Voz Partitura Da Ação
Voz Partitura Da Ação
Voz Partitura Da Ação
So Pau-
Bibliografi a.
85-323-06 12-8
ISBN
97-3245
792 .028
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summus~ed;for;al
VOZ. PARTITURA DA AO
Copyright 1997 by Lucia Helena Gayotto
Capa:
Raghy
Desenho da capa :
Maria Eugenia
SUMRIO
Impresso no Brasil
130
COLABORADORES
APRESENTAO
SUELY MASTER
PASCOAL DA CONCEIO
AGRADECIMENTOS
ao vocal, toca o in acto ou a vida como processualidade, como algo sempre se fazendo, como um devir permanente. Desta ao a cada vez renovada, ele instila a necessidade e o desejo de expresso e de escuta no encontro
com o Outro; o que implica ir alm do senso comum e do bom senso, entrando em contato com aquilo que a autora chamou de "foras vitais" .
Diferentes sons, silncios e sentidos nos esperam. Quando nos permitimos escut-los, eles contagiam pela msica, pelos rudos e pelos ecos de
uma voz que no apenas suporte para estruturas lingsticas convencionais e utilitrias, antes um sopro/linguagem afectivo que, quando entra em
ao, tem o poder de engravidar (engendrar vida) tambm a lngua e a fala.
Lui; Augusto de Paula Souza (Tuto)
SP/outono/1997
PREFCIO
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vo "cientfico", digamos, se fazer valer desta experincia singular e caminhar para uma generalizao do trabalho do preparador vocal no teatro .
Neste contraponto a "a o vocal" aparece primeiro como registro do
trabalho pessoal de Lucia Helena com os atores do Teatro Oficina e depois generalizada (o termo em si conjuga Stanislavski e Eugenio Barba:
"ao fsica", "ao sonora"). Interveno na dinmica cnica, confluncia
de "recursos vocais" e "foras vitais" do ator, resultante de sua interao e
contracenao, a "ao vocal" depois utilizada como um conceito para
que melhor se entenda /escute a voz do ator, no que ela tem de especfico.
A partir dele uma interface proposta, para o qual converge a atividade da fonoaudiloga, da preparadora vocal: a "partitura vocal" . Traos sonoros presentes em uma "ao vocal" so detectados e transcrito s. As diversas
modulaes vocais tornam-se elementos de uma "gstica" vocal (na medida em que o corpo, em seus gestos, se deixa transcrever...). A "partitura
vocal" surge a partir do ator (como resultado final de vrias fases de transcries : "partitura do papel", "partitura interior"...), e volta para ele. Misto
de registro e elaborao, ela se define como uma ferramenta de trabalho,
tanto para o preparador vocal quanto para o ator: "o desejo da ao vocal
leva elaborao da partitura vocal e vice-versa". A linearidade da notao
(um mapeamento de gestos, univocamente transcrito) apenas aparente: a
"partitura vocal" o instantneo de uma possibilidade...
Voz. Partitura da Ao uma contribuio tanto para os profissionais
da voz, em especial para atores, quanto para fonoaudilogos e/ou
preparadores vocais. No h, no Brasil, uma tradio do trabalho "tcnico" da voz do ator. Esta ausncia talvez responsvel pela constante crtica emisso vocal dos atores brasileiros: h uma rejeio tanto ao modelo
de ressonncia historicamente proposto (confundindo nece ssidades acsticas da "voz de palco" com a dico encasacada da "ernposta o" ) quanto ao trabalho fisiolgico com os recursos vocais, visando uma
"ortofonia"...
Neste ritual de aproximao entre o ofcio do fonoaudilogo interpretao teatral , Lucia Helena vai paulatinamente chegando s sedutoras
descries de trs "aes vocais" individuais . Falas cnicas de "Ham-let",
uma montagem do Teat(r)o Oficina, uma ao teatral vivenciada como ponto de partida e de chegada do texto. Acompanhamos as cenas, e os instantneos sonoros as tornam presentes: "Ophelia", Polnio e Hamlet. Aes,
partituras e ... a voz do ponto de vista fisiolgico. Chega-se no ltimo captulo descrio das vozes de Alleyona Cavalli, Pascoal da Conceio e
Marcelo Drummond, atores que "presentificaram" os papis, e s intervenes da preparadora vocal.
O percurso de Voz. Partitura da Ao, do teatro teraputica vocal,
reflete o percurso inverso daquele vivido pela autora. No final, o texto
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verte-se sobre o indivduo, sobre a totalidade que refletida pela voz que
verdadeiramente singular (fazendo uso aqui de idias de Edson da Cunha
Swain, o "dentista-filsofo", como quer Jos Miguel Wisnik). Saindo do
ortodoxo e caminhando para o paradoxo, acompanhamos a passagem de
uma "ortofonia" em direo a uma "para-fonia". Esta sim realmente humana e universal. A in-vocao por ltimo , e antes da leitura: Eureka! Evo!
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ABERTURA
A voz interfere nas situaes da vida quando realizada como ao. Esta
pode ser uma busca deliberada para o falante e, especialmente, tambm um
objetivo para o profissional da voz: atar, cantor, locutor, executivo, poltico,
professor e advogado, entre outros. Uma voz que com ao escancare os
desejos,' conquiste as intenes no texto, e se dirija aos propsitos de cada
profissional, se realizando como movimento vivo e transformador.
Foi nesta ptica que comecei a perceber a voz, mais especificamente
a do ator. Como fonoaudiloga, era habitual , em terapias e/ou treinamentos, o enfoque nas necessidades vocais bsicas para se estar no palco:
aspectos como articulao e projeo; e na sade vocal do atar. Mas, participando de montagens de espetculo s teatrais, como preparadora vocal
de elencos, acompanhando todo o processo criativo desde as primeiras
leitura s e ensaios at a estria do espetculo, ficou claro que, alm de
cuidar da voz dos atores e dar conta das suas necessidades, deveria intervir na construo vocal de seus personagens, acrescentando este trabalho
quele habitualmente realizado.
Assistindo a espetculos, notei que algumas vezes a voz estava sintonizada com as caractersticas do personagem, mas a maneira de us-la
podia ser prejudicial ao ator ; em outras , ela cumpria as necessidades bsicas para o palco, mas estava distante das situaes vivida s pelo personagem, muitas vezes incomodando o espectador que no via em cena uma
persona; e ainda, casos em que o ator poupava sua voz na tentativa de
preservar a sade, no se permitindo experimentar novas possibilidades
de emi sso. Por todos estes ngulos de escuta havia uma falta que me
inquietava, conduzindo-me s questes: Como trabalhar a voz colocan15
17
AOVOCAL
A voz que comecei a ouvir, reparo, a voz que me afeta, me transporta, me transform a. Age sobre mim. Eu j sabia disso, mas quanto mais
assistia, com esta esc uta aberta para a dimenso criadora, mais sentia, por
assim dizer, todo meu corpo escutar. Minh a gargalhada, minh a lgrima,
minha revolta, meu desejo , minha indig nao, minha surpresa, eram vibraes produzida s tamb m por um cantata fsico invisve l, que ocorria
quando havia ao na fala do atar.
A O NA VOZ
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Me lembro do eco como uma das primeiras coisas da minha memria mgica. Como era possvel aquela voz que retomava e que
se parecia com a minha ? Ficava pensando num interlocutor distante que me sacaneava repetindo tudo que eu fa lava e passava
horas divertida s me reouvindo. Hoje, quando vejo ecoar no outro
aquilo que fal o. no deixo de pensar no quanto mgico isto .
Acho quefoi da que veio essa minha vontade de ser ato r. O desejo de que o eco f osse uma companhia. A troca do que se f ala com
o que se ouve. O atorfala e ouve o que o pblico ouviu.
Pascoal da Conceio
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voz vrias vezes, mas se ele tem conj ugado com isso, todo um
trabalho cientfico e potico, ele novamente aprende a fa lar, a
balbuciar de novo... Eu acho que a voz uma coisa que cada
pea inventa, cada pea talvez derrube as vozes que existem, construindo outras, sendo necessrio aprender a fala r tudo de novo.
Z Celso Martinez Correa'
Na perspectiva fonoaudiolgica, o trato com a sade vocal do ator e com
a construo vocal de seu personagem s vezes realizado separadamente,
como se fossem universos distintos: o trabalho restrito ao aprimoramento dos
recursos vocais - atuao mais tradicional da fonoaudiolog ia - funciona
apenas como um suporte construo criativa dos personagens - trabalho
do diretor e dos atores. Na verdade, pude perceber que no se trata nem de se
limitar ao aperfeioamento dos recursos vocais e nem de tom-los exclusivamente como suporte fisiolgico atividade teatral propriamente dita.Trata-se
3. Este trecho faz parte da ent revista que me foi conced ida pelo d iretor teatral Z Celso
Martinez Correa da Companhia Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona , em 1994 , durante a temporada da
pea " Ham-let ", dirigida por ele.
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com o espetculo e com o pblico. "Ele no ouve apenas a sua voz, mas
ouve agora a voz do pblico."!
Nesta perspectiva, vai se definindo uma voz cnica ativa, uma ao
vocal plugada no contexto cnico. Ela se constitui com atitude, porque
no representa meramente o personagem ou a histria da qual faz parte,
mas faz (a) histria em seu movimento vivo: recria quando interpreta,
multiplicando, ao mesmo tempo, as possibilidades vocais quando diariamente revive sua trajetria.
O trabalho de treinamento vocal do ator deve ser referenciado por ae s
vocais, nas quais o uso atualizado da voz est mais presente e fala da necessidade de sintonia entre evocao, atos e sentimentos e, portanto, de uma
linguagem veraz. Pressupe um adentrar do ator na voz do personagem,
que , assim, vivenciada por ele e presentificada - aos vivos - e no mera
representao de um tipo vocal. um pensar sobre si, numa constante
transmutao vocal. "Neste estado ele, misteriosamente, idntico quela
imagem do conto de fadas que pode revirar os olhos e ver a si mesma; ele
agora, ao mesmo tempo, sujeito e objeto, poeta, ator e espectador."
v alm de seu uso cotidiano, e acho que a sada tem de ser atravs de uma forma de liberao fsica: eu no estou falando de
movimentos amplos, mas simplesmente da conscincia de que as
palavras so em si mesmas movimento - e isto bastante sutil.
Parece-me mais apropriado expressar grandes emoes atravs
da dana e do canto, do que por meio das palavras e inflexes
que usamos no cotidiano; ento, temos que ficar atentos s nossas
atitudes no trabalho prtico que nos ajudaro a conquistar esta
liberdade.
Cicely Berry"
4. Chacra, S. Natureza e sentido da improvisaco teatral. So Paulo: Perspectiva, 1983, p.62
5. Nietzsche, apud Dias, op. cit., p.43.
6. Berry C. The actor and the texto Nova York: Aplause Theatre Books, 1992, p.23.
"It is difficult to find an extravagance in language, a music wich is perhaps beyond our
everyday usage, and I think the answer has always to be through some form of phsysical release:
Iam not talking about large movements, but simply an awareness that the words are themselves a
movement - and this is quite subtle. It would seem more appropriate to express large emotions
through dance and song than through the words and inflections that we use every day, so we must
now look at our attitudes to the praticaI work that will help us through to this freedorn,"
As citaes diretas de livros em ingls, usadas neste livro, foram traduzidas livremente por mim.
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Aquilo que para ns, anteriorme nte, tinh a sido um postul ado: a voz um processo fisiolgico - tomou- se, ento, realidade palp vel que engajava o orga nismo
inteiro e projetava no espao. A voz era um prol ongam ento do corpo, qu e atravs
do espao go lpeava, tocava, ac ariciava, ce rcava, empurrava ou sondava distncia ou a poucos centmet ros".
quando perguntaram a Tommaso Sa lvini co mo que ele, com sua idade avana da, enc ont rava for as para gritar com tant o vigor em certo pap el , ele retru cou "Eu no grito, vocs que gr itam em meu lugar. Eu somente abro a boca. A
minha funo levar gradualmen te meu papel at o seu pont o culmi nante e depois disso feito. o pblico que gr ite, se sen tir que preciso." "
Isto significa perceber a voz como uma fora cni ca capaz de modificar a situao, os atores e o pbli co. Cicel y Berry,' " no seu trabalho de
preparao voca l, fala : "Depois que as pala vras so dit as, nada permanece exatamente igu al". E pro ssegu e afirmando que , em tre inamentos com a
companhia do diretor Pete r Brook, repentinam ente apercebeu-se de como
era importante pen sar sobre as palavras desta maneira, visto que elas se
tomam uma fora ativa, no somente para o atar, ma s tambm para os
vrios personagen s interpretados.
O diretor teatral Z Celso Martinez Correa.!' referindo-se a Stani slavski, diz:
o desejo sa i pelo sopro , o sopro passa pel a co rda e a co rda toca a fala, " phala"
inclusive co m ph, a fala f lica . Stan islavski tambm falava bonito isso , que era
necessrio voc soprar no sopro a ao, para a a o acontecer na ao da fala,
para a fala agir tambm, para fala cami nhar, pa ra fala interfer ir, para fala ter vid a,
ter tanta vida que ela vai vira ndo ritm o, qu e ela vai vira ndo msica.
A voz ganha uma qualidade de moviment o, pois age no acontecimento
cnico. A fala vem acompanhada pel o percurso do personagem , no qual ,
por exemplo, o pice de uma proje o de voz tamb m um momento
emotivo culminante do personagem.
Norm alm ent e aumenta mos a energia do so m, o volume, se m estar em equi lb rio
com a e ne rgia ve rba l do per son agem . Ago ra , a e ne rgia requerid a par a co mpart ilh ar a voz co m um gra nde nm ero de pessoas some nte em part e tem a ver
com vo lume , mas tem tud o a ver co m co mo ns pre en ch em os as pal avras de
sentido."
Assim, os recursos vocais podem ganhar uma amplitude que, quando acontece, corporifica o personagem e ata o pblico. O ator, neste estado, capaz de perceber plenamente esta atm osfera. Por exemplo,
9. Op. cit., p.62.
10. Berry, op. cit. , p.20.
"After words are spoken, nothing is quite the sarne again,"
11. Op, cit.
12. Berry, op. cit., p.21.
"ln fact we increase the sound energy, the volume, but do not increase lhe verbal energy to
balance with it. Now lhe energy requ ired lo share with a large number of people is only partly to
do with volume. but it is ali lo do with how we fill the words themse lves."
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13. Stanislavski, C. A construo da personagem . Trad. Pontes de Paula Lima. 4. ed. Rio de
Janeiro: Civilizao Brasileira, 1986, p.17 1.
14. Souza, L.A .P. "Li nguagem, represe ntao e alteridade". Cadernos de Subje tividade.
So Paulo. Ncleo de Estudos e Pesquisas da Subje tividade, Programa de Estudos Ps-Graduados
em Psicologia Clnica da PUC-SP, v.2, n.1 e 2, p.79-86, mar.lago. - set.zfev, p.80.12.
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inteiro , pod em e devem ser elabo rados co mo ao vocal, pois a pal avra
destitu da de situao perde vigo r.
Realizar ao vocal amplia o uso dos recursos vocais na cr iao, ou
seja , abre as co mbinaes e possib ilidades de mo vimento da voz em cena ,
prtica essencial para o ator e para o preparador vocal.
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e rduo trabalh o de criao. Nos muitos livros que escreveu so bre a Arte,
Stanislavski vrias vezes deparou co m esta questo .
Ser o a q ui de sc rit a s a lg u mas d a s expre ss e s c u nhadas por
Stani slavski , que compem uma espcie de glossrio das caractersticas
cnicas: a o fsica, superobjetivo, objetivos, situao, inteno e subtexto
dentre outras. E tambm a maneira pela qual a manifestao da ao vocal, nessas caractersticas, interfer e e co mpleme nta o trabalho de cr iao
art stica do int rprete.
Ao Fsica
Qualquer coisa que ocorra no palco, mais especificamente ligada ao
corpo e voz, deve acontecer com algum propsito. Uma in~ic a? de
movim ent o. co mo and ar, vem objetivada por um co meo e um fim . sair de
um lu crar a outro. Andar, efetivando -se co mo ao fs ica, preenchido de
um CO~lO e um por qu e, de uma inteno obje tivada . Porm , a ao fsica
no est es trita me nte ligada ao movimento co mo forma de deslocamento,
e pode ser a prpria imob ilidade, o estar parado, plen o de ativida~e intencional do atar. Somente quando a ao obj etivada tendo, con sciente ou
inco nsc ienteme nte, uma justifi cao, um motivo par a ser, que ela se
efe tua em aco nteci mento interpretativo: no se trata de representar o andar pelo mo vim ento em si e, sim, andar co mo ao fsica. O mesmo podese dizer do ato da fala em ce na.
A ao fsi ca, tal qu al defin ida por Stan islavski , at hoje amplament e usada por atores e diretores no pro ce sso de co nstruo dos personagen s. O ator se pergunta: O qu e eu fao para sati sfazer minha inteno,
os obje tivos do per son agem? Stani sla vski dizia aos ata res : No perguntem o qu e o personagem se nte, mas o qu e e le faz. (...) " Em cena, vocs
tm se mpre de pr alguma coisa em ao. A ao , o movimento. a base
da arte que o ato r persegue (...) no atue m de um modo ge ra l, pela ao
simples me nte, atuem se mpre co m um objetivo," !" A ao fsica defin ida, por Stani slavski, tanto em rel ao ao co rpo qu ant o voz do atar, porm foi de senvolvida mais det alh adamente em rela o ao corpo. Ape sar
de dedicar vrios captulos aos recursos vocais, Stanisla vski no desenvolveu es pecificame nte a ao vocal. Por isso, no presente livro , a descr io de ao fsica es tar se referindo ao corp o, mesm o co nsiderando corpo
e voz, juntos, em ao.
A noo do que ao fsica serviu de ba se par a (re)e labo rao do
con ceito de ao vocal. Stanislavski diz: "O corpo co nvocve l. Os sen16. Sta nislavski , C. A preparao do ator. Trad. Pontes de Pau la Lima. 10. cd . Rio de
Jane iro: Civilizao Brasileira. 199 1. pp.64 -7.
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timentos so caprichosos. Portanto, se vocs no puderem criar espontaneamente um esprito humano em seus papis, criem a entidade fsica do
papel ". 17 A necessidade de um trabalho de preparao vocal mais ligado
ao processo criativo do ator conduziu-me a este estudo. Na ao fsica, os
objetivos e as intenes do personagem deveriam ficar expostos; da mesma maneira, a vida verbal do personagem deve ganhar materialidade e ser
trabalhada em forma de ao. Como afirma Berry," a conexo entre a
vida fsica e a verbal do personagem deve ficar aparente e palp vel , no
s para o ator, mas tambm para o espectador.
Deste modo, a a o fsica e a ao vocal ocorrem em comunho
fazendo a histria acontecer. O texto requer ao, a ao pede o texto para
manifestar-se. Assim, a interpretao do ator tem na fala um movimento
de atitude que traduz a prpria ao cnica.
o Superobjetivo e oObjetivo
Situao
17. St ani s1avski, C. A criao de um pap el. Trad. Pontes de Paul a Lima. 3. ed. Rio de
Jane iro: Civi lizao Brasileira, 1987 , p.169.
18. Berry , op. cit.
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31
I
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gradas ao geral, criam no ouvinte um corpo imaginrio para investigao dos muitos sentidos que compem uma obra de arte. E esse o seu
movimento, sua tempestade que sacode o campo das idias preconcebidas sobre os significados das coisas.
A inteno, portanto, regida pelo querer, instigada por uma necessidade e conectada ao texto, ao autor e, por conseguinte, ao personagem por meio dele ao ator, ao diretor e ao pblico - , gera movimentos que se
efetuam pela voz e pelo corpo, determinando ao.
Subtexto
I
.iI
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Quando pela primeira vez alguns atares encontram pela frente um texto de Shakespeare, com falas imensas, pginas de monlogos, tm como
primeiro impulso o desejo de reduzir todas aquelas falas metade, seno a
um quarto ou menos. A impresso de que tanto texto desnecessrio e
com poucas palavras se poderia transmitir plenamente todo o univer so tocado pelo autor. Mas a leitura aprofundada do texto, o conhecimento mais
amplo da situao, dos desejos que ali esto, objetivos, superobjetivos, acabam colocando-nos frente seguinte concluso: o texto pequeno para
tudo o que se quer dizer, e mesmo depois de tantas vezes representado fica
a sensao de no ter dito tudo, de faltarem palavras para trazer tona a
fria de um rei Lear, o horror de Macbeth, a questo de Hamlet, o cime de
Othelo, e um caldo imenso de sentimentos inominados que passam pela
obra do grande autor que William Shakespeare. Por ele possvel comprovar que o texto uma pele, um tecido a cobrir a carne, os ossos, o sangue , as vsceras de uma humanidade inaudita, oculta, impronuncivel,
profunda, milenar, que cada palavra exige para ser manifesta.
A compreenso dessa dimenso da fala que faz com que tenhamos a
emisso vocal cnica como algo que no pode se dar numa enunciao
impensada, como mera tagarelice ou fala decorada. O ator se apropriar
daquilo que diz, se dando como terra para as palavras e far suas as razes
dessas palavras, o que ser o seu subtexto. A formao dessas razes se dar
por intermdio da compreenso e elaborao dramtica, com o ato r atento a
todas as sugeste s e situaes trazidas pela pea. O texto escrito ser recriado na encenao sob o qual ser escrito um outro texto de desejos, objetivos, intenes: o subtexto. O diretor e os atares produziro esses fluxos
subtextuais a partir das interpretaes que fazem , dos elementos que acrescentam e retiram do texto e dos modos como os transformam em realidade
cnica. Eles criam uma histria singular, uma corrente subtextual, conectada
ao enredo do texto teatral. Esta corrente subtextual age como um impulso
que impele emisso. Este subtexto se deixar ver impresso na voz, no
corpo do atar e se manifestar por meio. tambm, de suas intenes.
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FALAR AGIR
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mais elaborada ser sua voz. Isto quer dizer que o treinamento vocal do
ator fica impregnado, incorporado nele como uma espcie de memria,
pronta para realizar-se como ao vocal na interpretao.
A ao vocal, ento, mobiliza no ator impulsos ligados aos superobjetivos
e objetivos, s situaes, s aes fsicas e ao subtexto . Imbricada nos recursos vocais, ela reflete e recria as intenes do personagem; e se d no s no
plano consciente, pois no se pode controlar todas as matizes de uma expresso conscientemente. Muitas vezes, quando a voz produzida, o ator a percebe como uma sensao geral sintonizada na situao do personagem.
Pode-se dizer que a ao vocal faz o atar rever sua voz e a do personagem, (re)atualizando os recursos vocais em sua manifestao. Por isso,
j aconteceu de atores relatarem o medo de trabalhar a voz , com receio de
desestabilizar a interpretao conquistada para o personagem. Como se
esta conquista fosse estanque e no contnua! Porm, em vrias companhias h um trabalho constante de direo e (re)elaborao do texto na
boca do atar. Desde as primeiras leituras, e tambm no momento de decorar o texto, importante ficar atento para no congelar formas de emisso,
investigando partituras, interpretaes vocais.
Esta voz capaz de metamorfose pode se materializar nas nuanas dos
recursos vocais trabalhados para aquele personagem. As palavras na ao
vocal so como estratgias para se alcanar um determinado objetivo,
uma inteno, para transmitir um subtexto, para estar em situao.
Este processo de transmutao auxiliado, tambm, pelo pensamento e pela imaginao. que so trabalhados na voz pondo em relevo significados e permitindo aos atores e ao pblico "ver com o ouvido". O
pensamento do ato r no caminho do texto deve seguir o fluxo do pensamento do personagem. Berry" afirma que a fala sendo ativa aclara o pensamento do personagem; ao contrrio, passiva quando o ator, na busca
das intenes, acaba pensando muito antes de falar e, portanto, no vive o
pensamento quando este ocorre na fala. fazendo desta somente a representao do pensamento e no ele mesmo. Isto se se entender por pensamento no apenas uma faculdade racional/intelectual . mas tambm
disponibilidade ao plano das sensaes, percepes e afectos", abertura ao
jogo, ao aca so, ao destino. O pensamento, assim concebido. da ordem da
criao de sentidos e expresses, advindas do contato com as foras vitais,
sendo a razo um importante meio de que se dispe para a elaborao
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formal e repre sentacional do pensamento ." No trabalho de interpretao, o ator pode mobilizar imagen s-sen saes que reavivam suas pal avras e criam um subtexto imaginrio. A imaginao excita a atuao. A
brin cadeira de imaginar pode tambm ser a de criar realidades, discutilas, recri-las e, por fim, interferir nelas. A imaginao uma das armas da
qual se vale a vontade desejosa e provocadora. Imaginamos longe daqui, aqui
mesmo e, nesse sentido, a imaginao no um processo alienatrio, mas
sim um meio ativo de se contracenar com a realidade. Falando o texto o ator
destaca imagens, faz as palavras vibrarem. Estas imagens-sensaes deveriam estar a servio do ator/personagem em seu superobjetivo na pea.
O ator no pode expl icar ou comentar seu texto enqu anto fala, como
se mostrasse para o pbli co a razo dessas palavras; ao contrrio, tem de
liber-las, como se estivesse descobrindo-as por meio dos pensament os
do personagem e de sua prpria imagin ao no momento da emisso. Na
ao vocal preciso que a voz seja fluxo das f oras vitais exprimindo
sensaes, idias, emoes, imagens. Ao vocal fluxo, escoamento e
mobilidade, processo dinmico; pode ser no silncio, na pausa, pois no
, neste estado, somente ausncia de som , ao.
O ator tem de "tocar" o personagem pelo texto, e permitir que este
conduza suas prprias experincias, de maneira que o encontro entre eles
se torne r~al , catalisador ,das foras que vo sustentar a voz, ampliando
sua capacidade de ao . E certo que quant o mais depu rada e eficaz for a
voz do ator, mais refinad as as relaes com suas intenes; quando a voz
ao, j corporificou o prprio personagem .
A ao vocal, em sua abrangncia, efetua-se nas vrias concepes
de atuao teatral, em qualquer teatro. Na qualidade de movimento , a voz
em ao no se limita a um tipo especfico de interpretao, mas, certamente , se potencializa naquelas que vicejam, que fazem diferena para
quem fala e para quem ouve. So as fora s vitais emergindo na voz.
Da necessidade no teatro de vnculo entre a emisso das palavras , de
outros sons e seu contexto vivo, emergiu esta (re)conceituao de a o
vocal e a elaborao/anlise das partituras vocais, pois estas permit em
captar as caractersticas da voz cnica em momentos diversos do processo
criativo do ator, em ensaios e espetculos.
Nesta prtica de prepa rar a voz, o domn io tcnico e o trabalho est tico de criao vocal podem e devem se esposar, ambo s a servio do trabalho de criao e reflex o do ator. Este cruzamento define uma maneira
de trabalhar a voz do ator em suas a es vocais, registradas nas partituras
vocais, como ser visto nos captulos seguintes.
23. Souza. L.A.P. Entre -corpos. .subje tiva o e processos urbanos . So Paulo, 1997. Tese
de Doutorado em Psicologia Clnica, PUC/SP.
36
II
PARTITURA VOCAL
I. Stanis lavski, C. A criao de um pap el. Trad, Pontes de Paula Lima . 3. ed. Rio de Janeiro:
Civilizao Brasileira, 1987, 1'.108.
2. Aslan. O. O alar no sculo xx. Trad. Rachel A.B. Fuser, Fausto Fuser e J. Gui nsburg.
So Paulo: Editora Perspectiva, 1994, 1'. 19.
37
se ter uma idia ainda que vaga de co mo ele desempenhava ritmicamente. onde fazia
as pausas e, talvez, como deve ter soado aos ouvidos de seus co ntempor neos .'
38
HAMLET
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Corno a c cl n l e c e r
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em t e mpo, lug ar E mo d o ,
Tudo o ma is
.a con~ lou aos mel\ S o uv j (l o s .
39
No texto trabalhado pelo ator, alguns dados importantes da cen a ap arecem escritos ao lado da fala, dando corpo e possibilidades s intenes
do person ag em .
A elaborao da partitura vocal, na con struo dos personagens, se desenvolveu tambm nos ensaios, mas foi registrada, mais detalhadamente, pelos atore s e por mim nos treinamentos vocais. Ela no categrica, no sentido
de fechar- se numa nica form a ou marcao; ao contrrio, mutvel, multiplicando- se e transformando-se ao longo do proce sso criativo. A fala partiturizada revela uma linguagem que no s explicita os recursos vocais, mas os
liga situao cnica como um todo. A voz muitas vezes realiza- se tambm
como cena e com atitude objetivada pela processualidade do personagem em
sintonia com o atol', ou seja, nestas circunstncias ela ao vocal. A partitura vocal o meio pelo qual a ao vocal poder ser (re)visitada, permitindo
que ela e tambm outras ae s cnicas sejam (re)elaboradas.
A partitura vocal singular a cada interpretao; o me smo personagem ganha partituras diversa s na voz de diferentes atores. O texto dramtico recebe, portanto, um desenho pe ssoal que se transmuta me smo depois
da estria, e at de espetculo para espetculo, quando novas referncias
interpretativas e vocais vo modificando-o. A fala, sendo in stvel, no
estabiliza melodias ou ritmos como a msica faz e, portanto, a partitura
vocal no regular, com notas e andamentos definidos. Ela tem outra
trama, determinada pelos usos do s recursos vocais nas situaes do personage m e do atol', em cada pea e em seus espetculos.
Na primeira leitura do texto feit a pelos atores e pelo diretor, diversas
po ssibilidades de interpretao se de sdobram. Neste momento e no dese nro la r do processo criativo, as notae s no texto feitas pelo atol' vo
desde de senhos e expresses que refletem a cena, situaes do texto, do
person agem, seus objetivos etc., at as marcaes especficas da fala do
ator. Este conjunto de elementos define a partitura do papel , vista na fala
de Hamlet, e engloba referncias voc ais.
Cada diretor tem modos caractersticos de criao e montagem teatral, com variaes de pea para pea, o me smo ocorrendo na construo
do per sonagem pelo ator: o pro ce sso criativo no comporta regras fixas .
A partitura do papel, escrita sobre o texto ou fora dele, uma anotao repleta de dados e marcos de ste processo. As circunstn cias dadas
pelo autor, tipo de proposta teatral , lugar e poca da montagem e as relaes entre o elenco e a direo afetam o ator e certamente ressoam em sua
partitura . Nela, uma espcie de pl ano, de mapa da pea, traado, como
da palavra qui s dar o sentido de soltar o canastro : ler - soltar. e Ham - cana stro (apesar da
traduo literal ser outra, foi utilizado o em prego deste termo para o teatro). O hfen funciona
tambm como "ponte" de ligao entre essas duas noes. Portanto, ser usado aqui "Ham-let"
quand o referido a esta montagem da pea. e Hamlet (sem o hfen) para o person agem. Esta fala
originalmente de Polnio , porm na montagem passou a ser de Hamlet.
40
pontos de referncias, com os quais o atol' se posiciona e se desloca, estabelecendo objetivos cnicos. Estes do propsitos s aes f sicas, orientam as intenes, incitando de sejos.
Por meio dacontribuio de Stanslavski, o atol' ganhou instrumentos que
o ajudam na manifestao das emoes do personagem. As caractersticas da
partitura do papel e sua efetuao nas aes do atol' em cena trouxeram urna
percepo ao meu trabalho de preparao vocal; pude ver que a j estava embutido um esboo inicial da partitura vocal. Assim como o corpo carrega as
caractersticas cnicas na ao fsica, a voz, tambm, na ao vocal, conduz
intene s, objetivos e situaes, Ela arrasta, quando de fato age, o corpo e suas
aes, fazendo com que se tomem indiscernveis; o que, alis, provavelmente,
seria mais perceptvel no fosse predomnio, em nossa cultura, de uma certa
tradio racionalista, que dicotomizou corpo e mente , razo e emoo, operando a separao entre o real visvel e o real impalpvel. O registro grfico dos
desdobramentos da ao vocal, sem tais dicotomias, constitui a partitura vocal.
Da mesma forma que Stanislavski props a partitura do papel, o
preparador vocal cria seu registro, a partitura vocal, onde os movimentos
da voz cnica do ator para aquele personagem esto desenhados. A sua
anlise oferece, portanto, subsdios para o trabalho de voz no teatro, tanto
para o atol' e para o diretor quanto para o preparador vocal.
A capacidade de esculpir sonoramente as vontades e necessidades do
personagem vital para o atol'. A anotao da partitura vocal, retrato do percurso de construo vocal do personagem e de sua encarnao na voz do ator,
reflete esta ao num dado momento expressivo. Por intermdio dessas notae s tem-se referncias das caractersticas do personagem e vice-versa, as
caractersticas cnicas sugerem recursos vocais, como ser visto adiante.
41
polonlo~
b.n~D
li
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_ _ dupla
...
chegando.
dupla graa ..
~ it';;L.4e'c"Te5
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.
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POLONIO
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deI os.
'::1
voce.
Basicam ente, as notaes vocais de maior ocorr ncia na sua partitura do papel so algumas palavras sublinhadas co mo palavras-ch ave da
fala e, ainda, os blocos de palavras ou frases que so agrupados pelo sentido e entendime nto que se d ao texto. As pal avras-chave so chamadas
tambm de "palavras-sensaes", "palavra expressiva", "palavra de valor" , "pa lavras com libido", "palavra viva", dad a a nece ssidade de realizlas co m vitalidade e contextualizadas ao vivo, no instante da sua produ o
cnica . Graficamente, neste text o, as pal avras-chave so sublinhadas,
circundadas ou at coloridas, e os blocos e fra ses so separa dos por tra os
ou englob ados. Algumas palavras, escritas pelo ator, aparecem co m freqn cia ao lado do texto , como exp resses que substantivam, adjetivam,
ilustram o personagem e suas cara ctersticas cnicas.
So muito usados os traos de pausas, tanto o simples I quanto o duplo
II, sendo o prim eiro chamado de pausa lgica, que divide a frase em perodo s,
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Um texto antes de mais nada uma respirao. A arte do comediante consiste em querer igualar-se ao poeta por um sim ulacro respiratrio que, por alguns
momentos, se identifica com o sopro criador. Logrei uma certez a maravilhada da
importncia respir atria de um texto quand o chegamos ao Marrocos e obtive a
permisso de ver as primeiras cpias do Coro da poca da Hgira. Perguntei o
que significavam, no meio das pginas cobertas de uma escrita em fonna de aletria.
de grandes e pequenas manchas amarelas semelhantes a girassis que se reproduziam ao longo do manuscrito: "as manchas grandes" . explicou o bibliote crio.
"so a marca dos versculos, as pequen as so a marca das respiraes. Logo que
o senhor aprender isso, acrescentou ele, um texto no ter o mesmo significado
nem a mesma eficcia se no for respirado como foi escrito". lO
.
f
~i
ii
8. Stani slavski, C. A construo da personagem . Trad. Ponte s de Paula Li ma. 4. ed. Rio de
Ja neiro : C ivilizao Bra sile ira. 1986. pp. 133-72.
9. Berry, The ac tor and the texto Nova York: Aplause Theatre Books , 1992.
10. Jouvet, L.. apud Aslan , 1994. p.20.
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45
46
Ento, se evidenciar uma lgica sonora que se manifesta atravs do ritmo, isto ,
atravs de mudanas de tom, intervalos e intensidade da voz, volume que muda,
acentos tnicos em determinadas partes da frase, micropausas diante de certas
palavras, todas as pausas diante de inspiraes, que, ao invs de fazerem buracos
no nosso discurso, aguam o sentido, aguam o nervo.'?
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E NA VOZ
A percepo das combinaes de vogais e consoantes e suas caractersticas fnicas, so de extrema importncia para o ator no exerccio da
voz cnica. A criao, no trabalho com o texto e no subtexto, d po ssibi21 . Wisnik , 1.M. O som e o sentido: uma outra histria das msicas. So Paulo : Comp anhia
das Letr as/Cr culo do Livro, 1989.
22. Machlin, E. Speech fo r the stage. Nova YorklLondrcs: A Thcatre Arts Book. 1992, p.133.
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50
pio, alongamentos e encurtamentos de vogais, con soante s. e muit as qualidade s de movim ento co nfor me suas intene s, aumentand o seu rep ertrio voc al. "Conhecer foneticamente os elementos que constituem a slaba
d pal avra a realiza o viva do que ela representa, porque exi ste uma
afi nidade mister iosa entre o pen sam ento e a sua expresso sonora.''"
Isto pode ser visto e sentido claram ente por qualquer pessoa que , com
olhos e ouvidos atentos, assiste a um espetculo teatral e afetado por ele.
Todas as pessoas que j viram teatro devem ter experimentado isso. Nas anlises das partituras vocais esta dimen so ser desdobrada nas aes vocais .
A partitura colabora na busca do personagem , co mo tamb m o trabalho de elaborao do personagem auxilia na concepo da pa rtitura e conseqente a o vocal. A voz revela as se nsaes e intenes de quem fala,
mas cert ament e se colocar em atitude de ao vocal , com o na prtica do
ator, incita a descoberta de foras vitai s no falar, na interpretao. "Uma
lingua gem falada com ritmo bem delin eado faci lita a sensibilidade rtmica
e o oposto tamb m verdade: o ritmo das sensaes experime ntadas ajuda
a falar co m clareza.'?' O aprimoramento dos recursos voca is est direta mente ligado criao vocal. Quando o ator fala bem significa que o personagem est pre sente, existe vocalmente.
A partitura vocal um instrument o para o ator, registrando, na fluidez
da fala, um princpio de estabilizao. Ele nunca falar exatament e com as
mesmas curvas, com o mesmo andamento, mas ter referncias de suas interpretaes vocais para elaborao da voz do personagem. uma ferrament a
auxiliar para desenvolver a tcnica e a sensibilidade para fala no teatro.
COMO COM POR A PARTITURA
Desde as primeiras leituras de mesa, na montagem de uma pea teatral, possvel ir esboando a partitura voca l. Nestes ensaios o ator vai
estruturando-a co mo uma mesma co mpos io da part itura do papel, tudo
26. Lerichomme, apu d Aslan, op. cit. , p.8.
27. Stanislavsk i. 1986. op. cit., p.25!.
28. Fernanda Mon tenegro . Entrevista ao caderno Fo lha Ilustrada. Folha de S. Paulo. So
Paulo. 1993.
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A passagem do texto escrito, falado ainda timidamente, para uma emisso com vitalidade, com apropriao, est relacionada a estas descobertas: da
diviso do texto (pausas) e das palavras vivas (nfases) que daro novos ritmos com cadncias e fluncias. a atar, quando entra em cantata com seu
personagem, experimenta as dinmicas do texto, nos movimentos que emergem das palavras e nos novos sentidos que isto faz gerar.
a que h, na partitura, uma ligao intensa entre nfases e pausas, no
momento em que os ensaios so constantes e a repetio das falas, j com
algumas anotaes iniciais, vai proporcionando tempos e andamentos ao texto. comum, de ensaio para ensaio, com novas compresses da pea, que as
marcas mudem alterando a partitura - por isso bom que seja feita a lpis.
Nesta fase inicial, poucos so os recursos vocais anotados na partitura;
estes vm, dia aps dia, a cada descoberta. a atar pode ir anotando alguns que
ficam bem definidos pelas situaes do personagem e seus objetivos. Com
algumas perguntas bsicas vinculadas ao superobjetivo, aos objetivos da cena
e s intenes, o atar vai clareando, e mais, vai precisando de recursos para
expor seus desejos. Ele se pergunta: a que eu quero dizer? a que fazer? e age,
respondendo atravs da ao vocal. Ento nfases com curvas meldicas,
variaes de intensidade etc. aparecem e podem ser anotadas. A cada palavra
emitida, muitos recursos vocais so combinados, mas, na partitura, o que
importa so os que esto diretamente vinculados s caractersticas cnicas e,
na situao, fazem diferena aos ouvidos quando se tem ao vocal.
Uma partitura decupada em seus recursos vocais difcil de ser feita
nos ensaios pelo atar. a que ele percebe mais claramente, muitas vezes, a
relao entre o recurso e as caractersticas cnicas do personagem de forma
abrangente. Algumas cenas fazem emergir uma necessidade vocal: por exemplo, a cena de Polnio, que analisada no captulo III, de pressa, de embarque - a velocidade rpida est presente em toda fala, como um recurso de
base que flui pelo texto. Num caso como este, o atar deve assinalar a marca
deste recurso na cena, como condutor da linha da ao vocal.
A partitura vai se estruturando pela marcao dos recursos vocais no texto. Para tal foi elaborado um guia de marcas dos recursos, mostrado a seguir.
Nele todas as marcas so assinaladas como nfases - sublinhadas - ,
pois sendo o ponto culminante do subtexto onde recaem, mais fortemente,
as intenes, objetivos, e, portanto, maior nmero de desenhos vocais. As
partituras vocais so analisadas, no captulo III, sob este ponto de vista. J
tinham uma estrutura bem definida, porque foram recolhidas de um momento adiantado do processo criativo - dois anos aps o incio dos
ensaios e um ano aps a estria.
Guia de marcas
Recursos vocais
PAUSAS INTERPRETATIVAS
lgica
psicolgica
"luftpause" ou pausa para retomada de ar
quero /
quero //
v quero
NFASE
CURVA MELDICA
.i->
ascendente (agudizando)
quero
descendente (agravando)
quero
ascendente/descendente
quero
descendente/ascendente
----....
-----.....-
quero
monotonal
INTENSIDADE
forte
fraco
ARTICULAO
fora
abrandamento
DURAO
alongamento
quero
VELOCIDADE
rpida
lenta
CADNCIA
silabada
54
Exemplos de marcaes
quero
-----
Nas partituras anali sadas neste livro , a con cepo criativa estava avanada e as aes vocais altamente praticada s; ape sar de este momento ser
delicado tambm, poi s as inmeras repeties poderiam ter "congelado "
formas de emisso sem nenhuma ao vocal.
O cuidado com a padroni zao da voz no teatro essencial ! A voz empolada, a repre sentao vocal, traz numerosas vezes uma entonao montona para o palco , como a repetio de curvas ascendentes e descendentes:
1\ / \ / \ / \ / \ / \ / \
ou ainda outras emisses, com uma curva ascendente cont nua que nunca
pontua:
56
OPHELIA
.- - - Mo pegou pelo pulso e me ap~ rtou com forc;
DepOIS se afastou na distncia do bra~o
[Inteiro
f: o s. dedos .:l S UCi out r a mo pousou na sua
[prprIa testa
Me('~ulhou nurna leitura to (jemor ,lda 110 meu
[rosto
Como se qUises se I1f.'serlt,ar
FICOU um tempo
[f>norme assim
Nu fim, uma ",acudida rur t a ru: mt-~ll trr ac o
f trs veze~ iazl.'ndo ", l r' l com ~,lId cdhpc;a,
[d~slm
de cIma pra baIXO
Soltou um susPiro to sentido e proflJnrjo.
Que parecia que seu corpo se desiazla em
[ fJedac;os
Ic-: '';Ud Vida morrld
( Opt,E' 1 J a
------.-
57
A segunda fala, de Polnio (ato I, cena 3), se d no porto - na despedida de seu filho Laertes que vai para a Frana. Quando Polnio chega
para se despedir, Laertes est atrasado e, assim, o pai lhe d, apressadamente, antes do embarque, as ltimas dicas para viagem. So conselhos
bem marcados na fala do ator com fora na articulao, intensidade forte
e velocidade rpida. Somando-se estes recursos de base da cena s numerosas nfases e pausas da sua partitura do papel, tem-se o seguinte desenho vocal:
entra polonlo]
t
\
1J~t(() 11ttt1t:-
_
dupla b .. n .. ~o
Ai sorle ...la do .... u
l.do r
E, por fim, a fala de Hamlet (ato II, cena 2), quando ele confessa seu
amor a Ophlia por meio de um bilhete lido na presena do rei Cludio,
da rainha Gertrudes e de Polnio (este comea lendo-o e depois "d a
deixa" para Hamlet, ele mesmo, falar o contedo do bilhete). As opes
meldicas do ator, na fala de Hamlet, aliadas suavidade do discurso,
traduzem a declarao de amor dos versos escritos, agora ditos ao vivo,
para Ophlia. Ento, o ator pode anotar, ao lado das linhas, os recursos de
base (curvas meldicas, intensidade fraca e alongamentos) mais atrelados
a este momento, situao:
f't\NOO
~it';;Ll4e...;res
,"
Pilb
1l
oe 1DL.otVI O
.. la,
P(lLONIO
Boa
~~ep espere um pouco. Eu serei
deI
"l
DuYide,l~
~l-""
1.-..-..
essa
cano
EU
ml~ica. N~o
alllo.laClm?:
nc r- e d.I a Em mim.
cu"l pt-a .5efllPFe,~mjr.h~ dam~ mf~,qUe:ridaplenql.1anlO essa
M&qu i n~\ d Haml et TlJnC I onD.r', Hall.1 e t
~.~S50,. minha +"ilha me ic et r ou por obe-di&ncia"
Guanto ao ~eslo,.
soli~itaoes dele,
Como aconlecel~
,. em tEmpo, lugar ~ modo,.
Tudo o mais
.a con~jou aos meus ouviclos.
,,"
.1'9
dela
() Nlo
58
ben .. lo
voce.
amigo
-'l"'-~~.
dc--r-r.tdo./
/i..
/"
feito, tambm, com o preparador vocal aliado aos vrios treinos necessrios:
ele pode selecionar, por exemplo, os recursos vocais de base que foram
percebidos nas falas do personagem e exercit-los para melhorar a performance do ator. Portanto, a partitura serve, tambm, como um guia para os
treinamentos, no qual o preparador vocal revisita seu trabalho, pode consultar o que foi feito - nas repeties das falas, nos ensaios - e pode
projetar novas etapas.
Nas anlises que so expostas no captulo seguinte, numerosos recursos
esto anotados, especificados em suas relaes com as caractersticas cnicaso importante ressaltar que estas partituras foram feitas e analisadas por
uma preparadora vocal, j num momento bem avanado das interpretaes
vocais dos atores. Fica como um registro completo de como se fazer partitura, bom para quem toma contato pela primeira vez com estas conceituaes;
por intermdio do seu detalhamento pode-se conhecer exatamente os recursos que mais se repetem na cena e os que, em seu conjunto, ressaltaram as
aes vocais dos atores.
No se trata de partiturizar todo o texto a ser falado! Normalmente,
na prtica, somente alguns recursos, os mais fundamentais ao vocal
em relao s caractersticas cnicas, sero anotados/analisados pelos atores, pelo diretor e pelo preparador vocal. Eles podem escolher, para
partiturizar, uma fala em que o atar encontra maior dificuldade, ou uma
cena especfica que ajude a conhecer e explicitar a natureza do personagem, por exemplo, em uma situao-chave do texto. O preparador vocal
pode selecionar algumas falas que considere nucleares prtica da ao
vocal, ou ainda algumas cenas nas quais seja bom pontuar somente os recursos vocais mais freqentes, os de base. Em outros casos, o ator pode no
estar conseguindo falar bem um texto: a partitura o faz exercitar sua voz,
descobrir caminhos para expressar melhor o personagem e para agir na
situao. Depois que a pea est muito tempo em cartaz se faz necessrio,
para reatualizar o texto falado, revisitar a partitura; o ator pode querer repensar, retrabalhar sua voz. Num certo sentido, a partitura efmera e fugaz como a arte do fazer teatral, os desenhos vocais realizados na
interpretao hoje podem ganhar recortes e se modificar amanh; mesmo
assim, a partitura mantm seu substrato, ser sempre uma referncia, um
guia do fluxo das aes vocais em cena.
O registro da partitura grfico, mas muitos atares tem uma partitura
interna, memorizada. Este esboo mental constitui tambm possibilidades de
partituras que no so grafadas. Mesmo no registrada, a partitura dessa forma como um som "escrito no espao". Durante um treinamento, um atar
afirmou que o registro da partitura vocal "abriu sua cabea" para falar em cena.
Ficou intemalizado, pronto para se realizar como ao vocal. Isto tambm
fez com que ele ampliasse seu leque de recursos vocais para o personagem.
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III
IfHAM-LET'
,?OS
1. Este trecho faz parte da entrev ista que me foi concedida pelo diretor teatral Z Celso
Mart inez Correa da Companhia Teat(r)o Oficin a Uzyna Uzona, em 1994. durante a temporada
da pea "Ham-let", dirigida por ele.
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naquele momento com a fora da paixo que o esprito de seu personagem, Hamlet, torturado e inquieto por estar no "olho do furaco" dos
acontecimentos da pea, expunha acentuadamente pela voz . Imediatamente comecei a recuperar o pouco de sonoridade que a voz do ator ainda
tinha, pois o premente era que ele tivesse voz para o espetculo.
Passado esse momento emergencial, em que o protagonista reconquistou sua voz, a continuidade do trabalho pressups a conjugao da interveno na voz do ator/personagem. A relao de trabalho foi se estreitando,
abrindo os treinamentos para todos os atores, enquanto fui me apropriando
da concepo criativa do Teat(r)o Oficina: "Te-ato' - nome com mltiplas
significaes que vo desde te uno a mim, at... ' te obrigo a unir-se a mirn'".'
Compreender esta vivncia de te-ato foi essencial para participar
desta Companhia. To intenso o vnculo que, na absoro deste processo,
fui para a cena como atriz e, ento, pude perceber fortemente a voz corporificada nas minhas prprias necessidades. No que isto seja uma regra
geral para o preparador vocal que trabalha numa Companhia, mas neste
caso foi inevitvel.
A companhia do Teat(r)o Oficina sempre buscou uma interpretao
plugada nas coisas de seu tempo, tanto na sua dimenso coletiva quanto
nos desejos de cada um de seus membros. Isto faz com que cada texto
montado seja produzido e vivido como um processo singular de criao.
Na trama da pea, o pai de Hamlet assassinado por seu irmo Cludio,
que instila um poderoso veneno no ouvido do rei enquanto ele dorme. Morto
o rei, Cludio ocupa o trono da Dinamarca e casa-se com a rainha Gertrudes,
me de Hamlet. Numa apario, o fantasma do pai assassinado conta a
Hamlet as circunstncias de sua morte e confia-lhe sua vingana.
Z Celso chamava a ateno dos atores para o ouvir, para o ouvido
envenenado, que j no escuta. Insistia sempre na necessidade de todos
estarem atentos no s s suas prprias falas, exigindo a ligao de todos
na pea. Havia, na preocupao do diretor, o claro objetivo de valorizar a
palavra como provocao para a atuao de um ator com o outro. Era preciso "excitar" a escuta e torn-la frtil na ao dos personagens/atores.
Prtica que fertilizou tambm a ao vocal.
A montagem de "Ham-let" foi feita nesta perspectiva e, tambm,
marcada por um momento muito especial com a (re)abertura do teatro, na
estria da pea em So Paulo em outubro de 1993 .'
2. Silva , A.S. Oficina : do teatro ao te-ato. So Paulo: Perspe cti va, 19SI. p.203.
3. O Grupo Oficina estabeleceu- se no prdio da rua Jaceguai, 520 , no Bexiga, em 1961.
Nesse perodo o espao teve trs teatros: o primeiro em forma de "sandu che" (o palco no meio,
a platia de um lado e do outro) , idealiz ado pelo arquiteto Joaquim Guedes . O segundo, por
Flvio Imprio, de 1967, com um palco giratrio inaugurado como cenrio do cspet culo "O Rei
da Vela", de Oswald de Andrade; e finalmen te seu terceiro teatro, o "Terreiro Eletr nico", em
forma de rua com arquibancadas laterais, pista de terra, jardim, cachoeira, teto mvel etc., dos
arquitetos Lina Bo Bardi e Edson Elito, inaugurado em 1993 com a pea "Ham-let",
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OPHLIA
A fala partiturizada e anali sada ocorre quando Ophlia entra correndo em cena, gritando por seu pai Polnio. A ao do s per sonagens Oph lia
e Polnio inicia-se um pouco ante s da fala de Oph lia. Transtornada, entra
trazendo a expresso de ter vivido um acontecimento forte e inusitado.
Polnio e o pblico ficam ento sabendo que Ophlia bordava no quarto,
docemente, qu ando sua tranqilidade foi invadida pela fora da imagem
de um Hamlet que, como ela diz , parecia ter sado do inferno. Esse prembulo de descrio pressupe tanta coisa que o pai , que havia alertado a
filha para o risco da proximidade com Hamlet, pede a ela que , em nome
de Deus, fale o que aconteceu, como se ela tives se de jurar, num tribunal
e perante a Bblia, dizer toda a verdade e somente a verdade. Ophlia se
sente, a um s tempo, impedida e impelida a contar exatamente tudo o que
aconteceu, at para ela mesma tomar conscincia do que aquilo significou.
Na escrita, o texto teatral da fala de Ophlia (ato II , cena I) apre senta-se da seg uinte form a:
Ophlia
Me pegou pelo pulso e me apertou com fora ,
Depois se afa stou distncia de um bra o inteiro,
E os dedos de sua outra mo pou sou na prpria testa ,
E mergulhou numa leitura to demorada e profunda do meu rosto,
Como se quisesse de senhar. Ficou um tempo enorme assim,
No fim, uma sacudida curta no meu brao,
E tr s vez es com a cabea, pra cima, pra baixo, pra cima, pra baixo,
pra cima, pra baixo,
S - E soltou um suspiro to sentido e alivi ado,
9 - Qu e parecia que seu corpo se desfazia,
10 - E sua vid a morria.
I234567-
68
II 12 13 14 15 -
69
---
--
13
com a cabea /
14
I --:~b.
'
--:-' t p~~ CI~~ , pra alxo ' pra CIma
me pegou I
o
pelo pulso /
--
pra
~/
' e me apertou com fora
t~ ,
15
16
17
18
feito isso /
19
se afastou distncia
e os
t /"-...
dedos
de um brao inteIro /
.---:~
~
e mergulhou numa leitura to demorada e profunda do meu rosto I
- ------.-
--------.-
me deixou
20 e com
cabea
--
12
e trs vezes I
--
t desfazia I
--:'
-s->:
,t~ ,
t ~ I
~--/
pou sou na propna
testa
11
~b
~t
pra
aixo " pra
CIma
uma sacudida
->
no meu
~/
--
23
e at o fim I
24
25
+e~/
--
me pegou /
nfase
recursos vocais
Na cen a, quando Oph lia comea sua fala, o ator que interpreta
Hamlet est presente na sua frente (como que no seu imaginrio). As duas
pala vra s enftica s tm no pri meiro fonema o me smo ponto de articulao,
um a co risoante bilabial p , que em sua qualidade articulat ria pontua,
define bem seu obstcul o na emi sso , de lbio com lbio, ao me sm o
tempo em que o movimento preci sament e definido na ao fsic a de
pegar o pul so: Ophlia pega na sua prpri a mo , simulando o que h
pouco tinh a ocorrido entre ela e Hamlet. O recurso vocal observado na
esc uta da palavra pegou, tem na fora articulatria da slaba tni ca a
marca de um reforo do ca rter pontual de localizao , efetuando a ao
vocal em sintonia com a ao fsica. Na sua curva meldica ascendente h
um atributo de durao da a o, que se prolonga na nfase seguinte da
linha 2, pulso, quando o alonga mento da slaba tnica traz a inteno de
mant er a ca rcia que Oph l ia quer fazer du rar. Soma-se a uma curva
72
recursos vocais
apertou
-r-fora
4
pelo pulso /
---.dep ois
de um brao inteiro
t~
forte
curva meldica ascendente e descendente no sintagma
alongamento das slabas tnicas das palavras brao e inteiro
A curva meldica ascendente em apertou coincide com a slaba tnica que comea com o fonema t, comprimindo a lngua atrs do s dentes e
destacando a ao de apertar, numa dinmica de movimento de pre ssionar. A palavra fora, enfatizada com alongamento, fora na articulao e
curva mel dica que ascende na slaba tnica, traz a sensao da intensidade dest a fora para, a seguir, finali zar a seqncia de aes com curva
meldica descendente na slaba ps-t nica a.
3
--
nfase
-----;-
mergulhou
se afastou distncia
de um brao inteiro /
~
-- - --- .....
profunda
recursos vocais
alongamento
curva meldica ascendente e descendente na
palavra
de sua outra mo /
e os
pousou na ~
prpria testa /
,/.\
pro~da
------
...
do meu rosto /
75
recursos vocais
nfase
-----:
...
desenhar
--
enorme
10
---- -
....
11
t no.i->
fim
r ecursos vocais
forte
velocidade rpid a
entre pausas para retomada de ar
curva meldica ascendente na palavra
fora na articulao das pala vras
Esta quebra da ao est associada ao significado da fala, no fim, trmino , e incio de uma nova ao .
11
76
--,t no
fim
A no meu brao I
uma sacudida curta
--
A ao fsica de sacudir, em sua din mica de mo vimento, favorecida pela composio das consoantes nas nfases seguintes, curta e brao,
com con soantes plo sivas no incio das palavras, slabas com mais de uma
consoante e fora articulatria nas slabas tnicas (ambas iniciais), velocidade rpida, e curva meldica ascendente e descendente, recursos vocais
que se repetindo em palavras enfatizadas, prximas e disslabas, intensificam , no cas o, o movimento de sacudir.
As dua s nfases so proferidas com os me smos recurso s vocais na
ao de sacudir, definindo o tempo (cu r ta) e o lugar (b r a o), articulando
aes vocais e fsicas.
Assim, na linha 11, faz- se uma pas sagem para uma nova sensao do
personagem nesta situao que , nas linhas 12 e 13, preparam a seqncia
de xtases de amor da linha 14.
..-o;
12
e trs veze s I
13
com a cabea I
..--r
recursos vocais
nfase
14
recursos vocais
-----
---------
~b
pra alXO
--
pra cima
~
pra baixo
.i->
78
---
pra tbaixo
recursos vocais
nfase
pra ~~_~
pra teima
As aes, vocal e fsica, comeam simultaneamente na prime ira nfase , na qual o abrandamento articulatrio, a curva meldica ascendente
e a inten sidade fraca so usados em todo o sintagma, acompanhados pela
ao fsica de Ophlia de mover a cabea para cima suavemente e iniciar
a seqn cia de xta ses. As pausas para retomada de ar ("luftpause"), no
incio e no final de todas as nfases, so na linha 14 um marco da inteno
e da situao de relao sexual entre Ophlia e Hamlet, como xtases com
rpidas golfadas de ar entre as palavra s. Neste momento a "luftpause"
marcadamente um reforo interpretativo ligado situao cnica.
O segundo e o quarto sintagm as, ambos pra baixo, apresentam
curva meld ica ascendente e descendente, com ao fsica simultnea da
cabea se movendo para baixo, que refletem uma emisso indo de cima
- do agudo , para baixo - ao grave.
pra baixo
Na linha 14, h uma concord ncia das curvas meldicas com o movimento, na qual as palavras cima tm recurso vocal de curva meldica
ascendente. com movimento ascendente de cabea, e as palavras baixo tm
curva meldica ascendente e descendente, movendo a cabea de cima para
baixo (exceto a ltima palavra baixo, que tem curva meldica ascendente) .
O segundo sintagma acompanhado tambm, na palavra baixo, de alongamento da slaba tnica, dando noo de um tempo prolongado da ao de
Hamlet: fora articulatria na slaba tnica e abrandamento articulatrio na
slaba ps-tnica, marcando o impulso de movimento de Hamlet com fora
e abrandamento (pulso e subpulso).
79
A terceira nfase, pra cima, tem novamente curva meldica ascendente e abrandamento, s que desta vez concentrados na palavra cima. A partir da prxima nfase, pra baixo, h um crescente do movimento circular de
Ophlia e de sua voz, quando ento as ltimas nfases tm, nas palavras cima
e baixo, intensidade forte, reforadas por curva meldica ascendente e
firmeza marcada na fora articulatria das slabas tnicas destas palavras,
numa acelerao crescente, introduzido as linhas seguintes:
14
1------
--
t pr~ C!~~
pra tbaixo
15
pra baIXO
~ pra
~b
alXO ~t
pra cima
pra CIma
nfase
----::-
15
---
desfazia
forte
alongamento da slaba tnica
velocidade rpida
curva meldica ascendente na palavra
forte
alongamento da slaba tnica
velocidade rpida
curva meldica ascendente na palavra
forte
alongamento da slaba tnica
velocidade rpida
curva meldica ascendente na palavra
17
e sua vida
------:
t morria II
17
.>:
16
A linha 15 tem vrias consoantes fricativas (como em : soltou, suspiro, sentido, aliviado) que, em sua caracterstica ininterrupta, d emisso uma fluidez em sua dinmica flutuante , ascendente. O alongamento da
slaba tnica da palavra desfazia inicia o grito do gozo de amor, que explode no demorado alongamento da slaba tnica da palavra morria, aliado aos recursos vocais de intensidade forte, velocidade rpida e curva
meldica ascendente. o cume da ao e, aps isso, Ophlia cai no cho.
Pausa psicolgica, silncio, suspenso de sentidos.
Reinicia na linha 18 - feito isso - , ps-gozo, sem nfase s. A partir
da, continua contando, mas agora olhando para Polnio, como se sasse
do sonho, da "embriaguez" e voltasse para (re)conectar seus sentidos , se
recompor. como uma ruptura do que ela acabou de (re)viver para, depois
de ter cado no cho, "acordar", dizendo para o pai que foi deixada. Como
Hamlet, presente na cena, arruma-se, cansada. Inspira e fala:
19
80
t aliviado
---:-
16
recursos vocais
~
v
me deixou
81
20
e com
21
22
23
24
e at o fim I
25
A nfase fim dita afetuosamente. Para tal, a atriz utiliza de alongamento da vogal i e tambm da consoante fricativa f (em fim), agudizando. Ao mesmo tempo move delicadamente a sua cabea. oportuno frisar que as linhas de maior incidncia de consoantes fricativas so aquelas nas quais a ao amorosa tem o seu ponto culminante. A atriz utilizase de alongamentos das consoantes em acordo as suas intenes.
--
recursos vocais
21
22
nfase
24
82
recursos vocais
nfase
fim
nfase
--------t grudou
o brilho dele
forte
curva meldica ascendente no sintagma
fora na articulao das slabas tnicas
das palavras grudou, brilho e dele
83
25
I ---------.,....
t em mIm
recursos vocais
fraco
curva meldica descendente no
sintagma
84
POLNIO
A cena comea com o ltimo apito do navio antes de partir. A situao de urgncia do embarque. Quando Polnio chega, encontra seu filho
Laertes ainda conversando com Ophlia. O texto falado numa linguagem
acelerada. O recurso de base, de velocidade rpida, est presente em toda a
cena, em funo da situao e do objetivo de Polnio: dizer muito em to
pouco tempo. Na fala inteira h somente uma quebra da ao contnua, na
qual a pausa psicolgica, na linha 20 com a nfase cuidado, gera silncio e
parada do movimento. Polnio alerta seu filho. Da para a frente a fluncia
da fala acelerada, numa constante, at a ltima palavra enfatizada: Adeus!
As aes fsicas, como as vocais, so urgentes, rpidas. O mapa das aes
fsicas composto de numerosas aes: o pai entra em cena a caminho do
cais do porto para se despedir do filho. Sua demora ou displicncia tem de
ser quebrada, tudo tem de ser colocado em ritmo de partida. Os conselhos
tm de ser dados num tempo bem pequeno, o que impe exatido - outro
recurso de base usado pelo ator a fora articulatria com preciso. A intensidade forte flui como outra caracterstica necessria situao cnica, na
qual os atores encontram-se afastados ou se distanciando.
uma situao de partida, evidentemente difcil e emotiva pois
ser a ltima vez que eles se encontraro. Os conselhos so
recomendaes de pai para filho. Ao mesmo tempo que eu falava pro meu filho, eu tambm ouvia dentro de mim a voz de meu
pai falando aos meus ouvidos as mesmas palavras, torcia para
no esquecer nada, me via jovem ouvindo meu pai e entendia o
modo emotivo e descarado daquelas recomendaes, assim, na
frente de estranhos, porque a despedida feita no porto e o pai
fala publicamente, como aquelas mes que do porto gritam
para a gente pegar o guarda-chuva, no tomar gelado etc. etc.
Pascoal da Conceio
A acelerao vem tambm da ambigidade, resultante da forte emoo
do momento de Polnio, dividido entre seus deveres de pai e homem pblico. O destino do filho, do qual ele se separa pela primeira vez, e o destino
da Dinamarca para a qual ele tem agora a preocupao de primeiro-ministro.
Na partitura do papel, feita pelo ato r Pascoal da Conceio, reproduzida na pgina 90, as notaes interpretativas so referncias fundamentais para anlise da sua partitura vocal, mostrada a seguir.
As notaes do ator foram feitas durante as leituras e os ensaios da
pea. A partitura vocal, por sua vez, foi elaborada e analisada quando a
pea estava h um ano em cartaz.
85
----
ainda a Laerte s I
--;t
vai embarcar I
so estao te t~
esperando I
toma
~
minha beno I
12
t ao nenhuma I
13
seja familiar I
14
t~1
16
~
t dentro
do corao I
t~
cuida da +imgem I
10
no d
mas no caleja a mo I
18
19
pra qualquer
~~
irref1etido I
t /;,...
17
t um pensamento
~
uma vez adotado
e aprovado '
ti
t~
promscuo I
15
,t -
t- -
t~
~t~0
/i--...
fran~te
20
t cui/da/do /I
21
22
23
24
25
26
----..
32
~
o dinheiro e o amigo /
33
34
acima de
35
36
37
novaiser+~/
~ --------------alto/do/munido /
t ouvidos
I~
t voz a poucos /
ri
27
28
o + julgamento /
~,
--
'
29
t ricas'
-------
t -----;-
40
t-
41
---
31
t----;
-- -
42
t-r:
----- .,
39
30
---
t t~do /
38
no inventa moda /
.....
t liquida com a
-------..
d.~or.'
~nlra
deMais.
potonio\l
mi'
IP
VOC &,.
90
,l&e
amigo
Comp arando- se as partituras de Polnio, vrias referncias interpretativas da partitura do papel esto presente s nas opes de recursos
vocais usados pelo ator na partitura vocal. Na partitura do pap el, a
notao interpretativa refere que as dica s do pai so como os dez mandamentos dados por Deus a Moiss na Bblia. So os nmero s de 1 a 10,
anotados ao lado das falas. Por estes mandamentos o filho deveria constituir sua conduta na Frana.
A fala apresenta uma repetio alternada de recursos vocais, mais
fortes e mais brandos, coincidentes com as intenes, que em alguns
momento s so pblic as, abertas (fortes) e, em outros, mais privadas (fracas). A priori, O sentimento da sua vida privada deveria estar submetido
a sua vida pblic a, por sua ocupao no reino da Dinamarca. Esta fala
um bom exemplo da ambivalncia do personagem. A maioria das nfases
vem acompanhada de, por um lado: curva meldica ascendente, intensidade forte, fora articulatria nas slab as ou nas palavras, e velocidade
rpida - recurso s vocais de base, neste caso, associados situao de
pressa; a distncia que o pai e o filho vo tomand o na cena; ao lugar barulhento (o cais do porto), com os marinheiros chamando para o embarque
e o navio apitando; e ao objetivo de marcar firmemente os conselhos ao
filho. Por exemplo:
91
nfase
-------
t a Laertes
recursos vocais
- forte
- curva meldica ascendente no sintagma
- forte
- fora na articulao da slaba tnica
t tua vela
t esto
forte
velocidade rpida
forte
velocidade rpida
- forte
- fora na articulao da slaba tnica
- curva meldica ascendente na palavra
- forte
- curva meldica ascendente na palavra
- fora na articulao da palavra
t memrI;
92
I~
fraco
alongamento da slaba tnica
curva meldica ascendente e descendente
na palavra
- abrandamento na articulao da slaba tnica
da palavra
t Imagem
fraco
curva meldica ascendente e descendente
na palavra
- abrandamento na articulao da slaba tnica
da palavra
v
I~
t nao esquece
I~
t voz a poucos
- forte
- velocidade rpida
- fora na articulao da slaba tnica
- curva meldica ascendente na palavra
- forte
- fora na articulao da slaba pr-tnica
recursos vocais
+ julgamento
fraco
curva meldica ascendente e descendente no
sintagma
entrepausas para retomada de ar
abrandamento na articulao da palavra esquece
fraco
curva meldica ascendente e descendente no
sintagma
alongamento da palavra voz
alongamento
fraco
fraco
abrandamento na articulao da slaba tnica
da palavra
93
seja familiar /
14
I~
cuida da t imagem /
A nica nfase nas oito primeiras linhas sem intensidade forte e/ou
velocidade rpida (natural na situao) a palavra bno (linha 6), proferida em tom afetivo.
A linha 9 introduz o primeiro dos dez mandamentos, que :
9
cuiida da tI~/
Imagem
15
10
11
no d
t~
lngua pro que estiver pens~ndo /
...............
I -----------.
~
o amigo que tiver t conseguido ' uma vez adotado
e aprovado
~~
um pensamento irrefletido /
16
12
t~
13
t a~o nenhuma /
+~
,
------ - -
t~
dentro
do corao /
Novamente h, na interpretao vocal, a repeti o de curva s meldicas similares, como em :
~
adotado
aprovad o
94
95
Estas falas tm nas palavras amigo, adotado e aprovado, curva meldica ascendente e descendente, fora articulatrianas slabas tnicas e, nas duas
ltimas palavras, alongamento das slabas tnicas. Alm do que, estas so
intercaladas pelo contraponto das nfases, conseguido e no esquece, com a
mesma curva meldica, intensidade fraca e abrandamento articulatrio, que
suavizam a emisso, caracterizando o tom mais afetivo dado pelo contedo
deste mandamento. O mesmo tipo de curva aparece nesta linha (15) e na
seguinte (16), que culmina com a palavra dentro, reforada por intensidade
forte, alongamento e fora articulatria na slaba tnica, denotando a profundidade do lugar ocupado pelo amigo: dentro do corao. A repetio de
recursos vocais semelhantes numa mesma fala, ou no mesmo mandamento,
salienta a relao entre as suas palavras-chave, casadas com a inteno do
discurso. Isto ocorre tambm no quarto mandamento:
~/
a mo
t caleja
17
mas no
18
abrindo a
19
pra qualquer
20
~t~0
palma -toa /
~
fran~te
t cui/daldo II
96
21
---
22
23
24
25
ouvidos
t~
I~ I
---------
altoldolmunldo /
t voz a poucos
97
o tipo de curva meldica, igual em todas as nfases, cria uma musicalidade parecida, mas que na palavra ouvido entoada com intensidade
forte, alongamento da slaba tnica e fora articulatria em toda a
palavra, firmando a inteno e significao de onipresena, de "radar" reforado pela ao fsica do ator, com as mos em concha atrs das orelhas, quase como uma antena parablica. Esta fala se sobrepe nfase
seguinte, a todo mundo, toda silabada - com a voracidade de quem no
quer perder nada - e com fora articulatria em cada slaba, dirigida a
todos (pblico e atores). Depois suaviza: a melodia amenizada na nfase,
voz a poucos, emitida com intensidade fraca e dirigida confidencialmente a Laertes, sugere um ouvido apurado que, embora oua todo mundo, tem de ter o discernimento para ouvir a voz que cmplice. Uma das
linhas mestras da pea sugere o ouvido como um ponto importante da
tragdia do reinado da Dinamarca. "Tem alguma coisa podre no estado
da Dinamarca...", como diz o personagem Marcelo (ato I, cenal), e a situao, por cautela, pressupe mais ouvir do que falar. O rei Hamlet, pai
de Hamlet, foi envenenado pelo ouvido.
O mesmo contraponto, de uma linha com qualidades mais fortes e a
outra com recursos vocais mais fracos, ocorre nas linhas 26 e 27, stimo
mandamento:
26
27
ti
e que tuas
~
r~upas c~stem
--
~
no inventa moda I
29
~,
mas sem ostentao porque a roupa
-----
t ricas
t ---.-
t--
30
31
32
o dinheiro e o amigo I
33
t~ as opinies de t cada um I
o + julgamento I
98
28
ao
t m~smo t~mpo I
~---.
t t~do I
34
acima de
35
sej a
36
37
t fiel
consigo mesm""""' I
-------
Este mais um princpio bsico que Lae rtes deve seguir, sendo
aci ma de tudo fiel consigo mesmo. Mais uma vez os recursos vocais usa dos pelo ator o fazem concluir, na linha 37, com a curva meldica descendente: mesmo distncia o pai aconselha carinhosamente o filho, com
intensidade vocal branda, mantendo o forte contato emotivo.
Suas ltimas palavras so:
38
t ~I
39
e que a minha t~
bno I
40
frutifique tudo
41
t~
adeus I
42
t~
adeus I
---
100
trs;
em
t~
voc I
.....
101
HAMLET
Na cena de Hamlet, esto presentes os trs personagens escolhidos
para anlise das partituras vocais . No texto original a fala de Polnio,
que l para o rei Claudio e para a rainha Gertrude s o bilhete de amor escrito por Hamlet para Ophlia. Nesta montagem o prprio Hamlet, presente na cena, d a fala, olhando nos olhos de Ophlia, atravessado por
tantos outros olhares.
O depoimento que segue de Pascoal da Concei o (que interpreta
Polnio), quando conversva mos sobre esta cena, na anlise desta partitura vocal. Sua leitura, um olhar de quem viveu a cena por dentro ,
enriquece muito a anlise da ao vocal nesta partitura, que pressupe
uma escuta que brota de dentro da situao cnica :
Por fim, isso me deixava extremamente furio so e j que por persuaso no conseguia, nem por anlise, eu partia para violncia,
colocando Hamlet numa camisa-de-fora. Do seu lado, Hamlet
invocava a mqu ina de "Ham-let" para demon strar o amor que ele
sentia por Ophlia: 'T e amo acima de tudo... enquanto esta mquina
de Ham-Iet funcionar...". O amor era a base de tudo o que era HAMLET, tudo era uma prova de amor : a pea, os atores, a cena.
Shakespeare escreveu "Hamlet" por amor, o rei matou, a rainha
casou, ns vivemos e morremos, escrevemo s livros, por amor.
Podemos, como Hamlet diz a Ophlia , duvidar de tudo , meno s de
que o amor est por dentro de toda mquin a da existncia hum ana.
I234-
103
I
t Ophlia essa mtrica me pe
--:-
eu no sei cantar /
os meus suspiros /
mas eu te amo /
acima de tu/do /
---
doente /
~
/\
----
10
acredita em
.....
Das nfases, ou "palavras vivas", realadas nesta fala, quase a metade delas (oito de dezoito) tm o alongamento como um dos recursos
vocais percebidos. Das treze linhas, apenas cinco no tm em nenhuma
nfase esta qualidade. Em sua repetio, algumas caractersticas da situao afloram: o carter afetivo da fala, que em seu alongamento prolonga
o som at onde Ophlia est, como uma carcia a distncia, usando vocalmente para isso de qualidades mais brandas.
Hamlet, localizado cenicamente distante de Ophlia, ter, para compor a situao, de usar palavras com nfases "doces", ao mesmo tempo
cumprindo a necessidade bsica de envolvimento sonoro (ressonncia no
espao) dos outros atores presentes na cena, de Ophlia - a destinatria
de seus versos - e do pblico, distribudo ao seu redor.
O alongamento foi um trao muito repetido em todas as partituras
(quando este trao usado a slaba tnica tende a ser a mais alongada da
palavra). Em Hamlet, por exemplo, o alongamento da vogal "contamina"
as consoantes, que so tambm reforadas nas plosivas, de emisso mais
direta, e alongadas nas fricativas, mais contnuas, como neste exemplo:
~ mim /
7
teu /
pra t sempre /
t~u /
1-;--
I~
pra t sempre /
---
mais querida /
11
12
funcionar /
13
Ham-/let /
105
I
t Ophlia
essa mtrica me pe
Inicia com nfase de intensidade fraca, clamando por Ophlia rapidamente e olhando nos seus olhos. A linh a I inteira suave e rpida , culminando com a palavra doente, que com slaba tnica alongada e curva
meldica ascendente e descendente cria uma inflexo "em espiral", flexvel, talvez enjoativa ou doente, quando Hamlet reclama da mtrica
aps cantar com voz rouca os primeiros versos desta fala .
Em seguida, abre os braos num movimento brando - Ophlia
igualmente de braos abertos no outro extremo do palco - e, com voz
do ce, continua nas linhas 2 e 3:
nfase
doente I
--:
fora na articulao
A linha 5 tem nfase na palavra tudo, silabada e lenta; ela pre cisa a
quantidade e o tamanho: grande, muito, acima de tudo.
E , acima de tudo. acredita em mim (Hamlet). Este mim, com
inten sidade fraca e abrandamento articulatrio, como contraponto ao
grande da nfase anterior, pequeno, pessoal, moderado e...
eu no sei cantar I
-------..
os meus suspiros I
I ---.----
Reconhece a falta de potncia para ca ntar seu s suspiro s, mas compe na voz falada, de stas duas linhas, uma curva meldica de subida e
de scida, ascendente na nfas e cantar e de scendente no sintagma meus
suspiros, combinada com o alongamento, que corrobora a musicalidade.
Decl ara nas linhas seguintes:
ma s eu te amo I
acima de tu/do I
acredita em
~ mim I
recursos vocais
pra t sempre I
Pronuncia Ophlia:
10
--
minha dama I
-----
mais querida I
recursos vocais
nfase
10
10
---
dama
mais
-----
querida
11
12
funcionr /
recursos vocais
nfase
11
Ham-/let
13
t Ham-/let
13
t Ham-Ilet I
108
109
IV
VOZCNICA:
DOMNIO TCNICO,
DIMENSO CRIATIVA
Belavoz a mais importante das musas, porque ela que acompanha os reis venerandos. A voz bela no porque seja agradvel e requintada, no bela por caractersticas que
consideraramos formais - mas por este poder, compartilhado
por reis e poetas, de configurar e assegurar a ordem, por este
poder de manuteno da vida e de custdia do ser. (...) - Bela,
pelo poder de influir decisivamente nas fontes do ser e da vida,
pela sua pertinncia s dimenses do mundo e ao sentido e
totalidade da vida.
Torrano'
Em cada anlise do captulo anterior, a incidncia maior de alguns
recursos vocais mostrou-se afinada com as cenas, com as caractersticas
da personagem e com a voz do ator em suas interpretaes.
A partitura da fala de Ophlia, com inmeros alongamentos e curvas
meldicas, deixa transparecer na ao vocal da atriz, por meio dos desenhos realizados por vogais estendidas em subidas e descidas, rpidas pausas para retomar o flego, tanto o prazer gozoso do encontro com Hamlet
quanto os medos e as angstias dos desencontros da prpria pea.
.
N.a fala de Polnio, as qualidades freqentes de fora articulatria,
intensidade forte, velocidade rpida, cadncia silabada e algumas frases
com ciclos emissivos mais longos, sugerem uma situao de fala acelerada, mas imprescindivelmente pontuada e rigorosa. Numa nfase com ca1. Torrano, J. Hestodo/Teogonia: origem dos deuses. So Paulo: Massao Ohnol Roswitha
Kempf Editores, 1981.
110
II ~
Obviamente no se trata, aqui, de justificar possveis alteraes vocais, mas, sim, de trabalh-las a favor do ator e da sua interpretao na
voz dos personagens.
A anlise da partitura vocal traz um registro o mais vivo possvel,
como uma "fotografia" do movimento da cena: como se cada recurso vocal
desse uma dica, um detalhe do personagem, do seu momento emotivo, da
contracenao e da situao por ele vivida. Penetrando na compreenso da
partitura, a ao vocal aflora, a cena (re)visitada, o que permite uma
aproximao em relao s caractersticas cnicas, ao estilo e aos sentidos
empregados pelo ator no personagem por meio da voz.
No trabalho de preparao vocal aqui sugerido, a partitura elaborada pelos atores, pelo diretor e pelo preparador vocal em etapas, acompanhando o processo criativo e dando contribuies tcnicas e interpretativas
voz dos atores. Atua tambm como uma espcie de direo vocal do
espetculo: trabalha as necessidades vocais bsicas para o palco, a construo vocal do personagem e a sade vocal do ator.
O preparador vocal pode fazer predominar uma ou mais de uma
dessas dimenses do trabalho, de acordo com o momento e as demandas da montagem e dos atores. Com isso, fica explcito que h atividades de treino vocal mais especificamente tcnicas. No entanto,
importante que fique claro tambm que este trabalho no se d em separado das exigncias da pea, mas que se estabelece numa relao de
reciprocidade com os vrios planos de trabalho do ator.
Nessa ptica, o preparador vocal deve trabalhar os recursos vocais
dos atores aplicados ao texto e montagem teatral, no separando um
aspecto do outro, como se fazer a partitura fosse simplesmente a aplica2. Roubine, J.J. A arte do ator. Trad. Yan Michalski e Rosyane Trotta. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1987, p.24.
114
o de um grfico voz falada. Ao contrrio disso, a descoberta dos recursos na ao vocal e a feitura/anlise da partitura so possibilidades de se
compreender e liberar foras contidas na pea, no personagem e no ator.
Para que a ao vocal se efetue mais plenamente desejvel que a sade
vocal do ator esteja em boas condies. Inclusive a prtica da ao vocal
pode trazer sade voz porque a vitaliza e, com isso, a distende, flexibiliza e
fortalece. Estando fortalecida, tem menor propenso a alteraes. O treinamento dos recursos vocais aperfeioa a ao vocal, ajuda a promover a sade
da voz e toma a voz do ator mais apta para o desempenho no palco. Porm,
imprescindvel lembrar que pode existir ao vocal mesmo na disfonia. Foi
neste sentido que, percebendo o potencial do ator Marcelo Drummond em
realizar ao vocal e, ao mesmo tempo, suas dificuldades, trabalhamos nos
treinamentos a conjugao da sade de sua voz e a necessidade de uma outra
possibilidade vocal para a realizao de seu personagem. Sobre este processo, o diretor Z Celso Martinez Correa escreveu:
Foi preciso este eclipse da terceira lua cheia de "Ham-let", no dia 29, para eu entender. Neste espetculo do ltimo domingo, a conjuno desfavorvel da voz agonizante do bode Marcelo exigia uma outra voz - ou a condenao morte, ao no
ser. Lucia Helena Gayotto, fonoaudiloga, velou at revelar-se esta nova voz. Ela
sabia que a concepo do "Ham-let" inicial de Marcelo, gritando como um beb
para existir contra tudo e contra todos, teria um limite fsico nas suas cordas vocais
e precisava dar um salto interpretativo de qualidade. Aconteceu esta noite. (...) nesta noite no Oficina, que espelha toda relao social dentro e fora, abriu-se espao
para o "Ham-let" de Marcelo chegar, ser compreendido, e ele veio.'
115
No Rio, a gente tem muito uma transao de umbanda que eu sempre gostei muito
de assistir. Por deslumbr amento mesmo, porque eu acho uma coisa to bonita, uma
coisa to brasileira, aquelas msicas so incrveis. E tem a transao do cavalo que
a prpria imagem do ator. Quer dizer, o cavalo pra receber o esprito tem que
treinar, ele tem que saber que gesto de Ians um raio , ento ele tem que treinar,
ento sai assim (imita ). Tem que sair um raio assim. Eles treinam muito tempo .
Cada deus tem a sua manifestao fsica. Ento pra mim ator um pouc o isso.Voc
tem que estar pronto pra esse tipo de transao que no teu corpo, na tua voz, nos
teus sons. Em tudo, voc tem que estar apto pra traduzir este mundo de inconsciente. Eu acho que a tcnica muit o isso. Quanto mais voc tiver melhor!
A ao vocal ocorre no corpo do atar como se uma nica pele alinhasse sua carne (as cavidades, os msculos, as membranas, as cartilagens) e
sua interpretao." A voz vai se tomando melodia, em sua voluptuosidade
traz algo que vai alm do entendimento estritamente intelectual.
A absoro da partitura vocal pode facilitar o acesso a "esta coisa"
indizvel. No uma frmula de interpretao vocal, mas uma ponte que
nos permite, ainda que parcialmente, transitar entre a reflexo e a manifestao da voz em cena. Quando o atar atua, a interpretao passa atravs
dele, pelo seu corpo todo, "eroticamente" ; no simplesmente a expressividade emocional de sua voz que ouvimos ; , para alm disso, um
artista que se deixa possuir, que um canal por meio do qual a arte passa e
inunda a quem assiste.
necessrio que o atar interfira na ao cnica: ele pode falar horas
e ningum escutar, pode falar um s minuto e fisgar a ateno dos espectadores. Com ao vocal o personagem percorre o curso da pea , e o
pblico v, ouve, (re)conhece sua existncia. Ela vitaliza a palavra emitida e pode ser um trampolim para descobertas cnicas .
H uma cena de "Ham-let", no incio do ltimo ato, num cemitrio,
quando os coveiros discutem e analisam os derradeiro s acontecimentos
da pea. como se ficasse para ns, coveiro s de tudo o que morre, discutirmos se , se no , se pode , se no pode. Enquanto discutem fazem a
cova, a vala sagrada , como um ventre de onde tudo veio, se transformou,
e agora retoma para outro ciclo de transformaes. este dilogo com o
provisrio, com o que morre - valores, verdades, modos de existir que anuncia e traz a vida que se (re)cria. Talvez seja este dilogo tambm,
em ltima anlise, o motor da ao vocal.
Quando entr o em cena quand o estou mais frgil. Tud o o qu e preciso fazer reque r sempre uma coragem que est alm das minh as foras. Ento evoco todo o
invisvel mundo de foras que me inspiram. Sei que ser um tormento eu no me
perder, eu no me esqu ecer. Se eu ficar cuid ando de mim tudo ser excessivamente rid cul o. Tenho sempre a cert eza que todo mundo sabe o que estou pensando, ento caminho pra ser o mais sincero possvel. E me ataca a obsesso de
revelar tudo o que est me acontece ndo ... O mito de Prom eteu vem bem a calhar:
a exposio s aves que bicam o seu fgado, a dor horrvel que dar as entranhas
para alimento, a priso nas correntes do rochedo e o reconhecimento trgico de
que aquela purgao nece ssr ia pro homem que passa o fogo ao outr o homem.
H um sofrimento, uma dor, um a perda, da qual no d pra fugir e sem a qual a
4. Apud Meiches, M.; Fernandes, S. Sobre o trabalho do ator. So Paulo: Perspectiva. 1988, p.37.
116
6. Banhes, R. The grain of the voice. ln: - Image - Music - Text. Trad. Stephen Heath,
Gr-Bretanha: Communications Series, 1979.
117
POSFCIO
ESCUTA INICIAL
DOS LTIMOS RECURSOS
OS PRIMEIROS
DA AO VOCAL.
120
123
SEI L,
AINDA NO FALA MUITO BEM ,
OU MENOS MODESTAMENTE,
ESTAMOS BALBUCIANDO O QUE QUEREMOS BREVEMENTE
PHALAR.
PERDEMOS A VOZ COMO HAM-LET.
MAS NOSSO DESEJO DE PHALAR CANTATANDO
TEM
NOS OUVIDOS, DEDOS, OLHOS, SOPROS DE LUCIA
A MAJESTADE DE UMA CUMPLICIDADE.
ALGUM NOS ESCUTOU, ESSES ANOS TODOS,
ESCREVEU SOBRE O QUE ESCUTOU,
FEZ GRFICOS E PUBLICOU.
AGORA O DESEJO DE PHALAR, NO DIGO BEM,
PORQUE O BEM NO EXISTE"
,
MAS PHALAR GOSTOSO, FORTE, HUMIDO, LUCIDO,
DE PRODUZIR MATRIA SONORA DE NOSSA TREMEDEIRA
APAIXONADA, AUMENTA.
O TEATRO BRASILEIRO ATUAL FALA AINDA NA SUA MAIORIA,
COM A POMPA DO TEATRO INFANTIL.
VOZES VIVAS DE VERDADEIRAS PRINCESAS, PRNCIPES E REIS
SO SUBMETIDAS,
"SUCUMBADAS"
PARA FALAR UMA ESTRANHA LNGUA DE ESCRAVOS,
"IDIAS" DE REALEZA DE TEATRO INFANTIL.
A VOZ VIVA DO ATaR ATRIZ, QUE A VOZ DO SEU CORPO
E DO CORPO DO MUNDO,
SUBSTITUDA POR UM ESTRANHO CLONE VOCAL GLOBAL,
QUE IMPE A HUMILHAO DO NO TER VOZ PRPRIA,
DE SER A VOZ PARA A LINHA GLOBAL DE MONTAGEM
QUE O MAJORITRIO MERCADO SEM RAZO CHAMA:
VOZPADRO .
O XAMAR A ATENO PARA O LUXO DA AO VOCAL,
O FATO DE ALGUM ESTAR ESCREVENDO,
OUVINDO A VOZ DE QUEM EST EM CENA
O SINTOMA DESTE LUXO NOVO.
A BRUTALIDADE ECONMICA DA ORDEM LIBERAL
QUE PREGA A EXCLUSO DO TEATRO,
OBRIGA UMA PRESSA NA REALIZAO DOS TRABALHOS ,
QUE VEM DAS PRESSES DE DINHEIRO E DE CENSURA EXPLICITA.
125
PRECARIEDADE RADICAL!
ASSIM MESMO CONSEGUIMOS DRIBLAR
SER MAIS RPIDOS E S VEZES VENCER'
FALANDO, E FAZENDO,
'
COM O PODE!< DE CAUTERIZAO DE NOSSA VOZ
DAS PODRIDOES DESTAS ATMOSFERAS.
MAS O SONHO DE TER UMA FASE DE PAZ
DE UMA TRANQILIDADE
'
QUE PERMITA UM TRABALHO DE QUALIDADE,
EM QUE SE POSSA TER O RETORNO DA VOZ QUE SE LANA NO
ESPAO PRA SER REFINADO
COMO FAZ JOO GILBERTO,
OU COMO UMA TRIBO QUANDO NOS RITUAIS MATERIALIZA
A VOZ DO SEU ESTAR NO MUNDO
UMA POSSIBILIDADE
'
QUE O ESTUDO DE LUCIA GAYOTTO
PROFETICAMENTE OUVE
DESDE J.
'
A NFASE NA AO,
E ~ ESCU'~A NO SOM QUE ELA FAZ,
NAO VIRA DE UM "DOMNIO" DE UMA TCNICA
MAS AO CO,NTRRIO DE UMA ABOLIO TOTAL DO DOMNIO,
DE UMA TECNICA VOCAL DA LIBERTAO,
DE SOLTURA DE TODO O DESCONHECIDO
QUE ESTE SCULO AINDA NO EST SABENDO FALAR NEM OUVIR.
AS VANGUARDAS VOCAIS
CC?M SEUS VIRTUOSES E MALABARISMOS CULTUROSOS
NAO DIFEREM MUITO DA EMPOLAO DE CLOWN SRIO
E DO TEATRO INFANTIL.
O CANTO DA MSICA BRASILEIRA
DA MSICA NEGRO-NDIA DOS SUBRBIOS DO MUNDO
TEM A DELCIA DE UMA SONORIDADE
QUE O TEATRO AINDA NO TORNOU ALIADA TRIUNFAL.
FALA-SE AINDA COMO CATECISMO, O DE ANCHIETA, PROS NDIOS.
VEM UMA CACILDA, ESTREMECE TUDO,
AI ELA MORRE,
VOLTA TUDO DE NOVO AO LATIM
E DESCONCENTRAO.
.
126
NO ESTRAALHADO,
AINDA
NA UNIVERSIDADE.
MAS
J SENTINDO
FIOS, FIAPOS ELTRICOS QUE CORREM
QUANTO MAIS A PALAVRA VAI NA AO
DO QUE CHAMA-SE PERSONAGEM
E MUITO MAIS AINDA QUANDO VAI NA DO QUE CHAMA-SE
"HAM-LET",
NO DA PEA PROPRIAMENTE,
MAS DESTA MQUINA DE DESEJO
QUE TODOS OS VIVOS MORTAIS FAZEMOS PARTE
NO SEMPRE QUERENDO MAIS E MAIS.
LUCIA CIENTIFICA-SE,
OUVE, COME, O QUE O MUNDO TEATRAL MUNDIAL FALA,
DA AFONIA DO BEBE HAM-LET,
GOZA COM OFLIA,
APAIXONA-SE PELO PODER POLTICO VOCAL DE POLNIO,
RENDE-SE AO CANTO DOCE DA MQUINA DE HAM-LET
RECANTADO
E NOS POSSUI NA MGICA DE UM DESEJO DE TUDO
EM QUE A VOZ PAQUERA, CANTA, JORRA
POR TODOS OS NOSSOS BURACOS
AOS DE ALGUM NINGUM OU DE ALGUMA COISA.
129
I
I
l
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Formada em fonoaudiologia pela PUC-SP em 1985 , com especializao em voz profissional e mestrado em Distrbios da Comunicao
pela PUC-SP. Fonoaudiloga e supervisora clnica, preparadora vocal de
teatro profissional e atriz. Participou de cursos com o prof. Andreas Sippel
- preparador vocal de teatro em Munique - e com a fonoaudiloga e
atriz russa lrina Promptova, no curso "A voz do ator e a ao cnica" em
Lectoure - Frana. Trabalha em diversas reas que envolvam preparao
vocal, ministra cursos e atende em consultrio particular. Foi professora
da Faculdade Camilo Castelo Branco, na disciplina "Fono e Arte".
Em teatro, foi responsvel pela preparao vocal de atores junto aos
diretores Francisco Medeiros, Roberto Lage, Gerald Thomas, Jos Rubens
Siqueira, Jo s Cel so Martinez Correa, Renato Borghi, Cibele Forjaz e
Creusa Borges; em televiso, realizou preparao vocal de reprteres da
TV Gazeta SP; em rdio, ministrou curso de formao de locutores na
"Rdio Oficina" ; em escolas de teatro, ministrou cursos de expresso vocal no Teatro Escola Macunama e no Teatro Escola Clia Helena.
Como atriz , atuou nos espet culos "Mistrios Gozozos" de Oswald
de Andrade, e "Bacantes" de Eurpedes, ambas sob a direo de Z Celso
Martinez Correa, no teatro Oficina; e em leituras da pea "Cacilda", de
Jos Celso Martinez Correa. Participou da novela "ramos Seis" do SBT.
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