As Veias Abertas Da Faculdade de Medicina USP

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Revista Adusp

USP em xeque

Dezembro 2015

As

veias abertas da
Faculdade de Medicina
Luiza Sanso
Jornalista

Ilustrao de Vitor Flynn

Grupos de alunos veteranos da Medicina da USP, pertencentes a duas antigas


organizaes a fraternidade Show Medicina e a Associao Atltica
reproduzem e perpetuam trotes humilhantes e violentos machistas, homofbicos,
racistas aplicados em calouras e calouros. Nesse contexto, como comprovam
sindicncias, inquritos policiais e uma CPI realizada na Assembleia Legislativa,
ocorrem at mesmo crimes sexuais, seguidos de forte assdio moral s vtimas
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Revista Adusp

Dezembro 2015

Terminou em 14 de maro de
2015 o trabalho da Comisso Parlamentar de Inqurito (CPI) que, instaurada pela Assembleia Legislativa
do Estado de So Paulo (Alesp) em
dezembro de 2014, apurou violaes de direitos humanos ocorridas
no mbito das universidades paulistas, em especial trotes violentos e
crimes sexuais. Antes de ganharem
espao na mdia, os diversos casos
de violncia praticados em ambientes universitrios eram ainda ignorados por grande parte da sociedade, que se chocou ao tomar nota
dos casos denunciados na CPI por
alunos de diferentes universidades
do Estado. No por falta, contudo,
de precedentes gravssimos.
H 16 anos, em 22 de fevereiro
de 1999, o calouro Edison Tsung
Chi Hsueh, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), foi encontrado morto na piscina da Associao Atltica Acadmica Oswaldo
Cruz (AAAOC), onde foi jogado
durante o trote embora no soubesse nadar, conforme relatou,
poca, a famlia do jovem de 22
anos. Quatro alunos veteranos
do curso de Medicina foram indiciados e denunciados pela polcia,
acusados de serem os autores do
homicdio por afogamento, na festa
de recepo em que calouros levaram sucessivos caldos. Um caso
emblemtico por suas circunstncias e por seu desfecho. O Superior
Tribunal de Justia (STJ) determinou, em 2006, o trancamento da
ao penal, por falta de provas. O
Ministrio Pblico Federal recorreu, mas a deciso do STJ foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal
em junho de 2013. Todos os ex-rus

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Daniel Garcia

Alunos da FMUSP depem CPI

so hoje mdicos formados. No


perderam nem a liberdade, nem o
diploma.
O episdio mesclou violncia fsica, racismo e preconceitos diversos. Frederico Carlos Jaa Neto,
ento aluno da FMUSP e principal
acusado da morte de Edison, chegou a ser preso por alguns dias,
depois que a polcia descobriu que
ele declarara, numa festa: Eu matei o japons [sic] que se afogou.
Ivan Marsiglia, reprter do jornal O Estado de S. Paulo, apurou
que ao longo de dez anos a famlia
Hsueh, oriunda de Taiwan, no recebeu uma nica visita de representantes da USP, ao passo que no
seu curto perodo de crcere Jaa
Neto gozou da solidariedade de
oito professores da faculdade (http://goo.gl/HKz05p). Mas isso no
tudo. Quando o corpo de Edison
foi retirado sem vida da piscina,
descobriu-se que nas suas costas
estava pintado, em tinta colorida,
o nome Santa Casa, referncia
depreciativa escola de medicina
que ele cursara por dois semestres,

antes de ser aprovado no vestibular do curso da USP.


No ser tolerado qualquer tipo de manifestao estudantil que
cause, a quem quer que seja, agresso fsica, moral ou outras formas
de constrangimento, dentro ou fora
do mbito da universidade, dizia
a portaria divulgada pela USP na
esteira do caso, em abril de 1999,
reiterando que a punio para atos
como estes seria de suspenso ou
expulso. Pura retrica. Embora
tenha sido proibido por lei naquele
mesmo ano (lei estadual 10.454, de
20/12/1999), o trote universitrio
ainda frequentemente visto como um mero rito de passagem, em
que estudantes mais velhos, veteranos, recepcionam os novos alunos, seus eternos calouros, com
brincadeiras. Assim, apesar da
proibio, o trote segue acontecendo em stios e outros locais distantes das faculdades, ou mesmo em
dependncias dessas instituies de
ensino, travestido de outras formas.
O tema sazonal e, aps denncias pontuais, cai no esquecimento.

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A imprensa, s vezes, o mantm


na agenda em fevereiro e maro,
mas logo depois tudo volta ao que
era antes. Essas coisas recrudescem
depois que saem da agenda porque
a tradio mais forte, diz Marco
Akerman, professor titular e vicechefe do Departamento de Prtica
da Faculdade de Sade Pblica da
USP, que desde 2010 pesquisa a
prtica do trote nos cursos mdicos.
Porm, a iniciativa de estudantes

Os

que, vtimas de violncia em trotes


e festas universitrias, romperam
corajosamente o silncio reinante,
levou a mdia a dedicar mais ateno questo. Denncias de graves
violaes de direitos humanos que
vm sendo feitas desde 2013 por
alunos da FMUSP resultaram na
abertura de um inqurito civil pela
Promotoria de Justia de Direitos
Humanos e Incluso Social do Ministrio Pblico (MPE-SP) em se-

tembro de 2014, chegando tambm


Comisso de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Participao e das Questes
Sociais (CDH) da Alesp. Assim,
realizaram-se duas audincias em
novembro de 2014, nas quais foram
ouvidos depoimentos de estudantes sobre casos de assdio moral e
sexual, estupros, racismo e homofobia, a maioria deles ocorrida na
FMUSP.

chocantes relatos CPI.


agresses a calouras e calouros da Medicina
O ento deputado Adriano Diogo (PT), que presidia a CDH, relatou Revista Adusp que houve
fortssima presso por parte da direo da FMUSP para que uma
das audincias no fosse realizada.
Os relatos colhidos nas duas audincias da CDH revelaram uma
realidade de profunda discriminao, especialmente contra mulheres
e homossexuais, na FMUSP e na
Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto (FMRP-USP), e deram
ensejo, por sua gravidade, criao de uma CPI, finalmente instalada em 17 de dezembro de 2014.
A faculdade, lembra Diogo, enviou
advogados para embaraar a CPI.
Todos os dias eles estavam l me
intimidando, me coagindo, esvaziando a sesso para que no desse
qurum, conta.
A legislatura encerrar-se-ia em
maro de 2015, de modo que a CPI
teve menos de quatro meses para
trabalhar. Ao longo desse perodo
diretores de unidades, professores,

funcionrios, vtimas e supostos


agressores foram convocados pela
comisso, cujo objetivo foi promover no apenas o debate sobre a
questo, mas a responsabilizao
civil, penal e administrativa de pessoas e entidades que tiveram envolvimento com atos de violaes,
de forma ativa ou omissa. Embora
tenha ficado conhecida como CPI
do Trote, a comisso foi alm, ao
revelar que tais violncias no se
restringem ao trote em si, e que
este transcende o perodo de recepo aos novos alunos ao assumir diversas formas que se estendem por
todos os anos dos cursos.
Se h casos de trotes violentos
em vrias universidades paulistas,
como se demonstrou durante o trabalho da CPI, estes parecem encontrar terreno especialmente frtil entre estudantes de faculdades
tradicionais, como as de Medicina.
Grande parte das denncias apresentadas por estudantes envolve
violaes de direitos humanos pra-

ticadas por membros da Associao


Atltica e do Show Medicina, que
so organizaes antigas e fortes
da FMUSP, geridas por estudantes
mais velhos.

As calouras sofrem as
primeiras violncias na
semana de recepo, quando,
levadas por veteranos da
Atltica a fazer um crculo
ao redor do famoso busto
do Dr. Arnaldo, so
obrigadas a ouvir hinos
machistas e degradantes

Para as calouras da Medicina, os


abusos comeam j na semana de
recepo, quando so colocadas em

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crculo, por veteranos da Atltica,


ao redor do famoso busto de Arnaldo Vieira de Carvalho, fundador e
primeiro diretor da faculdade (Dr.
Arnaldo), e recebem a ordem de
gritar Bu!, aps o que os veteranos emendam um de seus hinos
altamente machistas e degradantes:
Buceta! Buceta!/Buceta eu como a
seco!/No cu eu passo cuspe!/Medicina s na USP!. Foi assim que
Renata Mencacci, 20 anos, aluna do
segundo ano da FMUSP, teve seu
primeiro e chocante contato com os
atletiqueiros, em 2013.
Eles fizeram a gente andar at
a Atltica de elefantinho, o que
superdesagradvel, porque nessa
posio a mo de algum fica roando seu genital. Quando cheguei
Atltica, falei que no queria,
mas eles abriram minha boca para
jogar bebida tem que beber.
Uma invaso absurda!, indigna-se
a estudante. O abuso no parou
por a: um veterano do sexto ano
foi beijando cada uma das calouras.
Quando chegou a vez de Renata,
ela se recusou a beij-lo, mas no
adiantou. Ele segurou meu rosto, roubou um beijo e continuou
andando. Minha semana de recepo acabou a, e j fui meio que me
blindando, recorda.
A presso feita pelos veteranos
para que os ingressantes treinem
para a Calomed, competio universitria anual entre alunos iniciantes de algumas faculdades de
medicina, tornou-se outro grande
incmodo para Renata. Eles comeam a colocar essa mentalidade corporativista em voc desde
o primeiro momento em que pisa
aqui, critica ela. Eles vm com

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Daniel Garcia

Renata Mencacci

um discurso louco de que, se voc


no treinar para a Calomed, no
vai fazer amigos; se no tiver amigos, no vai ter panela no internato;
se no tiver panela no internato,
vai ter uma formao ruim; se tiver
uma formao ruim, no vai passar
na residncia, enfim. As pessoas
so muito coagidas a treinar. A estudante chegou a participar de dois
treinos, mas no gostou do ambiente e, desde ento, adotou a atitude
que a levou ao ostracismo na faculdade: no frequentar competies
nem mesmo para torcer. No quero compactuar com as violncias
que acontecem l, explica ela, hoje
ativista do Coletivo Feminista Geni.
Assessor da CPI, Ricardo Kobayashi destaca que o fortalecimento das associaes atlticas nas faculdades tradicionais se deu no perodo da Ditadura Militar (1964-1985)
como um mecanismo de despolitizao dos jovens universitrios. As
atlticas so um trao caracterstico
das faculdades de Medicina. Todas
elas cumprem um papel que , ao

mesmo tempo, poltico e alienante. E de violncia, de um ufanismo


cego pela instituio. Elas se fortaleceram a partir de 1965 como uma
forma de contraposio poltica aos
ento grmios estudantis, ou seja:
uma anulao daquilo que poltico
de fato. Nesses cursos que tm uma
insero social muito forte e so altamente elitizados e tradicionais, como Engenharia, Direito e Medicina,
as atlticas passaram a ter um papel
preponderante, explica Kobayashi,
cujo trabalho serviu de fator motivador da CPI, em funo dos casos
de violncia que conhecia e levou
CDH da Alesp.
Augusto Ribeiro Silva, 24 anos,
aluno do quarto ano da FMUSP,
conheceu de perto tais prticas violentas, o que o levou a depor contra
a Atltica na CPI. O trote no s
violncia fsica, dar tapas e socos,
nem s pintar a cara, raspar a cabea. um processo complexo, que
teve que se construir na Faculdade
de Medicina da USP desde a morte do Edison, inicia o estudante,
aludindo ao fato de que, em funo
de o episdio de 1999 ter atrado a
ateno da mdia, os grupos promotores do trote (trotistas) passaram
a se esforar para evitar a identificao e divulgao de outros casos
de violncia na faculdade. Assim, o
trote passou por uma ressignificao, assumindo outras roupagens,
igualmente violentas. Eles te absorvem com a Calomed, te seduzem
com a ideia de uma autodeterminao de elite, com a afirmao pelo
esporte e pela competio esportiva, relata, em entrevista Revista
Adusp. Num primeiro momento,
isso veio a calhar para ele.

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Daniel Garcia

Em uma faculdade de
Medicina os professores
titulares so quase todos
brancos. E quase todos
so homens. Ento vou
me formando dentro de
uma cultura machista, de
elite branca, sem saber
o ponto de vista do negro,
da mulher, diz Marco
Akerman (FSP)

Inseguro ao entrar no curso,


mas familiarizado com a prtica
de esportes, viu na Atltica uma
chance de se integrar. Ao contrrio
da maior parte dos estudantes da
FMUSP, Augusto no branco nem
provm de uma famlia de classe
mdia alta. Seus pais se esforaram para pagar-lhe boas escolas
em Santos, onde nasceu, e tudo o
que esperavam dele era dedicao
aos estudos expectativa qual o
jovem correspondeu naturalmente. Recm-chegado faculdade,
em 2011, participou do chamado
Churrasco da Invaso, promovido por veteranos da Atltica, a partir do qual passou a ser chamado de
Lo Moura (aluso ao jogador
negro do Flamengo), apelido que
herdou de um colega maranhense
que tinha traos nordestinos.
A atribuio de apelidos pejorativos a calouros tpica de grupos

Professor Marco Akerman

trotistas, de acordo com o professor


Antonio Ribeiro de Almeida Junior,
do Departamento de Economia,
Administrao e Sociologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz (Esalq-USP). Nos apelidos
dados aos alunos, preconceitos de
gnero, relativos aparncia fsica
da pessoa, tnicos, raciais, relativos
opo religiosa ou sexual, entre outros, manifestam-se constantemente, escreveu ele no texto Trotes,
violncias e hierarquias nas universidades, publicado originalmente
no relatrio final da CPI. Socilogo,
Almeida Jr. estuda a cultura trotista
de longa data e o maior especialista brasileiro no tema.
Em uma faculdade de Medicina, os professores titulares so
quase todos brancos, no h professores negros. E quase todos so homens. Ento eu vou me formando
dentro de uma cultura machista, de
uma elite branca. O currculo oculto vai me conformando como algum que no sabe o ponto de vista
do negro, da mulher, do pobre. Vo-

c cria um ponto de vista prprio,


ento se d o direito de fazer tudo,
explica o professor Marco Akerman
(FSP), outro importante estudioso do tema. No artigo Currculo
oculto: h que se evidenciar ainda
mais a sua associao com preconceitos, abusos, humilhaes e violncias nas escolas mdicas, publicado em 2015, o professor define a
expresso como um conjunto de
tradies, valores, normas, regras,
rotinas que no esto escritas em
nenhum documento da escola, mas
que so transmitidas, conscientemente ou inconscientemente, entre
professores e estudantes, e que podem gerar tanto um ciclo virtuoso
quanto um ciclo vicioso de atitudes
e aes que podem marcar o corpo
e a alma dos estudantes durante o
perodo escolar, ou para o resto do
tempo de vida fora da escola.
Augusto conta como se sentia ao
chegar faculdade: Eu no tinha
leitura poltica, ainda no entendia
como me enquadrava naquele espao. Ainda no me declarava negro e
no entendia por que alguns espaos l dentro no estavam abertos
para mim. Convencido do quo
difcil seria manter-se no curso, o
estudante estabeleceu como meta a
construo de uma rede de pessoas
que possibilitasse sua integrao no
novo ambiente, como uma questo
de permanncia estudantil. Ao ver
no esporte a chance de integrao,
entrou para o time de handebol,
que, segundo o estudante, uma
das modalidades mais envolvidas
com a gesto da Atltica. Possui
maior influncia quem compe a
diretoria da entidade, mas essa aspirao de grande parte dos atle-

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tiqueiros no estava nos planos de


Augusto.
Nos espaos de confraternizao, a hierarquia da equipe se manifesta de forma intensa. Apenas
os mais velhos tm voz, algo que
imposto tambm de forma violenta, conta. Uma das tradies
do time de handebol a pizzada
semanal que praticamente obrigatria para quem do time e,
s vezes, frequentada tambm por
veteranos j formados.
O estudante que estivesse pela
primeira vez na pizzada era obrigado, como um ritual de passagem,
a contar uma histria, que deveria
ser misgina ou autodepreciativa,
explica. E a ordem era clara: a histria tinha que envolver putaria
ou o calouro se dando mal. De
preferncia, os dois. Em decorrncia de episdios que envolveram quebrar pratos e at estapear
colegas sobre a mesa, o time chegou a ser expulso e proibido de fre-

quentar algumas das pizzarias onde


costumava realizar tais encontros.
Assim, algumas pizzadas passaram a acontecer na prpria sede
da Atltica, a poucas quadras da
FMUSP. H histrias de pessoas
que levaram pasta numa pizzada,
diz Augusto, referindo-se a uma
prtica repulsiva, empregada por
veteranos, da qual ele tambm foi
vtima.
A pasta ou pascu uma espcie de ritual em que se passa pasta
de dente no nus do novato, dando-lhe tapas nas ndegas. Pode ser
um ritual de iniciao, apenas por
trote, ou significar uma punio,
por exemplo no caso de descumprimento de uma ordem dada por
veteranos. Aplicam-no aqueles que
tambm j foram submetidos ao rito, no qual, s vezes usando-se lenis e luvas roubados do Hospital
das Clnicas, simula-se um procedimento cirrgico. A prtica ocorre
em diversas faculdades mdicas

Show Medicina

em algumas, ao invs de pasta de


dentes, aplica-se pimenta. Segundo
Marco Akerman, este o caso da
Faculdade de Medicina do ABC
(FMABC), em Santo Andr, onde
o professor tomou nota da ocorrncia do pascu em 2010, quando era
vice-diretor da instituio e recebeu
denncias annimas de pais de alunos que haviam sido vtimas.
Embora profundamente envolvido com aquele universo, Augusto
passou a se sentir mal com uma
srie de situaes que o abalaram
durante o tempo em que integrou a
equipe, cujas prticas violentas ele
nunca reproduziu. Assim, mantevese no time, mas, em meio a uma
situao de fragilidade social, como ele denomina, buscou conhecer
outros aspectos da faculdade e, no
seu segundo ano de curso, prestou
vestibular para o Show Medicina.
Foi quando conheceu outra face
perversa do universo trotista da faculdade.

II

a fraternidade masculina,
homofbica e misgina e seus trotes violentos
Composto apenas por homens,
alguns dos quais membros tambm
da Atltica, o Show Medicina uma
organizao constituda em torno
de uma apresentao teatral satrica
baseada no cotidiano da faculdade.
Uma espcie de fraternidade, semelhana das existentes no exterior.
Os ensaios para o espetculo anual
ocorrem por cerca de dois meses,
sempre de madrugada, no teatro da
faculdade. O espao reservado s

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estudantes de Medicina no grupo


chamado de Costura: so elas que
produzem as peas do cenrio e os
figurinos usados pelos homens nas
apresentaes. E s. Sem participao no Show, elas desempenham
somente o trabalho que lhes foi
atribudo pelos homens. Como somente estes preparam e atuam nos
espetculos, nos quais representam
inclusive papis femininos, eles so
chamados de estrelos.

As meninas so alienadas do
processo criativo, esto ali para servir, porque a demanda vem dos meninos e elas no podem propor nada, comenta Renata Mencacci. Porm, parte das mulheres recrutadas
pela fraternidade no de alunas
da FMUSP. A prostituio feminina
tambm comparece. O Show Medicina d alguns papis claros para
as mulheres, que aparecem nele em
trs momentos: na Costura; nas so-

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ciais [reunies festivas da organizao], quando contratam prostitutas;
e na limpeza, quando pagam funcionrias terceirizadas para fazer
um trabalho esdrxulo, porque eles
deixam as coisas em um estado lamentvel, critica a estudante.
Em todos esses papis, a mulher
aparece como uma figura subserviente ao homem, o que comea
por esta delimitao de espao dentro do Show: Enquanto os homens
fazem festas e todo o trabalho criativo, as mulheres ficam reclusas numa salinha, resume Renata. Eles
podem ocupar todos os espaos, inclusive o da Costura, mas elas ficam
s no espao que delimitado para
elas, diz a militante, que tambm
deps CPI. Ela destaca que no
se trata de desvalorizar o ato de
costurar, desempenhado profissionalmente na sociedade por homens
e mulheres, mas de compreender
como o Show refora o papel destinado ao gnero feminino numa
tradio conservadora e misgina.
Renata critica a objetificao da
mulher no contexto da contratao de prostitutas pela organizao:
Eles fazem um ritual misgino e
expositivo, porque, alm de usar a
mulher como objeto sexual, usam o
sexo como forma de declarar e demarcar poder. Quem pode encostar
primeiro nas prostitutas so os sextos anos e a diretoria, e s depois
isto permitido aos outros. H,
ainda, o cargo de esfiha, exercido
por um membro do Show cuja funo frequentar prostbulos para
transar com prostitutas de luxo e
selecionar aquelas que sero levadas aos demais incumbncia para a qual conta com uma verba da

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organizao.
Para ingressar no Show, o calouro passa por uma espcie de vestibular interno, que pode ser prestado em seu primeiro ou segundo ano
de faculdade. Como a organizao
permeada por um grande segredo, no se sabia de fato o que acontecia neste vestibular, at comearem as denncias de estudantes
na CPI entre os quais Augusto,
que foi submetido ao processo. As
pessoas que vo prestar o vestibular esto preparadas para uma
prova que avalia habilidade, mas
no sabem que a nica habilidade
que vai ser testada nesse processo
a de silenciar diante de violncia
para pertencer a um grupo poderoso, relata o estudante. Ele conta
que, ao final da prova com questes
meio impossveis sobre temas diversos, veteranos sextanistas e sapos membros do Show que j se
formaram e esto sempre presentes, porque so figuras importantssimas chegam com bebidas
alcolicas e obrigam os calouros a
beber. Augusto foi forado a virar
uma garrafinha de Fanta Laranja
com alta dose de cachaa que, por
sorte, vomitou em seguida, o que
evitou que se embriagasse.
Depois, a vez da parte prtica da prova, em que os calouros
apresentam suas peas no palco do
teatro. Enquanto apresentvamos
a pea, os sapos jogavam coisas na
gente, xingavam, diziam que nosso
trabalho era horrvel. Meu amigo
estava muito bbado e o outro, que
ia apresentar a pea comigo, estava
se debatendo no cho, bbado tambm, narra o estudante. Durante a
apresentao, a plateia permanece

no escuro, de modo que os novatos


no veem, do palco, quem os assiste. S depois foi que Augusto pde
ver que, na parte da frente, ficam os
veteranos j formados, enquanto os
que ainda esto na faculdade ficam
na parte de trs, sem se manifestar.
Tal distribuio no por acaso.
O fato de o trote ser aplicado por
pessoas j formadas um fator de
proteo, porque elas esto imunes
a qualquer processo administrativo.
Por no serem mais alunos da faculdade, elas no esto numa posio
de fragilidade perante a direo,
que nem sempre um aliado dessa
fraternidade.

No chamado vestibular do
Show Medicina, os veteranos
estimulam os calouros a
trocarem tapas. Obrigam a
gente a beber mais, nos jogam
bebidas, mandam todos
ficarem nus. Todo mundo
precisa ficar nu. Quem no
ficar no passa no vestibular,
tem que ir embora

Aps as apresentaes dos calouros, todos se renem e tem


incio outra etapa do processo de
seleo: A comeam as humilhaes, o trote mesmo, momento no
qual os veteranos estimulam os
primeiranistas a trocarem tapas, e
as pessoas fazem isso, diz Augusto.

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Revista Adusp

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Obrigam a gente a beber mais,


nos jogam bebidas, mandam todos
ficarem nus. Todo mundo precisa
ficar nu. Quem no ficar no passa no vestibular, tem que ir embora. Neste momento, em que os
calouros, despidos, encontram-se
completamente vulnerveis, os veteranos simulam um telefonema
da me do calouro considerado o
mais rebelde durante o processo,
como se esta o estivesse procurando, e torturam-no psicologicamente
(Voc t fodido, mano, sua me
t a!), at entrar no palco um veterano completamente nu, usando
peruca e gritando, representando
a me do calouro escolhido para a
brincadeira, e o derruba, simulando um ato sexual, com movimentos
caricatos. A pessoa est embriagada, sem conseguir reagir, naquela
situao extremamente absurda, e
todo mundo em volta, olhando, sem
fazer nada. uma situao que no
te deixa escolha, recorda Augusto,
em tom de indignao.
Nessa hora, est todo mundo
puto. a hora extrema, de humilhao mxima, em que voc pensa
se aquilo aconteceu com meu colega, podia ter acontecido comigo,
prossegue. Aps este ltimo nmero do espetculo trotista, as luzes,
at ento apagadas, so acesas. E
a est todo mundo sorrindo pra
voc e dizendo parabns, voc
do Show Medicina agora, voc foi
aceito, voc faz parte desta instituio!, e a pessoa que estava chorando cinco minutos antes de repente
est feliz e se sente bem, conclui
Augusto, que atribui esta aparente
facilidade para superar o processo
de humilhao ao fato de o calouro

50

Daniel Garcia

Professor Antonio Almeida Jr.

sentir, quando tudo termina, que


recebeu poder.
No Show Medicina, assim como na Atltica, h regras especficas, prticas violentas, forte coeso
entre os membros e msicas que
revelam o sentimento de orgulho
por pertencer a uma elite. Eu sou
aluno da Faculdade de Medicina da
USP/Da Faculdade de Medicina da
USP eu sou aluno, entoam repetidamente os veteranos do grupo,
cujo smbolo uma caveira vestida
de fraque, gravata, cartola e piteira.
Claramente burgus, o signo dispensa maiores esforos para sua
compreenso semiolgica. Curiosamente, o smbolo da Atltica
igualmente uma caveira. O Show
existe h 71 anos: Foi ganhando
esse carter, at o momento em que
eles adquirem uma estrutura de fraternidade sem medo de se assumir.
Alguns alunos foram para a Frana,
conheceram fraternidades e trouxeram o modelo para c, conta Augusto. Eles trouxeram uma msica
francesa que cantada no Show,

rituais de passagem e o trote, uma


tradio forte, altamente masculina, homofbica, misgina e focada
no estabelecimento de laos fortes,
de cumplicidade em torno de atos
extremos e do uso de drogas. Trata-se de uma cadeia de poder muito
bem estruturada.
A cumplicidade entre os membros da Atltica e do Show Medicina evidenciou-se claramente no decurso da CPI, quando todos aqueles
que compareceram negaram no
apenas seu envolvimento nos fatos
de que foram acusados como a prtica de violaes de direitos humanos por membros das fraternidades
de modo geral. At mesmo os mais
indubitveis elementos foram negados, ainda que diante de evidncias
incontestes dos fatos (vide p. 61).
Segundo Almeida Jr., a capacidade de silenciar pr-requisito
bsico de insero no grupo trotista. Nessas escolas existe uma
seleo para entrar numa falange,
aquela coisa militar, dos caras unidos, indo para a guerra. Ento, para entrar, voc precisa ser testado.
E o teste se voc fica quieto, se
voc obedece. Por isso as coisas no
sero leves. Para ser efetivo, o teste
tem que machucar, irritar, provocar, mexer emocionalmente com a
pessoa. E a eles vo ver se a pessoa
realmente aceita aquilo, obedece e
entra no grupo, ou se ela reage de
uma forma que o grupo considera
inapropriada, e a ela descartada,
explica o socilogo Revista Adusp.
O trote um processo seletivo para entrar em um grupo dessa natureza, que uma coisa propcia para
corrupo, para desmando, para
todo tipo de coisa, completa.

Revista Adusp
Indagado sobre como o que acontece no vestibular do Show Medicina no vaza para o resto da faculdade, Augusto responde prontamente:

Dezembro 2015

Ningum que no queira arranjar


problemas para si fala sobre esses
assuntos. Tal afirmao se confirma na maneira como ele e outros

alunos da FMUSP que realizaram


denncias vm sendo assediados na
faculdade desde ento, ou relegados
a uma espcie de ostracismo.

III

Denncia: Show Medicina uma apologia ao crime.


E tem uma regra. Homossexual tem que ser
perseguido at desistir
Houve outra vez, entretanto, na
histria da instituio, em que estudantes denunciaram prticas violentas da entidade. Isso se deu em
1993, quando textos crticos dos ento estudantes Leon de Souza Lobo
Garcia e Lus Fernando Tfoli, hoje psiquiatras, foram publicados no
jornalzinho Bip, do Centro Acadmico Oswaldo Cruz (CAOC), apontando a discriminao de gnero,
humilhaes e abusos patrocinados
pelo Show Medicina, bem como sua
blindagem na faculdade. As retaliaes vieram na forma de faixas
com dizeres agressivos e fezes, que
foram depositados na sede do CAOC, que foi depredada.
O ataque ao CAOC narrado, em detalhes, no artigo Sobre
Pontas, Portas e Bostas, assinado por Tfoli e publicado no Bip
nmero 14, ano 10, que precisou
ser reimpresso por razes alheias
aos seus editores. Os exemplares
da reimpresso, ou segunda edio, traziam na capa a seguinte
informao, em letra manuscrita:
Primeira edio [foi] confiscada
pelo presidente do Show, Rodrigo Reiff (Reiff formou-se e hoje
trabalha como ortopedista). Esse

Mdico Leon Lobo Garcia

histrico nmero do Bip trouxe


outros textos crticos ao Show, de
autoria de Paulo Germano Marmorato, Luciana Gonalves e Fredo (vide quadro na p. 53).
No seu depoimento CPI, em
janeiro de 2015, Leon Garcia, hoje
mdico assistente do Instituto de
Psiquiatria do Hospital das Clnicas,
contou que a seleo para integrar
o grupo, embora anunciada como
apresentao de um esquete humorstico, na verdade no era isso, era
apenas um pretexto para que houvesse um trote que era realizado no
teatro da faculdade. Trote do qual
participavam muitos novatos que,

aps apresentarem seus esquetes,


eram forados a ficar nus, a se abraarem, a pegarem bananas e outros
objetos com as ndegas.
Ele tambm mencionou a ordem de sigilo absoluto dada s vtimas, sob ameaas de serem prejudicados em sua carreira acadmica
e profissional em caso de descumprimento como ainda acontece
hoje em dia. Em resumo, o Show
Medicina uma apologia ao crime,
apologia a tudo de ruim que a sociedade imagina. S que eles ainda
esto no sculo passado, achando
que esse tipo de apologia ao crime
est no captulo da vida privada,
que a vida privada no est enquadrada na vida pblica, como se
um homem chegasse, esbofeteasse
uma mulher, chamasse um cara de
bicha, de gay... [sem que isso seja
passvel de punio]. E tem uma
regra: homossexual no pode se
formar mdico a no ser que se
esconda o tempo todo, porque
como se fosse um alistamento militar. Homossexual tem que ser perseguido at desistir, registrou Leon Garcia na audincia, lembrando
ainda que, na ltima apresentao
do Show, pegaram um aluno co-

51

Revista Adusp

Dezembro 2015

mo smbolo, o Felipe Scalisa, para


destru-lo no palco.
Por ter sido cruelmente satirizado na edio de novembro de 2014
do Show, Scalisa, de 23 anos, hoje
aluno do quarto ano da FMUSP,
disps-se a depor contra a fraternidade na CPI. Militante do movimento LGBT, o estudante tornouse liderana no combate violncia
de gnero na faculdade ao fundar,
em 2013, o Ncleo de Estudo em
Gnero, Sade e Sexualidade (NEGSS), reunindo estudantes envolvidos no combate homofobia. Ao
final de 2013, o NEGSS tornou-se
autor da primeira denncia conhecida de estupro direo da faculdade, tirando da sombra o debate
da questo e abrindo espao para
uma sequncia de outras denncias,
que culminaram na CPI.
O estupro ocorreu em novembro de 2013 no estacionamento da
FMUSP, durante uma cervejada
do sexto ano, no poro do CAOC. Conheci dois rapazes que
eram de uma turma mais velha,
e da eles me convidaram para ir
para o carro deles, que eles iam
me dar mais bebida. Eu estava
vulnervel porque tinha bebido,
eu resisti, e nisso foi quase meia
hora de insistncia, at que fui at
o carro deles, e l eles comearam
a me agarrar fora, a me beijar,
enfiaram a mo na minha cala,
eu fiquei acuada, comecei a gritar, tentei sair do lugar e eles no
me deixavam sair. At que uma
colega surgiu com o namorado
no estacionamento, me chamou e
eu consegui sair, relata a vtima,
Phamela Silva Feitosa, 22, que na
poca cursava o terceiro ano.

52

Reproduo

O parecer da comisso
sindicante sobre o caso de
Phamela concluiu que no
houve abuso, e sim uma
relao consensual. Todo o
meu depoimento foi jogado
no lixo. Ento eu sou louca?
Foi um absurdo!, indignase a estudante, que exigiu
reabertura do processo

A nota em que o NEGGS, ocultando o nome de Phamela, tornou


pblico o caso, foi mal recebida
pela maior parte da faculdade. Mais
negativa ainda foi a acolhida s manifestaes contra a violncia sexual que se seguiram, que propunham
debater o tema: As pessoas nos
acusaram de fazer uma acusao leviana e generalizante, alegando que
se o suposto caso, que ainda no
se sabia se tinha acontecido, fosse
verdadeiro, seria um caso isolado,
no algo que extrapola para uma
realidade, relata Felipe. a principal defesa do estado das coisas.
Se aconteceu, sempre um excesso,
no uma essncia, critica.

Revista Adusp

Dezembro 2015

CRTICAS REMONTAM A 1993


Excertos de artigos publicados no jornalzinho BIP, do CAOC

Show Medicina: uma viso crtica


O Show covarde quando esquiva-se de questionar a situao da Faculdade e seu status quo. No
difcil imaginar ento que o Show atravs do seu corporativismo participe e beneficie-se desse status quo.
Assim, o menosprezo a paramdicos e mdicos que no pertenam a suas castas, o machismo e at o racismo contra pacientes so lugar-comum. Tudo isto soa bonito e engraado no Show. Sem falar nos infantis ataques ao Centro Acadmico, de forma que o aluno da Faculdade que tem como diretor um possvel
presidencivel seja incentivado a levar dentifrcio no nus e ridicularizado ao discutir poltica estudantil.
Paulo Marmorato, ex-membro do Show
Show de Machismo
As mulheres, j que no podem participar do Show, podem, bvio, contentar-se em dar uma ajuda
costurando todas as noites, o que corresponde ao esteretipo da mulher Amlia [...] Estas costureiras
aplicadas tm a honra de serem citadas em msicas extremamente depreciativas, preconceituosas e grosseiras realizadas pelos integrantes do Show enquanto elas trabalham. S pra ilustrar: Nada mais escroto
do que a bu... da Fulana. triste, mas as mulheres tornaram-se diverso para os homens. [...] As pessoas
abraam calorosamente a tradio machista e a disseminam por outros setores da faculdade. Formam-se,
ento, diretorias da Atltica com maioria arrasadora de homens, que tiveram como bero de sua formao o Show Medicina seguindo seus ensinamentos. Chamam uma ou duas meninas, na maioria, com
funo apenas decorativa. O machismo encontra seu caminho e ruma para os mocs da cirurgia e para o
hospital.
Luciana Gonalves

Qual o teso do Show?


H muita gente inteligente e ntegra no Show que, no entanto, mantm um silncio, no sei se constrangido ou inconsciente, em relao a atitudes que deveriam ser revistas. H algum tempo vem se tornando pblico o que acontece no vestibular do Show. Os calouros so convidados a subir no palco do teatro da Faculdade de Medicina onde comeam a ser alvejados com bolas de papel e etc. pelos seus colegas
mais velhos. No faltam xingamentos e humilhaes verbais [...] o ponto alto chega quando os calouros
so instrudos a retirarem suas roupas em pleno palco iluminado [...] a estas alturas difcil simplesmente
ir embora. A coao fsica clara. Os calouros continuam assim sofrendo as agresses fsicas e verbais de
seus colegas, nus, humilhados e iluminados para que todos os vejam melhor. So obrigados a danar lambada juntos, a sentarem um no colo do outro e a segurar frutos e objetos entre as ndegas. Sequer podem
defender-se das bolas de papel que so lanadas contra os seus genitais [...].
Leon Lobo Garcia

53

Revista Adusp

Dezembro 2015

A partir de uma reunio do NEGSS, alunas da FMUSP sentiram a


necessidade de criar um grupo especfico para defender a pauta das
mulheres, o que resultou na criao
do Coletivo Feminista Geni. A coragem de Phamela ao denunciar a
violncia sexual que tinha sofrido
foi fundamental para quebrar o
pacto de silncio que existe na faculdade, ressalta Renata Mencacci, uma das fundadoras do Geni.
O nico apoio que eu tive foi dos
coletivos. No tem outro espao de
acolhimento. Porque tem um total
descaso da faculdade em relao a isso, e no s da faculdade como instituio, das pessoas. Fui ridicularizada, estigmatizada. Foi uma coisa horrorosa, diz Phamela, hoje no quinto
ano. Pressionada pelo NEGSS e pelo
Geni, a faculdade abriu uma sindicncia para apurar o caso. A comisso foi
formada, na maioria, por homens, que
ficaram perguntando coisas relacionadas minha moral, se eu tinha bebido, feito uso de drogas, com quantos
caras eu tinha ficado durante a festa,
se eu j tinha sado com os acusados.
Eu senti como uma tentativa de desqualificar o que aconteceu, de mudar
o foco do assunto, critica.
O parecer da comisso sindicante, divulgado no primeiro semestre
de 2014, concluiu que no houve
abuso, e sim uma relao consensual, e atribuiu incidentes do tipo ao
consumo de lcool. O resultado foi
lido em congregao e foi um momento de muita revolta. Todo o meu
depoimento foi jogado no lixo e eles
falaram que foi consensual. Ento
eu sou louca? Foi um absurdo!, indigna-se Phamela. As estudantes do
Geni refutaram o resultado, apoian-

54

Daniel Garcia

Aluno Felipe Scalisa

do a vtima, que exigiu a reabertura


do processo. Tive que me expor
diante de toda a congregao, foi
uma fala emocionada. A partir disso,
eles resolveram fazer as comisses
de investigao de abusos.
Somente quando prestou depoimento pela segunda vez, para
abertura da nova sindicncia, que
Phamela constatou o quanto o processo anterior havia sido ilegtimo:
Eu no tive acesso ao documento,
ao meu depoimento, no assinei nada, e tinha vrias falas adulteradas,
denuncia. A nica atitude tomada
foi a de desconsiderar o primeiro
documento, sem que ningum fosse
responsabilizado pelas adulteraes.
A resposta imediata da faculdade
quebra do silncio sobre os casos
de violaes foi estreita, o que intensificou a hostilidade aos coletivos. A
instituio abordou o tema que para
ela era mais conveniente, que era o
do lcool. Ento, houve a proibio
absoluta do lcool na faculdade, algo que ns, quando denunciamos
as violncias, no tnhamos como

pauta principal, questiona Felipe.


Presidida por Paulo Saldiva, professor titular da FMUSP, a Comisso de Direitos Humanos criada na
poca discutiria, a princpio, apenas
esta temtica, mas terminou por se
estender questo da violncia de
forma mais abrangente. Na comisso a gente exps a homofobia, o
racismo, o machismo, todos os casos
de violncia sexual e assdios que
conhecamos. A comisso teve isso
relatado, ento no tem como a direo da faculdade dizer que no sabe das coisas, resume o estudante.
Acusados de difamar a faculdade
ao denunciar o caso e problematizar
a questo, os militantes foram fortemente hostilizados. Ficamos bastante desamparados e vulnerveis,
porque vrios grupos que estavam
articulados acabaram se desmobilizando. As medidas proibitivas geraram hostilidade, um certo rancor,
e teve a criao de ncleos, atravs
dessas diretorias, que tentavam cooptar a pauta, mas sem confiana
alguma das vtimas, relata Felipe.

Casais homossexuais eram


proibidos de entrar numa
parte da festa Carecas no
Bosque. A segurana dizia:
S entram casais normais,
isto : homem e mulher, e
muitos gays e lsbicas que
tentaram entrar com parceiros
e parceiras foram impedidos

Revista Adusp
A tenso aumentou aps um
caso de homofobia ocorrido em
2014, em uma das festas promovidas pela Atltica, nas quais, segundo Felipe, homossexuais no
podem demonstrar afeto em pblico. Casais homossexuais eram
proibidos de entrar numa parte
da festa Carecas no Bosque, era
um apartheid. A segurana dizia:
S entram casais normais, isto :
homem e mulher, e muitos gays e
lsbicas que tentaram entrar com
seus parceiros e parceiras foram
impedidos. Ao tentar entrar na
rea hetero da festa com o parceiro, um aluno da Faculdade de
Direito da USP foi barrado pela
segurana, que permitiu sua entrada somente quando ele deu a
mo a uma amiga. Ao v-lo com o
namorado no espao, a segurana
ordenou que o casal se retirasse,
argumentando que estava apenas
seguindo ordens da diretoria da
Atltica. Mais seguranas intimidaram o casal, at que um deles
percebeu que o estudante estava
gravando a cena homofbica com
o celular e o agrediu.
Ele saiu de l e foi para a enfermaria. O mdico era ex-membro
da Atltica e se recusou a prestar
socorro, disse que ele estava exagerando, deixou-o l plantado, com a
boca machucada, sangrando. Ele
foi denunciar o que aconteceu e a
Atltica se recusou a falar com ele,
negou o fato. S que ele filmou tudo, a segurana falando, o estado
dele machucado, narra Felipe. O
fato ganhou repercusso aps ser
noticiado pela imprensa. Indignados, coletivos da USP se uniram
em um ato de repdio ao ocorri-

Dezembro 2015

do. O ato foi recebido com uma


hostilidade imensa. Depois disso
no consegui mais frequentar a
faculdade, fui considerado traidor,
pria em relao quela realidade. Rasgavam nossos cartazes, pichavam coisas com nossos nomes,
meu nome foi pichado pela faculdade inteira, conta o estudante,
que tambm foi alvo de postagens
difamatrias em redes sociais.
O assdio dos colegas ao ativista chegou ao pice quando, no
final de 2014, um dos esquetes do
Show Medicina apresentou um
personagem que mimetizava Felipe, ridicularizando, diante de cerca de 400 pessoas, seus trejeitos
e sua militncia e referindo-se
a ele como aquele que defende a diversidade de pensamentos
iguais aos dele. O estudante foi
estigmatizado ainda em outro esquete, no qual o personagem, uma
espcie de censor denominado
Fiscaliza em clara aluso ao
sobrenome de Felipe (Scalisa)
acusa um grupo de homofbico e
machista por suas piadas. Na CPI,
porm, os dirigentes do Show negaram que as representaes se
referissem a ele.
Apesar da repercusso do assdio moral de que o estudante
foi vtima, a direo da FMUSP
no se manifestou, tampouco abriu
sindicncia a respeito. Algumas
sindicncias que deveriam ter sido
abertas no foram. Quem vai alegar, hoje em dia, que no sabe que
houve um caso grave de homofobia
na Atltica em 2014, que saiu na
mdia, saiu na CPI? Por que a faculdade no tomou a iniciativa de
abrir uma sindicncia? Todo mun-

do sabe o que o Show Medicina fez


comigo, saiu um documentrio na
[TV] Band, estava na CPI, est no
MP, ns expusemos na comisso.
No foi aberta uma sindicncia sobre o meu caso. Eles esperam que
eu pea?, desabafa Felipe.
As instituies so as principais
responsveis pela manuteno de
prticas trotistas como as perpetradas pela Atltica e pelo Show Medicina, acredita o socilogo Almeida
Jr. A universidade d a impresso
de que quer esse grupo, porque
como um pacto: o grupo protege a
universidade independentemente
do que a universidade faa. Nas
msicas das Atlticas, todas as universidades so as gloriosas, todas
so lindas e maravilhosas. um
enaltecimento louco da universidade, no importa o que esta esteja
fazendo, se est cumprindo seu papel social ou no, afirma o professor da Esalq.
Foi exatamente esta a sensao
que Renata teve quando, acompanhada de dois colegas, questionou
pessoalmente o professor Jos Otavio Costa Auler Junior, diretor da
FMUSP, sobre as prticas da fraternidade, e ouviu como resposta
que o Show no pode morrer.
Os interesses so muito complicados, a Medicina muito corporativista. Pedir para o Auler contestar
o Show Medicina pedir pra ele
contestar muitos livres-docentes,
mesma coisa com a Atltica ou
qualquer outra instituio. Quando
a gente fala em enfrentar de fato,
significa mexer com pessoas muito
poderosas, alm da esfera estudantil, critica a feminista, que defende
o fim da organizao.

55

Revista Adusp

Dezembro 2015

IV
Associao Atltica: Pode ser que voc
tenha sofrido uma violncia, ento vamos l
tomar a terapia antirretroviral
Entre os casos de estupros de
que alunas da FMUSP foram vtimas, um dos mais emblemticos,
denunciados CPI ao final do ano
passado, foi o de Marina Souza
Pikman, 24, aluna do quinto ano.
Em depoimento durante a primeira audincia na Alesp, em novembro de 2014, Marina relatou duas
situaes em que foi vtima de violncia sexual durante seu primeiro
semestre de faculdade, em 2011, e
ressaltou a importncia da oportunidade de denunciar, aps sentirse profundamente silenciada nos
ltimos quatro anos.
A primeira violncia de que Marina foi vtima ocorreu na semana
de recepo de calouros, aps um
happy hour na Associao Atltica.
Ela ia para outra festa em seguida,
no Centro Acadmico, que um
pouco distante, e o diretor social
da Atltica na poca, pessoa responsvel por orientar e cuidar dos
calouros nas atividades da organizao, disse que a acompanharia
para ajud-la, porque ela estava
embriagada. Quando a gente estava saindo da Atltica, ele me puxou para uma salinha escura que eu
acho que um depsito de materiais, no sei exatamente o que era,
e comeou a me agarrar, comeou
a tentar me beijar, e eu tentava resistir, e nisso a gente caiu no cho,
ele veio em cima de mim, abaixou

56

minha cala, narrou a estudante


na audincia.
Marina s sentiu coragem de
denunciar o fato quando o Coletivo Feminista Geni foi criado.
Conversei com as minhas colegas, a gente trocou vrias experincias, vrias meninas passaram
por situaes parecidas, inclusive
com esse mesmo colega: ele j
agrediu outras meninas. uma
coisa bastante comum.
Dois meses depois, Marina foi
violentada novamente. Desta vez,
o estupro ocorreu na festa Carecas no Bosque, promovida anualmente pela Atltica e na qual h
vrias barracas de bebidas, cada
uma com o nome de uma modalidade esportiva. Eu estava bem,
estava acordada, e na barraca do
Jud eu bebi algumas doses de
uma suposta tequila que na
verdade no tequila, uma mistura de destilados que eles fazem,
eles manipulam as bebidas antes
de servir. Algumas bebidas me foram oferecidas por um menino da
minha turma, e depois disso j no
tenho mais memria do que aconteceu, relatou CPI a estudante,
que acordou no atendimento do
pronto-socorro de um hospital,
acompanhada de uma diretora e
uma ex-diretora da Atltica.
As duas colegas lhe disseram
apenas que ela havia sofrido um

abuso, sem maiores detalhes.


No entendi o que estava acontecendo, sa do atendimento sem
fazer exame nem nada. Nisso eu
encontrei o presidente e o diretor
social da Atltica l no hospital, o
mesmo que tinha me assediado, e
eles me levaram para a casa de um
outro ex-diretor que era do sexto
ano. Ele me falou: Vamos para o
hospital, a gente no sabe direito o
que aconteceu com voc, pode ser
que voc tenha sofrido uma violncia, ento vamos l tomar a terapia
antirretroviral.
Marina passou ento por um
atendimento na infectologia. J
nesse atendimento o mdico questionou muito, falou que no sabia,
que no podia falar que tinha uma
violncia. O ex-diretor tambm
no quis falar muito bem o que
tinha acontecido, falou que tinha
um cara em cima de mim, mas que
ele no podia falar o que tinha
acontecido porque ele no estava
l, prosseguiu. Ao voltar para
casa, contou me que achava
que tinha sido sexualmente violentada. A me de Marina decidiu
levar a estudante ginecologista
para realizar um exame de corpo
de delito.
Na segunda-feira seguinte, teve
incio para a vtima uma verdadeira saga em busca da verdade. Ao
procurar a diretoria da Atltica,

Revista Adusp
o ento presidente da organizao recusou-se novamente a falar,
orientando-a a procurar um atleta
do Jud, que era quem sabia o
que tinha acontecido. Aps conversar com o rapaz, ela comeou a
entender parte da histria. Atrs
da barraca do Jud havia, como
em todas as outras barracas da
festa, um cafofo, estrutura montada com colches, para onde os
meninos da barraca levam as meninas com quem esto ficando,
conforme Marina. Ele falou que
tinha me deixado na barraca dormindo, e que cerca de uma hora
e meia a duas horas depois, tinha
voltado e visto um cara em cima
de mim com a cala abaixada. Falou que tirou o cara de cima de
mim e bateu no cara. Chocada,
ela manifestou sua vontade de denunciar o fato, mas ele a desestimulou com o argumento de que
ela no teria como provar o que
houve ele, que era a testemunha principal do que tinha acontecido comigo.

S em 2014 Marina
descobriu que o autor
do estupro era um um
funcionrio, que conseguiu
entrar na barraca da
Atltica porque subornou
os seguranas. A direo da
associao sabia de tudo,
mas queria abafar o caso

Dezembro 2015

Da mesma forma, o ento presidente da Atltica dissuadiu Marina


de fazer a denncia, argumentando
que no era possvel afirmar que
houve estupro porque ela estava
embriagada e no sabia o que havia
ocorrido. Eu ainda conversei com a
diretoria da Atltica, falei sobre meu
interesse em fazer uma denncia na
justia, e eles se mostraram bastante
esquivos para testemunhar, relatou a vtima que, ainda assim, fez a
denncia no dia seguinte, o que resultou na abertura de um inqurito
policial. Nos meses que se seguiram,
foi profundamente desestimulada
por colegas a dar continuidade ao
processo judicial de apurao.
Pressionada por membros da
Atltica, que alegavam que ela era
culpada por ter bebido, a estudante
acabou deixando de lado o inqurito policial, retomando-o apenas em
2014, amparada pelo Coletivo Geni.
Foi quando teve acesso, por meio do
inqurito, a diversas informaes negligenciadas desde 2011. Testemunha
principal, o rapaz que a encontrou na
barraca s foi chamado a depor em
2014, e relatou que a havia encontrado completamente desacordada.
Na poca, ele no tinha falado sobre
meu estado de conscincia, contou
Marina, que descobriu tambm que
seu estuprador era um funcionrio
que conseguiu entrar na barraca porque subornou os funcionrios. (Ao
depor, o funcionrio alegou que pagou para deitar-se com uma das prostitutas que estariam disponveis no
local, mas s encontrou Marina.) A
estudante soube ainda que a polcia
havia sido chamada no momento em
que tudo aconteceu, mas teria sido
impedida de entrar.

Eu no sabia o que tinha acontecido comigo, fiquei quase trs


anos sem saber exatamente. Passei
por dois atendimentos hospitalares
junto com os diretores da Atltica,
que sabiam o que tinha acontecido,
tinham conversado com o agressor,
conversado com a testemunha, e
no me falaram, relatou. Ela recordou as sucessivas tentativas de
membros da Atltica de abafar o
caso, a pretexto de que, se o caso
vazasse, a imagem da festa (e da
organizao) seria destruda.
Tal comportamento comum
entre membros das chamadas fraternidades, como explica o professor Almeida Jr. Num momento
pior, esse grupo se assemelha a uma
quadrilha, porque acontece um crime e, ao invs de auxiliar as autoridades a entender o que se passou e
efetivamente punir os responsveis,
ele omite informaes, distorce os
fatos, faz presso contra a vtima,
faz presso contra o denunciante,
difamando-os. Ento uma quadrilha que est dentro da universidade
e no vista como quadrilha, mas
como uma fraternidade, afirma o
especialista.
O caso de Marina repercutiu na
imprensa pouco antes da primeira
audincia da CPI. Seu relato encorajou outras vtimas de estupro a
denunciarem seus casos, apoiadas
pelo Coletivo Geni. Entretanto, a
estudante foi alvo de ataques, por
estar expondo negativamente a faculdade e porque, supostamente,
no tinha provas. Comentrios
no Facebook questionaram seu relato, na linha de que menina direita no bebe at ficar desacordada.
Ela sentiu-se, novamente, alvo do

57

Revista Adusp

Dezembro 2015

machismo e corporativismo predominantes na FMUSP.


Depois disso ainda, na Intermed deste ano [2014], as outras faculdades usaram muito o estupro
para ofender e zoar nossa faculdade, e alunos da prpria faculdade
cantavam Estupro sim/o que que

De

Pblico do Estado de So Paulo


para apurar os casos de violaes
de direitos humanos na USP est
em andamento. Procurada diversas
vezes pela Revista Adusp, a promotora Beatriz Helena Budin Fonseca, responsvel pelo inqurito, no
quis conceder entrevista.

um lado, medidas institucionais insatisfatrias.


De outro lado, No Cala USP!

Depois da CPI ns tivemos um


momento de latncia, define Felipe Scalisa. Algumas das sindicncias abertas nos ltimos meses na
FMUSP, relativas aos casos de estupros, esto em processo de concluso. Os resultados daquelas que
foram concludas (e que, a pedido
dos denunciantes, no sero divulgados) so, no entanto, insatisfatrios,
de acordo com as vtimas. No nico
caso em que houve algum tipo de
punio, foi meramente simblica:
acusado de estuprar trs colegas, um
aluno da faculdade que est prestes
a se formar foi suspenso por seis
meses, perodo aps o qual poder
se formar normalmente e exercer a
Medicina. Em suma, o resultado do
processo sindicante foi somente o
adiamento de sua formatura.
Procurado pela Revista Adusp para comentar a questo e as acusaes
de omisso diante das denncias, o
professor Jos Otavio Costa Auler
Junior, diretor da FMUSP, no deu
retorno aos pedidos de entrevista
nem respondeu, at a concluso desta matria, ao e-mail que lhe foi en-

58

tem?/Se reclamar/vou estuprar voc tambm, relatou a estudante


CPI, referindo-se competio esportiva entre escolas de medicina.
O inqurito civil instaurado em
setembro de 2014 pela Promotoria de Justia de Direitos Humanos e Incluso Social do Ministrio

viado por intermdio da assessoria de


imprensa da instituio.
Entre as providncias tomadas
pela FMUSP est a criao, em
dezembro de 2014, do Ncleo de
Estudos e Aes em Direitos Humanos (NEADH), coordenado pela
procuradora de justia aposentada Vnia Balera desde janeiro de
2015. O ncleo no para receber
denncias. Pode at vir a receber
e fazer o encaminhamento necessrio, mas foi institudo mais para fomentar a poltica institucional
na defesa dos direitos humanos,
afirma Balera. Ela aponta como
atuao concreta do NEADH a
criao de uma comisso permanente para estudar o uso de lcool
e outras substncias pelos alunos,
aps promover frum que tratou
do tema, em abril. O objetivo do
ncleo, segundo a coordenadora,
tentar implantar, de forma transversal grade curricular, grupos
de estudo sobre os temas considerados oportunos.
Na opinio de Felipe Scalisa,
contudo, o debate precisa ser inse-

rido na prpria grade curricular. O


ncleo teria que ser mais incisivo,
critica o militante LGBT, que se
diz agredido pela posio conciliadora do NEADH, o qual, na sua
avaliao, muito subordinado
diretoria e tem um carter muito
mais conciliador do que ns, enquanto vtimas, estamos dispostos a
conciliar. Outros militantes, como
Renata Mencacci, tambm no confiam no ncleo criado pela diretoria
da faculdade: O NEADH no est
do nosso lado, no est l para acolher e ajudar a tocar as lutas que
precisam ser tocadas na FMUSP,
diz a feminista.
Outra medida da FMUSP foi a
criao, em fevereiro de 2015, de
uma Ouvidoria prpria, para receber denncias e queixas de alunos.
A Ouvidoria e o NEADH trabalham em conjunto. Separadamente, porm com o mesmo propsito
de averiguar, receber, acolher, encontrar solues, sugerir medidas,
cobrar, sustenta a ouvidora, sociloga Elisabeth Vargas, que participa das reunies promovidas pelo

Revista Adusp
ncleo. A ideia que todo o apoio
seja dado vtima no que ela precisar, seja apoio psicolgico ou jurdico, explica Elisabeth, que considera importante ter autonomia para
trabalhar. No presto contas direo da faculdade. Fao relatos de
nmeros e temas, garantindo total
sigilo a todos os denunciantes.
At julho de 2015 a Ouvidoria
havia recebido 19 denncias, sendo
a maioria de assdio moral e nenhuma de violncia sexual. Para a
ouvidora, faz-se necessrio na faculdade o debate sobre humanizao.
Essa sensibilizao no pode ser
feita de cima para baixo, tem que ser
feita horizontalmente, defende a
sociloga, para quem preciso abrir
sindicncias, principalmente em casos de violncia sexual. Como ouvidora, no posso exigir uma punio,
mas posso sugerir direo da faculdade que tome tais providncias e
mobilize pessoas, conclui.
Diante da gravidade dos casos
denunciados e da ausncia de uma
poltica institucional concreta de
amparo a vtimas de violncia sexual e de gnero na USP, um grupo
de professoras resolveu encarar o
desafio. A rede No Cala USP
foi criada a partir de uma carta de
desabafo elaborada por docentes
de diferentes unidades da universidade e enviada a colegas sensveis a
esta questo, segundo a professora
Ana Flvia DOliveira (FMUSP).
Menos de uma semana depois, ns
tivemos surpreendentes 94 pessoas,
simbolicamente dentro do prdio
da Faculdade de Medicina, onde comearam as denncias pblicas,
orgulha-se Ana Flvia, que havia
integrado a comisso presidida pelo

Dezembro 2015
Daniel Garcia

Professora Ana Flvia D'Oliveira

professor Paulo Saldiva, extinta por


ocasio da criao do NEADH.
A gente precisava tambm de um
espao de atuao autnomo e independente para enfrentar a questo de
forma propositiva e no necessariamente apenas pelos canais administrativos da universidade, que tm seu
papel, mas no so suficientes, diz a
professora. Nosso grande incmodo
foi a falta de proteo dos denunciantes, e nosso papel, como professoras e mulheres mais velhas que
sabem o que esto falando, tomar a
frente da defesa das meninas. Elas
estavam vocalizando a dificuldade de
enfrentar a estrutura administrativa
da universidade, e a dificuldade nas
relaes de poder internas da instituio. Assim, define Ana Flvia, a
rede configura uma tentativa de nos
articularmos para a proteo das meninas de uma forma independente,
autossustentada e propositiva.
Quatro grupos de trabalho foram organizados: o de acolhimento
s vtimas, que est pensando o
treinamento e um certo manual,

com princpios e diretrizes de como


as professoras podem acolher as denncias e mapeando os servios
dentro e fora da USP, e as nossas
experincias pessoais, para criar um
tipo de protocolo; o de campanhas
educativas e comunicao, voltado
para o planejamento e execuo de
campanhas educativas relacionadas ao tema; o de coordenao de
intercmbio e apoio s atividades
locais; e o de Regimento, responsvel pela identificao de lacunas no
Regimento da universidade para
propor alteraes que visem um
aprimoramento dos mecanismos de
apurao e punio das situaes
de violncia sexual e de gnero,
conforme documento elaborado
pela rede, que j conta com mais de
220 apoios manifestados.

As histrias da Medicina
so bem especficas. Alm
das festas, tinha a questo
dos trotes e o fato de os
estupros l serem bem
criminosos, planejados. Do
remdios para as meninas,
tem estupro coletivo. bem
assustador, diz a professora
Helosa Buarque de Almeida

Ana Flvia questiona o regimento atual da universidade, no qual a


vtima de violncia no parte do
processo, que envolve apenas o

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Revista Adusp

Dezembro 2015

infrator disciplinar contra a universidade. O regimento da universidade de 1972, poca ainda da Ditadura Militar, com pedacinhos de
lei de 1990, e trabalha com a ideia
de infrao disciplinar, ento no
h nele crimes de violaes dos direitos humanos, diz a professora,
destacando que embora acontea
h muito tempo, a violncia sexual
de uma visibilidade bastante recente
dentro das universidades, sendo um
problema de grande dimenso e difcil abordagem. Ela destaca que
preciso combater o senso comum de
que a educao formal suficiente
para prevenir esse tipo de violncia.
Professora de estudos de gnero
na Faculdade de Filosofia, Letras
e Cincias Humanas (FFLCH), a
antroploga Helosa Buarque de
Almeida, uma das fundadoras da
rede No Cala USP, coordena,
desde maro de 2014, o programa
USP Diversidade. Fundado em 2012
para pensar a questo da homofobia, o programa foi o espao que
a professora encontrou para debater a violncia sexual e de gnero,
aps tomar nota de casos ocorridos
em festas, passando a ser procurada
tambm por alunos da FMUSP. As
histrias da Medicina so bem especficas. Alm das festas, tinha a questo dos trotes e o fato de os casos de
estupros l serem bem criminosos,
bem planejados. Do remdios para
as meninas, tem estupro coletivo.
um negcio bem assustador, diz.
O aumento do nmero de denncias deve-se, a seu ver, a uma nova
forma de enxergar a violncia. Tem
uma srie de abusos, violncia sexual, homofobia, machismo em sala
de aula, piadinha homofbica e ra-

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Daniel Garcia

Professora Helosa Buarque de Almeida

cista com professor, assdio sexual


tambm entre professor e aluno, e
vrias dessas questes esto aparecendo mais, no s porque agora
esto achando canais para denunciar, mas tambm porque houve uma
mudana na forma de classificar algumas coisas, explica. Assim, no
so denunciadas apenas as violncias
fsicas, mas tudo o que vivido como uma agresso. As meninas esto
chamando de violncia simblica,
violncia moral, violncia psicolgica. E ns tambm, defende a professora, enfatizando que essa nova forma classificatria demanda da
universidade uma postura diferente.
Assim, enquanto muitos atribuem
gravidade apenas a violncias fsicas
contra mulheres, Renata Mencacci, do Coletivo Geni, afirma que na
Medicina as violncias simblicas se
do at mesmo no direcionamento
profissional. Numa prova de residncia [mdica], os caminhos ficam
muito claros: tem as especialidades
dos homens e as das mulheres. A
mulher vai ser ginecologista, obstetra, pediatra, profisses delicadas,
relacionadas ao cuidado e questo
da maternidade, conta Renata. Es-

pecialidade muito ligada ao pessoal


da Atltica, segundo a estudante, a
ortopedia eminentemente dominada por homens, tendo sido apenas
uma vaga, de um total de 15, ocupada por uma mulher. Se formos
falar de urologia, bizarro, porque
so 10 vagas e nenhuma foi ocupada por mulher, e no por falta de
capacidade. uma discrepncia: as
mulheres no podem fazer urologia,
mas os homens fazem ginecologia e
so muito valorizados.
Nas prticas trotistas, tambm
h uma violncia marcadamente
com metforas de gnero, sexualidade e raa, segundo Helosa. O
chamado pascu, por exemplo, uma
coisa que feminiliza os rapazes e, se
voc pensar stricto sensu, estupro.
Perante a lei, estupro. Para a professora, a palavra violncia esconde
muitas coisas e se a brincadeira de
uns a humilhao de outros, no
mais brincadeira, violncia. Ela
ressalta que, diferentemente do trote, cuja ocorrncia varia entre as diversas unidades da USP, a violncia
sexual uma problemtica geral.
Diante da inaptido das comisses sindicantes em lidar com as denncias das estudantes, a criao da
rede No Cala USP sinnimo
de esperana para as vtimas. Evidentemente, no limite, um dos embates com que a gente vai ter com
a prpria estrutura hierrquica da
universidade. Mas esperar o Estatuto
mudar para fazer alguma coisa seria
paralisante. Ento tem que ir fazendo de outro jeito. A ideia da rede
pensar como que a gente pode ir
fazendo alguma coisa paralelamente,
que no seja esperar da Reitoria ou
da institucionalidade uma soluo.

Revista Adusp

Dezembro 2015

Atltica

e Show Medicina
rejeitam acusaes

Em depoimento CPI da Alesp, estudantes da Medicina que


dirigem as organizaes negaram a contratao de prostitutas
nos seus eventos e disseram no haver recebido denncias
de crimes sexuais. Slvio Tacla, do Show Medicina, negou a
ocorrncia de trotes violentos, machismo e homofobia
Daniel Garcia

O presidente da Associao
Atltica Acadmica Oswaldo
Cruz (AAAOC), Diego Vinicius
Santinelli Pestana, comprometeu-se, em contato telefnico
com a reportagem, a responder
s perguntas que lhe seriam encaminhadas por e-mail. Contudo, no o fez at o fechamento
desta edio. Assim, a Revista
Adusp reproduz aqui excertos de
seu depoimento CPI realizada
na Alesp. Pestana, que assumiu
a presidncia da Atltica em outubro de 2014, deps em 28 de
janeiro de 2015. Na mesma audincia, deps Raphael Kaeriyama
e Silva, que fora tesoureiro da Adriano Diogo, presidente da CPI, interpela aluno Raphael Kaeriyama, da Atltica
associao em 2011.
Sobre as festas Carecas no no voltaria a promov-las antes que nenhuma menina est em
Bosque e Fantasias no Bos- de resolver a questo da seguran- risco, nenhum rapaz est em risque, promovidas anualmente e a. Eu no vou fazer uma festa co, e que no tenha problema
nas quais ocorreu a maioria dos sem ter uma garantia de que tem nenhum. Eu no sei quanto temcasos de assdio e estupros de- profissionais de segurana, por- po isso vai demorar para a gente
nunciados por alunas da FMUSP, que at ento a gente tinha, mas ter esse know-how de saber fazer
Pestana assumiu que elas respon- pelas denncias parece que eles uma festa bem feita, bem organidem por grande parte da recei- no estavam funcionando direito. zada, com segurana (p. 700-701
ta da Atltica, mas declarou que Ento, eu quero ter certeza de do relatrio da CPI).

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Revista Adusp

Dezembro 2015

Pestana afirmou que, devido


ao acidente com o calouro Edison Hsueh (1999), a organizao
perdeu patrocnios e, por isso, a
verba oriunda das festas cada
vez mais necessria. A minha preocupao agora procurar novas
fontes de renda para no voltar
a fazer a festa... bvio que tem a
parte que ns gostamos das festas,
ns somos jovens, gostamos, OK,
mas se a gente pudesse optar, elas
no seriam feitas do jeito que so
feitas (p. 702), dizendo preferir
eventos mais modestos.
O deputado Adriano Diogo,
presidente da CPI, censurou Pestana por referir-se morte de
Edison como acidente e por
acrescentar que a morte do estudante atrapalhou os lucros da
Atltica. Soa mal, disse Diogo.
O presidente da CPI tambm
dirigiu ao presidente e ao extesoureiro da Atltica, Raphael
Kaeriyama e Silva, perguntas sobre os relatos sistemticos da
contratao de garotas de programa para, nos referidos eventos,
ficarem nas barracas das modalidades para que os frequentadores possam tomar bebidas em
seus seios e sobre a verba destinada a isto, alm da existncia
dos chamados cafofos, quartos
improvisados que so montados
atrs das barracas de bebidas
para que rapazes tenham relaes sexuais com tais prostitutas
ou com garotas que os estiverem
acompanhando. Silva negou categoricamente tanto que a Atltica contrate prostitutas e que

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existam quartos improvisados nos


fundos das barracas.
Posso afirmar a todos os presentes que a Atltica no contratou, nunca contratou e no contrata nenhuma prostituta. [...] Eu
posso afirmar categoricamente
que, em 2011, quando fui tesoureiro, no foi repassado nenhum
dinheiro para a contratao de
prostitutas. De verdade. Isso no
aconteceu. A gente no apoia,
no apoiado esse tipo de coisa.
No que a Atltica foi l e pagou para uma prostituta estar ali.
Isso no acontece, disse Silva
(p. 704-705).
Sobre os quartos improvisados, alegou que so usados para
se armazenar bebidas e outros
itens vendidos nas barracas, o
que explica a presena de seguranas na porta. Se [...] as pessoas usam como quartos, eu realmente desconheo (p. 705), disse o ex-tesoureiro, que afirmou
no saber de onde veio o termo
cafofo (p.706).
O presidente da Atltica, por
sua vez, limitou-se a dizer que as
denncias foram um alerta para
que o sistema de segurana das
festas seja revisto. O que, talvez,
essas denncias demonstrem para
a gente que nossa segurana,
nesse aspecto, se aconteceram essas denncias, falhou. um alerta
para a gente mudar (p. 706).
Questionado pela vice-presidente da CPI, deputada Sarah
Munhoz (PCdoB), sobre j ter
presenciado ou tomado conhecimento de atos de assdio sexual,

de machismo, homofobia e outras


violaes de direitos humanos
no mbito da AAAOC, Pestana afirmou: Eu nunca presenciei
nada desse tipo, mas eu tambm
no posso fechar os olhos para as
denncias (p. 720). Teria tomado
conhecimento das denncias somente por meio dos boletins da
CPI e da mdia, pois segundo ele
ningum o procurou antes para
fazer denncias, apesar de sempre
terem estado abertos para dilogo com os coletivos (p. 721).

Slvio Tacla, que dirigiu


o Show em 2014, alegou
jamais ter presenciado
coao sobre calouros:
Nunca fui a favor de
ningum consumir bebida
alcolica em excesso ...
nunca presenciei ningum
ser obrigado a ficar nu em
nenhum espao do Show

Ao telefonar para o atual diretor do Show Medicina, Erikson Hoff, a Revista Adusp props
encaminhar-lhe perguntas por email e obteve como resposta que
ele as veria e as responderia, se
for do meu interesse. A reportagem encaminhou as questes,
conforme o combinado, mas no

Revista Adusp
obteve resposta de Hoff at o fechamento desta edio.
Na CPI, quem respondeu pelo Show Medicina foi o diretor
da organizao em 2014, Slvio
Tacla Alves Barbosa, que deps em 10 de fevereiro de 2015,
quando j havia deixado esse
cargo. Ele havia exercido outros
cargos no Show em anos anteriores: de tesoureiro (2012) e de
secretrio (2013).
A Revista Adusp telefonou para Tacla para obter uma entrevista sobre os fatos ocorridos ou
denunciados em 2014, mas o estudante recusou-se: Quem pode
responder melhor pelo Show
o diretor atual. A reportagem
explicou que estava aguardando
retorno de Hoff, mas que vrias
questes se referiam a denncias feitas ao perodo em que Tacla dirigia a organizao, sendo,
portanto, apropriado que se manifestasse. Ainda assim, ele no
quis conceder entrevista.
CPI, quando questionado
sobre a prestao de contas da
organizao, e indagado sobre a
contratao de prostitutas, Tacla
respondeu: O Show no contrata
prostitutas (p. 1376). O Show
no organiza evento com prostituta, at existe mesmo esse dia [em]
que os calouros vo de terno, uma
brincadeira que feita, mas o ensaio se encerra e, posteriormente,
cada um vai para onde quiser. Eu,
pessoalmente, no tenho o hbito
de frequentar eventos com prostitutas, disse ainda, em outro momento (p. 1447).

Dezembro 2015

O presidente da CPI tambm


perguntou a Tacla sua opinio
sobre alunos serem citados nominalmente na pea do Show,
como no caso de Felipe Scalisa
(satirizado em dois esquetes da
edio de 2014 do Show Medicina), e sobre menes depreciativas ao Coletivo Geni. O exdiretor respondeu que nunca foi
a favor de citaes individuais de
alunos e que no houve meno
direta a nenhum deles (p. 1380);
que no viu na pea, de maneira
nenhuma, relao com o Felipe
Scalisa e relao com o Coletivo
Geni, e que no sabia se a msica Geni, de Chico Buarque, ia
fazer parte ou no (p. 1390); que
o tema no foi o [Coletivo] Geni,
o tema foi a pera do Malandro
(p. 1384). Alegou que o Show no
machista nem homofbico.
Perguntado especificamente
sobre o esquete em que o estudante Felipe Scalisa foi mimetizado e no qual ele mesmo atuou,
Tacla sustentou tratar-se de uma
brincadeira sobre o internato da
Medicina (quem iria ser excludo dos grupos mais concorridos
do internato): Como eu era diretor, no tive muito tempo de
participar da produo ativa desse quadro, mas como eu era da
turma do quarto ano, tinha que
pegar algum papel. Acabei representando o Pedro Bial, a gente
fez um quadrinho do Big Brother (p.1384). Indagado sobre
sua posio no processo criativo
do Show, afirmou que o diretor
geral no quem elabora todo

o roteiro do Show, mas aquele


que v quais quadros vo sair,
organiza a ordem (p. 1382).
Com relao aos calouros serem forados a beber nos ensaios,
Tacla alegou nunca ter presenciado tal situao e disse desconhecer que ocorra tal coao. Eu,
enquanto diretor, fiz questo de
fiscalizar que nenhum excesso
fosse cometido. Nunca fui a favor
de ningum consumir bebida alcolica em excesso, garantiu (p.
1415). Sobre os novatos serem
obrigados a ficar nus, respondeu:
Eu nunca presenciei ningum
ser obrigado, coagido a ficar nu
em nenhum ensaio, nenhum espao do Show (p. 1481).
Em relao a casos de estupro especificamente relacionados
ao Show eu no recebi nenhum
relato at agora. Relacionados
faculdade sim, a gente tem vrios relatos. No Centro Acadmico [Oswaldo Cruz (CAOC)],
o que surgiu e foi bem pautado
foi essa questo de novembro de
2013, da cervejada do sexto ano,
o caso da menina que veio depor
aqui, todo mundo j sabe do que
se trata, disse Tacla, referindose denncia feita por Phamela
Silva Feitosa em novembro de
2013, ano em que ele era vicepresidente do CAOC. Certamente a gente tem relatos, a
gente conversa muito entre ns e
ouve pessoas falando tal menina
me disse que sofreu, mas eu no
sei, no cabe a mim especificar
tudo o que eu j ouvi, nomes,
completou Tacla (p. 1462).

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