova. Mas vida verdadeira, vida de trabalho e de experincias,
e vida feliz, como se v j em escolas novas, em Frana e em
outros pases. Tendo aceito a transformao pedaggica a que essa
nova concepo o convida, o professor no est mais amarrado
tarefa penosa que consiste em transmitir seu saber a escolares que
no esto dispostos a receb-lo, pelas razes j ditas, a fazer-lhes
adquiri-lo e, sobretudo, a obrig-los a conserv-lo. Arruma cuidadosamente seu saber, para no se servir dele seno medida das
necessidades dos alunos, e segundo os alunos manifestem essa necessidade, conforme o uso que queiram fazer desse saber. Em vez
de os alunos que aprendem, que aprendem porque no sabem,
ficarem disposio do mestre que sabe, o mestre que est
disposio dos alunos. Ajuda-os, colabora em sua aprendizagem.
De sua parte, os escolares no mais temem encontrar, na pessoa
do mestre, algum que, apresentando sem cessar seu saber, os impede de aprender; que, em lugar de considerar o que eles j sabem,
vive a julg-los pelo que no sabem, vive a comparar a fraqueza
deles com sua fora, e no se preocupa seno muito raramente com
o que querem, e com o que podem, saber. Acham, ao contrrio, um
auxiliar que trabalha com eles, servindo-se do que eles sabem e, no,
do que ele sabe, nem do que acha que devem saber.
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E um juiz tanto mais perigoso quanto jamais avalia a distncia, no caso do escolar,
entre o ponto do qual partiu e aquele no qual se acha, mas a distncia desse ponto ao
ponto ao qual ainda no chegou. Um juiz que vive a negar.
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sob a condio primeira de que o mestre no queira fazer-lhe comear cedo demais os diferentes estgios. H perodos sensveis, diz
Mme Montessori, e cumpre lev-los em conta, no querer nem comear muito cedo, nem ir muito depressa nem, querer ir. No o
mestre que deve querer ir; o escolar que ir para onde quiser, e no
passo que puder. E essa espera, pelo mestre, de um bom ponto de
partida, e essa pacincia ao longo da marcha, so-lhe, hoje, facilitadas
por disposies administrativas, e por um estado da opinio, em
quase todos os pases, favorvel prolongao da escolaridade. No
singular, e lamentvel, verificar que damos, aos escolares, quase
duas vezes mais de tempo que h um sculo para trabalhar, e os
fazemos comear to cedo, e avanar em passo to rpido quanto o
de antanho? Ou teremos decidido que, seja qual for o tempo da
escolaridade, sejam quais forem os programas, o mestre h de querer, sempre, que os alunos acabem sem flego?
Assim como o mestre no comear cedo demais, no ir
depressa demais, tampouco se por primeiro a caminho num passo
que s ele julga conveniente. No se far mais acompanhar, ou
no se esforar mais por fazer-se acompanhar pelos alunos, mas
os acompanhar e se far acompanhar por eles; andaro no mesmo
passo, trabalharo juntos.
E, por consequncia, a atividade que a prpria do didata, a
saber, o juzo, desaparece, tanto o juzo positivo como o juzo negativo. O juzo negativo no tem mais razo de ser, pois, como o fim
no arbitrariamente fixado, o mestre no tem que estimar, nem
que fazer conhecida, dos escolares, a distncia a que se encontram
desse fim. O juzo positivo tampouco a tem; alm de que o mestre
no o pode estabelecer em bases seguras, o escolar ensinado no pode
emiti-lo judiciosamente a seu prprio respeito; s pode faz-lo, com
conhecimento de causa, o escolar discente. Que servio a escola
prestaria ao escolar se ele pudesse, enfim, aprender, na escola, a conhecer-se e a julgar-se, sem esperar o juzo de outrem!
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