Educação Sem Escolas

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COLEÇÃO META

Peter Buckman (org.)

EDUCAÇÃO
SEM ESCOLAS
Tradução de
ÁLVARO CABRAL

CP
eldorado
A SOCIEDADE DESESCOLARIZADA
23
para o homem, ou podemos estabelecer as condições para
uma nova era em que a tecnologia seria utilizada para tornar
a sociedade mais simples e transparente, de modo que todos
os homens possam voltar, uma vez mais, a conhecer os fatos
e usar os instrumentos que moldam suas vidas. Em resumo,
A SOCIEDADE DESESCOLARIZADA podemos desinstitucionalizar as escolas ou podemos descola-
rizar a cultura.^
IVAN ILLICH

O currículo oculto das escolas

Para vermos com clareza as alternativas com que nos


Durante gerações, tentamos fazer do mundo um lugar deparamosy^Óevemos distinguir primeiro a aprendizagem da
melhor para se viver, proporcionando mais e melhor escola- escolaridade, o que significa separar a meta humanística do
ridade; mas, até agora, esse esforço tem fracassadq^Em vez professor do impacto da estrutura invariável da escola. Essa
disso, o que aprendemos foi que obrigar todas as crianças a estrutura oculta constitui um curso de instrução que perma-
galgar uma escada educacional em aberto não pode promover nece eternamente além do controle do professor ou da sua
a igualdade mas, pelo contrário, favorece o indivíduo que junta escolar. Ela transmite, indelevelmente, a mensagem de
inicia a subida mais cedo, que é mais saudável ou melhor que só através da escolaridade pode um_ indivíduo preparar-se
preparado; que a instrução obrigatória aniquila, na maioria para a vida adulta na sociedade; que tudo o que não for
das pessoas, a vontade de aprendizagem independente; e que ensinado na escola é de escasso valor; e que tudo o que é
o saber tratado como uma mercadoria, devidamente empa- aprendido fora da escola não vaie a pena ser sabido. Chamo
cotada para entrega e aceita como propriedade privada, uma isso de currículo oculto da escolaridade porque constitui a
vez adquirida, deve ser sempre escasso. estrutura inalterável do sistema, dentro da qual são feitas
todas as mudanças no currículo.
Eu acredito que a desinstitucionalização da escola tor-
nou-se inevitável e que esse final de uma ilusão deveria O currículo oculto é sempre o mesmo, independente-
encher-nos de esperança. Mas também creio que o fim da mente de escola ou lugar. Exige que todas as crianças de
"era da escolarização" poderia dar início à época da escola uma certa idade se reúnam em grupos de cerca de trinta, sob
global, que só se distinguiria no nome de um manicômio a autoridade de um professor diplomado, durante umas 500,
global ou de uma prisão global, na medida em que educação, 1000 ou mais horas por ano. Não importa se o currículo está
planejado para ensinar os princípios do facismo, liberalismo,
correção e ajustamento se tornem sinônimos. Acredito, pois,
catolicismo, socialismo ou libertação, desde que a instituição
que o colapso da escola nos força a olhar para além da sua
se arrogue a autoridade para definir que atividades consti-
extinção iminente e a enfrentar alternativas fundamentais em
tuem a "educação" legítima. Não importa se a finalidade da
educaçãoy^Podemos trabalhar para novos e terríveis disposi-
escola é produzir qidadãos soviéticos ou norte-americamos,
tivos educacionais que nos ensinam a respeito de um mundo
mecânicos ou doutores, na medida em que ninguém pode
que está progressivamente ficando mais opaco e proibitivo
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que estão atualmente em apuros e, simultaneamente, poderão
ser um cidadão ou um doutor legítimo a menos que tenha
vender uma quantidade maior de serviços. Os que estão prin-
um diploma. Não faz diferença alguma se todas as reuniões
cipalmente preocupados com o currículo afirmam que ele é
ocorrem no mesmo lugar, desde que, de um modo ou de
obsoleto ou irrelevante. De modo que o currículo é abarro-
outro, sejam entendidas como presença: cortar cana é traba-
tado de novos cursos "enlatados' sobre Cultura Africana,
lho para cortadores de cana, a correção é para prisioneiros
Imperialismo Norte-Americano, Womeris Lib, Poluição ou
e parte do currículo é para estudantes.
Sociedade de Consumo. A aprendizagem passiva está errada
// O que importa, no currículo oculto, é que os estudantes
(e está, de fato), de modo que permitimos graciosamente aos
aprendem que a educação ó valiosa quando adquirida na
estudantes que decidam o quê e como querem ser ensinados.
escola, através de um processo gradual de consumo; que o
As escolas são prisões. Portanto, os diretores estão autoriza-
grau de êxito de que o indivíduo gozará na sociedade de-
dos a aprovar aulas ao ar livre (teach-outs), transportando as
pende do montante de aprendizagem que ele consomeve
mesas da escola para uma rua do Harlem isolada por cordas.
que a aprendizagem sobre o mundo é mais valiosa do qiíe a
O sensitivity training virou moda. Então, importa-se a terapia
aprendizagem do mundo. A imposição desse currículo oculto,
de grupo para a sala de aula. A escola, que se supunha ter
dentro de um programa educacional, distingue a escolari-
a finalidade de ensinar tudo a todos, converteu-se agora em
dade de outras formas de educação planejada. Todos os sis-
todas as coisas para todas as crianças.
temas escolares do mundo têm características comuns em
relação ao seu produto institucional — e este é o resultado Outros críticos enfatizam que as escolas fazem um uso
do currículo oculto comum de todas as escolas. ineficaz da ciência moderna. Alguns administrariam drogas
Os reformadores educacionais que aceitam a idéia de para tornar mais fácil ao professor mudar o comportamento
que as escolas fracassaram dividem-se em três grupos. Os da criança. Outros transformariam a escola num estádio para
mais respeitáveis são, certamente, os grandes mestres de al- jogos educativos. Ainda outros, eletrificariam a sala de aula.
quimia que prometem melhores escolas — sendo alquimistas Se forem discípulos simplistas de McLuhan, substituirão o
aqueles que desejam refinar os elementos básicos conduzindo quadro negro e os compêndios por happenings, com o apoio
seus espíritos depurados através de doze fases sucessivas de de múltiplos meios de comunicação audiovisual; se seguirem
racionalismo iluminista, de modo que, para seu próprio bem Skinner, afirmarão estar aptos a modificar o comportamento
e benefício de todo o mundo, esses elementos possam ser mais eficientemente do que qualquer mestre-escola antiquado
transmudados em ouro. Os reformadores mais atraentes são poderá fazer na sala de aula.
aqueles mágicos populares que prometem converter toda e Muitas dessas mudanças têm, é claro, alguns bons efeitos.
qualquer cozinha num laboratório alquímico. Os mais sinistros As escolas experimentais têm menos gazeteiros. Os pais têm
são os jovos .Macons do _UnÍYerso, c^ue^ qucrcrn transformar uma sensação de maior participação num distrito escolar
o mundo inteiro num giRantesqp templo d& aprendizagem- descentralizado. Os alunos que são destacados pelo seu pro-
Notáveis entre os mestres atuais da alquimia são certos fessor para um aprendizado resultam, freqüentemente, mais
diretores de pesquisas, empregados ou patrocinados pelas competentes do que os seus colegas que permanecem na sala
grandes Fundações, os quais acreditam que as escolas, se de aula. Algumas crianças melhoram, de fato, os seus conhe-
puderem, de um modo ou de outro, ser melhoradas, também cimentos de espanhol no laboratório de línguas, porque pre-
poderão tomar-se economicamente mais viáveis do que as ferem manejar os botões de um toca-fitas do que conversar
Unlversiaado cK> ürasilia 1405 "
BIBLIOTECA <1

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com seus colegas portorriquenhos. Entretanto, todos esses trole e talhe à medida. Mas quando a escola livre tenta
progressos atuam dentro de limites previsivelmente estreitos, fornecer "educação geral"' ela não pode ir além dos pressu-
visto que deixam intato o currículo oculto da escola. Alguns postos ocultos da escola. Entre, esses pressupostos está, o^qiie
reformadores gostariam de se desvencilhar do currículo oculto jios _iippele_a tratar as pessoas como se fossejp
das escolas públicas mas raramente têm êxito. As escolas que tivessem de passar ( por um prpcesso rle naturalização.
livres geram uma miragem de liberdade, muito embora a SÓ os consumidores autenticados de conhecimentos são ad-
cadeia de freqüência seja muitas vezes interrompida por lon- mitidos à cidadania. Um outro pressuposto, é que o homem
gos interregnos de desperdício de tempo e de vadiagem. A nasce imaturo_e deve "amadurecer" antes de,poder ajustar-se
freqüência através da sedução inculca a necessidade d© trata- à sociedade civilizada. O homem deve ser orientado para se
mento educacional mais persuasivaanente do que a freqüência afastar do seu meio natural e passar através de um ventre
relutante imposta por um fiscal escolar. Os professores toleran- social em que endureça suficientemente para se ajustar à
tes numa sala abarrotada podem facilmente tornar seus alunos vida cotidiana. As. escolas livres, jpQdem_j3QScmpenhar essa
impotentes para sobreviverem, uma vez que deixem a escola. função,, muitas^ vezes^ .melhor do que as escolas de um tipo
A aprendizagem dessas escolas reduz-se, freqüentemente, menos sedutor.
à aquisição de aptidões socialmente apreciadas, as quais são Os estabelecimentos de educação livre compartilham de
definidas, nesse caso, pelo consenso de uma comunidade e uma outra característica com os estabelecimentos menos
não por decreto de uma junta escolar. O novo presbítero é, livres. Eles despersonalizam a responsabilidade pela "educa-
simplesmente, o velho padre com outra apresentação. ção". Eles colocam uma instituição in loco parentis. Perpe-
í ^ k s escolas livres, para serem verdadeiramente livres, tuam a idéia de que o "ensino", se realizado fora da família,
devem satisfazer duas condições: primeiro, devem ser diri- deve ser feito por uma agência, da qual cada professor é,
gidas .de _ um._mpdo_.que_ impeça a introdução do currículo individualmente, um agente. Numa sociedade escolarizada,
oculto de freqüência escalonada por séries e alunos aprovados até a família é reduzida a uma "agência de aculturação." As
estudando aos pés de professores aprovados. E, mais impor- agências educacionais que empregam professores para exe-
tante ainda, devem fornecer uma estrutura em que todos os cutar os propósitos comuns das respectivas juntas escolares
participantes, professores e alunos, possam livrar-se dos ali- são instrumentos da despersonalização das relações íntimas. 1
cerces ocultos de uma sociedade escolarizada. A primeira
condição é freqüentemente enunciada nos objetivos de uma
escola livre. A segunda condição só raramente é reconhecida Recuperação da responsabilidade em relação
e é difícil de enunciar como a meta de uma escola livre^// ao ensino e à aprendizagem
Para ir além da simples reforma da sala de aula, uma
escola livre deve evitar a incorporação do currículo oculto Uma revolução contra aquelas formas de privilégio e
da escolarização. Uma escola livre ideal tenta fornecer edu- poder que se baseiam em reivindicações de saber profissional
cação e, ao mesmo tempo, procura evitar que a educação deve ter início com uma transformação da consciência sobre
seja usada para estabelecer ou justificar uma estrutura de a natureza da aprendizagem/^Isto significa, sobretudo, uma
classe; que se converta num fundamento lógico para medir mudança na responsabilidade para com o ensino e a apren-
o aluno contra alguma escala abstrata; e que o reprima, con- dizagem. O saber pode ser definido como uma mercadoria
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somente quando é visto como o resultado de um empreendi- O fato de as pessoas em países ricos não aprenderem
mento institucional ou como a realização de objetivos insti- muita coisa por conta própria não constitui prova em con-
tucionais. [££> _ .quando um Jiomem.. recupera o sentido de trário. É, outrossim, uma conseqüência da vida num meio em
responsabilidade , pessoal pelo_que aprende e ensina é que que, paradoxalmente, não podem aprender muita coisa, jus-
esse feitiço pode ser quebrado e a alienação da aprendizagem, tamente porque se trata de uma vida programada ao extremo.
em relação à existência,-ser-superada— Elas sãó constantemente frustradas pela estrutura da socie-
A recuperação do poder de aprender ou ensinar significa dade contemporânea, em que os fatos sobre os quais as deci-
que o professor que assume o risco de interferir nos assuntos sões podem ser tomadas tornaram-se mais esquivos e inde-
privados de outrem também assume a responsabilidade pelos finíveis. Elas vivem num meio em que os instrumentos que
resultados. Analogamente, o estudante que se expõe à in- podem ser utilizados para fins criativos se tornaram objetos
fluência de um professor deve assumir a responsabilidade de luxo, um meio em que os canais de comunicação servem
pela sua própria educação. Para tais propósitos, as institui- a üns poucos para falar a muitos.
ções educacionais — se porventura são necessárias — tomam
idealmente a forma de centros de recursos e aparelhamento,
onde se pode obter um teto na medida certa sobre a cabeça,
ter acesso a um piano ou um forno, e a discos, livros ou
Uma nova tecnologia em vez
slides. As escolas, estações de TV, teatros etc. são primor- de uma nova educação
dialmente planejados para serem usados por profissionais.
Desescolarizar a sociedade significa, sobretudo, a negação de Um mito moderno gostaria que acreditássemos que o
status profissional à segunda profissão mais antiga do mundo, sentimento de impotência em que a maioria dos homens
a de ensinar. O registro de professores constitui hoje uma atualmente vive é uma conseqüência da tecnologia, que não
restrição ilegítima ao direito de falar; a estrutura empresarial pode fazer outra coisa senão criar sistemas gigantescos. Mas
e as pretensões profissionais do jornalismo são uma restrição não é a tecnologia que torna os sistemas gigantescos, as fer-
indevida ao direito de imprensa livre; as leis de freqüência ramentas imensamente poderosas, os canais de comunicação
escolar obrigatória interferem com o direito de livre reunião. unilaterais. Muito pelo contrário: adequadamente controlada,
fd- A desescolarização da sociedade é nada menos do que uma. a tecnologia pode dotar cada homem com a capacidade de
' mutação cultural, pela qual um povo recupera o uso efetivo compreender melhor o seu meio, de moldá-lo poderosamente
das suas liberdades constitucionais: "a aprendizagem e o. com as suas próprias mãos e permitir-lhe a plena intercomu-
ensino feitos por homens que sabem ter nascido livres, e não nicação, num grau que nunca foi possível antes. Tal uso
por homens "tratados" para a liberdadey/Â maioria das pes- alternativo da tecnologia constitui a alternativa central em
soas aprende, a maior parte do tempo, quando faz aquilo que educação.
gosta de fazer; a maioria das pessoas é curiosa e quer incutir / S e uma pessoa quiser desenvolver-se, ela precisará, antes
um significado a tudo aquilo com que entra em contato; e de tudo, ter acesso a coisas, a lugares e a processos, a eventos
a maioria das pessoas é capaz de um intercurso pessoal e e arquivos. Ela precisa ver, tocar, manipular, apreender tudo
ínfimo com outras, a menos que seja estupidificada por um o que estiver num contexto significativo. Esse acesso é hoje
trabalho desumano ou desalienada pela escola. negado, em grande parte. Quando o saber se converteu em
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mercadoria adquiriu as proteções dispensadas à propriedade intensamente capitalizada, que torne temível e proibitivo o
privada e, assim, um princípio destinado a preservar a inti- sso ao know-how.
midade pessoal passou a constituir um fundamento lógico A/7 Q_aprendiz interessado _não_leva muito tempo para ad-,
para declarar que certos fatos estão fora dos limites permi- 'quirir quase qualquer-.aptidão..que,_pretenda..usac» Somos
tidos a pessoas sem adequadas credenciais. Nas^sçolas,_ps 1 propensos a esquecer que esta é uma sociedade em que os
professores guardam jw conhecimentos _para si próprios^ a professores diplomados monopolizam o ingresso em todos os
menos que se-ajustem ao programa do dia. Os veículos de campos e, por conseguinte, condenam todo o,ensino por indi-
comunicação informam mas excluem aquelas coisas que con- víduos não-diplomados como charlatanismçw\Existem poucas
sideram inadequadas para impressão ou divulgação. A infor- aptidões mecânicas utilizadas na indústria ou pesquisa que
mação é encerrada em linguagens especiais e professores sejam tão exigentes, complexas e perigosas quanto dirigir um
especializados ganham a vida retraduzindo-as. As patentes automóvel, uma habilitação que, não obstante, a maioria das
são protegidas por corporações, os segredos são guardados pessoas adquire rapidamente de um igual. Nem todas as
por burocracias e o poder para manter os outros fora dos pessoas têm dotes adequados para a lógica avançada mas
territórios privados — sejam guaritas, cartórios, armazéns de aquelas que os possuem realizam rápidos progressos, se forem
sucata ou clínicas — é ciosamente guardado por profissões, desafiadas a fazer jogos matemáticos numa fase relativamente
instituições e nações. Tanto a estrutura política como pro- precoce. Um em cada vinte rapazes em Cuernavaca pode me
fissional de nossa sociedade, no Oriente e no Ocidente, não derrotar em Wiff "n" Proof depois de um par de semanas
poderiam suportar a eliminação do poder para manter classes de adestramento. Em quatro meses, todos os adultos moti-
inteiras de pessoas alheias aos fatos que poderiam servir-lhes. vàdos, com exceção de uma pequena porcentagem, no nosso
O acesso aos fatos, que eu defendo, vai muito além da ver- centro CIDOC, aprende espanhol suficientemente bem para
dade nos rótulos. O acesso deve ser integrado na realidade, realizar suas tarefas acadêmicas no novo idioma.
enquanto que tudo o que pedimos à publicidade é uma //\Jm primeiro passo para estabelecer o acesso a aptidões
garantia de que não nos ludibrie. O acesso à realidade cons- seria proporcionar vários incentivos para que os indivíduos
titui uma alternativa fundamental em educação, para um habilitados dividissem seus conhecimentos. Inevitavelmente,
sistema que apenas pretende ensinar sobre ela. isso seria contra os interesses das corporações, das classes
Abolir o direito ao sigilo da corporação — mesmo quando profissionais e dos sindicatos. Entretanto, o aprendizado múl-
a opinião profissional sustenta que esse sigilo serve ao bem tiplo é atraente. Fornece a todo mundo uma oportunidade
comum — é, como se verá em breve, uma meta política muito para aprender algo sobre quase tudo. Não há razão alguma
mais radical do que a tradicional exigência de propriedade por que uma pessoa não deva combinar a aptidão para con-
ou controle público dos meios de produção. A socialização duzir um carro, reparar telefones e caixas de descarga, atuar
dos meios de produção sem a socialização efetiva do know- como parteiro e funcionar como desenhista num escritório de
-how em seu uso tende a colocar o capitalista do saber na arquitetura. Os grupos de interesses especiais e seus disci-
posição anteriormente mantida pelo financeiro. A única pre- plinados consumidores reclamariam, é claro, que o público
tensão do tecnocrata ao poder é o capital que possui em necessita da proteção de uma garantia profissionaL^Mas este
alguma classe de conhecimentos raros e secretos; e o melhor argumento está sendo hoje firmemente contestado pelas asso-
meio de proteger o seu patrimônio é uma vasta organização, ciações de proteção ao consumidor. Temos de considerar
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muito mais seriamente a objeção que os economistas levantam pessoas que querem ter acesso à ciência. Se essa exigência
contra a socialização radical das aptidões: esse "progresso" fosse acatada, todos os homens poderiam aprender a usar os
será impedido se o saber — patentes, habilitações e tudo o instrumentos de ontem, tornados mais eficazes e duradouros
mais — for democratizado. Tais argumentos só podem ser pela ciência moderna, para criar o mundo de amanhã.
contraditados se demonstrarmos a taxa de crescimento de Lamentavelmente, é a tendência contrária à que hoje
deseoonomias fúfceis que são geradas por qualquer sistema prevalece. Conheço uma área costeira na América do Sul em
educacional existente. que a maioria das pessoas se sustenta pescando em pequenas
O acesso a pessoas dispostas a partilhar seus conheci- embarcações. O motor de popa foi certamente o instrumento
mentos e habilitações não é uma garantia de aprendizagem. que mudou mais espetacularmente a vida desses pescadores.
Um tal acesso é restringido não só pelo monopólio dos pro- Mas, na área que eu pesquisei, metade de todos os motores
gramas educacionais sobre a aprendizagem e dos sindicatos de popa que foram comprados entre 1945 e 1950 ainda está
sobre as licenças mas também por uma tecnologia da escas- funcionando, graças a constantes remendos e consertos, ao
sez. As aptidões que hoje contam são o knotü-how no uso de passo que metade dos motores comprados em 1965 já não
instrumentos qüe são deliberadamente escassos. Esses instru- funciona, pois não foram construídos de modo a permitir
mentos produzem bens ou prestam serviços que todo mundo reparos. 0_ progresso tecnológico . fornece à maioria ., das
quer mas de que unicamente alguns podem fruir, e que pessoas aparelhos _que_. elas não têm. meios de_ adquirir _e
apenas um limitado número de pessoas sabe como usar. Só priva-as das ferramentas mais simples de que necessitam.
alguns indivíduos privilegiados, no número total de pessoas Metais, plásticos êTconcreto armado, utilizados na cons-
que têm uma determinada doença, podem beneficiar-se dos trução, passaram por grandes aperfeiçoamentos desde a
resultados da sofisticada tecnologia médica e ainda menos década de 1940 e deveriam propiciar a mais pessoas a opor-
médicos desenvolveram sua capacidade pessoal para usá-la. tunidade de criarem seus próprios lares. Mas, nos Estados
Contudo, os mesmos resultados de pesquisa médica Unidos, enquanto que em 1948 mais de 30% de todas as
foram também empregados para criar um instrumental básico moradias de família eram construídas pelos seus proprietá-
que permite aos médicos do Exército e da Marinha, com rios, no final da década de 1960 a porcentagem dos que
apenas alguns meses de treino, obterem resultados, em con- atuaram como construtores de sua própria casa tinha baixado
dições de combate, que teriam estado muito além das expec- para menos de 20%.
tativas dos médicos mais experimentados durante a II Guerra O declínio do nível de aptidões, através do chamado
Mundial. Num nível ainda mais simples, qualquer moça do desenvolvimento econômico, é ainda mais visível na América
campo poderia aprender como diagnosticar e tratar a maioria Latina. Aí, a maioria das pessoas ainda constrói suas próprias
das infecções se cientistas médicos preparassem dosagens e casas desde o chão ao telhado. Com freqüência, empregam
instruções, especificamente, para uma determinada área geo- lama, em forma de adobe, e colmo, de uma utilidade inul-
gráfica. trapassável no clima úmido, quente e ventoso. Em outros
Todos estes exemplos ilustram o fato de que conside- lugares, constroem suas moradias de cartão corrugado, lataria
rações educacionais são suficientes, por si só, para exigir aproveitada de tambores de óleo e outros refugos industriais.
iuma redução radical da estrutura profissional que hoje im- Em vez de fornecerem às pessoas ferramentas simples e
Ipede as relações mútuas entre o cientista e a maioria das componentes altamente padronizados, duradouros e de fácil
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reparo, todos os governos enveredaram pela produção em (Educação Nacional Bruta — usualmente concebida como
massa de edifícios pré-fabricados e de baixo custo. É claro capitalização de recursos humanos). Uma economia iguali-
que nem um só desses países pode se dar ao luxo de fornecer tária não pode existir numa sociedade em que o direito de
unidades residenciais modernas e satisfatórias para a maioria produzir é conferido pelas escolas.
da sua população economicamente desfavorecida. Por toda A viabilidade de uma moderna economia de subsistência
parte, entretanto, essa política torna progressivamente mais não depende de novos inventos científicos. Depende, primor-
difícil, para a maioria, adquirir os conhecimentos e aptidões dialmente, da capacidade de uma sociedade em concordar
de que necessitam para construir melhores casas para si com restrições antiburocráticas e antitecnocráticas fundamen-
próprios. tais e voluntariamente adotadas.
Essas restrições podem assumir muitas formas; mas só
funcionarão se afetarem as dimensões básicas da vida. A
"Pobreza" voluntária
substância dessas restrições sociais voluntárias seria uma
matéria muito simples que pode ser plenamente entendida
As considerações educacionais permitem-nos formular
e julgada por qualquer homem prudente. Todas essas restri-
uma segunda característica fundamental que qualquer socie-
ções seriam escolhidas para promover uma fruição estável e
dade pós-industrial deve possuir: um instrumental básico
igual do know-how científico. Os franceses dizem que são
que, pela sua própria natureza, se oponha ao controle tecno-
necessários mil anos para ensinar um camponês a lidar com
crático. Por razões educacionais, devemos trabalhar por uma
uma vaca. Não seriam necessárias duas gerações para ajudar
sociedade em que o conhecimento científico seja incorporado
toda a gente na América Latina e na África a usar e reparar
a ferramentas e componentes que possam ser significativa-
motores de popa, carros simples, bombas, estojos de medicina
mente usados em unidades suficientemente pequenas para
e máquinas de concreto armado, se os seus modelos não
estar ao alcance de todos. Só essas ferramentas podem socia-
mudassem quase de ano para ano. E como uma vida aprazível
lizar o acesso às aptidões. Só essas ferramentas favorecem
é uma de constante e significativo intercurso com outros, num
associações temporárias entre aqueles que querem utilizá-las
meio significativo, prazer igual traduz-se em educação.
para ocasiões específicas. Só essas ferramentas permitem que
surjam metas específicas durante o seu uso, como qualquer Atualmente, é difícil imaginar um consenso sobre a aus-
curioso sabe. Só a combinação do acesso garantido aos fatos teridade. A razão usualmente dada para a impotência da
e do limitado poder na maioria das ferramentas torna possí- maioria é formulada em termos de classe política ou econô-
vel vislumbrar uma economia de subsistência capaz de incor- mica. O que usualmente não se compreende é que a nova
porar os frutos da ciência moderna. estrutura de classes de uma sociedade escolarizada é ainda
mais poderosamente controlada por interesses estabelecidos.
O desenvolvimento de tal economia científica de subsis- Sem dúvida, uma organização imperialista e capitalista da
tência é, indiscutivelmente, vantajosa para a esmagadora sociedade proporciona a estrutura social em que uma minoria
maioria da população nos países pobres. Também é a única pode exercer uma influência desproporcional sobre a opinião
alternativa à crescente poluição, exploração e opacidade nos efetiva da maioria. Mas, numa sociedade tecnocrática, o
países ricos. Mas, como vimos, o destronamento do PNB não poder de uma minoria de capitalistas do saber pode impedir
pode ser realizado sem derrubar simultaneamente a ENB a formação de uma autêntica opinião pública, através do
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controle do know-how científico e dos meios de comunicação


de massa. As garantias constitucionais de livre opinião, livre
imprensa e livre reunião tiveram por objetivo assegurar o
governo pelo povo. A moderna eletrônica, a impressão offset,
os computadores time-sharing e os telefones por radio-ondas
forneceram, em princípio, o equipamento suscetível de dar
um significado inteiramente novo a essas liberdades. Infe-
lizmente, essas coisas são usadas, nos modernos meios de
comunicação e informação, para aumentar o poder dos ban-
queiros do saber, para canalizar seus programas padronizados
através de cadeias internacionais para mais pessoas, em vez
de serem utilizadas para aumentar verdadeiras redes que
fornecessem igual oportunidade de encontro entre os mem-
bros da maioria.
Desescolarizar a cultura e a estrutura social requer o
•uso de tecnologia para tornar possível uma política^de^ parti-
cipação. Somente na base de uma coalizão da maioria podem
ser determinados os limites ao sigilo e ao poder crescente
sem cair na ditadura. Precisamos de um novo meio em que
o crescimento possa decorrer sem classes, ou teremos um
admirável mundo novo em que o Big Brother educará todos
nós.

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