FARIA FILHO Instrução Elementar No Século XIX
FARIA FILHO Instrução Elementar No Século XIX
FARIA FILHO Instrução Elementar No Século XIX
Aut6ntica
Belo Horizonte
2003
INSTRU~AO ELEMENTAR
NO SECULO XIX
LUCIANO MENDES DE FARIA FILHO
historiografia consagrada
sempre concebe a educa<;aoprimaria do seculo XIXconfinada
entre a desastrada politica pombalina
eo florescimento da educa<;aona era
republicana. Tempo de passagem, 0
periodo imperial nao poucas vezes e
entendido, tambem, como a nossa idade das trevas ou como urn mundo
onde, estranhamente, as ideias estao,
continuamente, fora de lugar.1
as recentes estudos a respeito
da educa<;aobrasileira no seculo XIX,
particularmente no periodo imperial, tern demonstrado que havia, em
varias Provincias, uma intensa discussao acerca da necessidade de escolariza<;aoda popula<;ao, sobretudo
das chamadas "camadas inferiores da
sociedade". Questoes como a necessidade e a pertinencia ou nao da instru<;aodos negros (livres, libertos ou
escravos), indios e mulheres eram
amplamente debatidas e intensa foi
a atividade legislativa das Assembleias Provinciais em busca do ordenamento legal da educa<;aoescolar.
Diversas foram as leis provindais que, por exemplo, ainda na
A epoca
dizia-se
- Luciano
A lei de 15 de novembro de
1827,2em seu artigo 1,dizia que" em
todas as cidades, vilas e lugares mais
populosos haverao escolas de primeiras letras que forem necessarias".
val ores necessarios a inserc;ao, mesmo que de forma muito desigual, dos
pobres a vida social.
Ao "ler, escrever e contar"
agregaram-se outros conhecimentos
e valores, que a instituic;ao escolar
deveria ensinar as novas gerac;6es,
sobretudo as crianc;as. Conteudos
como "rudimentos de gramatica", de
"lingua patria", de "aritmetica" ou
"rudimentos de conhecimentos religiosos", lentamente, aparecerao nas
leis como componentes de uma "instruc;ao elementar".
- Luciano Mendes
de FariaFilho
DO METODO MUTUa
AO METODa INTUITIVO
Conforme
139
afirmamos
ante-
a elabora~ao e publica~ao de textos legais mostrando 0 interesse das elites pelo tema.
Tudo isso comprova que todo esse debate nao tinha rela~ao apenas com a necessidade de estruturar urn Estado nacianal e garantir a constru~ao da nacionalidade. 0 ideario
civilizat6rio iluminista irradiava-se, a partir da Europa, para
boa parte do mundo e, tambem, para 0 Brasil. Como componente central desse ideario estava a ideia da necessidade de
alargar as possibilidades de acesso de urn numero cada vez
maior de pessoas as institui~6es e praticas civilizat6rias. 0
teatro, 0 jomal, 0 livro, a escola, todos os meios deveriam ser
usados para instruir e educar as "classes inferiores", aproximanda-as das elites cultas dirigentes.
No Brasil, no entanto, 0 diagn6stico que se faz mostra
uma realidade muito avessa a esse ideario. Nos debates dizia-se que:
(...)0 sistema de educa~aoelementar,que se tem seguido no
Brasil,desde 0 seu descobrimento, tem sido mui dispendioso, e
mui delimitado;ainda sem notar outros defeitos,que de tempos em tempos se tem conhecido,e se tem tentado remediar
comalgumasprovidenciasoportunas.8
Ate entao a escola que existia funcionava, na maioria
das vezes, nas casas dos professores ou, sobretudo, nas fazendas, em espa~os precanos e, para 0 que nos interessa aqui,
seguiam 0 metodo individual de ensino. Tal metodo consistia
em que 0 professor, mesmo quando tinha varios alunos, acabava por ensinar a cada urn deles individualmente. Na verdade, era 0 metodo por excelencia da instru~ao domestica, aquela
que ocorria em casa, onde a mae ensinava aos fillios e as filhas, ou os irmaos que sabiam alguma coisa ensinavam aqueles que nada sabiam.
o metodo individual caracterizava-se, pois, pelo fato
de os alunos ficarem muito tempo sem 0 contato direto com 0
professor, fazendo com que a perda de tempo fosse grande e
a indisciplina urn problema sempre presente. Certa ocasiao,
urn professor fez as contas e chegou a conclusao de que com
urna jomada de 4 horas diiirias de aula, mesmo
(...) supondo uma multidao de circunstancias favoraveis, que
nunca jamais se podem encontrar, temos que, no sistema individual, cada aluno tem por dia 41/2 minutos de li~ao de leitura,3 de escrita e 1/2 de calculo.9
140
Nessas cirCtU1Stancias,
podemos
calcular, nurna epoca em que se procurava afirmar a necessidade de se utilizar racionalmente 0 tempo, ensinando
nipido e da maneira mais economica
possivel, 0 quanto tal metodo era criticado. Tais crfticas, inicialmente na
Europa no final do seculo XVIIIe, posteriormente, no Brasil, nas primeiras
decadas do seculo seguinte, deu lugar
a experimenta;ao de urn novo metodo denominado lancasterianoou mutua. Sua elabora;aoinicial e atribufda
- Luciano
141
- Luciano
143
As excurs6es e
as visitas
eram
atividodes
importantes no
ensino
dos "lifOes
decoisas",
segundo 0
metodaintuitivo.
Brasil, ate a decada de 30 do seculo xx. De uma forma definitiva para a educa;aoescolar, estarao postas como condi;oes
de possibilidades de exito da a;aoescolar a considera;ao da
atividade do aluno, como sujeito no processo de aprendizagem e do lugar do professor e dos metod os, como sujeito e
instrumento, respectivamente, mediad ores desse processo.
DO ESPA<";ODA FAZENDA
AO GRUPO ESCOLAR
Herdamos do periodo colonial um nUmero muito reduzido de escolas regias ou de cadeiras publicas de primeiras Ietras. Eram escolas cujos profess ores eram reconhecidos ou
nomeados pelos 6rgaos de govemos responsaveis pela instru;aoe funcionavam em espa;osimprovisados, geralmente, na
casa dos profess ores, os quais, algumas vezes, recebiam uma
pequena ajuda para 0 pagamento do aluguel. Os alunos ou
alunas dirigiam-se para a casa do mestre ou da mestra, e la
permaneciam por algumas horas. Nao raramente 0 periodo
escolar de 4 horas era divido em duas se;oes:uma das 10 as
12 horas e outra das 14 as 16 horas.
No entanto, nao podemos considerar que apenas aqueles, ou aquelas, que frequentavam uma escola fora do ambiente domestico tinham acesso as primeiras letras. Pelo
contrario, tern os indicios de que a rede de escolariza;ao
domestica, ou seja, de ensino e aprendizagem da leitura, da
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- Luciano
As saIos de aula
dos grupos
esrolares eram
planjadas
segundo
preceitos medicohigienistas
bastante
precisos.
146
- Luciano
divulgadas nos anos finais do Imperio, 0 Brasil vai ter de esperar ate meados da ultima decada do seculo XIX,
prirneiro ern Sao Paulo e, depois, ern
varios estados brasileiros, para ver ern
funcionamento as primeiras constru<;oespublicas pr6prias para a realiza<;aoda instru<;aoprimaria: os grupos
Neles,e por meio deles, os
escolares.
republicanos buscarao mostrar a pr6pria Republica e seu projeto educativo exemplar e, porvezes, espetacular.
Os grupos escolares, concebidos e construidos como verdadeiros
templos do saber,16encarnavam, a
urn s6 tempo, todo urn conjunto de
saberes, de projetos polltico-educativos, e punham ern circula<;ao 0 modelo definitivo da educa<;aodo seculo
XIX:0 das escolas seriadas. Apresentadas como pratica e representa<;ao
que permitiam aos republicanos romper corn 0 passado imperial, os grupos escolares projetavam urn futuro.
ern que na Republica 0 povo, reconciliado corn a na<;ao,plasmaria uma
patria ordeira e progressista.
No entanto, a cultura escolar elaborada tendo como eixo articulador os
grupos escolares atravessou 0 seculo
XX, constituindo-se referencia basica
para a organiza<;aoseriada das classes,
para a utiliza<;aoracionalizada do tempo e dos espa<;ose para 0 controle sistematico do trabalho das professoras,
dentre outros aspectos. E,grosso modo,
nesse e corn referenciaa esse caldode
culturaque ainda hoje se elaborarnas
reflexoespedag6gicas, mesmo aquelas
que se representam, mais urna vez, de
costas para 0 passado e antecipadoras
de urn futuro grandioso.
147
Essa preocupa<;ao, que se refere ao tempo e a sua utiliza<;ao,escolar ou nao, nao e apanagio das elites mineiras nas
primeiras decadas dos oitocentos. Ela esta no cerne mesmo
da modernidade, e nao poderia deixar de ser urn aspecto central no interior dos processos de escolariza<;ao. A discussao
volta-se, por urn lado, para a rela<;aoentre a escola e outras
institui<;6es ou ocupa<;6essociais (famIlia, trabalho...), pretendendo fazer com que os pais, sobretudo, tomem consciencia
da importancia da escola e fa<;amcom que seus(suas) filhos(as)
freqiientem reguiarmente a escola. No entanto, esta nao e, parece-me, a questao principal. a aspecto central, aqui, refere-se
ao fato de que mais e mais vai-se afirmando 0 tempoescolar0
qual, na sua especificidade, precisa estar em constante dialogo com os outros tempos sociais.
E na melhor
Nos grupos
fundamentais
escolares,
para a educaflio
"moral,
148
civica"
e "intelectual"
eram espafos
dos alunos.
- Ludano
Mendes de FariaFilho
NOTAS
1
2 Lei de
4Na provincia de Minas Gerais, por exemplo, entre leis, regulamentos e portarias, inventariamos quase 600 textos legais para 0 periodo de 1835 a 1889.
5
Tavares Bastos. A Provincia. Sao Paulo: Cia Editora Nacional, 193? (1" ed. 1867?).
Em varios momentos, observamos, em Minas Gerais, a aplicac;ao de quase 30% dos recursos provinciais
7 A provincia
8 Jornal
9
no servic;o de instruc;ao.
mineira
de provincia
por ano.
0 Universal, em 18/7/1825.
Francisco de Assis Peregrino. Mem6ria... Arquivo Publico Mineiro, S.P., c6dice 236,1839.
10
II 0 Universal, 17/7/1825.
149
lista de castigos lancasterianos para serem aplicados nas escolas de primeiras letras da
Provincia.
13
14
A experiencia mineira, que nao parece ser Unica, bem 0 demonstra. Em 1827, Bernardo
Pereira de Vasconcelos sustentava que, em Minas Gerais, havia 23 escolas publicas e 170
escolas privadas.
Ilmar H. Mattos. In: Tempos de Saquarema. Rio de Janeiro: Acces, 1994,2. ed.
15Ver, a esse respeito, 0 texto de Jose Gon~alves Gondra incluido nesta coletanea.
16
Sobre a constru~ao dos grupos escolares no estado de Sao Paulo, ver 0 trabalho de Rosa
determinado pelo Artigo 1" da Lei numero 13, publicada em Minas Gerais em
1835, que se parece muito com aquelas publicadas mais ou menos na mesma epoca em
varias outras provincias, "a instru~ao primaria consta de dois graus. No primeiro se
ensinara a ler, escrever e a pratica das quatro opera~6es aritmeticas, e no segundo a ler,
escrever, aritmetica ate as propor~6es, e no~6es gerais dos deveres morais e religiosos".
As escolas de 2" grau saD aquelas que se localizam em cidades e vilas (maiores) e as de I"
em locais de menor popula~ao. Nas localidades onde houvesse as de 2" grau, as de I"
nao seriam abertas. Quanto aos conteudos, nas escolas para meninas, alem dos conteudos daquelas do I" grau haveria "ortografia, pros6dia, no~6es gerais de deveres morais,
religiosos e domesticos". (Art. 3".)
150