FIGUEIREDO - La Arqueología Urbana en Latinoamérica - TESE

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UNIVERSIDADE DE SO PAULO

MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA


PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARQUEOLOGIA

Poltica e religio no Tahuantinsuyu Inca: evidncias das relaes centro x periferia de


Cusco na cermica arqueolgica da Costa Norte peruana.
v.1

Marcio Lus Baso de Figueiredo

So Paulo
2014

UNIVERSIDADE DE SO PAULO
MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARQUEOLOGIA
MARCIO LUS BASO DE FIGUEIREDO

Poltica e religio no Tahuantinsuyu Inca: evidncias das relaes centro x periferia de


Cusco na cermica arqueolgica da Costa Norte peruana.
v. 1

Dissertao

de

Mestrado

apresentada ao Programa de PsGraduao em Arqueologia do


Museu

de

Arqueologia

Etnologia da Universidade de So
Paulo. Verso corrigida. A verso
original encontra-se na biblioteca
do MAE.

rea de Concentrao:
Arqueologia

Orientadora: Profa. Dra.


Maria Isabel D`Agostino Fleming

Linha de Pesquisa:
Cultura material e representaes
simblicas em arqueologia

So Paulo
2014
1

Resumo

Este trabalho buscou analisar a iconografia e morfologia da cermica ritual


produzida na Costa Norte peruana durante o Perodo Intermedirio Tardio e o Horizonte
Tardio, com o objetivo de identificar personagens aqui denominados figuras de poder.
O corpus da anlise incluiu colees pertencentes a diversas instituies museolgicas
brasileiras e estrangeiras. Os primeiros contatos com as colees arqueolgicas e as
classificaes usualmente adotadas nos museus com base nos referenciais tericos
histrico culturalistas evidenciaram uma aparente ruptura na produo cermica no
Perodo Tardio, com o advento da hegemonia Incaica. No sculo XV a cermica
produzida nos Andes apresenta um relativo declnio de artefatos que expressam a
simbologia dos cultos ancestrais vinculada s representaes do poder poltico, quando
comparada aos perodos anteriores. Tomando como referncia estudos aprofundados da
histria poltica dos domnios Chim e Inca nos Andes Centrais, bem como a correlao
dos artefatos cermicos estudados, buscamos entender como as mudanas observadas na
composio e iconografia dos conjuntos cermicos observados est correlacionada com a
organizao das estruturas de poder respaldadas na cosmoviso de seus respectivos
contextos polticos de produo. A reduo do nmero de figuras de poder representadas
na cermica produzida sob a gide do domnio Inca na Costa Norte, bem como a
permanncia de certos atributos identificados como expresso das particularidades da
cosmoviso dos povos daquela regio, sugerem que os Incas enfrentaram a necessidade
de criar ferramentas de legitimao do poder centralizado em Cusco, diante do extenso
territrio subjugado.

Palavras-Chave: Inca Chim Cermica Iconografia Religiosa Religio Poltica

Abstract
This study sought to analyze the iconography and morphology of ritual
pottery produced in the Peruvian North Coast during the Late Intermediate
Period and the Late Horizon, with the goal of identifying characters here
referred to as "figures of power." The body of the analysis included collections
of several Brazilian and foreign institutions. The first contacts with the
archaeological collections and classifications usually adopted in the museums
based on theoretical historical-cultural references showed an apparent rupture
in ceramic production in the Late Period, with the advent of Inca hegemony. In
the 15th century, the ceramics produced in the Andes presents a relative decline
of artifacts that express the symbolism of ancient cults linked to representations
of political power, when compared to prior periods. We seek to understand how
the observed changes in the composition and iconography of ceramic sets
observed is correlated with the organization of power structures supported on
worldview of their respective political contexts of production. We based on deep
studies of the political history of the Chim and Inca domains in the Central
Andes and the correlation of the studied ceramic artifacts. We noted the
reduction in the number of power figures represented on pottery produced under
the aegis of Inca rule on the North Coast, in addition to the permanence of
certain attributes identified as an expression of the particularities of the
worldview of people from that region. Those suggest that the Incas have faced
the need to create tools of legitimation of the centralized power of Cusco, in the
face of the extended subjugated territory.
Keywords: Inca Chim Ceramics Religious Iconography Religion
Politics

Dedicatria

Dedico este trabalho a todas as pessoas que incondicionalmente me


apoiaram e acreditaram na sua realizao. Que este sirva de contribuio e
instrumento de debate para os grandes campos da histria e arqueologia Inca e
da Costa Norte Peruana. Que seja fonte de inspirao e incentivo a todos que,
como eu, so apaixonados e interessados pelo instigante passado das
sociedades Andinas pr-colombianas.
Acima de tudo, dedico memria de todos os povos que construram
esse passado Andino que tanto nos encanta.

Agradecimentos
Agradeo infinitamente aos meus pais Jernimo e Marcia, e as minhas
irms e cunhados Juliana, Mariana, Carlos e Andr pelo apoio incondicional, o
carinho e a pacincia durante essa jornada. Ao meu pai pelo auxlio na
formatao do catlogo de fotos e especialmente por me apresentar o mundo
Andino atravs da msica na minha infncia, origem de todo o interesse e paixo
pelo mundo dos Incas. E a pequena Isa, cuja companhia e o olhar inocente valem
mais que mil palavras para inspirar e dar foras pra seguir em frente. Tambm
agradeo a famlia do Rio de Janeiro, em especial meus avs, pela acolhida,
carinho e incentivo durante minha etapa de trabalho no Rio.
Agradeo especialmente a profa. Dra. Maria Isabel D`Agostino Fleming
e a profa. Dra. Marcia Arcuri pela oportunidade e pela confiana depositada em
mim. A elas agradeo pela orientao, gentileza, disponibilidade e pacincia no
processo da minha formao. Agradeo os puxes de orelha e peo sinceras
desculpas pelos erros cometidos durante a minha trajetria. Serei eternamente
grato por tornarem possvel a maior alegria da minha vida. Sem a professora
Mabel e a professora Marcia, onde eu estaria?
s minhas colegas dos estudos Andinos Daniela La Chioma e Dbora
Soarez. A elas agradeo sinceramente pelas contribuies no meu trabalho, pelo
apoio, pela pacincia e ajuda prestada nos momentos de crise e pela verdadeira
amizade. A Dani dedico o esforo desse trabalho pela paixo que
compartilhamos pelo universo Andino e a Dbora dedico e agradeo pela
brilhante ideia de contrapor e relacionar os textos de Pierre Clastres e Brian
Hayden, que gerou uma boa discusso no primeiro captulo da minha
dissertao.
Agradecimento especial aos amigos de Lambayeque Igncio Alva
Meneses, Mariella y los nios pela recepo calorosa e a hospitalidade em
Ventarrn. A Igncio, agradeo tambm por toda ajuda com a bibliografia e
pelas conversas que muito contriburam para o meu trabalho e principalmente
pela pacincia com as inmeras perguntas.

Agradeo aos especialistas Dr. Luis Millones, Dr. Mario Millones, Dr.
Jurgen Golte e Dr. Quirino Oliveira pelo interesse e contribuies acadmicas
ao meu trabalho.
Agradeo aos professores e colegas do MAE que muito contriburam
para minha formao. A Dra. Silvia Cunha Lima pelas contribuies
acadmicas no trabalho e por compartilhar a bibliografia Chim. A profa. Dra.
Fabola A. Silva pelas indicaes bibliogrficas e ensinamentos sobre os estudos
cermicos. Aos funcionrios da reserva tcnica e da biblioteca do museu pela
alegria e boa vontade em ajudar. Especialmente ao Hlio pela pacincia e
esforo em ajudar a procurar os livros mais impossveis de se encontrar.
Agradeo ao prof. Dr. Eduardo Gos Neves por ceder um espao no seu
laboratrio para a minha anlise da coleo Andina do MAE. Aos colegas e
amigos amazonistas que passaram pelo LAB 1 entre 2010 e 2012, a baronesa
Camila Loos Von Losimfeldt, Mrjorie Lima, Agda Sardinha, Erndira
Oliveira, Ana, Lgia, Francine Medeiros, Jaqueline Belleti, Guilherme Mongel
(o Gacho), Rodrigo Suer pela amizade e por tudo que me ensinaram.
Especialmente ao Kazuo Tamanaha e Fernando Ozrio pela amizade e por tudo
que me ensinaram sobre anlise cermica que muito contribuiu para o meu
trabalho.
Agradeo a Dra. Tnia Andrade Lima por permitir o acesso ao acervo
Andino do Museu Nacional da UFRJ. A Arqueloga ngela Rabello pelo bom
humor, simpatia, amizade e toda a ajuda prestada durante minha estada no
museu.
Um agradecimento especial ao Dr. Walter Alva por possibilitar o acesso
as colees do Museo Tumbas Reales de Sipn e pela boa vontade e esforo em
ajudar a resolver os problemas burocrticos. A Dra. Cristina Cabrenna e a
equipe do museu pela alegria, simpatia e toda ajuda prestada com o acervo.
Agradeo ao Dr. Carlos Wester pelo acesso a coleo cermica do
Museo Brunning de Lambayeque, imprescindvel e fundamental para a
produo deste trabalho. Agradeo tambm ao Arquelogo Dr. Marco
Fernandez e a equipe do museu por toda a ajuda.

Agradeo especialmente ao Dr. Ricardo Morales Gamarra, Diretor do


Museo de Arqueologa de la Universidad Nacional de Trujillo, pela calorosa
recepo e amizade, pela autorizao de acesso ao acervo do museu e por
emprestar a crnica de Ocxaguamam importantssima para o meu trabalho.
Agradeo a Arqueloga Dra. Maria Isabel Paredes por dividir seu espao de
trabalho, pela ajuda com o acervo, pela amizade e boas conversas sobre a
cermica e os estudos do Perodo Tardio.
Agradecimento especial a Dra. Ulla Holmquist e a equipe do Museo
Arqueolgico Rafael Larco Herrera pela recepo calorosa e acesso s
fotografias em alta resoluo do acervo Chim-Inca do museu. A Dra. Ulla,
agradeo pela compreenso, boa vontade e pelas indicaes e contribuies
dadas ao meu trabalho.
equipe do departamento de cermica do Museo Nacional de
Arqueologa, Antropologa e Histria del Per, ao Arquelogo Victor Hugo
Farfn que me acompanhou nas manhs e tardes de trabalho no museu. Em
especial, agradeo aos amigos Dr. Millano Trejo e Dr. Paco Merino pelas
conversas, amizade, compreenso, disponibilidade e esforo em ajudar um
jovem pesquisador.
Agradeo tambm ao Dr. Jean-Jacques Decoster pela autorizao a
pesquisa no Museo Casa Concha e o acesso ao catlogo do acervo que
contribuiu de maneira significativa a minha reflexo.
Um agradecimento especial a Arqueloga Eulgia Gonzales, diretora do
Museo Inka de Cusco pela gentileza, reconhecimento e pela autorizao dos
trabalhos na instituio e por emprestar seu prprio trabalho de catalogao do
acervo para uso em minha pesquisa. Agradeo tambm a equipe do museu, em
especial as amigas Telsia e Mary Luz pela recepo calorosa, colaborao e
amizade.
Por fim agradeo aos meus amigos de So Paulo em especial ao Daniel,
Carlos, Rafael, Ana Paula pela lealdade, amizade, risadas e alegrias que
compartilhamos nesses 16 anos juntos.

ndice

Notas explicativas.......................................................................................................11
Apresentao..............................................................................................................14
Introduo..................................................................................................................18
Chan Chan e o Reino Chim.......................................................................................22
Invaso Inca ao Reino de Chimor: antecedentes e consequncias da guerra ChimoInca..............................................................................................................................27
Tahuantinsuyu Inca.....................................................................................................31

Captulo I: Ideologia, poltica, sociedade e religio: princpios das cosmologias


nos Andes....................................................................................................................42
Cosmoviso e Sociedade nos Andes............................................................................54

Captulo II: Aspectos tericos, metodologia e descrio dos critrios de anlise do


material arqueolgico.................................................................................................65
O corpo de dados e as instituies de pesquisa............................................................69
Natureza dos dados.......................................................................................................71
Atributos tcnicos e morfolgicos................................................................................73
Anlise do Material: Atributos diagnsticos para o reconhecimento dos estilos.........75
Atributos diagnsticos da cermica Inca......................................................................76
1- Aspectos diagnsticos do estilo Inca..........................................................77
2- Caractersticas da cermica tardia Pr-Inca na Costa Norte.......................81
3- Cermica Inca-provincial da Costa Norte ou Chim-Inca.........................83
Mtodo, critrios e resultados da anlise Iconogrfica................................................84
Categorias de anlise iconogrfica...............................................................................85
Grupos de anlise iconogrfica: Figuras de poder.......................................................87
Figuras de poder: subgrupos............................................................................89

Captulo III: Descrio e anlise das figuras de poder representadas na


iconografia Chim e Inca..........................................................................................92
Figuras de poder da Iconografia Chim......................................................................92
Grupo 1.A: Figuras Antropomorfas com Atributos de Poder.........................94
8

1234-

Figura Antropomorfa de Toucado Semilunar...94


1.1 Senhor(es) dos Bastes96
Figura Antropomorfa de Toucado de duas-plumas..................99
Figura Antropomorfa de Toucado Bifurcado ou Deusa
Chim......................................................................................100
Outras Figuras Antropomorfas Costa Norte Tardio com
Atributos de Poder..................................................................101

Grupo 1.B: Figuras Sobrenaturais..102


1234567-

Animal Lunar.102
Antropofitomorfos: milho antropomorfo...............................104
Onda Antropomrfica............................................................104
Antropozoomorfos: Escorpio antropomorfo........................104
Tema da Pesca Mitolgica com Figuras
Antropozoomorfas..................................................................105
Antropozoomorfos: Divindade da Montanha ou Ai Apaec.106
Figuras Hbridas e Outras de carter sobrenatural .............108

Grupo 1.C: Figuras Zoomorfas com atributos de poder................................109


12-

Aves com toucado semilunar.109


Macaco com toucado semilunar.109

Grupo 2.A: Antropomorfos com atributos especficos..................................110


12345-

Antropomorfos com toucado Tipo A.....................................111


Antropomorfos com toucado Tipo B.111
Antropomorfos com toucado Tipo C.....................111
Antropomorfo com toucado Tipo D......112
Antropomorfo com toucado Tipo E......112

Grupo 2.B: Outras figuras Antropomorfas sem atributos definidos...............112


Sequncia cronolgica proposta para a iconografia Chim.......................................112
Comparao com Figuras de Poder da Iconografia Lambayeque..............................115
Aspectos Gerais da Iconografia Inca..........................................................................120
A representao de zoomorfos nos estilos Chim e Inca...........................................124
Antropomorfos e figuras de poder na iconografia Inca: Grupos de representao....125
Grupo 1.A: Figuras Antropomorfas com Atributos de Poder.........................127
1234-

Conjunto figuras de poder na iconografia Inca-Cusco...........127


Conjunto Arbalos com representao de figuras antropomorfas
em pirmides...........................................................................128
Conjunto arbalos com representao de figuras de toucado
semilunar e zoomorfos............................................................128
Figuras de poder em formas aribalides.................................129

Grupo 1.B: Figuras com atributos sobrenaturais............................................132


9

12-

O Animal Lunar no Horizonte Tardio....................................132


Conjunto Milho Antropomorfo..134

Grupo 1.C: Figuras zoomorfas com Atributos de Poder................................134


Grupo 2.A: Antropomorfos com atributos especficos...................................134
12345678910-

Figuras de Toucado Tipo 1 Inca: Pescadores no Horizonte


Tardio......................................................................................135
Figura de Toucado Tipo 2 Inca...136
Figura de Toucado Tipo 3 Inca...136
Figura de Toucado Tipo 4 Inca...136
Figura de Toucado Tipo 5...137
Figura de Toucado Tipo 6 Inca...137
Figura de Toucado Tipo 7 Inca...137
Figura de Toucado Tipo 8...138
Figuras com Toucado/Gargalo138
Conjunto dos rostos aribalides da Costa Norte.....................138

Grupo 2.B: Outras figuras antropomorfas sem atributos definidos................139


1234-

Agricultores Inca.139
Conjunto rostos no gargalo com pintura facial ......................139
Conjunto rostos no gargalo sem pintura.................................140
Outros exemplos para o Grupo 2.B........................................140

Comparao das figuras de poder e antropomorfos da iconografia da Costa Norte Inca


e Pr-Inca....................................................................................................................140
Relaes comparativas (tabela figuras de poder): Inca e Pr-Inca na Costa Norte....141

Captulo IV: A guerra dos Chancas, o culto ancestral e a religio oficial do


Estado....................................................................................................................143
O papel das guerras e a ascenso da elite guerreira para o desenvolvimento do
Estado.....................................................................................................................146
Sobre a guerra dos Chancas...148
Reforma religiosa em Cusco: culto a Inti e culto a Huiracocha................................152
O poder das Huacas: relaes de poder e integrao ao sistema estatal....................160
Culto a Inti no mbito provincial...............................................................................165
Dados gerais da religio Chim e aspectos da introduo do sistema incaico na Costa
Norte...........................................................................................................................169
Consideraes Finais................................................................................................175
Fontes e Referncias Bibliogrficas........................................................................184
Anexo I..198
10

Notas explicativas

Das citaes das fontes escritas analisadas e da bibliografia:


No texto as citaes bibliografias em ingls e espanhol foram traduzidas
para o portugus e mantidas no original em notas de rodap.
As citaes analisadas das fontes escritas foram mantidas no corpo do
texto no idioma e no formato original da verso consultada.
No corpo do texto mantemos o padro de citao bibliogrfica com ano
da edio utilizada.
No corpo do texto, para as fontes escritas consultadas mantemos o
padro de citao bibliogrfica com ambas as datas da edio consultada e o
ano de publicao do original (sempre que disponvel).
As interferncias do autor nas citaes literais do corpo do texto esto
entre colchetes [ ].
Das nomenclaturas e termos em Quchua:
Por no haver um consenso em relao a forma correta de escrever as
palavras em Quchua na bibliografia consultada procuramos sempre manter um
padro pr-determinado pelo autor. Por exemplo escolhemos padronizar com
HUI o nome Huiracocha (tambm, Viracocha, Wiracocha, Uiracocha...) no
texto, da mesma forma que mantemos Huaca e no guaca ou uaca (exceto para
citaes literais).
A palavra Pachacuti no nome do cronista Juan de Santa Cruz Pachacuti
foi mantido diferente do governante Pachactec. A deciso foi tomada para
manter o original da citao bibliogrfica do autor na verso que consultamos.
Do uso das aspas () para conceitos tericos:
Por no aprofundar ou evitar um extenso debate terico sobre algumas
palavras utilizadas em nosso texto, resolvemos utilizar o entre aspas para
relativiza-los, por no encontrar palavras ou conceitos que se adequassem

11

melhor a situao. Quando julgamos necessrio, foram colocadas notas de


rodap explicativas.
Da organizao do catlogo de fotos:
Foram publicadas no catlogo apenas as fotos autorizadas pelas
instituies museolgicas visitadas. O catlogo de fotos no apresenta todas as
peas observadas durante esta pesquisa e foi organizado com base e na
sequncia dos grupos de anlise estabelecidos durante o trabalho pela seleo
apresentada na discusso da dissertao. Apenas algumas peas consideradas
exemplos mais expressivos e fotos com a devida qualidade foram selecionadas
para o catlogo.
Em todas as legendas referenciamos as instituies de procedncia das
peas pelas abreviaturas apresentadas a seguir. Colocamos sempre que possvel
o cdigo de referncia das peas, j que no tivemos acesso a todas as
informaes em algumas das instituies pesquisadas. Essas ltimas so
referidas como: s/c (sem cdigo). A classificao/filiao estilstica das peas
nas legendas seguem o padro adotado pelos museus e entre parnteses
colocamos (?) em peas que julgamos importante questionar a classificao
adotada. Na legenda estabelecemos a autoria das fotos de acordo com a
procedncia: foto do pesquisador, foto cedida pela instituio, foto do catlogo
digital (retiradas da internet) e imagem retirada de publicao com a devida
referncia bibliogrfica.
Organizamos um ndice para o catlogo com base nos ttulos que
estabelecemos para a identificao de cada conjunto analisado.
Dada a falta de um padro para as tipologias adotadas pelos museus
(jarro, vasilha, cntaro...) nos referimos a todos os artefatos como pea, vaso ou
vasilha, exceto os arbalos por julgarmos importante destaca-los.

12

Abreviaturas de instituies citadas no texto e no catlogo:


MAE/USP: Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de So Paulo
MN-UFRJ: Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro
ML: Museo Arqueolgico Rafael Larco Herrera
MNAAHP: Museo Nacional de Arqueologia, Antropologia e Historia del Per
BCR: Museo Banco Central de Reserva del Per
MSP: Museo de Stio de Pachacamac
MB: Museo Arqueolgico Heinrich Brunning de Lambayeque
MTRS: Museo Tumbas Reales de Sipn
MSS: Museo de Stio de Sipn
MST: Museo de Stio de Tcume
MS: Museo Sicn Lambayeque
MHL: Museo de Stio da Huaca de la Luna
MC: Museo Arqueolgico Cassinelli
MAUNT: Museo Arqueolgico de la Universidad Nacional de Trujillo
MSCC: Museo de Sitio de Chan Chan
MCCMP: Museo Casa Concha Machu Picchu
MI: Museo Inka de Cusco
MCHAP: Museo Chileno de Arte Pre-Colombino
MMA: Metropolitan Museum of Art
MD: National Museum of Denmark

13

APRESENTAO

Essa dissertao apresenta o mapeamento e a anlise de artefatos


cermicos arqueolgicos classificados como Inca e Chim os quais integram os
acervos de 20 instituies museolgicas nacionais e internacionais: Museu de
Arqueologia e Etnologia da Universidade de So Paulo, Museu Nacional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museo Tumbas Reales de Sipn,
Museo Nacional de Arqueologa, Antropologia e Histria del Per (Lima),
Museo Arqueolgico Rafael Larco Herrera, Museo Banco Central de Reserva
del Per, Museo de Stio de Pachacamac, Museo Arqueolgico Heinrich
Brunning de Lambayeque, Museo Sicn Lambayeque, Museo de Stio de Sipn,
Museo de Stio de Tcume, Museo de Arqueologa de la Universidad Nacional
de Trujillo, Museo Arqueolgico Casinelli, Museo de Stio de Chan Chan,
Museo de Stio da Huaca de la Luna, Museo Casa Concha Machu Picchu,
Museo Inka de Cusco, Museo Chileno de arte pr-colombino, Metropolitan
Museum of Art, National Museum of Denmark1.
Essas instituies foram escolhidas pela amplitude de suas colees e
documentao referente, tendo sido catalogados 4278 artefatos que compem
nosso corpus documental. Outras fontes arqueolgicas, como artefatos
classificados como Mochica, Lambayeque e Huari foram observadas e, em
casos de extrema relevncia para o tema da pesquisa, incorporadas anlise. A
definio e interpretao dos conjuntos e exemplares cermicos que constam no
catlogo se deram a partir da identificao de atributos formais e iconogrficos
que pudessem contribuir anlise; esta voltou-se a responder nossa hiptese
inicial: teriam os Incas introduzido um controle sobre as temticas expressas na
cermica ritual produzida nas regies por eles dominadas?
Apresentada inicialmente em nosso projeto de pesquisa, a questo acima
formulada derivou da observao de dois fatores que consideramos de grande
relevncia aos estudos Andinos: o primeiro deles consiste na particularidade da
cermica atribuda estilisticamente ao perodo de hegemonia incaica nos Andes
que apresenta uma tendncia a padronizao e simplificao das suas formas e
1

National Danish Museum.

14

especialmente a reduo de motivos iconogrficos associados esfera do poder


poltico/religioso, quando posta em comparao com o que tradicionalmente
visvel na cermica pr-Inca dos Andes Centrais na longa durao; Em segundo
lugar, dados acerca da expanso Inca contidos nas fontes etnohistricas dos
sculos XVI e XVII indicam a tenso entre o poder central dos grupos de poder
de Cusco amparados no culto religioso oficial do Estado e o poder das chefias
locais incorporadas pela conquista, legitimadas pelas suas prprias prticas
religiosas e ancestralidade. Ainda os relatos exaltam o conflito interno e o
faccionalismo das diversas linhagens que integram esse poder centralizado
cusquenho que claramente influencia as relaes centro e periferia do domnio
territorial incaico nos sculos XV e XVI.
Como recorte espacial e cronolgico estabelecemos um foco no perodo
do domnio Inca em relao ao Reino de Chimor, na Costa Norte peruana, que
consequentemente possibilitou o surgimento da variao estilstica local da
cermica ritual da Costa Norte conhecida como Chim-Inca ou Inca-Chim;
estilo hbrido2, que em geral apresenta, por um lado, a predominncia de
aspectos da morfologia associada cultura Inca e, por outro, tais aspectos
aparecem combinados s tcnicas produtivas locais associadas cultura
Chim.
Como j apontado, optamos por contemplar alguns dados observados
em artefatos cermicos Mochica ou Moche, cultura que dominou a Costa
Norte Andina durante quase todo o primeiro milnio d.C., at a ascenso do
Reino de Chimor, para uma melhor compreenso contextual das transformaes
ocorridas na Costa Norte no perodo estudado. Os conjuntos cermicos
Mochicas foram objeto de importantes estudos iconogrficos, desenvolvidos
durante o sculo XX, sobretudo nas ltimas duas dcadas com os estudos de
Golte, Makowski, Donnan, Castillo, Benson, Quilter, Bourget, Alva, entre
outros de grande importncia. A bibliografia de referncia assim formada nos
ofereceu

algumas

ferramentas

metodolgicas

referenciais

tericos

fundamentais para o desenvolvimento do nosso trabalho. Incluir o debate


2

Hbrido entendido como uma produo final que integra aspectos morfolgicos e iconogrficos
que compem ambos os estilos cermicos Chim e Inca, gerando um grupo reconhecvel por
suas particularidades estilsticas que permitem sua distino em relao ao estilo Chim
anterior.

15

promovido pela arqueologia do perodo Moche em nossas reflexes foi um


passo decisivo para alcanarmos uma anlise regional do processo de
desenvolvimento das relaes sociais, polticas e religiosas da Costa Norte, pela
perspectiva da longa durao proposta pelo Historiador Fernand Braudel em
seus trabalhos de 1949 e 1958.
Assim, nossa pesquisa buscou entender a presena ou ausncia de
atributos de promoo de aspectos polticos e religiosos expressos na
iconografia da cermicas Inca e Chim, por meio da comparao dos elementos
identitrios atribudos (na bibliografia e na classificao das colees
musealizadas) a cada grupo, bem como entender, a partir do referencial de
estudos da iconografia Moche, as rupturas e continuidades nos padres
estilsticos da cermica ritual da Costa Norte, entre os perodos Intermedirio
Inicial (c. 200 a.C. a 600 d.C.) e o Horizonte Tardio (c. 1400 a 1532 d.C.) da
cronologia relativa proposta pelo arquelogo John Howland Rowe em 1960
(Lumbreras 1989: 13).
A dissertao est dividida em quatro captulos alm desta introduo.
O primeiro captulo oferece uma sntese que abarca os conceitos que permeiam
este trabalho, bem como informaes sobre a arqueologia e a histria dos Andes
que julgamos importantes para situar a discusso dos dados de pesquisa que
sero apresentados no decorrer do trabalho.
O segundo captulo apresenta os referencias terico-metodolgicos
adotados na pesquisa. Nele, justifica-se tambm a definio dos recortes
escolhidos, com base nas questes incialmente propostas no projeto de pesquisa.
O terceiro captulo apresenta a anlise das cermicas arqueolgicas que
compem o corpus de dados da pesquisa. Apresentamos inicialmente a anlise
do material associado a Costa Norte Pr-incaica, seguido da anlise dos artefatos
do perodo de dominao Inca, tendo em vista a comparao entre ambos.
O quarto captulo trata da discusso relacionada temtica da religio
no Estado Inca e seu papel nos aspectos fundamentais do desenvolvimento
social e da expanso territorial conforme abordada na bibliografia de referncia
e nas fontes etnohistricas que foram analisadas neste trabalho. A reflexo parte

16

de uma sntese comparativa dos dois primeiros captulos, propondo uma leitura
interdisciplinar das fontes arqueolgicas e histricas.
Por fim, apresentamos as consideraes finais acerca das concluses que
chegamos da relao entre os dados arqueolgicos e as fontes etnohistricas
discutidos nos captulos anteriores.

17

INTRODUO

Os estudos arqueolgicos sobre os Andes Centrais so geralmente


divididos a partir da paisagem, naturalmente marcada pelas reas de costa,
serra e montanha. De modo geral, apesar da dificuldade em se estabelecer
fronteiras precisas, essas reas so subdivididas em macrorregies. As da atual
costa peruana so definidas, na literatura acadmica, como: Costa Norte, Costa
Central e Costa Sul, desde o atual estado de Tumbes, ao Norte, at Tacna, no
extremo Sul. A Costa Norte peruana compreende uma rea de clima semirido
de aproximadamente 3.000 km de extenso, e que conecta-se s regies de
serra e montanha que interligam a costa cordilheira Andina e regio da
selva peruana (ver anexo 1 deste volume).
A ausncia de chuvas devido posio geogrfica da cordilheira
Andina faz com que essa regio seja seca e desrtica, apesar de receber relativa
umidade em decorrncia da proximidade com o litoral. A presena da fria
corrente martima de Humboldt e dos ventos do pacfico influencia
diretamente o clima quente e seco da costa, ao mesmo tempo que torna o ar
mais fresco (Benson 1972: 13).
A interao social entre os povos da costa, serra e selva observada
na cultura material arqueolgica, desde o Perodo Inicial3. Especialmente,
destacamos a presena de atributos da iconografia que expressam, do ponto de
vista da complementaridade, a importncia da relao entre os pisos
ecolgicos Andinos e das diferentes regies nas relaes de produo e troca
de produtos.
Diversos rios e seus afluentes provenientes do alto da cordilheira
Andina cortam a regio desrtica da Costa Norte do Peru. O desenvolvimento
remoto de canais de irrigao, ainda no segundo milnio a.C., transformou
essa rida regio num conjunto de vales frteis que possibilitaram o
desenvolvimento da agricultura pelos antigos povos da regio. A agricultura
intensiva, em conjunto com os ricos recursos martimos que acompanham a
3

O detalhamento da periodizao e cronologia adotadas pela arqueologia Andina pode ser


consultado na tabela 1, apresentada no incio do primeiro captulo desta dissertao.

18

corrente de Humboldt, foram fundamentais no apenas para o sustento das


populaes da costa, como para o desenvolvimento de grandes sistemas de
pesca, e tambm de produo txtil, alcanados a partir da domesticao e do
cultivo do algodo (Alva Meneses 2013; Arcuri 2013).
A agricultura incipiente desenvolvida pelas populaes do deserto,
somada a toda a biodiversidade da regio, exerceu grande influncia no
desenvolvimento social, poltico e cultural dos povos que ali viveram. Durante
o Perodo Inicial surgiram grandes centros de ocupao humana que erigiram
estruturas monumentais, tanto na costa quanto na regio serrana. Na Costa
Norte, o desenvolvimento de diversos estilos cermicos a partir do Perodo
Inicial caracterizou o que foi traduzido, pela pesquisa arqueolgica de cunho
Histrico-Culturalista, como indicativos de assinaturas ou fronteiras
culturais que expressavam, em ltima instncia, aspectos de relaes sociais
em escala local e regional.
Nos volumes do Handbook of South American Indians organizado por
Julian Steaward entre 1940-50 temos a grande referncia, de cunho HistricoCulturalista, ainda hoje adotada em muitas pesquisas arqueolgicas apesar de
duramente criticada ao longo dos anos nos estudos acerca da conformao
poltica das sociedades amerndias. Em termos evolucionistas, a obra apresenta
os conceitos de Bandos, Tribos, Cacicados e Estados como o modelo
evolucionista de complexificao social4. A lgica subentende maior ou menor
complexidade com base nos conceitos de primitivo e civilizado em funo
do desenvolvimento ou falta de atributos referentes aos recursos ambientais ou

A mesma lgica recai nas categorias entendidas como Macroregies ou Grandes reas
Culturais da Amrica subdivididas entre Andes, Mesoamrica, Circuncaribe, Terras Baixas
Amaznicas e Norte Amrica. Por filiao de certos atributos ou traos culturais em comum
surgem fronteiras imaginrias do ponto de vista territorial para dividir as reas de estudo em
funo da complexidade social dos povos que as constituem. Essa diviso criou para a
Amrica do Sul uma oposio entre Terras Altas (Altas culturas e maior complexidade) e Terras
Baixas (Culturas incipientes e menor complexidade) com a cordilheira Andina como uma
fronteira natural. O princpio da organizao pautado pelas grandes reas trouxe quanto
especializao de pesquisadores o benefcio do entendimento da existencia de diferenas
substanciais entre as populaes indgenas da Amrica que nos permite buscar abordagens mais
precisas para o entendimento interno dessas sociedades. No entanto, oferece a oportunidade do
erro de no reconhecer o nvel de interao dessas sociedades e a fluidez das fronteiras culturais
que certamente se apresetam cada vez mais evidentes nos dados de pesquisa acerca das
sociedades amerndias. Dificulta o dilogo e muitas vezes oferece explicaes pautadas pelo
universalismo e o difusionismo como formas unilaterais de desenvolvimento ou mesmo de
evoluo das sociedades humanas.

19

grau de desenvolvimento tecnolgico, atributos esses que espelham uma seleo


arbitrria de referncias pautadas pelos estudos clssicos da Europa e Mdio
Oriente. O aporte terico sustenta-se especialmente das premissas difusionistas,
que buscaram nos centros de origem os elementos que possibilitariam os
processos de evoluo cultural.
Dentro desta mesma premissa, Julio Tello interpretou a difuso de um
estilo Chavn a partir de um centro de origem, em Chavn de Huantar, o que
levou definio posterior do Horizonte Inicial na arqueologia Andina
(Kauffman Doig 1969, Lumbreras 1989, Burger 1992, Isbell & Silverman
2006). Muitas vezes, o fenmeno foi interpretado como resultado de um culto
expansionista que difundiu seu sistema religioso por um amplo territrio
conquistado. Com o refinamento dos estudos Andinos, cada vez mais busca-se
compreender este largo perodo pelas especificidades reproduzidas nos estilos
locais anteriores e contemporneos a Chavn; inclusive colocando em xeque a
questo quanto necessidade de um centro de origem para o desenvolvimento
cultural regional.
Outro exemplo interessante est na interpretao de Rafael Larco Hoyle
acerca da cultura Mochica, entendida como consequncia de uma unidade
poltica centralizada, cujo centro de origem teria sido o Vale de Moche (onde se
encontram as estruturas monumentais das Huacas del Sol y de la Luna). A partir
dal os Mochicas teriam expandido suas fronteiras. Esse centro, teria sido
governado por uma elite sacerdotal e guerreira, que atravs das atividades
blicas e da ideologia religiosa conquistou e influenciou os diversos vales da
Costa Norte (Castillo & Quilter 2010: 5).
Castillo (1994, 2006) identificou dois desenvolvimentos sociais distintos
no fenmeno cultural Mochica, entendidos como Mochica Norte e Mochica Sul.
De forma bem resumida, as evidncias materiais apontam que a regio Mochica
Sul tenderia a um Estado mais centralizado nos poderes dos Vales de Moche
e Chicama, enquanto a regio Mochica do Norte apresentaria uma evidente
fragmentao do ponto de vista poltico, desarticulada da regio Sul.
Ressaltamos o contexto das tumbas de Sipn no stio Huaca Rajada, que
demonstram o grau de autonomia de um centro poltico no Vale de Lambayeque
em relao ao suposto ncleo de poder do Vale de Moche, onde o contexto das
20

tumbas

claramente

associa

seus

governantes

figuras

de

poder

poltico/religioso s figuras que expressam o topo da hierarquia na iconografia


Mochica.
Como visto nos estudos de Luis J. Castillo, Jeffrey Quilter, Brian Billman,
Izumi Shimada, Rgulo Franco, Santiago Uceda, Steve Bourget, Jean-Franois
Millare, Claude Chapdelaine e Krzysztof Makowski, publicados em New
perspectives on Moche political organization (2010), o avano dos estudos
Mochicas em diversos stios arqueolgicos dos vales da Costa Norte oferecem
novas hipteses que complexificam as relaes de poder intra e inter vales
durante o perodo de hegemonia da cultura Mochica na regio.
Como resultado desses estudos, o processo de desenvolvimento desse
fenmeno Moche na Costa Norte no parece ter articulado todos os vales que a
constituem sob uma nica autoridade poltica; consequentemente, as diferenas
em cada vale ou mesmo em diversos setores de cada vale, sustentam as hipteses
sobre a ausncia de um poder poltico centralizado. Em outras palavras, uma
tendncia organizao de poderes locais articulados dentro de sistemas
socioculturais com maior ou menor grau de centralizao nas diferentes
localidades. Fala-se, atualmente, de Estados Mochicas articulados dentro de
um fenmeno cultural, em detrimento de um Estado Mochica que resulte em
um fenmeno cultural (Castillo & Quilter 2010: 9-14; Arcuri 2013)5.
Do ponto de vista do desenvolvimento regional na longa durao,
curioso sinalizar que no Perodo Tardio os desenvolvimentos culturais Chim
(na regio Moche Sul) e Lambayeque (na regio Moche Norte) apresentam,
respectivamente, essas mesmas caractersticas de maior centralizao e maior
autonomia. No decorrer do tempo, o processo parece ter culminado na conquista
Chim do vale de Lambayeque, ultrapassando a antiga fronteira cultural
Mochica.

Marcelo Campagno (2007, 2009) em sua discusso acerca da origem dos Estados apresenta a
Lista de Childe, ainda grande referncia para a conceituao do que define uma sociedade
estatal. O arquelogo australiano Gordon Childe definiu uma lista de dez indicadores que
caracterizam o que chamou de revoluo urbana (Campagno 2007: 9). Para Campagno, essa
lista pode ser dividida em atributos quantitativos e atributos qualitativos, onde os ltimos so
chave para o entendimento da mudana no sistema social e econmico que possibilitam o
surgimento de sociedades com Estado (Campagno 2007:9-11)

21

Chan Chan e o Reino Chim


As crnicas de Calancha e do Annimo de Trujillo relatam que alm do
Oceano chegando sozinho em uma balsa no litoral do Vale de Moche um grande
senhor, Taycanamo, havia sido enviado a governar estas terras. Sendo aceito
pelos locais iniciou a dinastia que culminou em um poderoso senhorio que
expandiu suas fronteiras no litoral peruano de Norte a Sul. Este teria sido o
incio do grande Reino de Chimor.
Na poca imediatamente anterior chegada dos espanhis os aspectos
estilsticos da materialidade deixada pelos povos que habitaram a Costa Norte
peruana, especialmente a cermica e os padres arquitetnicos definiram esse
conjunto cultural na cronologia arqueolgica como uma nica cultura
Chim. Os termos Chim e Chimo aparecem nos documentos coloniais
referindo-se ao antigo senhorio da Costa Norte peruana sediado no Vale de
Moche ou Vale de Chimo, conquistado pelos Incas antes do contato com os
espanhis. Segundo Gayosa & Vargas (2005: 152-153) as primeiras referncias
arqueolgicas cultura Chim resultaram das investigaes arqueolgicas de
Max Uhle, no Vale de Moche, em fins do sculo XIX e incio do XX.
Posteriormente, Alfred Kroeber, com base nas atribuies estilsticas da
cermica, dividiu cronologicamente o grupo de artefatos em trs unidades
estilsticas: Chim Temprano, Tiahuanaco e Chim Tardio. Desde ento, o
vocbulo Chim tem sido utilizado para referir-se especialmente ao conjunto da
cermica negra (aspecto obtido pelo emprego da tecnologia de queima
reduzida), que se difundiu pela Costa Norte peruana durante o perodo
Intermedirio Tardio.
Com os trabalhos de Rafael Larco Hoyle nos vales da Costa Norte, a
parte do conjunto anteriormente chamada de Chim Temprano ou Proto-Chim
foi organizada em cinco fases correspondentes ao que hoje se reconhece como
cultura Mochica. Os avanos dos estudos acerca do Horizonte Mdio fizeram
com que o estilo Tiahuanacide da Costa Norte fosse associado influncia
Huari de Ayacucho, em conjunto ao de outras culturas serranas (Mackey 1985).
A tendncia a uma cronologia composta em Chim Temprano, Chim Mdio e
Chim Tardio para o que seria propriamente Chim, apesar dos avanos e das

22

propostas do estabelecimento de algumas fases6, ainda resulta confusa na


interpretao do registro arqueolgico, dada a falta de informaes especficas
de contexto de provenincia das peas, na maior parte das colees.
Os conhecimentos acerca do que consiste essa denominada cultura
Chim e de como foi organizada a sociedade em torno dela esto pautados
predominantemente pela arqueologia que tenta relacionar o contexto material s
poucas informaes conhecidas a partir das fontes coloniais.

De acordo com a bibliografia clssica, durante o Perodo Tardio passouse a produzir cermica em larga escala, graas ao uso massivo de moldes
(tcnica j empregada pelos Mochicas), paleteados e novos tipos de fornos,
gerando novos estilos decorativos tanto cerimoniais quanto domsticos na costa
como na serra. A cermica associada a Chan Chan se caracteriza pela
padronizao das formas: vasos escultricos com ala estribo, vasilhas de bojo
duplo com ala em ponte e garrafas com bojos globulares (Przadka-Giersz 2011:
329).
Assim, tornou-se comum caracterizar a cultura Chim por meio da
cermica de colorao negra (ou acinzentada), feita com o uso de moldes, para
produo massificada (Quiones 1988: 21). Apesar de consensual e vlida, esta
interpretao dos conjuntos cermicos necessita ateno e refinamento j que
resulta em muitos casos da filiao de artefatos cermicos a denominada
cultura Chim apenas pela colorao negra ou pela tcnica de produo, no
levando em considerao outros aspectos que constituem o conjunto estilstico.
Segundo Moseley (1992: 256) e Lumbreras (2000: 38), a maior ateno
da produo artstica de Chimor estava concentrada na produo metalrgica
em larga escala, complementada pela tecelagem, atividades de alto grau de
especializao onde, se supe a partir dos dados iconogrficos e
etnohistricos, a diviso do trabalho por gnero: metalurgia masculino e
tecelagem feminino (Topic 1982: 169).

Amplamente debatido, aqui o conceito de fase reflete a complexidade da mudana de padres


estilsticos (no apenas da cermica) que sugerem a filiao de artefatos a momentos
cronolgicos especficos por associao contextual. No entanto, destacamos a necessidade de
flexibilizao do conceito, j que o mesmo ainda aplicado na arqueologia podendo
subentender conceitualmente processos muito distintos.

23

A produo especializada era sediada nos principais centros como Chan


Chan, diretamente associada ao controle das elites, a servio do Estado. Aps
a conquista Chim do vale de Lambayeque, segundo os dados das escavaes
do arquelogo Izumi Shimada em Batn Grande (que apresentaram longa
tradio na produo de artefatos em metal), a produo local foi restringida
fundio em lingotes de metal, produzidos para exportao, provavelmente para
serem enviados a Chan Chan, onde artesos trabalhavam na confeco dos
suntuosos artefatos em metal, sob tutela do Estado (Izumi Shimada 1994 apud
Silvia Cunha Lima 2010: 64).
Em Lambayeque e outros vales, segundo Lumbreras (1989: 187), os
Chim impuseram a nova dinastia reinante provavelmente depondo diversos
governantes locais. Entretanto, diversos estudos (Mackey 1987, Przadka-Giersz
2011, Kosckmieder 2011) indicam tambm a existncia de diversidade na
poltica e administrao das provncias o que significa que os Chims
permitiram, de alguma forma, a continuidade de prticas e sistemas de governo
sustentados nas linhagens autctones.
De acordo com a historiografia consultada, o Estado Chim,
apresentando um carter multicultural, foi constitudo por uma grande variedade
de populaes que falavam diferentes lnguas. Alguns pesquisadores como
Zevallos Quiones (1988) sustentam que os Chim teriam desenvolvido um
idioma prprio em relao ao Muchik, o Quingnam. Nesse caso, o Muchik seria
o idioma das populaes dos vales do Norte, como Lambayeque. Outros, em
desacordo, propem que ambos os idiomas eram contemporneos no momento
da chegada dos europeus, em regies distintas: o Quingnam era falado entre os
vales dos rios Santa e Pacasmayo e o Muchik desde o vale de Chicama at
Motupe, onde este ltimo seria o idioma do ncleo de desenvolvimento Chim
(Millones 2008: 150). No entanto, consenso que havia uma grande variedade
lingustica no Reino de Chimor: Muchik, Quingnam, o idioma dos pescadores,
e outras lnguas Yungas7. Ainda na interpretao de Quiones (1988: 23), as
vrias formas de expresso lingustica sugerem certa falta de homogeneidade e
de suposta descentralizao no Reino de Chimor. Em contraponto, o autor cita

De acordo com Miguel Cabello de Valboa (Cabello de Valboa 2011 [1586]: 385-386), Yunga
um termo quchua que se refere regio quente e seca da costa peruana. O termo passou a
identificar de forma generalizante todas as populaes provenientes da costa.

24

os Incas que, impunham a lngua geral, o Quchua aos povos conquistados,


inclusive levando os filhos dos curacas para Cusco, com o propsito de ensinarlhes o idioma8 entre outros aspectos da cultura incaica.
Luis Guilhermo Lumbreras (2000: 37) define a sociedade Chim como
uma sociedade dividida em um sistema de classes ou castas (proposta muito
debatida na bibliografia clssica e atual). Dessa maneira, os grupos de
pescadores eram distintos dos grupos de agricultores e, talvez, constitussem
uma casta especfica (Lumbreras 2000: 50). De toda forma, os camponeses e
pescadores no viviam na cidade que era exclusivamente habitada pelos
governantes e as elites (Moseley 1992: 256). De acordo com Luis Millones
(2008:

149)

agricultores

interdependentes,

que

pescadores

sugere

certa

desenvolveram
complexidade

nas

economias
relaes

socioeconmicas com base no princpio da reciprocidade. J Lumbreras aponta


indcios de que os artesos e mercadores constituram um grupo muito
especfico dentro do campo popular, formando um setor socialmente
diferenciado, intermedirio entre as elites e o restante da populao (Lumbreras
2000: 51). Da mesma maneira, destacamos que possvel de se supor que as
diversas outras especializaes (ceramistas, ourives, etc) tambm ocupavam
posies distintas na estratigrafia social.
Sabe-se tambm que a rea residencial de Chan Chan9 era constituda
por bairros em que as casas individuais foram agrupadas conjuntamente, em um
nico bloco, definido pela especializao da produo (Topic 1982: 168)10.
Nesse sentido, dentro de Chan Chan a vida urbana teria um carter por um lado
familiar/privado da vida domstica, e por outro coletivo, onde a organizao e
8

Em todo caso, importante destacar que supostamente os idiomas locais no foram proibidos
no Tahuantinsuyu, o Quchua provavelmente foi adotado para facilitar a comunicao,
primeiramente entre as elites locais e os senhores cusquenhos e depois como um processo de
homogeneizao cultural. Para o Reino Chim, no temos fontes suficientes para compreender
se houve este mesmo processo, se houve ou no a tentativa de homogeneizao ou mesmo se
esses idiomas tinham estruturas prximas ou no.
9
Em Chan Chan foram identificados trs tipos de estruturas arquitetnicas que, segundo os
estudos clssicos, correspondem a trs nveis da estratificao social na cultura Chim. So
esses: Small irregurlaly aglutinated rooms (SIAR) ou bairros relacionados populao em
geral; Elite Compounds, relacionados nobreza; e as Ciudadelas, estruturas de escala
monumental de acesso restrito com complexas e elaboradas formas arquitetnicas comumente
interpretadas como palcios (Pillsbury 1995: 48). Complexos arquitetnicos altamente
planificados de carter poltico, administrativo e cerimonial bem como reas de depsito e
redistribuio de recursos (Canziani, 2010: 179-180), muitas vezes atribudas a diversas funes
como: residncias de elite e tambm como tumbas dos reis de Chimor (Moseley 1992: 259).
10
Talvez cada bairro constitusse um ncleo de parentesco.

25

as atividades do trabalho se davam no espao comunal. Os dados arqueolgicos


tambm refletem uma lgica de organizao que associa as atividades de
produo especializada aos contextos prximos das Cidadelas.
As denominadas Ciudadelas11, so estruturas de escala monumental,
edifcios enclausurados cercados por altas muralhas de adobe que tinham acesso
restrito ao seu interior com complexas e elaboradas formas arquitetnicas
(Pillsbury, 1995: 48; Day 1982: 55-57). Alexandra M. Ulana Klymyshyn (1982)
interpreta que o acesso restrito e as muralhas das Cidadelas expressam um
abismo social e econmico entre duas classes principais: a realeza e o resto da
populao. Dessa forma, a interpretao dos dados arqueolgicos refletem uma
relao de controle/patrocnio das elites sobre os grupos de produo
especializados (assunto a ser brevemente discutido no segundo captulo),
reforando o carter hierrquico da sociedade.
Na anlise de Michael Moseley, os governantes Chim parecem ter sido
considerados seres divinos e o culto ancestral certamente perpetuou a reverncia
aos monarcas anteriores. Consequentemente, os aspectos relacionados religio
estavam de alguma forma vinculados organizao do Estado (Moseley
1982: 18). Luis G. Lumbreras prope o acirramento da estratificao social,
sugerindo inclusive a existncia de algum tipo de propriedade privada
operando no sistema econmico de Chimor (Lumbreras 2000: 41). No mesmo
sentido, Richard Keatinge afirma que a sociedade Chim era organizada dentro
de uma ordem social hierrquica, em que as elites exerciam absoluto controle
sobre a produo, a estocagem e a redistribuio dos bens produzidos (Keatinge
1982: 202).
A chamada cultura Chim, portanto, corresponde a um tipo de sociedade
com carter social estratificado, estruturada em grupos sociais de relaes
hierarquizadas, operando de forma similar a um sistema de castas. As
informaes do perodo colonial, bem como as escavaes arqueolgicas,
sugerem pouca ou inexistente mobilidade social entre grupos da dinastia
reinante, das elites e das classes menos favorecidas. O seu sistema econmico

Para Zevallos Quiones, o termo Ciudadela impropriamente atribudo s edificaes em


Chan Chan, j que o termo corresponde a denominao de um recinto fortificado, para uma
guarnio militar (Quiones 1988: 32-36). Em outra publicao o pesquisador sugere que as
Cidadelas deveriam ser chamadas de complexos funerrios (Quiones 1998: 131).
11

26

parece ter integrado certas formas de propriedade sobre a terra por parte das
linhagens governantes e do Estado, o qual teve capacidade para desenvolver
grandes projetos hidrulicos e uma rede muito complexa de intercmbio de bens
dentro do princpio da reciprocidade.
Invaso Inca ao Reino de Chimor: antecedentes e consequncias da guerra
Chimo-Inca

De acordo com Zevallos Quiones (1988): Chimor era o maior e mais


poderoso estado que competiu no Norte com a hegemonia cusquenha, e foi
conquistado pelos Incas em torno de 1470, caindo Chan Chan com todos os seus
territrios, sob o domnio serrano (Quiones 1998: 130)12.
A primeira evidncia histrica do conflito entre Chims e Incas ocorre
durante a invaso Inca de Cajarmaca, comandada por Cpac Yupanqui13. O
soberano Cusmanco de Cajamarca contou com o apoio das tropas de Chimor
para tentar resistir presso dos cusquenhos. Segundo a Miscelnia Antartica
de Miguel Cabello de Valboa:
Y habiendo de ellos algunas victorias, pas a guamachuco y de all a
Cajamarca, donde hall viva y alentada resistencia en el seor de
aquella provincia llamado Cusmango Capac, el cual, como tuviese
nueva de la venida de los Ingas de el Cusco y de bien guarnecido
ejrcito que traan apellidaron toda la tierra y hicieron con los Chimo
Capac, que tenan el imprio y seorio en los llanos arenales de el
Pir, desde Guarmei hasta Tumbez, que les proveyse de socorro
contra aquel poderoso y cruel enemigo. Y Chimo Capac, que de
ordinario tena gente en campaa, le provey de un mediano nmero
de soldados, dndoles por capitn un animoso mancebo deudo suyo,
que hizo en defesa de los caxamarcas suertes maravillosas. Mas al
cabo fueron vencidos y la tierra tomada, y Cusmango muerto y puesto
en su alcazr o fortaleza, presidio de parte de los Ingas como lo
tuvieron de costumbre hacer en las tierras que conquistaban. (Cabello
de Valboa 2011 [1586]: 383-384).
Chimor era el estado ms grande, ms poderoso, que competi en el Norte con la hegemonia
Cuzquea, y fu conquistado por el Inca hacia 1470, cayendo Chan Chan con todos los
territrios que una vez reyera, bajo el domnio serrano (Quiones 1998: 130).
13
Nas crnicas no h um consenso sobre quem era o governante Inca e os capites que
participaram nessa campanha. O nome Yupanqui aparece em diversos momentos nos relatos
associado a figuras distintas. Da leitura desses documentos, entendemos que possivelmente a
conquista do Reino de Cajamarca se deu em duas etapas distintas, ambas associadas a algum
momento entre os reinados de Pachactec Inca Yupanqui e de Tupac Inca Yupanqui, anterior a
invaso ao Reino de Chimor.
12

27

No h evidncias da subordinao ou vassalagem de Chimor a


Cajamarca ou vice-versa. Maria Rostworowski de Dez Canseco ressalta a
importncia dos canais de irrigao e do controle dos recursos hdricos dentro
da relao de reciprocidade entre a costa e a serra (Rostworowski 1988: 301).
Talvez essa seja uma explicao para a compreenso de relaes polticas muito
mais antigas e complexas.
De toda forma, as informaes obtidas a partir da cultura material e dos
relatos dos cronistas coincidem em relao aliana poltica entre os Chim da
costa e as chefias serranas de Cajamarca e Huamachuco (Lumbreras 1989: 181182). Novas evidncias arqueolgicas tambm sugerem que as relaes
polticas eram bem consolidadas entre a costa e a serra. Nas tumbas de elites de
Chornancap (stio arqueolgico lambayecano de Chotuna) assim como nas
escavaes das Huacas del Sol y de la Luna foram encontradas cermicas do
estilo Cajamarca, o que indica que talvez as relaes sejam ainda mais antigas,
ou ao menos muito intensas no perodo Chim14.
No h uma preciso cronolgica para a conquista Inca do Reino de
Chimor. Michael Moseley, como a maioria dos pesquisadores, estima que tenha
ocorrido entre 1460-1470 d.C. (Moseley 1992: 248). As fontes etnohistricas
consultadas apresentam verses diferentes sobre os fatos e personagens.
Cada cronista nos oferece um relato especfico sobre a guerra ChimoInca, de acordo com os objetivos de suas prprias obras. Alguns oferecem um
relato mais detalhado da guerra, outros apenas citam Chimor como mais uma
das conquistas atribudas a um determinado governante. O padre Bernab Cobo,
em uma narrativa de carter mais geral sobre as diversas conquistas do Inca
Pachactec, rapidamente cita Chimo Cpac e a guerra em Chimor:
O cacique deste ltimo [Vale de Chimo] era muito poderoso,
e recusou-se a render-se ao Inca antes de lutar e ser
derrotado, como foi. Tendo ganho tantas ilustres vitrias, o
que levou alguns anos, o rei [Pachactec] retornou a sua

14

Particularmente no sabemos se o contexto intrusivo do Perodo Tardio, ou se


contemporneo ao Intermedirio Inicial ou Horizonte Mdio. Mesmo assim o dado serve ao
nosso propsito.

28

corte, rica pelos esplios e muito mais homenagiado e


respeitado [...] (Cobo 1983 [1653]: 139).15

Miguel Cabello de Valboa, em seu relato, expressa a intensidade do conflito:


[...] fueron a Caxamarca y hallaron sus soldados en buena
orden y por el Inga y en su obediencia, la tierra, aunque
haban sido molestados muchas veces de los indios Yungas
[...], porque en el valle de Chimo estaba un importuno
contendor de sus disinios llamado Chimo Capac, no menos
poderoso en la tierra de los llanos que eran los Ingas en las
tierras serranas. Contra la pujanza de este valeroso rey
Chimo Capac envi Topa Inga una buena parte de su ejrcito
y bajando por la tierra de los guamachucos llegaron a los
llanos y tuvieron grandes contiendas los Cuscos y los de
Chimo, y no sabr contarlas por estenso por haber prescripto
de las memorias de los que hoy viven y por la poca curiosidad
de nuestros espaoles, que no se les ha dado cosa ninguna por
saber los antigos sucesos de estas gentes [...]Mas sbese por
muy cierto que las armas de los ingas pusieron en rebanto a
los de el ancho y espacioso valle de Chimo y tuvieron
atemorizados a sus moradores, y hartos das encerrados
detrs de sus empinados paredones. [] pasaron a la tierra
regada por el ro Pacazmayo y turbaron todos aquellos valles
[] (Cabello de Valboa 2011 [1568]: 385-386).

Como causas do conflito, o expansionismo incaico em busca de novas


terras parece ser a principal explicao contida na historiografia consultada. No
entanto, tambm so comuns as referncias ao processo relativamente pacfico
que caracterizou a conquista Inca de algumas regies, fruto de uma negociao
entre os Incas e curacas locais interessados na queda dos Chims. Dessa
maneira, Incas e Ychmas formaram uma aliana militar com o propsito de
atacar e derrotar o grande adversrio do norte de Chimor (Moseley 1992:
246).16 Com efeito os Incas apoiaram o revanchismo e revolta dos senhores
locais que:
[...] se mostraban muy enemigos del poderoso Chim los dos
curacas, el de Pachacmac y el de Runahunac, porque en
The cacique of this last one [vale de Chimo] was very powerful, and he refused to surrender
to the Inca before fighting and being defeated, as he was. Having won so many and such
illustruous victories, which took some years, the king [Pachactec] returned to his court, which
was rich with plunder and much more honored and respected [] (Cobo 1983 [1653]: 139).
15

Inca and the Ichma formed a military aliance for purpose of atacking and defeating their
great northern adversary of Chimor (Moseley 1992: 246).
16

29

tiempos atrs, antes de los Incas, tuvo guerra cruel con ellos
sobre los trminos y los pastos y sobre hacerse esclavos unos
a otros, y los traa avasallados. Y al presente, con el poder del
Inca, queran vengarse de los agravios y ventajas recibidas
[] (De la Vega 2004 [1608]:462).

Aos poucos os Incas venceram a resistncia Chim, em cada vale, at


que Chim Cpac, supostamente pressionado pela sua corte, aceita os termos
para sua rendio. Na verso de Garsilaso de la Vega, a guerra sangrenta teria
terminado em uma negociao muito moderada e pacfica em que:
El bravo Chim, domado ya de su altivez y soberbia, pareci
ante el prncipe con otra tanta humildad y sumisin, y,
derribndose por tierra, le ador y repiti la misma splica
que con su embajador haba enviado. El prncipe, por sacarle
de la afliccin que mostraba, lo recibi amorosamente;
mand a dos capitanes que lo levantasen del suelo, y,
habindolo odo, le dijo que le perdonaba todo lo pasado y
mucho ms que hubiera hecho; que no haba ido a su tierra a
quitarle su estado y seoro, sino mejorarle en su idolatra,
leyes y costumbres, y, que en confirmacin de lo que deca, si
Chim tema haber perdido su estado, le haca merced y
gracia de l, para que lo poseyese con toda la seguridad, con
que echados por tierra sus dolos, figuras de peces y animales,
adorasen al Sol y sirviesen al Inca, su padre [] respondi
[Chimo Cpac] diciendo que el mayor dolor que tena era no
haber obedecido la palabra de tal seor luego que la oy. []
llorara en su corazn toda su vida, y en lo dems cumplira
con mucho amor y voluntad lo que el Inca le mandase, as en
la religin como en las costumbres (De la Vega 2004 [1608]:
466).

J a narrativa do cronista Juan Santa Cruz Pachacuti sugere que a


submisso de ambos os Reinos de Cajamarca e Chimor aos Incas teria sido
pacfica destituda de conflitos militares:
[] [Pachactec Yupanqui] parte para el pueblo de la
provincia de Chimo, en donde hallo el Chimo Cpac y a Quiru
Tome (curaca de esa provincia de los yungas) y un dolo y
huaca, los cuales le dan todo cuanto es menester ofrecindole
vasallaje. Lo mismo hace en Cajamarca el Psar Cpac,
curaca de toda esa provincia. (Pachacuti 1995 [1630]: 65)

30

Pacfica ou no, a incorporao do Reino de Chimor ao Tahuantinsuyu


Inca gerou algumas transformaes em escala local. Com a vitria dos Incas,
todas as fontes consultadas sugerem a continuidade da dinastia Chim no poder,
mantendo em funcionamento muitos aspectos da organizao poltica do novo
Reino conquistado. Entretanto, Chim Cpac Minchanzaman levado a Cusco
como prisioneiro e supostamente aceito como membro na corte cusquenha.
Zevallos Quiones (1988) cita um documento annimo e narra o sucedido:
El Inka llamado Topa Yupanqui lleg desde el Cusco con un
gran ejrcito de hombres armados y conquisto toda la costa y
se hizo seor de toda la tierra de Minchacaman, matando a
muchos ndios y llevando el oro y plata y muchas cosas que
tenia. l hizo el ms grande dao en ese valle de Chimor por
la resistncia que encontro, y se llev a Michacaman al Cusco
donde lo cas con una de sus hijas. Desde que haba oido de
que Minchacaman tena um hijo llamado ChumunCaur y que
residia en el valle de Guaru con su madre quin era una dama
de ese valle llamado Chanquir Guan Guan, l le mand llamar
y le orden de ir y de governar esa tierra en lugar de su padre
Minchacaman que murri en el Cusco. (Quiones 1988: 1617).

Na interpretao de Michael Moseley (1992: 250) e Zevallos Quiones


(1993: 132) sendo Minchanzaman derrotado pelos Incas e levado para Cusco, o
seu herdeiro instalado pelos cusquenhos como um governante ttere (puppet)
e seus herdeiros governaram sob tutela incaica at a invaso espanhola (Moseley
1992: 250). Forma de legitimar a dominao estrangeira, a mesma prtica
ocorreu no perodo da conquista espanhola quando Francisco Pizarro aceitou
Manco Inca como herdeiro legtimo do Tahuantinsuyu, sob sua tutela a servio
do Rei da Espanha.

Tahuantinsuyu Inca:

Com a chegada dos espanhis na Amrica do Sul na costa do atual


Equador no primeiro quarto do sculo XVI, o mundo ocidental conheceu o
Tahuantinsuyu17, nome dado aos espanhis pelos informantes nativos, referente

17

Termo traduzido pelos primeiros cronistas europeus como O imprio das quatro regies.

31

ao domnio poltico/territorial, onde os Incas (filhos do Sol) eram os soberanos.


No apenas a abundncia de metais e pedras preciosas atraiu os olhos dos
conquistadores

espanhis

que

adentraram

as

terras

Andinas.

monumentalidade, a infraestrutura, a riqueza e as complexas organizaes


sociais Andinas, entre outros aspectos, causaram grande impacto sobre os
primeiros cronistas que tentaram retratar o que viram nos Andes naquele
momento histrico. A partir desse conjunto, logo criou-se a imagem dos Incas
como uma grande civilizao e o Tahuantinsuyu como um grande Imprio
sustentado no poder centralizado na figura do Sapa Inca como imperador.
Esses cronistas18 dos sculos XVI e XVII, na tentativa de compreender
e mesmo classificar o domnio Incaico nos Andes procuraram estabelecer
relaes e comparaes com a sua prpria realidade ocidental, e suas razes no
antigo Imprio Romano. Em palavras de Sabine McCormack: Para os europeus
do sculo XVI, o Imprio par excellence havia sido Roma, e [portanto] Roma
era o grande referencial que vinha a suas mentes ao tentarem descrever e
compreender as realizaes Incaicas (McCormack 2001: 420)19. Dessa
maneira, os antecedentes romanos e a tradio europeia foram a direo para o
registro e as explicaes da histria e dos diversos aspectos da sociedade Inca.
Inmeras so as conceituaes e as caractersticas para estabelecer o que
um Imprio. Dentre muitos exemplos, os historiadores Jacques Le Goff e Jean
Claude Schimtt (2002) no Dicionrio temtico do ocidente medieval
conceituaram a palavra Imprio (da sua origem do latim Imperium)
relacionando o termo coroa do antigo Imprio Romano do Ocidente sob tutela
da Igreja catlica na Alta Idade Mdia20.

18

Durante a discusso dos dados trataremos com maior profundidade as questes em torno do
olhar dos cronistas e do uso de suas obras como fontes de pesquisa.
19
For Europeans of the sixteenth century, the empire par excellence was that of Rome, and
Rome was therefore the yardstick that came to mind when trying to describe and comprehend
the achievement of the Incas (McCormack 2001: 420).
20
Atravs da aliana de Carlos Magno, rei dos Francos, com a Igreja de Roma sob o ttulo de
protetor da Igreja e do papado, o papa Leo III coroa o rei Franco como o legtimo imperador
(no sentido de herdeiro do Imprio Romano). Legitimada pela Doao de Constantino que
consiste na diviso do mundo e do poder sobre o mundo (ao soldado o poder temporal e ao
sacerdote o poder espiritual), a interveno pontifcia fazia do rei dos Francos um imperador
Cristo e dava-lhe uma autoridade suplementar e o ttulo de Imperador. A mesma coroa do
imprio atravs da linhagem de Carlos Magno deu origem ao Sacro Imprio Romano Germnico
onde a fronteira do Imprio e do poder do imperador oscilava em funo de um complexo
contexto poltico religioso. Posteriormente, Napoleo Bonaparte deu origem ao Imprio Francs

32

Em seu texto sobre a expanso Huari nos Andes Katharina Schreiber se


utiliza do termo Imprio afirmando que: Imprios so estados que se
expandem, no geral rapidamente, e pelo menos em seu incio pela conquista.
So subcontinentais em tamanho e tem sua populao em milhes. Controlam
zonas ecolgicas distintas e so diversos culturalmente; e se organizam de forma
a lidar com essas diferenas. Tm uma administrao central; se suportam pela
extrao de tributos ou pagamento de taxas. Imprios mantm exrcitos de
prontido. Imprios mantm sua soberania sobre todas as populaes e
territrios de seu Reino (Schreiber 2001: 71)21. A mesma autora ainda sugere
que Imprios desenvolvem um estilo prprio de cultura material (Schreiber
2001: 72)22.
Apresentamos no texto dois conceitos muito diferentes para o mesmo
termo (imprio). Dependendo dos referenciais tericos e conceituais podemos
descart-los, utiliz-los ou tentar adequ-los ao nosso objeto de pesquisa23. A
prpria denominao, Tahuantinsuyu (como o complexo conceito de diviso
espacial que apresentamos anteriormente), ao menos para ns pesquisadores do
sculo XX-XXI, necessariamente no expressa a sua complexidade do ponto de
vista social, poltico, religioso etc, necessitando, portanto, sempre de uma
explicao que d conta das suas especificidades. Em todo caso, por
acreditarmos na necessidade de abarcar essas especificidades temos optado por
utilizar o termo Tahuantinsuyu para referir-se ao domnio territorial/poltico dos
Incas, em conjunto com o termo Estado Inca, para referir ao modelo
poltico/religioso, social e econmico.

quando em sua cerimnia de coroao retirou a coroa da mo do Papa Pio VII, se autointitulando
Imperador, consequentemente retirando a autoridade da Igreja catlica de Roma.
21
Empires are states that expand, usually rapidly, and at least initially by conquest. Empires
are subcontinental in size and have a population of millions. Empires control diverse ecozones,
and they are diverse culturally; they are organized to handle this diversity. Empires have central
administrations; they support themselves through the extraction of tribute or the payment of
taxes. Empires maintain standing armies. Empires maintain sovereignty over all people and
territory in their realms (Schreiber 2001: 71).
22
Empires develop their own styles of material culture [...] (Schreiber 2001: 72).
23
Do ponto de vista terico, dentro do primeiro conceito impossvel encaixar os Incas como
Imprio, j que os imprios so aqueles herdeiros de Roma. No segundo, seria possvel encaixlos como um imprio visto que o conceito expressa um tipo de sistema de dominao que
partilha de uma srie de conjunturas e deixa seus traos na materialidade muitos presentes no
caso inca (apesar das especificidades).

33

Michael Moseley, em The Incas and Their Ancestrors, define que o


termo Inca se refere apenas a um pequeno grupo de parentesco, com menos de
40.000 indivduos, que construiu um grande estado, pela fora das armas
(Moseley 1992:9)24. De forma geral, ainda hoje as referncias aos Incas muitas
vezes aparecem atribuindo o termo a uma etnia especfica, ou ao grupo cultural
que ocupava grande parte da regio Andina no momento da chegada dos
espanhis. Nessa pesquisa, trabalhamos com a ideia de que os Incas estariam
mais prximos de ser uma linhagem dinstica que se constituiu no poder e se
ampliou atravs de uma complexa relao social de casamentos e alianas
pautada por relaes de parentesco com base em cosmogonias e por aspectos
sociais estruturais pr-existentes nas sociedades Andinas.
Jerry D. Moore (2004) afirma que os Incas criaram um sistema de
linhagem hierrquica de parentesco para todo o Tahuantinsuyu. A complexa
linhagem dinstica Inca, baseada nas relaes de parentesco colocava os
membros descendentes do Sapa Inca no topo; em seguida vinham os Incas
membros da dinastia, unidos pelos laos consanguneos e pelo matrimnio, logo
abaixo desses os Incas de privilgio (segundo o autor, aqueles que ganhavam o
direito de pertencer linhagem) e, no fim dessa rede de parentesco, estavam as
populaes ligadas aos ayllus25 Incas do vale de Cusco, seguidos da populao
dos ayllus das diversas regies dos territrios conquistados26. Assim, os Incas
puderam organizar o que passou a ser a estrutura social do Estado (Moore
2004: 95-96). Em funo disso, puderam organizar a tributao dos recursos e
do trabalho da sua populao, bem como estabelecer as funes administrativas
e os privilgios dos membros da linhagem incaica e das elites incorporadas ao
Tahuantinsuyu27.

[...] the term Inca refers only to a small group of kindred, les than 40.000 individuals, who
built a great Andean state by force of arms, and who ruled as the realms governing nobility.
(Moseley 1992:9).
25
O ayllu definido como um tipo de agrupamento social constitudo como unidade poltica, formado
por indivduos relacionados por laos consanguneos (Moseley 1992, Espinoza 1997, Bauer 1992,
Rostworowski 1983, 1988 e Murra 1989)
26
Tal hierarquia foi marcada pelas funes sociais dos indivduos em conjunto com o uso de
objetos de prestgio e acesso a locais e prticas institudas para grupos sociais especficos.
Dentro de uma configurao hierarquica, o uso de diferentes vestimentas e atributos de poder
eram permitidos apenas a membros de grupos especficos.
27
Com a prtica da mita e a realocao das comunidades desestruturando os laos de parentesco
e ancestralidade locais, o discurso incaico de uma ampla rede de parentesco com eles no topo
se fazia mais eficiente.
24

34

Do ponto de vista dos mitos de origem, a linhagem se inicia com as


diversas verses do mito dos irmos Ayar onde da regio do Lago Titicaca ou,
em outras verses, das cavernas de Tampu T`oqo a sudeste do rio Huantanay,
surgiram quatro casais. Quatro irmos e quatro irms (unidos por laos
matrimoniais consanguneos), os quais representariam a origem de inmeras
etnias Andinas. Manco Cpac acompanhado de sua esposa-irm Mama Occlo,
ao chegar regio do vale de Cusco, finca seu cajado na terra, funda a cidade
de Cusco, estabelece uma famlia, deixa seus descendentes e depois se
transforma em uma pedra e passa a ser venerado como um dos mais sagrados
objetos, ou huaca, dos Incas28.
Muitos acontecimentos durante a jornada dos irmos e aps a fundao
de Cusco assim como sua influncia poltica no vale marcam algumas relaes
e fatos histricos que sob o nosso olhar acabam por justificar posteriormente a
situao do Tahuantinsuyu em seu apogeu. Da pesquisadores tendem a
interpretar muitos aspectos das narrativas mticas como construes que advm
da necessidade Inca de justificar sua situao poltica, como apario tardia
em diversas regies por eles conquistadas.
Segundo Brian S. Bauer: A regio imediatamente em torno do Vale de
Cusco [...] foi ocupada por inmeros grupos tnicos que foram absorvidos pelo
estado Inca durante o perodo inicial da formao do estado (Bauer 1992: 1)29.
O autor sugere que os Incas, em algum momento durante o Perodo
Intermedirio Tardio, se estabeleceram como um grande poder poltico que
submeteu os diversos grupos da regio ao seu domnio.
Segundo a historiografia, as diferenas nos estilos cermicos do Vale de
Cusco apontam para certa diversidade tnica na regio. Um dos estilos
cermicos caracterstico, muito difundido pela regio de Cusco, o estilo
Qotakalli, cujo surgimento datado, aproximadamente, em 340 d.C. Segundo
28

Como citamos anteriormente, difcil estabelecer uma diferenciao entre os dados histricoarqueolgicos e os mitos, e mesmo a existncia histrica de Manco Cpac e outros personagens
contidos nas diversas narrativas mticas recuperadas pelos cronistas espanhis atravs dos
relatos dos naturais. difcil precisar se os incas originalmente pertencem ao Vale de Cusco ou
quando chegaram (e de onde) depois de um processo de migrao at se assentarem
definitivamente na regio.
29
The region immediately surronding the Valley of Cuzco, the Cuzco region, was occupied
by a number of different ethnic groups that were absorved into the Inca state during the early
period of state formation (Bauer 1992:1).

35

Bauer e Jones (2011), durante o Horizonte Mdio a regio de Cusco estava


submetida esfera de influncia do Imprio Huari. Estudos apontam que
durante este perodo a cermica Qotakalli continuou sendo produzida. Em
conjunto, foram encontrados no vale alm de outros estilos prprios da regio,
alguns de produo local fortemente influenciados pela tradio Huari de
Ayacucho, bem como estilos associados a possvel importao provenientes de
outras regies30 (Bauer & Jones 2011: 128-132).
Diversos exemplos de cermica Huari possivelmente
importada tm sido registrados no stio Huari de Pikillacta31
e em outros da regio cusquenha. De fato, anlises de
ativao de nutrons [] tm comprovado que estas foram
produzidas dentro do ncleo territorial Huari e
posteriormente importadas at a regio de Cusco (Bauer &
Jones 2011: 129)32.

Os limitados conhecimentos arqueolgicos (no Intermedirio Tardio)


que temos hoje do perodo inicial da cultura Inca conhecido como perodo
pr-imperial ou mesmo perodo Quilque33 (em torno de 1000-1400 d.C. com
base em um estilo cermico e traos arquitetnicos rudimentares) revelam que,
no contexto do domnio incaico (1400 d.C. em diante no Horizonte Tardio),
foram promovidas mudanas na arquitetura, no urbanismo e na paisagem local.
Com base em DAltroy, sabemos que esses stios apresentam, ainda, sinais de
algum tipo de integrao regional presente entre fins do sculo XIV e incio do
XV (do nosso ponto de vista possivelmente resqucios ou influncias das
relaes polticas das culturas Huari e Tiahuanaco no Horizonte Mdio entre
600-900 d.C.), bem como indcios de uma certa ausncia de conflitos presentes
nas evidncias arqueolgicas de reas distantes entre 40 e 50km de Cusco.

30

Segundo Bauer e Jones (2011) foram encontrados na regio de Cusco artefatos com traos
dos estilos Chakipampa, Okros, Viaque, Huamanga e Robles Moco associados regio de
Ayacucho.
31
Segundo Michael Moseley era um grande centro administrativo Huari na regio de Cusco que
serviu como zona residencial e de estoque de recursos (Moseley 1992 : 243).
32
Varios ejemplos de alfarera Wari posiblemente importada se han registrado en el sitio Wari
de Pikillacta y en otros de la regin cusquea. De hecho, anlisis de activacin neutrnica []
han comprobado que stas fueron producidas dentro del ncleo territorial Wari y posteriormente
importadas hasta la regin de Cuzco (Bauer & Jones 2011: 129).
33

Michael Moseley atribui a fundao da cidade de Cusco ao perodo Quilque (Moseley 1992 :
244).

36

Muitos desses stios so pequenos, apesar de alguns com tamanho e


caractersticas que indicam a emergncia de algum tipo de hierarquia (D`Altroy
2001: 207).
Os padres de assentamento, bem como a ausncia de estruturas
defensivas entre fins do Horizonte Mdio e o incio do Intermedirio Tardio,
segundo Michael Moseley, indicam que de alguma forma o Vale de Cusco
usufrua de uma situao poltica j bem consolidada em um perodo anterior,
com poder suficiente para ameaar seus vizinhos (Moseley 1992: 244).
De forma geral, como atesta Franklin Pease, provavelmente durante o
perodo inicial do desenvolvimento do Estado Inca a organizao poltica dos
cusquenhos estivesse pautada pela autoridade de Sinchis (chefes guerreiros)
apoiados por um conselho local de ancies dos ayllus relacionados a partir das
metades Hanan e Hurin e dos laos de parentesco (Pease 1972: 19).
J o incio do chamado perodo Imperial, de acordo com os relatos dos
cronistas, estimado em aproximadamente 1438 d.C., a partir da fuga de Cusco
de Huiracocha Inca e seu designado herdeiro, Inca Urco, durante uma ameaa
de invaso (no episdio conhecido pela historiografia como Guerra dos
Chancas)34. Nesse momento, um dos filhos mais novos do Sapa Inca, Cusi
Yupanqui ou Inca Yupanqui organiza as defesas de Cusco formando alianas
com outros grupos da regio. Segundo os relatos, o jovem ajudado por foras
sobrenaturais e os pururaucas (guerreiros de pedra), obtm vitria contra os
Chancas em uma batalha decisiva, posteriormente empreendendo uma
campanha em direo ao corao do domnio dos Chancas35. Em seguida,
Yupanqui aclamado e mesmo contra a vontade de seu pai se torna seu sucessor
com o nome de Pachactec Inca Yupanqui36. Desde ento, segundo os cronistas,
Pachactec durante seu reinado teria subjugado no apenas os tradicionais
inimigos de Cusco como tambm iniciado o processo de grande expanso

34

Em outras verses, da fuga de Yahuar Hucac Inca como veremos mais adiante.
Diferentes verses apontam para uma ordem cronolgica diferenciada das conquistas de
Pachactec. Sobre o assunto ver Pachactec de Maria Rostworowski Diez Canseco, 1953
(Rostworowski, 2006 : 156-7).
36
O termo Pachacuti ou Pachactec em Quchua se refere a grandes mudanas num amplo
sentido cosmolgico em que opostos complementares invertem sua posio trazendo grandes
transformaes. Ao assumir Pachactec em seu nome, o Inca passa a ser reconhecido nos relatos
posteriores como o grande transformador.
35

37

territorial do Tahuantinsuyu no Sul/Sudeste das terras altas peruanas na regio


do Titicaca (D`Altroy 2001: 207). Concomitantemente, o Inca teria estabelecido
um novo calendrio, leis, tributos, rituais, cargos administrativos e estabelecido
uma grande reforma administrativa e urbanstica, incluindo a organizao social
do espao entre as metades Hanan e Hurin para Cusco e todo o territrio
conquistado37. Apesar da variedade e da falta de preciso dos relatos, a
historiografia clssica assume a conquista da Costa Norte ao reinado de Tupac
Inca Yupanqui, um dos filhos do Inca Pachactec38.
Dado o carter cultural e tnico heterognio do Tahuantinsuyu, as
conquistas vieram acompanhadas de um processo gradual de exerccio do poder,
onde os Incas elaboraram um sistema burocrtico e administrativo para o
controle do seu territrio. Segundo Moseley, A variao lingustica era
formidvel e incompatvel com uma administrao centralizada. Desta forma,
uma lngua oficial foi imposta Runa Simi, uma verso do Quchua como
lngua franca e meio de comunicao governamental.39 (Moseley 1992: 10).
Alm de adotar um idioma comum, para dar conta de administrar os
novos territrios conquistados, os Incas criaram novos centros administrativos
em diversas provncias conquistadas; aproveitando e reestruturando muitas
obras de infraestrutura pr-existentes (Rostworowski 2000:178).
Os Incas instituram nos territrios conquistados um modelo de diviso
de terras destinando parcelas entre os habitantes dos ayllus e as chefias locais,
tambm, parcelas destinadas ao culto ao Sol e ao Sapa Inca, onde as populaes
produziam dentro de um modelo rotativo de organizao do trabalho. Dessa
forma, parte da produo do ayllu, dedicada s terras do Sol, era destinada a
suprir as necessidades dos templos do Sol, dos tributos s huacas, rituais e festas
religiosas. Pequena parte da produo da terra do Sapa Inca era destinada ao
sustento de sua panaca real, enquanto que a maior parte era destinada aos
37

Muitos pesquisadores contestam a verso de que tantas reformas tenham ocorrido durante o
reinado do Inca Pachactec alegando que, possivelmente, ele ou seus sucessores tenham
transmitido os fatos durante as geraes posteriores atribuindo a ele os feitos de seus
antecessores.
38
Trataremos de apresentar as diferentes verses dos relatos detalhando a conquista da Costa
Norte no decorrer da pesquisa.
39
Linguistic variance was formidable and imcompatible with the centralized administration.
An official tonque was therefore imposed Runa Simi, a version of Quechua as the lingua
franca and medium of governamental communication (Moseley 1992: 10).

38

armazns (Collcas) servindo como estoques do Estado para constantemente


renovar os pactos de reciprocidade com os diversos grupos das panacas,
curacas, funcionrios do Estado, huacas/divindades, bem como para
transferir recursos entre reas distintas, e a sustentar exrcitos e grupos de
trabalho provenientes das mitas40:
O modelo econmico Inca tem sido classificado como
redistributivo devido s funes que cumpria o prprio
governo [...] grande parte da produo do pas era
monopolizada pelo estado, o qual por sua vez a distribua
segundo seus interesses (Rostworowski 1988: 285)41.

As mitas42 foram uma adaptao em nvel estatal de tradicionais sistemas


de organizao produtiva do trabalho nos ayllus Andinos com base no princpio
da reciprocidade, conforme j mencionado. A partir das mitas, os Incas
subsidiaram toda a produo agrcola e dos mais diversos recursos do Estado,
podendo tirar proveito desse sistema para a construo de grandes obras
pblicas, deveres cerimoniais e inclusive obrigaes no mbito militar. Cada
chefia, nesse sistema deveria ceder dentro de um processo rotativo parte da mo
de obra controlada de seus ayllus para atender s demandas do Estado.
Dentro do princpio da reciprocidade, segundo Susan Ramrez (1996),
quando em servio ao Inca e ao Sol, os trabalhadores eram sustentados pelas
reservas do Estado recebendo comida, bebida e outros materiais em troca da
fora de trabalho; assim os Andinos produziam para o Estado baseados na

40

Maria Rostworowski (Rostworowski 1988: 286) enfatiza o uso dos recursos excedentes para
fins de reciprocidade, descreditando o seu uso como um fim para suprir necessidades das
populaes em caso de desastres etc. Do nosso ponto de vista, manter a populao relativamente
satisfeita e em devidas condies de trabalho tambm uma ferramenta para a legitimidade do
sistema que contribui para a continuidade da produo para os fins da reciprocidade como citado
pela autora. Ainda assim, destacamos que h que pensar que do ponto de vista estratgico as
prioridades variam em funo de contextos distintos e das aes dos envolvidos.
41
El modelo econmico inca se ha calificado de redistribuitivo debido a las funciones que
cumplia el prprio gobierno. Esto significa que gran parte de la produccin del pas era
acaparada por el estado, el cual a su vez la distribua segn sus interesses (Rostworowski 1988:
285).
42
Segundo Rostworowski (1988), antes de ser um sistema organizativo do trabalho, o conceito
de mita tinha um significado mais profundo relacionado com o tempo cclico e logo, portanto,
regulador da ordem/caos do universo (Rostworowski 1988: 260).

39

lgica de que de certa forma parte da produo voltava comunidade como


presentes, recompensas e ajuda em tempos difceis (Ramrez 1996:90).
O sistema funcionou ainda como poltica integrativa. Trabalhadores de
diferentes partes do territrio eram enviados a reas comuns, segundo Franklin
Pease (2009: 65), como mittanis destinados a apenas um turno de mita, ou como
mitmaqkunas, que permaneciam longos perodos no local de servio.
Legitimados pelo sistema das mitas, atravs da realocao de mitmaqkunas, s
vezes de comunidades inteiras para territrios novos, os Incas encontraram
inclusive uma forma de desestruturar os laos familiares e ancestrais dos
ayllus43 (Moseley 1992: 10).
Tudo isso, por assim dizer, refora a tentativa do Estado em criar a
unidade no apenas poltica, mas tambm cultural. Apesar de estabelecerem as
bases do funcionamento em sistemas pr-existentes, os Incas possivelmente
estabeleceram um novo modelo que culminou num Estado com forte
tendncia centralizadora do poder sob as mos das elites de Cusco.
A historiografia clssica sobre o perodo incaico de fins do sculo XIX
at meados do XX delineou uma verso da histria dos Incas muitas vezes
moldada nos padres culturais europeus pautada pelas informaes dos
cronistas do XVI e XVII. Essa historiografia muitas vezes adotou como verdade
a verso de um cronista sobre um fato que mais se aproximasse de seus
referenciais tericos e os interesses polticos e sociais da atualidade44. Apesar
das suas grandes contribuies, a arqueologia desse perodo acabou servindo
tambm como alicerce para demonstrar, por meio da cultura material, as
dimenses imperiais para essa construo da histria dos Incas, baseada na
monumentalidade e nos relatos dos cronistas.

43

Do nosso ponto de vista, logo das suas razes e das relaes com seu espao ancestral,
consequentemente das relaes com suas chefias e suas huacas.
44
O nacionalismo de fins do sculo XIX at meados do XX, assim como interesses econmicos,
buscaram no passado inca as razes do Estado nacional, com uma cultura capaz de unificar as
diferenas etc. Juntamente, lembramos da historiografia tradicional de esquerda que tratou de
representar o Tahuantinsuyu Inca como um Estado Socialista" pautada pelos relatos dos
cronistas sobre a abundncia de alimentos e redistribuio de produtos, o acesso s terras, o
trabalho coletivo e o princpio da reciprocidade nos modos de produo das comunidades (nessa
interpretao os Incas deixam de ser um imprio e passam a ser entendidos como um tipo de
confederao).

40

Ainda assim, a maior parte das informaes que temos do passado Andino
legado, principalmente, da tradio oral, passada de gerao a gerao.
Existiam, inclusive, pessoas cuja funo (obrigao) social era de recordar o
passado na memria e retransmiti-las em forma de cantos e representaes
(Rostworowski 2000: 100). Seguindo a tradio, essas pessoas deveriam
lembrar aquilo que os soberanos, ou responsveis pelo funcionamento das
estruturas de poder, quisessem que fosse lembrado. Nesse sentido, podemos
supor que havia tambm a omisso intencional de certos fatos. Devemos,
tambm, levar em conta que o homem Andino no compartilhava das mesmas
preocupaes que os europeus: Podemos assegurar que, no mbito Andino,
no existiu um sentido histrico dos acontecimentos, tal como o que
entendemos tradicionalmente (Rostworowski 2000: 103). Silncio e omisso
eram, por assim dizer, formas de modificar o curso da histria para aquilo que
fosse mais conveniente.
A partir do prprio processo de expanso incaica, cada vez mais distante
do centro, um novo quadro poltico pode haver se formado onde houve um
crescimento da influncia das elites locais em detrimento do poder centralizado
nas mos das elites cusquenhas. Os Incas mantiveram sempre que possvel as
estruturas de poder local como forma de facilitar a administrao dos recursos,
gerando um processo expansivo extremamente acelerado, o que possibilita
compreender a conquista de uma vasta regio em um curto perodo de tempo.
Assim conforme citado anteriormente o objetivo da anlise das fontes
arqueolgicas e dos textos escritos em nossa pesquisa busca uma compreenso
mais ampla das relaes de poder expressas nessas fontes com base nas
hipteses e questes propostas e justificadas no projeto de pesquisa.

41

CAPTULO I
Ideologia, poltica, sociedade e religio: princpios das
cosmologias nos Andes

Os trabalhos produzidos pela arqueologia realizada nos Andes desde o


sculo passado nos oferecem um panorama geral do entendimento de como se
desenvolveram, no tempo/espao, as diversas sociedades Andinas prcolombianas. O acmulo de dados observados levou ao estabelecimento de
uma cronologia relativa, onde predominantemente a cermica, a partir de
anlises estilsticas e, de modo geral, a variabilidade estilstica da cultura
material incluindo a arquitetura presente no registro arqueolgico Andino
resultaram em diversas sequncias cronolgicas adotadas, ainda hoje, para os
estudos dos Andes pr-hispnicos45 Cabe ressaltar que a teorizao sobre uma
sequncia cronolgica Andina ainda tema de debate nos trabalhos de diversos
pesquisadores, buscando o refinamento dos conceitos tericos adotados e de
datas mais precisas para o entendimento dos diversos desenvolvimentos
regionais46. De maneira introdutria no abordaremos as discusses, mas
destacamos elementos utilizados como referncia para discusso das questes
levantadas durante esta pesquisa.
Como uma sntese, a tabela a seguir apresenta o modelo para a
cronologia dos Andes Centrais proposta pelo arquelogo John Howland Rowe
em 1960 usualmente adotada nos estudos arqueolgicos Andinos47. O modelo
de Rowe, est pautado, predominantemente, nas variaes estilsticas48 e
Sequncias diversas, j que apesar de seguirem um mesmo modelo, os pesquisadores
tendem a atribuir datas relativas diferenciadas em seus trabalhos; por conta de novos dados e de
novas interpretaes que surgem luz da continuidade dos trabalhos arqueolgicos nos Andes.
As cronologias com base em dataes relativas pesquisadas apresentam uma alta margem de
erro, s vezes com sculos de diferena.
46
Destacamos de imediato que este trabalho busca contribuir para este debate no que diz respeito
especialmente ao perodo mais tardio, apesar de no propor e nem discutir a reformulao dos
modelos vigentes.
47
Manteremos o modelo e as nomenclaturas estabelecidas para cada periodizao como
apresentado na tabela como referncia para situar o leitor bem como problematizar os conceitos
ao decorrer do trabalho.
48
Entendemos que, em geral, nos estudos Andinos o conceito de estilo tratado como o
produto final do conjunto de tcnicas empregadas na produo dos artefatos cermicos,
metlicos ou outros materiais, bem como da arquitetura (tanto do ponto de vista da tecnologia
de produo, quanto dos traos da esttica das artes e iconografias). Tratamos mais
45

42

composto de sete Perodos: trs horizontes intercalados por dois perodos


chamados intermedirios alm de um Perodo Inicial (relativo ao surgimento
da cermica) e um Perodo Pr-cermico49:

PERODO

DATAS RELATIVAS

Perodo Pr-cermico

Anterior a 2000 a.C.

Perodo Inicial

2000 - 900 a.C.

Horizonte Inicial

900 - 200 a.C.

Intermedirio Inicial

200 a. C. - 600 d.C.

Horizonte Mdio

600 - 1000 d.C.

Intermedirio Tardio

1000 - 1400 d.C.

Horizonte Tardio

1400 - 1532 d.C.

Cronologia Andina proposta no modelo de John Rowe com base em variaes estilsticas:
Tabela produzida pelo autor a partir de informaes dos textos de Luis Lumbreras (1989),
Richard Burger (1995), George Bankes (1989) e Gary Urton (1999).

Os chamados perodos intermedirios intercalados aos horizontes


fazem aluso a momentos da histria Andina em que segundo o olhar dos
arquelogos se manifestam processos de desenvolvimento locais ou regionais
evidenciados pelo registro arqueolgico. O termo horizonte foi inicialmente
adotado por Max Uhle para o perodo de dominao Inca. Posteriormente o
termo foi adotado por muitos pesquisadores para indicar a relativa unidade
ou similaridade observada na variabilidade estilstica, arquiteturas, ritualismo
e economias entre as sociedades identificadas nesses perodos pela arqueologia
nos Andes peruanos que teriam caracterizado as ocupaes de vastos
territrios, muitas vezes entendidos como domnios regionais (Urton 1999:15).

adequadamente deste conceito e da sua aplicao neste trabalho no segundo captulo desta
dissertao.
49

Nenhuma das datas apresentadas acima so precisas, e logo, devem ser tomadas apenas como
uma referncia de como vem sendo organizada a cronologia nos Andes. Cabe ressaltar aqui,
para citar um exemplo, que alguns stios datados de 1800-1700 a.C. Perodo Inicial cermico
no apresentam artefatos cermicos; ainda assim, so contemporneos a stios que apresentam
material cermico no seu registro arqueolgico (sobre o assunto ver Thomas Pozorski & Shelia
Pozorski 1993).

43

Em 1962 o arquelogo John H. Rowe se referiu s similaridades desses


fenmenos como Horizonte Inicial (com traos predominantes atribudos
cultura Chavn), Horizonte Mdio (com base nos estilos das culturas Huari e
Tiahuanaco) e Horizonte Tardio (proveniente do domnio estabelecido pelos
Incas durante os sculos XV e XVI) (Burger 1995: 11)50.
As similaridades ou as diferenas do registro material no espao/tempo
das diversas reas dos Andes peruanos so atribudas s recorrncias das
culturas arqueolgicas identificadas a partir do registro material. Em 1957, o
arquelogo John Alden Mason afirmou que a cermica o principal critrio de
distino entre as vrias fases das culturas Andinas pr-hispnicas, das quais no
sabemos nada historicamente (Mason 1957: 258)51.
Ainda hoje, as colees Andinas musealizadas recebem a sua atribuio
cultural predominantemente com base na identificao de variaes estilsticas de
seus artefatos e, quando possvel, em relao ao contexto de provenincia. Muitos
objetos desprovidos de informaes sobre o contexto de escavao, hoje
pertencentes a instituies museolgicas ou a colecionadores particulares, so
provenientes da prtica de huaqueio52, recebendo sua atribuio com base em
critrios estilsticos atravs das colees de referncia que foram recuperadas
em escavaes arqueolgicas.
Por meio da interpretao do registro material arqueolgico, e de algumas
informaes acessveis por meio de fontes etnogrficas e histricas, pode-se
conhecer um pouco acerca do processo de desenvolvimento das sociedades Andinas
50

Sobre a cronologia e os dados acerca da arqueologia Inca destacamos que existem


divergncias quanto ao estabelecimento de uma data precisa para o incio e para o fim do
Horizonte Tardio. Alguns pesquisadores sugerem em torno de 1400 d.C. ou 1430 d.C. como
datas aproximadas da consolidao do poderio Inca no Vale de Cusco e consequentemente do
incio do processo de expanso imperial conotao ocidental acerca do domnio territorial
incaico que deu incio ao Horizonte. Outros pesquisadores adotam 1470-76 d.C. como incio
do Horizonte Tardio, por ser a data estimada da conquista Inca do Reino de Chimor visto pela
historiografia como o ltimo grande poder da regio Andina a fazer frente aos incas
estabelecendo o controle incaico de norte a sul na costa e na serra. Da mesma forma, o fim do
Horizonte Tardio tambm passvel de dvida j que, pode ser associado tanto ao momento da
captura do Inca Atahualpa em Cajamarca pelas foras dos invasores espanhis liderados por
Francisco Pizarro, ou pela tomada de Cusco (capital do Tahuantinsuyu segundo as fontes
etnohistricas), e inclusive pela revolta de Tupac Amaru I que culminou em sua execuso em
1572 d.C.
Pottery is the principal distinguishing criterion for a number of Peruvian culture phases of
which we know nothing historically (Mason 1957: 258).
52
Saque do material arqueolgico destinado comercializao no mercado negro. Atividade
ilcita pela legislao de todos os pases latino-americanos ainda bastante recorrente no
Peru.
51

44

do passado. Durante o perodo Pr-cermico Tardio foram produzidas grandes


estruturas monumentais, que sugerem um alto grau de organizao das foras
produtivas do trabalho em termos do gerenciamento dos recursos e da mo de obra.
Para tanto, era necessrio um conhecimento tcnico especializado, bem como a
coordenao dos trabalhos de engenharia e arquitetura por parte de grupos e ou de
indivduos capacitados para o desenvolvimento dos grandes projetos.
Na viso de Richard Burger, muitas sociedades do passado que no
equivalem s que conhecemos por meio dos registros etnogrficos ou histricos,
desenvolveram a arquitetura monumental em contextos sociais muito distintos
daqueles com que estamos familiarizados. O Pr-cermico no Peru, deste modo,
apresenta dados que sugerem a construo monumental possivelmente desvinculada
de aparatos coercitivos de estados (Burger 1995: 28). Segundo o autor, aspectos
cosmolgicos que direcionam a prpria organizao social e espacial dessas
sociedades teriam servido de estmulo para a concretizao de tais
empreendimentos.
Segundo o pesquisador Michael Moseley, as representaes
iconogrficas presentes no Pr-cermico estavam cercadas de conhecimentos
e crenas que faziam a iconografia ser inteligvel para as populaes em geral,
em que os motivos seriam os elementos chave para a comunicao simblica;
base tambm dos estilos surgidos posteriormente nos Andes (Moseley 1992:
109).
Burger atesta que, para o Pr-cermico, existem poucas evidncias materiais
que apontem para algum tipo de distino social hierrquica nesse perodo: Em
muitas sociedades, quanto maiores so as diferenciaes social e econmica,
maiores so os nmeros de objetos materiais que representam essas diferenas de
status. A ausncia de tais marcadores no Pr-cermico, reciprocamente, sugere que
o grau de diferenciao tenha sido muito pequeno (Burger 1995: 34)53.
Com base em conhecimentos de sociedades relativamente pouco
estratificadas, Burger, conclui que a falta de bens suntuosos nos contextos funerrios

It is evident that there are very few material indicators which could have served as markers
of hierarchical social status. In most societies, the greater the social and economic
differentiation, the greater the number of material objects which represent these differences in
status. The absence of such markers in the Late Preceramic conversely suggests that the degree
of differentiation may have been small (Burger 1995: 34).
53

45

sugere algum tipo de estrutura ideolgica contrria prtica de acumulao de


riquezas por parte de indivduos. Nesse sentido, o prestgio das famlias, grupos e
indivduos nesse tipo de sociedade era medido pela generosidade, conhecimento
do sagrado e pela sua capacidade de mobilizar mo de obra (Burger 1995: 37)54.
Para Michael Moseley, tambm com base nas evidncias arqueolgicas e
etnogrficas, a autoridade e as decises polticas e administrativas no Pr-cermico
se davam de alguma forma similar a um sistema de cargos. Nesse tipo de
organizao, indivduos capacitados se alternam dentro de tradicionais posies
hierrquicas de liderana, ao contrrio de organizaes como as de chefias
provenientes de uma classe de elite que herdam os postos de liderana como
observado em outros sistemas, subsequentes, documentados para os Andes
(Moseley, 1992: 107). No perodo Intermedirio Inicial, aproximadamente 1.500
anos depois, a cultura Moche, ou Mochica, promove a continuidade da tradio de
construes monumentais da Costa Norte peruana, apresentando, porm, evidncias
materiais de uma sociedade altamente hierarquizada, com base no controle
ideolgico por parte de elites especializadas55, em relao s estruturas sociais e os
meios de produo (Castillo 2006: 129-130). Em comparao aos enterramentos do
Pr-cermico, os contextos funerrios e de oferendas da arqueologia Mochica
caracterizam-se por uma abundncia de objetos de prestgio, apresentando
considervel disparidade nas quantidades de artefatos suntuosos depositados nas
tumbas de indivduos das elites, em comparao aos enterramentos da populao
comum. Tais evidncias inferem, sem dvida, diferenciao social. Apesar das
especificidades, o mesmo padro Moche de organizao poltico/religiosa parece se
manter expresso nos contextos funerrios da Costa Norte, durante o Horizonte
Mdio (com a influncia Huari) e o perodo Intermedirio Tardio (com a sociedade
Chim).
Com o advento das conquistas incaicas no Horizonte Tardio, no apenas os
registros arqueolgicos, mas tambm as fontes histricas e etnohistricas informam
sobre um modelo social hierrquico, aparentemente bastante estratificado, que se
perpetuou pelo vasto territrio do Tahuantinsuyu, durante o domnio incaico,
consolidado em um relativo curto perodo de tempo (cerca de um sculo ou de um
54

Generosity, sacred knowledge, and the ability to mobilize labor (Burger 1995 : 37).

55

Vinculadas a prticas rituais que sugerem a manuteno dos meios produtivos e dos bens
materiais nas mos de uma elite sacerdotal hierarquizada.

46

sculo e meio). Ainda assim, cabe ressaltar que tal organizao se dava apresentando
a permanncia da confluncia dos aspectos cosmolgicos e ideolgicos que
remontam ao Pr-cermico e ao Perodo Inicial, em que o discurso ideolgico
dentro de relaes dinmicas e dialticas se constituiu em funo dos processos
histricos, de um lado, e das estruturas tradicionais com base na cosmologia e nas
tradies, de outro56.
Maurice Godelier (1978) afirma que a ideologia Inca no est separada das
relaes de produo, sendo, portanto um elemento interno dessas mesmas relaes.
A ideologia religiosa, especialmente nesse caso, no superficial, mas reflexo das
relaes sociais, como entendida do ponto de vista marxista mais ortodoxo
funciona como um elemento interno das relaes de produo estabelecidas na
sociedade entre produtores e a elite que detm o poder sobre os meios de produo,
ou mesmo das instituies estatais. Dessa forma, no meramente legitimadora,
mas sim constituinte das relaes de produo (Godelier, 1978: 8-10). J Timothy
R. Pauketat e Thomas E. Emerson (1991), em The ideology of authority and the
power of the pot, atestam que ideologias so vistas como sistemas discursivos de
conhecimentos, crenas e valores modelos cognizados que legitimam o status
quo social atravs da apropriao dos referenciais tradicionais e cosmolgicos
(Timothy R. Pauketat e Thomas E. Emerson, 1991: 920)57.
Entendemos que ideologias se constituem a partir das estruturas prexistentes nas sociedades. Do-se a partir de um discurso que seja capaz de articular
as crenas e os valores que sustentam a vida em comunidade, viabilizando a
presena dos interesses particulares de determinados seguimentos ou grupos sociais.
Com isso, estabelecem modelos de organizao social, de gesto, de distribuio
dos recursos e de controle do conhecimento, dos direitos e deveres, bem como das

56

O referencial terico marxista, que teve grande influncia nas anlises de pesquisadores do sculo
XX, atribui ideologia uma funo de instrumento legitimador da ordem existente, especialmente das
relaes desiguais da distribuio do poder e do acesso aos recursos primrios e as propriedades.
Concordamos que, de fato, as ideologias operam nesse sentido, especialmente em sociedades com um
carter organizativo de estratificao social e verticalizao de poder. No entanto, acreditamos que
devemos levar em conta a influncia das estruturas ideolgicas tambm como aspectos formativos
dessas mesmas relaes primrias entendidas como a infraestrutura do referencial terico marxista
em relao dialtica com a superestrutura.
Ideologies are seen as systems of discursive knowledge, beliefs and values cognized models
which legitimize the social status quo through an appropriation of traditional and cosmological
referents (Timothy R. Pauketat e Thomas E. Emerson, 1991: 920).
57

47

formas de autoridade e de formatao das leis58. De qualquer forma, ideologias so


entidades dinmicas (Timothy R. Pauketat e Thomas E. Emerson, 1991: 920)59,
no estticas, sendo assim reinventadas e reinterpretadas de forma a se adequarem
novos contextos. Grupos e sociedades mudam no tempo, com ele se transformam
tambm as relaes e as prticas sociais em que estruturas e mentalidades operam
de forma dialtica, como permanncias60; e, no obstante, quando suficientemente
naturalizadas61 certas prticas sociais, ideologias e, consequentemente,
instituies permanecem na sociedade mesmo quando apresentam mudanas na sua
formatao.
Alm disso, dadas as complexidades das relaes sociais e de seus sistemas
de organizao, muitos discursos ideolgicos que permeiam o cotidiano no so
fruto exclusivamente de imposies daqueles considerados dominantes nas relaes
verticalizadas. O decurso do tempo, gerando novos contextos e ideias, oferece um
campo frtil para a germinao de discursos e contra-discursos; diga-se de
passagem, nem sempre antagnicos. Ainda assim, desenvolve-se o que Timothy R.
Pauketat e Thomas E. Emerson (1991) chamam de ideologias dominantes,
entendidas como uma ou mais ideologias que operam na busca de estabelecer e
legitimar o status quo social em favor dos grupos que produzem e dominam os
meios de comunicao e de transmisso dessas ideologias.

58

Em alguns momentos de forma a beneficiar interesses ou mesmo legitimar a autoridade dos


grupos dominantes.
59

Ideologies are dynamic entities (Timothy R. Pauketat e Thomas E. Emerson, 1991: 920).

Desde o incio do sculo XX a historiografia vem discutindo o papel da longa durao


proposta pelo historiador Fernand Braudel para o desenvolvimento da pesquisa na disciplina da
Histria. Sem dvida, a longa durao foi um passo muito importante para o desenvolvimento
da teoria da Histria e das cincias sociais como um todo. Atualmente, pesquisadores
estabeleceram a crtica tirania da longa durao e da histria das mentalidades (que se
consolidaram nos estudos histricos at aproximadamente as dcadas de 1960-80), inclusive
desconstruindo a prpria noo de longa durao. Em nossa perspectiva terica, acreditamos
ser produtivo pensar os processos envolvidos no desenvolvimento da histria das sociedades na
perspectiva de uma longa durao estabelecendo na anlise as conexes necessrias com a
mdia e a curta durao; em que as conjunturas, o contexto, estabelecem dialeticamente em
conjunto com as estruturas, as mudanas e as permanncias que podem ser evidenciadas nas
prticas sociais, ou mesmo no campo das ideias, para um melhor entendimento dos
acontecimentos histricos das sociedades do passado.
60

Naturalizadas como uma condio, passando despercebidas como se fossem adventos da


prpria natureza, espontneas ou inerentes da vida social, bsicas, indissolveis e desprovidas
da ao humana intencional.
61

48

Os complexos discursos ideolgicos permeiam as sociedades e so


facilmente detectados em sociedades ditas no igualitrias; aquelas onde h evidente
desigualdade material e de acesso s esferas do poder e do conhecimento. O direito
de propriedade e de acesso aos recursos bsicos para a sobrevivncia nesse ou
naquele modelo de organizao social, as divises sociais por castas ou classes
estabelecidas por linhagem ou pelo poder poltico e econmico, bem como os
valores, as ticas, as formas de controle e de coero, e logo as legislaes (por mais
antigas que sejam), necessitam de legitimidade, de naturalizao que se d,
dentro dessa perspectiva, atravs de discursos62.
Apesar de no se ter as condies necessrias e de no ser nosso objetivo
discutir esta temtica de maneira aprofundada, questionamos correlatos desta
reflexo que nos fazem automaticamente associar certos comportamentos ou
padres sociais s chamadas sociedades igualitrias. Indagamos se devemos
mesmo qualificar uma sociedade como igualitria, apenas por no haver uma
estrutura social que aponte para algum tipo de verticalizao, ou mesmo que no
apresente evidente discrepncia na distribuio dos recursos materiais. A vida em
sociedade marcada pelos conflitos, onde existem, entre uma infinidade desses, por
exemplo, questes de gnero e de idade, de direito palavra (tambm como de
discurso poltico), de transmisso de valores e conhecimentos, e at mesmo de
linhagem. Esses e outros conflitos presentes nas relaes e prticas cotidianas, com
toda certeza devem ser levados em considerao quando falamos de igualdade
entre membros de uma dada comunidade.
Em 1980 no livro a Arqueologia da violncia, no captulo A questo do
poder nas sociedades primitivas, Pierre Clasters questionou a emergncia do
Estado perguntando em que condies uma sociedade deixa de ser primitiva63
e por que as codificaes que rechaam o Estado falham em certos momentos da
histria (Clastres 2004: 145). Pensamos que o mesmo tipo de questionamento deve
ser feito quanto ao surgimento de elites e de aparatos ideolgicos ou coercitivos; em

A eficcia do discurso se d, em nossa viso, por inmeros fatores que tratam de convencer
ou at mesmo alienar o pblico alvo, dentre os quais, destacamos o apelo emoo e a comoo,
ao medo, ao fascnio, entre outros.
62

63

Sociedade sem Estado (Clastres, 2004).

49

que condies e quais os desdobramentos histricos que de alguma forma


condicionam direes para o surgimento desses64.
Mesmo para o perodo Pr-cermico, a ausncia de certas evidncias
materiais (para alm das estruturas arquitetnicas monumentais) que indiquem
hierarquia e desigualdade no significa que no houvesse algum tipo de relao
assimtrica de controle de recursos e de acesso ao poder. Acreditar que a
organizao do trabalho e o acesso aos recursos tenham como base a aptido e a
capacidade de redistribuio (dentro do princpio da reciprocidade), como sugerem
Burger e Moseley para aqueles casos, no significa que o acesso aos conhecimentos
tcnicos especializados e aos sobrenaturais e ancestrais fossem partilhados por
todos os membros das comunidades. Como evidenciado pelo registro arqueolgico
do perodo Pr-cermico e do perodo Inicial as prticas morturias iniciais indicam
que nem todos eram iguais e que isso de se esperar onde exista uma organizao
dual e linhagens de status diferenciados (Moseley 1992: 107)65. Assim, a ausncia
de chefias centralizadas ou de prticas polticas pautadas na coero no impede que
as relaes sociais e de poder em contextos locais ou supralocais sejam assimtricas.
Da mesma forma, como apontado acima e vem sendo discutido por Arcuri (2007,
2009, 2011, 2013), o registro arqueolgico atribudo s ditas sociedades amerndias
estatais, tanto no caso Inca como dos Mexicas, expressa noes norteadoras de
cosmovises em que a assimetria das relaes poltico-sociais no indicativa,
necessariamente, de centralizao poltica.
Por outro lado, no Perodo Inicial, alm do aparecimento da confeco e do
uso da cermica, observa-se, na Costa Norte peruana a intensificao da produo
de canais de irrigao. Concomitantemente, percebe-se no registro arqueolgico o
surgimento de estruturas monumentais ainda maiores, que exibem tambm a
iconografia monumental produzida em grandes murais pintados (Pozorski T. & S.
Pozorski, 1993: 48). Para Thomas e Shelia Pozorski, um stio como Huaynun (no
Vale de Casma, na Costa Norte peruana) apresenta evidncias das relaes entre a
monumentalidade e as primeiras atividades de orientao pblica, possivelmente

64

Direes, pois, a questo, sob o nosso olhar envolve mltiplas alternativas ; em detrimento
de uma viso evolucionista ou determinista, tanto dos processos histricos, quanto da prpria
condio biolgica de ser humano e ou de se viver em sociedade.
Early mortuary practices indicate that everyone was not equal, but this is expected where there is
dual organization and lineages of different status. (Moseley 1992: 107).
65

50

cerimoniais. A estrutura construda no alto das colinas teria sido um lugar de onde
indivduos proeminentes conduziam reunies de orientao pblica de natureza
cerimonial ou religiosa voltada para grandes pblicos de observadores posicionados
abaixo na grande praa. Inclusive a presena de uma rota alternativa, escondida,
para o topo da estrutura poderia fazer com que pessoas aparecessem e
desaparecessem subitamente no alto da estrutura; fazendo do elemento surpresa
uma forma de impressionar o grande pblico (Pozorski T. & S. Pozorski, 1993:
48). Isso sugere que possivelmente esses rituais eram, de alguma forma,
controlados por grupos relativamente especializados, que tinham as condies
necessrias para expor os seus pontos de vista acerca do sagrado.
Com o decorrer do tempo, visivelmente no caso Moche, Chim e mesmo
Inca, percebemos a tendncia especializao e restrio de certas esferas do
conhecimento controladas pelas elites sustentadas na produo ideolgica de um
discurso religioso, com base na cosmoviso, e em modelos pr-existentes de
organizao social. Da mesma forma, as evidncias materiais dessa especializao
nos Andes, de atividades administrativas e rituais, vm acompanhadas da
intensificao de aparatos coercitivos e do poderio militar que se tornam, de um
ponto de vista cronolgico, cada vez mais frequentes como medidas de controle e
mesmo da legitimidade do poder por parte dos grupos dominantes.
Em a Sociedade contra o Estado (1982) e A questo do poder nas
sociedades primitivas (2004), Clastres defende que o chefe est a servio da
sociedade desprovido de poder. Com isso, subentende-se que o controle e o
gerenciamento dos recursos se deem em funo da sociedade, e no dos interesses
particulares de grupos ou de indivduos especficos. Na ptica do autor, o prprio
conceito ocidental de chefia imprprio para tratar desta figura do chefe (que no
manda) nessas sociedades66. J Brian Hayden, em contraponto a Pierre Clastres,
afirma que a figura de aggrandizers indivduos ambiciosos, agressivos
acumuladores e manipuladores (nos casos mais extremos sociopatas e psicopatas)
nas sociedades constitui a fora necessria mudana nas sociedades humanas
(Hayden 1998: 19). Com uma minoria de indivduos como esses, segundo o autor,
quaisquer organizaes sociais ou normas culturais poderiam ser manipuladas aos

66

Perspectiva que entendemos dentro de uma viso de poder na sociedade que exclui a idia de
autoridade; sendo ento mediadora dos conflitos sociais em prol do bem-estar da comunidade.

51

seus interesses prprios tanto em sociedades igualitrias quanto em sociedades


trans-igualitrias67.
Seja como for, as evidncias materiais das sociedades Andinas do passado
apontam para o desenvolvimento j com suas primeiras evidncias no perodo
Inicial de grupos de elite. Essas elites se estabelecem no poder, de alguma forma,
legitimadas por um discurso poltico pautado pelos aspectos da cosmoviso
conceitos tratados na sequncia do texto em Cosmologia e Sociedade.
As ideologias de elite so inseparveis da economia poltica (Timothy R.
Pauketat e Thomas E. Emerson, 1991: 920)68. Do ponto de vista da organizao
poltica e social, na Costa Norte, durante o Perodo Inicial, surgem indcios de
algumas elites que personificam a combinao do poder religioso e do poder secular
(Pozorski T. & S. Pozorski, 1993: 49-51). Em mbito regional, a comunicao
entre as diferentes comunidades estabelecidas nos diversos vales era intensa,
existindo muitas semelhanas na produo e na organizao social das mesmas.
Entretanto, sob uma anlise mais minuciosa da arquitetura, da iconografia e dos
artefatos dos diversos stios arqueolgicos, torna-se evidente que nesse momento
existiram diferenas locais que sugerem distintos sistemas polticos autnomos:
existem dados suficientes para estabelecer hipteses de que cada rea exibia um
sistema de governo distinto o qual enfatizava diferenciados aspectos da vida social,
econmica, poltica e [tambm] da vida religiosa (Pozorski T. & S. Pozorski,
1993: 50).
Consideramos fundamental apontar tambm o uso da cermica como meio
de comunicao e transmisso de valores, crenas e identidades nas sociedades
amerndias. Pela reproduo da iconografia como meio de comunicao simblica
inteligvel ao olhar dos indivduos pertencentes ao grupo cultural, atravs da sua
difuso no uso cotidiano (ritual) nos diferentes estratos da sociedade, devido troca
e do comrcio, especialmente de bens de prestgio dentro e fora das comunidades69.

67

Sociedades em processo de transformaes nas relaes de chefia, de estratificao social e


de organizaes pr-Estatais.
68
Chiefly elites of pre-state hierarchical formations view themselves as vested with authoritative
political and religious powers, and seek to perpetuate this ideology; this is accomplished through the
appropriation of traditional kin-based ethics and cosmological precepts. Centralized ritual sponsored by
these elite individuals [] provides the context for the perpetuation or diffusion of this ideology. As it
reproduces the established social relations of production, we may conclude that the elite ideology is
inseparable from the political economy. (Timothy R. Pauketat e Thomas E. Emerson, 1991: 920)
69
Falaremos com maior especificidade sobre o uso da linguagem simblica atravs da
iconografia mais adiante no texto ; citando a materializao disso na cermica, exemplificando,

52

Em meados do Perodo Inicial existiram, na Costa Norte, extensas redes


de trocas de variados produtos exticos provenientes de regies longnquas das
terras do atual Equador ao norte e a leste do alto at o outro lado da cordilheira
na Amaznia peruana. Dessa forma, as populaes criaram uma rede de
intercmbio que estaria sob o domnio das elites dos [diversos] centros
cerimoniais dos quais, a construo e a ornamentao na costa e na serra
estariam sob a fora de uma ideologia mgico-religiosa que conceituava um
mundo natural sacralizado com a presena de seres antropozoomorfos,
fantsticos (Elera 1993: 237)70. Desse modo, tambm destacamos o controle
dos meios produtivos e da orientao ritualstica envolvida no uso desses
produtos exticos.
Sobre a sociedade Mochica, Brian Billman (2010) atesta que a coleta de
produtos e servios, por consequncia, requer que as lideranas tenham alguns
meios de manipular o comportamento dos membros de uma populao. O controle
exercido pelas lideranas atravs de vrios meios de persuaso (como o uso do
carisma, autoridade, doutrinao e propaganda) e tambm da aplicao de sanes
positivas e negativas. Sanes podem ser ideolgicas, econmicas ou fsicas.
Persuaso e coero so exercidas atravs das redes de relaes pessoais por
exemplo, de governantes supremos para governantes locais, indivduos, unidades
domsticas, grupos ou comunidades e sua aplicao requer controle dos recursos
e dos meios de comunicao, pela liderana.71Assim, para se assegurarem no
poder, as elites da Costa Norte Andina procuram disseminar as suas ideologias de
todas as formas possveis j que: as ideologias das elites so expressas

a partir dos estudos iconogrficos elaborados para a cultura Mochica, propostos por diversos
especialistas como Jurgen Golte, Christopher Donnan, entre muitos outros de igual importncia.
70
Las poblaciones crearan una red de intercambio que estaria bajo el domnio de las elites de
los centros cerimoniales [] de una ideologa mgico-religiosa que conceptuaba un mundo
natural sacralizado con la presencia de seres antropo-zoomorfos, fantsticos (Elera 1993 :
237).
Collection of goods and services, therefore, requires that leaders have some means of
manipulating the behavior of members of the general population. Control is exerted by leaders
through various means of persuasion (such as the use of charisma, authority, indoctrination, or
propaganda) and through the application or thread of positive or negative sanctions. Sanctions
can be ideological, economic or physical. Persuasion and coercion are exercised through
networks of personal relationships for instance, paramount ruler to local ruler to individuals,
households, groups or communities and their application requires that leaders control
resources and the media of communication (Billman 2010 : 182-183)
71

53

simbolicamente em uma [grande] variedade de dimenses materiais e no


materiais (Timothy R. Pauketat e Thomas E. Emerson, 1991: 920)72.
Hierarquia, poder e prestgio so conceitos que parecem estar, de alguma
maneira, ligados, no que diz respeito ao desenvolvimento das sociedades Andinas.
Procuraremos demonstrar, a partir da discusso dos dados de pesquisa reunidos
nesta dissertao, que o prestgio parece ter oferecido um caminho profcuo para o
desenvolvimento do poder poltico que se consolidou na Costa Norte Andina
durante os perodos de hegemonia Chim e Inca. Podemos entender que a hierarquia
operou, no caso estudado, como uma ferramenta de manuteno dos conhecimentos
e da aquisio de prestgio, reforando as relaes de poder. E, claramente, discursos
ideolgicos tornam-se verdadeiras ferramentas de poder, em determinados
contextos e sob certas condies, suportando o advento e a manuteno de grupos
dominantes de elites.
Relaes entre dominadores e dominados nos Perodos Inicial e
Intermediarioio Tardio se deram de diferentes maneiras em funo de diversos
fatores que discutiremos de forma mais detalhada adiante, ao apresentarmos as
conquistas e as estratgias de dominao Incaicas durante os sculos XV e XVI,
bem como nas discusses sobre mudanas e continuidades na iconografia das
cermicas produzidas em contextos de dominao Moche, Chim e Inca.

Cosmoviso e Sociedade nos Andes

As bases estruturais da produo e das relaes sociais nos Andes se davam


majoritariamente no sistema dos ayllus. O ayllu definido como um tipo de
agrupamento social constitudo como unidade poltica, formado por indivduos
relacionados por laos consanguneos (Moseley 1992, Espinoza 1997, Bauer 1992,
Rostworowski 1983, 1988 e Murra 1989). Esse sistema operava por meio do
princpio da reciprocidade e do trabalho coletivo para garantir o sustento e a vida
social de toda a comunidade. Segundo Mara Rostworowski (1999), mesmo entre
os diversos modelos de organizao econmica do vasto territrio Andino, o
conceito da reciprocidade existiu e se materializou nas sociedades dos Andes, o que

Elite ideologies are expressed symbolically in a variety of material and nonmaterial dimensions.
(Timothy R. Pauketat e Thomas E. Emerson, 1991: 920).
72

54

chamou de: um sistema organizativo socioeconmico que regulava a prestao de


servios em diversos nveis e servia como a engrenagem da produo e distribuio
de bens. Era um ordenamento das relaes entre os membros de uma sociedade que
desconhecia o uso do dinheiro (Rostworowski 1999: 68-69)73. Funcionava,
portanto, como um costume tradicional muito antigo mediador das relaes sociais
e do trabalho; uma conveno social tradicionalmente enraizada nos costumes
Andinos pr-colombianos, e seu descumprimento era motivo de excluso social,
marginalizao e at mesmo exlio da comunidade (Espinosa 1997: 205-206).
A reciprocidade pautava o intercambio e o pagamento74 pelos servios
efetuados entre os grupos que formavam os ayllus. Da mesma maneira, ordenava os
trabalhos de infraestrutura local e o atendimento s demandas da populao75,
mediando as relaes entre a chefia e sua comunidade, ou entre chefias de diferentes
comunidades76. Os relatos observados nas fontes histricas coloniais sobre os Incas
e as sociedades pr-incaicas indicam que os cargos de chefia local eram passados
por princpios hereditrios e de linhagem. Cada ayllu era dividido em duas metades
e estava subordinado a um curaca77 principal. Este compartilhava o poder e suas
tarefas com o curaca representante da linhagem da outra metade, chamado pelos
espanhis de segunda persona78. Cada um desses, por sua vez, ainda dispunha de
um ajudante que, em Quchua, era chamado de yanapaque (Rostworowski 2000:
118); um total de quatro senhores para cada Curacazgo79. Aqueles que detinham o
ttulo de curaca eram responsveis pelo controle dos calendrios de produo e
La reciprocidad era un sistema organizativo socioeconmico que regulaba las prestaciones
de servicios a diversos niveles y serva de engrenaje en la produccin y distribuicin de bienes.
Era un ordenamiento de las relaciones entre los miembros de una sociedad cuya economa
desconoca el uso del dinero (Rostworowski 1999: 68-69).
74
necessrio adequar o conceito ao mbito Andino pr-colombiano no qual a prtica de dar e
receber no reflete necessariamente a idia do acmulo de bens materiais. Com ressalva aos
contextos dos desenvolvimentos das chefias, hierarquias, das elites e das dominaes que
sugerem certo grau de assimetria nessas relaes.
75
Incluem-se os ancios, vivas, menores de idade, orfos, doentes etc.
76
Como discutido anteriormente no texto gerava o prestgio de indivduos e grupos medidos
pela generosidade e capacidade de redistribuio.
77
Definio que se aproxima do conceito de senhor, ou aquele que detm o poder local. Este
possua o controle da fora de trabalho de seu ayllu, o que no significa que tivesse direitos
sobre os bens da populao do mesmo.
78
Em seu trabalho, Maria Rostworowski (2000) buscou demonstrar no dilogo entre inmeras
fontes de pesquisa a existncia de um ordenamento dual nas funes de cargos militares,
administrativos, polticos e religiosos na configurao do Tahuantinsuyu Inca com base na
diviso em metades hanan e hurin.
73

Usualmente o termo Curacazgo traduzido para cacicado, mas a bibliografia recente nos
leva a questionar este tipo de associao direta. Sobre o assunto ver Arcuri 2007 e 2011.
79

55

ritual das obrigaes cerimoniais, bem como pela administrao dos recursos e por
assegurar a lei e a ordem local. Eram tambm incumbidos de organizar, dentre outras
tarefas da comunidade, os trabalhos coletivos nas terras produtivas e a redistribuio
dos recursos e, assim, garantir o sustento da populao:
De modo simbitico, era esperado que os curacas fossem
generosos e hospitaleiros, e em ocasies formais isso significava
alimentar as populaes e prover grandes quantidades de cerveja
de milho [chicha] para propsito de intoxicao [embriaguez]
ritual. Em seu nvel mais bsico, se espera que os lderes
retribussem com presentes, comidas, bebidas e coca a mo de
obra e os servios oferecidos por seus seguidores (Moseley 1992:
53)80.

Ainda segundo o autor, esse tipo de chefia fundamentado na reproduo de


elites hereditrias teria se tornado hegemnico pouco antes do incio da era Crist,
substituindo os sistemas de cargos materializados pela precedente organizao das
atividades em funes81 administrativas e suposta hierarquizao (Moseley 1992:
52-53). A legitimidade e o poder dos curacas estava diretamente relacionada fora
das huacas, pelo princpio da ancestralidade. Muitas vezes, a ancestralidade pode
ser inferida a partir dos relatos mticos acerca da origem de antigas linhagens
relacionadas ao incio dos tempos, por meio da correlao das linhagens do presente
com heris mticos ou divindades criadoras, estabelecendo relaes diretas com os
mesmos. Um exemplo pode ser observado na narrativa mtica de Pacariqtambo, que
conta sobre os irmos Ayar (ancestrais mticos dos Incas) que surgem de janelas
ou grutas do interior de uma montanha chamada Tampu T`oqo (casa das janelas).
Pacariqtambo provm do termo genrico pacarina que significa lugar de origem
(Urton 1990: 31). , por assim dizer, lugar sagrado e de extrema importncia s
noes de poder. Na perspectiva do relato incaico, os ancestrais dos diversos povos
conhecidos pelos Incas surgiram das pacarinas; assim estabelecida uma relao

In a symbiotic manner, Karacas were expected to be generous and hospitable, and on formal
occasions this meant feeding people and providing great quantities of maize beer for purposes
of ritual intoxication. At a more basic level, leaders were expected to reciprocate with gifts,
food, drink and coca for labor and service received from their followers. (Moseley 1992 : 53).
81
Traduo aproximada feita pelo pesquisador do termo offices utilizado por Michael
Moseley no original em ingls.
80

56

direta entre o espao fsico e a cosmoviso, o que pode ser entendido a partir da
prpria definio do conceito huaca.
Como apontado anteriormente, os Andinos denominavam por huacas tudo
o que lhes considerado sagrado que inclui: locais de adorao e sacrifcios,
elementos da paisagem, locais atribudos ancestralidade mtica, artefatos, mmias
de ancestrais e tudo que possamos relacionar com o mbito supranatural82. O
conceito de huaca , portanto, prprio da cosmoviso dos antigos Andinos e
segundo Mara Rostworowski ope a noo de um deus em seu sentido abstrato
fazendo com que as huacas participem ativamente no mundo natural, pois: no
mbito Andino o sagrado envolve o mundo, dando a ele dimenso e profundidade
muito particulares. (Rotorowski 2000: 10).
Os relatos registrados nas fontes etnohistricas de Garsilaso de La Vega
(2004 [1608]) e de Bernab Cobo (1990 [1653]), informam sobre a importncia
das huacas nos ayllus. A interao com o sagrado e com o cosmos tambm estava
ligada com o conceito da reciprocidade, culminando na ideia de que os prprios
favores providos pela ao das divindades e da influncia dos ancestrais deviam
ser devolvidos atravs da prtica de oferendas e de sacrifcios. Dessa forma as
populaes dos ayllus tinham a cargo trabalhar para as suas huacas tendo em vista
a manuteno do equilbrio csmico natural e da prpria sociedade. Da mesma
forma, a organizao espacial em moietes, ou metades, tem sido muito discutida
ao longo dos anos por diversos especialistas dos estudos amerndios83. O
conceito da organizao dual citada anteriormente nas relaes de chefia e da
organizao espacial estava intrinsecamente ligado a elementos tradicionais da
cosmoviso amerndia. Como apontou Marcia Arcuri para a maioria dos grupos
amerndios os princpios de:
metades (moieties), ou dualidade, [...] se apresentam como
um denominador comum s mais diversas formas de
organizao social amerndias. Para a maioria desses
grupos, o princpio dinmico da dualidade complementar de

82

Hoje, o termo huaca atribudo, sobretudo aos montes artificiais construdos pelos povos Andinos
pr-colombianos, com a funo de templo ou de estrutura funerria. O conceito de huaco tambm
usado para referir aos vasos cermicos e outros materiais encontrados nas oferendas das estruturas
funerrias.
83
Segundo Brian Bauer (1992), o mesmo sistema de organizao se dava nas relaes entre
diferentes ayllus. Assim, cada metade consistia de um conjunto de diversos ayllus com seu
respectivo curaca representante (Bauer 1992: 126-127).

57

foras antagnicas (ou de metades) a base que sustenta o


equilbrio da natureza e do cosmo. Os princpios que regem
os ciclos de vida e morte dos animais e homens so os mesmos
que determinam os ciclos de vida e morte das plantas, ditados
pela passagem das estaes do ano. So princpios que se
fundamentam na concepo do tempo marcado pela
observao dos astros. A rotatividade dos astros indica o
templo cclico, ritual, da mesma forma que a linearidade
determinada no registro do calendrio tambm indica o tempo
da tradio, sendo o passado e a ancestralidade retomados no
exerccio ritual. (Arcuri 2007: 311).

Segundo Gary Urton (1993: 118) importante distinguir dualismo


sociolgico e dualismo simblico. O primeiro se refere s formas de
organizao sociopoltica, a partir de princpios de hierarquia e de
complementaridade, como os moieties, nos quais duas populaes de linhagens
distintas formam uma nica sociedade. O segundo, um conceito que se refere
representao simblica e classificatria de opostos elaborados nas mais
diversas formas materiais e retricas, assim como nas prticas rituais. O autor
chama a ateno para a presena de sociedades que desenvolvem em alto grau
concepes

dualistas

simblicas,

classificatrias

taxonmicas

na

representao das artes e dos discursos, mas que no necessariamente


apresentam em sua estrutura sociopoltica a organizao dual. Acreditamos que
no caso das sociedades amerndias, especialmente nos Andes, a concepo dual
dos

opostos

complementares

antagnicos

como

um

princpio

fundamentalmente mediador da cosmoviso Andina as organizaes sociais,


religiosas e polticas, a relao com o ambiente, com a ancestralidade, o
extraordinrio e o natural atuante no desenvolvimento dos processos
histricos e da vida social. Observados nos relatos do contato colonial e por
meio da etnografia, os conceitos da dualidade Hanan (acima) e Hurin (abaixo)
que referem espacializao vertical da paisagem expressam tambm a relao
cosmolgica fundamental entre opostos complementares. O primeiro reflete,
portanto o universo simblico do mundo de acima, do dia, da vida, quente,

58

masculino, etc, enquanto sua contraparte reflete o mundo do abaixo, da noite,


da morte, frio, feminino etc.
Conceito muito antigo, o dualismo dinmico ou oposio dual foi
muitas vezes reconhecido por arquelogos que analisaram as iconografias e as
arquiteturas

rituais

Andinas,

desde o perodo Pr-cermico Tardio

(aproximadamente 3.000 a.C.). o caso do Templo das mos cruzadas de


Kotosh (Burger, 1995), por exemplo, ou do cerimonialismo de Chavn, do
primeiro milnio antes de cristo no Horizonte Inicial. No stio Chavn de
Huantar, por exemplo, a iconografia de um monolito de granito de
aproximadamente 4,5 metros de altura apresenta a divindade suprema com
atributos da oposio dual. Sua postura corporal, com o brao direito elevado e
a respectiva palma da mo a mostra, em contrapartida ao brao esquerdo
abaixado com a palma da mo escondida, ope direita e esquerda, acima e
abaixo, frente e verso. Quinhentos anos mais tarde, a mesma divindade
representada segurando uma concha Strombus (gastrpode) na mo direita e
uma concha Spondylus (bivalve) na mo esquerda, onde as caractersticas fsicas
dos moluscos fazem deles smbolos naturais para a dualidade de gnero
entendida por muitos povos indgenas do Peru atual (R. Burger & L. SalazarBurger 1993: 97-98).
Em relao aos tempos cclico e linear observados a partir do princpio
dos opostos complementares, Jurgen Golte (2009: 20-22), ao tratar do conceito
Tinku84 aponta para a importncia dos momentos de encontro, dentro de uma
perspectiva cclica, fundamentais continuidade do equilbrio csmico. O
tempo e o ritmo desses encontros entre os opostos complementares era marcado
pelo movimento dos astros (do sol, da lua, da via lctea...):
A percepo destas dimenses temporais, espaciais e sociais
trabalham centralmente com oposies binrias. A estas, se
agrega uma espcie de interface, um plano de encontro
(tinku) [...] tinku interativo e gera o futuro, da mesma
maneira que um casal humano engendra seus filhos [...] Da
mesma forma os espaos temporais bsicos, o dia e a noite, a

84

Conceito gerado a partir do verbo Tinkuy (encontrar) em Quchua.

59

poca mida e a seca, tm seus pontos de encontro gerativos


(Golte 2009: 21)85.

Aspectos da arquitetura e sua relao simblica com o espao natural


tambm apresentam diversos elementos da influncia da configurao dualista
e da importncia do Tinku para os povos Andinos pr-colombianos, o que pode
ser observado em diversos stios arqueolgicos. A prpria localizao do Stio
de Chavin de Huantar, na juno do Alto Rio Mosna e seu tributrio, o rio
Huachesca, alm da posio estratgica de duas rotas naturais, tambm onde
dois cursos de gua diferentes se juntam (o que pode ser interpretado como um
Tinku) para formar um nico rio e ao mesmo tempo um local onde duas
estradas distintas se juntam para formar um nico caminho. Como apontado por
Richard Burger, segundo os relatos, nos tempos Incaicos locais de encontro
tanto naturais como culturais eram de grande importncia do ponto de vista
religioso (R. Burger & L. Salazar-Burger 1993: 101).
Em Estructuras Andinas del poder, Maria Rostworowski chamou
ateno para a presena de um carter dual das divindades e personagens nas
narrativas mticas referentes ancestralidade e aos princpios cosmognicos do
universo: cada divindade possua seu duplo, chamado de irmo pelos
naturais (Rostworowski 2000: 21)86. Segundo a autora, com base nos estudos
de Tristan Platt, o espelho reproduz uma imagem como uma duplicata dentro do
conceito yanantin ou da simetria. Nesse modelo a lgica de oposio dualista
complementar gera entre duas divindades ou entre masculino e feminino87 uma
configurao quadripartite proveniente da interao (Tinku) entre os opostos.
Tendo em vista o referencial dos povos Andinos na observao das
paisagens naturais e da movimentao dos astros, estudos arqueoastronmicos

La percepcin de estas dimensiones temporales, espaciales y sociales trabaja centralmente


con oposiciones binrias. A stas se agrega una espcie de interface, un plano de encuentro
(Tinku) [...] tinku, es interactivo y genera el futuro, de la misma manera en que la pareja humana
engendra a sus hijos [...] De la misma forma los espacios temporales bsicos, el da y la noche,
la poca hmeda y la seca, tienen puntos de encuentro generativo (Golte 2009: 21).
86
[] cada divinidad posea su doble llamado hermano por los naturales (Rostworowski
2000: 21).
87
Segundo Rostworoski (2000) (1) masculino/masculino, (2) masculino/feminino, (3)
feminino/feminino e (4) feminino/masculino.
85

60

sugerem tambm uma relao entre o posicionamento da Via Lctea (em


Quchua Mayu) no cu e o conceito de diviso espacial quadripartite no plano
terrestre. Vista da perspectiva do hemisfrio Sul ela divide o cu em duas partes
e transita em um curso pendular da esquerda para a direita durante metade do
ano e sucessivamente no sentido inverso na outra metade do ano, formando
assim dois eixos de interseco (NE/SO e SE/NO) dividindo o cu em quatro
quadrantes (Moseley apud Arcuri 2009:39).
A prpria expanso Incaica aproximadamente a partir do sculo XV,
segundo os relatos das fontes escritas do perodo colonial, constitui no conceito
do Tahuantinsuyu um marcador espacial dentro da lgica quadripartite do
territrio sob o controle dos Incas. Partindo de um centro em Cusco, o
Tahuantinsuyu era divido em quadrantes: Collasuyu eixo ou direo sul/sudeste,
Chinchasuyu ao norte/noroeste, Cuntisuyu ao oeste/sudoeste e Antisuyu ao
leste/nordeste. Em Quchua, tahua significa quatro, e ntin o sufixo que
qualifica um grupo e suyu compreende regio (Arcuri 2009: 40).
Cabe ressaltar que este termo ainda posto em dvida pela historiografia
atual. Tais hipteses sugerem que o termo tenha surgido com o advento da
colonizao, sustentando-se no alicerce de que no h evidncias relacionadas
ao Tahuantinsuyo nas fontes de origem pr-hispnica. Contudo, evidncias
arqueolgicas Andinas muito anteriores ao perodo incaico expressam, na sua
iconografia, o conceito quadripartite que teria dado origem ao significado do
Tahuantinsuyu; trata-se de um conceito identificado de forma recorrente nas
estruturas sociopolticas das regies Andinas e identificado em diferentes
contextos, como vimos anteriormente, no sistema de diviso administrativa de
chefias dos ayllus (Arcuri 2009: 38).
No Tahuantinsuyu Inca, como aponta a bibliografia referenciada, o eixo
central est no Coricancha de Cusco, de onde partem as linhas imaginrias que
dividiriam todo o territrio conquistado pelos Incas nas quatro regies.
Alm das relaes binrias dual e a quadripartite, a diviso tripartite
tambm importante e amplamente difundida na cosmologia Andina, como parte
do universo mediada pela prpria compreeno das relaes duais entre os trs
mundos: Hanan Pacha, mundo de acima relacionado s divindades,
61

representado pelo cu, a via lctea, mediado pelas aves, especialmente o condor
a ave que voa mais alto no cu e transita entre os picos da cordilheira e o nvel
do mar; Kay Pacha, o mundo onde vivem os homens, representado pela vida no
plano terreno, mediado por animais terrestres que transitam entre os diferentes
mundos, especialmente o macaco que sobe e desce das rvores e o felino, maior
e mais forte predador que sobe e desce a montanha e atua durante o dia e a
noite88; e, finalmente, o Ucku Pacha o mundo de abaixo ou mundo interior,
representado muitas vezes pelo inframundo, pela ancestralidade, pela caverna
ou pelo oceano, mediado pelos animais que transitam entre a superfcie da terra
e o mar, especialmente a serpente que rasteja no cho, pelas rvores e habita
tanto o litoral tanto quanto a cordilheira89.
Importante ressaltar que dentro dessa lgica os trs mundos apresentam
uma relao dual dinmica, no esttica (Arcuri 2009). Buscando exemplificar,
durante o dia o cu claro e marcado pela presena do sol (relacionado ao
universo masculino), assim, Hanan pacha (mundo de acima) est regido sob
atributos de Hanan. Durante a noite, em Hanan pacha o cu escuro, marcado
pela presena da lua (relacionada ao universo feminino) e se apresenta ao
contrrio regido por atributos de Hurin.
Como j apontado, muitos elementos da cosmoviso cumpriram papel
essencial para a definio da ocupao espacial e do desenvolvimento da
arquitetura monumental e da complexa iconografia expressa na cultura material
arqueolgica; destacando-se os murais, tecidos em l e algodo, vasos
cermicos, adornos produzidos em pedras e metais preciosos, entre muitos
outros. Tudo isso se d como diferentes formas de materializao de aspectos
da cosmoviso.

88

A interface entre os mundos do acima e do abaixo, proveniente das interaes (Tinkus) entre
os mesmos. Kay pacha portanto intermediador e dependente da interao entre os mundos do
acima e do abaixo.
89
Aqui citamos alguns exemplos emblemticos da compreeno da representao dos trs
mundos e de como se d a lgica da mediao/interao entre os mesmos como a trilogia
condor/felino/serpente. A associao entre os atributos do seres do mundo natural (no apenas
os animais, mas tambm das plantas entre outros) refletem segundo a compreeno dos Andinos
pr-colombianos o funcionamento do universo. Destacamos ento, dentro dessa lgica, a
importncia nas sociedades humanas da atuao de figuras como o xam e ou o sacerdote como
mediadores entre os diferentes mundos, considerados capazes de interagir com os mesmos a
partir do acesso aos atributos e ou poderes de outros seres do mundo natural e sobrenatural.

62

A cosmoviso se relaciona tambm aos mitos que exercem papel


fundamental na concepo de histria nas sociedades Andinas. importante frisar
que, no mbito terico, a dicotomia mito-histria que permeia a sociedade ocidental
dificulta a compreenso e a anlise dos registros materiais amerndios (Navarrete
1999). Como demonstram inmeros autores, de modo geral, os povos da Amrica
pr-colonial relacionaram feitos histricos e mitolgicos sem estabelecer fronteiras
to claras entre eles. Fontes arqueolgicas, etnogrficas e histricas demonstram que
para muitos povos amerndios, as relaes entre histria e ontologia remontam a
narrativas primordiais; via de regra estruturadas sobre conceitos comuns
cosmoviso (Brohterston 1997, Lpez Austin 2001, Golte 2009, entre outros).
A cermica Andina se apresenta no mbito desta discusso como um
tipo de materializao de aspectos da cosmoviso e tambm dos discursos
poltico e ideolgico. Alm de cumprirem determinadas funes prticas
inferidas a partir das suas formas e do seu contexto de circulao (por exemplo,
entre outras, para a produo, a estocagem, a circulao ou o consumo de
alimentos ou bebidas), os objetos cermicos operam como meio de
comunicao pela sua complexidade, formal e iconogrfica, transmitindo
valores prprios da cosmoviso Andina e exercendo funo de huacos90 em
oferendas, nos templos e nas tumbas. A cermica tambm cumpre seu papel na
transmisso das ideologias, especialmente em rituais conduzidos por grupos
dominantes de sacerdotes altamente especializados; mediadores das relaes
entre o mundo terreno e o supranatural, garantindo o equilbrio csmico, bem
como o status quo social como discutimos no incio do texto.
A cosmoviso, portanto, no constitui uma srie de
conhecimentos que reverberam apenas no plano ideolgico
das sociedades amerndias ou na epistemologia da cincia
antropolgica. Ela participou ativamente da organizao e
manuteno das sociedades pr-colombianas e influenciou a
produo material, ditando conceitos que foram incorporados
a estilos de arte nada aleatrios e, ao contrrio, muito bem

90

Huacos que incluem objetos como os vasos cermicos utilizados nas atividades rituais e
oferendados nos contextos fnebres, passando a participar ativamente das relaes sociais e do
mundo natural e supranatural, como demonstrado nos diversos estudos antropolgicos sobre
agncia discutidos por Alfred Gell (1998).

63

prescritos por classes consolidadas no poder. (La Chioma


2012: 61-62).

Dessa forma, aspectos da cosmoviso Andina influenciaram as


organizaes sociopolticas de diferentes contextos, conferindo caractersticas
comuns a sistemas de organizao especficos como visto nos casos Chim e
Inca e que se apresentam visveis em aspectos da materialidade, como na
iconografia reproduzida nos artefatos cermicos apresentados nos captulos
seguintes.

64

CAPTULO II
Aspectos tericos, mtodos e descrio dos critrios de
anlise do material arqueolgico

O uso da palavra estilo como conceito aplicado ao registro


arqueolgico muito recorrente na bibliografia consultada, apesar de esta
apresentar uma enorme variao nas abordagens. Michael Dietler e Ingrid
Herbich (1998), por exemplo, estabelecem uma discusso sobre o conceito de
estilo oferecendo mltiplas vises, em que este pode, por exemplo, ser
entendido como reflexo do comportamento cultural ou como uma ferramenta
ativa nas estratgias da ao social (Dietler M. & I. Herbich 1998: 238). J
Craig Morris e Julin Idlio Santillana (2010: 15) levantam questes pertinentes
para a interpretao de objetos arqueolgicos como: nfase em quantidade ou
qualidade dos mesmos, distino na qualidade tecnolgica de artefatos de um
mesmo grupo, que tipo de gente produzia tais objetos e qual a sua posio social,
quem administrava a produo, como era feita a distribuio desses bens, se
existe uma limitao de acesso a eles por grupos sociais especficos, porque
esses objetos eram produzidos etc. Outra abordagem a de Chris Gosden
(2005), que alega que o estilo envolve as combinaes nicas de caractersticas
das formas e das decoraes, formando uma reconhecvel individualidade
(Gosden, 2005: 194).
No mbito das distintas abordagens, consideramos referencial a
conceituao de Michael Shanks e Christopher Tiley, que afirmam que os estilos
se reproduzem sobre diversas circunstncias sociais e histricas, de acordo com
as interaes sociais, polticas e ideolgicas; segundo os autores, para
compreend-los necessrio entender as condies sociais em que foram
reproduzidos (M. Shanks & C. Tiley 1992: 144-147):
Atributos particulares da cultura material arranjados em uma
srie de regularidades em sua exibio, tendo especficas
condies sociais para a sua existncia em termos das
restries estabelecidas no discurso dentro de um determinado
conjunto de relaes sociais mediando e transformando a
65

forma em que essas relaes sociais so, alternativamente,


conceitualizadas, representadas e desrepresentadas. Assim,
estilos tm uma funo ativa [...] relacionando-os em suas
condies sociais de produo resididas em relaes de poder
e estratgias sociais [...] uma prtica social em vez de
individual [...] [que] pode ser manipulada de modo que tem o
efeito ideolgico de desrepresentar e representar estratgias do
domnio social (M. Shanks & C. Tiley 1992: 155)91.

Podemos afirmar tambm que o estilo representa uma escolha


consciente e sugere que os aspectos que o constituem so um meio de
comunicao de mensagens codificadas (Nicholas David, Judy Sterner &
Kodzo Gavua 1988: 365). Logo, a interferncia de grupos de poder na produo
especializada de bens de prestgio implica o uso da reciprocidade e o uso das
artes e bens a servio do Estado, constituindo o que Michael Moseley
denominou estilos corporativos. Neles, as formas padronizadas, a decorao
e a iconografia so reproduzidos sob tutela do Estado aos seus prprios fins
(Moseley 1982: 13). Segundo o autor, o estilo policromo da cermica de
Cusco uma manifestao deste fenmeno, assim como o estilo que compe
os vasos de ala estribo das fases III, IV e V da cermica Mochica. Como
sugerem os dados de Hunuco Pampa, a padronizao estilstica da cermica no
centro administrativo provincial do perodo Inca mostra que a produo
vinculada organizao do Estado est relacionada ao fluxo de bens de
prestgio orientados pelas relaes polticas entre elites do poder (C. Morris &
J. Idlio Santillana, 2010: 2010: 26). No que diz respeito sociedade Chim,
Michael Moseley (1982: 13) afirma que a nfase do estilo corporativo est no
trabalho em metal. De qualquer forma, no significa que a cermica deixe de
pertencer ao grupo dos bens de prestgio e, sendo assim, a mudana no Perodo

Particular attributes of material culture arranged in a series of displaying regularity, and


having specifiable social conditions of existence in terms of the constraints placed upon
discourse within a determinate set of social relations mediating and transforming the form in
which those social relations are, alternatively, conceptualized, represented and misrepresented.
So style plays an active role [] relating it to its social conditions of production residing in
relations of power and social strategies [] a form of social rather than individual practice []
can be manipulated so that it has the ideological effect of misrepresenting and re-presenting
strategies of social dominance (M. Shanks & C. Tiley: 1992: 155).
91

66

Tardio possa ser entendida pelas prprias caractersticas do seu contexto social
e poltico.
Brian Hayden define duas categorias principais de tecnologia:
Tecnologias Prticas e Tecnologias de Prestgio. A primeira consiste no uso da
tecnologia para a produo de objetos com o objetivo de resolver problemas
prticos relativos a sobrevivncia e desconfortos do cotidiano. As respostas s
questes impostas pelo meio ambiente refletem interferncias externas s
escolhas. Logo, nesse caso, as escolhas tecnolgicas refletem a relao bsica
entre necessidade vs o custo de energia, permanecendo, portanto, no rol
tecnolgico de dada sociedade a permanncia de tcnicas consideradas mais
efetivas para a resoluo desses problemas92 (Hayden 1998: 2-8). A segunda
categoria, Tecnologia de Prestgio, entendida como resultado da necessidade
de ostentao de poder/prestgio, riqueza e sucesso. Dessa forma, tecnologias
de prestgio operam em uma esfera diferente da categoria anterior no so
reproduzidas para resolver tarefas prticas, mas sim para cumprir tarefas
relacionadas ao mbito social onde esses objetos devem ser vistos como mais
do que passivo reflexo de poder, sendo ativos nas relaes que mediam dentro
da sociedade. Pertencem a esta categoria objetos entendidos como exticos e
tambm objetos que chamam ateno aos sentidos93 (Hayden 1998: 11-15).
Com base no que prope Hayden, acreditamos que o surgimento das
tecnologias de prestgio est diretamente relacionado ao acirramento das
relaes sociais estratificadas e ao avano tecnolgico que permite o acmulo
de excedentes de produo que sustentam as cadeias operatrias de produo
dos bens de prestgio consequentemente estabelecendo relaes de produo
que geram a especializao. Isso se d tambm, em funo da necessidade de
atrair e controlar, dentro de um sistema ideolgico preciso (como explicamos

92

Entendemos que efetividade ou custo so levados em maior ou menor considerao em cada


situao especfica.
93
Hayden chama ateno aparncia dos objetos e sua capacidade de brilho em relao
matria prima e tcnicas empregadas estabelecendo um certo universalismo da percepo
humana (Hayden 1998: 13). Para ns, faz sentido pensar isso, mas, por outro lado, tambm
importante destacar que so resultados contextuais da especificidade dos distintos
desenvolvimentos culturais das sociedades humanas, bem como no nvel individual.

67

no incio deste trabalho), mo de obra para a produo de excedentes e para


participar de outras atividades sociais especializadas, como a guerra94.
De acordo com Nicholas David, Judy Sterner & Kodzo Gavua (1988:
378), todo o sistema que estrutura a tipologia cermica oferece evidncias da
etnicidade de populaes que acessamos por meio do registro arqueolgico.
Infelizmente no podemos nos aprofundar na discusso dos conceitos de
identidade e etnicidade neste trabalho, apesar de considerarmos que os mesmos
so, claramente, relevantes nossa discusso. Acreditamos que as identidades
so definidas tambm por meio das relaes de alteridade do contexto social
que reproduz a situao poltica interna e externa das interaes entre Chim e
Inca95.
As tradies culturais podem exercer uma influncia conservadora no
processo de produo de qualquer objeto (Rye 1981: 3-5). Dessa maneira,
ceramistas que trabalhem dentro de uma esfera cultural especfica, mesmo
quando instalados em uma rea alheia a seu territrio original, tendem a utilizar
matrias primas e tcnicas pautadas pela sua tradio cultural.
A sequncia produtiva inclui a busca/obteno e escolha das matrias
primas apropriadas, o seu refinamento e preparo em funo do tipo de objeto a
ser produzido, a manufatura do objeto atravs da sucesso das diversas tcnicas
de produo e logo a distribuio, o uso e o descarte do objeto, bem como sua
possvel reutilizao. As tcnicas consistem de um conjunto de aes para a
produo dos atributos que constituem o objeto, incluindo a morfologia e a
queima do objeto. Tudo isso subentende a complexidade de toda a cadeia
operatria e possibilita um estudo especfico para compreenso de distintas
tradies tecnolgicas, j que as diversas formas de fazer o objeto e a nfase em
determinados atributos geram o que reconhecemos como estilos.
Ambas as sociedades Chim e Inca apresentam um carter de
especializao da produo dos bens de prestgio como a cermica. Ainda
busca-se compreender melhor a organizao dos meios produtivos nessas

94

No significa que estes ltimos no existissem sem a relao com as tecnologias de prestgio,
mas esta torna-se uma ferramenta muito eficiente na intensificao deste processo.
95
De alguma forma estamos falando de identidades de grupos, seja do ponto de vista tnico,
poltico, ou quaisquer que sejam.

68

sociedades atravs dos registros arqueolgicos. De toda forma, no contexto


arqueolgico de ambas sabemos da existncia de registros tanto de oficinas
especializadas (workshops) como de produo domstica (household
production). Retomando o conceito de estilos corporativos de Moseley
(1982), subsidiadas pelas elites corporativas do

Estado, as oficinas

especializadas reproduzem em larga escala os valores e ideologias atravs


desses estilos, que supostamente tendem a um alto grau de padronizao. Em
nosso corpo de dados, o uso da tcnica de moldagem no processo produtivo
sugere a intensificao da produo e, consequentemente, da reproduo da
morfologia e iconografia dos artefatos.
Apesar disso, ressaltamos que tanto a cermica Chim como a cermica
Inca apresentam uma enorme variabilidade que, muitas vezes sem referncias
contextuais de provenincia, geram dificuldade em nosso trabalho na
organizao dos grupos culturais-estilsticos. Alm dos diversos contextos de
produo de oficinas especializadas e domsticas, deve-se considerar que
diversos sub-estilos identificados em esferas locais reproduzem uma aparente
fuso de tradies locais com a cultura material incorporada atravs da
chegada de foras expansionistas.
Assim, esses estilos oferecem uma ideia da complexidade social e das
relaes polticas entre os grupos de poder. Eles so uma base para a
aproximao da reflexo sobre essas sociedades e a funo desses objetos no
apenas do ponto de vista prtico, mas especialmente simblico em que operam
dentro das mesmas. Adiante no texto apresentamos como podem ser definidos
esses estilos Chim e Inca e as implicaes tericas envolvidas em sua
definio, a partir da natureza dos dados analisados neste trabalho.

O corpo de dados e as instituies de pesquisa

Analisamos, no total, 4278 peas de 20 instituies museolgicas


distintas pertencentes ao Brasil, ao Peru, ao Chile, aos EUA e Dinamarca. Os
procedimentos da pesquisa variaram de acordo com as condies estabelecidas
69

por cada museu. No Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de So


Paulo, no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Museo
Tumbas Reales de Sipn, no Museo de Arqueologa de la Universidad Nacional
de Trujillo, no Museo Nacional de Arqueologa, Antropologia e Histria del
Per (Lima) e no Museo Arqueolgico Heinrich Brunning de Lambayeque,
tivemos acesso a catlogos fotogrficos que, uma vez analisados na ntegra,
auxiliaram a seleo das peas que passaram por observao e anlise direta,
nas dependncias das respectivas instituies.
As colees do Museo Chileno de Arte Pr-Colombino e do
Metropolitan Museum of Art foram analisadas exclusivamente pelo acervo
fotogrfico disponibilizado no site de internet oficial das instituies. No Museo
Arqueolgico Rafael Larco Herrera, seguimos o mesmo procedimento de
anlise por fotografia, da observao de peas pela vitrine de exposio e da
reserva tcnica visitvel.
Consultamos e analisamos a coleo Chim e Inca-Chim do National
Museum of Denmark96 a partir de um catlogo com fotos e descrio das peas,
publicado por Inge Schjellerup (1986).
O trabalho no Museo Banco Central de Reserva del Per, Museo Sicn
Lambayeque, Museo de Stio de Sipn, Museo de Stio de Tcume, Museo de
Stio de Chan Chan, Museo de Stio da Huaca de la Luna, Museo Arqueolgico
Casinelli e Museo de Stio de Pachacamac, foi feito com base na observao das
peas expostas nas vitrines da exposio de longa durao.
No Museo Casa Concha Machu Picchu tivemos acesso ao catlogo de
registro com pequenas imagens das peas da coleo. Focamos a anlise na
observao das peas dispostas nas vitrines da exposio de longa durao, bem
como por um catlogo publicado em 2011, que nos foi emprestado pela
administrao do museu. Por no ter acesso s peas da reserva tcnica, optamos
por fazer uma quantificao da tipologia das formas, na busca da identificao
de padres de recorrncia de estilos Inca e Inca Provincial.
No Museo Inka de Cusco focamos a anlise na observao das peas dos
estilos Inca e Pr-Inca da exposio de longa durao. Contamos tambm com
a observao do trabalho de descrio do acervo desenvolvido pela diretora do

96

National Danish Museum.

70

museu, Arqueloga Eulogia Gonzles Costillas, que gentilmente possibilitou o


acesso ao seu trabalho pessoal97. Nessa anlise, focamos na observao das
peas (especialmente arbalos) com representao de figuras antropomorfas
e/ou zoomorfas. Os demais artefatos foram quantificados, para uma maior
apreenso da recorrncia dos diversos tipos de representao atribudos ao estilo
Inca de Cusco.

Natureza dos dados

O nosso corpo de dados consiste, majoritariamente, de objetos


desprovidos de informaes sobre o contexto de escavao, que formam
grandes

conjuntos

cermicos

que

integram

colees

arqueolgicas

musealizadas, das quais pouco se sabe sobre a provenincia especfica de cada


exemplar. Em geral, a formao dessas colees resultou da prtica de
huaqueio. Algumas colees e uma representatividade pequena das peas
analisadas nesta pesquisa apresentam, em sua documentao de entrada ou no
catlogo das instituies s quais pertencem, informaes sobre sua origem.
No tivemos oportunidade de consultar esses documentos em todas as
instituies em que trabalhamos. Na maioria dos casos, as informaes
disponveis (ou s que tivemos acesso) se restringem regio de provenincia
do objeto (Peru, Costa Norte-Peru, Regio de Lambayeque etc). Fazemos
ressalva coleo do Museo Larco, do qual muitas peas apresentam
informaes sobre o stio arqueolgico de onde foram retiradas. No entanto, nos
registros no temos maiores informaes de como se deu o processo de
escavao, em qual rea do stio a pea foi encontrada ou com quais outros
objetos ela estava associada98. Apenas algumas colees consultadas
apresentam referncia aos contextos de tumbas saqueadas e de onde provm
alguns dos objetos analisados. Tambm encontramos algumas incongruncias
97

O trabalho foi feito com base em uma amostragem de 500 peas que revisamos no catlogo e
na exposio.
98
Apesar da limitao, essas informaes possibilitam mapear aspectos em comum entre peas
referentes ao mesmo stio arqueolgico ou vale de provenincia para tentar organizar conjuntos
mais precisos. Infelizmente no tivemos oportunidade de fazer isso neste trabalho, mas julgamos
interessante no futuro dar continuidade em organizar estes dados na busca de padres que
certamente podero nos ajudar a compreender melhor esses estilos a nvel local.

71

entre as classificaes adotadas pelos museus a objetos similares. Dada a


situao, partimos para a definio do que formam esses estilos e onde se
encaixam os objetos.
As atribuies estilstico-culturais foram estabelecidas na arqueologia
Andina com base na cronologia relativa e, aos poucos, tm sido refinadas ao
longo dos tempos por mtodos de dataes mais precisos. O refinamento
resultado tambm do desenvolvimento da prtica arqueolgica, em que muitos
desses atributos podem ser confirmados como pertencentes a um estilo
especfico, com a ajuda de contextos recuperados arqueologicamente com o
devido rigor. O mtodo de atribuio no nosso trabalho foi feito com base nessa
cronologia e na definio destes estilos levando em considerao os atributos
que os constituem,

e tomamos como referncia o mtodo de atribuio

estilstica por associao de contextos; prtica muito utilizada na arqueologia


Andina, para a qual, ao conhecer o contexto de materiais recuperados em
diversas escavaes controladas, possvel filiar os artefatos sem contexto a um
estilo ou perodo da cronologia, e tambm formular hipteses quanto funo
do objeto e seus possveis tipos de contextos.
As referncias observadas na cronologia proposta por John Rowe99, que
foi construda por um mtodo associativo estilstico (guilla 2010: 111),
serviram de ponto de partida para este trabalho, com o objetivo de entendermos,
a partir das caractersticas estilsticas dos conjuntos analisados, a preciso das
atribuies culturais das cermicas denominadas Chim, Inca ou Inca-Chim.
Conhecendo os atributos caractersticos dos estilos Chim e Inca, possvel
identificar a cermica associada ao perodo de dominao Inca na Costa Norte.
Com isso, pudemos mapear os tipos de representao iconogrfica contidos nas
produes cermicas anterior e posterior conquista Inca do Reino de Chimor.

99

O mtodo foi proposto ao estudo de colees da costa Sul peruana. Apesar das
particularidades histricas em que se deram os desenvolvimentos regionais das costas Norte e
Sul, adotamos os conceitos tericos de Rowe como referncia para o tratamento do nosso corpo
de dados.

72

Atributos tcnicos e morfolgicos

Nossa metodologia de anlise consiste em observar, separar e classificar


os diversos atributos morfolgico-tcnicos e iconogrficos dos artefatos
cermicos que compem nosso corpo de dados100. O objetivo da anlise
reconhecer os padres estilsticos de cada uma das culturas estudadas,
identificando os tipos de representao iconogrfica que definem cada um dos
estilos.
No objetivo de nosso trabalho buscar identificar a composio
material especfica desses artefatos a partir de estudos arqueomtricos, nem
mesmo identificar quais ferramentas ou tcnicas especficas foram utilizadas
para a confeco dos artefatos. A lgica da anlise tcnica e morfolgica
consiste apenas em estabelecer uma tipologia que seja capaz de definir o que
so esses estilos, e que tambm possa diferenciar os diversos suportes utilizados
para os diversos tipos de representao iconogrfica. Com base na morfologia
podemos estabelecer as tipologias, partindo da observao emprica, em dilogo
com os critrios predominantemente reproduzidos pela bibliografia de
referncia e adotados pelos museus.
tambm importante ressaltar que, em relao funcionalidade dos
artefatos analisados, optamos por estabelecer categorias de objetos de
prestgio/ritual ou, simplesmente, de funo no identificada. Assim, apenas
os objetos classificados como de prestgio/ritual, entendidos pela ptica das
tecnologias de prestgio, foram considerados em nossa anlise. Entendemos que
os demais objetos, classificados como de funo no identificada, por mais
simples e funcionais que paream, sempre carregam contedos simblicos nem
sempre evidentes no registro arqueolgico.
Ainda que o estudo das tecnologias no tenha sido o foco de nossa
anlise, procuramos reconhecer alguns aspectos da manufatura dos objetos
como os processos de queima, ou a presena ou ausncia de tratamento de
superfcie traos que julgamos caractersticos de bens de prestgio, ou que

100

Tambm foram observados objetos como vasilhas e outros artefatos em metal, lticos e
tecidos. Julgamos interessante a observao desses objetos por sua iconografia e no caso dos
metais, tambm, para um estudo mais preciso dos tipos de adornos que so representados em
figuras da iconografia expressa nos vasos cermicos.

73

identificamos como indicadores de padres regionais de produo de artefatos


genericamente agrupados como Moche, Chim e Inca. Acreditamos que
a variabilidade de atributos tcnicos empregados em artefatos de um mesmo
conjunto nos faz refletir sobre questes de escala regional, no mbito das
cadeias de produo, bem como aspectos relativos a possveis identidades de
grupos sociais, ou de domnios polticos que manifestem controle sobre os
meios de produo dos grupos subjugados. Dentre os atributos formais dos
objetos, analisamos os tipos de bordas e lbios, gargalos, alas, bojos e bases.
Com isso pudemos destacar alguns padres recorrentes na morfologia dos
objetos de cada cultura ou grupo estilstico, e assim, identificar at onde os
aspectos morfolgicos da tpica cermica incaica podem ser evidenciados, por
exemplo, em objetos de cermica atribudos ao estilo Chim-Inca.
Buscamos estabelecer tradies tipolgicas que, segundo Owen S. Rye
(Rye 1981:5), geralmente so definidas pelos atributos morfolgicos.
Os atributos variam dependendo do tipo de objeto fabricado. Por exemplo, os
aspectos que compem a morfologia de um tpico arbalo101 cusquenho so: a
borda extrovertida alargada (Kauffman Doig 1988:726); o lbio plano ou planoarredondado; o gargalo cilndrico; o bojo esfrico aribalide; nas alas laterais
curtas que encontram-se simetricamente na parte inferior do bojo; as pequenas
alas abaixo da borda (em alguns casos posicionadas entre o bojo e o gargalo);
a base de sustentao cnica acentuada, a presena de um aplique escultrico,
pintura ou relevo no bojo. Contudo, apesar da tendncia ao refinamento de
estudos tipolgicos para a classificao/atribuio das colees de diversos
museus, muitas vezes encontramos artefatos com atributos similares
classificados, em diferentes instituies, em grupos tipolgicos distintos. Como
exemplo podemos citar inmeros vasos cermicos de colorao negra que so
atribudos cultura Chim que, no entanto, apresentam especificidades que
sugerem serem eles provenientes de contextos muito especficos, artefatos que,
uma vez analisados em detalhe, distinguem-se sobremaneira em muitos
aspectos relativos ao padro da cermica Chim.
Nossas anlises consideraram, sempre que possvel, as dimenses
aproximadas dos artefatos (altura, largura e profundidade, bem como dimetro
101

Retomaremos a discusso dos atributos e a definio do termo arbalo na sequncia do texto


no subcaptulo: aspectos diagnsticos do estilo Inca.

74

das bordas e altura dos gargalos). A inteno foi de reconhecer possveis


padres de tamanho dos diversos tipos de artefatos nos diferentes conjuntos.
Inclumos, tambm, a identificao das tcnicas utilizadas para a produo
plstica do repertrio iconogrfico, como: o uso de pintura, apliques, estampas
etc. O nosso objetivo consistiu apenas em mapear as tcnicas utilizadas na
manufatura dos objetos, para cada uma das culturas arqueolgicas,
procurando observar a ocorrncia de padres.

Anlise do Material: Atributos diagnsticos para o reconhecimento dos estilos

Com base no mtodo de seriao tipolgica dos atributos morfolgicos


das vasilhas pudemos estabelecer alguns padres, para agrupar o material dentro
de seus determinados grupos estilsticos. Partindo das informaes disponveis
nas colees de referncia, formadas por peas contextualizadas, buscamos
realizar uma anlise comparativa dos atributos diagnsticos tambm
identificados nas peas desprovidas de contexto de provenincia.
O objetivo dessa anlise consiste em identificar o grupo cultural para a
posterior etapa de anlise iconogrfica comparativa dos tipos de representao
presentes em cada cultura. No entanto, como j apontado, nem todas as peas
analisadas respondem a padres estilsticos precisos. Deparamos, tambm, com
limitaes metodolgicas para a filiao de algumas peas a determinado grupo
cultural ou perodo cronolgico. Acreditamos que essa dificuldade resulte da
fluidez nas fronteiras culturais que nos fazem questionar a lgica: tipologiacultura-etnicidade-povo que deriva dos debates tericos reminiscentes dos
estudos antropolgicos do sculo XX.
Em suma, dada a complexidade do corpo de dados, resolvemos manter
o referencial da anlise nos conjuntos precisos, ou seja, de peas diagnsticas
utilizadas para a comparao com as peas que apresentam o carter mesclado
buscando, sempre que possvel, estabelecer sua posio nos dois grandes grupos
cronolgicos/culturais: Inca e Pr-Inca. Tendo em vista o objetivo da anlise
para essa pesquisa, apresentaremos a seguir os atributos que caracterizam o
estilo Inca, para, em seguida, apresentarmos as caractersticas dos principais
estilos tardios da Costa Norte (Chim e Lambayeque). Finalmente,
75

apresentaremos a relao entre os estilos Inca e o grupo Pr-Inca, resultando na


variao estilstica que aqui denominamos Inca-Local para a Costa Norte,
comumente conhecida como Chim-Inca ou Inca-Chim.

Atributos diagnsticos da cermica Inca

Pelo vis tcnico, a cermica cusquenha predominantemente


produzida a partir do processo de queima oxidante e a tcnica mais frequente de
reproduo iconogrfica a policromia resultante da pintura e em alguns casos
tambm, em raras ocasies, com representaes escultricas (Villacorta 2007:
117).
Do ponto de vista cronolgico, o estilo Inca se divide em duas fases
principais referentes ao perodo da formao do Estado: um deles anterior
expanso e conhecido como Pr-imperial; o outro o estilo Imperial, referente
ao perodo ps-expanso. De acordo com Christopher Donnan (1992), este
ltimo (que o foco deste trabalho), apresenta duas variaes estilsticas
principais: Inca-Cusco e Inca-Provincial. A primeira categoria consiste do que
podemos chamar de estilo Inca propriamente dito (com seus traos culturais
particulares), enquanto a segunda se define pela incorporao desses traos
cermica particular dos povos conquistados pelos Incas (Donnan 1992:107).
Os estudos de John Rowe sobre a cermica Inca, publicados em 1944,
possibilitaram os primeiros passos para o reconhecimento de diferentes estilos
locais por diversos pesquisadores (ngeles Flcon 2011: 15). A cermica
polcroma com representaes geomtricas padronizadas constitui o selo
inconfundvel da presena Incaica em todo os Andes, e estava associada aos
contextos cerimoniais e rituais locais (ngeles Flcon 2011: 15).
Jorge C. Muelle atesta que nas artes, como na religio, as formas
incaicas foram substituindo, pouco a pouco, sem se deixar sentir, as [formas]
que se encontravam a sua frente (Muelle 1938: 32). J Dorothy Menzel, ao
interpretar as mudanas estilsticas da cermica Ica ao longo dos tempos, prope
que, para o Perodo Tardio, estes arranjos de diferenas estilsticas sugerem
diferenas na posio social e diferenas na aliana cultural. Ainda segundo a
76

autora, a cermica das fases iniciais no reflete diferenas deste tipo (Menzel
1976: 235). Isso subentende que teria havido, de fato, uma mudana
significativa em relao simbologia desses objetos na regio de Ica, onde: em
resumo, no horizonte tardio, o estilo da cermica funcionou como smbolo da
posio hierrquica, lealdades polticas e nacionais, [ao] controle do Estado e
ao servio do Estado (Menzel 1976: 236).

1.

Aspectos diagnsticos do estilo Inca


De acordo com Federico Kauffman Doig: O ceramista da poca incaica

no inventou conhecimentos tcnicos que fossem desconhecidos anteriormente.


As expresses oleiras ostentam um polimento notvel, formas nobres e
equilibrada decorao, preponderantemente geomtrica. (Kauffman Doig
1983: 725). Ainda segundo o autor, as representaes e as formas da cermica
Inca tendem a apresentar uma padronizao.
Abaixo, apresentamos uma tabela retirada da publicao Cermica Inca
em Pachacmac (ngeles Falcn 2011: 33) que apresenta as formas mais
recorrentes relacionadas ao estilo Inca-Cusco da regio do vale de Cusco
durante o Horizonte Tardio102:

102

A tabela exposta em nosso trabalho para demonstrar ao leitor quais so as tipologias mais
recorrentes do estilo Inca de Cusco. A tabela aponta alguns tipos de peas com o preenchimento
em colorao mais escura que para o nosso propsito deve ser desconsiderado, j que,
originalmente foi produzida assim, para identificar as formas da cermica do estilo Inca-Cusco
que foram encontradas no stio arqueolgico de Pachacmac na Costa Central.

77

Tabela correspondente a tipologia das formas tipicamente atribudas ao estilo


Inca-Cusco (imagem retirada de ngeles Falcn 2011: 33).

A forma mais recorrente vista durante a pesquisa e destacada


unanimemente pela bibliografia consultada, como principal forma atribuda ao
estilo cermico incaico, o denominado arbalo cusquenho103; primeira figura
da tabela acima que tambm pode ser vista no anexo 1 do nosso catlogo de
fotos (figuras 1, 3 e 4) e no anexo 2 referentes aos estilos locais. Essas peas,
como mencionamos anteriormente, so reconhecidas pelo formato de seu bojo,

103

Nomenclatura referente semelhana morfolgica desses objetos com os vasos gregos de


mesmo nome. Os arbalos cusquenhos tambm so frequentemente chamados de Urpus ou
Puyos nomenclaturas Quchuas atribudas a esses objetos entre outras (provenientes do
ingls por exemplo). Por questes de padronizao, o termo arbalo ser mantido neste trabalho
para referir-se a este tipo de pea.

78

e sua base cnica, a presena de alas laterais no bojo e de alas/apliques


miniaturas no gargalo reto terminando em uma borda extrovertida larga com
lbios arredondados ou retos em sua extremidade. Esses objetos tambm
apresentam o pequeno aplique na parte superior do bojo, geralmente
representando a cabea de algum animal ou outros motivos abstratos segundo
Doig, atendendo funcionalidade de sustentao do arbalo com uma corda104
(Kauffman Doig 1983: 726).
Esses objetos so reconhecveis, tambm, pelas finas tcnicas de
polimento e policromia que constituem o estilo cusquenho como um todo. A
dimenso dos arbalos varia de miniaturas minsculas, de 2 a 5 cm de altura, a
objetos de tamanho mediano variando entre 20 a 30 cm de altura e tamanhos
grandes variando de 1 m a 1,5 m de altura aproximadamente105. A grande
variedade na dimenso dos objetos demonstra a diversidade de contextos a que
estes objetos estariam originalmente associados, do ponto de vista simblico e
funcional.
Portanto, com base nas colees dos principais museus pesquisados e na
bibliografia consultada, foram identificados os atributos considerados
diagnsticos para estabelecer o estilo cusquenho: so eles as formas
denominadas aribalides (objetos cuja forma lembram a forma original dos
arbalos) e as bordas extrovertidas largas (figuras 10 e 12 do catlogo no anexo
3). Alm das bases cnicas de arbalos, so comuns bases planas e algumas
plano-cncavas estveis.
Esses principais atributos morfolgicos presentes no estilo Inca-Cusco,
e recorrentes nos diversos estilos Inca-Provinciais, apresentam uma
continuidade estilstica com a cermica Quilque (a que nos referimos no
primeiro captulo), antecedente na regio de Cusco. Outro aspecto diagnstico
da cermica Incaica a sua iconografia padronizada, especialmente referente
aos chamados Tipo padro Cusco policromo A e Tipo padro Cusco

104

De toda forma, ressaltamos tambm a questo simblica desses apliques j que muitos fazem
parte da prpria representao iconogrfica de muitas dessas vasilhas e tambm da sua
recorrncia em outros objetos como jarros de ala de mo. E inclusive, nem todos os arbalos
so grandes para necessariamente serem carregados sustentados por um corda.
105
No foram tiradas medidas exatas de todos os objetos analisados. Essas so medidas
aproximadas com base na anlise de alguns exemplares e das informaes contidas nos
catlogos dos museus.

79

policromo B (ver anexos 1 e 2 do catlogo de fotos) estabelecidos pelo


arquelogo John Rowe (1944). Ambos os padres se caracterizam com base na
morfologia de arbalos, separando os campos de representao iconogrfica em
trs partes: gargalo/borda, centro do bojo e laterais do bojo.
Segundo Craig Moris, que parte das definies de John Rowe, o tipo A
se caracteriza predominantemente por faixas horizontais negras ou vermelhas,
separadas por linhas brancas ou vermelhas mais estreitas no gargalo. No centro
do bojo frontal, linhas verticais margeiam elementos centrais e/ou fazem zigzag em direes alternadas (destacamos, em alguns casos, a presena dos
motivos em X margeados por linhas verticais e separados verticalmente por
uma ou mais linhas horizontais). E por fim, nas laterais do bojo frontal encontrase o denominado padro helecho106 (Rowe 1944 apud Morris 2010: 30-31). J
o Tipo B, se caracteriza por dois atributos: por fileiras de pequenos diamantes
(losangos) geralmente negros sobre um fundo vermelho ou com as faixas
horizontais seguindo o padro do Tipo A. O centro do bojo frontal apresenta
uma fileira de grandes losangos formados por linhas concntricas negras e ou
vermelhas e geralmente margeadas lateralmente pelos motivos em X entre
linhas verticais e horizontais como descrito anteriormente. Nas laterais do bojo
central, o padro apresenta fileiras horizontais de pequenos tringulos
apontando para baixo, alternados negros e vermelhos separados por uma linha
negra tnue (Rowe 1944 apud Morris 2010: 30-31).
Durante a pesquisa realizada no museu Inka de Cusco, com base na
observao de peas em exibio e na leitura da descrio de 500 peas no
catlogo, foi constatada a predominncia da iconografia geomtrica dos tipos A
e B, alm da recorrncia de outros padres geomtricos e de figuras zoomorfas
e fitomorfas. Acreditamos que esta recorrncia refora a interpretao da
iconografia como um meio de diagnosticar o elemento incaico em objetos cujas
formas se mantiveram tradicionais, em nvel local107.
Lumbreras (1989: 234) denomina o motivo fitomorfo como um fern (um tipo de planta da
famlia das Pteridophytas). Em alguns arbalos representado um motivo fitomorfo semelhante
que de forma naturalstica se parece com a planta do milho, o que poderia ser tambm uma
possibilidade de interpretao para o motivo. De toda forma um motivo recorrente facilmente
diagnosticado como pertencente ao conjunto de representao iconogrfica do estilo IncaCusco.
107
E por outro lado, tambm destacamos que uma parte significativa dos dados analisados no
apresentam iconografia em diversas vasilhas referentes ao estilo Inca da Costa Norte (Anexo 3).
106

80

2.

Caractersticas da cermica tardia Pr-Inca na Costa Norte

Conforme j apontado, a principal caracterstica distintiva da cermica


tardia da Costa Norte, reconhecida como estilo Chim a sua colorao negra,
produto de um processo de queima redutora muito especfico. um estilo que
tende a ser monocromtico, em tonalidades de preto ou cinza, apesar da
existncia de alguns conjuntos de artefatos de colorao vermelha escura (que
denotam variabilidade nos processos de queima). A cermica Chim apresenta
uma padronizao morfolgica, obtida a partir do controle das tcnicas
empregadas na sua manufatura. Tanto a cermica domstica quanto a
cerimonial, segundo Lumbreras, eram produzidas a partir de moldes
(Lumbreras, 1981, 1989).
No que diz respeito s formas, h recorrncia de certos padres
entendidos dentro de uma tradio regional da Costa Norte peruana. Muitos
artefatos so as tradicionais garrafas de gargalo em ala estribo108 (anexo 4,
figura 13), vasilhas de bojo duplo (figura 16) e outras formas escultricas
(antropomorfas, zoomorfas, antropozoomorfas, entre outras, que resultam em
uma grande infinidade de representaes) com as alas e o gargalo estribo
(geralmente com bordas retas ou levemente inclinadas internas). Tambm
encontramos muitos vasos que exibem o gargalo e ala estribo lateral (como por
exemplo a figura 14 no anexo 4 do catlogo). Temos ainda a recorrncia de
gargalos cnicos que podem ser vistos nas figuras 17 e 18 do catlogo
(tipicamente Lambayeque)109 e vasilhas com os gargalos de boca larga com
bordas retas (anexo 4 figura 15).
Algo que chama ateno na cermica Chim a falta de estabilidade dos
artefatos cermicos. Parece existir uma tendncia produo de bases convexas,
e plano-convexas. Tambm ocorrem objetos com base em pedestal convexa, de
Um dado importante pois apesar de termos encontrado tambm peas sem iconografia
pertencentes aos estilos locais Pr-Inca, em termos quantitativos no perodo incaico parece
haver uma nfase nesse tipo de produo de vasilhas sem nenhum tipo de representao
iconogrfica.
108
Conhecidas internacionalmente como stirrup spout bottles.
109
Tipos associados ao estilo denominado Lambayeque, o qual ser abordado em maior
profundidade mais adiante no texto. Esses gargalos cnicos, tambm, aparecem em grande parte
da cermica Chim mais tardia (ainda anterior ao perodo Inca), denotando um estilo ChimLambayeque, consequncia das relaes contextuais entre ambos os grupos culturais.

81

aproximadamente 2,0 cm de altura, que geralmente mantm a mesma tendncia

instabilidade.

Existem

tambm

bases

tipo

pedestal-cncavas

(aproximadamente com a mesma medida) que exibem, ao contrrio, excelente


equilbrio das peas.
Outra caracterstica diagnstica da cermica Chim a presena de
pequenos apliques, em geral representando macacos agarrados s alas e
gargalos. Em muitos casos, especialmente em exemplares associados regio
de Lambayeque, os apliques tambm representam aves.
A tendncia produo de um estilo massificado e predominantemente
monocromtico conta tambm com o uso da moldagem e estampagem como
principais tcnicas de reproduo iconogrfica da cermica Chim Tardia. Os
artefatos Chim tendem a apresentar relevos produzidos por meio do prprio
processo de manufatura em moldes, assim como de estampas produzidas sobre
a superfcie dos objetos j moldados; incises tambm so muito frequentes.
Como ser apresentado adiante, no texto, a iconografia caracterstica da cultura
material Chim apresenta traos, em geral, naturalsticos e menos
sobrenaturais em relao ao antecedente Mochica110. Na cermica Chim
temos a recorrncia massiva de poucos personagens, que so muito especficos
e aparecem em menor variedade temtica que na Mochica. As temticas
representadas, em geral, referem ao mbito marinho.
Uma diferena substancial entre a iconografia das cermicas Mochica e
Chim que a primeira apresenta, em alguns momentos, o que os especialistas
tm assinalado como carter narrativo (Donnan 2010; Golte 2009), e ao
analisar um conjunto podemos ver uma lgica, por exemplo, de guerra,
submisso, captura, ritual de sacrifcio e intermediao entre sacerdotes e
divindades111. A cermica Chim no segue este padro. Apesar de exibir
personagens que possuem atributos de poder poltico e religioso e temas que
remetem s narrativas mticas, no h evidncias de uma sequncia narrativa
nos vasos.

110

Sobre o assunto, ver Carol Mackey, 2000.


Alm da tradio Mochica de representar figuras com atributos de poder explicitamente
relacionados hierarquia social e s esferas religiosa e poltica, a iconografia da cermica
Moche composta pela ampla e diversificada representao de animais, plantas, figuras
antropomorfas e figuras antropozoomorfas, de carter sobrenatural.

111

82

Todos os elementos citados acima constituem a referncia para a filiao


estilstica do grupo artefatual Chim tardio da Costa Norte pr-Incaica.

3.

Cermica Inca-provincial da Costa Norte ou Chim-Inca

De acordo com Christopher Donnan, aps a conquista Inca da Costa


Norte, os ceramistas passaram a copiar as formas tradicionais da cermica
cusquenha, utilizando a tcnica de queima redutora e o uso dos moldes, alm da
iconografia em alto relevo. Tambm existem exemplares de peas produzidas
por queima oxidante e posterior policromia. Uma caracterstica distintiva a
borda extrovertida dos gargalos de peas cujas formas mantiveram-se mais
tradicionais, como as vasilhas de bojo duplo (Donnan 1992: 112-114).
Durante a pesquisa foi constatada, tambm, a tendncia reproduo
das formas locais que passaram a apresentar apenas os bojos em formas
aribalides ou bojos globulares mais tradicionais da Costa Norte, mas que se
assemelham a um arbalo. Constatou-se, portanto, que a cermica Inca da Costa
Norte apresenta uma significativa variabilidade112. O mais interessante, porm,
que vasilhas deste estilo Inca-Chim so encontradas por toda a costa peruana
de Norte a Sul (ngeles Flcon 2011: 20) e em muitas localidades da serra,
como foi constatado durante os trabalhos com a coleo do Museo Casa Concha
Machu Picchu, referente aos artefatos recuperados nas escavaes de Hiram
Bingham (1911) em Machu Picchu (Embajada de los Estados Unidos de
Amrica, 2011).

112

consenso na bibliografia consultada (Menzel, Donnan, Kauffman Doig, Lumbreras,


Mason, DAltroy, Matos, entre outros) a introduo desses elementos caractersticos do estilo
cusquenho na produo cermica das diversas reas conquistadas pelos incas; especialmente a
Costa Norte.

83

Mtodo, critrios e resultados da anlise Iconogrfica

Conforme j demonstrado, neste trabalho realizamos uma anlise


comparativa de diversos atributos morfolgicos e iconogrficos dos artefatos
cermicos atribudos a cada um dos estilos investigados.
Entendemos que a iconografia analisada carrega um tipo de
linguagem/comunicao compartilhada pelas sociedades que a produzem.
Dessa forma, qualquer conjunto de objetos que carregue padres iconogrficos
(transmitindo mensagens e cdigos sociais, ainda que no possamos aferir seus
significados), necessita de uma metodologia apropriada de anlise. Como
mtodo de anlise iconogrfica temos estabelecido a identificao de
sememas113, apoiados pelos princpios da semitica (Saussure, 1974).
Seguindo o modelo terico-metodolgico de Jurgen Golte (2009), a
proposta de se pensar, a partir da simbologia expressa na iconografia
(elementos, personagens ou cenas observadas nos artefatos) a materializao
dos distintos campos de representao dos objetos, pensados no apenas como
meros suportes para determinados discursos ou representaes, mas em
conjunto com os aspectos expressos pelas tcnicas de produo e morfologias.
Quando analisados em conjunto, esses elementos demonstram aspectos
socioculturais e da cosmoviso da sociedade, podendo tambm, mas no
exclusivamente, promover discursos ideolgicos de grupos dominantes.
Todo o processo de anlise iconogrfica em nossa pesquisa est pautado
pela descrio de cenas, personagens, objetos, paisagens, presena ou ausncia
de cores associadas entre si em conjuntos artefatuais especficos, bem como os
campos onde ocorrem as representaes, atributos e smbolos.

113

Unidades mnimas de significao.

84

Categorias de anlise iconogrfica

A partir da observao dos dados levantados na anlise dos conjuntos


cermicos, objeto deste estudo, evidenciamos trs tipos principais de
representaes adotados na iconografia do material consultado. A primeira,
figurativa, apresenta os traos daquilo que est sendo representado de forma
muito prxima ao natural, onde a figura representada (existente ou imaginria)
carrega atributos muito bem definidos e reconhecveis. A segunda, estilizada,
compe-se pela simplificao dos traos figurativos ou realistas do universo
de representaes, remetendo a padres que podem ser reconhecidos
universalmente ou apenas em esfera local. A terceira, geomtrica/abstrata,
assim por ns denominada pois composta de traos estritamente geomtricos
que compem elementos entendidos a partir da abstrao do universo natural e
da cosmoviso Andina, e no podem ser entendidos como uma geometrizao
de cunho meramente decorativo.
importante ressaltar que na iconografia presente na cultura material
Andina, comum observarmos a representao de conceitos e ideias abstratas
com base em aspectos simblicos como a dualidade, a tripartio, a
quadripartio, entre outros. Em outras palavras, podemos afirmar que grande
parte do universo de representaes visuais observado, traduz conceitos da
cosmologia e dos cdigos sociais prprios destas sociedades estudadas, que nem
sempre so muito evidentes ou mesmo inteligveis para o nosso olhar. Dessa
maneira, o que chamamos nesse trabalho de abstrao pode ser entendido
como uma representao da sntese de conceitos e cdigos sociais dos quais nem
sempre podemos inferir significados.
Durante a realizao da pesquisa pudemos observar a diversidade do
repertrio iconogrfico das culturas Mochica, Lambayeque, Chim e Inca e
estabelecer algumas categorias que permitiram a definio de grupos de anlise.
A organizao dos dados foi feita com base nos diversos conjuntos de
representaes encontrados, o que nos levou a defini-los a partir das categorias
abaixo descritas:

85

1- Figuras que representam seres do Mundo Natural Orgnico:


corresponde a representao de figuras antropomorfas, zoomorfas e
fitomorfas.
2- Figuras do Plano Sobrenatural/Mtico: fazem parte desta categoria as
representaes de figuras que no pertencem ao mundo natural,
estando assim associadas ao plano mtico/sobrenatural, como
antropozoomorfos,

antropofitomorfos,

zoofitomorfos,

zoomorfos

hbridos, divindades e mortos.


3- Figuras Geomtricas e Abstratas: engloba uma srie de elementos que
representam smbolos e/ou conceitos vinculados a noes cosmolgicas
(que nem sempre podemos interpretar) e que no pertencem s demais
categorias.
4- Figuras do Plano Material, Paisagens, mbitos (que no representam os
seres agrupados na primeira categoria): esta categoria formada pelas
representaes

de

artefatos,

estruturas

arquitetnicas,

formas

inorgnicas (do plano material) criadas pelo homem, elementos


paisagsticos, etc.114

Essas categorias gerais serviram como referncia para separar os grupos


de representao de interesse para este estudo. Como o objetivo do trabalho
identificar figuras relacionadas ao contexto social, poltico e religioso,
destacamos as categorias 1 e 2 como aquelas que direcionaram a seleo dos
objetos que compuseram o corpo documental da pesquisa. As categorias 3 e 4
foram utilizadas como suporte interpretativo, relacionado s primeiras, onde
buscamos compreender, por exemplo, a funo de figuras humanas ou mticas
a partir da sua relao com smbolos ou objetos associados s esferas sociais do
poder.

114

Quando pertinente, inclumos nesta categoria alguns tipos de representao que no se


encaixam nas demais categorias, casos em que foram discutidos os aspectos limitantes da
definio de categorias de anlise.

86

Grupos de anlise iconogrfica: Figuras de poder

Em nosso estudo pudemos reconhecer uma infinidade de tipos de


representaes iconogrficas e optamos por organizar grandes grupos de objetos
cermicos com base nos diversos temas iconogrficos relacionados tipologia
dos objetos com base na morfologia dos artefatos e atributos especficos. Aps
reconhecer a diversidade de temas, dada a infinidade de possibilidades,
resolvemos dar destaque em nossa anlise e discusso para os grupos que
apresentam o que denominamos de Figuras de Poder. Selecionamos para este
grupo personagens e elementos das iconografias Chim e Inca115 que
apresentem o que acreditamos ser atributos claramente associados distino
social e ao poder poltico/religioso nas sociedades Andinas. Portanto, inclumos
neste grupo representaes de figuras antropomorfas, zoomorfas, seres
mitolgicos, ancestrais e divindades que apresentem certos atributos que, ao
nosso olhar com base nos estudos de diversos pesquisadores, suportam o poder
das linhagens de governantes e a relao com o cosmos.
Entendemos como atributos de poder na iconografia, elementos ou
unidades de representao que compem uma figura especfica, atribuindo-lhe
carter distintivo do ponto de vista das hierarquias sociais. Estamos pautados
pela premissa de que, no universo Andino, a distino social (e, logo, o acesso
s diversas esferas do controle poltico e religioso) est marcada pelo display
(discutido na obra de Marcel Mauss, 2003) de certos elementos restritos a
grupos ou figuras sociais especficas. Dois exemplos disso so muito
expressivos. As crnicas coloniais, ao descreverem os princpios da
estratificao social na sociedade Inca, relatam que esta era marcada pelo acesso
ao uso de certos tipos de objetos e sua relao ao prestgio e hierarquia social,
(de la Vega 2004 [1608]: 127-130). Outro exemplo, do ponto de vista dos
estudos arqueolgicos, a relao entre os objetos encontrados nas tumbas dos

115

As figuras representadas na iconografia Mochica no sero tratadas especificamente neste


trabalho. Apenas estaremos utilizando-as como base para discutir alguns aspectos de
permanncias evidenciadas na iconografia Chim e o desenvolvimento regional da Costa Norte
na longa durao.

87

governantes de Sipn e a iconografia observada em diferentes suportes de


representao produzidos em distintos contextos Mochica (Alva 2006: 32-33).
Como atributos de poder determinantes para a formao dos nossos
grupos de anlise inclumos uma tipologia de adornos e objetos portados por
personagens, tais como: toucados, orelheiras, narigueiras, colares, peitorais,
vestimentas, objetos carregados/associados com certos personagens. Tambm
destacamos as suas aes especficas ou dentro de um contexto temtico com
outras figuras, posturas corporais, padres de representao etc. Encontramos o
uso da parafernlia associada a figuras antropomorfas, zoomorfas, divindades
ou mticas.
Importantes, tambm, so os atributos de animais ou plantas, como por
exemplo presas, olhos, asas de animais, entre outros, criando variaes de
personagens antropozoomorfos, antropofitomorfos ou zoomorfos hbridos.
Essas variaes so aqui entendidas como parte da composio do plano mtico
que, por seu carter sobrenatural, expressam relaes de poder observadas do
ponto de vista da religiosidade.
Em antropomorfos, as orelhas perfuradas bilobuladas ou pontudas
tambm foram consideradas como atributos de poder. Carol Mackey, afirma que
para os artistas, as orelhas e os olhos parecem ter sido chaves para expressar a
condio sobrenatural. Por exemplo, a divindade primordial Mochica
apresenta uma orelha bilobulada, trao que lhe confere claramente um carter
sobrenatural. (Mackey 2000: 116)116. Dessa forma, entendemos que estes
atributos, bem como os cabelos e bocas com presas, podem ser diagnstico do
que distingue a humanidade do carter sobrenatural.
As figuras de doentes, mortos e ancies (com ou sem atributos de poder)
tambm so tratadas dentro desse grupo que denominamos figuras de poder.
Como descrito anteriormente no texto, as linhagens e o culto ancestral tm um
papel fundamental nas mediaes das relaes sociais e de poder nas sociedades
Andinas. Obviamente, no podemos afirmar que todas as representaes de

Para los artistas, las orejas y los ojos parecen haber sido claves para expressar su condicin
sobrenatural. Por ejemplo, la Deidad primordial de los Mochica presenta una oreja bilobulada,
rasgo que le confiere claramente un carcter sobrenatural. (Mackey 2000: 116).
116

88

figuras mortas ou de ancies sem atributos de poder evidenciados sejam


referncias ou aluses a questes de poder. Ainda assim, inclumos estes no
grupo de anlise para evidenciar a sua recorrncia e compar-los nos estilos Inca
e Chim.
Com base nesses dados buscamos discutir e refletir a presena ou
ausncia de personagens na longa durao buscando na especificidade
contextual do Perodo Tardio, relacionar estas informaes ao contexto poltico
da expanso incaica nos Andes e do desenvolvimento regional na Costa Norte
peruana. Dessa maneira, separamos as figuras em grupos de representao para
posteriormente compar-las maneira que aparecem no estilo Chim e no estilo
Inca. Assim, destacamos algumas figuras da iconografia Chim para
apresentao e discusso de seus atributos e posterior comparao com as
figuras que aparecem na iconografia do perodo de dominao Inca, a partir dos
estilos Inca-Cusco e Inca-provincial, com nfase no estilo Inca-Chim.

Figuras de poder: subgrupos

Aps selecionar as peas que representam figuras com possveis


atributos de poder, para organizar, expor e comparar os dados da pesquisa
estabelecemos uma sequncia alfanumrica de grupos e subgrupos, conforme
apresentado na tabela abaixo:

89

GRUPOS PRINCIPAIS
Grupo 1.A
Grupo 1

Figuras com atributos de


Poder definidos

Grupo 1.B
Grupo 1.C

Grupo 2

Figuras com possveis


atributos de Poder

Grupo 2.A

SUBGRUPOS
Figuras Antropomorfas com
atributos de Poder
Figuras "Sobrenaturais"
Figuras Zoomorfas com
atributos de Poder
Figuras Antropomorfas com
atributos especficos

Grupo 2.B Outras Figuras Antropomorfas

Tabela produzida pelo autor para expor e exemplificar os principais grupos


de anlise estabelecidos para as figuras antropomorfas com e sem atributos de
poder.

Criamos dois grupos principais de representao de figuras de poder. O


Grupo 1 consiste de figuras que apresentam atributos de poder muito explcitos
e definidos. O Grupo 2 apresenta outras figuras antropomorfas, as quais so
representadas com atributos diversos que os identificam como membros de um
grupo social, mas que no podemos definir, a priori, como atributos que
estariam associados a funes religiosas, de chefia ou ambas.
Ao longo deste trabalho deparamos com uma grande quantidade de
figuras com diversos atributos associados. Cada um desses grupos principais foi
dividido em subgrupos (5 total) que organizamos com base na observao dos
diversos tipos de figuras encontradas:

Grupo 1.A: Fazem parte deste grupo figuras com atributos de poder
explcitos tais como, toucados elaborados, orelheiras circulares, brincos,
colares, braceletes, entre outros, que os identificam em distintos
contextos do repertrio iconogrfico.
Grupo 1.B: O grupo consiste de figuras que apresentam atributos
sobrenaturais, como antropozoomorfos. Alm de seus atributos

90

sobrenaturais, algumas figuras deste grupo apresentam outros


atributos simblicos associados ao poder e status social elevado.
Grupo 1.C: Este grupo apresenta as diversas figuras de zoomorfos que
carregam algum tipo de atributo de poder explcito, como por exemplo
um toucado etc.
Grupo 2.A: Apresenta um repertrio de figuras antropomorfas que tm
atributos que so simples, porm muito especficos, geralmente
diferenciados dos tipos identificados no Grupo 1.A.
Grupo 2.B: Neste Grupo encontram-se todas as outras figuras
antropomorfas que no se encaixam em nenhum dos grupos anteriores
pela dificuldade de visualizao ou ausncia de atributos especficos
reconhecveis.

Estabelecidos e apresentados os critrios da anlise proposta neste


trabalho, o prximo captulo trata de expor a descrio dos artefatos cermicos
analisados com nfase na classificao de conjuntos de figuras antropomorfas
(e algumas zoomorfas) pertencentes aos descritos estilos Chim e Inca para sua
comparao. Comeamos a exposio dos dados organizados a partir dos grupos
apresentando as figuras encontradas na iconografia Chim e em seguida as
referentes ao estilo Inca. Logo, faremos a discusso de algumas peas que
julgamos importantes para a compreenso do contexto da relao entre
cusquenhos e locais.

91

CAPTULO III:
Descrio e anlise das figuras de poder representadas na iconografia Chim
e Inca

Neste captulo apresentaremos a classificao e a discusso dos


conjuntos formados a partir da anlise da iconografia dos artefatos cermicos
observados durante a pesquisa. Iniciamos pela descrio do material Pr-Inca
da Costa Norte. Em seguida apresentamos a anlise referente ao material
estilisticamente atribudo cultura Inca e posteriormente a comparao entre
as figuras representadas entre os dois perodos cronolgicos Inca e Pr-Inca na
Costa Norte.

Figuras de poder da Iconografia Chim

Carol Mackey (2000: 137-150) identifica quatro divindades principais


representadas na iconografia Chim tardia, sendo: El Dios de los Bculos, la
Deidad de dos penachos, la Diosa Chim e o Animal Lunar/Animal Mtico.
Segundo a pesquisadora esses personagens/divindades representados na
iconografia seriam a cabea do panteo religioso Chim. Essas figuras so
reconhecidas

especialmente

pela

especificidade

de

seus

toucados,

atributos/posturas corporais e outros atributos e objetos a eles relacionados.


Como veremos a seguir, segundo a interpretao de Mackey, so responsveis
pelo controle de algumas esferas bem especficas do cosmos.
Alm desses, tambm possvel identificar outras figuras que, segundo
a pesquisadora, podem ser entendidas como divindades menores ou auxiliares
do panteo principal, j que muitas vezes aparecem associadas s divindades
principais (Mackey 2000: 150). Em nossa anlise pudemos evidenciar a
importncia dessas figuras zoomorfas no apenas por sua recorrncia e relao
com as figuras principais, mas tambm por portarem atributos de poder em
diversas ocasies. Macacos algumas vezes so representados portando
orelheiras, toucados semilunares, tnicas, etc. e, em algumas ocasies,
92

apresentam cordas no pescoo como prisioneiros. Garas e pelicanos muitas


vezes so representados portando armas ou bastes e toucados semilunares.
Alguns mamferos de difcil identificao (felinos, raposas ou talvez esquilos),
so tambm muito recorrentes e em algumas ocasies aparecem associados a
uma figura principal com bastes. Em raras ocasies, apresentam toucados
semilunares. Em meio a esse conjunto existem tambm representaes de seres
de carter sobrenatural, como antropozoomorfos, que remetem iconografia
da cermica Mochica.
Complementarmente, evidenciamos uma grande diversidade de outros
personagens antropomorfos que, de alguma maneira, apresentam posturas
corporais ou atributos que podem ser relacionados s distines sociais. Nesse
conjunto existem muitas figuras que no apresentam atributos de poder to
evidentes.
Parte do nosso conjunto de anlise apresenta uma srie de figuras que
so representadas com atributos de poder muito bem definidos e especficos que
parecem estar relacionadas ao universo de representaes Mochica. So figuras
antropomorfas e divindades/sobrenaturais que demonstram na sua forma de
representao e atributos associados esta continuidade com a tradio na longa
durao.
Na anlise do material, ficou rapidamente evidente que o atributo
principal de distino das figuras na iconografia Chim so os toucados. Alguns
objetos associados como os bastes, por exemplo, tambm so critrios de
distino apesar de algumas excees. No vimos muitas variedades que
distinguem figuras no que diz respeito a uma tipologia precisa de outros
atributos encontrados como colares, orelheiras, braceletes, peitorais e etc.
Algo que chama ateno na iconografia da cermica Chim e
Lambayeque ausncia de narigueiras como atributo de poder distintivo.
Poucas figuras so representadas com narigueiras. No encontramos a
representao desses objetos nas principais figuras representadas tratadas por
Carol Mackey como principais divindades do panteo Chim. Na iconografia
Mochica, grande parte das figuras apresentam narigueiras de diversos tipos,
incluindo as figuras entendidas como divindades. Apesar disso, vimos nos
93

museus uma variedade de narigueiras em cobre, ouro e prata associadas s


culturas Chim e Lambayeque. Talvez o fato mais relevante das iconografias
Chim e Lambayeque a tendncia ao desaparecimento das presas de animais
nas figuras antropomorfas. Na iconografia Mochica as presas de animais so
muito recorrentes em figuras antropomorfas com atributos de poder. Desse
modo, decidimos organizar e nomear os tipos de figuras representadas a partir
do seu elemento mais caracterstico, o toucado. A partir do toucado
identificamos nas figuras alguns padres de frequncia de outros atributos,
temas, atividades especficas.

Grupo 1.A: Figuras Antropomorfas com Atributos de Poder

1- Figura Antropomorfa de Toucado Semilunar


Este corresponde ao Dios de los Bculos de Carol Mackey117 (anexos 5
e 6 do catlogo de fotos). Segundo a pesquisadora a figura recorrente em
diversos suportes de representao; cermica, arte mural, metal e txtil. Sempre
representado portando os bastes/bculos, com um basto em uma mo e um
tumi118 na outra, ou com os braos ligeiramente levantados. Segundo Mackey
a nica divindade do panteo Chim que aparece associada com as outras
divindades. No entanto encontramos exemplos onde a Deusa Chim (figura de
toucado bifurcado) aparece junto com a figura de toucado duas-plumas.
Pelas cenas em que representada, ainda segundo a interpretao de
Mackey, a figura se associa aos trs mbitos do universo mar, terra e cu j
que representada acompanhada de animais marinhos, terrestres e aves.
Acreditamos ser importante destacar que em nossa anlise encontramos
exemplos dessa figura associada agricultura, aspecto comum na interpretao
de senhores dos bastes/divindades criadoras representadas na iconografia de

117

Tendo em vista que a figura nem sempre aparece associada aos bastes, resolvemos chamla de figura antropomorfa de toucado semilunar por ser este o seu principal atributo
reconhecvel.
118
Termo utilizado na arqueologia Andina atribudo s laminas ou facas cerimoniais
recuperadas arqueologicamente.

94

diversas culturas Andinas. Quanto aos bculos, Carol Mackey afirma que so
representados de forma simples na cermica (terminando em uma ponta ou
protuberncia circular), diferente das representaes de divindades com bastes
Huari, Tiahuanaco, Chavn e Cupisnique que terminam formando plantas, aves,
serpentes, ou outros animais.

Atributos: toucado semilunar e, s vezes, uma variao semicircular (o toucado


pode ser liso ou emplumado), orelheiras circulares grandes, colar de contas
circulares ou peitoral. Veste uma tnica e com tanga reta ou triangular formando
um saiote.

Objetos associados: dois bastes, ocasionalmente leva um tumi e um basto ou


apenas um basto.

Representada: no centro do bojo das vasilhas, frontalmente, sempre de p


sustendo os bastes, tumi ou apenas com os braos levantados (em raras
ocasies com os braos flexionados para baixo). Seu rosto e corpo apresentam
aspectos naturais antropomorfos, porm abstratos, em que se nota a ausncia de
traos especficos significativos.

Gnero: apesar de no ter gnero evidente em nenhuma das representaes


consultadas, pelos atributos Carol Mackey assume que se trata de uma figura ou
divindade masculina (Mackey 2000: 139).

Acompanhantes: muitas vezes est acompanhada de animais, aves marinhas


(inclusive, s vezes, com toucados), peixes e outros animais marinhos, bem
como serpentes e lagartos. Aparece em alguns casos conjuntamente com as
outras figuras principais da iconografia Chim.

Produzida na cermica: estampagem em alto relevo.

95

1.1 Senhor(es) dos Bastes


O cnone representativo do Senhor dos bastes recorrente em
diversas culturas Andinas no espao e no tempo como pode ser visto nos
anexos 6, 7, 8 e 9 do catlogo (destaque para sua continuidade na longa durao
da Costa Norte passando por Mochica, Transicional Costa Norte e ChimLambayeque). A figura representada milenarmente na iconografia Andina, logo
faz questionar se, as representaes tratam de uma mesma divindade panAndina na longa durao ou de manifestaes especficas de diversas
divindades locais representadas a partir de uma correlao visual sinttica entre
divindades criadoras e o cnone com os bastes119. Destacamos, a ausncia
dessa figura na iconografia Inca, j que no encontramos a figura em nenhuma
representao na iconografia da cermica associada estilisticamente ou
contextualmente ao perodo Incaico.
De acordo com Mara Rostworowski no existiu um Deus criador do
Universo na cosmologia dos povos Andinos; para eles o mundo simplesmente
existia (Rostworowski 2000b: 187). Os relatos dos cronistas dos sculos XVI e
XVII estabelecem duas divindades com a caracterstica de criadoras universais
Huiracocha e Pachacmac o que trataremos com maior propriedade no prximo
captulo deste trabalho. Apesar disso, concordamos com Rostworowski, j que
devemos levar em considerao que a ideia de um nico deus claramente pode
ser associada a referncia dos espanhis em seu entendimento de o que o Deus
Cristo, e especialmente por sua busca em identifica-lo na conscincia indgena
como perceptvel nas crnicas de Garsilaso de La Vega, Bernab Cobo, Felipe
Guamm Poma de Ayala, entre outros.
Huiracocha e Pachacmac so descritos em todas as fontes que
consultamos como divindades associadas criao e esto relacionadas de
alguma forma a gua (Oceano Pacfico ou Lago Titicaca) nos diversos mitos.
Da mesma maneira esses senhores dos bastes desde Chavn tem sido
119

Ainda, pode ser entendida como uma ressignificao do cnone em diversas situaes
contextuais estabelecendo, nas diversas sociedades/culturas, novos atributos pautados nas
condies sociais, geogrficas etc, as quais esto situadas. Nesse trabalho no propomos uma
interpretao ou soluo nesse sentido j que somente uma pesquisa que busque um vis
comparativo muito profundo centrado especificamente nessas figuras e seus atributos
relacionando as figuras as temticas e cenas em que aparecem poderia propor alguma resposta
a essa questo especfica.

96

entendidos pela historiografia como divindades supremas relacionadas a criao


e ao controle de diversas esferas do universo csmico; como no caso do senhor
dos bastes ou figura de toucado semilunar presente na iconografia Chim
(Mackey, 2000).
Tanto Rostworowski (2000b) quanto Millones (2008) chamam ateno
a contraposio nos mitos Andinos de divindades relacionas a serra e as que
correspondem a costa do pacfico e a selva peruana.
Por exemplo, o mito costeiro da rivalidade entre Pachacmac e
Vichama representa o enfrentamento entre a luz e a escurido (o dia e a noite).
Pachacmac era a divindade das profundezas, el dios de los temblores,
divindade relacionada a gua e aos terremotos (Rostworowski 2000, Millones
2008). Cria os alimentos da terra atravs das partes do corpo de Vichama o que
lhe confere a capacidade de criao. No mito o Sol a divindade fertilizadora
que fecunda a Pachamama e devolve a vida ao seu filho Vichama
(Rostworowski 2000b: 192).
A chegada dos Incas a Costa Norte pode ser interpretada, do ponto de
vista cosmolgico, como a vitria120 do dia sobre a noite justificando a
atribuio de diversos espaos sagrados ao culto solar como veremos no
prximo captulo deste trabalho. Segundo os cronistas Cristbal de Castro e
Diego de Ortega Morejn, tratados por Mara Rostworowski os povos da costa
no cultuavam o Sol, mas sim as suas prprias huacas e orculos. O culto solar
teria sido imposto pelos Incas, assim como prope Rostworoski: O nome
Huaca del Sol [para a grande Huaca do Vale Moche] foi seguramente imposto
por Tupac Yupanqui ao conquistar o Chim (Rostworowski 2004: 26)121. A
autora destaca que a estrutura referida em documentos do perodo colonial
como Huaca Pachacmac, e sustenta que havia na Costa Norte, desde pelo
menos a fase Mochica V, uma relao entre a iconografia religiosa Mochica e o
mito de Pachacmac.
De acordo com Luis Millones a poca auge da divindade de Lurn
(Pachacmac) corresponde ao Horizonte Mdio Huari-Tiahuanaco. Com a

120

Assunto de suma importncia que trataremos no prximo captulo com a devida ateno ao
relacionar os resultados da anlise apresentada neste terceiro captulo da dissertao.
121
El nombre huaca del Sol fue seguramente imposto por Tupac Yupanqui al conquistar el
Chim (Rostworowski 2004: 26).

97

fragmentao de Huari, a divindade no perde prestgio at a chegada dos Incas


(Millones 2008: 156). Nesse sentido, Rostworowski tambm afirma que o culto
a Pachacmac teria sido difundido com muita fora durante o Horizonte Mdio
e fragilizado apenas com a chegada dos Incas ao santurio quando: O Inca
Tupac Yupanqui chegou ao santurio e imps a edificao de um templo
chamado Punchao Cancha (recinto do dia), estrutura mais importante e alta que
a do velho deus. (Rostworowski 2004: 26)122. Ainda assim, segundo a autora a
influncia da divindade era grande quando chegaram os espanhis e a expanso
de seu culto teve influncia muito alm de suas fronteiras fsicas.
Essas divindades no plano mtico estabelecem as suas prprias relaes
de parentesco, que consequentemente geram as relaes sociais e o parentesco,
no plano do mundo terreno. Significa que dialeticamente, as relaes de
prestgio, hierarquia e controle ou seja, de poder dentro da estrutura social
esto ligadas com esse aspecto cosmognico que parte da reproduo das
instituies religiosas e das chefias nas sociedades Andinas.
Do ponto de vista do desenvolvimento social regional, faz sentido pensar
que as diversas linhagens de governantes de alguma forma busquem uma
relao direta com esses ancestrais mticos. Dessa forma, mesmo a apropriao
ou declarao da herana de cnones de representao e outros aspectos do
passado, tendem a assumir na longa durao as especificidades do contexto
social e histrico. Logo permanncias, assim como mudanas, podem ser
detectadas convivendo juntas num presente contexto; convivncia que pode ser,
ora simbitica ora conflituosa, em funo das relaes sociais desenvolvidas
historicamente na longa durao.
Questionamos, portanto, porque no terceiro Horizonte no encontramos
a representao de figuras dos bastes. Teriam os Incas abafado o culto milenar
expresso no cnone? Teria alguma relao com mudanas na estrutura religiosa
e poltica durante ou aps o incio das guerras de expanso? Ou, teriam os Incas
dado continuidade ao culto representado a figura em um outro formato?

[...] el Inca Tupac Yupanqui lleg al santuario e impuso la edificacin de um templo llamado
Punchao Cancha (o recinto del dia), estrutura mas importante e alta que la del viejo dios.
(Rostworowski 2004: 26).
122

98

2- Figura Antropomorfa de Toucado de duas-plumas

A figura (anexo 10) aparece predominantemente na cermica e em


alguns tecidos e objetos de prata. Sua maior caracterstica, alm do toucado, o
fato de sustentar bastes e objetos relacionados com a Figura Antropomorfa de
Toucado Semilunar. Na interpretao de Mackey, esse personagem poderia ser
um alter ego da figura principal (Mackey 2000: 142-143). Essa figura, s vezes,
aparece associada com uma das outras trs figuras principais em um mesmo
objeto. As Figuras de Toucado duas-plumas aparecem associadas a outras
figuras, animais ou objetos distintos.

Atributos: toucado de duas plumas, geralmente com orelheiras circulares


e, s vezes, com colar de contas circulares ou um peitoral. Veste tunica
e tanga, ou saia.

Objetos associados: par de bastes ou basto e objeto triangular que


pode ser interpretado de trs maneiras: tumi, cabea decapitada
estilizada ou bolsa. Em algumas ocasies aparece com os braos
levantados flexionados como a divindade de toucado semilunar.

Representada: geralmente representada no bojo frontalmente nos


mesmos cnones da figura de toucado semilunar.

Acompanhantes: geralmente representada sozinha. Em alguns casos


associada s outras trs figuras principais ou as aves marinhas. Em
poucos casos encontrada em vasilhas que contenham outras figuras
antropomorfas pouco recorrentes e que apresentam atributos de poder.

Gnero: como a figura de toucado semilunar, no apresenta gnero


definido em nenhuma das representaes consultadas, tambm
entendida por Carol Mackey como uma figura masculina (Mackey 2000:
139).

Produzida: estampagem em alto relevo.

99

3- Figura Antropomorfa de Toucado Bifurcado ou Deusa Chim

De acordo com Weiss e Rojas (1967-1968) a figura (anexo 11)


popularizada na Costa Norte durante o Horizonte Mdio. Pertence ao repertrio
iconogrfico de Lambayeque, Chim-Transicional e de Chancay. Nas
representaes mais antigas seu toucado retangular com pontas agudas nas
extremidades enquanto que nas peas do perodo mais tardio torna-se bifurcado.
Ela aparece sempre associada ao mbito marinho e muitas vezes com
nfase em representaes circulares, crescente/minguantes comumente
interpretadas como possvel associao lua. A figura, s vezes, segura uma
pequena ave (talvez um tipo de pombo) que lembra a ave que aparece em
apliques de vasilhas do estilo Lambayeque. Segundo Carol Mackey, um mito
costeiro conta que uma divindade feminina se converte em ave e passa a cuidar
das criaturas marinhas que, em um passado mtico, no viviam no mar. O pai da
divindade, com raiva, baniu-a junto com as criaturas marinhas ao mar tornando
a deusa senhora do mar (Mackey 2000: 145). Alm disso, cabe ressaltar que os
cronistas Calancha, Cabello Valboa, Garsilaso e outros reforam a importncia
de Si (a divindade lunar) adorada pelos povos da Costa Norte.
Um exemplar Chim apresenta uma figura masculina que veste um
toucado similar, bifurcado pontudo com a cabea e as patas de um animal no
centro do toucado (possivelmente felino) muito parecido aos toucados
representados na cultura material Mochica (Weiss e Rojas 1967-1968: 367). Na
opinio de Weiss e Rojas, a figura masculina do arqutipo pode ser interpretada
como um doble ou alter ego da figura feminina associada ao culto lunar.
Chama ateno o fato de que, em certas ocasies, esse personagem aparece
segurando uma criana com toucado (ou deformao craniana) bifurcado,
parecido ao seu. A cena, de acordo com os estudos consultados (Weiss e Rojas
1967-1968; Mackey, 2000), poderia ter associao com a atividade domstica e
a fertilidade ou mesmo o sacrifcio.

100

Atributos: toucado bifurcado, bracelete, colar, orelheiras (algumas vezes


apenas um orifcio nas orelhas).

Objetos associados: caixas de madeira ou cestaria, objetos de produo


txtil, spondyllus, ondas marinhas, representaes de crculos e meia lua.

Representada: no topo da vasilha de corpo inteiro (ou apenas busto).


Em vasilhas do estilo Lambayeque e do Horizonte mdio aparece com
ambas as pernas flexionadas ou com apenas uma perna flexionada. Em
vasilhas Chim do perodo mais tardio aparecem geralmente apenas o
rosto e os braos.

Gnero: a presena de seios em algumas representaes e genitlia


feminina em esculturas sugere o gnero feminino.

Acompanhantes: representaes da lua, beb, peixes, raias, spondyllus,


pelicanos, cormores, pombos, e outros pssaros, outras figuras de poder
principais.

Produzida: escultrica na parte superior do bojo (especialmente de vasos


de bojo duplo).

4- Outras Figuras Antropomorfas Costa Norte Tardio com Atributos de Poder

As figuras apresentadas nos anexos 12 e 12.1, evidentemente so figuras de


poder j que apresentam toucados elaborados, orelheiras, colares peitorais etc.
So diversas e a frequncia especfica de cada figura muito baixa na
amostragem. Na maioria dos casos encontramos apenas uma pea com uma
representao que tenha esses atributos especficos. Os toucados so
diversificados e em alguns casos lembram bastante os toucados representados
na iconografia Mochica (anexo 13). Os temas so diversos, como atos
cerimoniais/sociais segurando artefatos tais como: spondyllus (figura 46),
instrumentos sonoros (figuras 48 e 50); tambm aparecem associados a
atividades de guerra (figura 52), entre outras.

101

Grupo 1.B: Figuras Sobrenaturais

Em geral, as figuras desta categoria apresentam algum tipo de toucado.


So representadas de forma estilizada e, muitas vezes, quase abstrata. Em
alguns casos so evidentemente antropozoomorfos e antropofitomorfos
remetendo iconografia Mochica. A figura de destaque deste grupo, por sua alta
frequncia, o Animal Lunar, herana da iconografia Mochica. Sua
representao muito intensa na cultura material da Costa Norte, no Perodo
Tardio.

1- Animal Lunar

O Animal Lunar (anexos 14 e 14.1) uma figura recorrente na


iconografia da tradio da Costa Norte desde o perodo Mochica (anexo 15).
Esse animal hbrido , em muitos casos, representado (na iconografia Mochica)
sobre uma lua crescente, ou prximo a ela (figura 66). Isso acontece tambm
em alguns casos na cermica mais tardia (figuras 61 e 62).
Segundo DAltroy, um mito registrado na crnica de Garsilaso de La
Vega relata que a mancha escura na lua surgiu quando uma raposa tentou
sequestr-la, apaixonada por sua beleza (DAltroy 2002: 148). O animal teria
ficado grudado na lua. possvel que o Animal Lunar da iconografia seja uma
referncia ao mito. Segundo Igncio Alva Meneses (comunicao pessoal
2013), o animal mitolgico poderia ser um gamb, por ter a habilidade de
agarrar e pendurar-se nas rvores, utilizando as suas garras ou a cauda (da a
nfase da cauda na figura da iconografia e o mito do animal/mancha,
grudado/agarrado na lua).
Roberto Pimentel recorda que alguns pesquisadores, como Menzel,
consideram que a figura tambm composta de elementos de vrios outros
animais, com aspectos caninos e de iguana. Tello, por sua vez acreditava que a
referncia era a ona (jaguar) (Pimentel 2007: 10). Pimentel, destaca o felino
costeiro de nome cientfico Oncifelis colocolo como possvel referncia devido

102

s orelhas pontiagudas e ao corpo manchado (comum em muitas representaes


do Animal Lunar na iconografia Mochica).
Nas tradies Chim e Lambayque, esse animal mtico aparece cada vez
mais estandardizado em sua forma de representao e recebe um toucado
semilunar ao estilo da figura principal Chim. Segundo Carol Mackey (2000),
o seu toucado semilunar um indcio da divinizao desta figura, possivelmente
por sua relao direta com a lua. Na nossa interpretao, possvel pensar que
o toucado seja uma forma de afirmar o parentesco divino das figuras e dos
prprios governantes de Chimor123.
Ainda em relao ao toucado, cabe ressaltar que na iconografia tardia a
figura aparece, s vezes, com um toucado de estilo parecido ao das
representaes Mochicas. Em raras ocasies est desprovido de toucado, mas
geralmente mantm os demais atributos descritos.

Atributos: garras e cabea de mamfero ou de ave, lngua comprida,


lombar serrilhada ou lisa, cauda comprida simples ou em forma de borla,
toucado semilunar, semicrculo ou com apenas um apndice.

Representada: de quatro patas ou sentada e sempre com a cauda


empinada para cima e a lngua proeminente. Em alguns casos aparece
acima de um motivo semilunar entendido como a prpria lua crescente.

Gnero: no evidenciado.

Acompanhantes: aparece sozinha na maioria dos casos, s vezes,


espelhada sendo reproduzida duas ou quatro vezes. Em alguns casos
acompanhada das outras figuras antropomorfas principais ou de outros
animais marinhos, aves marinhas e alguns mamferos.

Produzida: em alto relevo, pintada na superfcie do bojo das vasilhas ou


escultrica.

123

Como veremos adiante o toucado parece estar associado s figuras ancestrais na iconografia Chim.

103

2- Antropofitomorfos: milho antropomorfo

Trata-se de uma figura com rosto, braos e mos antropomorfos com o


corpo coberto de espigas de milho (anexos 16 e 16.1). Em alguns casos, o corpo
uma nica espiga com a cabea antropomorfa. Em nossa amostragem, a figura
representada com dois tipos de toucados. O mais comum um toucado
semilunar com borlas nas extremidades ou semicircular com representao de
espiga de milho no centro. O outro tipo de toucado em forma de espigas de
milho, que podem ser uma ou mais. Em alguns casos a figura apresenta
orelheiras circulares e outros atributos de poder.

3- Onda Antropomrfica

uma figura que aparece associada s representaes de temas


relacionados ao mar, como as balsas, cenas de pesca e animais marinhos (anexo
17). Trata-se de um ser com o corpo formado por uma onda (s vezes em forma
de uma borla) com rosto antropomorfo em perfil. Segundo Carol Mackey (2000:
128), muitas vezes representada com toucado semilunar, de perfil, e seu nariz
lembra o bico de uma ave. A figura especialmente recorrente na cultura
material Lambayeque, aparecendo nos frisos arquitetnicos e na cermica.

4- Antropozoomorfos: Escorpio antropomorfo

Corresponde a uma figura com cabea antropomorfa e corpo de


escorpio identificado por sua cauda e pinas (anexo 18). Essa figura utiliza um
toucado semicircular e aparece, em todos os casos, representada sozinha,
formando parte do bojo escultrico de vasilhas de ala estribo, aparentemente
produzidas no mesmo molde.
A figura tambm foi encontrada na iconografia da base de uma vasilha
Lambayeque (figura 79 do catlogo), cujo desenho retiramos da publicao
Huaca las Balsas de Tcume (Narvaez & Delgado 2011: 116).
104

Interessante destacar que nem na iconografia Chim ou na Lambayeque


deparamos com a representao zoomorfa de escorpies. Por outro lado, na
iconografia Mochica temos alguns poucos casos registrados.

5- Tema da Pesca Mitolgica com Figuras Antropozoomorfas

O tema (anexo 19) sempre representado em relevo no centro do bojo


da vasilha. No fizemos um estudo preciso da tipologia das peas em que a cena
representada nas cermicas Chim. Identificamos a cena em vasos de ala
estribo de colorao negra e vimos exemplares em jarras de ala de mo. Ambos
os tipos so citados tambm no trabalho de Burger, o qual identifica tambm
uma vasilha de rosto no gargalo com a cena representada no centro.
A pesca mtica na iconografia Chim em geral representa apenas duas
figuras, um peixe com brao antropomorfo e a figura do pescador
antropozoomorfo com cabea possivelmente de felino; alm das duas figuras o
que identifica o carter da cena uma corda terminando em um anzol ou cabea
zoomorfa (em direo boca do peixe) segurada pelo felino pescador. O peixe
em algumas representaes apresenta um bracelete e dentes.
O pescador ou o felino antropomorfo apresenta variaes e, s vezes,
sem seus atributos. Essa figura apresenta um toucado estilizado de uma figura
zoomorfa (ausente em algumas representaes), em alguns casos parecendo
uma ave ou lagarto. Assim como o peixe, apresenta bracelete e presas
proeminentes em sua boca. Em muitas representaes utiliza um cinturo em
forma de serpente com uma ou duas cabeas zoomorfas que lembra o cinturo
da divindade intermediadora de Golte (2009), associada na iconografia Mochica
a diversos temas, incluindo os combates e a pesca mtica. A descrio dos
atributos feita em nosso trabalho coincide com as descries contidas no artigo
de Burger (1976).
Em algumas peas associadas por ns ao perodo transicional ou Huari
o tema apresenta uma complexidade um pouco maior, s vezes com mais figuras
marinhas e em alguns casos representando apenas o pescador no centro da
vasilha, rodeado por figuras marinhas e por raios que terminam em possveis
105

cabeas zoomorfas (padro muito comum na representao de divindades ou


figuras com atributos de poder nesse estilo transicional e no Mochica
propriamente dito).
De acordo com Burger (1976) a cena da pesca mtica representada na
cermica Chim um arcasmo referente ao estilo Mochica (anexo 20). O
pesquisador identifica uma tipologia dessas representaes divididas em dois
grupos; imitaes diretas e estilizaes, onde ambos os grupos no so
completamente padronizados, existindo uma srie de subgrupos de maior ou
menor proximidade aos exemplares Mochicas e diversos tipos de estilizaes.
No mesmo trabalho o pesquisador identifica duas peas referentes ao tema do
combate mtico com o caranguejo antropomorfo e uma pea referente ao
combate com um peixe antropomorfo, as quais no esto em nosso corpo de
dados e dessa forma destacamos apenas a existncia desses temas.

6- Antropozoomorfos: Divindade da Montanha ou Ai Apaec

Conjunto de destaque em nossa anlise, encontramos apenas quatro


peas atribudas ao perodo Intermedirio Tardio que claramente representa
atributos relacionados divindade da montanha (anexos 21 e 21.1).
Na iconografia da cermica Moche (anexo 22) temos a recorrncia da
serpente bicfala ou serpente felina que associada nos estudos da iconografia
Mochica divindade conhecida como Ai Apaec ou divindade intermediadora
que reconhecida por atributos de traos felnicos e especialmente pelos
colmillos (presas) (Golte 2009: 69-73). Larco atribuiu o vocbulo Ai Apaec s
divindades com presas identificando uma divindade principal do panteo
Mochica reconhecvel por este atributo. No entanto, estudos posteriores124
puderam demonstrar o carter narrativo da iconografia Mochica (Golte 1994:
20-21) em que as figuras principais no apenas mudam ou mesclam atributos
em algumas ocasies, como tambm a divindade principal de Larco corresponde
ao menos a duas divindades distintas que Golte identifica em seu trabalho como
124

Jurgen Golte (1994) destaca os avanos dos estudos de Berezkin (1983) e Lieske (1992) entre
outros que catalogaram os diversos principais personagens reconhecveis por seus atributos
especficos na iconografia Mochica.

106

figuras A e F. Essa ltima, a figura F, corresponderia ao que Golte denomina


divindade intermediadora que atua nos diversos planos do mundo terreno e
divino em ambos os mbitos Hanan e Hurin.
A divindade A quase sempre aparece relacionada montanha,
carregando adornos como braceletes, brincos e toucado com rosto ou
caractersticas de felino (Arcuri 2009: 44). Apesar disso, pelo carter transitrio
das figuras entre as metades Hanan/Hurin de opostos complementares,
ressaltamos a dificuldade em identificar seus atributos em algumas ocasies, j
que como proposto nos estudos mais recentes a divindade intermediadora tende
a absorver os atributos de diversas outras figuras, por exemplo, as derrotadas
por ela nas cenas de combates (Golte 2009: 70). Da mesma forma, a divindade
relacionada montanha geralmente reconhecvel pela sua relao intrnseca
com a montanha e pela presena das serpentes que geralmente flanqueiam a
figura nessas representaes.
Em nossa anlise, encontramos apenas quatro peas do perodo
Intermedirio Tardio que representam atributos relacionados a estas divindades
do perodo Mochica. Em uma das peas (figura 85 do anexo 21) a figura de
toucado semilunar presente na iconografia Chim veste um cinturo formado
pela serpente bicfala, atributo relacionado tanto divindade F quanto a
divindade A. A pea ao lado (figura 86) mostra uma cena onde uma divindade
auxiliada por duas figuras antropozoomorfas. O tema nos lembra algumas
temticas da iconografia Mochica que incluem a divindade F.
De acordo com Carol Mackey (2000), as divindades do panteo Chim
apresentam uma peculiaridade em relao s do panteo Mochica que a perda
dos colmillos (presas) e a forte tendncia a sua humanizao. A observao dos
dados nesta pesquisa corrobora parcialmente a inferncia proposta por Mackey.
A pea referente as figuras 87 e 88 apresenta uma forma globular achatada, base
pedestal cncava, ala em fita e gargalo cnico (caractersticas tanto das culturas
Chim como Sicn/Lambayeque). Ela exibe um personagem sentado, com
presas expostas, segurando uma taa, e porta um toucado formado pela serpente
bicfala, estilizada de forma semelhante aos vasos da cultura Mochica.
Apesar da existncia desta pea, destacamos a forte tendncia humanizao
proposta por Carol Mackey. No anexo 21.1, pode-se observar uma pea onde,
assim como nas tradicionais representaes da iconografia Mochica, a
107

divindade a prpria montanha e est flanqueada pelas serpentes. Alm disso,


a divindade mostra seus dentes sem as presas animais. No entanto, no catlogo
digital do Museo Larco, essa pea est atribuda estilisticamente como ChimInca. Por no haver atributos que possam corroborar essa classificao,
mantemos a pea no conjunto atribudo ao perodo pr-Incaico tardio da Costa
Norte.
Analisado o conjunto relacionado ao conjunto da pesca mtica (com a
figura de cabea zoomorfa) que na iconografia Mochica exercida pela figura
com atributos da divindade F este mostra por um lado uma continuidade com
a tradio Mochica. No entanto, destacamos que em relao aos conjuntos
formados no Grupo 1.A, que contaram com grandes quantidades de peas, o
atual conjunto conta apenas com quatro peas. A reduo da representao
dessas divindades A e F no perodo Intermedirio Tardio nos chama ateno.
Nos faz questionar porque duas figuras de poder to importantes no perodo
Mochica tornam-se to raras.
7- Figuras Hbridas e Outras de carter sobrenatural

Esse conjunto de figuras (anexo 23) formado por dois tipos principais.
O primeiro tipo apresenta traos zoomorfos hbridos ou abstraes que
dificultam a sua identificao. Alguns deles apresentam membros e cabeas
semilunares. O segundo apresenta figuras, em geral aleatrias, que formam
rostos e corpos abstratos. Um deles um espiral que termina com um rosto
antropomorfo com toucado semilunar, igual ao da figura principal.
A recorrncia destes tipos de representaes baixa na nossa
amostragem, muitas vezes resumindo-se a um nico exemplar.

108

Grupo 1.C: Figuras Zoomorfas com atributos de poder

De maneira geral, no foi comum encontrar na nossa amostragem figuras


zoomorfas com atributos de poder na cermica Chim125 (anexo 24). Dada a
simplificada estilizao e estandardizao dessas representaes, difcil
estabelecer se as figuras so zoomorfas puras ou se apresentam atributos
antropomorfos mesclados. Criamos esse grupo especfico apenas para
diferenciar essas figuras, que aparentam ser predominantemente zoomorfas, das
figuras explicitamente hbridas e mticas apresentadas no Grupo 1.B.

1- Aves com toucado semilunar


Encontramos alguns exemplos de aves representadas em sua forma
zoomorfa utilizando toucados semilunares (figuras 99, 100 e 101). Em alguns
exemplos esto carregando algum tipo de basto ou armas. Podem ser
representados em conjunto com outras figuras importantes como a figura
antropomorfa de toucado semilunar.

2- Macaco com toucado semilunar

Encontramos um exemplo de pea (figura 102) que supostamente


representa um macaco utilizando os mesmos atributos da figura antropomorfa
de toucado semilunar. Utiliza o toucado semilunar, orelheiras circulares e uma
camisa ou peitoral. No podemos afirmar com segurana se a figura um
zoomorfo ou um antropozoomorfo. O que lhe confere seu carter zoomorfo (ou
hbrido) a presena da cauda de macaco.

125

Ao contrrio, na iconografia de peas da cultura Lambayeque muito recorrente a


representao desse tipo de figuras, especialmente na arte mural.

109

Grupo 2.A: Antropomorfos com atributos especficos

So parte deste grupo as figuras que apresentam um tipo de toucado


especfico, recorrente na iconografia, mas que no apresentam outros tipos de
atributos de poder que sejam evidentes. Algumas dessas figuras so
representadas em situaes distintas, exercendo atividades diferentes, o que
dificulta a identificao de um carter de especializao ou funo social
especfica.
Em geral, essas figuras se distinguem por uma tipologia de toucados
podendo tambm ser interpretados como deformaes cranianas ou penteados
especficos j que nem sempre so evidentemente toucados e facilmente
reconhecveis. Essas figuras tendem a apresentar poucos atributos simples
(como braceletes e colares) ou nenhum, alm de seus toucados. Muitos utilizam
instrumentos sonoros, o que sugere funes de especializao a essas figuras.
Geralmente so representados sem roupa, apenas com taparrabos ou com
camisas muito simples, sem a complexidade iconogrfica presente nas
representaes Mochica. Alm disso, essas figuras aparecem em diversas
posturas corporais (muitas que subentendem prestgio) e em algumas ocasies
esto sentadas sobre alguma estrutura (s vezes interpretadas na descrio dos
museus como tronos).
Em relao ao Grupo 1 A, chama a ateno a diferena das posturas
corporais, a ausncia das tnicas elaboradas e das orelheiras como atributos de
poder proeminentes (e claro, a diferena dos toucados). Chamam ateno,
tambm, as atividades cotidianas que desempenham. De toda forma,
consideramos essas figuras como intermedirias na hierarquia social. Os subgrupos foram definidos abaixo, em funo de seus toucados, como pode ser visto
no catlogo.

110

1- Antropomorfos com toucado Tipo A

As

figuras

representadas

neste

grupo

esto

relacionadas

predominantemente a duas temticas especficas: balsa de totora/pesca e aos


duelos (Anexos 25 e 25.1). As primeiras figuras (anexo 25) esto geralmente
sentadas ou deitadas sobre as embarcaes; s vezes aparecendo em duplas. A
balsa, em alguns casos, assume a forma da figura de peixes gigantescos,
algumas vezes monstruosos (figura 106). No tema dos duelos (anexo 25.1)
duas ou trs dessas figuras aparecem em um ato de segurar/puxar o
toucado/cabelo do outro. O tema lembra as batalhas entre guerreiros com status
social elevado que aparecem na iconografia Mochica (anexo 26). No entanto,
na cermica do Perodo Tardio, o tema no apresenta guerreiros com armas e
atributos de poder to precisos. So reconhecidos apenas por esse
toucado/penteado.

2- Antropomorfos com toucado Tipo B

Essas figuras so muito recorrentes na iconografia da Costa Norte do


Perodo Tardio. O padro de representao se mantm nos exemplos citados no
catlogo (Anexo 27). Alguns exemplares representam as figuras tocando
diversos tipos de instrumentos sonoros (exemplo figura 114). Tambm em
alguns casos apresentam um macaco sentado sobre os ombros/cabea (dos quais
no tivemos acesso a fotografias).

3- Antropomorfos com toucado Tipo C

Figuras representadas exercendo diversas funes. Estes personagens


com toucado cnico so muito recorrentes no material (Anexo 28 e 28.1).
Aparecem relacionados com conchas spondylus (figuras 118 e 119),
instrumentos sonoros (figuras 120 e 121) ou apenas sentados com outras figuras
humanas (figura 116) ou sozinhos. Como os anteriores, no apresentam
atributos de poder mais precisos, alm do toucado, e exercem funes
diversificadas.

111

4- Antropomorfo com toucado Tipo D

Uma variao do grupo anterior so as figuras com toucados cnicos


largos que foram separadas (na nossa amostragem) pela variao do toucado e
por sua recorrncia (anexo 29). Tambm exercem funes similares, como o
uso de instrumentos sonoros (figura 122). Em alguns casos associados caa ou
pastoreio, j que no identificamos o animal carregado nas costas que pode ser
um veado, guanaco, ou filhote de lhama ou alpaca (figura 124).

5- Antropomorfo com toucado Tipo E

As figuras representadas no anexo 30 no se enquadraram nas categorias


anteriores. Destacamos a similaridade tcnica das duas peas alm da
representao das figuras antropomorfas. A primeira (figura 125) aparece
deitada de frente com o toucado e um peitoral. No entanto, no foi possvel
associ-la categoria do grande Grupo 1 pela ausncia de outros atributos. Na
figura 126 aparece ligada ao spondylus (bojo escultrico traseiro da pea) e
carregando um animal nas costas que no pudemos identificar.

Grupo 2.B: Outras figuras Antropomorfas sem atributos definidos

Este grupo (anexos 31 e 32) foi pouco explorado em nossa anlise da


iconografia Chim-Lambayeque. Pela dificuldade na observao de atributos ou
sua ausncia (anexo 32), optamos apenas por reconhec-las como parte do
repertrio iconogrfico e apontar alguns exemplos ilustrativos da recorrncia.

Sequncia cronolgica proposta para a iconografia Chim

A iconografia Chim apresenta um repertrio de imagens antropomorfas


e sobrenaturais significativamente menor, se comparada ao estilo Mochica. No
entanto, destacamos que nos parece possvel dividir, cronologicamente, o
112

conjunto analisado em fases, ou subgrupos, apesar da falta de maiores


informaes contextuais e de no termos tido acesso a estudos especficos sobre
este tema. A cermica Chim, e especialmente a sua iconografia, reconhecida
por uma forte tendncia padronizao de tcnicas de manufatura, de atributos
morfolgicos e de temas de representao iconogrfica. No entanto, como
mostramos anteriormente, junto dessa tendncia s padronizaes devem ser
observadas tambm as variaes que ocorrem quando observados os grandes
conjuntos. No que diz respeito iconografia de figuras antropomorfas e
sobrenaturais, destacamos a possibilidade de uma diviso cronolgica que
possibilita maior compreenso desse repertrio iconogrfico na longa durao,
j que entendemos que essas mudanas substanciais na forma de representao
esto diretamente relacionadas a mudanas nos mbitos sociopoltico e
religioso. Dessa forma, organizamos o nosso corpo de anlise em trs grupos
cronolgicos principais para a iconografia Chim. O primeiro grupo
corresponde ao perodo que acreditamos ser de transio Huari-Mochica e
Chim nos estilos da Costa Norte. Aps a influncia Huari nos estilos nortenhos,
temos um estilo cermico produzido que aqui chamamos de Transicional. Este
apresenta um repertrio iconogrfico com nfase em figuras humanas com
atributos de poder e divindades ou figuras de carter sobrenatural. So
aspectos que remetem diretamente a uma herana cultural Mochica no estilo
Chim inicial.
Como veremos em maior detalhe, o segundo grupo principal se
caracteriza pela reduo significativa dos tipos de personagens representados e,
especialmente, dos seus atributos de poder. Os principais so representados com
diversos atributos de poder, no entanto so seus toucados, bem como a ausncia
de presas animais, as suas caractersticas mais marcantes e distintivas126.
Tambm so representadas outras figuras antropomorfas, em grande
quantidade, que se diferenciam das primeiras pelo tipo de toucado, ainda que se
observa a mesma nfase dada a eles. Essas figuras apresentam toucados muito
menos elaborados, e geralmente no apresentam outros atributos marcantes de
poder.

126

Tambm o so, as atividades e as formas como so representados, os tipos de suporte para


representao e as esferas de poder a eles relacionadas (Mackey 2000: 137).

113

O terceiro grupo consiste na representao de figuras antropomorfas no


repertrio associado estilisticamente ao perodo da dominao Inca na Costa
Norte. A iconografia apresenta uma tendncia diminuio da representao de
figuras com atributos de poder, em conjunto a uma suposta abstrao das
mesmas. Tambm caracterstico desse estilo o surgimento de alguns novos
personagens e da nfase em personagens j existentes na iconografia Chim,
com atributos menos elaborados e exercendo funes mais relacionadas ao
cotidiano. Rostos antropomorfos abstratos com ou sem atributos de poder
tambm so muito recorrentes nesse repertrio iconogrfico.
A proposio dessa sequncia cronolgica da iconografia Chim
encontra eco no trabalho de Masato Sakai (1998), que realizou um estudo
interdisciplinar de arqueologia, etnohistria, etnografia e arqueoastronomia. O
pesquisador prope que a organizao espacial o posicionamento de templos,
palcios e mausolus das cidadelas de Chan Chan obedece a um sistema
combinado da geografia dos cerros na paisagem e da observao da
movimentao de alguns astros celestes, no caso constelaes, para estabelecer
a orientao e sequncia de construo das estruturas. Segundo a interpretao
de Sakai, o primeiro governante de Chan Chan teria decidido construir seu
mausolu orientado em relao ao Cerro Blanco, onde esto presentes as
Huacas del Sol y de La Luna. O pesquisador afirma que essa deciso pode ser
entendida como uma forma de reafirmar a continuidade ou herana cultural
Mochica. Ainda segundo Sakai, o terceiro governante teria estabelecido,
posteriormente, mudanas no padro desse sistema, estabelecendo uma suposta
hierarquia127 que foi mantida pelos governantes seguintes, at o sexto, o qual
teria reforado o novo sistema que foi seguido por seus sucessores (Sakai 1998:
123-127).
Entendemos que os estudos acerca da arquitetura de Chan Chan sugerem
continuidades e rupturas, na longa durao, que podem ser interpretadas como
mudanas no sistema sociopoltico e religioso da sociedade Chim. Dessa

127

Com base em um sistema hierrquico complexo estabelecido pelas relaes cosmolgicas


com o firmamento, de acordo com a hiptese de Sakai, o terceiro governante de Chan Chan,
teria construdo seu mausolu em uma posio superior do ponto de vista cosmolgico da
ocupao espacial relacionada com a estrela mais importante do Cruzeiro do Sul a partir da
observao dos astros (sobre o assunto ver Sakai 1998).

114

forma, cabvel pensar que as mudanas na arquitetura e no repertrio


iconogrfico da cermica Chim tenham relao direta entre si. Sugerimos que
a iconografia do nosso primeiro grupo pode equivaler ao perodo em que os
governantes de Chan Chan teriam assumido uma relao com o passado
Mochica. Consequentemente, a iconografia que expressa uma quantidade muito
menor de figuras de poder e apresenta a recorrncia de certas figuras principais,
deve corresponder a esse perodo de mudana e de suposta tendncia
centralizao e expanso do Estado Chim, que conquistou diversos vales das
costas Norte e Central do Peru128. No que diz respeito ao perodo da dominao
Inca, a grande referncia passa a ser, aparentemente, observada nos atributos
morfolgicos mesclados que evidenciam o novo estilo reconhecido pelos
especialistas como Chim-Inca ou Inca-Chim.

Comparao com Figuras de Poder da Iconografia Lambayeque

A cermica associada cultura Lambayeque, ou Sicn, reconhecida


como um padro estilstico originado na regio do atual Estado de Lambayeque,
na Costa Norte peruana. Durante muito tempo, esta foi entendida como parte
integrante da cultura Chim, pelas semelhanas apresentadas nos repertrios
tecnolgico e iconogrfico de ambos os estilos. Como brevemente apresentamos
no texto, apesar da fluidez nas fronteiras culturais, existem diferenas muito
expressivas nos dois estilos. No entanto, durante o Perodo Tardio, com a
invaso e a intensificao das relaes com Chimor, a cermica apresenta cada
vez mais semelhanas, resultando em uma grande dificuldade para associar
estilisticamente uma pea sem contexto a um ou ao outro grupo cultural,
inclusive as figuras representadas na iconografia do poder.

128

Destacamos tambm que, com um estudo mais cuidadoso das tipologias e das tcnicas das
colees, talvez seja possvel evidenciar sequncias cronolgicas mais refinadas desse processo;
j que pudemos evidenciar, em nosso estudo preliminar, uma grande variabilidade desse estilo
Chim. Consequentemente, reconhecemos que essa diviso em trs fases que propomos para
compreender a iconografia apenas uma referncia, j que um estudo mais especfico pode
apresentar um contexto muito mais complexo.

115

Na cermica Lambayeque temos a recorrncia massificada de um


conjunto de vasilhas conhecido como Huaco Rey (anexo 33). Neste grupo, se
destaca uma figura que tem sido atribuda ao mito de Naylamp narrado pelo
cacique de Tcume ao cronista Miguel Cabello de Valboa no sculo XVI. Neste
mito, Naylamp teria chegado regio da costa de Lambayeque em uma frota de
balsas, acompanhado de sua esposa e toda a sua corte, composta por concubinas,
capites e outros dignatrios. Naylamp teria desembarcado em Lambayeque e
fixado residncia, construindo palcios em um lugar chamado Chot. Trouxera
consigo um dolo em pedra verde, segundo o cronista, representando o rosto do
governante chamado Yampallec (figura de Naylamp). O governante teria sido,
ento, sucedido por seu filho Cium. Essa dinastia duraria at a conquista dos
Chim de Chan Chan, aps o governo de Fempellec, deposto e sacrificado ao
mar como castigo pelas aes que desencadearam enchentes e secas na regio
por um longo perodo129 (Cabello de Valboa 2011 [1568]: 393-395).
Izumi Shimada props, em estudo tipolgico da cermica de
Lambayeque, uma sucesso de fases para as vasilhas com a representao da
figura de Naylamp, observada a partir do colapso da cultura Moche no
Horizonte Mdio. Segundo o autor, a sequncia cronolgica constituda a
partir da mudana dos elementos morfolgicos e decorativos divididos em fases
Inicial, Mdia e Tardia:

Tipologia de vasilhas Lambayeque proposta por Shimada em 1990 (Pimentel 2007: 4).

129

Possivelemente um El Nio que afetou a regio durante o perodo do governo de Fempellec.

116

Como afirma Carol Mackey, a relao entre os substratos Mochica e


Huari-Tiahuanaco exerceu influncia na cultura Lambayeque, qual muitos dos
conceitos e dos cnones representativos externos foram incorporados (Mackey
2000: 132). A fase inicial, aparentemente, corresponde a um perodo de
fragmentao poltica identificada tambm por Roberto Pimentel (2007: 4),
pelas influncias exteriores nos mbitos das artes e da religio. Ainda segundo
o autor, a fase mdia, em contrapartida, corresponde ao desenvolvimento
poltico e econmico regional integrado, expresso na ideologia religiosa na
figura central do Senhor de Lambayeque.
Um dado interessante exposto na narrativa referente morte de Naylamp
consiste na ocultao do ritual de sepultamento do seu corpo. Aps ser
enclausurado em sua tumba, proclamaram por toda a terra que o governante
divino criou asas, como um pssaro, e desapareceu voando em direo ao cu
(Cabello de Valboa 2011 [1568]: 394). Muitas das representaes em cermica
associam esta figura principal, identificada pela mscara de Naylamp com aves.
O Huaco Rey muitas vezes acompanhado de aves ou felinos representados de
forma naturalstica. Shimada (1990) sugere que as representaes do nariz do
personagem se assemelham ao bico de uma ave, nas representaes do perodo
mais antigo.
Em

outros

casos,

Naylamp

aparece

associado

com

figuras

antropomorfas de toucado semicircular, interpretadas como nadadores ou


voadores (por flutuarem aos flancos da figura principal), de acordo com a
anlise de Carol Mackey (2000: 123). Alm disso, muitas representaes da
figura nos tumis em metal apresentam um toucado semicircular emplumado,
alm da presena de plumas abaixo dos braos e nas costas da figura,
possivelmente simbolizando asas.
A pesquisadora Carol Mackey (2000 127-128) sugere dois tipos de
toucado representados com a divindade principal. O primeiro tipo seria o
toucado semilunar emplumado agregado a uma espcie de suporte de metal. O
segundo tipo, seria o que a autora chama de tocado en forma de techo (toucado
em forma de teto), por lembrarem o formato das construes arquitetnicas
representadas na cermica. Na nossa anlise, chegamos concluso de que o
gargalo cnico do Huaco Rey pode representar uma variao de toucado
117

estilizada, que aproveita a prpria forma do gargalo. Essa interpretao


inspirou-se em peas observadas nas colees de diversos museus, incluindo o
Museo Sicn de Lambayeque, uma variedade de toucados cnicos em ouro ou
em prata130.
Na interpretao de Carol Mackey (2000: 131), a Divindade principal
Lambayeque controla todas as esferas do universo (mbitos marinho, terrestre
e celeste). Dessa forma uma divindade onipresente e que representa a
centralizao ritual em sua figura. Roberto Pimentel, por sua vez, associa a
figura ao mbito marinho. No interior de uma tumba da Huaca Las Ventanas, a
pintura mural conhecida como cosmologa Sicn (abaixo) apresenta a mesma
figura sobre o mar, portando uma faca cerimonial (tumi) e uma cabea
decapitada. A cena flanqueada pelo sol direita (Leste) e a Lua crescente
esquerda (Oeste). Contudo, segundo Pimentel, a divindade Sicn se relaciona
especificamente com o mar, cuja expresso no se d pelo Sol ou pela Lua
(Pimentel 2007: 10). Apesar de ser uma divindade central, no onipresente e
nem se associa inteiramente a todas as esferas.

Pintura mural descoberta por Izumi Shimada em Huaca Las Ventanas, no Complejo
Arqueolgico Batn Grande (Pimentel 2007: 10-11).

Outra figura importante o animal mtico antropomorfizado, ou Animal


Lunar, que tambm est representado de forma diversificada nas cermicas que
remetem cosmologia lambayecana. O Animal Lunar aparece sempre de perfil,
como nas peas Chim, com as mesmas variaes de toucados. Segundo Carol
Mackey (2000: 128), em alguns casos ele apresenta bico de ave. Alm disso,
130

De qualquer forma, apesar de parecer consensual entre os pesquisadores, ns no temos


segurana em afirmar se a variao sugere um nico personagem especfico que troca de
atributos em momentos rituais/temporais especficos; sugerindo a centralizao ritual na figura
da chefia. Talvez, a variabilidade possa conduzir a uma variedade de personagens com atributos
especficos que tm em comum o cnone do conhecido como rosto/mscara de Naylamp. Ou
talvez, ainda, estilizaes ou mudanas substanciais na composio dos toucados na longa
durao.

118

comum a representao de uma figura drago (que lembra as cabeas da


serpente bicfala) e geralmente flanqueia a figura central do Senhor de
Lambayeque nos Huaco Reys.
Ainda de acordo com a bibliografia, entre os sculos XI e XII a
ocorrncia de um El Nio teria sido propulsora da fase Tardia, marcada pelo
abandono, aparentemente abrupto, do centro poltico-cerimonial de Batn
Grande. Esse fenmeno explicaria a emergncia de um novo centro, em
Tcume; stio composto por um complexo de pirmides que, aos olhos de alguns
pesquisadores, expressam um sistema poltico fragmentrio, como um tipo de
confederao regional.
Ambos Mackey (2000) e Pimentel (2007) afirmam que o panteo
religioso exibido na iconografia Lambayeque pequeno, quando comparado aos
repertrios iconogrficos observados nas cermicas Mochica e Chim.
Mesmo assim, a iconografia do mural da Huaca Las Balsas, em Tcume, oferece
uma grande variedade de figuras, similares ao repertrio iconogrfico do
perodo mais tardio Lambayeque-Chim que recordam a sua maneira a
iconografia Moche.
As duas primeiras fases da arte mural da Huaca las Balsas apresentam
uma nfase na figura de aves marinhas. Na primeira fase elas aparecem
representadas de perfil, com toucado semilunar e associadas s ondas. Na fase
seguinte, observa-se um padro similar, representado com as aves carregando
um objeto circular. A terceira fase mantm as representaes anteriores, mas
introduz uma cena ritual complexa, em que aparecem diversas figuras com
toucados semilunares e outros tipos associados (Narvez 92-104). A
representao de outras figuras zoomorfas e antropozoomorfas com atributos de
poder caracteriza o repertrio iconogrfico desta fase e, permanece na fase
quatro.
De forma geral, encontramos essas mesmas figuras na cermica
associada cultura Lambayeque, desde o perodo transicional do Horizonte
Mdio at o perodo Chim. O mais evidente, no entanto, a ausncia do Huaco
Rey no repertrio iconogrfico mais tardio, com a ressalva de que em muitos
objetos de metal e na prpria cermica os personagens tm seus rostos
119

confeccionados com uma manifestao mais tardia da mscara de Naylamp, o


que sugere continuidade (ou que a figura principal possa ter um carter
mltiplo).
No buscamos definir se a iconografia reflete algum tipo de mudana no
contexto ritual lambayecano, na longa durao; nesse sentido, necessrio um
estudo muito mais complexo do contexto arqueolgico. Destacamos apenas que,
de certa forma, Chim e Lambayeque compartilham uma tradio comum que
parece se manter no perodo de intensificao das relaes entre as duas
culturas, aps o processo de expanso Chim. Da mesma forma, ambos
sofrem um processo transicional que integra elementos Huari-Tiahuanco na
cermica ritual, bem como nas suas prprias narrativas de origem, associadas
chegada de um governante estrangeiro (Tacaynamo e Naylamp).
Como sugere a cultura material, Chim e Lambayeque constituem
grupos distintos, apesar de compartilharem elementos tradicionais. Acredita-se
que ambas constituem sistemas polticos distintos, talvez relacionados s
prprias heranas das regies Mochica Norte e Mochica Sul. No perodo de
dominao Chim, na regio de Lambayeque, a questo da centralizao ou
flexibilizao do poder continua sendo um tema chave para a compreenso dos
sistemas polticos que integraram a regio no momento imediatamente anterior
a chegada dos Incas.
Assim, tendo visto a complexidade das relaes Lambayeque-Chim no
mbito regional, trataremos do tema em relao a mudanas e permanncias nos
padres iconogrficos apresentando as figuras que compem o repertrio
iconogrfico da Costa Norte aps a conquista incaica.

Aspectos Gerais da Iconografia Inca

Christopher Donnan, afirma que em relao aos estilos cermicos


precursores, o Inca foi caracterizado pela simplicidade, deixando de lado a
elaborao artstica dos perodos anteriores (Donnan 1992:107). Ainda segundo
o autor, tanto a iconografia cusquenha quanto os seus estilos provinciais [...]
120

so virtualmente ausentes de motivos supranaturais, e raramente descrevem


indivduos de status social elevado (Donnan 1992: 123)131. Em concordncia,
Marcia Arcuri aponta que: a partir de uma anlise iconogrfica, possvel
demonstrar como a cermica ritual produzida milenarmente nos Andes desaparece
com a ascenso e hegemonia incaicas (Arcuri 2009:43). Neste trabalho durante a
anlise dos conjuntos arqueolgicos, pudemos constatar a predominncia de
motivos geomtricos e conceitos abstratos na iconografia do estilo Inca, e sua
sobreposio aos estilos locais como sugerem os autores consultados que
discorrem sobre os principais aspectos da cermica produzida no Horizonte
Tardio (Menzel, Donnan, Kauffman Doig, Lumbreras, Mason, DAltroy, Matos,
entre outros).
Na cermica cusquenha predominam os motivos que podem ser vistos
nos exemplos dos anexos 1, 2, 34, 34.1 e 34.2 do catlogo132. So figuras
geomtricas, como linhas horizontais e verticais, losangos, elementos X,
faixas de tringulos recortados, zig-zags, o elemento helecho, entre outros,
tipicamente associados ao estilo cusquenho. Esses elementos foram observados
nos estilos locais como pode ser visto nos anexos do catlogo. A cermica Inca
da Costa Norte apresenta uma fuso com elementos tradicionalmente
representados nas cermicas Lambayeque e Chim, como os escalonamentos e
as Chakanas (anexo 34.2).
Tanto a iconografia do estilo de Cusco quanto a provincial tendem a
apresentar conceitos abstratos, a partir da disposio das formas geomtricas. A
dualidade e o quadripartismo so evidentes, inclusive nas suas formas mais
simples (anexo 35 e 35.1). O jogo de cores distribudas no corpo da vasilha
expressa a ideia de claro/escuro e acima/abaixo como expressam as vasilhas das
figuras 151 e 152 Algumas peas expressam a continuidade do conceito na
quadripartio expressa tanto no motivo X como nos campos de representao
das vasilhas nas figuras 154, 155 e 156.

[] are virtually devoid of supernatural motifs, and seldom even depict high status
individuals (Donnan 1992: 123).
132
Por ser o foco deste trabalho as figuras antropomorfas e seus elementos, no foi dada nfase
na descrio e mapeamento dos elementos geomtricos presentes na iconografia inca.
131

121

Os conceitos de dualidade, quadripartismo e tripartismo tambm se


expressam com a representao dos zoomorfos, que exercem um papel
fundamental na cosmoviso Andina, como demonstra o trabalho de Golte 2009
para a cultura Mochica. A presena de zoomorfos e fitomorfos representados
de forma naturalstica outra faceta do repertrio iconogrfico que caracteriza
o estilo Inca. O tripartismo evidente na pea (figura 157 do anexo 35.2) do
Metropolitan Museum of Art, que rene, no mesmo exemplar a serpente, o
felino e o condor (alusivos verticalidade da paisagem, aqui definida a partir
dos planos terrestre de abaixo, terrestre de acima relacionado a montanha e
celeste). Na mesma pea, o motivo X da vasilha interna, ao lado do felino,
apresenta tambm a ideia de quadripartio.
Como observado acima, alm dos conceitos cosmolgicos abstratos, a
iconografia Inca apresenta figuras zoomorfas, na maioria dos casos fceis de
identificar por sua tendncia a uma representao naturalstica. Das peas
analisadas, foram formados grupos com a tipologia dos animais representados
que pode ser vista nos anexos de 36 at o anexo 44. Dos tipos apresentados, so
mais recorrentes as representaes de serpentes, felinos, aves e lagartos. Na
cermica Inca da Costa Norte, so intensificadas as representaes de felinos
(anexo 37), das serpentes133 (anexo 38 e 38.1) e lagartos (39 e 40), figuras pouco
recorrentes na iconografia de peas associadas cultura Chim-Lambayeque
Pr-Inca que, como j apontado, apresenta grande nfase na representao de
aves marinhas, peixes, crustceos, raias, mamferos marinhos e macacos
relacionados com as representaes antropomorfas e sobrenaturais, com
atributos de poder134. No entanto, macacos (anexo 43) e aves marinhas (anexo
44) continuam sendo representados na iconografia de artefatos da Costa Norte
no Horizonte Tardio, em peas estilisticamente associadas ocupao Inca.

133

Guamm Poma destaca a importncia dos Amarus (cobras e serpentes) como smbolos
associados aos primeiros governantes Incas (Guamm poma 1992 [1615]: 63).
134
Outras espcies de animais tambm so recorrentes na iconografia tardia da Costa Norte princa, inclusive os felinos. No entanto, no foram observadas peas que associassem diretamente
esses animais s figuras de poder desse perodo. Da observao de material Mochica e
transicional Huari, em ambas as iconografias a representao das serpentes e felinos recorrente,
associada a divindades e figuras de poder.

122

Animais Especficos
Serpentes e lagartos
Felinos
Macacos
Cameldios
Peixes
Raias
Moscas
Liblulas
Mariposas
Aranhas
Gara
Pelicano
Cormoro
Caranguejo

Chim
X
X
X
X
X

X
X
X
X

Presena
Inca Chim-Inca
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X

X
X
X
X

Tabela apresentando a recorrncia das figuras zoomorfas assinaladas com X


reportadas com maior frequncia no material analisado de cada grupo estilstico
definido.

Outro aspecto de destaque da iconografia Inca na Costa Norte a


continuidade da prtica local em representar figuras fitomorfas de diversos tipos
(Anexo 45).
A nfase em certos animais em cada perodo (Inca e Pr-Inca) denota
aspectos estruturais da cosmoviso e de outras questes de carter mais amplo,
muito mais complexos, j que a intensificao da representao de um universo
marinho ou de um universo associado serra no deve ser entendida como
acaso. Dessa forma, a iconografia expressa nas vasilhas Incas, de certa forma,
representa a continuidade de tradies cosmolgicas que remetem aos
primrdios do desenvolvimento sociopoltico nos Andes Centrais. Parece tratarse de um sistema semntico visual complexo, capaz de transmitir valores muito
bem consolidados na longa durao, em detrimento da ideia de simplicidade e
abstrao de elementos cotidianos. Este um contraponto afirmao de Henry
Fabvre, pautada por um olhar mais aproximado s questes estticas, que afirma
que a cermica Inca: no possui a qualidade esttica da cermica Mochica ou
Nazca. Com efeito, sua decorao pobre, sem inspirao ou fantasia (Fabvre
1974: 92). Este tipo de leitura da iconografia dos estilos cermicos aqui
123

estudados (que ope os conceitos abstratos da cermica Inca s representaes


naturalsticas Mochica), muitas vezes compromete a interpretao

da

iconografia Andina Pr-Colonial, uma vez que esta apresenta aspectos muito
particulares da cosmoviso Andina que pouco se espelham nos critrios
ocidentais de representao.

A representao de zoomorfos nos estilos Chim e Inca

Abaixo esto expostas tabelas correspondentes variao da nfase dada


s principais figuras zoomorfas que aparecem nos grupos iconogrficos Chim
e Inca:

Zoomorfos mais representados Zoomorfos mais representados


no estilo Chim (geral)
no estilo Inca (geral)
Aves Marinhas
Felinos
Macacos
Serpentes
Lagartos
Peixes
Moscas, mariposas e liblulas
Animais marinhos (em geral)
Aves (geral)
Mamferos marinhos (geral)
Tipos mais recorrentes de representaes zoomorfas nos estilos Chim e Inca.

Conforme j apontado, na iconografia Chim destacam-se as


representaes de atributos e figuras pertencentes ao mundo marinho. Tambm
so recorrentes figuras de carter transitrio entre o mundo marinho e o mbito
terrestre (alguns crustceos, mamferos marinhos como o lobo marinho e a
ntria marinha representada nos frisos dos murais de Chan Chan); e entre o
mbito marinho e o celestial (aves marinhas). Destaca-se tambm o macaco,
animal que transita entre o cho e o alto das rvores, muitas vezes representado
como um aplique na rea que liga a ala e o gargalo das vasilhas de ala estribo.
Na cermica Inca, destaca-se a nfase na figura de felinos e de serpentes,
associadas divindade da montanha (Arcuri comunicao pessoal 2013).
Tambm aparecem com maior frequncia os lagartos. O condor e outras aves

124

associadas ao universo celeste do mundo de acima tambm so muito


frequentes. Alm disso, destaca-se a representao de alguns tipos de insetos
como as moscas, mariposas e liblulas, e em raras ocasies aracndeos.
Abaixo apresenta-se uma tabela com a relao dos zoomorfos mais
recorrentes nas peas estilisticamente associadas ao grupo Chim-Inca ou Inca
da Costa Norte.

Zoomorfos mais representados


no estilo Chim-Inca (geral)
Aves Marinhas
Macacos
Peixes
Felinos
Serpentes
Lagartos
Tipos de representao de zoomorfos mais
frequentes no estilo tardio da Costa Norte.

A anlise desse grupo demonstrou a continuidade de representaes


zoomorfas presentes nas cermicas pr-Incaicas Chim-Lambayeque.
Observou-se uma preponderncia de aves marinhas, macacos e peixes. No
perodo de domnio Inca, a iconografia local acolhe significativamente a
presena de felinos, serpentes e lagartos, comuns nas representaes do estilo
Inca de outras regies.

Antropomorfos e figuras de poder na iconografia Inca: Grupos de representao

A diviso dos grupos de figuras de poder e antropomorfos na iconografia


Inca cusquenha e Inca da Costa Norte obedece ao mesmo padro da organizao
proposta para Chim-Lambayeque, com base nos toucados e nas funes
exercidas. No entanto, foram organizados grupos morfolgicos e iconogrficos

125

que contm temticas ou figuras similares, para a realizao de uma discusso


conjunta. As figuras sero apresentadas e descritas, conforme seus atributos,
seguindo a lgica estabelecida na anlise da iconografia Chim-Lambayeque.
Em seguida, apresenta-se a discusso sobre as comparaes entre as figuras da
Costa Norte encontradas em ambos os perodos, Inca e Pr-Inca, e alguns
problemas encontrados na pesquisa.
De maneira introdutria, destacamos que, como apontado acima por
Christopher Donnan (1992: 123), a iconografia Inca tende a apresentar poucas
figuras com atributos de poder que podem ser subentendidas como personagens
de status social elevado e ou sobrenaturais. As representaes, alm de terem
o repertrio reduzido, do ponto de vista quantitativo, em relao ao perodo PrInca da Costa Norte, concentram-se majoritariamente nos Grupos 2.A (que se
refere a figuras com poucos ou nenhum atributo de poder expressivo) e Grupo
2.B (de peas que representam rostos ou formas antropomorfas cujos atributos
so inexistentes, abstratos ou de impossvel verificao). De toda forma,
algumas peas ou conjuntos que representam figuras de poder associadas aos
Grupos 1.A e 1.B135, expressam continuidade em relao ao perodo Pr-Inca
na Costa Norte. Alm disso, como discutiremos de forma mais detalhada a
seguir, h uma certa dificuldade para estabelecer a denominada fronteira
cultural, expressa na cultura material, entre as cermicas Chim, Lambayeque
ou Inca e, com isso, definir o que expresso de rupturas ou continuidades na
representao iconogrfica simblica nesse universo local da produo
cermica, especificamente associado Costa Norte, nesse contexto de relaes
polticas entre os Incas e as elites locais.

135

No foram encontradas peas que caracterizam o Grupo 1.C de figuras zoomorfas com
atributos de poder na cermica inca.

126

Grupo 1.A: Figuras Antropomorfas com Atributos de Poder

O Grupo 1.A da figuras de poder da iconografia Inca correspondem a


quatro conjuntos. O primeiro conjunto consiste em representaes
antropomorfas que foram encontradas em peas atribudas ao estilo Inca
cusquenho. Os conjuntos dois e trs, foram organizados de acordo com
temticas representadas em grupos de arbalos associados Costa Norte, que
representam figuras de poder locais. Por fim, o ltimo consiste nas poucas
representaes de figuras de poder do Grupo 1.A Chim em outras peas
associadas ao estilo Inca local.

1-

Conjunto figuras de poder na iconografia Inca-Cusco

O conjunto formado por apenas quatro peas que foram observadas nas
colees do Museo Inka de Cusco e do Museo Larco. So exemplos das raras
representaes de figuras antropomorfas com atributos de poder na iconografia
cusquenha (anexos 46 e 46.1).
As peas 202 e 204 apresentam quatro figuras antropomorfas com
toucados emplumados e objetos similares a bastes em uma das mos. Tambm
apresentam possveis asas emplumadas, o que no conjunto nos faz questionar
se se trata de representaes humanas ou sobrenaturais. A presena dos
bastes e do nmero quatro nos faz associar os personagens origem mtica
dos Incas (o mito dos irmos Ayar) ou mesmo uma variao da figura do
Senhor dos bastes, tradicional nas iconografias religiosas pr-Incas. J a
figura 203, apresenta duas duplas de figuras antropomorfas com tnicas e
toucados do tipo gorros serranos. So representadas frontalmente, de maneira
abstrata e sem outros atributos de poder expressivos.
O arbalo das figuras 205 e 206 do anexo 46.1 representa uma dupla de
antropomorfos que parece representar uma figura masculina e outra feminina.
A figura feminina, apresenta uma tnica e utiliza ferramentas aparentemente
relacionadas tecelagem. A figura masculina, com diversos atributos de poder
reconhecveis, apresenta uma tnica bem elaborada com uma representao do
127

sol ou de uma estrela no centro. Utiliza um toucado com borla e pluma e segura
um machado de haste. A tcnica de inciso empregada para a reproduo da
iconografia no foi observada em nenhuma das peas do estilo Inca Cusco, o
que nos faz associar a pea ao perodo Colonial.

2-

Conjunto Arbalos com representao de figuras antropomorfas em

pirmides

Neste conjunto foram catalogados 12 arbalos representando figuras


antropomorfas de mos dadas ou levantadas (variando entre 3, 4 e 5 no nmero
de personagens). Todas aparecem dentro de um campo de representao
parecido com o interior de uma pirmide escalonada ou de uma montanha
(anexos 47, 47.1 e 47.2).
A figura 207 a nica que representa esses personagens com um toucado
semilunar tipicamente associado figura principal da iconografia Chim
(destaque para a figura central maior que as outras duas que a flanqueiam).
Outras trs peas (figuras 208, 209 e 210) representam as figuras com toucados
emplumados. Em uma delas (figura 208) as figuras apresentam orelheiras
circulares (importante atributo de poder para as sociedades Inca e Chim). Na
figura 209, os personagens so representados junto a um pelicano, animal
recorrentemente representado na iconografia nortenha do Intermedirio
Tardio. J no anexo seguinte (figuras 211, 212, 213 e 214) as figuras so
representadas sem outros atributos de poder permanecendo apenas o
toucado/cabelo com pontas. No anexo 47.2 as figuras antropomorfas so
representadas de forma cada vez mais abstrata e destitudas de toucados.
importante notar que apenas quatro das doze peas apresentaram as figuras
portando seus atributos de poder. Entre as demais, uma pea apresenta figuras
decapitadas (imagem 218).

3-

Conjunto arbalos com representao de figuras de toucado semilunar e

zoomorfos

Definimos um segundo conjunto de arbalos tipologicamente associados


por sua morfologia e padro de representao iconogrfica (anexo 48). Todos
128

apresentam quatro campos de representao iconogrfica bem definidos: dois


deles na parte frontal e os demais no verso do bojo do objeto. Um desses
campos de representao remete a duas figuras antropomorfas de toucado
semilunar de mos dadas representadas, aparentemente vestindo apenas um
saiote ou uma tnica. O segundo campo, ao lado das figuras antropomorfas,
representa um felino e um animal menor, acima, possivelmente o Animal
Lunar. Os dois ltimos campos representam um tipo de ave estilizada,
aparentemente sobrenatural com uma serpente no bico.
O que chama ateno nesse conjunto a presena do felino em uma
mesma pea em que tambm aparecem as figuras antropomorfas de toucado
semilunar. Na iconografia Chim, no foi registrado (nessa pesquisa) nenhum
exemplar que associasse a figura principal Chim a felinos. Esse padro foi
encontrado apenas em peas associadas ao Horizonte Mdio, pertencentes aos
estilos transicionais.

4-

Figuras de poder em formas aribalides

Alm da figura antropomorfa de toucado semilunar, foram encontradas


trs peas (anexo 49) que representam as outras figuras principais da
iconografia Chim-Lambayeque: a imagem 224 representa uma figura
antropomorfa similar figura de toucado de duas-plumas; e as imagens 222 e
223 representam a figura de toucado bifurcado.
interessante ressaltar que de toda a amostragem, apenas trs peas do
Horizonte Tardio apresentaram essas figuras, apesar de serem elas muito
frequentes nas peas dos estilos Pr-Incaicos.
Analisados todos os quatro conjunto referentes ao Grupo 1.A da
iconografia Inca levantamos algumas questes para a discusso. Uma parte do
material observado apresenta atributos que remetem a tradies muito antigas,
como o caso de um grupo dos vasos globulares com ala estribo que na
coleo do Museo Larco foi atribudo como pertencente ao Horizonte Tardio
Inca (anexo 50). De acordo com a arqueloga, Dra. Ulla Holmquist, do Museo
Larco (comunicao pessoal, Outubro 2012), as informaes contidas no
catlogo, bem como a classificao das peas foi compilada das anotaes

129

feitas pelo prprio arquelogo Rafael Larco Hoyle na poca da aquisio


dessas peas136.
Essas especificidades no gargalo e na borda, bem como elementos
como os apliques laterais no bojo (imagens 226 e 228) e o elemento do aplique
escalonado no gargalo borda (imagem 226) teriam sido as razes para a
classificao de Rafael Larco Hoyle? Teriam essas peas sido produzidas assim
devido influncia da dominao Inca, e logo elas devem estar no grupo de
atribuio estilstica Inca-Local (Inca-Chim) e no no grupo cultural Chim
que supostamente se sustenta apenas na sua prpria identidade local,
independentemente das questes relacionadas a mudanas no mbito poltico?
O gargalo cilndrico e a borda reta encontrados nas fases III at V da
cermica Mochica (com ressalvas) e posteriormente em Chim, entendidas
como padro ou tradio na longa durao so obrigatoriamente o nico
elemento que se pode esperar da produo local? Um elemento que se
diferencia do padro da longa durao necessariamente deve ser entendido
como intrusivo? A intruso resultado de um modelo estrangeiro ou de uma
inveno a nvel local por questes contextuais especficas (as quais perdemos
de vista pela limitao dos mtodos e dos prprios dados de pesquisa)?
Os Chim, como apontado no primeiro captulo tambm dominaram
um vasto territrio que apesar do desenvolvimento cultural regional apresenta
populaes que possivelmente, tambm tiveram sua autonomia poltica
expressa na sua cultura material antes da submisso aos senhores de Chan
Chan137. Logo, buscar a continuidade regional uma questo puramente de
identidade ou uma questo poltica para definir uma identidade que d conta
desse contexto de complexidade?
Quando os Mochicas resgatam grande parte da tradio chavinide de
Cupisnique, eles fazem por que necessitam se diferenciar de outros? Se o
objetivo era estabelecer o que Mochica e no Mochica, porque ento a nova

136

Infelizmente as anotaes no continham dados de provenincia do contexto de escavao


das peas, relatando a sua origem ou sua relao com outros objetos associados.
137
Em alguns casos, mesmo com a dominao, as relaes de poder podem ter resultado
tambm na flexibilizao e consequente manuteno de parte da autonomia poltica dos
subordinados.

130

tradio se espalhou por diversos territrios de formas distintas, estabelecendo


o que atualmente entendemos como Mochica Norte e Mochica Sul? Alm
disso, esses dois grupos norte e sul contemplam ainda outros estilos que
sugerem uma mescla de atributos Mochica com estilos locais e
consequentemente especificidades em alguns stios arqueolgicos.
Entendemos que talvez as imagens do anexo 50 tenham sido
classificadas como Inca devido borda extrovertida muito caracterstica do
estilo Inca-Cusco do perodo de expanso. Por outro lado, ela apresenta em sua
totalidade caractersticas correspondentes ao estilo Chim (com atributos
tradicionais da Costa Norte na longa durao), como ala estribo, apliques
escultricos na ala/gargalo e no bojo, forma do bojo globular, base convexa,
tcnica de queima de redutora, tcnica de reproduo iconogrfica estampada
e especialmente pela prpria representao iconogrfica da figura de toucado
semilunar representada no bojo, entendida por ns como uma expresso do
poder Chim na Costa Norte.
As peas, portanto, expressam mais sobre a tradio da Costa Norte
anterior ao Inca. O que poderia significar? Resistncia durante a dominao
Inca? Flexibilidade do governo Inca ou do sistema ritual estatal em algum
momento permitindo a representao de figuras de poder da elite local?
Reproduzir uma sntese cultural Inca no topo da vasilha que expressa a
complexidade das relaes de poder sem necessariamente apagar a imagem da
figura que remete ao poder Chim? Ou a borda extrovertida pode ser
interpretada como uma escolha do arteso para dar um toque diferenciado na
tradio Pr-Inca?
Alm disso, sob o nosso olhar a prpria complexidade das relaes
sociais reflete essa variabilidade da produo material que dificulta o trabalho
dos pesquisadores, especialmente em perodos histricos em que a cultura
material indica um claro rompimento de fronteiras tanto do ponto de vista
territorial como sociocultural. Questionamos, portanto, como se d a relao
centro e periferia nesse contexto especfico de dominao territorial.
Em um primeiro momento ns no espervamos encontrar peas que
podem ser atribudas ao perodo de dominao Inca que expressem
131

figurativamente de forma to explcita o poder local. No entanto, como vimos,


foram encontradas em alguns poucos arbalos e outros aribalides totalizando
uma quantidade inferior a vinte peas dentro de uma amostragem superior a
quatro mil e duzentas. A anlise quantitativa do Grupo 1.A Inca em relao ao
Grupo 1.A Chim mostra uma tendncia a reduo, e consequentemente nos
faz questionar se por serem poucos, esses arbalos so uma exceo, peas
dentro de um contexto ou momento muito especfico durante a relao de poder
entre as elites Chim e Inca.

Grupo 1.B: Figuras com atributos sobrenaturais

Este grupo compe-se de dois conjuntos: em um deles aparece, em


destaque, o Animal Lunar que, conforme j observado, exerce um importante
papel na cosmologia Moche e segue representado na iconografia da Costa
Norte do Intermedirio Tardio. O segundo conjunto formado pelas poucas
peas que encontramos associadas ao estilo Inca e Inca da Costa Norte que
representam a figura do milho antropofitomorfo, como visto bastante
recorrente na iconografia Pr-Inca da Costa Norte.

1- O Animal Lunar no Horizonte Tardio

O Animal Lunar permanece sendo representado na iconografia da


cermica da Costa Norte de estilo Inca no Horizonte Tardio. Carol Mackey
afirma que O Animal Lunar mudou muito pouco durante o desenvolvimento
da cultura Chim e continuou, durante o perodo Inca, com as mesmas
caractersticas (Mackey 2000: 150). No entanto, em nossa anlise, como
podemos ver nos anexos 51 e 51.1, o Animal Lunar aparece nas representaes
do estilo Inca da Costa Norte com caractersticas mais zoomrficas e ausente de
seus atributos sobrenaturais, como a cauda em forma de borla e a lngua
proeminente. Alm disso, o que nos parece mais significativo a ausncia de
seu toucado semilunar na maioria das representaes.
132

Ainda segundo Mackey, o toucado um smbolo que lhe confere o status


divino dentre as figuras principais da iconografia Chim (Mackey 2009: 119).
Na nossa interpretao, o toucado tambm o que o aproxima ainda mais (a
simbologia do animal) da figura principal Chim de Toucado Semilunar. No
entanto, encontramos excees (anexos 51.2 e 51.3) em um par de taas
cermicas da coleo do Museo Brunning (figuras 237 e 238), em outra taa do
Museo Larco (figuras 239 e 240), bem como em duas vasilhas de bojo duplo
(anexo 51.3), esses tambm pertencentes ao Museo Larco todas elas peas
atribudas no catlogo dos museus ao perodo Inca. As peas do Museo
Brunning apresentam o Animal Lunar na frente e no verso do bojo, mas apenas
um deles porta o toucado (figura 238). No Museo Cassinelli observamos dois
pares de taas semelhantes, onde o animal representado exclusivamente sem
o toucado (anexo 51 figura 230 e anexo 51.1 figura 235). No tivemos acesso
ao contexto de escavao ou de provenincia desses pares de taas. Nos museus,
esse tipo de taa comumente atribudo ao estilo Inca-Chim.
Em alguns casos (figuras 234, 240, 242 e 244) pode-se constatar a
presena da cauda em forma de borla ou da lngua proeminente. Nas peas do
Museo Larco (anexo 51.3), o animal pode ser visto com todos os seus atributos
originais (toucado, cauda e lngua).
Outro dado interessante, recuperado na nossa amostragem referente s
figuras 231 e 232 a presena de zoomorfos felinos e macacos nos gargalos da
pea em que o animal lunar representado nos bojos (anexo 51). Os felinos
sobem no gargalo e o macaco aparece olhando para baixo ou mesmo descendo.
Nas figuras 233 e 234, em que o animal lunar representado nos bojos, apenas
um felino est no topo do gargalo. Os mesmos motivos geomtricos tambm
aparecem nos bojos das vasilhas 231 e 233.
Na iconografia Mochica, os traos do Animal Lunar variam, mas o
conjunto de representaes sugere uma mescla de atributos de diversos outros
animais, que conferem a ele um aspecto sobrenatural. Na iconografia Chim
e Lambayeque do Perodo Tardio, a representao do Animal Lunar passa a ser
cada vez mais estilizada e seus atributos sobrenaturais, geralmente
observados nas representaes de cauda e focinho, no so sempre evidentes. J
o toucado semilunar, que sempre aparece na cermica Chim e Lambayeque,
parece desaparecer nos artefatos do perodo Inca. Especialmente na iconografia
133

do Horizonte Tardio, com os traos cada vez menos sobrenaturais, difcil ter
certeza se o animal representado realmente o Animal Lunar (mtico). De toda
forma, a representao do Animal Lunar com seu toucado nas taas um
exemplo da permanncia desta figura tradicionalmente reproduzida, desde o
perodo Moche, no Horizonte Tardio.

2- Conjunto Milho Antropomorfo

So poucas as peas referentes ao Horizonte Tardio que representam


uma figura antropofitomorfa relacionada ao milho (anexo 52). Essas, mantm
em alguns casos os mesmos padres iconogrficos descritos para essa figura na
iconografia Chim (anexo 16). Inclumos neste conjunto um arbalo do Museo
Inka de Cusco (imagem 246 do anexo 52) que representa plantas de milho, no
qual o aplique no centro superior do bojo encontra-se logo acima no topo de
uma das plantas representadas na parte frontal da vasilha.
Analisado o Grupo 1.B referente ao Horizonte Tardio, constatamos que
independentemente das continuidade culturais a nvel local, quando comparado
ao Grupo 1.B Chim-Lambayeque. No Horizonte Tardio esses so os dois
nicos conjuntos da cermica incaica que apresentam figuras que remetem
tradio mtica em contraponto cermica pr-incaica que tradicionalmente
representa grande diversidade de figuras e temas associados esfera mtica.

Grupo 1.C: Figuras zoomorfas com Atributos de Poder


Na iconografia de peas do Horizonte Tardio analisadas neste trabalho
no foram encontradas figuras zoomorfas que se encaixam nessa categoria.

Grupo 2.A: Antropomorfos com atributos especficos

O Grupo 2.A Inca da Costa Norte apresenta uma variao de conjuntos


estabelecidos atravs de uma tipologia de toucados, como foi feito para a
iconografia Chim. Alguns dos conjuntos que foram estabelecidos para Chim
134

no aparecem na iconografia do perodo Inca que, por sua vez, apresenta a


recorrncia de algumas figuras novas.

1- Figuras de Toucado Tipo 1 Inca: Pescadores no Horizonte Tardio

Como visto, as figuras com o toucado/cabelo tipo A do estilo Chim,


comumente relacionadas aos temas da pesca e da balsa de totora, continuam
sendo representadas em peas de cermica atribudas ao Horizonte Tardio
(anexo 53 e 53.1). As figuras no apresentam diferenas significativas em seus
atributos e continuam predominantemente atribudas mesma temtica marinha
e em atividades cotidianas. Da mesma forma que para a iconografia Chim e
Lambayeque, difcil afirmar se as figuras correspondem a um personagem
mtico ou a um grupo especfico dentro da sociedade (grupo tnico, classe
social, oficio especializado, entre outras possibilidades). Parece, no
corresponderem a uma figura especfica j que aparecem em alguns temas de
supostos duelos, como apresentado no grupo Chim. No Horizonte Tardio,
essas figuras continuam sendo representadas apenas com seu toucado distintivo,
destitudas de outros atributos de poder que indicariam status social elevado.
Tambm no foram encontradas peas que apresentem o tema dos duelos.
Jorge Hidalgo afirma que entre os Yungas existiam relaes recprocas de
complementaridade entre grupos pescadores e agricultores; Rostworowski, com
base nos dados das costas Norte e Central do Peru, prope um predomnio do
setor agrcola sobre o pesqueiro nos padres de assentamento e sustenta ainda
que os pescadores tinham os seus prprios senhores, mesmo estando
subordinados aos curacas principais dos vales (Rostworowski 1986 apud
Hidalgo 2009: 151).
Nesse sentido, talvez as figuras com toucado associado aos pescadores
possam ter relao com figuras de chefia. A intensificao da reproduo dessas
e outras figuras de atributos mais simples no estilo Inca-Chim, em detrimento
da reproduo das principais figuras da iconografia Chim tardia como a
figura de toucado semilunar que aparece relacionada agricultura e ao domnio
de alguns mbitos do mundo marinho talvez seja uma consequncia das
mudanas nas estruturas de poder local implementadas pelos Incas. Ainda
135

assim, apenas com base nos dados iconogrficos difcil propor que a
representao dos pescadores nos estilos Chim e Inca-Chim certamente
corresponda a figuras de poder e que a sua recorrncia no perodo Inca seja
consequncia direta de um desequilbrio das relaes de poder em nvel local.

2- Figura de Toucado Tipo 2 Inca

O conjunto foi formado por figuras que apresentam um toucado que


lembra um tipo de capacete, em algumas ocasies representando um felino
(anexo 54 figura 258). Essas figuras, em geral, so representadas sem um tema
especfico, como pode ser visto nas imagens. No entanto, uma nica pea
representa a figura tocando um instrumento sonoro de sopro (figura 256).

3- Figura de Toucado Tipo 3 Inca

Essa figura bem recorrente na iconografia da Costa Norte do Horizonte


Tardio e se caracteriza por um tipo particular de toucado (anexo 55 e 55.1). Em
geral, o toucado e um taparrabo caracterizam seus atributos. No entanto, como
pode ser visto nas imagens 260 e 261, a figura parece apresentar uma narigueira.
As temticas em que essa figura aparece so diversificadas: na pea da
figura 262 ela aparece tocando instrumentos musicais; j na pea da foto 264,
pode-se observar a figura deitada segurando um machado de haste. A mesma
figura vista associada a um cameldio (figura 259). Em uma outra situao
(anexo 56 figura 268), ela aparece dentro de um arbalo com uma extremidade
perfurada que levada boca de uma outra figura que ser apresentada no
prximo conjunto.

4- Figura de Toucado Tipo 4 Inca

A figura representada nesse conjunto (anexo 56) comum apenas ao


Horizonte Tardio e no foi encontrada em peas associadas ao perodo PrIncaico. A figura antropomorfa, apesar de apresentar, em algumas situaes,
136

traos zoomorfos (figuras 266 e 267). A figura representada em temticas


simples, tambm associada a outras figuras. Na imagem 252 do anexo 53, a
figura est agarrada cabea da figura de toucado Tipo 1 deitada sobre uma
balsa de totora. Destacamos as imagens 267 e 268 onde a figura parece beber
de um arbalo com outra figura dentro (ato cerimonial?).

5- Figura de Toucado Tipo 5

A figura deste conjunto (anexo 57) representada sentada em todas as


peas. Utiliza uma tnica com atributos geomtricos em alguns casos (figuras
269 e 271). Se caracteriza por seu toucado cnico que lembra um elmo de
guerra. Na imagem 271, seu rosto parece estar pintado, carrega um arbalo nas
costas e segura um copo.

6- Figura de Toucado Tipo 6 Inca

Este conjunto se caracteriza por figuras que utilizam uma espcie de


turbante (anexo 58). Nas peas analisadas a figura aparece associada a trs
temas especficos: a balsa de totora (figura 275), tecelagem (figura 273) e
tocando instrumentos musicais (figura 274). Destacamos a pea 272, onde a
figura antropomorfa aparece associada a um crustceo, a nica representao
encontrada de antropomorfos associados a crustceos no estilo do Horizonte
Tardio.

7- Figura de Toucado Tipo 7 Inca

A figura representada neste conjunto apresenta um tipo de toucado


muito peculiar (anexo 59). Na pea da imagem 278 ela aparece tocando um
tambor e tem um macaco agarrado sua cabea. Na pea da imagem 277, a
figura est associada a alguma prtica cotidiana relacionada com potes de

137

cermica. A ltima temtica em que representada, junto a outra figura, ela


carrega o que parece ser um fardo funerrio (figura 276).

8- Figura de Toucado Tipo 8

Apenas uma pea, anexo 60, foi encontrada com este toucado muito
caracterstico em forma de cabea zoomorfa (possivelmente uma raposa). A
figura carrega uma bolsa e acompanhada de outra figura antropomorfa tocando
tambor e instrumento de sopro. Ambas so ligadas pela ala da vasilha.

9- Figuras com Toucado/Gargalo

O conjunto consiste de peas que foram encontradas onde o toucado


parece ser complementado pelo prprio gargalo da vasilha (anexo 61).

10- Conjunto dos rostos aribalides da Costa Norte

O ltimo conjunto pertencente ao Grupo 2.A o mais recorrente de toda


a amostragem (anexo 62). Os objetos variam em tamanho de aproximadamente
10 e 20 cm de altura, sua base segue o padro Chim do pedestal convexo.
Apresentam o bojo escultrico de um rosto antropomorfo ligado ao gargalo que
na maioria dos casos termina em uma borda extrovertida alargada (tpica dos
arbalos). As orelhas da figura antropomorfa na lateral lembram imediatamente
as alas laterais tpicas dos arbalos cusquenhos.
O rosto antropomorfo representado com os dentes mostra e a boca
fechada. A figura veste um toucado estilo gorro, tpico da regio serrana. No
toucado, em todos os casos em que foi possvel observar (devido ao estado de
conservao das peas), identificamos a recorrncia de um padro geomtrico
escalonado espelhado com crculos (figura 285). Alm disso, em todas as peas
pudemos constatar uma pequena protuberncia na bochecha direita da figura,
que possivelmente sugere que a mesma estaria mascando coca (atributo
reconhecvel em muitas peas escultricas do perodo Mochica).

138

Em nenhuma das peas pudemos reconhecer outros atributos de poder,


como, por exemplo, orelheiras circulares. O conjunto, de certa forma, expressa
a continuidade da tradio Mochica em representar rostos, como os huaco
retratos. Porm, os exemplares Mochicas tendem a representar indivduos com
toucados elaborados e s vezes orelheiras, dando destaque s representaes de
figuras de elevado status social. Dessa forma, difcil precisar se os rostos
aribalides do Horizonte Tardio representam figuras de poder. Ainda assim, no
deixam de revelar, devido ao toucado, a nfase dada a uma figura associada s
culturas serranas.

Grupo 2.B: Outras figuras antropomorfas sem atributos definidos

O grupo foi estabelecido a partir de subgrupos com base nas


similaridades encontradas em algumas peas que formaram conjuntos
especficos. Em geral, essas peas se caracterizam pela falta de atributos de
poder reconhecveis. Algumas apresentam pinturas faciais e uma pea particular
apresenta um grupo de figuras antropomorfas associadas a instrumentos
relacionados agricultura (possivelmente uma pea Colonial).
1- Agricultores Inca

Na coleo pertencente ao Museo Larco, a pea do anexo 63 apresenta


uma cena pintada de figuras antropomorfas associadas a um arbalo, ferramentas
utilizadas para a agricultura e plantas de milho. As figuras utilizam tnicas
simples e no apresentam atributos de poder.
2- Conjunto rostos no gargalo com pintura facial

Os arbalos e vasilhas dos estilos Inca-Cusco e Inca-Provincial de bojo


aribalide muitas vezes apresentam rostos antropomorfos no gargalo sem
atributos de poder evidentes (anexos 64 at 64.3), como toucados especficos ou
orelheiras. Rostos no gargalo so recorrentes em Cusco e na Costa Norte ao
menos desde o Horizonte Mdio.
139

O tipo de pintura facial visto nas figuras 292, 293 e 298 muito
recorrente no estilo Inca de Cusco. De acordo com a interpretao de Jenaro
Fernndez Baca, o motivo poderia ser associado aos Quipus e as figuras
representariam mulheres (pela presena de tranas em alguns exemplares
como nas imagens 292 a 297) Quipucamayocs, especialistas na confeco e
leitura dos Quipus (Fernandez 1973: 23)138. Ademais deste tipo, foram
encontradas outras peas do estilo Inca da Costa Norte com pinturas faciais
diversas como visto nas restantes imagens.

3- Conjunto rostos no gargalo sem pintura

O conjunto de rostos no gargalo tambm apresentam a variao, mais


recorrente, sem pintura facial (anexos 65 e 65.1). Os padres de representao
desse estilo na Costa Norte tambm definido pela falta de atributos de poder
evidentes em todas as peas que foram observadas durante a pesquisa.

4-

Outros exemplos para o Grupo 2.B

No anexo 66 colocamos alguns outros exemplos de figuras


antropomorfas sem atributos bem definidos as quais nos deparamos durante a
pesquisa.

Comparao das figuras de poder e antropomorfos da iconografia da Costa


Norte Inca e Pr-Inca

O resultado da anlise estabelece uma frequncia muita baixa da


representao de figuras antropomorfas na iconografia Inca. Em detrimento dos
grupos de vasilhas com ala estribo e das peas que no apresentam atributos
diagnsticos suficientes para sua filiao estilstica, o foco se manteve nas
representaes dos grupos morfolgicos de referncia com base nos extremos
138

Em nossa interpretao no h evidencias suficientes para confirmar essa hiptese.

140

conhecidos de Rowe. A partir desses, foi possvel constatar que, apesar de as


figuras antropomorfas aparecerem no Horizonte Tardio, em peas de morfologia
Inca Local, sua frequncia reduzida e a representao tende, aparentemente,
abstrao. Em alguns casos elas so destitudas dos toucados.
Outro exemplo pode ser visto em uma vasilha do Museo Chileno de Arte
Precolombino que representa um grande felino escultrico agarrando, junto ao
corpo, uma cabea/mscara com os atributos do rosto do Huaco Rey (anexo 67),
portando um toucado simples (e portanto destitudo do seu toucado emplumado
semilunar). Alm disso, essas figuras no aparecem associadas s figuras
zoomorfas dos macacos, aves guaneras e outros animais marinhos. Apenas em
um conjunto especfico dessas vasilhas elas aparecem associadas
representao dos felinos, algo que no foi constatado nos exemplares atribudos
estilisticamente ao perodo Pr-Inca.

Relaes comparativas (tabela figuras de poder): Inca e Pr-Inca na Costa Norte

Em suma, a tabela abaixo demonstra a recorrncia das figuras de poder


e de outras figuras antropomorfas em cada grupo de representao estabelecido
nesta anlise, comparando suas frequncias nos estilos do Intermedirio Tardio
e o Horizonte Tardio na Costa Norte:
Grupo 1
Perodo

Grupo 2

Grupo
1.A

Grupo
1.B

Grupo
1.C

Grupo
2.A

Grupo
2.B

Costa Norte
Tardia
Pr-Inca

Alta

Alta

Baixa

Mdia

Mdia

Costa Norte
Inca

Baixa

Baixa

Inexistente

Mdia

Mdia

Tabela comparativa da proporo de figuras antropomorfas da Costa Norte nos estilos


associados aos perodos Pr-Inca e Inca. A frequncia foi estabelecida pela mdia da
representao em relao ao conjunto total de peas.

141

Com base nos resultados acima apresentados, a partir do estudo dos


conjuntos cermicos observados por critrios estilsticos, os dados obtidos
sugerem uma reduo significativa da representao das figuras de poder do
Grupo 1 no Horizonte Tardio quando comparado ao antecedente local Pr-Inca.
Por outro lado, a presena das figuras de poder do Grupo 2 no perodo de
dominao Inca da Costa Norte sugere continuidade de temticas relevantes do
repertrio iconogrfico local, tradicionalmente mantidas na produo cermica
desde, ao menos, o perodo Mochica. Por fim, a introduo de novos
personagens tais como os rostos aribalides e outros que apresentam toucados
tipicamente serranos indicam a nfase do repertrio iconogrfico costeiro desse
perodo em representar as tradies culturais e mesmo as relaes sociais e de
poder trazidas com a expanso do Tahuantinsuyu Costa Norte. Inclusive,
talvez, essas representaes possam ter relao com a chegada de grupos de
mitimaes trazidos pelos Incas de outras regies pertencentes ao seu domnio
territorial.

142

CAPTULO IV:
A guerra dos Chancas, o culto ancestral e a religio oficial do
Estado

Geoffrey W. Conrad & Arthur A. Demarest (1998) definem Religio


como uma ideologia religiosa particular, baseada em crenas especficas, com
sua apresentao de forma padronizada e geralmente organizada dentro de
estruturas institucionais139. Afirmam que a religio e os pensamentos polticos
e ideolgicos no esto separados no caso das sociedades amerndias prcolombianas. Separ-los em categorias distintas ou analis-las de maneira
fragmentria resultaria em interpretaes tendenciosas das prticas rituais dos
povos amerndios, pautadas pelas caractersticas ideolgicas do pensamento
ocidental contemporneo (Conrad & Demarest 1998: 5)140.
Como demonstra o texto Life, Death and Ancestors (De Leonardis &
Lau, 2004), o culto ancestral uma instituio cultural tradicional em todo os
Andes Centrais, que remonta ao Perodo Inicial como um regulador das prticas
sociais e polticas. No Perodo Tardio, a manipulao de preceitos religiosos
como o culto ancestral criou a presso necessria para a expanso territorial em
ambos os Estados Chim e Inca (Conrad & Demarest 1998: 91). O culto
ancestral funcionou como uma instituio conservativa, que reforou as
tradies sociopolticas pr-estabelecidas como forma de legitimao da
sucesso poltica (DeLeonardis & Lau 2004: 79). a partir da lgica de
sucesso das panacas no modelo de herana dividida (Split inheritance), que
Chims e Incas cada um a seu modo impulsionam o carter expansivo de
seus Estados. A busca por propriedades se torna cada vez mais intensa por
parte das novas geraes de governantes para suprir as demandas da nova
panaca constituda e criar e renovar laos de reciprocidade. Nesse sentido, os
139

Cabe ressaltar que no estamos argumentando sobre a religiosidade das sociedades em


questo, ou seja no mbito das crenas e da f. Falamos apenas da influncia da esfera da
religio, em seu carter institucional, na organizao sociopoltica e econmica.
140
Neste captulo no vamos discutir os conceitos tericos apresentados. Faremos uma breve
sntese da historiografia acerca da religio incaica para logo apresentar de maneira sinttica os
dados contidos nos documentos coloniais que relacionam aspectos da religio oficial e da
expanso militar do Estado.

143

mortos tomavam posse das melhores terras o que culminou na crise


econmica e posteriormente na crise poltica em que Huascar ameaou diminuir
o poder das panacas e do culto ancestral.
Parte significativa da historiografia sobre o perodo de hegemonia Inca
aponta um modelo de Estado, no qual o Sapa Inca era considerado um ser
divino, mediador das relaes entre o mundo natural e sobrenatural. Outra
figura importante na organizao hierrquica da religio estatal era o Alto
Sacerdote do Sol. Importante, no apenas pelas questes cerimoniais e
religiosas, mas tambm por seu papel poltico; ele era responsvel por confirmar
a sucesso do Sapa Inca, em nome do Sol. De acordo com algumas crnicas, o
cargo de Alto Sacerdote do Sol teria sido criado durante o reinado de
Pachactec141. A oscilao nas estruturas de poder do Tahuantinsuyu, em
algumas situaes, culminou na centralizao do cargo na figura do Sapa Inca.
Huayna Capac em seu reinado teria deposto o Alto Sacerdote assumindo o cargo
para si prprio. Da mesma maneira, Titu Cusi Yupanqui, durante a resistncia
de Vilcabamba em 1560, tambm teria assumido esse cargo (D`Altroy 2011:
99).
Segundo D`Altroy (2011), em 1532 o culto divindade Solar (Inti)
superava todos os outros cultos juntos. Apesar da longa tradio Andina de culto
ao Sol, foram os Incas que concentraram praticamente toda a ateno
observao do astro. Os mitos de origem e de criao incaicos142, como
demonstram os trabalhos de Gary Urton (1990, 1999), funcionam como um
meio de legitimidade centrado na figura da divindade solar, parte de um
complexo discurso ideolgico que remete s discusses apresentadas no
primeiro captulo dessa dissertao. Algumas das crnicas, como veremos a
seguir, atribuem ao Inca Pachactec a intensificao do culto ao Sol, enquanto
outros relatos o identificam ao reinado do Inca Huiracocha. Em The history of

141

Em alguns contextos o Alto Sacerdote assume funes guerreiras, como no caso da guerra
entre Huascar e Atahualpa, e no governo ttere de Manco Inca, no qual o alto sacerdote do Sol
tinha funes militares como um general guerreiro.
142
Subentende-se aqueles que constituem as narrativas tardias que sinteticamente explicam a
origem dos incas ao mesmo tempo em que justificam o status quo das elites do Tahuantinsuyu
diante dos cronistas espanhis; mitos que podem ter sido manipulados do ponto de vista poltico
para compreender a complexidade social incaica. Aqui no vamos apresentar os mitos ou
interpret-los, apenas ressaltamos a sua importncia no processo de construo, via-de-regra,
manuteno da ideologia propagada pelo Estado.

144

the Incas, Alfred Mtraux refora a importncia do culto ao Sol para a


legitimidade supra-natural do poder Incaico, ao afirmar que o ingrediente chefe
da religio era o culto ao sol. Inti, o Sol, ancestral da dinastia, tornou-se o deus
imperial. Seu poder celestial era a contrapartida do governo do Sapa Inca na
terra. O autor ainda sustenta que foi por motivos polticos, tanto como pios,
que os Incas ergueram templos a Inti em todos os territrios conquistados
(Mtraux 1969: 121).
O grande templo de Coricancha, onde se rendia culto ao deus
Huiracocha, Inti (o Sol), Qilla (a Lua) e Qoyllur (as estrelas), talvez seja o maior
exemplo da importncia dada ao ouro e prata nos rituais incaicos. O grande
templo tinha o santurio principal dedicado a Inti, com todas as paredes cobertas
de ouro; no altar estava a figura do Sol, feita com uma grossa prancha de ouro
(Lumbreras 1969: 317). Esses dados contidos na bibliografia clssica sobre a
temtica sugerem que os Incas tentaram, por meio da elevao da importncia
da divindade solar e sua associao com a figura do Sapa Inca (considerado o
filho de Inti), assegurar sua soberania. O governante atua em um papel central
na religio oficial do Estado, logo que, quando o povo adora a divindade
ancestral, venera o seu soberano e vice-versa.
A divindade solar apresenta inmeros aspectos na cultura material
incaica, assumindo diferentes formas, em diversos contextos (Conrad &
Demarest 1998: 107-109). um ser masculino, representado como um disco de
ouro (Lumbreras 1969: 317). Outras vezes representado como um menino,
uma esttua dourada chamada Punchao Inti tambm descrito com raios saindo
de sua cabea, orelheiras e peitoral dourados, e serpentes e pumas constituindo
seu corpo. Era considerado uma divindade guerreira e fertilizadora. Patrono das
conquistas, era tambm venerado para garantir o sucesso nas campanhas de
guerra, bem como nas colheitas. Em todas as provncias havia templos
dedicados ao culto solar e as terras de cultivo e os rebanhos eram oferecidos
exclusivamente ao servio dessa divindade (D`Altroy 2011: 147-148).
Festividades, cultos e rituais programados precisamente no calendrio
ritual denotam o carter institucional do culto oficial Inca. O sistema de

145

ceques143 de Cusco, bem como rituais trans-regionais, como Capacocha,


narrados na crnica do padre Bernab Cobo e discutidos nos trabalhos de Tom
Zuidema (1964, 1983) e Brian Bauer (1998), reforam o carter integrativo da
religio oficial do Estado, em relao aos diversos grupos de parentesco ou
de linhagens nas relaes centro e periferia do Tahuantinsuyu. No entanto, a
existncia do culto solar e da ideologia do Estado no significa que foi uma
religio popular. Em muitos lugares era desconhecida e sua presena no era
bem vinda. A religio estatal operou no sistema ideolgico como um
instrumento poltico, o que justifica o culto ao Sol dissolver-se rapidamente,
com o colapso do Estado Inca, logo aps a conquista espanhola (D`Altroy
2011: 175).
Entendidos dessa forma, o culto ancestral, a religio oficial do Estado
e a guerra operaram como uma ferramenta nica, sistema que possibilitou a
expanso do domnio Inca, respaldada em uma complexa ideologia
religiosa/poltica/social que visa a expanso e subsequente controle dos cultos
religiosos nas mos das elites cusquenhas.

O papel das guerras e a ascenso da elite guerreira para o desenvolvimento do


Estado

Durante o perodo pr-estatal ou pr-imperial os conflitos militares


parecem ter sido frequentes, tendo em vista a obteno de butins e o controle da
fora de trabalho. As narrativas [etnohistricas] sugerem que o clima poltico
premiou [promoveu] os lderes militares que pudessem garantir a segurana e
os esplios e [possibilitando] que os senhores da guerra e seus partidrios se
beneficiassem da guerra predatria. Com cada sucesso, a guerra poderia ter
aumentado a concentrao de poder nas mos de poucas famlias [ou

143

O sistema de ceques se constitui pela suposta organizaao hierrquica de diversas Huacas da


regio de Cusco em linhas imaginrias que integram o sistema cerimonial de todo o
Tahuantinsuyu. Brian Bauer define que os ceques teriam funcionado como marcadores de
fronteira entre os ayllus e as panacas cusquenhas (Bauer 1998 : 160).

146

linhagens] (D`Altroy 2011: 61).144 Mudanas no mbito social e poltico


desencadearam conflitos internos de distintas faces.
As reformas associadas ao Inca Pachactec compreendem, portanto,
mudanas no mbito da organizao sociopoltica cusquenha, com base nas
antigas estruturas. O novo paradigma da guerra de conquista se iniciou, durante
a expanso Inca, aps a guerra contra os Chancas. A vitria sobre os Chancas
conferiu prestgio ao sucessor do trono do Sapa Inca, e s faces que o
apoiavam (Conrad & Demarest 1998: 112-113). A aclamao do novo soberano
integrou ao poder uma nova faco, formada por grupos polticos associados
aos vencedores da guerra contra os Chancas.
Assim, ocorreram mudanas profundas na sociedade a partir da
reorganizao de estruturas compartilhadas pelos Incas e povos conquistados,
em geral possibilitando um novo modelo de expanso e domnio dentro dos
moldes Andinos de relaes de poder. A inovao, de acordo com Conrad e
Demarest est na renovao do modelo do culto ancestral relacionado s
linhagens reais (Conrad & Demarest 1998: 113).
A ascenso social e o prestgio foram regulados pela guerra e, ao
contrrio, os que no se provavam aptos para guerra perdiam prestgio (Conrad
& Demarest 1998:123-124). De acordo com o padre Bernab Cobo, os Incas
costumavam recompensar e promover aqueles que se distinguiam na guerra
(Cobo 1983 [1653]: 210). Em sua narrativa, Cobo afirma tambm que a
continuidade das guerras de Huiracocha Inca eram o desejo dos soldados, que
muito prosperavam com a prtica (Cobo 1983 [1653]: 131). Dessa forma, as
guerras tiveram um papel central para o desenvolvimento do Estado Inca e
com isso, os grupos guerreiros receberam cada vez mais prestgio poltico dentro
da dinastia.

The narratives suggest that the political climate put a premium on military leaders who
could deliver security and spoils and that the warlords and their adherents benefited especially
from predatory warfare. With each success, war may have increasingly concentrated power in
the hands of a few families (D`Altroy 2011: 61).
144

147

Sobre a guerra dos Chancas

O episdio da guerra dos Chancas recordado na histria Inca como o


marco para o incio da denominada fase imperial. Em geral a historiografia
associa a guerra vitria de Pachactec Inca Yupanqui que defendeu Cusco dos
invasores Chancas, aps o abandono do Sapa Inca Huiracocha. No entanto,
quando comparados os relatos de diversos cronistas, percebemos contradies
nas verses apresentadas.
Segundo o cronista Garsilaso de La vega, o Inca Yhuar Hucac no
teve costume de participar de combates e fez poucas conquistas; o mesmo dito
pelo cronista Juan Santa Cruz Pachacuti (Pachacuti 1995 [1630]: 55-57).
Yhuar Hucac havia banido e exilado o seu primognito por sua m conduta,
para viver entre os pastores, em Chita. Ao adormecer no pasto, o jovem prncipe
teria sido visitado por uma figura que dizia ser Huiracocha, filho do Sol, parente
do Rey e que vinha alertar sobre a sublevao e posterior invaso Chanca (e que
era dever do prncipe avisar ao governante). A apario aconselhou ao jovem a
lutar, pois ele enviaria socorro ao prncipe (De La Vega 2004 [1608]: 304-313).
J o padre Bernab Cobo, na sua narrativa da histria dos Incas (que teve
como fonte, entre outros, a obra de Garsilaso de La Veja), repete a verso de
Garsilaso de que a guerra dos Chancas teria acontecido durante o reinado do
Inca Yhuar Hucac. O exilado Huiracocha Inca teria retornado e assumido a
defesa da cidade. Cobo afirma que os Chancas teriam sido previamente
vassalos, conquistados pelos Incas, e que logo em seguida teriam se rebelado e
executado o governador local indicado pelo Inca, formando um grande exrcito,
de aproximadamente trinta mil homens. Huiracocha Inca teria retornado a
Cusco para defender a cidade que havia sido abandonada por seu pai. Durante a
batalha, recebeu apoio de seus aliados do Cuntisuyu, supostamente enviados
pelo fantasma (De La Vega 2004 [1608]: 352-369). Aps a vitria na batalha
o prncipe assume o nome Huiracocha Inca145:

145

Sabendo da batalha, segundo Garsilaso muitos camponeses da regio juntavam-se s tropas


do inca no meio da luta, o que posteriormente gerou o mito de que as pedras e matas se
convertiam em homens por ordem do Sol e do deus Huiracocha.

148

[] declaro a sus soldados que no haban sido ellos los que


haban vencido, sino ciertos hombres barbudos que el
Viracocha le haba enviado, y que nadie pudo verlos sino l,
y que stos se haban despus convertido en piedras [] y
stas llamaban los pururaucas [] (De La vega 2004 [1608]:
357).

Na narrativa de Garsilaso o Sapa Inca Yhuar Hucac, acaba cedendo


s demandas da corte e consentindo a sucesso de Huiracocha Inca que, apesar
de carregar a insgnia real de poder (borla), nunca consentiu que seu pai retirasse
a sua. (De La Vega 2004 [1608]: 352-369).
Esse prncipe Huiracocha teria assumido o nome da divindade por ter
sido visitado em seu exlio pelo deus que lhe havia dito, naquela ocasio, que
apesar de ser o senhor universal e criador de todas as coisas os ndios no o
veneravam e honravam como deveriam. Reverenciavam mais ao Sol, Terra, o
Trovo e muitas outras coisas que ele havia criado, as quais no tinham mais
poder do que o que ele lhes havia dado. Com o seu favor e ajuda, o Inca poderia
derrotar seus inimigos e tornar-se o novo senhor. No momento da batalha, a
divindade enviaria seus guerreiros invisveis para lutar ao lado do Inca. Na
narrativa do cronista, o perfil do Inca de um guerreiro preocupado em fazer
novas conquistas e participar de batalhas (Cobo 1983 [1653]: 126-129 e 137).
Cobo ainda ressalta a mudana no regime como um golpe de estado liderado
por um grupo militarista que daria continuidade s guerras, apoiado pelo culto
divindade que garantiu a sua vitria:
O Inca Huiracocha, oitavo rei de Cusco colocou a faixa, o que
era o mesmo que coroar-se rei[...]J que seu pai no foi um
guerreiro, nem tentou conquistar novas terras, Huiracocha
viu os militares desmotivados e em baixa estima; ento seu
primeiro empreendimento foi restaurar sua importncia
oferecendo grandes honras e recompensas a todos que se
alistassem [...] logo um esplendoroso exrcito reuniu-se em
Cusco[...] entre os ndios existe a memria de que Huiracocha
fez guerra contra aqueles senhores porque eles estavam
insatisfeitos em relao ao que ele havia feito ao seu pai ao
tomar-lhe o Reino, e que eles tambm estavam insatisfeitos
que ele havia feito mudanas em assuntos relacionados
religio ao comandar que o deus Huiracocha recebesse
preferncia em relao ao Sol e ao resto das divindades, e eles

149

haviam se queixado sobre isso. (Cobo 1983 [1653]: 130131)146.

Garsilaso, citando o padre Acosta (livro sexto, captulo vinte) afirma:


A este Inca [Huiracocha] le tuvieron a mal que se intitulase
Viracocha, que es el nombre de Dios, y, para excusarse dijo
que el mismo Viracocha, en sueos le haba parecido y
mandado que tomase su nombre. A ste sucedi Pachactec
Inga Yupanqui, que fue muy valeroso conquistador y gran
republicano e inventor de la mayor parte de los ritos y
supersticiones de su idolatria [] (De La Vega 2004 [1608]:
380).

Garsilaso descorda do padre Acosta quanto ao fato de ter sido


Pachactec quem venceu os Chancas e tomou o poder do pai. Na sua verso,
esses foram feitos de Huiracocha Inca. Da mesma forma, o padre Bernab Cobo
assume que foi Huiracocha Inca quem derrotou os Chancas, mas destaca que foi
Pachactec Inca Yupanqui quem, durante o seu reinado, finalmente pacificou
os Chancas, os quais se recusavam a se submeter ao domnio incaico.
Na obra do cronista Juan de Betanzos, Inca Yupanque o responsvel
pela defesa de Cusco. A narrativa contm os mesmos elementos da verso
anterior, o exlio de um jovem prncipe, a fuga do Sapa Inca durante o cerco de
Cusco e o retorno do exilado que busca aliados para combater os Chancas.
Betanzos narra a splica de Yupanque divindade Huiracocha, que o ajuda
enviando guerreiros. O que chama ateno no relato que o Inca Yupanque,
aps a tomada do poder, teria dito que a figura que lhe ofereceu auxlio, que
pensava ser Huiracocha, era na verdade o Sol; por ser a personificao de uma

146

The Inca Huiracocha, eighth king of Cuzco put on the fringe, which was the same as crowing
himself king [] Since his father had not been a warrior, nor had he tried to conquer new lands,
Huiracocha found the military to be very disheartened and held in low steem; so the first thing
that he endeavored to do was to restore its importance by offering great honors and awards to
those who wanted to enlist [] very soon a splendid army was assembled in the city of Cuzco
[] Among the indians there is the recollection that Huiracocha made war on these Lords
because they were unhappy about what he had done to his father when he took the kingdom
away from him, and that they were also unhappy that he had made changes in matters
pertaining to their religion by commanding that the god Huiracocha be given preference over
the Sun and the rest of the gods, and they complained about it. (Cobo 1983 [1653]: 130-131).

150

figura brilhante como o astro. O povo teria assim passado a chamar o Inca de
filho do Sol (Betanzos 1996 [1557]: 29).
O relato tambm conta que Huiracocha Inca, estava triste, invejoso e
com dio do filho, por sua vitria. O Inca se negara a reconhecer a vitria do
filho, a menos que ele permitisse que Inca Urco147 eleito sucessor pelo Sapa
Inca tratasse os esplios de Uscovilca148. Isso sugere que Inca Urco ainda seria
reconhecido como sucessor de Huiracocha Inca, pois ele teria sido o responsvel
por distribuir as insgnias e esplios do chefe derrotado. No inclinado vontade
do Sapa Inca, Inca Yupanqui resolve retornar a Cusco e, por ordens do pai,
torna-se alvo de uma emboscada que fracassa em tentar assassin-lo em seu
caminho de volta (Betanzos 1996 [1557]: 30-32). Assim, o Inca vitorioso reuniu
os esplios da guerra e ofereceu sacrifcios divindade Huiracocha, dividindo
o resto entre todos que participaram da batalha, de acordo com a hierarquia.
Logo, muitos dos que acompanharam o Sapa Inca Huiracocha em sua fuga
reconheceram Inca Yupanque, por sua honra e generosidade, retornando a
Cusco e pedindo perdo, oferecendo-lhe vassalagem. (Betanzos 1996 [1557: 3742). Da mesma forma, muitos curacas de diversas partes vieram a Cusco, com
o mesmo propsito, pedindo que o jovem fosse seu senhor, desejo concedido
com desgosto pelo Sapa Inca:
Eles imploraram a ele [Yupanque] a aceit-los sob sua
proteo como seus vassalos e que ele tomasse a faixa com a
borla e o posto de Inca [...] Huiracocha Inca rejeitou a
insgnia real e a faixa. Ele a colocaria na cabea de seu filho
Inca Yupanque. Depois daquilo, os senhores se levantaram e
um a um lhe deram agradecimentos, mostrando que
consideravam a renncia de sua autoridade transmitindo-a ao
seu filho Inca Yupanque, a quem eles amavam e queriam que
fosse seu senhor, um grande favor para eles. (Betanzos 1996
[1557]: 42-43)149.

147

Em relao a Inca Urco, na verso de Bernab Cobo, era um irmo bastardo de Pachactec
que tramava um golpe para tomar o poder. Razo pela qual, Pachactec teria mandado matar o
irmo (Cobo 1983 [1653]: 137).
148
Nome dado pelo cronista ao grande senhor da nao Chanca.
149
They begged him [Yupanque] to take them under his protection as his vassals and for him to
take the borla fringe and office of Inca [] Huiracocha Inca rejected the royal insignia and
fringe. He would put it on the head of his son Inca Yupanque. After that, the lords stood up and
one by one they went to give him many thanks, showing that they considered his renouncing
his authority and giving it to his son Inca Yupanque, whom they loved and wanted to be their
lord, a great favor to them. (Betanzos1996 [1557]: 42-43).

151

De acordo com a Miscelnea Antartica de Miguel Cabello de Valboa,


Inca Yupanqui seria o mais velho e prximo na sucesso, se no fosse pela
vontade de Huiracocha Inca de nomear como seu sucessor Inca Urco (Cabello
de Valboa 2011 [1568]: 364). Na sua narrativa, Inca Yupanqui d um golpe de
estado:
[...] Ynga Yupanqui tom de su mano la borla y cetro y limpi
su Reino de el incoveniente que le amenazaba con la muerte y
fin de su hermano Inga Urco, mediante la cual qued
descansado y libre para poner por obra las cosas grandes que
de l cuentan los indios antiguos [] (Cabello de Valboa
2011 [1568]: 369).

Reforma religiosa em Cusco: culto a Inti e culto a Huiracocha

De acordo com o relato de Bernab Cobo, mudanas nos ritos e


cerimnias oficiais eram muito comuns e recorrentes, desde os primrdios da
ascenso incaica. Segundo o missionrio, os Incas no foram resolutos e no
mantiveram as mesmas opinies em termos de sua religio, e nem sempre
adoraram os mesmos deuses. Criaram e eliminaram rituais e cerimnias em
diversos momentos (Cobo 1990 [1653]: 5). Assim tambm indica a narrativa de
Juan de Betanzos:
[] Eles dizem que existe um criador a quem eles chamam
Huiracocha Pacha-Yachachic, que significa criador do
mundo, e eles acreditam que este criou o Sol e todas as coisas
[] eles descordam nisso em muitas maneiras. As vezes eles
colocam o Sol acima como criador, e em outros momentos eles
dizem que Huiracocha (Betanzos1996 [1557]: 44)150.

Mara Rostworowski afirma que houve uma transformao nas prticas


religiosas no perodo da guerra dos Chancas. Com a vitria de Cusi Yupanqui

[] They hold that there is a creator whom they call Huiracocha Pacha-Yachachic, which
means creator of the world, and they believe that this one made the Sun and everything []
they differ in this in every way. Sometimes they hold the Sun up as the creator, and other times
they say it is Huiracocha (Betanzos1996 [1557]: 44).
150

152

(Pachactec Inca), os sacerdotes de Huiracocha foram colocados de lado. De


acordo com a autora, foi no reinado de Pachactec que o Inticancha (recinto do
sol) foi remodelado e, pela abundncia do ouro empregado na remodelao,
passou a ser chamado Coricancha recinto do ouro (Rostworowski 2000b: 203
e 211). No relato de Juan de Betanzos, foi o Inca Yupanqui quem construiu o
templo do Sol em Cusco, reformulando os ritos e cerimnias ao culto solar
(Betanzos 1996 [1557]: 44).
Por outro lado, de acordo com o relato do padre Bernab Cobo, o culto
divindade Huiracocha foi intensificado entre os reinados de Huiracocha Inca
e seu sucessor, Pachactec (Cobo 1983 [1653]: 135). No que diz respeito
reforma religiosa, Garsilaso de La Vega, no aceita a verso sobre a elevao
da importncia da divindade Huiracocha em relao ao Sol, dizendo:
Decir que pusieron la estatua de Viracocha ms alta que la
del Sol es invencin nueva de los indios, por adular a los
espaoles, por decir que les dieron el nombre del Dios ms
alto y mas estimado que tuvieron, no siendo as, porque no
tuvieron ms de dos dioses, que fueron el Pachacamac, no
visto ni conocido, y el Sol visible y notorio. Al Viracocha y a
los dems Incas tuvieron por hijos del Sol. (Garsilaso Pp
357) [...] Este es el dios fantstico Viracocha que algunos
historiadores dicen que los indios tuvieron por principal dios
y en mayor veneracin que al Sol, siendo falsa relacin y
adulacin que los indios les hacen [] Lo cierto es que no
tuvieron dios ms principal que el Sol (si no fue Pachacmac,
dios no conocido) [] (De La Vega 2004 [1608]:365).

O relato de Juan Santa Cruz Pachacuti oferece uma verso


completamente diferente para o surgimento do culto solar. Segundo o cronista,
com a morte de Tupac Inca Yupanqui, e a menoridade de Huayna Cpac, apo
Hualpaya torna-se governante regente. Esse governador armava, em segredo,
um golpe para matar Huayna Cpac. De acordo com a narrativa, foi durante esse
perodo de regncia que houve uma mudana na ideologia religiosa, quando se
comeou a adorar o Sol, a Lua e o Raio. O cronista afirma que diziam que este
governador teria sido quem destinou terras para estes falsos deuses, e para
alguns curacas de m inclinao. Segundo o cronista, a conspirao teria sido
descoberta e Huayna Cpac aclamado sucessor. O governador foi executado e
os membros da conspirao presos e castigados (Pachacuti 1995 [1630]: 89).
153

Na obra de Felipe Guamm Poma de Ayala, Huiracocha Inca descrito


como homem bondoso de pele branca, com um pouco de barba (descrio
usualmente associada figura da divindade em diversos relatos). O cronista
destaca que este Inca foi devoto adorador de Ticci Huiracocha (Guamm Poma
de Ayala 1992 [1615]: 87). Ainda sobre Huiracocha Inca, o cronista Juan de
Betanzos diz que ele era amado pelo povo; um governante muito pacfico, que
manteve a diplomacia e no fez guerra com seus vizinhos. Esse Inca afirmou ter
sonhado e falado com a divindade Huiracocha Pacha-Yachachic. Tendo ganho
prestgio com o povo e por vontade da divindade, aceitou o ttulo divino de
Huiracocha Inca. O prestgio do governante e sua iniciativa de adotar o nome
da divindade gerou inveja e repdio, motivos que teriam atrado o ataque de
Uscovilca, senhor dos Chancas, que detinha o maior poder em toda a regio
(Betanzos1996 [1557]: 18 e 19).
Sobre o Inca Pachactec, o cronista Bernab Cobo narra que teria sido
o mais valente guerreiro de todos os reis Incas at o momento. Foi considerado
um dos mais sbios e o melhor administrador. Eliminou e adicionou ritos e
cerimnias intensificando os cultos religiosos, reformando o calendrio ritual, a
ostentao dos templos e sua hierarquia institucional. Dado o carter reformador
e harmnico do seu reinado, recebeu o nome Pachactec:
Transformao do tempo ou do mundo; isso devido ao
resultado de seu excelente governo [...] o mundo parecia ter
virado ao contrrio (Cobo 1983 [1653]: 133151).

No relato de Cobo, teria aparecido ao Inca Pachactec uma figura


vestindo uma tnica, com grandes orelheiras douradas e um llauto (faixa com
borla) em sua cabea, como aqueles usados pelos Incas. A figura tinha raios
brilhantes saindo de sua cabea, serpentes ao longo dos braos e pernas e
cabeas de pumas entre as pernas e nas costas, com as garras nos ombros. A
figura lhe disse que era seu pai, o Sol e que em seu nome o Inca subjugaria
muitas naes; dessa forma, no se podia esquec-lo, mas sim lembr-lo e
honr-lo com os devidos sacrifcios. Assim, Pachactec Inca mandou erigir um

change of time or of the world; this is because as a result of his excellent government []
the world seemed to have turned around [] (Cobo 1983 [1653]: 133).
151

154

magnfico templo no Coricancha para abrigar uma esttua do Sol, ordenando


que se fizesse o mesmo por todos os territrios conquistados, e que todos os
seus sditos adorassem e reverenciassem o Sol. De acordo com Cobo,
posteriormente Pachactec teria voltado atrs, questionando o poder do Sol
diante de Ticci Huiracocha, decidindo que o criador teria preferncia em relao
ao Sol. Ordenou a construo de Quihuarcancha para o criador do mundo, onde
residiria uma esttua de Huiracocha Pachayachachic (Cobo 1983 [1653]: 134135).
A narrativa do cronista Bernab Cobo apresenta contradies. Em um
momento atribu a reforma religiosa ao governo de Pachactec Inca e em outro
momento ao governo de Huiracocha Inca que teria construdo um templo em
homenagem a Ticci Huiracocha (Cobo 1983 [1653]: 132). Sobre esse nome,
Huiracocha, Garsilaso De La Vega afirma:
[...] dan otro nombre a Dios, que es Tici Viracocha, que yo
no s qu signifique ni ellos tampoco. (De La Vega 2004
[1608]:143).

Em outro momento relaciona o nome de Huiracocha com o mar:


[] dicen que los indios llamaron as a los espaoles porque
pasaron all por la mar. Y dicen que el nombre Viracocha
significa grosura de la mar [] uira, que dicen que es grosura
y cocha que es mar (De La Vega 2004 [1608]:362-363).

Em seu relato, Miguel Cabello de Valboa tambm associa a figura da


divindade com o mar (Cabello de Valboa 2011 [1568]: 362-363.) J Bernab
Cobo trata a divindade Huiracocha como a principal do panteo cultuado
pelos Incas (Cobo 1990 [1653]: 5). Preocupado em reconhecer um ponto
positivo na ingenuidade indgena, associa o poder de criao de Huiracocha,
relatado nos mitos de origem incaicos, com a imagem de um deus criador de
todas as coisas e reconhecido pelos indgenas (na viso de Cobo) como o Deus
nico:
[...] os indios vieram a perceber que havia um verdadeiro
Deus em primeira instncia, e o tiveram vagamente neste

155

assunto, eles o adoraram como o Criador de todas as coisas.


(Cobo 1990 [1653]: 6)152.

Em sua verso, Garsilaso De La Vega reconhece a divindade


Pachacmac como o criador universal e associa Huiracocha a uma apario ou
esprito:
[] del Dios Viracocha, que fue una fantasma que se
apareci a un prncipe heredero de los Incas diciendo que era
hijo del Sol (De La Vega 2004 [1608]:147).

Ainda na narrativa de Juan de Betanzos, Contiti Huiracocha Pacha


yachachic (senhor criador do mundo) uma divindade que emergiu do Lago
Titicaca no Collasuyu e criou o cu, deixando o mundo na escurido; criou
tambm os primeiros homens que viviam na escurido e logo, em sua ira, os
transformou em pedra. Na segunda vez, trazendo gentes e instalando-se em
Tiahuanaco, criou o Sol e ordenou o seu curso. A divindade seguiu viagem pelos
Andes at chegar em Cusco, onde criou um senhor Alcavica para governar a
terra, para em seguida criar os orejones153 (membros da elite) (Betanzos 1996
[1557]: 7-11).
Apesar da importncia dessa divindade Huiracocha, os Incas parecem
ter colocado poucos recursos ou energia em seu culto. Nenhuma grande
cerimnia parece haver sido destinada especificamente a essa divindade. Da
mesma forma, poucos locais de adorao foram registrados para sua venerao
e sacrifcios (D`Altroy 2011: 145; Rostworowski 2000b 203). Na interpretao
de Garsilaso e de Cobo, no reinado de Pachactec Inca, no houve atribuio de
terras ao culto de Huiracocha (no caso de Garsilaso a Pachacmac) porque,
tendo a divindade o carter de senhor universal de todas as coisas, no havia
necessidade de dedicar-lhe a sua prpria criao (Cobo 1990 [1653]: 23; De La
Vega 2004 [1608]).

152

[...] the indians had come to realize that there was only one true God and first cause, and
thought they somewhat vague on the matter, they adored him as the Creator of all things. (Cobo
1990 [1653] : 6).
153
Nomenclatura atribuda pelos espanhis aos membros da elite incaica devido s pesadas
orelheiras que portavam.

156

Garsilaso de La Vega reafirma que os Incas no tiveram outros deuses


alm do Sol, ao qual:
Dems del Sol adoraron al Pachacmac interiormente, por
dios no conocido: tuvironle en mayor veneracin que al Sol;
logo, no le ofrecieron sacrificios ni le hicieron templos,
porque decan que no le conocan, porque no se haba dejado
ver [...] (De La Vega 2004 [1608]:147).

Mas a narrativa resulta contraditria sobre o grande templo de


Pachacmac da costa:

[] el templo famoso y riqusimo que hubo en el valle llamado


Pachacmac, dedicado a este dios no conocido. De manera
que los Incas no adoraron ms dioses que los dos que hemos
dicho [Sol e Pachacmac] (De La Vega 2004 [1608]:147).

Em nossa interpretao, independentemente da veracidade dos relatos


dos informantes, sobre a onipotncia da divindade ou a falta de necessidade de
se receber terras, conclumos que os membros da elite ligada ao culto desta
divindade, aps a reforma religiosa (supostamente associada ao Inca
Pachactec), no foram contemplados com os esplios da guerra dos Chancas,
nem das posteriores conquistas. Em contrapartida, aqueles relacionados com a
divindade guerreira, o Sol, usufruram de todo o prestgio social (inclusive em
forma de bens e terras distribudas) para, cada vez mais, renovar pactos de
reciprocidade com os outros grupos de poder. De uma forma ou de outra,
tambm torna-se evidente que no houve o abandono do culto da divindade, o
que interpretamos, tambm, por razes de estabilidade social ou estratgia
poltica.
Segundo Cobo (1990 [1653]: 24), Pachactec teria erigido um templo
especialmente a Huiracocha, com uma esttua de ouro representando a
divindade. No Coricancha, entendido como axis mundi da cosmoviso incaica,
figurava uma representao em tecido da divindade, que era retirada s vezes
com todas as outras, em procisso para seu culto pblico. Ainda assim, deve-se
levar em conta que, dada a importncia atribuda pelos missionrios a uma
divindade principal na figura de um Deus criador, os informantes possam ter
157

amenizado a situao de seus ancestrais atribuindo a construo desse templo


ao governo de Pachactec e no ao reinado de Huiracocha Inca.
Acreditamos que a mudana no cenrio poltico no tenha apagado a
importncia da divindade Huiracocha, j que entendemos que antes da fuga de
Huiracocha Inca na guerra dos Chancas, ela teria abenoado e levado o Sapa
Inca (e seus antecessores) vitria, em inmeras batalhas. Nitidamente, a
divindade no perde por completo seu protagonismo; o que parece haver uma
perda de potncia no momento em que ela suplantada pelo Sol, que passa a
fazer a funo de guia da vitria sobre os Chancas e, posteriormente, das
diversas conquistas que se do sob a tutela e proteo desta poderosa divindade
guerreira, Inti.
Todos os relatos dos cronistas analisados neste trabalho evocam a
relao de Manco Cpac (primeiro na dinastia e ancestral mtico fundador) ao
culto Solar. Manco Cpac, governante estrangeiro, teria sido o primeiro que
propagou a relao da dinastia reinante com a divindade solar154. Em nossa
interpretao, os relatos marcam duas possibilidades para o incio deste culto
religioso. A primeira, confirmando a tradio mtica de que o culto foi institudo
pelos primeiros governantes da dinastia reinante. Isso significa que Huiracocha
Inca teria institudo o culto a Huiracocha em sobreposio ao culto do Sol, assim
gerando uma crise poltica e, consequentemente, a sua deposio, para o
reestabelecimento do sistema anterior. A segunda seria a manipulao tardia do
relato mtico ancestral, para justificar e legitimar as relaes de poder pautadas
pela reforma religiosa ps-expanso. Ou seja, o culto a Huiracocha teria tido
mais fora do que culto solar (ou ao menos equilibrou-se ao mesmo),
provavelmente at o reinado de Huiracocha Inca; assim, por conta das disputas
polticas e das guerras, o culto ao Sol teria sido reivindicado pelo grupo
guerreiro que se estabeleceu no poder aps a deposio do antigo governante.
Ambas as hipteses acima levantadas so provveis, j que, as duas
incluem a guerra, a crise poltica, a ideia de uma reforma institucional
religiosa/poltica/social, a tendncia centralizadora dentro do sistema

154

Neste trabalho no vamos analisar os detalhes das narrativas mticas e nem nos ater s
especificidades dos relatos de cada cronista.

158

poltico/religioso, a ascenso de novos grupos polticos relacionados guerra e,


finalmente, a deposio de governantes e o abafamento dos cultos religiosos que
legitimam linhagens diferentes dentro do grupo de parentesco baseado na
dinastia. Apesar de tantas verses contraditrias, alguns pontos so comuns em
todos os relatos. O primeiro, se refere ao dos governantes em propagar um
culto. Todas as verses sempre evocam uma divindade ressentida com os Incas,
seja o Sol ou Huiracocha. H uma tentativa (ou mltiplas) de imposio de um
novo sistema religioso, portanto um desequilbrio de foras. Ademais, o que nos
parece evidente, que no momento do contato com os espanhis o culto ao Sol
prevalece como culto oficial do estado. Nesse sentido, a divindade Huiracocha
teria retomado prestgio em tempos coloniais. Terrence D`Altroy, citando o
padre Cobo, afirma que no perodo colonial as maiores oferendas foram
dedicadas ao criador, Huiracocha (D`Altroy 2011: 95).
Outro ponto comum a todas as narrativas a ascenso da elite guerreira
vitoriosa na guerra do Chancas e a aclamao do prncipe guerreiro como novo
Sapa Inca. A vitria sobre os Chancas teria sido o impulso para o incio de um
novo paradigma militar: as guerras de conquista. As narrativas apontam para
um golpe ou uma sucesso de golpes de Estado, destituindo o poder de um
grupo especfico apoiado na legitimidade de um culto religioso e a propagao
de um novo sistema. Nem todos os relatos atribuem a reorganizao de todo o
sistema poltico, religioso e de sucesso das linhagens ao perodo do governo
de Pachactec Inca com a imagem de grande reformador (alguns associam ao
seu antecessor). Especificamente o relato de Guamam Poma associa o ttulo
Pachacuti ao carter catico e de desastres durante o governo deste Inca. Por
fim, o terceiro ponto em comum a todos os relatos diz respeito continuidade
das duas divindades no panteo imperial155, associadas aos grupos de
linhagem especficos.

A ideia de um panteo imperial incaico provm da reproduo do sistema ocidental


narrado pelos cronistas e adaptado as religies Andinas. Os cronistas atriburam as divindades
Andinas atributos prximos a ideia dos deuses greco-romanos e do Deus cristo. Apesar de
reconhecer a complexidade do assunto manteremos o uso do conceito durante este trabalho.
155

159

O poder das Huacas: relaes de poder e integrao ao sistema estatal

Como apontamos anteriormente no texto, tradicionalmente a


legitimidade poltica se dava, entre outros aspectos, por meio da ancestralidade
das huacas. De acordo com Mara Rostworowski (2000b: 194) as huacas e
divindades apresentam laos de parentesco entre si assim como as comunidades
humanas. Logo, as linhagens governantes so legitimadas pela relao do
parentesco mtico que justifica a estratigrafia social e seu poder de mediao
com o mundo espiritual e ancestral.
Segundo o padre Bernab Cobo, os Incas levavam as maiores huacas
dos povos conquistados para Cusco, por acreditarem que elas ajudariam a
manter o controle sobre as terras conquistadas (Cobo 1983 [1653]: 187). No
Coricancha, eram armazenadas e propriamente cultuadas todas as divindades,
huacas e ancestrais que compunham o panteo incaico. A ideia desse sistema
religioso integrativo fez com que os Incas levassem as principais huacas dos
povos conquistados a este local, para serem colocadas ao lado das divindades
dos prprios Incas. No entanto, como afirma o missionrio:
[] Os Incas adoraram esses novos deuses de alguma
maneira, mas muito menos que os seus deuses nativos.
notvel o quo pouco os Incas ligavam para esses novos
deuses (Cobo 1990 [1653]: 3-4). 156

Terrence D`Altroy afirma que os Incas capturavam e mantinham as


huacas ancestrais dos povos conquistados como refns em Cusco (D`Altroy
2011: 142). Uma forma de garantir a obedincia e o controle das provncias,
dada a importncia dos ancestrais na manuteno do equilbrio csmico e
prosperidade das comunidades.
Na sua narrativa, Bernab Cobo aborda o aspecto poltico do controle
das provncias, ao afirmar que quando uma provncia se rebelava contra o
governo, os Incas retiravam do santurio as huacas protetoras, levando-as a
[] The Incas worshiped these new gods somewhat, but much less than they worshiped their
native gods. It is Remarkable how little the Incas cared for these new gods (Cobo 1990 [1653]:
3-4).
156

160

pblico (em Cusco), onde eram afrontadas e insultadas pelo povo. Ao final das
rebelies, eram restauradas ao santurio e honradas com os devidos sacrifcios
e cerimnias. No discurso dos Incas, as provncias eram restauradas ao seu
domnio pelo prprio poder das huacas:
Neste momento os Incas diriam que a provncia havia
se submetido atravs do poder dos deuses dos
prprios rebeldes, os quais queriam evitar serem
insultados. E ainda dito que a maioria dos rebeldes
se rendia somente por ouvir dizer que seus dolos
haviam sido expostos aos insultos pblicos (Cobo
1990 [1653]: 3-4) 157.

Outro aspecto que evoca a lgica de sacralidade e controle diz respeito


prtica da ocupao incaica em lugares elevados da paisagem, estratgicos do
ponto de vista poltico e, ao mesmo tempo, de importncia religiosa. Os Incas
prestavam homenagem s divindades das montanhas, lugares considerados
importantes na mediao entre os mbitos dos mundos humano e divino. Muitos
picos eram considerados locais de origem de espritos ancestrais (D`Altroy
2011: 171). Da mesma maneira, o controle da paisagem sagrada oferecia a
centralizao e a mediao dos poderes ancestrais por parte dos Incas.
Outras divindades muito importantes constituam esse panteo Inca.
Pachamama (me terra, relacionada fertilidade e agricultura), Mamacocha
(me das guas), Illapa (senhor dos raios e troves)158. Tanto para os Incas como
para os povos da Costa Norte as estrelas, constelaes e planetas eram tambm
sagrados e venerados. Alm do Sol e da Lua, Vnus (Chaska cuyllor) e as
pliades eram referncias astronmicas importantes para o ciclo do calendrio
agrcola. Em particular as pliades eram muito importantes para os povos da
Costa Norte, como destaca Masato Sakai (1998: 47). Quilla, a Lua, era
considerada pelos Incas irm e esposa do Sol; tinha seu templo e suas prprias
157

At this time the Incas would say that the province had been subdued through the power of
the rebels gods, who wanted to avoid being insulted. And it is even said that the majority of the
rebels surrended just because they heard that their idols were exposed to public insults (Cobo
1990 [1653]: 3-4).
158
Illapa ou Inti-Illapa o deus trovo, raio e arco-ris foi uma divindade relacionada chuva,
descrita como um homem no cu carregando uma clava e uma funda. Os relmpagos e o som
do trovo eram produzidos por sua funda e a luz dos raios era o brilho de seus ornamentos
quando se movia no cu (D`Altroy 2011: 149). De acordo com Bernab Cobo, o Trovo era o
segundo na hierarquia depois do Sol (Cobo1990 [1653] : 29).

161

sacerdotisas em Cusco (D`Altroy 2011: 148). De acordo com o relato do padre


Cobo, os ndios cultuavam diversos dolos naturais ou produzidos de diversos
materiais em forma humana, de animais, peixes, pssaros e vegetais (Cobo 1990
[1653]: 45). O mesmo descrito na obra de Garsilaso:
[] cada provincia, cada nacin, cada pueblo, cada barrio,
cada linaje y cada casa tena dioses diferentes unos de otros
[] adoraban lo que vean []Y as adoraban yerbas,
plantas, flores, rboles de todas suertes, cerros altos, grandes
peas y los resquicios de ellas, cuevas hondas, guijarros y
piedrecitas [] adoraron diversos animales [] (De La Vega
2004 [1608]:102)

De acordo com o cronista, com suas conquistas, os Incas traziam sua


prpria idolatria e mandavam que os ndios adorassem o Sol como principal
divindade, j que este havia criado, a servio dos homens e sustento dos animais,
todas as ervas, plantas, rvores e demais coisas que eles anteriormente adoravam
(De La Vega 2004 [1608]:139-140).
Garsilaso de la Vega, afirma que as outras divindades eram subordinadas
do Sol:
[] no tuvieron ms dioses que al Sol, al cual adoraron por
sus excelencias y beneficios naturales [] aunque tuvieron a
la Luna por hermana y mujer del Sol y madre de los Incas, no
la adoraron por diosa ni le ofrecieron sacrificios ni le
edificaron templos [] Al relmpago, trueno y rayo tuvieron
por criados del Sol, [] mas no los tuvieron por dioses []
(De La Vega 2004 [1608]:140)

Sobre o poder das huacas ao descrever a cerimnia de sucesso Incaica,


Cobo adverte que:
[] se alguma huaca no recebesse sua oferenda, ela poderia
ficar zangada com o Inca e trazer sua vingana sobre ele,
punindo-o por seu descuido. (Cobo 1990 [1653]: 155).159

[] if any guaca did not receive an offering, it would became angry with the Inca and take its
vengeance on him, punishing him for this oversight. (Cobo1990 [1653]: 155).
159

162

O cronista Felipe Guamm Poma de Ayala atenta para a tenso entre os


governantes Incas com as huacas. Segundo Guamm Poma, o Inca Huiracocha
quis queimar todos os dolos e huacas do seu Reino (Guamm Poma de Ayala
1992 [1615]: 87). Da mesma forma, Huayna Cpac, quis falar com todos os
dolos e huacas de seu Reino. Nenhuma respondeu s perguntas do Inca e por
isso o Inca:
[...] mand matar y quebrar a todos los dolos. Dio por libre
a los dolos mayores Paria Caca y a Caruancho Uallollo;
Paucar Colla, Puquina, Quichi Calla, Coro Pona, Saua Ciray,
Pito Ciray, Carua Raso Ayza Bilca y el Sol y la Luna. Estos
quedaron y lo dems se quebr porque no quizo responder a
la pregunta (Guamam Poma de Ayala 1992 [1615]: 93).

Quando Huayna Cpac manda destruir apenas as menores, salvando as


maiores, podemos entender que por maiores e menores esto indicadas as
mais ou menos importantes, tanto do ponto de vista poltico quanto religioso.
Isso porque objetos ou mmias poderiam ser facilmente destrudos,
diferentemente de rios, montanhas e outros aspectos da paisagem. Alm disso,
o termo salvando-se indica que apenas por serem maiores (ou, em nossa
interpretao, de maior importncia) que a maioria delas permanece.
O cronista Juan Santa Cruz Pachacuti, em diversos momentos de sua
narrativa, aponta a rivalidade do poder central dos Incas em relao s huacas:
Este Inca Manco cpac fue enemigo de los huacas. Como tal,
destruy al curaca Pnao cpac con todos sus dolos.
Asimismo venci a Tcay cpac, gran idlatra [] (Santa
Cruz Pachacuti 1995 [1630]: 19). [] Habia mandado []
llevar todos los dolos y huacas de su Reino a la ciudad del
Cusco prometiendo que haran procesin y fiesta general. Y
depus [] hecho gran burla a los muchadores de huacas,
haciendo con todos los dolos y huacas cimientos de una casa
que para ello estaba echa aposta. Dicen que muchos dolos y
huacas huyeron como fuegos y vientos, otros en figura de
pjaros [] Por esta burla del Inca dicen que toda la tierra
tembl, ms que en otro tiempo de sus pasados (Pachacuti
1995 [1630]: 33).

Sobre o governo de Maita Cpac, o cronista afirma que este Inca foi um
grande inimigo dos dolos. Como tal, havia dito s pessoas que no fizessem
163

caso do Sol e da Lua, pois esses haviam sido mandados a servio dos homens
(Pachacuti 1995 [1630]: 33-35). Em outra passagem, o relato evoca um conflito:
[...] dicen que el Inca venci a Cacuay. Dicen que este
demonio de aquella casa [onde o confrotou o Inca] sali
dando gritos como truenos y rayos y que desde entonces todos
los huacas siempre les teman a los Incas [] (Pachacuti
1995 [1630]: 45).

Pachactec Inca, na conquista de Vilcas Huamn, teria topado com sete


huacas ou, nas palavras do cronista, demnios incorporados na figura de
curacas. O cronista afirma que estas huacas queriam matar o Sapa Inca Tpac
Inca Yupanque, apesar do zelo do governante em relao s huacas:
[...] Aunque Tupa Yupanque siempre haba sido justiciero de
los laicas y umos quemndoles muchos huacas y echando sal
en el lugar donde estaban, no por eso dejaron de haber y
multiplicar mucho ms en nmero (Pachacuti 1995 [1630]:
63).

Em sua crnica, Pachacuti dedica grande ateno forte associao


entre o poder das huacas e as chefias locais, ou seja, o poder dos curacas,
aludindo s questes relacionadas disputa entre o poder civilizador do
Tahuantinsuyu e as foras concentradas nas mos dos curacas locais [...]
protegidos pela idolatria das huacas (Arcuri 2009:42). Os dados
correlacionados entre os textos de todos os cronistas estudados neste trabalho
corroboram a ideia da tenso entre o poder estatal pautado pelo culto oficial
centrado na linhagem Inca, em contraponto ao poder dos sistemas religiosos
locais parcialmente integrados dentro do sistema. A questo, antes de ser
puramente religiosa (ou relativa s crenas), parece expor a complexidade
poltica da tentativa de integrao desses sistemas religiosos no modelo que
expressa os interesses do grupo dominante, gerando conflitos de autenticidade
das relaes de poder com base na ancestralidade e no poder concentrado nas
mos dos governantes locais.

164

Culto a Inti no mbito provincial

Segundo o padre Cobo, os Incas justificaram suas conquistas dizendo


que eram filhos do Sol, enviados por ele para ensinar os homens a cultu-lo e
vener-lo de forma apropriada (Cobo 1983 [1653]: 187-188.) Era em nome da
religio que os Incas promoviam suas conquistas, sob o pretexto de que seus
deuses fossem honrados e obedecidos adequadamente. Acreditavam que seus
deuses lhes conferiam o poder, especialmente o Sol que os auxiliava em tempos
de guerra (Cobo 1990 [1653]: 5). O missionrio afirma, ainda, que os Incas
requeriam dos povos conquistados que recebessem sua religio, e no os
obrigavam a abandonar inteiramente as suas crenas anteriores. Deveriam
apenas abandonar os aspectos da religio que pareciam contradizer a religio
Inca (Cobo 1990 [1653]: 3-4). De toda forma, o cronista destaca tambm que os
Incas eliminaram, completa ou parcialmente, as prticas e ritos dos povos
conquistados (Cobo 1983 [1653]: 191). Sobre o novo sistema religioso imposto,
o relato de Miguel Cabello de Valboa destaca que Pachactec Inca:
Mand por edicto pblico que en todo su seorio y imperio no
se tuviesen otras adoraciones ni ritos sino solo aquellos que
por aquella junta fueron sealados y autorizados en el Cusco
(Cabello de Valboa 2011 [1568]: 377).

Segundo Cobo:
[] no apenas eles tentam mant-los em submisso como
subordinados, mas tambm os foravam a aceitar os dolos
Incas, defender totalmente as opinies Incas, aprender os
ritos e cerimonias Incas [...] provado que quando alguma
provncia se rebelava, no apenas eles se recusavam a
obedecer aos Incas, mas tambm se opunham religio Inca:
e esse era o principal pretexto que os Incas tinham para
conquist-los novamente e a razo para puni-los
rigorosamente, como contam os prprios ndios(Cobo 1983
[1653]: 187-188).160

160

[] not only they try to hold them in submission as subjects, but they also compelled them to
accept Inca idols, hold Inca opinions entirely, learn Inca rites and ceremonies [] it is a proven
fact that when some provinces rebelled, not only did they refuse to obey the Incas, but they also
opposed the Inca religion; and this was the main pretext that the Incas had to conquer them

165

J Garsilaso De La Vega afirma que os povos conquistados pelos Incas


adoravam coisas to vis que os Incas as proibiram todas (De La Vega 2004
[1608]: 152).
Sobre o culto oficial, Cobo informa que os Incas impuseram o sistema a
seus vassalos, sob o pretexto de convenc-los de que era uma honra partilhar
dessa idolatria, enfatizando a importncia e favor especial que concediam a
seus vassalos, ao permitir que participassem do culto as suas divindades e
ancestrais (Cobo 1990 [1653]: 4).
No do que diz respeito organizao dos ritos e cerimnias nas
provncias, Garsilaso narra que havia sacerdotes, parentes do Inca, responsveis
pelas atividades cerimoniais nos templos do Sol. Os outros servios prestados
ao templo ficavam por conta de Incas de privilgio (conquistados que ganharam
o privilgio de pertencer ao grupo por sua lealdade). Nos templos das
provncias, os sacerdotes podiam tambm ser naturais, parentes dos senhores
locais, sob superviso de sacerdotes principais da linhagem incaica,
responsveis por garantir que os sacrifcios e as cerimnias estivessem de
acordo com o modelo cusquenho (De La Vega 2004 [1608]:160). Ainda
segundo Garsilaso:
[...] Despus de sujetada la provincia, lo primero que el Inca
haca era que, como en rehenes, tomaba el dolo principal de
aquella tal provincia tena y lo llevaba al Cusco; mandaba
que se pusiese en un templo hasta que el cacique y sus indios
se desengaasen de la burlera de sus vanos dioses y se
aficionasen a la idolatra de los Incas, que adoraban al Sol.
No echaban por tierra los dioses ajenos luego que
conquistaban la provincia, por la honra de ella, porque los
naturales no se desdeasen del menosprecio de sus dioses
hasta que los tenan cultivados en su vana religin. Tambin
levaban al Cusco al cacique principal y a todos sus hijos, para
los acariciar y regalar, y para que ellos, frecuentando la
corte, aprendiesen, no solamente las leyes y costumbres y la
propiedad de la lengua, mas tambin sus ritos, ceremonias y
again and the reason for punishing them so rigorously, as the Indians themselves tell (Cobo 1983
[1653]: 187-188).

166

supersticiones; lo cual hecho restitua al curaca en su antigua


dignidad y seoro y, como Rey, mandaba a los vasallos le
sirviesen y obedeciesen como a seor natural. (De La Vega
2004 [1608]:340)

Sobre a relao dos Incas com as prticas religiosas dos seus vassalos,
Garsilaso de la Vega afirma que:
[] todo lo que no era contra su idolatra ni contra las leyes
comunes tuvieron por bien aquellos reyes Incas dejarlo usar
a cada nacin como lo tenan en su antigedad [] (De La
Vega 2004 [1608]:411)

Em relao religio, sobre a proposta de paz oferecida pelos Incas nas


provncias de Huaras, Piscopampa e Cunchuchu, o cronista Garsilaso afirma:
[] queran morir todos que recebir nuevas leyes y
costumbres y adorar nuevos dioses; que no los queran, que
muy bien se hallaban con los suyos antiguos, que eran de sus
antepasados, conocidos de muchos siglos atrs; y que el Inca
se contentase con lo que haba tiranizado, pues con celo de
religin haba usurpado el seorio de tantos curacas como
haba sujetado. (De La Vega 2004 [1608]: 415).

O mesmo passa em relao a Cajamarca:


[] respondieron con mucha soberbia diciendo que ellos no
tenan necesidad de nuevos dioses ni de seor extranjero []
(De La Vega 2004 [1608]: 420).

No vale de Pisco, no entanto, parece ter ocorrido maior aceitao da


religio Inca:
[] aceptaran las leyes y costumbres del Inca y prometieron
de adorar al Sol por su Dios y repudiar y abominar los dioses
que tenan. (De La Vega 2004 [1608]:425).

Apesar da tendncia a centralizao e unidade cultural do


Tahuantinsuyu, a historiografia destaca o seu carter multitnico. Cada grupo
conquistado pelos Incas tinha suas prprias insgnias, para o reconhecimento
167

das naes e grupos tnicos. Porm, a prtica tambm no deixa de apresentar


o carter hierrquico:
[...] dicen los mismos vasallos [...] era que las que ms
semejaban a las del Rey, sas eran de mayor favor y de ms
aceptacin [...] (De La Vega 2004 [1608]:129-130).

De acordo com Garsilaso, receber o nome Inca era o maior privilgio e


reconhecimento dentro do imprio (De La Vega 2004 [1608]:129-130).
Guamm Poma (Guamm Poma de Ayala 1992 [1615]: 239), afirma que
Pachactec Inca separou muitas terras destinadas ao sacrifcio para as huacas, e
especialmente para o Sol e o templo de Coricancha. Tambm ordenou a
construo dos ushnus em cada Huamani (distrito administrativo Incaico). J
Garsilaso afirma que o Inca mandou edificar nas provncias mais nobres e ricas
templos em honra e reverncia ao Sol onde os ndios o adorassem (De La Vega
2004 [1608]: 411). Os cronistas ainda apontam que os Incas colocavam seus
prprios sacerdotes no controle das principais huacas. Segundo Guamm Poma,
na hierarquia instituda, seriam os sacerdotes do Sol e de Uana Cauri161 os mais
altos cargos da hierarquia (Guamm Poma de Ayala 1992 [1615]: 253).
Assim, das narrativas entendemos que os Incas, de fato, buscaram
integrar aspectos da religiosidade dos grupos conquistados. No entanto, criaram
e impuseram seu prprio sistema de ritos e cerimnias, sob o controle dos
sacerdotes e suas instituies religiosas, cerceando a liberdade dos cultos
perifricos por parte de seus subordinados. A importncia da centralizao das
prticas rituais e cerimnias no contexto dos ushnus, refora o carter centralista
da instituio religiosa estatal.

161

Uana Cauri, huaca associada na obra de Guamam Poma as narrativas mticas de origem dos
Incas.

168

Dados gerais da religio Chim e aspectos da introduo do sistema incaico na


Costa Norte

De acordo com a historiografia (Lumbreras 2000, Millones 2008,


Moseley 1992, Mackey 2000, Quiones 1988, entre outros) a religio Chim
era diversificada e abarcava um grupo considervel de divindades relacionadas
aos contextos macrorregionais em que se deram as ocupaes Mochica e HuariTiahunaco (o que pode ser observado na iconografia da cultura material
associada s prticas rituais da Costa Norte nos perodos mais tardios. Como
demonstramos, as sociedades Chim e Lambayeque apresentam enorme
complexidade do ponto de vista da produo material relativa esfera da
ritualizao e organizao dos cultos relacionados ordem social e poltica.
Lembramos que Carol Mackey destacou quatro divindades principais no
estudo da iconografia Chim: Senhor dos bastes de toucado semilunar,
Divindade de toucado de duas-plumas, a Deusa Chim de toucado bifurcado e
o Animal Lunar (terceiro captulo desta dissertao).
Para Santiago Uceda (2006: 11), a morte e o culto ancestral eram partes
substanciais da religiosidade Chim. Os mortos tiveram vida prpria, mesma
maneira que no mundo dos vivos. Foram respeitados e recordados atravs de
cerimnias bem estabelecidas no calendrio religioso. Eram os ancestrais que
controlavam a sociedade, emanando poderes fundamentais para assegurar o
equilbrio do sistema vigente. Para a materializao deste poder no mundo dos
vivos, foi necessrio que esses ancestrais/divindades fossem encarnados nos
atos rituais. Dessa maneira, as figuras representadas na iconografia religiosa
Chim e Lambayeque claramente expressam o carter ancestral das dinastias
reinantes, por meio da parafernlia ritual a elas associada. Elas se apresentam
com traos menos sobrenaturais e mais humanizados, como demonstra o
trabalho de Carol Mackey (2000).
As fontes etnohistricas, especialmente a crnica de Calancha, destacam
alguns elementos ou aspectos principais da religiosidade na Costa Norte.
Segundo o cronista, a religio Chim tinha como divindade principal a Lua (Si).
O Sol, por sua vez, era uma divindade secundria, inclusive em relao Pat
169

(Orion) ou Fur (Cabrillas/Pliades) e outras constelaes e estrelas. Para a Lua


se ofereciam sacrifcios de crianas e animais. O mar e algumas pedras sagradas
tambm foram adorados, recebendo destaque no panteo (Lumbreras 2000:
57-58). A divindade lunar parece ter sido muito cultuada, j que as fases do astro
influenciam os mares e marcam, temporalmente, o ciclo da agricultura
(importantes fontes de sustento para a sociedade Chim), bem como aspectos
centrais da organizao sociopoltica que podem ser observados a partir da
iconografia (relacionando a complementaridade entre os temas de pescadores e
agricultores). Dessa forma, os dados etnohistricos sobre a religiosidade na
Costa Norte oferecem uma nfase para a questo que relaciona a oposio entre
a Lua e o Sol, justificando a maior importncia do primeiro astro em relao ao
segundo. Na narrativa de Garsilaso de La Vega, chamam ateno as palavras
nuevos dioses, na resposta que Chimo Cpac d s ofertas do Inca Tupac
Yupanqui:
[...] para morir en defensa de su patria, leyes y costumbres, y
que no quera nuevos dioses [] (De La Vega 2004
[1608]:462).

Derrotado, o governante Chim teria pedido perdo ao Inca:


[...] le dijo que le perdonaba todo lo pasado y mucho ms que
hubiera hecho; que no haba ido a su tierra a quitarle su
estado y seoro, sino mejorarle en su idolatra, leyes y
costumbres, y, que en confirmacin de lo que deca, si Chim
tema haber perdido su estado, le haca merced y gracia de l,
para que lo poseyese con toda la seguridad, con que echados
por tierra sus dolos, figuras de peces y animales, adorasen al
Sol y sirviesen al Inca, su padre. (De La Vega 2004
[1608]:466).

A Lua e as aves martimas, especialmente as aves guaneras, parecem


encabear o panteo Chim (ainda pouco conhecido)162. O mar e as criaturas
marinhas, incluindo tambm os mamferos marinhos, ocupam um papel
importante nesse sistema de complementaridade (Millones 2008: 199).

162

Novamente a relao da complementaridade entre o mbito marinho e a agricultura, a qual


depende do guano como fonte para fertilizao dos campos de cultivo.

170

De acordo com Zevallos Quiones (com base na crnica de Calancha)


existia um adoratrio na Costa Norte em Farfan denominado Sian, ou Signan,
considerado pela tradio local como um templo dedicado divindade lunar,
cujo nome significa Morada da Lua (Quiones 1988: 18). Segundo Luis
Millones (2008: 165), Calancha afirma que a Lua, denominada Sian, era adorada
pelos povos de Pacasmayo e dos outros vales como principal divindade, acima
do Sol. Em contrapartida em outras fontes o nome Shian ou Sian estaria
associado ao Sol, enquanto Rem corresponderia denominao referente
divindade Lunar.
Considerando a importncia da dualidade do ponto de vista cosmolgico
na Costa Norte, as relaes entre a serra e a costa: [...] resultam de muitas
maneiras antitticas [...] [e] no de se estranhar que a Lua tivesse um papel
preponderante [na costa], como sucede em diversas etnias da Amaznia [...] a
Lua e o Mar resultam, ento, na personificao das foras com as quais h que
estabelecer um pacto para assegurar a sobrevivncia. Isso no descarta o Sol,
mas o coloca em condio equivalente, ao menos, sem a superioridade que se
manifesta no panteo serrano (Millones 2008: 165-166).163 Dessa forma, a
ambivalncia da Lua com relao ao Sol, pode ter sido imposta pelos Incas
(Millones 2008: 193).
Os Incas, tambm cultuaram a Lua e o Mar e os tiveram em grande
estima em seu panteo: Mas no contraponto final com o Tahuantinsuyu,
pode-se entender a impossibilidade de chegar a um acordo. Para o filho do Sol,
a Lua somente foi a esposa164 (ou uma das esposas) de seu pai (Millones 2008:
199).165
[...] resultaban de muchas maneras antitticas [...], no extraa que la Luna tuviese un papel
preponderante, como sucede en diversas etnias de la Amazonia [...] La Luna y el Mar resultan,
entonces, la personificacin de fuerzas con las que hay que establecer un pacto para asegurar la
supervivencia. Eso no descarta al Sol, pero lo pone en condicin equivalente, por lo menos, sin
la superioridad manifesta del panten serrano (Millones 2008: 165-166).
164
Na iconografia Mochica, alm do Animal Lunar, a figura da sacerdotisa que est associada
ao mbito lunar, o que refora a ideia de que no perodo Chim na Costa Norte a lua fosse uma
divindade feminina. Apesar de tambm caracterizada como uma divindade feminina no
panteo Inca, algumas comunidades da floresta amaznica do Peru representam a Lua como
uma divindade masculina. Como exemplo, os Machiguengas da selva Sul do pas tratam Kachiri
(a Lua) como uma divindade masculina ancestral (Quiones 1988: 19). Tratando-se de
sociedades dualistas que segundo Rostworowski (2000a) apresentam as divindades e seus
dobles, difcil caracterizar gneros precisos.
165
Pero en el contrapunto final con el Tahuantinsuyu, puede entenderse la imposibilidad de
llegar a un acuerdo. Para el hijo del Sol, la Luna slo fue la esposa (o una de las esposas) de su
padre (Millones 2008: 199).
163

171

Dessa forma, pensando a organizao ritualstica estatal implantada no


Tahuantinsuyu pelos Incas, com a nfase no culto solar, no faria sentido a
continuidade de um culto estatal anterior na provncia onde a divindade
principal fosse a Lua. Quilla (a Lua) no foi integrada ao panteo Inca aps a
conquista da Costa Norte, a divindade j tinha um papel especfico na religio
instituda pelo Estado e a sua esfera de atuao era muito bem definida na
religiosidade Inca.
No mnimo, o que se pode esperar a remodelao do sistema religioso
local para a integrao da provncia ao sistema religioso/poltico estatal incaico.
Afinal, um dos objetivos (talvez o principal) do culto ao Sol era garantir a
legitimidade de seu filho (o Sapa Inca) no poder como figura central. No
estamos propondo aqui que havia uma proibio dos cultos s divindades locais,
mas que ocorreu uma concentrao (e controle) dos cultos dentro do novo
sistema, no qual o Estado, encabeado pela elite incaica (e seus interesses),
promoveu a vida ritualstica atravs da arquitetura dos Ushnus, banquetes e dos
rituais de libao a principal das cerimnias pblicas na poca Inca, quando
se dava toda a negociao entre as outras autoridades, as divindades e os
defuntos, com a participao tambm da populao comum (Pino 2010: 78 e
103).
Os dados contidos nas fontes etnohistricas, dessa maneira, apontam a
figura da Lua como divindade principal do sistema religioso local no perodo
Pr-incaico. Assim, as narrativas passam a contemplar, quase que de forma
exclusiva, o conflito gerado pela presena Inca e a imposio do culto estatal
centrado no astro solar. Em nossa interpretao, a relao muito forte com o
mundo Hurin, especialmente os mbitos noturno e marinho so marca registrada
da iconografia religiosa expressa na cultura material Chim. No entanto, as
figuras representadas so diversas, o que no corrobora um carter exclusivo de
uma divindade principal, seno de todo um sistema que compe a lgica
religiosa do culto estatal Chim pr-incaico, estabelecido a partir da relao
entre grupos pescadores e agricultores.
A imposio dos aspectos diurnos centrados na divindade solar, em
princpio, no destitui o carter sagrado ou a importncia das divindades
locais, nas crenas religiosas. Ela rompe, apenas, com a relao institucional das
figuras mediadoras das relaes csmicas manipuladas pelas elites locais em
172

seu prprio sistema religioso institucional. Se esse antigo sistema abarca o culto
ancestral da dinastia Chim, o que, por sua vez, legitima sua autoridade e o
carter expansivo de seu poder parecido com o prprio sistema incaico logo,
o novo sistema Inca no pode simplesmente integr-lo, o que subentende a
reestruturao do sistema simblico local166.
Assim, no se trata apenas de uma manifestao tardia do enfrentamento
complementrio das foras Hanan e Hurin, ou seja, do duelo mtico travado
entre os deuses, para garantir o equilbrio csmico. Acreditamos que se trata,
sim, de uma negociao (um tanto impositiva) para que se justifique o culto
ao Sapa Inca que sustenta a relao de vassalagem entre cusquenhos e os
senhores locais. Isso significa que, em parte, o culto ancestral local, que
garantiria o direito de propriedade de terras para os seus grupos de poder, seria
repassado aos Incas e seus mortos ancestrais.
As panacas reais de Cusco teriam, assim, terras em todas as provncias
conquistadas; provavelmente as melhores terras e o controle dos melhores
recursos (Conrad & Demarest 1998: 120). Do ponto de vista socioeconmico, a
presena Inca impe o uso dos recursos locais em interesse do Estado, com
parcelas167 destinadas ao sustento de seu carter expansionista, da promoo do
culto solar e de outras formas de se garantir seu culto ancestral, ou seja, as
panacas reais de Cusco para o sustento de seus mortos e sua capacidade de
renovar laos de reciprocidade e alianas entre seus mortos, os deuses, as huacas
e, claro, as lideranas polticas. A sntese disso tudo que, alguns certamente
perderam parte de suas terras, bem como espao dentro deste cenrio poltico
que se desenvolveu no Horizonte Tardio.
Neste captulo apresentamos diversas evidncias da tenso entre o
fenmeno da expanso incaica legitimada pelo culto ancestral e a religio oficial
do Estado e a integrao dos cultos locais dentro deste sistema. O poder dos
curacas aliado s suas huacas parece ter tido um papel fundamental nas relaes
de poder entre os Incas e os seus subordinados a nvel local, como forma de
166

Dessa forma no h como, e nem objetivo do nosso trabalho, precisar em que ponto houve
coeres ou proibies de prticas religiosas locais. O que podemos estabelecer a priori o
desmantelamento de todo um complexo sistema poltico/religioso local ao ponto em que haja
uma confluncia entre a religiosidade local e o novo sistema hierrquico introduzido (pela
conquista) e encabeado pelos interesses incaicos e seu prprio sistema poltico/religioso a
sim, integrativo.
167
Entenda-se grupos produtivos e terras (destinadas aos interesses estatais).

173

resistncia centralizao do poder cusquenho. Em relao Costa Norte,


evidente nas fontes arqueolgicas a reduo das figuras de poder local ligadas
esfera religiosa, apesar da sua persistncia em alguns poucos exemplares
observados dentro da nossa amostragem. Da mesma forma, as fontes
etnohistricas sustentam a hiptese de mudanas no sistema ritual local devido
ao controle do poder religioso nas mos da elite incaica. Essas mudanas,
claramente podem ser associadas s questes polticas pela ascenso de grupos
de poder relacionados a guerra como parece ser o caso da relao complexa
expressa nas mudanas do prprio sistema ritual e poltico incaico no episdio
da guerra contra os Chancas.

174

Consideraes finais

Este trabalho procurou apresentar os dados coletados durante a pesquisa


referentes iconografia religiosa que compe os artefatos cermicos do
Horizonte Tardio na Costa Norte. Buscou expor relaes entre os dados contidos
nas fontes arqueolgicas, etnohistricas e a historiografia Inca constituda
durante o sculo XX. Nesta seo apresentamos uma sntese das questes
abordadas durante o trabalho pertinentes temtica proposta pela pesquisa.
Nas peas que identificamos como pertencentes ao conjunto estilstico
Inca da Costa Norte, percebemos algumas tendncias a certos padres e
mudanas no rol iconogrfico, em relao ao antecedente estilo Chim:
1-

Em primeiro lugar notamos a intensificao da representao de

fitomorfos, zoomorfos e geomtricos. Os zoomorfos, especialmente as


serpentes, os lagartos e os felinos, so pouco recorrentes na iconografia Chim
e aparecem de forma mais abundante nas peas da Costa Norte atribudas ao
perodo Incaico.
2-

Notamos tambm uma reduo significativa na quantidade de

figuras antropomorfas com atributos de poder evidentes.


3-

Outro aspecto de destaque a presena do Animal Lunar que,

como vimos, uma figura sobrenatural com atributos de poder representada


recorrentemente na iconografia da Costa Norte, desde pelo menos o perodo
Mochica, mas que no perodo Inca aparece, na maioria dos casos, sem o
principal atributo de poder caracterstico de suas representaes na iconografia
Chim e Lambayeque, o toucado semilunar.
4-

Percebemos

uma

grande

reduo

das

principais

figuras/divindades do repertrio iconogrfico Chim tardio com atributos de


poder, como a figura antropomorfa de toucado semilunar, a figura antropomorfa
de toucado duas-plumas e a figura antropomorfa de toucado bifurcado.
5-

Por fim, merece destaque a simplificao dos atributos

representados nas figuras antropomorfas e o surgimento de alguns novos


175

atributos/figuras no identificados em peas atribudas cultura Chim, como


visto nos conjuntos de figuras antropomorfas da cermica Inca da Costa Norte.
Em suma, constatamos na iconografia de peas que apresentam
elementos morfolgicos que permitem associ-las ao grupo estilstico IncaLocal notvel reduo das figuras de poder relacionadas ao antecedente domnio
de Chimor na Costa Norte. Como demonstrado, as principais figuras de poder
da Costa Norte pr-incaica no desaparecem completamente, mas so
representadas em pequena quantidade, ou de forma muito simplificada.
Em geral, como observado no quarto captulo, todos os relatos
consultados apontam para uma tenso permanente entre a poltica cusquenha e
o controle das chefias locais. O sistema poltico, aparentemente apoiado pelo
discurso ideolgico e na prtica cerimonial (dentro dos princpios ritualsticos
da religio oficial do Estado) volta-se para o culto solar, reforando as foras
do Hanan, do ponto de vista cosmolgico. Em outras palavras, os relatos
apresentam a insistncia dos Incas em educar seus sditos dentro das prticas
cerimoniais e ritualsticas de Cusco.
Vimos tambm que o cronista Juan Santa Cruz Pachacuti refora em seu
relato, a todo o momento, o zelo religioso incaico em relao s huacas.
Descreve a figura de diversos governantes Incas como inimigos das huacas,
muitas vezes legitimando as suas guerras a partir deste fator. Narra o
enfrentamento desses governantes com as huacas ou demnios, em que o Inca
costuma ser vitorioso; chama mais ateno ainda o momento do relato de
Pachacuti, quando afirma que o Inca depara com sete huacas incorporadas por
sete curacas que o queriam matar (Pachacuti 1995 [1630]: 63). Da mesma
forma, observamos que o relato de Felipe Guamm Poma de Ayala tambm se
refere s tenses entre o poderio incaico e o poder dos curacas (e a legitimidade
das suas huacas) (Guamm Poma de Ayala 1992 [1615]: 93 e 234-237), assim
como Garsilaso de la Vega aponta a imposio da adorao ao Sol e o abandono
das figuras e divindades cultuadas em Chimor como uma das condies para a
rendio de Chim Cpac diante de Tupac Inca (De La Vega 2004 [1608]: 462466). Por fim, retomamos aqui o relato de Bernab Cobo, que destacou a
legitimidade das reconquistas em casos de desobedincia ou desacordo com as
176

prticas religiosas impostas pelos Incas (Cobo 1983 [1653]: 187-191). Alm
disso, Cobo e Juan de Betanzos chamaram ateno para a imposio de um
sistema institucional em que os membros da elite incaica assumiam para si a
responsabilidade das prticas rituais e cerimnias (Cobo, 1983 [1653];
Betanzos, 1996 [1557]: 160).
Vimos que nos relatos presente ainda a ideia de golpes de estado
associados a cultos religiosos (Inti e Huiracocha) promovidos por grupos de
poder, ou linhagens especficas. A prpria confuso dos relatos sobre a
identificao destas divindades e sua importncia dentro de um panteo
incaico reflete a complexidade da relao entre as crenas religiosas e a
institucionalizao de cultos especficos. No toa, com base nas crnicas, a
pesquisadora Maria Rostworowski ressalta a diviso cronolgica das panacas,
atribuindo os grupos de parentesco dos cinco primeiros governantes a Hurin
Cusco e os seis ltimos a Hanan Cusco; descartando Huascar e Atahualpa
(Rostworoski 2009: 45; Rostworoski 2007: 137).
Acreditamos que o problema apresentado no quarto captulo desta
dissertao referente aos governos dos Sapa Incas relacionados ao episdio da
guerra contra os Chancas indique a possibilidade de oscilaes de grupos
especficos de linhagens, e que possvel relacionar isso com as ditas reformas
religiosas. Nos perguntamos, assim, se a diviso proposta pela autora inclu
aspectos relacionados as oscilaes e transies de poder evidenciadas nesse
perodo. Ressaltamos em nosso trabalho a complexidade das relaes
poltico/religiosas entre os reinados de Yhuar Hucac Inca, Huiracocha Inca e
Pachactec Inca no que diz respeito as reformas sociais, religiosas e polticas.
Os relatos dos sculos XVI e XVII unanimemente, apontam assassinatos,
execues, golpes, mudanas estruturais no sistema de sucesso, e da
institucionalizao de cultos religiosos associados ao Estado, conflitos e
intrigas entre as panacas e, especialmente, a guerra entre as faces que
apoiaram Huascar ou Atahualpa num longo e sangrento conflito militar. Dessa
maneira, apontamos a necessidade de aprofundar essa discusso para uma maior
compreenso dos aspectos polticos envolvidos na ascenso do Tahuantinsuyu.

177

De acordo com a proposta de Conrad e Demarest (1998) o quadro geral


para a compreenso da expanso e colapso do poder incaico nos Andes reflete
a demanda por novas terras com o objetivo do controle de recursos usados para
renovar e criar laos de reciprocidade. O sistema expansivo abarca, dentro de
uma relao dialtica de causa e consequncia, a lgica do parentesco das
panacas mediadas pelo culto ancestral.
O culto ancestral, a ideia da continuidade do prestgio do governante
morto, desempenha um papel fundamental na manuteno do poder dos Incas
nas provncias j que as relaes de reciprocidade estabelecidas pelo defunto
em vida permanecem consolidadas atravs de sua panaca:
Desse modo, apesar das crises que se deviam enfrentar em
cada processo sucessrio, ficava assegurada a supremacia
cusquenha nos Andes, sendo possvel ao novo Inca construir
seu prprio espao de poder, ao mesmo tempo que ampliava
ou consolidava as fronteiras da influncia incaicas. De
fato, somente desta maneira se pode entender a permanncia
incaica no poder Andino: se assumssemos que todos os
vnculos com as etnias Andinas se perdiam com a morte do
Inca, resultaria impossvel assegurar a supremacia incaica na
rea (Hernndez Astete 2012: 20)168.

Nesse contexto, como apontado no captulo quatro, as fontes coloniais


destacam as ascenso social de grupos relacionados s atividades guerreiras que
empreendem as conquistas, ps-guerra dos Chancas, relacionadas a um novo
sistema religioso institucional apoiados por cultos religiosos que em nosso
entendimento so reflexos das relaes polticas entre as linhagens. Apesar da
contradio exposta pela atribuio cronolgica no perodo de governo de
Yhuar Hucac Inca, Huiracocha Inca e Pachactec Inca e consequentemente
das relaes destes governantes filiados ao culto ao Sol ou ao culto a
Huiracocha, ambas as verses destacam a guerra dos Chancas como um marco

De ese modo, pese la crisis que se deba enfrentar en cada proceso sucesorio, quedaba
asegurada en los Andes la supremaca cusquea, siendo as posible que el nuevo Inca construiera
su propio espacio de poder, al mismo tiempo que ampliaba o consolidaba las fronteras de la
influencia incaica. De hecho, solo de esta manera es que se puede entenderse la permanencia
incaica en el poder Andino: si asumiramos que todos los vnculos con las etnias Andinas se
perdan con la muerte del Inca, resultara imposible asegurar la supremaca incaica en el rea
(Hernndez Astete 2012: 20).
168

178

para ascenso do grupo de poder legitimado por meio da vitria do guerreiro


Inca aclamado como novo governante; posteriormente introduzindo mudanas
nos mbitos cerimoniais e burocrticos do Estado.
Em nome da religio, o discurso ideolgico teria se estabelecido como
forma de propiciar a continuidade da expanso, motivada cada vez mais pelo
crescimento do prestgio das panacas, que acumulam mais e mais propriedades
tomadas dos senhorios locais, ou de grupos menos politicamente influentes
durante as conquistas. O sucesso na guerra ofereceria um caminho de ascenso
ao prestgio, e ao poder, estabelecendo conflitos de interesses entre grupos ou
linhagens distintas quanto mais grupos e panacas, maior o acirramento e os
conflitos, que colaboram para a crise poltica e econmica que pode ser
evidenciada durante o reinado de Huayna Capac, que culminaria na luta
sucessria entre Huascar Inca e Atahualpa Inca.
Na Costa Norte, a conquista Inca tambm proporcionou mudanas nas
estruturas de poder local. Como aponta Suzan Ramirez, algumas dessas
mudanas, no mbito territorial e no controle dos recursos, foram
implementadas no sentido de promover a diviso e remarcao dos domnios
dos senhores locais, que seriam incorporados ao Tahuantinsuyu (Ramirez 1996:
16). Michael Moseley refora essa ideia, afirmando que os Incas removeram
parte das populaes para lugares distantes, dividindo o Estado Chim em
parcialidades e senhorios independentes, leais a poltica de Cusco169. Antes
da conquista, os governantes de Chimor mantinham o controle do comrcio de
spondyllus, recurso de alto valor na vida cerimonial dos povos Andinos,
possibilitado pela conquista dos Vales do Norte de Lambayeque at Tumbes.
Aps a conquista Inca, o controle do comrcio das conchas marinhas com a
costa do Equador, passou para o senhorio de Chincha, parte integrante do
Tahuantinsuyu (Moseley 1992: 247). Como nos recorda Luis Millones, era o
senhor de Chincha quem acompanhava o Inca Atahualpa, com pompa similar
do filho do Sol, no trgico encontro de Cajamarca (Millones 2008: 197). Dados

169

Com o desmembramento de Chimor, um novo centro administrativo em Chiquitoy Viejo foi


construdo no perodo da dominao Inca ao sul do Vale de Chicama (Moseley 1992: 248 e
255).

179

como estes demonstram a complexidade das relaes polticas e econmicas


entre as diversas elites que constituram o Tahuantinsuyu.
A convivncia entre Chims e Incas aps a conquista de Chimor nem
sempre foi pacfica e, de acordo com os dados pesquisados, houve ao menos
uma rebelio armada na Costa Norte, durante o governo de Huayna Cpac
(Moseley 1992: 255). Os Chims teriam se rebelado contra o regime cusquenho
durante as campanhas do Sapa Inca mais ao Norte, no atual Equador. Assim, o
Inca retornou e reconquistou o territrio, por fora das armas, reintegrando a
provncia e castigando severamente os culpados. Segundo Quiones, parte da
cidade de Chan Chan foi incendiada e a populao expulsa. O soberano teria
sido destitudo e levado a viver em outro stio (Quiones, 1998: 132). Como
consequncia, os Chims da Costa Norte teriam sido proibidos de portar armas
(D`Altroy 2011: 221).
Segundo John Topic, os dados dos setores urbanos especializados de
Chan Chan demonstram um repentino abandono em massa com base na
quantidade de matrias primas, ferramentas e bens produzidos deixados para
trs (Topic 1982: 165).

De acordo com Rowe (1948), o evento estava

correlacionado com a conquista Inca, quando foram removidos os artesos


especialistas de Chan Chan, para serem realocados como mitimaes em Cusco e
outros centros urbanos (a nosso ver administrativos) do Imprio (Rowe 1948
apud Topic 1982: 165).
Na nossa interpretao, limitando ou impedindo o poder de produo
de bens de prestgio e utilitrios da elite urbana de Chan Chan, os Incas
desmantelaram a rede de redistribuio pela reciprocidade existente entre os
senhores locais e seus sditos rurais e consequentemente tambm urbanos pela
reduo da capacidade da troca de bens de prestgio, utilitrios e alimentos pela
mo de obra170. Concomitantemente, estes perderam a capacidade de renovar
laos de reciprocidade, tambm, com outros grupos de poder, de antigos
vassalos ou para a busca por alianas, favores etc. Assim, os Incas passam a ter

170

Sem a produo urbana de excedentes de bens de prestgio e de itens utilitrios os senhores


de Chan Chan perdem a capacidade de suprir as demandas das populaes campesinas e renovar
os laos de reciprocidade e por consequncia perdem o acesso a mo de obra e ao excedente
produtivo do campo utilizado para estabelecer as mesmas relaes no mbito urbano.

180

maior capacidade de produo desses bens concentrando a redistribuio,


tornando possvel, criar novos laos de reciprocidade e renovar constantemente
os j existentes.
A complexidade das relaes de poder entre Incas e Chims foi, com
toda a certeza, muito maior do que simplesmente a imposio do dominante e
subservincia ou resistncia por parte dos dominados. Com todas as
informaes acima levantadas, muitas vezes contraditrias, podemos perceber
que os Incas encontram uma maneira de aproveitar as estruturas pr-existentes
em seu favor, por consequncia da conquista, ainda que tenham limitado
bastante o antigo poder dos senhores de Chan Chan. Por outro lado, foram
mantidas linhagens governantes no sistema administrativo local, que seguiram
gozando de privilgios; aparentemente eram elites sustentadas pelo Estado
Inca, com base nas relaes de reciprocidade entre ambos os grupos. Em outras
palavras, mesmo que sob tutela dos Incas, as elites de Chimor mantiveram parte
da sua capacidade de renovar laos de reciprocidade com seus sditos, ainda
que, como afirmamos anteriormente, de forma um tanto reduzida.
O que permanece como uma questo incmoda, no entanto, pensar at
que ponto as restries decorrentes da administrao incaica e a condio de
Reino dominado afetaram a vida palaciana e a autonomia dos poderes
polticos de Chimor, especialmente no que diz respeito a sua religiosidade. A
mesma pergunta se aplica em relao aos grupos de poder dos diversos vales e
senhorios anteriormente subordinados ao domnio de Chimor.
Particularmente, entendemos que houve um processo de mudana, ainda
no muito bem esclarecido entre fins do Horizonte Mdio, o decorrer do
Intermedirio Tardio e o Horizonte Tardio em relao s funes das crenas
religiosas, no que diz respeito institucionalizao das religies e o surgimento
de novos Estados expansivos nesse perodo. No entanto, no parece que h
um declnio da importncia da religiosidade, mas sim o acirramento de relaes
de poder atravs de aspectos conectados s esferas poltico/religiosa e blica
desses novos sistemas polticos, ou Estados propriamente ditos.
Concordamos com Castillo (2006) quanto multiplicidade dos fatores
que influenciaram o processo de mudana, na longa durao. Particularmente,
181

acreditamos que no procede atribuir o colapso de Moche e o florescimento


Chim a uma onda de migrao/invaso de uma cultura alheia. Pensamos que a
complexidade apresentada na discusso da cultura material arqueolgica
analisada neste trabalho, demonstra que isso no aconteceu nem mesmo durante
o Horizonte Tardio, como consequncia da invaso Inca na Costa Norte.
Acreditamos haver na histria das sucessivas ocupaes da Costa Norte uma
tradio de longa durao que, mesmo que sofrendo mudanas acarretadas pela
influncia externa, pacfica ou blica, de outras populaes (atravs das trocas,
migraes e invases), no deixa de reestruturar-se, a todo momento, pelos
princpios da cosmoviso local. Em outras palavras, enxergamos na cultura
material Chim uma herana muito forte da tradio cultural Cupisnique e
Mochica da Costa Norte durante os perodos transicional e ps-transicional.
Entendemos, assim, que as mudanas nos padres da cultura material refletem
um processo poltico muito mais intenso e complexo do que a suplantao de
uma cultura sobre outra.
No por acaso que, tanto a cultura material como os relatos coloniais
nos informam do desenvolvimento de grandes senhorios em diversas regies
dos Andes centrais que foram pouco a pouco incorporadas maior expresso
desse fenmeno tardio, o Tahuantinsuyu Inca. So eles, o Reino de Chimor
(Costa Norte e Central), Seorios de Chancay e Ichyma (Costa Central), Seorio
de Chincha-Ica (Costa Sul), Seorio de Cajamarca (Serra norte-central) e os
Seorios Collas e Lupacas (na Serra Sul; Titicaca), entre outros. Alguns desses
Estados, claro, merecem uma maior ateno em relao s especificidades de
suas concepes e relaes internas, o que s pode ser realizado por meio de
anlises detalhadas da sua cultura material e por isso o cuidado neste trabalho
acerca dos conceitos tericos que abordam modelos de Estados, etnicidade
e identidade atribudos a essas sociedades. Certamente, nem todos eles
compartilham das mesmas caractersticas, sendo possivelmente os Reinos
Chim e Inca as expresses mais extremas que so conceitualmente aceitas
como modelos de Estados expansionistas para os Andes.
No estamos propondo a aplicao de um modelo de Estado s
sociedades do Perodo Tardio. Queremos apenas enfatizar que, aparentemente,
houve um processo de grandes mudanas, talvez generalizadas, durante esse
182

perodo, que acirraram as relaes polticas e estabeleceram novas fronteiras,


no tanto tnico-culturais, mas polticas.
Acreditamos que somente o refinamento das cronologias, a partir do
estudo sistemtico de contextos arqueolgicos e dataes mais precisas levaro
os estudos Andinos um passo adiante, no sentido de entendermos o que
mudana e o que permanncia nesse contexto, ainda nebuloso, sobre o Perodo
Tardio nos Andes Centrais. O estudo de contextos funerrios da Costa Norte
atribudos ao contexto de dominao Inca, em conjunto com os estudos dos
padres de ocupao e da arquitetura ritual prometem estabelecer um riqussimo
dilogo com os resultados proporcionados por esta pesquisa.

O futuro

cruzamento de nossos dados com informaes mais precisas acerca dos


contextos e provenincia do material arqueolgico torna-se, assim, o caminho
mais adequado continuidade do estudo proposto.
Os prprios dados refletem essa necessidade, como demonstrou a
anlise dos artefatos cermicos associados cultura Inca, para aquilo que
denominamos uma evidente fluidez nas fronteiras culturais observadas na
assinatura arqueolgica do corpus material analisado. De toda forma, apesar da
diversidade de classificaes adotadas por pesquisadores e museus em relao
ao que pode ou no ser entendido como parte de um grupo estilstico Inca na
Costa Norte nossa anlise permitiu estabelecer padres no repertrio
iconogrfico e morfolgico da cultura material estudada para os perodos Inca
e Pr-Inca.
Entendemos, por fim, que a iconografia dos conjuntos cermicos
atribudos produo de carter estatal, nos perodos de hegemonia Chim e
Inca da Costa Norte, sugere uma enorme complexidade de relaes polticas
entre grupos ou elites que concentravam o poder poltico/religioso nos contextos
locais daqueles amplos domnios regionais. Em suma, este trabalho buscou
apresentar uma sntese e contribuir a essa temtica que, com toda certeza, ainda
ser muito explorada por diversos pesquisadores e trar grandes contribuies
para os estudos Andinos.

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197

Anexo I

500

1000Km

Mapa geogrfico do Tahuantinsuyu. Imagem retirada da publicao Empires:


perspectives from Archaeology and History (D`Altroy 2001: 202).

198

UNIVERSIDADE DE SO PAULO
MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARQUEOLOGIA

Poltica e religio no Tahuantinsuyu inca: evidncias das relaes centro x periferia de Cusco
na cermica arqueolgica da Costa Norte peruana.
v.2 (Catlogo)

Marcio Lus Baso de Figueiredo

So Paulo
2014

UNIVERSIDADE DE SO PAULO
MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARQUEOLOGIA
MARCIO LUS BASO DE FIGUEIREDO

Poltica e religio no Tahuantinsuyu inca: evidncias das relaes centro x periferia de Cusco
na cermica arqueolgica da Costa Norte peruana.
v. 2 (Catlogo)

Dissertao de Mestrado apresentada ao


Programa

de

Ps-Graduao

em

Arqueologia do Museu de Arqueologia e


Etnologia da Universidade de So Paulo.
Verso corrigida. A verso original
encontra-se na biblioteca do MAE.

rea de Concentrao:
Arqueologia

Orientadora: Profa. Dra.


Maria Isabel D`Agostino Fleming

Linha de Pesquisa:
Cultura

material

representaes

simblicas em arqueologia

So Paulo
2014

ndice
1- Seo 1 Aspectos Estilsticos
Anexo 1: Iconografia Inca-Cusco Tipos A e B

Anexo 2: Iconografia Inca-Local Tipos A e B

Anexo 3: Arbalos e Aribalides Sem Iconografia

10

Anexo 4: Exemplos da Morfologia de peas Chim

11

2- Seo 2 Figuras de Poder da Iconografia da Costa Norte Pr-Inca


Anexo 5: Figura Antropomorfa de Toucado Semilunar

13

Anexo 6: Figuras com Bastes (Chim)

14

Anexo 7: Figuras com Bastes (Chavn, Tiahuanaco e Huari)

15

Anexo 8: Figuras com Bastes (Mochica)

16

Anexo 9: Figuras com Bastes (Transicional Costa Norte)

17

Anexo 10 Figura Antropomorfa de Toucado Duas-Plumas

18

Anexo 11 Figura Antropomorfa de Toucado Bifurcado

19

Anexo 12 - Outras Figuras Antropomorfas Costa Norte Tardio


com Atributos de Poder

20

Anexo 12.1 - Outras Figuras Antropomorfas Costa Norte Tardio


com Atributos de Poder

21

Anexo 13 Exemplos de Toucados (Mochica)

22

Anexo 14 Animal Lunar na Iconografia Chim

23

Anexo 14.1 Animal Lunar na Iconografia Chim

24

Anexo 15 Animal Lunar na Iconografia Mochica

25

Anexo 16 Figura Antropofitomorfa (Milho Antropomorfo)

26

Anexo 16.1 Figura Antropofitomorfa (Milho Antropomorfo)

27

Anexo 17 Onda com Rosto Antropomorfo

28

Anexo 18 Antropozoomorfo Homem-Escorpio

29

Anexo 19 Tema da Pesca Mitolgica com Figuras Antropozoomorfas


(Chim)

30

Anexo 20 Tema da Pesca Mitolgica com Figuras Antropozoomorfas


(Mochica)

31

Anexo 21 Divindade da Montanha Chim (Ai Apaec)

32

Anexo 21.1 Divindade da Montanha Chim (Ai Apaec)

33

Anexo 22 Divindade da Montanha Mochica (Ai Apaec)

34

Anexo 23 Outras Figuras de Aspecto sobrenatural (Chim)

35

Anexo 24 Figuras Zoomorfas com Atributos de Poder (Chim)

36

Anexo 25 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo A

37

Anexo 25.1 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo A


em Tema de Duelos

38

Anexo 26 Tema de Duelos na Iconografia Mochica

39

Anexo 27 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo B

40

Anexo 28 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo C

41

Anexo 28.1 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo C

42

Anexo 29 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo D

43

Anexo 30 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo E

44

Anexo 31 Figuras Antropomorfas de Toucados Simples

45

Anexo 32 Exemplos do Grupo 2.B da Iconografia Chim

46

Anexo 33 Huaco Rey da Iconografia Lambayeque/Sicn

47

3- Seo 3 Aspectos Gerais da Iconografia Inca


Anexo 34 Conjunto Inca com Representaes Geomtricas (Diversos)

49

Anexo 34.1 Conjunto Inca com Representaes Geomtricas (Diversos)

50

Anexo 34.2 Conjunto Inca com Representaes Geomtricas (Diversos)

51

Anexo 35 Conjunto Inca Dualidade

52

Anexo 35.1 Conjunto Inca Quadripartio

53

Anexo 35.2 Conjunto Inca Tripartio

54

Anexo 36 Conjunto Inca Zoomorfos (Insetos)

55

Anexo 36.1 Conjunto Inca Zoomorfos (Insetos)

56

Anexo 37 Conjunto Inca Zoomorfos (Felinos)

57

Anexo 38 Conjunto Inca Zoomorfos (Serpentes)

58

Anexo 38.1 Conjunto Inca Zoomorfos (Serpentes)

59

Anexo 39 Conjunto Inca Zoomorfos (Lagartos)

60

Anexo 40 Conjunto Inca Zoomorfos (Lagartos e Serpentes)

61

Anexo 41 Conjunto Inca Zoomorfos (Condor)

62

Anexo 42 Conjunto Inca Zoomorfos (Aves Diversas)

63

Anexo 43 Conjunto Inca Zoomorfos (Macacos)

64

Anexo 44 Conjunto Inca Zoomorfos (Aves Marinhas)

65

Anexo 45 Conjunto Inca Fitomorfos (Diversos)

66

4- Seo 4 Antropomorfos e Figuras de Poder Na Iconografia Inca


Anexo 46 Antropomorfos com Atributos de Poder Inca-Cusco ou Colonial

68

Anexo 46.1 Antropomorfos com Atributos de Poder Inca-Cusco ou


Colonial

69

Anexo 47 Conjunto dos Arbalos Pirmides com Antropomorfos com


Atributos de Poder

70

Anexo 47.1 Conjunto dos Arbalos Pirmides com Antropomorfos com


Atributos de Poder Abstratos

71

Anexo 47.2 Conjunto dos Arbalos Pirmides com Antropomorfos sem


Atributos de Poder

72

Anexo 48 Conjunto dos Arbalos com Figuras de Toucado Semilunar

73

Anexo 49 Conjunto de Figuras de Poder da Costa Norte em Formas


Aribalides

74

Anexo 50 Conjunto de Figuras de Poder da Costa Norte em Vasilhas Ala


Estribo (Chim ou Inca)

75

Anexo 51 Animal Lunar na Iconografia do Horizonte Tardio (sem


Toucado)

76

Anexo 51.1 Animal Lunar na Iconografia do Horizonte Tardio (sem


Toucado)

77

Anexo 51.2 Animal Lunar na Iconografia do Horizonte Tardio (com


Toucado)

78

Anexo 51.3 Animal Lunar na Iconografia do Horizonte Tardio (com


Toucado)

79

Anexo 52 Figura Antropofitomorfa (Milho Antropomorfo)

80

Anexo 53 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 1 (Horizonte Tardio)

81

Anexo 53.1 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 1 (Horizonte Tardio)

82

Anexo 54 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 2 (Horizonte Tardio)

83

Anexo 55 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 3 (Horizonte Tardio)

84

Anexo 55.1 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 3 (Horizonte Tardio)

85

Anexo 56 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 4 (Horizonte Tardio)

86

Anexo 57 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 5 (Horizonte Tardio)

87

Anexo 58 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 6 (Horizonte Tardio)

88

Anexo 59 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 7 (Horizonte Tardio)

89

Anexo 60 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 8 (Horizonte Tardio)

90

Anexo 61 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 9 (Horizonte Tardio)

91

Anexo 62 Conjunto dos Rostos Aribalides com Toucado

92

Anexo 63 Conjunto Agricultores (Inca-Cusco ou Colonial)

93

Anexo 64 Conjunto Rostos no Gargalo com Pintura Facial

94

Anexo 64.1 Conjunto Rostos no Gargalo com Pintura Facial

95

Anexo 64.2 Conjunto Rostos no Gargalo com Pintura Facial

96

Anexo 64.3 Conjunto Rostos no Gargalo com Pintura Facial

97

Anexo 65 Conjunto Rostos no Gargalo sem Pintura

98

Anexo 65.1 Conjunto Rostos no Gargalo sem Pintura

99

Anexo 66 Exemplos para o Grupo 2.B

100

Anexo 67 Felino Segurando Cabea/Mscara do Senhor de Lambayeque

101

Seo 1
Aspectos Estilsticos

Anexo 1- Iconografia Inca-Cusco Tipos A e B

Fig 1: ML, cod. ML040400 Foto


cedida pela instituio. Cultura IncaCusco: Arbalo cusquenho de padro
Tipo A.

Fig 2: Imagem retirada de publicao (Banco


de Crdito del Per 1999). Cultura IncaCusco: Vasilha cusquenha de padro Tipo A.

Fig 3: ML, cod. ML010514 foto do catlogo digital. Fig 4: MI, cod. s/c Foto do pesquisador. Cultura
Cultura Inca-Cusco: Arbalo cusquenho de padro Inca-Cusco: Arbalos cusquenhos Tipo A e B.
Tipo B.

Anexo 2 Iconografia Inca-Local Tipos A e B

Fig 5: ML, cod. ML026455 foto cedida pela Fig 6: ML, cod. ML026456 foto do catlogo
instituio. Cultura Inca-Local (Costa Norte): Arbalo digital. Cultura Inca-Local (Costa Norte): Arbalo
imitando padro Tipo A.
imitando padro mesclado Tipo A e B.

Fig 7: ML, cod. ML026642 foto do catlogo digital.


Cultura Inca-Local (Costa Norte): Arbalo imitando
padro Tipo A.

Fig 8: MC cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Inca-Local (Costa Norte): Arbalo
imitando padro mesclado A e B.

Anexo 3 Arbalos e Aribalides Sem Iconografia

Fig 9: MN-UFRJ cod. 10110 foto do


pesquisador. Cultura Inca-Local: Arbalo sem
iconografia.

Fig 10: MN-UFRJ cod. 9920 foto do


pesquisador. Cultura Inca-Chim: Vasilha
de bojo aribalide sem iconografia.

Fig 11: MTRS cod. s/c foto do pesquisador.


Cult./Est. Inca-Chim: Arbalo sem iconografia.

Fig 12: MAUNT cod. 4294 foto da


instituio. Cultura Inca-Chim: Vasilha
de bojo aribalide sem iconografia.

10

Anexo 4 Exemplos da Morfologia da Costa Norte

Fig 13: MN-UFRJ, cod.


9928 foto do pesquisador.
Cultura Chim: vasilha ala
estribo de bojo globular.

Fig 14: MAE/USP, cod.


3601 foto do pesquisador.
Cultura Chim: Vasilha ala
estribo lateral de bojo
escultrico.

Fig 15: MAE/USP, cod. 3640


foto do pesquisador. Cultura
Chim: Vasilha de gargalo boca
larga com ala lateral.

Fig 16: MAE/USP, cod. 3620


foto do pesquisador. Cultura
Chim: Vasilha de sopro de
bojo duplo.

Fig 17: MAE/USP, cod. 3603


foto do pesquisador. Cultura
Chim: vasilha de dois
gargalos cnicos com apliques
escultricos.

Fig 18: MAE/USP, cod. 3602


foto do pesquisador. Cultura
Chim: Vasilha de bojo globular
achatado com base pedestal,
figura escultrica e gargalo
cnico.

11

Seo 2
Figuras de Poder da Iconografia da
Costa Norte Pr-Inca

12

Anexo 5 Figura Antropomorfa de Toucado Semilunar

Fig 19: MB, cod. 01636 imagem cedida pela Fig 20: MB, cod. 01919 foto do pesquisador.
instituio. Cultura Chim: Representao da Cultura Chim: Representao da figura
figura antropomorfa de toucado semilunar.
antropomorfa de toucado semilunar.

Fig 21: MMA, cod. 64_228_51 foto do


catlogo
digital.
Cultura
Chim:
Representao da figura antropomorfa de
toucado semilunar.

Fig 22: MAE/USP, cod. 3640 foto do


pesquisador. Cultura Chim: Representao da
figura antropomorfa de toucado semilunar.

13

Anexo 6 Figuras com Bastes (Chim)

Fig 23: ML, cod. ML023122 foto


cedida pela instituio. Cultura Chim:
representao de figura antropomorfa
com bastes.

Fig 25: MTRS, cod. s./c. foto do


pesquisador. Cultura Chim: representao
de figura antropomorfa com bastes.

Fig 24: MAUNT, cod. 3215 foto cedida


pela
instituio.
Cultura
ChimLambayeque: representao de figura
antropomorfa com bastes.

Fig 26: MAUNT, cod. 859 foto do


pesquisador. Cultura Chim: representao
de figura antropomorfa com bastes.

14

Anexo 7 Figuras com Bastes (Chavn, Tiahuanaco e Huari)

Fig 27: Imagem retirada de publicao (Burger


1992: 175). Cultura Chavn: representao de
figura antropomorfa com bastes.

Fig 29: Imagem retirada de publicao (Donnan


1992: 83). Cultura Huari: representao de figura
antropomorfa com bastes.

Fig 28: imagem retirada de publicao


(Donnan
1992:
83).
Cultura
Tiahuanaco: representao de figura
antropomorfa com bastes.

Fig 30: ML, cod. s/c foto do


pesquisador.
Cultura
Huari:
representao de figura antropomorfa
com bastes.

15

Anexo 8 Figuras com Bastes (Mochica)

Fig 31: ML, cod. ML002292 foto do catlogo digital.


Cultura Mochica: representao de figura antropomorfa
com bastes.

Fig 32: ML, cod. ML002295 foto do catlogo digital.


Cultura Mochica: representao de figura antropomorfa
com bastes.

Fig 33: ML, cod. ML002323 foto do catlogo digital.


Cultura Mochica: representao de figura antropomorfa
com bastes.

Fig 34: ML, cod. ML002979 foto do catlogo digital.


Cultura Mochica: representao de figura antropomorfa
com bastes.

16

Anexo 9 Figuras com Bastes (Transicional Costa Norte)

Fig 35: MAUNT, cod. 1099 foto cedida pela


instituio. Cultura Desconhecida (Transicional):
representao de figura antropomorfa com bastes.

Fig 36: MAUNT, cod. 2427 foto cedida pela


instituio. Cultura Desconhecida (Transicional):
representao de figura antropomorfa com
bastes.

Fig 37: MN-UFRJ, cod. 10016 foto do pesquisador.


Cultura Desconhecida (Transicional): representao de
figura antropomorfa com bastes.

17

Anexo 10 Figura Antropomorfa de Toucado Duas-Plumas

Fig 38: MAUNT, cod. 447 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: representao da
figura antropomorfa de toucado de duasplumas.

Fig 39: MSS, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Chim: representao da figura
antropomorfa de toucado de duas-plumas.

Fig 40: MAUNT, cod. 1333 foto cedida


pela
instituio.
Cultura
Chim:
representao da figura antropomorfa de
toucado de duas-plumas.

Fig 41: MB, cod. 02139 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: representao da
figura antropomorfa de toucado de duasplumas.

18

Anexo 11 Figura Antropomorfa de Toucado Bifurcado

Fig 42: MAUNT, cod. 2362 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: representao da
figura antropomorfa de toucado bifurcado.

Fig 43: MAUNT, cod. 2542 foto


cedida pela instituio. Cultura Chim:
representao da figura antropomorfa de
toucado bifurcado.

Fig 44: MNAAHP, cod. s/c foto do


pesquisador. Cultura Chim: representao
da figura antropomorfa de toucado
bifurcado.

Fig 45: MAE/USP, cod. 3620 foto do


pesquisador. Cultura Chim: representao
da figura antropomorfa de toucado bifurcado.

19

Anexo 12 - Outras Figuras Antropomorfas Costa Norte Tardio com


Atributos de Poder

Fig 46: MAUNT, cod. 399 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: figura antropomorfa
com atributos de poder.

Fig 47: MAUNT, cod. 2999 foto cedida pela


instituio.
Cultura
Chim:
figura
antropomorfa com atributos de poder.

Fig 48: MC, cod. s/c foto do pesquisador. Cultura


Chim: figura antropomorfa com atributos de

Fig 49: BCR, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Lambayeque: figura antropomorfa

poder.

com toucado elaborado.

20

Anexo 12.1 - Outras Figuras Antropomorfas Costa Norte Tardio


com Atributos de Poder

Fig 50: MC, cod. s/c foto do pesquisador. Cultura


Chim: figura antropomorfa com atributos de poder.

Fig 51: MB, cod. 01428 foto cedida pela instituio.

Fig 52: ML, cod. ML021003 foto do catlogo digital.


Cultura Chim: representao de figura antropomorfa com
atributos de poder.

Fig 53: ML, cod. ML021175 foto do catlogo digital.


Cultura Chim: representao de figura antropomorfa
com atributos de poder.

Cultura Chim: representao de antropomorfo com


atributos de poder.

21

Anexo 13 Exemplos de Toucados (Mochica)

Fig 54: Imagem retirada de publicao (Vergara & Sanches 2008: 40). Cultura
Mochica: representao de toucados de guerreiros.

Fig 55: Imagem retirada de publicao (Vergara & Sanches 2008: 179). Cultura
Mochica: representaode cerimnia de sacrifcio (ateno aos toucados).

22

Anexo 14 Animal Lunar na Iconografia Chim

Fig 56: ML, cod. s/c foto do pesquisador. Cultura


Chim: representao escultrica do Animal Lunar.

Fig 57: MAUNT, cod. 395 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: representao em relevo
do Animal Lunar.

Fig 58: MNAAHP, cod. s/c foto do pesquisador. Cultura


Chim representao (pintura) do Animal Lunar.

Fig 59: MB, cod. 01508 foto cedida pela instituio.


Cultura Chim representao em relevo do Animal
Lunar.

23

Anexo 14.1 Animal Lunar na Iconografia Chim

Fig 60: MB, cod. 01497 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: representao em relevo
do Animal Lunar.

Fig 61: MN-UFRJ, cod. 9904 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: representao em relevo
do Animal Lunar.

Fig 62: MAUNT, cod. 1435 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: representao em relevo
do Animal Lunar.

Fig 63: MAUNT, cod. 1845 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: representao em relevo
do Animal Lunar.

24

Anexo 15 Animal Lunar na Iconografia Mochica

Fig 64: Imagem retirada de publicao (Gueller Doig


2007: 65). Cultura Mochica: representao
escultrica do Animal Lunar.

Fig 65: Imagem retirada de publicao (Vergara &


Sanches 2008: 94). Cultura Mochica: representao do
animal lunar.

Fig 66: Imagem retirada de publicao (Vergara &

Fig 67: Imagem retirada de publicao (Vergara &

Sanches 2008: 83). Cultura Mochica: representao


do animal lunar.

Sanches 2008: 95). Cultura Mochica: representao do


animal lunar.

25

Anexo 16 Figura Antropofitomorfa (Milho Antropomorfo)

Fig 68: Imagem retirada de publicao (Arcuri 2005:


131). Cultura Chim: representao de figura
antropofitomorfa.

Fig 70: MAUNT, cod. 2540 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: representao de
figura antropofitomorfa.

Fig 69: MC, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Chim: representao de figura
antropofitomorfa.

Fig 71: MC, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Chim: representao de figura
antropofitomorfa.

26

Anexo 16.1 Figura Antropofitomorfa (Milho Antropomorfo)

Fig 72: MAUNT, cod. 1679 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: representao de
figura antropofitomorfa.

Fig 73: MAUNT, cod. 3009 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: representao de
figura antropofitomorfa.

Fig 74: MAUNT, cod. 3222 foto cedida pela

Fig 75: MN-UFRJ, cod. 9902 foto do

instituio. Cultura Chim: representao de


figura antropofitomorfa.

pesquisador. Cultura Chim: representao


de figura antropofitomorfa.

27

Anexo 17 Onda com Rosto Antropomorfo

Fig 76: MNAAHP, cod. s/c foto do pesquisador. Cultura ChimLambayeque: representao de tema marinho com a onda de rosto
antropomorfo.

28

Anexo 18 Antropozoomorfo Homem-Escorpio

Fig 77: MTRS, cod. s/c foto do


pesquisador. Cultura Chim: representao
de homem-escorpio.

Fig 78: MAUNT, cod. 3894 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: representao de
homem-escorpio.

Fig 79: Imagem retirada de publicao (Narvaez &


Delgado 2011: 116). Cultura Lambayeque:
representao de homem-escorpio.

29

Anexo 19 Tema da Pesca Mitolgica com Figuras


Antropozoomorfas (Chim)

Fig 80: MMA, cod. 63.226.2 foto de catlogo


digital. Cultura Chim: tema da pesca mitolgica
com figuras antropozoomorfas.

Fig 81: MTRS, cod. s/c foto do pesquisador. Cultura


Chim: tema da pesca mitolgica com figuras
antropozoomorfas.

30

Anexo 20 Tema da Pesca Mitolgica com Figuras Antropozoomorfas


(Mochica)

Fig 82: Imagem retirada de publicao (Vergara & Sanches


2008: 114). Cultura Mochica: tema da pesca mitolgica
com figuras antropozoomorfas.

Fig 83: Imagem retirada de publicao (Vergara &


Sanches 2008: 112). Cultura Mochica: tema da pesca
mitolgica com figuras antropozoomorfas.

Fig 84: Imagem retirada de publicao (Vergara &


Sanches 2008: 115). Cultura Mochica: tema da pesca
mitolgica com figuras antropozoomorfas.

31

Anexo 21 Divindade da Montanha Chim (Ai Apaec)

Fig 85: ML, cod. ML023090 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: figura com cinturo de
serpente de duas cabeas.

Fig 86: MC, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Chim: figura com presas de animal
auxiliada por duas figuras antropozoomorfas.

Fig 87 e 88: MAE/USP, cod. 3602 foto do pesquisador. Cultura Chim: representao de figura com toucado
de serpente de duas cabeas, presas de animal, copo cerimonial, colar e peitoral.

32

Anexo 21.1 Divindade da Montanha Chim (Ai Apaec)

Figs 89, 90, 91 e 92: ML, cod. ML026798 foto do catlogo digital. Cultura Chim-Inca (?):

representao escultrica da divindade da montanha.

33

Anexo 22 Divindade da Montanha Mochica (Ai Apaec)

Fig 93: Imagem retirada de publicao (Arcuri 2005:


239). Cultura Mochica: representao escultrica da
divindade da montanha.

Fig 94: ML, cod. ML002968 foto do catlogo digital.


Cultura Mochica: representao de divindade com
auxiliares.

34

Anexo 23 Outras Figuras de Aspecto sobrenatural (Chim)

Fig 95: MAUNT, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Chim: representando rosto sobrenatural.

Fig 97: MN-UFRJ, cod. 9866 foto do


pesquisador. Cultura Chim: representando
figura hbrida.

Fig 96: MNAAHP, cod. 01520 foto cedida


pela instituio. Cultura Chim: representando
figura sobrenatural com rosto antropomorfo e
toucado semilunar.

Fig 98: MN-UFRJ, cod. 9866 foto da instituio.


Cultura Chim: representando figura hbrida.

35

Anexo 24 Figuras Zoomorfas com Atributos de Poder (Chim)

Fig 99: MB, cod. 01502 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: representao de
aves com arma e toucado.

Fig 100: MB, cod. 01612 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: representao de
aves com arma e toucado.

Fig 101: MAUNT, cod. s/c foto do


pesquisador. Cultura Chim: representao de
antropomorfo e pssaros com toucado
semilunar.

Fig 102: Imagem retirada de publicao (Monttel 1929:


122). Cultura Lambayeque: representao de figura com
cauda e patas de macaco, toucado semilunar e orelheiras
circulares.

36

Anexo 25 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo A

Fig 103: MSCC, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura
Chim:
representao
de
figuras
antropomorfas em balsa.

Fig 104: MMA, cod. 1978.412.4 foto de catlogo


digital. Cultura Lambayeque: representao de
figura antropomorfa em balsa

Fig 105: MC, cod. s/c foto do


pesquisador.
Cultura
Chim:
representao de figura antropomorfa em
balsa flanqueada por mergulhadores.

Fig 106: MTRS, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Chim: figura antropomorfa com toucado
sobre embarcao representando peixe monstruoso.

37

Anexo 25.1 Figuras Antropomorfas de


Toucado Tipo A em Tema de Duelos

Fig 107: ML, cod. ML021155 foto do catlogo digital. Cultura Chim:
figuras antropomorfas em tema de duelo.

Fig 108: MB, cod. ML021157 foto do catlogo digital. Cultura Chim:
figuras antropomorfas em tema de duelo.

38

Anexo 26 Tema de Duelos na Iconografia Mochica

Fig 109: Imagem retirada de publicao (Vergara &


Sanches 2008: 174). Cultura Mochica: guerreiros em
tema de duelo.

Fig 110: Imagem retirada de publicao (Vergara &


Sanches 2008: 156). Cultura Mochica: divindades em
tema de duelo.

Fig 111: MNAAHP, cod. s/c foto do


pesquisador. Cultura Mochica: guerreiros em
duelo.

39

Anexo 27 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo B

Fig 112: MAUNT, cod. 1434 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: representao de figura
antropomorfa.

Fig 113: MAUNT, cod. 3890 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: representao de figura
antropomorfa.

Fig 114: MNAAHP, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Chim: figura antropomorfa tocando tambor.

Fig 115: MNAAHP, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Chim: figura antropomorfa sentada.

40

Anexo 28 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo C

Fig 116: MAUNT, cod. 74 foto cedida pela Fig 117: MCHAP, cod. mchap-3355-1 foto do
instituio. Cultura Chim: figura antropomorfa de catlogo digital. Cultura Chim: rosto antropomorfo
toucado cnico com outra figura antropomorfa no com toucado cnico.
colo.

Fig 118: MNAAHP, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Chim: representao de figura antropomorfa
com spondylus.

Fig 119: MAUNT, cod. 251 foto cedida


pela
instituio.
Cultura
Chim:
representao de figura antropomorfa com
spondylus.

41

Anexo 28.1 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo C

Fig 120: MC, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura
Chim:
representao
de
figura
antropomorfa tocando instrumento sonoro.

Fig 121: MAUNT, cod. 2423 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: representao de figura
antropomorfa tocando instrumento sonoro.

42

Anexo 29 Figuras Antropomorfas de Toucado


Tipo D

Fig 122: MAUNT, cod. 3549 foto cedida pela instituio. Cultura
Chim: representao de figura antropomorfa tocando instrumento
sonoro.

Fig 123: MNAAHP, cod. DP216724-1983.546.2

foto do catlogo digital. Cultura Chim: figura


antropomorfa com toucado cnico.

Fig 124: MB, cod. s/c foto do pesquisador. Cultura


Chim: figura antropomorfa com toucado cnico

carregando animal nas costas (cameldio ou veado).

43

Anexo 30 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo E

Fig 125: MAUNT, cod. 315 foto cedida pela


instituio.
Cultura
Lambayeque:
figura
antropomorfa com toucado e peitoral deitada.

Fig 126: MAUNT, cod. 318 foto cedida pela


instituio.
Cultura
Lambayeque:
figura
antropomorfa com toucado carregando animal
(cameldio ou veado).

44

Anexo 31 Figuras Antropomorfas de Toucados Simples

Fig 127 e 128: MAE/USP, cod. 3601 foto do pesquisador. Cultura Chim: figura antropomorfa com
toucado simples e taparrabo.

Fig. 129: MAUNT, cod. 397 foto cedida


pela instituio. Cultura Chim: Figura
antropomorfa de toucado simples tipo faixa
e taparrabo toucando instrumento sonoro.

Fig 130: MAUNT, cod. 252 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: antropomorfo com
toucado/manto simples carregando vasilha.

45

Anexo 32 Exemplos do Grupo 2.B da Iconografia Chim

Fig. 131: MAUNT, cod. 65.266.54 foto cedida


pela instituio. Cultura Chim: representao de
figuras antropomorfas sem atributos de poder em
coito.

Fig 132: MAUNT, cod. 244 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim: representao de figuras
antropomorfas sem atributos de poder em coito.

Fig 133: MAUNT, cod. 67.167.15 foto cedida


pela instituio. Cultura Chim: representao
de figura antropomorfa deitada sobre cameldio.

Fig 134: MAUNT, cod. 4460 foto cedida


pela instituio. Cultura Chim: representao
de figura antropomorfa com peitoral e
toucado.

46

Anexo 33 Huaco Rey da Iconografia Lambayeque/Sicn

Fig 135: MAE/USP, cod. 66.5.11 foto do


pesquisador. Cultura Lambayeque: huaco Rey,
seor de Lambayeque.

Fig. 136: Imagem retirada de publicao


(KAUFFMANN DOIG, 2005: 35). Cultura
Lambayeque: huaco Rey, seor de Lambayeque.

Fig 137: MMA, cod. 1970.245.36 foto do


catlogo digital. Cultura Lambayeque: huaco Rey,
seor de Lambayeque.

Fig 138: Imagem retirada de publicao


(GHELLER
DOIG,
2007:
43).
Cultura
Lambayeque: huaco Rey, seor de Lambayeque.

47

Seo 3
Aspectos Gerais da Iconografia
Inca

48

Anexo 34 Conjunto Inca com Representaes Geomtricas


(Diversos)

Fig 139: MAUNT, cod. 79 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: vasilha tipo Quero
estilo
Inca-Local
representando
motivos
geomtricos.

Fig 140: MMA, cod. 1970.246.7[1] foto do


catlogo digital. Cultura Inca: Arbalo estilo IncaLocal representando motivos geomtricos.

Fig 141: MCHAP, cod. pe-313-521x699 foto


do catlogo digital. Cultura Inca: Arbalo estilo
Inca-Local representando motivos geomtricos.

Fig 142: MCHAP, mchap-2646-501x699 foto do


catlogo digital. Cultura Inca: Arbalo estilo IncaLocal representando motivos geomtricos.

49

Anexo 34.1 Conjunto Inca com Representaes Geomtricas


(Diversos)

Fig 143: ML, cod. ML026623 foto cedida


pela instituio. Cultura Inca: Arbalo estilo
Inca-Local
representando
motivos
geomtricos.

Fig 144: ML, cod. ML026638 foto do


catlogo digital. Cultura Inca: Arbalo estilo
Inca-Local
representando
motivos
geomtricos.

Fig 145: ML, cod. ML026458 foto cedida pela Fig 146: MC, cod. s/c foto do
instituio. Cultura Inca: Arbalo estilo Inca- pesquisador. Cultura Inca: vaso de bojo
Local representando motivos geomtricos.
duplo aribalide Inca-Local representando
motivos geomtricos.

50

Anexo 34.2 Conjunto Inca com Representaes


Geomtricas (Diversos)

Fig 147: MC, cod. s/c foto do


pesquisador. Cultura Inca: Arbalo estilo
inca-local representando motivos de
faixas verticais e horizontais.

Fig 149: MB, cod. 02136 foto cedida


pela instituio. Cultura Inca (?): vaso
estilo inca-local (?) representando
motivos escalonados com volutas.

Fig 148: MNAAHP, cod. s/c foto do


pesquisador. Cultura Inca: Arbalo estilo
inca-local
representando
motivos
chakanas e recortado.

Fig 150: ML, cod. ML027591 foto


cedida pela instituio. Cultura Inca:
Arbalo estilo inca-local representando
motivos escalonados.

51

Anexo 35 Conjunto Inca Dualidade

Fig 151: MI, cod. s/c foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: Arbalo estilo
Inca-Cusco representando campos claro e
escuro (horizontal).

Fig 152: MI, cod. s/c foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: Arbalo estilo
Inca-Cusco representando campos claro e
escuro (vertical).

Fig 153: MC, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Inca: vaso de bojo aribalide Inca-Local
representando motivos geomtricos (ateno ao
motivo tringulos opostos no centro do bojo).

52

Anexo 35.1 Conjunto Inca Quadripartio

Fig 154: MI, cod. s/c foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: vaso estilo
Inca-Cusco representando campos claro
e escuro (x4).

Fig 155: MI, cod. s/c foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: Arbalo estilo
Inca-Cusco representando campos claro e
escuro (x4).

Fig 156: ML, cod. ML026460 foto do catlogo digital.


Cultura Inca: Arbalo estilo Inca-Local da Costa Norte
representando campos claro e escuro (x4).

53

Anexo 35.2 Conjunto Inca


Tripartio

Fig 157: MMA, cod. 1979.206.1149


catlogo
digital.
Cultura
Inca:
reprtesentando felino agarrado a outra
serpente, condor, mosca (ou mosquito) e
X.

foto do
vasilha
vasilha,
motivos

54

Anexo 36 Conjunto Inca Zoomorfos (Insetos)

Fig 158 e 159: MC, cod. s/c foto do pesquisador. Cultura Inca: Arbalo Inca-Local
representando motivos geomtricos no bojo e insetos (moscas) no gargalo.

Fig 160 e 161: ML, cod. ML013788 foto do catlogo digital. Cultura Inca: Arbalo representando
motivos geomtyricos e insetos (liblulas e moscas).

55

Anexo 36.1 Conjunto Inca Zoomorfos (Insetos)

Fig 162: MMA, cod. 66.30.6 foto do


catlogo digital. Cultura Inca: Arbalo estilo
Inca-Local representando crculos, aves,
animal quadrpede e insetos (moscas).

Fig 163: MNAAHP, cod s/c foto do


pesquisador. Cultura Inca: Arbalo estilo
Inca-Local
representando
motivos
geomtricos e insetos (moscas e aranhas).

56

Anexo 37 Conjunto Inca Zoomorfos (Felinos)

Fig 164: MN-UFRJ, cod. 9911 foto cedida pela Fig 165: MAUNT, cod. s/c foto do
instituio. Cultura desconhecida (Inca?): vaso pesquisador. Cultura Inca: vaso de bojo
escultrico representando felino manchado.
duplo aribalide Inca-Local Costa Norte
representando felino.

Fig 166: MC, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Inca: vaso de bojo duplo aribalide IncaLocal Costa Norte representando motivos
geomtricos e felino.

Fig 167: MAAHP, cod s/c foto do


pesquisador. Cultura Inca: vaso de bojo
duplo aribalide Inca-Local Costa Norte
representando felino.

57

Anexo 38 Conjunto Inca Zoomorfos (Serpentes)

Fig 168: Imagem retirada de publicao


(Banco de Crdito del Per 1999: 136).
Cultura Inca: Arbalo representando serpente
e geomtricos.

Fig 169: MN-UFRJ, cod. 10104 foto do


pesquisador. Cultura Inca: Arbalo
representando serpente.

Fig 170: MMA, cod. 1995.481.3 foto do


catlogo digital. Cultura Inca: escultura em
cermica representando serpente.

58

Anexo 38.1 Conjunto Inca Zoomorfos (Serpentes)

Fig 171: MB, cod. 00963 foto cedida pela Fig 172: MB, cod. 00960 foto cedida pela
instituio. Cultura Inca: Arbalo estilo Inca- instituio. Cultura Inca: Vaso estilo Inca-Local
Local da Costa Norte representando serpente. da Costa Norte representando serpente.

Fig 173: MB, cod. 01022 foto cedida pela Fig 174: MB, cod. 01030 foto cedida pela
instituio. Cultura Inca: Arbalo estilo Inca- instituio. Cultura Inca: Vaso estilo Inca-Local
Local da Costa Norte representando serpente. da Costa Norte representando serpente.

59

Anexo 39 Conjunto Inca Zoomorfos (Lagartos)

Fig 175: MAUNT, cod. 1263 foto cedida Fig 176: MC, cod. s/c foto do pesquisador.
pela instituio. Cultura Inca: Arbalo estilo Cultura Inca: Arbalo estilo Inca-Local Costa
Inca-Local Costa Norte representando lagarto. Norte representando lagarto.

Fig 178: ML, cod. ML026644 foto cedida


Fig 177: ML, cod. ML026457 foto cedida
pela instituio. Cultura Inca: Arbalo estilo
pela instituio. Cultura Inca: Arbalo estilo
Inca-Local Costa Norte representando
Inca-Local Costa Norte representando lagarto.
lagarto.

60

Anexo 40 Conjunto Inca Zoomorfos (Lagartos e Serpentes)

Fig 179: MB, cod. 00974 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: Vaso estilo Inca-Local
da Costa Norte representando serpente e lagarto.

Fig 180: MB, cod. 01022 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: Vaso estilo IncaLocal da Costa Norte representando serpente
e lagarto.

Fig 181: MB, cod. 00978 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: Vaso estilo Inca-Local
da Costa Norte representando serpente e lagarto.

Fig 182: MN-UFRJ, cod. 9880 foto cedida


pela instituio. Cultura Inca: Vaso estilo
Inca-Local da Costa Norte representando
serpente e lagarto.

61

Anexo 41 Conjunto Inca Zoomorfos (Condor)

Fig 183: MMA, cod. 1979.206.1007 foto do Fig 184: MMA, cod. 1979.206.1009 foto
catlogo digital. Cultura Inca: prato do catlogo digital. Cultura Inca: prato
representando cabea de condor.
representando cabea de condor.

Fig 185: MI, cod. s/c foto cedida pela


instituio.
Cultura
Inca:
Arbalo
representando aves condors.

Fig 186: MTRS, cod. s/c foto do


pesquisador. Cultura Inca: Vaso de bojo
duplo estilo Inca-Local da Costa Norte
representando condor devorando presa.

62

Anexo 42 Conjunto Inca Zoomorfos (Aves Diversas)

Fig 187: MAUNT, cod. 3434 foto cedida Fig 188: MNAAHP, cod. s/c foto do
pela instituio. Cultura Inca: vaso escultrico pesquisador. Cultura Inca: vaso estilo Incaestilo Inca-Local Costa Norte representando Local Costa Norte representando ave.
ave.

Fig 189: MB, cod. 01875 - foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: vaso escultrico
estilo Inca-Local Costa Norte representando
ave.

63

Anexo 43 Conjunto Inca Zoomorfos (Macacos)

Fig 190: MAUNT, cod. 654 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca (?): vaso representando
macaco.

Fig 192: ML, cod. ML026467 foto do catlogo


digital. Cultura Inca: vaso representando macaco.

Fig 191: MNAAHP, cod. s/c foto do


pesquisador. Cultura Inca: vaso de bojo
aribalide representando macaco.

Fig 193: MB, cod.02557 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: vaso de bojo aribalide
representando macaco.

64

Anexo 44 Conjunto Inca Zoomorfos (Aves Marinhas)

Fig 194: MN-UFRJ, cod. 9868 foto cedida Fig 195: MTRS, cod. s/c
foto do
pela instituio. Cultura Inca: Arbalo pesquisador. Cultura Inca: Vaso de bojo
representando aves marinhas.
duplo estilo Inca-Local da Costa Norte
representando ave marinha.

Fig 196: ML, cod. ML026454 foto cedida


pela instituio. Cultura Inca: Arbalo IncaLocal representando aves marinhas.

Fig 197: MNAAHP, cod. s/c foto do


pesquisador. Cultura Inca: Arbalo IncaLocal representando ondas e aves marinhas.

65

Anexo 45 Conjunto Inca Fitomorfos (Diversos)

Fig 198: MAUNT, cod. 375 foto cedida


pela instituio. Cultura Inca: vaso
escultrico estilo Inca-Local Costa Norte
representando arbalo e figuras fitomorfas
(milhos).

Fig 200: MAUNT, cod. mchap-0549509x699 foto do catlogo digital.


Cultura
Inca:
vaso
escultrico
representando figura fitomorfa.

Fig 199: MMA, cod. 1979.206.1117 foto


do pesquisador. Cultura Inca: vaso
escultrico estilo Inca-Local Costa Norte
representando figura fitomorfa.

Fig 201: ML, cod. ML013685 foto do


catlogo digital. Cultura Inca: Arbalo estilo
Inca-Local Costa Norte representando figuras
fitomorfas e aves.

66

Seo 4
Antropomorfos e Figuras de Poder
na Iconografia Inca

67

Anexo 46 Antropomorfos com Atributos de Poder Inca-Cusco ou


Colonial

Fig 202: MI, cod. A-334 foto do pesquisador.


Cultura Inca (colonial?): vasilha representando
quatro figuras antropomorfas com toucados e asas
emplumadas segurando basto.

Fig 203: MI, cod.A-335 foto do pesquisador.


Cultura Inca (colonial?): vasilha representando
quatro figuras antropomorfas com toucados
segurando basto.

Fig 204: ML, cod. A-334 foto do catlogo digital.


Cultura Inca (colonial?): prato representando quatro
figuras antropomorfas com toucados e asas
emplumadas segurando objeto.

68

Anexo 46.1 Antropomorfos com Atributos


de Poder Inca-Cusco ou Colonial

Fig. 205 e 206: cod. A-111 foto do pesquisador. Cultura Inca


(colonial?): Arbalo representando duas figuras antropomorfas com
atributos de poder.

69

Anexo 47 Conjunto dos Arbalos Pirmides com Antropomorfos


com Atributos de Poder

Fig 207: MB, cod. 00984 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: Arbalo de estilo Inca-Local
da Costa Norte representando figuras antropomorfas
com toucados semilunares no interior de uma
pirmide escalonada.

Fig 208: MB, cod. 00993 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: Arbalo de estilo IncaLocal da Costa Norte representando figuras
antropomorfas com toucados emplumados e
orelheiras circulares no interior de uma pirmide
escalonada.

Fig 209: MB, cod. 01021 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: Arbalo de estilo IncaLocal da Costa Norte representando figuras
antropomorfas com toucados emplumados junto a
uma ave marinha no interior de uma pirmide
escalonada.

Fig 210: MB, cod. 01076 foto cedida pela

instituio. Cultura Inca: Arbalo de estilo IncaLocal da Costa Norte representando figuras
antropomorfas com toucados emplumados no
interior de uma pirmide escalonada.

70

Anexo 47.1 Conjunto dos Arbalos Pirmides com


Antropomorfos com Atributos de Poder Abstratos

Fig 211: Imagem retirada de publicao


(GHELLER DOIG, 2007: 18). Cultura
Inca: Arbalo de estilo Inca-Local da
Costa Norte representando figuras
antropomorfas com toucados/cabelos de
pontas no interior de uma pirmide
escalonada.

Fig 212: MNAAHP, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Inca: Arbalo de estilo Inca-Local da Costa
Norte representando figuras antropomorfas com
toucados/cabelos de pontas no interior de uma
pirmide escalonada.

Fig 213: MB, cod. 02217 foto cedida pela

Fig 214: MB, cod. 02570 foto cedida pela

instituio. Cultura Inca: Arbalo de estilo


Inca-Local da Costa Norte representando
figuras antropomorfas com toucados/cabelos
de pontas no interior de uma pirmide
escalonada.

instituio. Cultura Inca: Arbalo de estilo


Inca-Local da Costa Norte representando
figuras antropomorfas com toucados/cabelos
de pontas no interior de uma pirmide
escalonada.

71

Anexo 47.2 Conjunto dos Arbalos Pirmides com


Antropomorfos sem Atributos de Poder

Fig 215: MAE/USP, cod. 3666 foto do


pesquisador. Cultura Inca: Arbalo de estilo
Inca-Local da Costa Norte representando
figuras antropomorfas sem atributos de poder
no interior de uma pirmide escalonada.

Fig 216: MB, cod. 02216 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: Arbalo de estilo
Inca-Local da Costa Norte representando
figuras antropomorfas sem atributos de
poder no interior de uma pirmide
escalonada.

Fig 217: ML, cod. ML027601 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: Arbalo de estilo

Fig 218: MB, cod. 00991 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: Arbalo de estilo

Inca-Local da Costa Norte representando


figuras antropomorfas sem atributos de poder
no interior de uma pirmide escalonada.

Inca-Local da Costa Norte representando


figuras antropomorfas decapitadas no
interior de uma pirmide escalonada.

72

Anexo 48 Conjunto dos Arbalos com Figuras de Toucado


Semilunar

Fig 219 e 220: MB, cod. 02265 foto do pesquisador. Cultura Inca: Arbalo de estilo Inca-Local da Costa
Norte representando figuras antropomorfas com toucado semilunar, felino e Animal Lunar(?).

Fig 221: MNAAHP, cod. ML027603 foto cedida pela


instituio. Cultura Chim representao (pintura) do
Animal Lunar.

73

Anexo 49 Conjunto de Figuras de Poder da Costa Norte em


Formas Aribalides

Fig 222 e 223: ML, cod. ML027727 foto cedida pela instituio. Cultura Inca: vaso de bojo duplo
aribalide representando figura Chim de toucado bifurcado.

Fig 224: ML, cod. ML027716 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: vaso de bojo duplo
aribalide representando figura Chim de toucado
duas-plumas.

74

Anexo 50 Conjunto de Figuras de Poder da Costa Norte em


Vasilhas Ala Estribo (Chim ou Inca)

Fig 225: ML, cod. ML026778 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca ou Chim (?): vaso ala
estribo com borda extrovertida com representao da
figura antropomorfa de toucado semilunar.

Fig 226: ML, cod. ML026977 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca ou Chim (?): vaso ala
estribo com borda extrovertida e apliques laterais
com representao da figura antropomorfa de
toucado semilunar.

Fig 227: ML, cod. ML023115 foto cedida pela

Fig 228: ML, cod. ML028219 foto cedida pela

instituio. Cultura Inca ou Chim (?): vaso ala


estribo com borda extrovertida com representao
escultrica da figuras zoomorfas caranguejo e do
Animal Lunar com toucado.

instituio. Cultura Inca ou Chim (?): vaso ala


estribo com borda extrovertida e apliques laterais
com representao da figura antropomorfa de
toucado semilunar e rosto antropomorfo no gargalo.

75

Anexo 51 Animal Lunar na Iconografia do Horizonte Tardio (sem


Toucado)

Fig 229: MAUNT, cod. 744 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: vaso de bojo duplo
aribalide estilo Inca-Local Costa Norte com
representaes do Animal Lunar.

Fig 230: MC, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Inca: Taas estilo Inca-Local da Costa
Norte representando animal Lunar.

Fig 231 e 232: MB, cod. 05238 foto do pesquisador. Cultura Inca: vaso de bojo duplo aribalide estilo Inca-

Local Costa Norte com representaes do Animal Lunar e geomtricos nos bojos e macacos e felinos no
gargalo.

76

Anexo 51.1 Animal Lunar na Iconografia do Horizonte Tardio


(sem Toucado)

Fig 233: MC, cod. s/c foto do pesquisador. Cultura


Inca: vaso de bojo duplo aribalide estilo Inca-Local
Costa Norte com representaes do Animal Lunar e
geomtricos nos bojos e felino no topo do gargalo.

Fig 234: MC, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Inca: vaso de bojo duplo aribalide estilo
Inca-Local Costa Norte com representaes do
Animal Lunar nos bojos e felino no topo do
gargalo.

Fig 235: MC, cod. s/c foto do pesquisador. Cultura

Fig 236: ML, cod. s/c foto do catlogo digital. Cultura


Inca: Vaso tipo Quero estilo Inca-Local da Costa Norte
representando animal Lunar.

Inca: Taas estilo Inca-Local da Costa Norte


representando animal Lunar.

77

Anexo 51.2 Animal Lunar na Iconografia do Horizonte Tardio


(com Toucado)

Fig 237 e 238: MB, cod. 04139 e 04140 fotos do pesquisador. Cultura Inca: Taas estilo Inca-Local da
Costa Norte representando animal Lunar com e sem o toucado semilunar (detalhe na figura 238).

Fig 239 e 240: ML, cod. ML028080 foto cedida pela instituio. Cultura Inca: Taa estilo Inca-Local da Costa

Norte representando animal Lunar com o toucado semilunar (detalhe na figura 240).

78

Anexo 51.3 Animal Lunar na Iconografia do Horizonte Tardio


(com Toucado)

Fig 241 e 242: ML, cod. ML027693 foto cedida pela instituio. Cultura Inca: vaso de bojo
duplo representando macaco, aves marinhas, peixes e Animal Lunar com toucado (detalhe figura 242).

Fig 243 e 244: MNAAHP cod. ML027815 foto cedida pela instituio. Cultura Inca: vaso de bojo

duplo representando aves marinhas, peixes e Animal Lunar com toucado (detalhe figura 244).

79

Anexo 52 Figura Antropofitomorfa (Milho Antropomorfo)

Fig 245: MB, cod. 02353 foto do pesquisador.


Cultura Inca: vaso de bojo aribalide representando
espigas de milho com rosto antropomorfo no
gargalo.

Fig 246: MI, cod. s/c foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: Arbalo
representando plantas de milho e aplique
com rosto antropomorfo abstrato.

Fig 247 e 248: ML, cod. ML026830 foto cedida pela instituio. Cultura Inca: vaso de ala estribo estilo Inca-Local
da Costa Norte representando figura antropofitomorfa com toucado semilunar com borlas e corpo revestido de espigas
de milho (comparar com a figura 68 do anexo 16).

80

Anexo 53 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 1 (Horizonte


Tardio)

Fig 249: ML, cod. ML026608 foto do catlogo


digital. Cultura Inca: Paccha escultrica estilo IncaLocal da Costa Norte representando figura
antropomorfa com toucado deitada sobre balsa com
peixes dentro.

Fig 250: ML, cod. ML026609 foto do catlogo


digital. Cultura Inca: Paccha escultrica estilo IncaLocal da Costa Norte representando figura
antropomorfa com toucado deitada sobre balsa.

Fig 251: BCR, cod. s/c foto do pesquisador. Cultura

Fig 252: MNAAHP, cod. s/c foto do pesquisador.

Inca: Paccha escultrica estilo Inca-Local da Costa


Norte representando figuras antropomorfas com
toucado sentadas sobre balsa.

Cultura Inca: Paccha escultrica estilo Inca-Local


da Costa Norte representando figura antropomorfa
com toucado deitada sobre balsa e outra figura
(antropomorfa ou antropozoomorfa?).

81

Anexo 53.1 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 1


(Horizonte Tardio)

Fig 253: MNAAHP, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Inca: vaso de bojo duplo escultrico estilo
Inca Local da Costa Norte representando figura
antropomorfa sentada com toucado.

Fig 254: MNAAHP, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Inca: vaso de bojo duplo escultrico estilo
Inca Local da Costa Norte representando figura
antropomorfa sentada com toucado.

82

Anexo 54 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 2 (Horizonte


Tardio)

Fig 255: ML, cod. ML027729 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: vaso de bojo duplo
escultrico estilo Inca Local da Costa Norte
representando figura antropomorfa sentada com
toucado.

Fig 256: MNAAHP, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Inca: vaso de bojo duplo escultrico estilo
Inca Local da Costa Norte representando figura
antropomorfa sentada com toucado tocando
instrumento sonoro.

Fig 257 e 258: MNAAHP, cod. s/c foto do pesquisador. Cultura Inca: vaso de bojo duplo escultrico
estilo Inca Local da Costa Norte representando figura antropomorfa sentada com toucado (detalhe de felino
estilizado no toucado figura 258).

83

Anexo 55 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 3 (Horizonte


Tardio)

Fig 259: MNAAHP, cod. s/c foto do


pesquisador. Cultura Inca: objeto escultrico
estilo
Inca-Local
da
Costa
Norte
representando figura antropomorfa com
penteado e toucado junto a um cameldio.

Fig 260: ML, cod. ML031666 foto


cedida pela instituio. Cultura Inca:
vaso de bojo duplo aribalide e
escultrico estilo Inca-Local da Costa
Norte
representando
figura
antropomorfa com toucado, taparrabo,
instrumento de agricultura e possvel
narigueira.

Fig 261: MMA, cod. 64.228.54 foto do catlogo digital.

Fig 262: MC, cod. s/c foto do


pesquisador.
Cultura
Inca:
Vaso
escultrico estilo Inca-Local da Costa

Cultura Inca: vaso de bojo duplo aribalide e


escultrico estilo Inca-Local da Costa Norte
representando figura antropomorfa com toucado,
taparrabo e possvel narigueira.

Norte
representando
figura
antropomorfa com toucado e tnica
tocando tambor e instrumento sonoro
de sopro.

84

Anexo 55.1 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 3


(Horizonte Tardio)

Fig 263: ML, cod. ML031650 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: representao de toucado
em cermica com patas de felino e rosto
antropomorfo com toucado.

Fig 264: MB, cod. 02284 foto do


pesquisador. Cultura Inca: vaso de
bojo duplo aribalide estilo Inca-Local
da Costa Norte representando figura
antropomorfa
deitada
vestindo
toucado, tnica e segurando um
machado de haste.

85

Anexo 56 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 4 (Horizonte


Tardio)

Fig 265: MB, cod. 02520 foto do pesquisador.


Cultura Chim representao escultrica do Animal
Lunar. Cultura Inca: vaso de bojo aribalide estilo
Inca-Local da Costa Norte representando figura
antropomorfa com taparrabo e cabelo/toucado de
pontas

Fig 266: MNAAHP, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Inca: Vaso de ala estribo lateral estilo
Inca-Local da Costa Norte representando figura
antropomorfa com taparrabo e cabelo/toucado de
pontas e macaco nas costas.

Fig 267 e 268: MNAAHP, cod. s/c foto do pesquisador. Cultura Inca: Paccha estilo Inca-Local da Costa

Norte representando figura antropomorfa (antropozoomorfa?) com cabelo/toucado de pontas bebendo de


arbalo com figura antropomorfa de toucado tipo 3 em seu interior.

86

Anexo 57 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 5 (Horizonte


Tardio)

Fig 269: ML, cod. ML026499 foto do catlogo


digital. Cultura Inca: vasilha estilo Inca-Local da
Costa Norte com representao escultrica
antropomorfa usando toucado cnico de borlas
laterais e tnica.

Fig 270: MNAAHP, cod. ML026843 foto cedida


pela instituio. Cultura Inca: vasilha estilo IncaLocal da Costa Norte com representao escultrica
antropomorfa usando toucado cnico de borlas
laterais e tnica.

Fig 271: Imagem retirada de publicao


(Banco de Crdito del Per 1999: 108).
Cultura Inca: representao escultrica
antropomorfa com toucado cnico de borlas
laterais e tnica segurando copo e carregando
arbalo nas costas.

87

Anexo 58 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 6 (Horizonte


Tardio)

Fig 272: MNAAHP, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Inca: paccha escultrica representando figura
antropomorfa de toucado turbante e taparrabo junto a
crustceos.

Fig 273: MNAAHP, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Inca: vasilha de bojo duplo aribalide
representando figura antropomorfa com cabelos
compridos e com toucado turbante em ato de
tecelagem.

Fig 274: MNAAHP, cod. s/c foto do pesquisador.

Fig 275: MAE/USP, cod. 3626 foto do


pesquisador. Cultura Inca: vasilha de ala estribo
escultrica representando figura antropomorfa com
toucado turbante remando em balsa.

Cultura Inca: vasilha de bojo duplo aribalide e


escultrico representando figura antropomorfa com
toucado turbante tocando tambor e instrumento
sonoro de sopro.

88

Anexo 59 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 7 (Horizonte


Tardio)

Fig 276: MNAAHP, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Chim (inca?): vasilha de bojo duplo
escultrico/aribalide com representao de figuras
antropomorfas com toucados carregando fardo
funerrio.

Fig 277: BCR, cod. s/c foto do


pesquisador. Cultura Inca: vasilha de ala
estribo lateral escultrica representando
figura antropomorfa sentada com toucado
em atividade com vasilhas de cermica.

Fig 278: MNAAHP, cod. s/c foto do


pesquisador. Cultura Inca: vasilha de ala
estribo lateral escultrica representando
figura antropomorfa sentada com toucado
e macaco nas costas tocando tambor.

89

Anexo 60 Figuras Antropomorfas de Toucado Tipo 8 (Horizonte


Tardio)

Fig 279, 280, 281 e 282: ML cod. ML027741 foto cedida pela instituio. Cultura Inca (?): Vaso de bojo
duplo escultrico com borda extrovertida representando figuras antropomorfas vestindo toucados em forma
de cabea de animal (no identificado) e faixa simples junto ao gargalo.

90

Anexo 61 Figuras Antropomorfas de


Toucado Tipo 9 (Horizonte Tardio)

Fig 283: ML cod. ML027720 foto cedida pela instituio.


Cultura Inca (?): Vaso de bojo duplo escultrico com borda
extrovertida representando figuras antropomorfas vestindo
toucado tipo gorro junto ao gargalo da pea.

91

Anexo 62 Conjunto dos Rostos Aribalides com Toucado

Fig 284 e 285: MAE/USP, cod. 3649 foto do pesquisador. Cultura Inca: vasilha escultrica de bojo
aribalide representando rosto antropomorfo mascando coca e vestindo toucado com motivo escalonado e
crculo espelhados (detalhe figura 285).

Fig 286: ML, cod. ML026689 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: vasilha escultrica de bojo
aribalide representando rosto antropomorfo
mascando coca e vestindo toucado (alas de arbalo
no lugar das orelhas).

Fig 287: ML, cod. ML040153 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: vasilha escultrica de bojo
aribalide representando rosto antropomorfo
mascando coca e vestindo toucado.

92

Anexo 63 Conjunto Agricultores (Inca-Cusco ou Colonial)

Fig 288, 289, 290 e 291: ML, cod. ML040326 foto cedida pela instituio. Cultura Inca
(colonial?): representao de figuras antropomorfas sem atributos de poder associadas a arbalos e
ferramentas de agricultura.

93

Anexo 64 Conjunto Rostos no Gargalo com Pintura Facial

Fig 292 e 293: MN-UFRJ, cod. s/c fotos do pesquisador. Cultura Inca: Arbalo estilo Inca-Cusco
(local?) com iconografia geomtrica e rosto antropomorfo no gargalo com pintura facial.

Fig 294 e 295: MI, cod. s/c fotos do pesquisador. Cultura Inca: Arbalo estilo Inca-Cusco com
iconografia tipo A e rosto antropomorfo no gargalo com pintura facial e moscas.

94

Anexo 64.1 Conjunto Rostos no


Gargalo com Pintura Facial

Fig 296 e 297: MI, cod. s/c fotos do pesquisador.


Cultura Inca: Arbalo estilo Inca-Cusco com iconografia
tipo B e rosto antropomorfo no gargalo com pintura
facial.

95

Anexo 64.2 Conjunto Rostos no Gargalo com Pintura Facial

Fig 298: MI, cod. s/c foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: vaso de bojo
aribalide com iconografia Inca-Cusco tipo
A e rosto no gargalo com pintura facial.

Fig 299: MC, cod. s/c foto do


pesquisador. Cultura Inca: vaso de bojo
aribalide estilo Inca-Local da Costa
Norte com rosto no gargalo com pintura
facial.

Fig 300: MC, cod. s/c foto do


pesquisador. Cultura Inca: Arbalo estilo
Inca-Local da Costa Norte com rosto no
gargalo com pintura facial.

Fig 301: MC, cod. s/c foto do pesquisador.


Cultura Inca: Arbalo estilo Inca-Local da
Costa Norte com rosto no gargalo com
pintura facial.

96

Anexo 64.3 Conjunto Rostos no


Gargalo com Pintura Facial

Fig 302: MC, cod. s/c foto do pesquisador. Cultura


Inca: vaso de bojo aribalide estilo Inca-Local da Costa
Norte com rosto no gargalo com pintura facial.

Fig 303 e 304: ML, cod. ML026500 foto da


instituio. Cultura Inca: vaso estilo Inca-Local Costa
Norte com rosto no gargalo com pintura facial, macacos
e motivos geomtricos no bojo.

97

Anexo 65 Conjunto Rostos no Gargalo sem Pintura

Fig 305: MB, cod. 00965 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: Vaso de bojo aribalide
estilo Inca-Local da Costa Norte com rosto no
gargalo.

Fig 306: MB, cod. 02185 foto cedida pela


instituio. Cultura Inca: Vaso de bojo aribalide
estilo Inca-Local da Costa Norte com rosto no
gargalo.

Fig 307 e 308: ML, cod. ML026501 foto cedida pela instituio. Cultura Inca: Vaso de bojo aribalide estilo
Inca-Local da Costa Norte com rosto no gargalo

98

Anexo 65.1 Conjunto Rostos no Gargalo sem Pintura

Fig 309: MN-UFRJ, cod. 66609 foto do


pesquisador. Cultura Inca: Vaso de bojo
aribalide estilo Inca-Local da Costa Norte
com rosto no gargalo e macaco.

Fig 310: MNAAHP, cod. s/c foto do


pesquisador. Cultura Inca: Vaso de bojo
aribalide estilo Inca-Local da Costa Norte
com rosto no gargalo e macaco.

Fig 311: MAUNT, cod. 1258 foto


cedida pela instituio. Cultura Inca:
Vaso de bojo aribalide estilo IncaLocal da Costa Norte com rosto no
gargalo

Fig 312: MAUNT, cod. 4291 foto


cedida pela instituio. Cultura Inca:
Vaso de bojo aribalide estilo IncaLocal da Costa Norte com rosto no
gargalo e membros antropomorfos no
bojo.

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Anexo 66 Exemplos para o Grupo 2.B

Fig 313: MB, cod. 1060 foto do pesquisador.


Cultura Inca: Vaso de bojo aribalide estilo IncaLocal da Costa Norte com rosto no gargalo e
membros antropomorfos.

Fig 314: MB, cod. 01075 foto do pesquisador.


Cultura Inca: Arbalo estilo Inca-Local da Costa
Norte com rosto no gargalo carregando animal nas
costas.

Fig 315: MB, cod.05009 foto do pesquisador.


Cultura Inca: taa estilo Inca-Local da Costa
Norte
com
representao
de
figuras
antropomorfas sem atributos de poder em coito.

Fig 316: MB, cod. 04143 foto do pesquisador.


Cultura Inca: taa estilo Inca-Local da Costa
Norte com rosto e braos antropomorfos.

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Anexo 67 Felino Segurando Cabea/Mscara do Senhor de


Lambayeque

Fig 317 e 318: MCHAP, cod. mchap-0422-1 foto do catlogo digital. Cultura Inca: representao
escultrica de felino agarrando cabea/mscara do senhor de Lambayeque.

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