Resenha Figuras de Retórica
Resenha Figuras de Retórica
Resenha Figuras de Retórica
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p.
Maria Helena Cruz Pistori
Ao datar o Prefcio de sua obra, o professor Fiorin utiliza esta forma pouco
usual: So Paulo, numa brumosa tarde de inverno de 2013. A referncia ao tempo
acinzentado, pouco luminoso e coberto de nvoas do inverno. Mas a figura das brumas,
que muitas vezes encobrem nosso olhar (e nossa compreenso), com muita propriedade
pode ser evocada nesta apresentao de Figuras de retrica. Sim, porque se trata de
iluminar, esclarecer e definir conceitos que nem sempre tm sido bem compreendidos,
apesar do fascnio que vm exercendo sobre os estudiosos da linguagem h mais de dois
milnios. E j adiantamos aqui: obra que surge para se tornar referncia na rea.
Linguista renomado e reconhecido, Jos Luiz Fiorin professa um interesse pela
retrica que no de hoje. Para um pblico mais amplo do que o propriamente
acadmico, basta lembrar sua contribuio semanal revista LNGUA Portuguesa desde
2006, na seo que logo passa a levar o nome da disciplina Retrica. Mas penso que
justamente sua profunda formao de linguista estudioso de Saussure, Benveniste,
Hjelmslev..., ao lado de seu conhecimento da literatura, do grego, do latim, da prpria
lngua portuguesa, que tornam singular sua ltima publicao: Figuras de retrica.
No se trata de um catlogo de figuras, avisa o mestre, mas da apresentao de
mecanismos de construo de sentido, operaes enunciativas de intensificao ou
atenuao dos significados presentes no discurso a servio da persuaso (p.10). Mas,
ainda que no seja um catlogo, a lista longa: so apresentadas ao leitor mais de uma
centena de figuras (alguns afirmam que a fria taxionmica dos antigos chegou a
classificar centenas delas...). E, em sua definio e anlise, por muitas vezes o autor
recupera o debate que sobre ela travaram os antigos, os clssicos e os contemporneos:
Ccero, Quintiliano, a Retrica a Hernio, Pierre Fontanier, Jakobson, o Grupo ...
A compreenso de cada uma das figuras e de sua argumentatividade no discurso
precedida dos trs captulos iniciais que do ao leitor os fundamentos do trabalho,
apresentando e analisando com acuidade as relaes entre lingustica e retrica e
levando o leitor a perceber as dimenses tropolgicas e argumentativas da linguagem,
ambas constituindo sua retoricidade geral. A cada figura dedicado, ao menos, um
captulo (o funcionamento argumentativo da metfora, rainha das figuras, e da
metonmia merecem mais captulos). O quarto captulo mostra ao leitor o modo como o
Bakhtiniana, So Paulo, Nmero 9 (1): 180-186, Jan./Jul. 2014.
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retrica antiga mas, no presente, integra-as - todas, aos estudos do discurso, como
operaes enunciativas criadoras de efeitos de sentido argumentativos.
Como se pode observar, esses primeiros captulos so essenciais para a
compreenso e possvel aprofundamento do todo da obra. No terceiro, tomamos contato
com autores mais recentes, como Ricouer, Greimas & Courts, Denis Bertrand, que
propem aparato terico-metodolgico que servir ao autor para exposio das figuras e
suas funes no discurso: avivar ou abrandar determinado sentido. Sem dvida, a
clareza do texto virtude comum nos textos do professor; e neste, em particular, o
aspecto didtico mas no simplificador outra de suas qualidades. Dessa forma,
conceitos
como
intensidade-extenso
das
grandezas
lingusticas,
acelerao-
Na classificao das figuras de que vai tratar ao longo da obra, o autor se vale da
sistematizao dos antigos, dividindo-as conforme ocorram (1) por adjuno ou
repetio, aumentando o enunciado; (2) por supresso, diminuindo-o; (3) por
transposio de elementos, ou seja, a troca de seu lugar no enunciado; (4) e pela
mudana ou troca de elementos. Na verdade, os tropos realizam um movimento de
concentrao semntica, que caracterstica da metfora, ou um de expanso semntica,
que a propriedade da metonmia (p.31). Cada figura definida no apenas
formalmente, mas de modo que o leitor realmente possa verificar como o efeito de
sentido argumentativo se constri discursivamente. Para isso, sempre ser amplamente
exemplificada e contextualizada: nunca apenas a linha onde ela ocorre, mas todo o
trecho em que aparece, tornando possvel ao leitor recuperar minimamente o contexto.
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O farto exemplrio , com certeza, uma das riquezas da obra. Os autores citados
recuperam a lusofonia como um todo, no tempo e no espao, e em diferentes gneros:
brasileiros, portugueses, angolanos... Dos clssicos (Cames, Vieira, Machado...) aos
modernos e contemporneos (Joo Cabral de Melo Neto, Graciliano Ramos, Fernando
Pessoa, Guimares Rosa, Jos Paulo Paes, Ondjaki, Jos Eduardo Agualusa...); de
autores de todo o sc. XVIII e XIX (Dom Francisco de Vasconcelos Coutinho, Alencar,
Castro Alves, Garret, Ea de Queirs...) queles que se dedicaram cano (Chico
Buarque, Joo Bosco e Aldir Blanc, Paulo Soledade e Marino Pinto...). A lista imensa.
H tambm o discurso jornalstico, representado pelo Jornal do Brasil o exemplo da
informao meteorolgica no dia posterior decretao do AI-5 imperdvel, a revista
Veja, O Estado de S. Paulo... Sempre encontramos ainda o cuidado de exemplificao
em outras linguagens que no a verbal, pois, afirma o mestre, se a semitica, que se
quer uma teoria geral da significao, pretende voltar retrica, para herd-la, preciso
tratar da linguagem em geral (p.30). E, nesse ponto, lamentamos a falta de ilustraes,
pois os exemplos visuais so apenas descritos. Finalmente, a obra apresenta um ndice
remissivo, que facilita ao leitor o encontro de qualquer figura pela qual tenha interesse,
e uma bibliografia que abrange obras da retrica antiga, clssica e nova, da Lingustica,
da Semitica, Pragmtica, de Gramtica.
Duas questes fecham estes comentrios. Primeiramente, uma obra como esta
realmente fazia falta em nossas estantes. Hoje encontramos apenas pequenas amostras
de figuras em listas breves, ora no fim de algumas gramticas, ora em obras que tratam
da linguagem jurdica, ora em obras que tratam da retrica, ou em livros didticos.
Obras especficas sobre o tema (algumas foram publicadas na dcada de 80), alm de
esgotadas, no se propunham a perspectiva discursiva nem a profundidade terica
encontrada nesta Figuras de retrica.
E, para concluir, gostaria de retomar uma afirmao de Fiorin no Prefcio,
justamente porque, a meu ver, indica a importncia da obra de forma ampla, j que as
figuras so apenas parte de todo o complexo retrico que herdamos dos antigos: a
retrica foi uma aventura do esprito humano para, na construo da democracia, em
que so essenciais a dissenso e a persuaso, compreender os meios de que se serve o
enunciador para realizar sua atividade persuasria (p.11). A questo de compreenso:
quais sentidos so construdos, quem os constri, como se constroem, para quem, com
Bakhtiniana, So Paulo, Nmero 9 (1): 180-186, Jan./Jul. 2014.
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Recebido 28/03/2014
Aprovado 08/06/2014
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