A Riqueza e A Pobreza Das Nações (Resenha)

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ISSN 2236-9422

RESENHA

A Riqueza e a Pobreza das Naes:


por que algumas so to ricas e
outras so to pobres
de David S. Landes

por Victor da Silva Catharino

Em 1998, o professor emrito de economia da Universidade de Harvard, David Landes (New


York, 1924 ), condensa mil anos da histria da humanidade, nesta obra aclamada pelo pblico. Pode ser considerada como um exerccio superficial, eurocntrico e ideologicamente
otimista, mas certamente possui uma escrita agradvel, num recorte tipicamente jornalstico,
sem estar preso erudio acadmica. Landes quer mostrar com este livro que so as atitudes
das pessoas que fazem e desfazem os processos de desenvolvimento.
Nesta obra, Landes no considera a emergncia do modo de produo capitalista tal qual
na teoria marxista, ou seja, no observa o processo de acumulao primitiva como condio
para o surgimento do capitalismo. Ao contrrio, o autor busca criticar as teses materialistas
da histria, identificando diversos fatores no-econmicos como os responsveis pelo desenvolvimento das naes responsveis pelo surgimento do modo de produo capitalista tais
como recursos naturais, mo-de-obra, geografia, o clima, a religio, o ensino e a cultura, em
sentido amplo, ou seja, Landes no se refere a obras de arte, mas aos valores e atitudes vigentes numa sociedade, particularmente a aptido pela liberdade individual, a curiosidade e a
criatividade , alm de uma dita vontade individual de buscar a riqueza atravs do trabalho, na
qual o autor apia-se na descrio weberiana da tica do trabalho. Landes compara o desenvolvimento de naes que sofreram um processo de atrofia intelectual, em comparao com
aquelas que estiveram na vanguarda do desenvolvimento cientfico, h 500 anos atrs, longe,
por exemplo, das amarras da Inquisio e da represso da autoridade estatal.
O livro comea com uma comparao entre Europa e China: a China poderia ter sido a
nao pioneira no alcance da Revoluo Industrial, mas essa era uma sociedade cultural e
socialmente homeosttica, ou seja, que podia viver com pouca mudana (LANDES, 1998, p.
41). Se a mudana representasse algum perigo ao Estado, este se encarregaria de por um fim a
ela. Em seguida, Landes caracteriza a expanso econmica da Europa Medieval como uma sucesso de inovaes e adaptaes, tanto em nvel tcnico (a chamada inovao da inovao),
quanto organizacional, como cdigos comerciais, e de sociedades que estabeleciam alianas
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entre mercadores e financiadores, alm de aperfeioamentos tcnicos, como a roda dgua, os


culos, o relgio mecnico, a imprensa, e a plvora (LANDES, 1998, p. 48). Particularmente,
os culos e o relgio mecnico possibilitaram a criao de instrumentos de maior preciso e
desenvolveram a noo de produtividade. Apesar de ter criado a imprensa no sculo IX, a China encontrava-se limitada no desenvolvimento desta, devido repulsa, por parte do governo
imperial, em permitir o aperfeioamento e difuso dessa inovao, que poderia fomentar novas idias, evitando-se, assim, o surgimento de possveis contestaes ao poder estabelecido.
Landes descreve sobre o Imprio portugus no Oriente, surpreendendo-se como Portugal, um pequeno pas, com uma pequena populao, avanou em seu processo de expanso
pelos mares: a faanha portuguesa testemunho de seu esprito empreendedor e fortaleza,
de sua f religiosa e entusiasmo; de sua capacidade para mobilizar e explorar os conhecimentos e tcnicas mais recentes. Nada de chauvinismo tolo; o pragmatismo em primeiro lugar
(LANDES, 1998, p. 138). Quando os portugueses conquistaram o Atlntico Sul, estavam na
vanguarda da navegao Ibrica. Landes indica que, alm de ter de arcar com novos concorrentes nos mares ingleses e holandeses, que para o autor iro se beneficiar com a Reforma
Protestante, representando o marco inicial do estmulo intelectual e inovador, que permitiram Holanda e Inglaterra, e posteriormente, a Frana, avanarem sobre as possesses portuguesas e espanholas , os portugueses foram enfraquecidos no sculo XVI com a maturao
da perseguio religiosa, que resultaria na criao do Santo Ofcio na dcada de 40 do sculo
XV (LANDES, 1998, pp. 140-145).
Em 1497, sofrendo presso da Coroa Espanhola e da Igreja Catlica, os portugueses entraram no jogo da intolerncia religiosa: Desde ento, a vida intelectual e cientfica em Portugal
desceu a um abismo de intolerncia, fanatismo e pureza de sangue (LANDES, 1998, p. 146).
Portugal perdia dinheiro, experincia comercial, contatos e conhecimento, alm de qualidades imensurveis de curiosidade e inconformismo que constituem o fermento do pensamento
(LANDES, 1998, p. 147). A partir de ento, inaugura-se um processo de isolacionismo cultural
que no permitiu o avano de tcnicas em Portugal, e este v seu espao, tanto na teoria quanto na prtica da navegao, ser superado pelas demais potncias martimas.
A partir da, o autor norte-americano expe a mais estimulante explicao, vinda de
Max Weber, onde o protestantismo definiu e sancionou uma tica de comportamento cotidiano que conduzia ao sucesso nos negcios. Inicialmente, pela doutrina da predestinao,
ningum poderia ser salvo pela f ou pelas respectivas aes, onde a salvao j teria sido definida desde sempre pelo Criador. Assim, qualquer um podia ter sido eleito, mas razovel
supor que a maioria dos eleitos teria mostrado por seu carter e modo de vida a qualidade de
sua alma e a natureza de seu destino, sendo um poderoso incentivo conduta e aos pensamentos apropriados. A Teoria da Predestinao teria produzido uma espcie de cdigo
secular de comportamento, atravs de trabalho perseverante, seriedade, honestidade, e o uso
parcimonioso do dinheiro e do tempo, produzindo um novo tipo de homem de negcios, que
tinha por objetivo viver e trabalhar de certo modo, e desta forma, a riqueza seria um subproduto desse modo de trabalho (LANDES, 1998, p. 195).
Caso exemplar , para o autor, o do Japo, um pas que mal encontrou os europeus, mas
que tratou de aprender os seus mtodos: foi o substrato cultural dos que fez a diferena. Diferente da gigante vizinha China, os japoneses teriam sido mais receptivos aos estrangeiros,
sendo vidos por aprender, por trocar informaes com os europeus. Apesar do isolamento
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entre meados do sculo XVI at incio do sculo XIX, a classe mercantil japonesa prosperou:
o Japo no teve o calvinismo, mas seus homens de negcio adotaram uma tica de trabalho
semelhante. A chave est no compromisso mais com o trabalho do que com a riqueza (...) no
tem que ser um protestante weberiano para comportar-se como um deles. (LANDES, 1998, p.
407). Landes ressalta no necessariamente que as virtudes de hoje devam ser as virtudes de
amanh, isto , quer dizer que os japoneses lutaram contra a petrificao e a nostalgia, sob
os Tokugawa, e lanaram-se num esforo nacional com Meiji e seus sucessores, mas que, por
trs de tudo, estaria um sentimento de dever e de obrigao coletiva, distinguindo o Japo do
individualismo do Ocidente, mas sem deixar de ser, uma adaptao de sua tese weberiana
(LANDES, 1998, pp. 438-439).
Seguindo uma linha de pensamento crist, bem verdade que o pensamento enobrece
o homem. Contudo, se Landes compara naes culturalmente distintas, afirmando que uma
(Japo) no sofreu influncia do weberianismo, como comparar a realidade destas naes
numa mesma causa de desenvolvimento? Ao que me parece, essa forma de capitalismo moderno descrita por Weber e Landes, surgiu aps a Revoluo Francesa no sculo XVIII e a
Revoluo Industrial na Inglaterra no sculo XIX. Calvino tambm no o progenitor do
individualismo moderno que se encontra na base do capitalismo. No sculo XVI, o conceito
de conscincia individual, e mesmo de indivduo, era relativamente desconhecido. Essa idia
toma corpo muito aps o Renascimento, mais precisamente l pelo sculo XVIII. Creio que
no se pode atribuir tica protestante do trabalho o surgimento de um processo econmico
to complexo quanto o capitalismo moderno, sobretudo porque o processo de secularizao
religiosa bem posterior ao movimento reformado, tendo se iniciado a partir das concepes
racionalistas do sculo XIX.
Crticas a parte, a leitura desta obra certamente inflama a reflexo e o entusiasmo pela
pesquisa do desenvolvimento das naes.

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