Entre A Caserna e A Rua
Entre A Caserna e A Rua
Entre A Caserna e A Rua
o dilema do pato
Niteri, RJ
2011
Bibliografias: p. 259
ISBN 978-85-228-0686-7
Para Raysa, minha filha, e Cludia, minha esposa, que entenderam com resignao os momentos que lhes foram subtrados
na dedicao a este trabalho.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeo aos meus pais Sebastio Incio e Neuza Gama, pela bondade e firmeza de carter com que sempre se
conduziram, transmitindo-me valores que me marcaram profundamente a ponto de representarem, para mim, quase que uma
obrigao, uma questo de honra mesmo, a sua retransmisso
a quem partilhasse de minha convivncia. Creio que, assim,
suas presenas puderam ser percebidas em minhas atitudes,
por mais simples que elas fossem.
Ao amigo Wilson de Arajo Filho pela amizade simbitica, com a
troca de informaes valiosas e de opinies sinceras que muito
me auxiliaram na confeco deste livro.
Ao meu paciente orientador, Roberto Kant de Lima, que acreditou na possibilidade deste trabalho, mesmo diante de todos
os problemas pelos quais passei para conclu-lo.
Aos cadetes e oficiais da Academia de Polcia Militar D. Joo
VI que, por meio das aes por mim observadas, deram vida a
este trabalho e me fizeram refletir a cada dia mais sobre minha
prpria Corporao. As percepes argutas presentes nas
entrevistas que me forneceram deixaram-me num movimento
helicoidal de concluses e cogitaes extasiantes, quase transformando o final da pesquisa num sonho inalcanvel, no fosse
o retorno obrigatrio ao rigor metodolgico e o espao limitado
de uma dissertao.
Aos meus amigos do curso de mestrado Anamaria, Durval,
Ana Amlia, Rosngela, entre outros que, sabendo de minhas
limitaes de nefito na rea das cincias sociais, procuraram
me ajudar de todas as formas com as teorias e categorias sociolgicas. Em especial, Hayde Caruso, grande incentivadora e
responsvel por meu retorno ao mestrado para o trmino desta
pesquisa.
Ao amigo Mrio Srgio de Brito Duarte, que o destino generosamente ps ao meu lado nesses ltimos anos de minha trajetria
profissional e com quem travei interessantes debates para o
desenvolvimento de algumas ideias aqui presentes, mesmo que
em alguns momentos elas tivessem surgido a contrario senso.
s amigas, j quase policiais militares e sempre incentivadoras,
Jacqueline Muniz e Luciane Patrcio.
quelas que me receberam no Instituto de Segurana Pblica ISP e companheiras do Ncleo Fluminense de Estudos
e Pesquisas NUFEP, Ana Paula Mendes de Miranda, Ktia
Sento S Mello e Lana Lage, com quem tive a oportunidade de
compartilhar ideias interessantes.
A todos os amigos do ISP, em especial queles que contriburam
diretamente para a finalizao deste trabalho, Thiago Soliva,
Kelson, Biral, Capit Rosana, Cabo Alessandro e Soldado Diego.
E, por fim, mas no menos importante, a todos aqueles que
na Polcia Militar do Estado do Rio de Janeiro contriburam e
ajudaram-me nessa concretizao. Todos sabero a quem me
refiro e, de certa forma, podero se reconhecer nas linhas desse trabalho. Porm, citar nomes, individualmente, certamente
far-me-ia cair num erro lamentvel, por quaisquer eventuais
lapsos de uma memria que j no me boa, o que, sem dvida,
seria uma ingratido sem tamanho, que nem todas as erratas do
mundo tipogrfico, juntas, poderiam corrigir.
Sumrio
AGRADECIMENTOS ..................................................................7
PREFCIO..................................................................................15
Roberto Kant de Lima
Apresentao.......................................................................19
Arthur Trindade M. Costa
Introduo............................................................................21
Dilemas e paradoxos institucionais: alguns
insights..................................................................................29
A Metfora do pato na teoria nativa....................................29
Um modelo dual de polcia....................................................33
A esttica militar como marca paradigmtica.....................51
Ferramentas analticas..........................................................58
A Caserna e a Rua..............................................................58
Sobre o ritual militar........................................................61
O palco do ritual................................................................65
Academia de Polcia Militar D. Joo VI................................65
Os profissionais no se improvisam..................................69
Do espadim espada: Os ritos de passagem.................73
A adaptao...................................................................75
A incorporao dos novos alunos................................81
O espadim de Tiradentes..............................................84
O aspirantado................................................................92
Consideraes preliminares sobre
o simbolismo da espada.........................................................99
A rotina................................................................................. 109
Interiorizando a Caserna................................................. 109
A estrutura organizacional................................................. 112
O curso de Formao de Oficiais........................................ 116
Uma pedagogia informal............................................... 128
O trote............................................................................................131
Imprio mpar versus Soberania Par.............................137
Com o bumbo no p direito...............................................139
Ordem, limpeza e controle....................................................149
O Cadete-Padro e a poltica do CA..................................153
Servios e alteraes..........................................................167
Um duelo simblico......................................................... 181
O ritual punitivo.................................................................. 181
Enquanto isso, a naba voava..................................... 182
Invente uma historinha, aluno................................... 197
At que enfim sexta-feira......................................... 205
Hora da porrada: o drama da punio..................... 209
Isso tudo um teatro: estigmas e estratgias na
ilha da fantasia........................................................... 220
A revanche dos cadetes....................................................... 226
Semana cultural.......................................................... 226
Cad a minha goiabada. Dorothy no Show da
Virada............................................................................. 229
Resumo da pera............................................................ 239
Sobre os rituais da APM...................................................... 248
Consideraes finais..................................................... 251
Referncias........................................................................ 259
Anexo...................................................................................... 267
LISTA DE GRFICOS
GRFICO 1 APM D. Joo VI (efetivo/2003) Relao Masculino/
feminino
GRFICO 2 Chefia
GRFICO 3 Alteraes por turma
GRFICO 4 No apartamento
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Matrias do Ensino Fundamental
TABELA 2 Matrias do Ensino Profissional
TABELA 3 Total da carga horria
TABELA 4 Controle de punies
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Vista de satlite da Fazenda dos Affonsos
FIGURA 2 Adaptandos e adaptadores
FIGURA 3 Adaptandos com o bichoforme
FIGURA 4 A Guarda bandeira
FIGURA 5 Os donos do ritual no palanque das autoridades
FIGURA 6 A consagrao do Espadim de Tiradentes. Guarda de
Honra ao fundo
FIGURA 7 Grupamento de Formandos
FIGURA 8 O primeiro colocado recebe a sua espada
FIGURA 9 A favelinha
FIGURA 10 O parado segue
FIGURA 11 Apresentao do parado para o hasteamento da
Bandeira
FIGURA 12 A punio ritual do cadete no CFO
FIGURA 13 Os duendes (zero-um e zero-dois)
FIGURA 14 O Mago dos Affonsos
FIGURA 15 O Homem de Lata e Espantalhoso
FIGURA 16 Dorothy, Espantalhoso, Homem de Lata, com o Leo
frente
FIGURA 17 Dorothy recebe sua goiabada
PREFCIO
Nos ltimos 30 anos tenho-me dedicado a pesquisa de campo,
alm de percorrer a literatura sobre culturas jurdicas e prticas
policiais, comparativas, em universos institucionais, estaduais
e nacionais distintos. Um dos resultados dessas pesquisas minhas e de meus colaboradores, alunos, ex-alunos e colegas
uma reflexo sobre a especificidade das polcias brasileiras,
particularmente as de atribuies judiciria e militar. Embora
estas tenham academias e escolas formativas, primam por no
incorporar nesses estudos escolarizados a legitimidade para o
fazer policial. Como consequncia, aprende-se a fazer polcia
na prtica, seja na rua, seja no cartrio policial, e as prticas
policiais acabam sendo transmitidas de mo em mo, de forma
tradicional.
Esta caracterstica da forma e mtodo de transmisso do saber
policial tem por consequncia provocar nos policiais, e nas instituies, reao negativa a qualquer forma de controle explcito,
seja escolar ou no, em sua reproduo. Assim, no h protocolos para guiar a prtica policial - ou no so de conhecimento
pblico e universal dentro da corporao e fora dela, nem se
fazem cumprir - como em outras polcias contemporneas, cujo
respeito e obedincia, comprovados em casos de acidentes e
de violaes de direitos, vm em defesa, seja dos policiais, que
atuaram by the book, seja dos cidados envolvidos.
Isso porque, diferentemente das formas de transmisso de conhecimento de saberes prticos on the job, trocando o pneu
com o carro andando e outras expresses que as designam,
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Apresentao
A construo das identidades profissionais tem sido apontada
por estudiosos como a chave para entender as dinmicas e conflitos sociais existentes no interior de diferentes instituies, tais
como hospitais, tribunais, bancos e escolas. No caso das polcias militares, entender os conflitos e dilemas identitrios dos
seus membros fundamental para compreender as mudanas
que estas instituies tm passado desde a redemocratizao
do Brasil. Nada mais adequado, portanto, do que a proposta
deste livro: refletir sobre o processo de formao da identidade
policial-militar que tem curso na Academia de Polcia Militar
D. Joo VI, escola de formao de oficiais da Polcia Militar do
Estado do Rio de Janeiro (PMERJ).
A existncia de uma identidade dual, policial e militar, um dos
dilemas mais fortes presentes no interior das polcias militares
brasileiras. A tenso Entre a Caserna e a Rua, como descreve
Robson Rodrigues da Silva, acaba por explicitar tal dilema, uma
vez que a identidade militar no mais satisfaz seus membros
como elemento de afirmao profissional.
A Academia de Polcia Militar (APM) o lugar da caserna. Muitos
dos seus rituais e rotinas foram inspirados naqueles existentes
na Academia Militar das Agulhas Negras, escola de formao
dos oficiais do Exrcito. Isso torna a APM o principal locus de
transmisso dos valores e saberes militares. Entretanto, na
rua, ou melhor, nas unidades policiais, que o dilema se torna
mais forte. Os contedos adquiridos l no preenchem as necessidades dos jovens oficiais da PMERJ. Os saberes necessrios
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Introduo
O presente trabalho tem por base a etnografia que realizei, entre
os anos 2003 e 2008, na Academia de Polcia Militar (APM) D.
Joo VI. A APM o espao designado pela Polcia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) para a formao de seu futuro
oficial, que, ali, durante os trs primeiros anos de sua carreira,
realiza o Curso de Formao de Oficiais (CFO).
Meu foco foram os ritos militares promovidos com recorrncia na APM e com os quais procurei lanar luz nos valores em
jogo na aquisio do que chamei de identidade policial militar.
As observaes se estenderam dinmica de uma arena de
tenses em que se revelou o campo sociocultural da APM, no
qual conflitos surgidos entre os vrios grupos que o compem
eram ainda dramatizados numa dimenso simblica.
Os dados foram obtidos pela participao-observante de um
pesquisador-nativo que se disps a estudar sua prpria instituio profissional, pois, como oficial da PMERJ, eu j participava
da cultura profissional que agora, como pesquisador, deveria
observar. Nesse sentido, ao inverter o binmio malinowiskiano,
no precisei virar um nativo, porquanto eu j o era.
Quanto ao meu problema, creio que ele foi se construindo
concomitantemente com minha prpria trajetria profissional
na policia militar, que se iniciou quando ingressei na ento
Escola de Formao de Oficiais (EsFO), em 1985. Considero,
portanto, que seja importante apresentar preliminarmente alguns aspectos dessa trajetria para o entendimento do objeto
em foco neste trabalho.
marcam aquele local designado pela Corporao para a construo social de sua elite poltica.
Por essas caractersticas, a APM D. Joo VI revelou-se um locus privilegiado, no s para a observao de ritos militares,
mas tambm para a observao da prpria instituio policial
militar. Primeiro, porque, como ns nativos j sabemos, aquele
o domnio da PMERJ em que os ritos militares so promovidos com maior nfase e frequncia; depois, porque os valores,
cdigos e representaes nativos esto suspensos, socialmente
realados e, portanto, mais suscetveis ao olhar etnogrfico
nessas ocasies.
Foi assim que percebi uma socializao apenas parcial da instituio policial militar na APM, na qual predominam valores
eminentemente militares. Ali, naquele primeiro momento da
socializao policial militar, um outro lado da instituio que, em
tese, deveria compor seu fazer prtico, ou seja, a parte policial,
orientada talvez pelo paradigma a que chamei de rua, sistematicamente rejeitado pelo paradigma da caserna. Surgiu-me,
ento, a hiptese de identidades mltiplas geradas a partir de
um conflito paradigmtico entre os dois ethos que estruturam
os diferentes espaos institucionais da PM: a caserna e a rua.
Em campo, optei por adotar estratgias cautelosas para abordar meus sujeitos de obsrvao, sobretudo os cadetes, j que
a desconfiana que estes desenvolvem em relao aos oficiais
intensificada nesses momentos de iniciao, o que talvez
prejudicasse alguma eventual entrevista. Isto ocorre devido
ao imbricado sistema de controle social que permeia aquele
espao, cuja estrutura ope, muitas vezes, os dois grupos, como
veremos adiante.
Dessa forma, preferindo inicialmente observ-los em suas
rotinas, fui me aproximando com cautela para, s depois, arriscar entrevistas que somente cessavam quando as respostas
j no acrescentavam nada mais ao tema de que me ocupava
no momento.1
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permanente das ambiguidades percebidas nos cadetes, por outro, havia tambm um discurso ritual do teatro dos cadetes que
simbolicamente atacava o comportamento de oficiais julgados
inadequados para o desempenho de seus papis sociais. Dessa
forma, decidi reconstituir o teatro naquele seu ltimo contexto, com base no vdeo e nos depoimentos de alguns nativos
que o protagonizaram na poca, tanto cadetes quanto oficiais.
Assim, o trabalho ficou dividido em quatro captulos. O primeiro
traz insights de um perodo em que me vi afastado da pesquisa
de campo, somados construo de um instrumental analtico
para dar conta dos dados etnogrficos da pesquisa, incluindo
ainda uma discusso terica acerca de ritual e de como ele vai
ser tratado na etnografia. O segundo traz uma anlise das solenidades oficiais observadas por mim na APM. O terceiro trata
da rotina da APM e de como as representaes ali construdas,
cujos vestgios haviam sido detectados por mim nos rituais, se
manifestavam na prtica nativa. Finalmente, o quarto captulo
traz uma anlise do duelo ritual travado a partir das representaes construdas pelos grupos diferentemente posicionados
e que so incorporadas distintamente por seus indivduos na
dinmica do campo sociocultural da APM.
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Dilemas e paradoxos
institucionais: alguns
insights
Quando o texto trouxer o termo Polcia Militar, ou mesmo sua abreviatura (PM),
porque naquele momento me refiro instituio que, de uma maneira geral, se
encontra sedimentada em toda sociedade brasileira, a partir de uma origem comum.
Entretanto, cada unidade da federao apresentou peculiaridades que fizeram com
que, ao longo da histria, essas organizaes recebessem diferentes denominaes
no mbito de seus territrios. Hoje, de uma maneira mais uniforme, elas so todas
PM de algum Estado, e, no caso do estado do Rio de Janeiro, temos a PMERJ. Assim,
quando me referir especificamente corporao policial militar fluminense, o texto
vir com o seu nome abreviado ou por extenso.
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Essa categoria nativa usada para se referir, de maneira depreciativa, a tudo o que
no faz parte do mundo e, por conseguinte, da identidade militar, ou seja, o civil.
Eu a encontrei nos discursos dos cadetes da APM com um sentido semelhante ao
que foi observado por Celso Castro na Academia das Agulhas Negras (AMAN) do
Exrcito Brasileiro (CASTRO, 1990, p. 39).
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Para essa ideia de regio como produto do poder simblico, (BOURDIEU, 2002,
p. 107-132).
Vemos em Bourdieu (2005, p. 69-78) que essa funo externa do campo religioso de
legitimao da ordem poltica, resulta da homologia entre os campos religioso e
poltico. Entretanto, plausvel inferir que, apesar do monoplio da Igreja em relao
a essa atividade de manuteno da ordem poltica, enquanto mantenedora da ordem
religiosa, a instituio militar tambm zelava simbolicamente pela manuteno da
ordem poltica, enquanto promovia o seu trabalho ritual de reforo solene do consenso
instaurado, distribuindo bens simblicos de culto nao, o que parece ocorrer ainda
hoje, por ocasio das cerimnias militares.
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Cabe lembrar que a aristocracia vivia amedrontada por uma populao incivilizada
que a cercava e pelos ventos liberais que sopravam da Europa e dos Estados Unidos
e que o Rio de Janeiro era, naquele momento, o maior porto negreiro do mundo. Sua
populao de afro-brasileiros, escravos e libertos, somada a de pobres livres era
bem maior que a da elite branca. Juntando tudo isso ao fato de que seus recursos
provinham de taxas, emprstimos privados e subvenes de comerciantes locais e
proprietrios de terras, podemos concluir por quem a Guarda Real foi criada e contra
quem ela era dirigida.
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Em 1830, por presso dos movimentos liberais democratas, foi criado um cdigo
criminal que passava a regular os arbtrios da Guarda e, por consequncia, o poder
monrquico.
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J havia, nesse sentido, um projeto de lei tramitando no Parlamento desde 1830 para
criar a Guarda Nacional.
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A IGPM, cuja chefia exercida por um General-de-Brigada, foi instituda pelo DecretoLei no 317, de 13/3/1967, para o controle e fiscalizao das atividades policiais militares
no pas.
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Criado no perodo militar, o SNI foi extinto em 1990 pelo ento presidente Fernando
Collor. Suas atividades foram reduzidas e passadas para o Departamento de
Informaes (DI), alocado na recm-criada Secretaria de Assuntos Estratgicos
SAE. Para uma anlise mais detalhada da atividade de inteligncia no Brasil,
(ANTUNES, 2002).
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Foi a partir da constituio de 1934 que as polcias militares passaram a ser includas
com maior detalhamento nos textos constitucionais como uma preocupao da Unio.
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No sentido de Dumont (1997, 2000), trata-se de uma ruptura com o mundo e os valores
tradicionais, em que o indivduo ocupa o eixo central como sujeito normativo
das instituies, tendo como seus principais atributos os valores da liberdade e da
igualdade.
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Nota-se que aqui o sentido o do indivduo ideolgico definido por Louis Dumont
(2000), diferente daquele indivduo emprico das observaes de Norbert Elias
(1994), cuja individualidade ou configurao de sua autorregulao psquica se
produziu a partir do aumento do nmero de interdependncias com outros indivduos
e coisas sociais.
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Ferramentas analticas
A Caserna e a Rua
claro que nem todo mundo tem palet, usa gravatas ou tira
chapus quando entra em templos; tampouco, so todos os
policiais militares que se sentem angustiados com coberturas.
Muitos at se sentem bem com elas. H inclusive os caxias que
preferem permanecer com suas fardas impecavelmente intactas
em quaisquer ocasies ou locais, revelando uma melhor inte
riorizao dos valores militares. Mas h tambm os chamados
federais, mangos, patameiros operacionais, caveiras,
entre uma srie de tipos que assimilaram melhor uma ou outra
parte dessas tcnicas corporais, em razo dos diferentes fa
zeres e domnios institucionais disponibilizados pela PM.
Para a anlise de meus dados a partir dessas observaes pre
liminares na APM, optei por utilizar um artifcio semelhante ao
de DaMatta (1997), que procurou evidenciar diferentes dom
nios por intermdio de categorias sociolgicas. Creio que eles
possam ser mais bem compreendidos quando dispostos num
continuum ideal que contenha em cada um de seus polos os
paradigmas compreendidos no universo institucional PM. Num
desses polos ficaria o que chamei de caserna, representando as
idiossincrasias de uma viso de mundo emotiva e holstica que
gera um ethos caracterstico identificado com a prtica militar.
No polo oposto estaria a rua, com suas regras universais e viso
de mundo prtica, conformando um ethos baseado na ideologia
moderna35 e que, ao ser praticado, identifica o fazer policial.
Nesse sentido, enquanto a rua orienta prticas policiais para
decises que valorizam a iniciativa individual, produzindo papis
caractersticos em que o policial comunitrio seu tipo para
digmtico, a caserna tipicamente o domnio da honra emotiva
no qual se constroem e vivem guerreiros militares fabricados
como peas de uma mquina ideal.
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Conforme definida por Dumont (2000, p. 20), isto , como um sistema de idias e
valores caracterstico das sociedades modernas.
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O palco do ritual
Esse nome surgiu porque o local foi originariamente adquirido para servir de
Invernada do Regimento de Cavalaria.
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Dependendo do contexto em que estiver sendo utilizada, essa sigla poder significar
tanto o staff dos oficiais que compem o comando do Corpo de Alunos, quanto o
local fsico onde esse staff se instala; ou ainda, toda a coletividade dos cadetes. Nesse
momento, me refiro s instalaes.
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O Parecer no 233/82 do Conselho Federal de Educao, homologado pelo Ministrio da Educao e Cultura, nos informa que a
Academia de Polcia Militar D. Joo VI um Estabelecimento
de Ensino Superior que tem por objetivo dar cultura jurdica,
policial militar e tcnico-profissional aos futuros Oficiais da
PMERJ.5 Para isso, ela classificada dentro da estrutura organizacional da PMERJ como um rgo de Apoio e Ensino
(OAE)6 que, junto com outros OAE, se encontram diretamente
subordinados Diretoria de Ensino e Instruo (DEI), responsvel pela poltica de ensino da PMERJ. Sua funo precpua,
portanto, educativa, pois objetiva formar o futuro oficial que
ali chega para realizar o Curso de Formao de Oficiais (CFO).
Mas, alm dessa atribuio da APM, ainda h uma outra que
a de socializar o indivduo, preparando-o para o mundo militar.
O acesso APM se d atualmente pelo Vestibular Unificado
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Aps os
exames intelectuais, os candidatos tm de passar ainda por toda
uma bateria de exames fsicos, mdicos e psicolgicos para s
depois serem incorporados APM. L eles so iniciados, mas
antes de comearem de fato o CFO, passam por um breve pero
do de adaptao. Depois de no mnimo trs anos de curso, os
cadetes so declarados Aspirante-a-Oficial e, a partir de ento,
so integrados s Unidades da Corporao, nas quais iniciam
efetivamente suas carreiras no oficialato.
Os alunos integram duas totalidades na APM. Sob o ponto de
vista acadmico, eles compem as trs turmas do CFO, cada
uma representando uma fase do curso. No aspecto disciplinar
militar, essas turmas tambm so, por ordem de antiguidade,
as companhias do Corpo de Alunos. Muito provavelmente o
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O General Jos da Silva Pessoa comandou a Corporao (Na poca, Polcia Militar
do Distrito Federal) no perodo de 11 de outubro de 1919 21 de setembro de 1924,
quando ento era comum oficiais superiores do Exrcito comandarem a polcia
militar. Somente a partir de 1983, com a transio democrtica, que a PMERJ passou
a ser comandada continuamente por coronis da prpria Corporao.
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Assim, continuarei usando cadete, aluno oficial, ou, simplesmente, aluno para
me referir a meus sujeitos observados, da forma como os prprios nativos o fazem.
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Unidade de Ensino do Exrcito Brasileiro que deu origem Escola Militar de Resende
e, posteriormente, atual Academia Militar das Agulhas Negras AMAN. Segundo
Celso Castro (2002, p. 38 et seq.), a reforma do Realengo se deu essencialmente
no plano simblico com a inveno de uma nova tradio a partir de smbolos
estratgicos como o Corpo de Cadetes, o uniforme de gala que remontava s fardas
do exrcito imperial, o Espadim de Caxias que era cpia em menor escala da espada
de Caxias, o novo Regulamento Disciplinar do Corpo de Cadetes etc.
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Os que optam por ficar e o conseguem, o fazem por muitos motivos: emprego, vocao militar, vocao policial, desejo do pai
ou de um parente policial militar etc. Mas a caracterstica dessa
iniciao que, diferentemente das iniciaes que ocorrem em
sistemas totais, ela voluntria, ou seja, a qualquer momento o
nefito poder pedir para sair.
Em campo, tive a oportunidade de observar algumas adaptaes de calouros. Numa delas, um veterano explicou-me
que: esses que de alguma forma j tiveram contato com a vida
militar, no sofrero tanto, mas os paisanos, que nunca tiveram experincia na caserna, vo ter que se adaptar melhor.
A presena dessas categorias prprias do universo militar
nos discursos nativos tornava a diferena entre as diferentes
realidades ainda mais chocante. Para tentar reproduzir esse
primeiro contato dramtico, tentarei remontar aqui minhas
prprias impresses iniciais de nefito, pois creio que nenhum
material possa ser descartado a priori, o que est de acordo
com a participao-observante proposta como metodologia,
na qual uma participao pretrita possa servir para estranhar
minha prpria cultura profissional.
Na primeira vez em que me deparei com aquela realidade estranha, a Academia de Polcia Militar D. Joo VI ainda no
tinha exatamente esse nome. Chamava-se, ento, Escola de
Formao de Oficiais; era incio de 1985 e eu havia acabado
de passar no vestibular para a carreira de Oficial da PMERJ.
Assim, tivemos, eu e os demais aprovados no vestibular da
Cesgranrio,16 de comparecer EsFO para realizar a ltima fase
do certame, composta de testes fsicos e psicotcnicos. Esses
testes so normalmente marcados para o incio do ano letivo,
enquanto os cadetes, principais protagonistas da APM, ainda
esto de frias. Antes de chegar s instalaes da EsFO, tive de
passar pelo porto da guarda do CFAP, que d acesso Fazenda
dos Affonsos. Ali, vi sentinelas realizando malabarismos com
seus fuzis numa efuso de continncias corporais dirigidas s
autoridades que acessavam a Fazenda. A complexidade e o
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Na data marcada para a solenidade, logo pela manh, os novatos entram em forma do lado de fora da APM com seus trajes
civis. Ao toque de 3a CIA Avanar!, eles se deslocam, ao passo
ordinrio, comandados pelo aluno de maior hierarquia (mais
antigo) na APM, o cadete-padro. Depois, param no saguo da
Ala Sul e tomam a posio de Descansar! na entrada da APM.
Imediatamente frente deles est estendida uma fita que separa
simbolicamente esses dois mundos, a caserna e a rua. Ento, o
Comandante da APM caminha em direo aos adaptandos para
descerrar essa fita. Ao faz-lo, o porto da APM estar aberto
aos novos alunos.
O Mestre de Cerimnia anuncia os novos alunos e a Banda
de Msicos toca um dobrado militar enquanto eles, depois de
adentrarem o ptio, sobem aos seus alojamentos para trocarem
seus trajes civis pela farda da PMERJ. Aps se uniformizarem,
os nefitos entram em forma como os mais novos alunos-oficiais
do CFO. Nervosos pelo risco de esquecerem a coreografia re82
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O nome cultua a memria de Joaquim Jos da Silva Xavier, o Tiradentes, mrtir da Inconfidncia mineira e alferes da Tropa de
Cavalaria de Minas Geraes, considerado oficialmente o Patrono
das Polcias Militares do Brasil (BRASIL, 1946). No aspecto fsico,
trata-se de uma espada em dimenses reduzidas, acompanhada
de uma bainha que o protege. Em sua lmina est esculpida a
expresso latina Pro Lege Vigilanda (Para a vigilncia da Lei),
numa aluso atividade policial. No aspecto cultural, no entanto,
trata-se de mais uma equivalncia verde-oliva na PM, j que o
Exrcito Brasileiro criou seu Espadim de Caxias em 1931, para
ser utilizado pelos cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras
com lgica similar (CASTRO, 2002, p. 43).
O ritual do Espadim foi promovido pela primeira vez na Corporao21 em 15 de dezembro de 1956. A primeira turma a receb-lo
foi a Marechal Rondon,22 em cerimnia realizada no Estdio
do Clube Botafogo de Futebol e Regatas, na ocasio em que se
formava a turma de aspirantes Presidente Juscelino Kubitschek,
que recebeu o espadim de no 001. A partir de ento, todos os anos
novas geraes de cadetes recebem seus espadins em solenidades
especiais, agora marcadas oficialmente no dia 13 de maio.
Em 13 de maio de 2007 cheguei APM para assistir ao Espadim
de Tiradentes da turma Bicentenrio, nome escolhido em aluso aos 200 anos de existncia da PMERJ a serem computados
em 2009, no ano de seu Aspirantado. Aquela era mais uma
das muitas solenidades de entrega de espadins a que assisti em
minha carreira policial militar, s que dessa vez na condio de
pesquisador. A novidade era que ela seria realizada noite. No
ano seguinte, entretanto, ela voltaria sua forma diurna original,
confirmando a caracterstica de o ritual militar ser mesmo um
rito diurno (DAMATTA, 1990). No mais, todos os elementos
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Tal como Celso Castro (2002) havia observado no Exrcito, existe na PMERJ a
formalidade de se escolher o nome de um patrono para geraes de oficiais.
85
Apenas para adiantar o que ser visto mais adiante, a Ordem de Servio (OS) um
documento formal da administrao policial militar detalhando minuciosamente
o planejamento a ser executado por ocasio de algum servio especial; onde cada
agente toma conhecimento de sua misso especfica dentro de todo o contexto.
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A autorizao para criar e outorgar insgnias como essas foi concedida pela primeira
vez Corporao aps a campanha do Paraguai, em que o Corpo de Permanentes
participou com unidades incorporadas aos 12o e 31o Corpos de Voluntrios da Ptria.
J em 1936, foram criadas ordens honorficas militares representativas da Repblica
em moldes muito semelhantes aos das antigas ordens imperiais, algumas, at, trazidas
de Portugal.
87
lembre de longe a tradicional investidura dos cavaleiros realizada pela Coroa britnica, quando tambm havia uma distribuio
de ttulos de nobreza a cidados e autoridades civis e militares
(LEACH, 2000). Os indicados para serem agraciados com esse
trabalho simblico podem, inclusive, ascender aos diversos
graus na hierarquia da ordem, a partir de novas indicaes,
desde que, claro, faam parte da rede certa. Aqui, mrito
no condiz com desempenho individual, caracterstica da ordem moderna igualitria que confere prestgio ao mais capaz,
mas trata-se de um prestgio outorgado a considerados por
condies relacionais, num sentido mais prximo ao de uma
honra mediterrnea, presente em sistemas morais baseados
no patronato e em relaes clientelistas. Mesmo excees que
corroborariam esse argumento, como a Medalha Prmio Duque de Caxias, que no Espadim serve para premiar o cadete
primeiro colocado do CFO, parecem ter naquele cerimonial um
sentido de outorga, pois so concedidas em conjunto com todas
essas outras honrarias.
A homenagem demora alm do previsto e, por isso, os oficiais do Gabinete do Comando Geral (GCG), que do suporte
cerimonial solenidade, esto tensos. A corneta orienta os
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91
Ordem honorfica criada pelo Decreto no 5.720 de 17 de julho de 1982, para premiar,
ordinariamente, policiais militares que se destacaram no exerccio da profisso e,
excepcionalmente, outras corporaes militares e instituies civis, bem como
personalidade brasileiras ou estrangeiras que tenham prestado assinalados servios
Polcia Militar. Trata-se da mais importante insgnia da PMERJ, com seus cinco
graus hierrquicos (Gro-Cruz; Grande-Oficial; Comendador; Oficial; e Cavaleiro),
onde o prprio Governador do estado o seu Gro-Mestre. A Ordem administrada
por um Conselho cujo Presidente e Chanceler o Comandante Geral da PMERJ.
93
Instituda pelo Decreto no 29.363, de 19 de maro de 1951, para agraciar o aluno que
concluir o CFO em primeiro lugar, com grau oito ou superior.
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Os elementos presentes nas solenidades da APM esto arranjados numa gramaticalidade que produz determinada
comunicao ritual com significados compartilhados pelos
nativos. Nesse sentido, creio que os rituais militares sejam instrumentos dessa ao social que comunica, como sugeriu Turner
(2008), o programa monoltico baseado no poder, trazendo
as representaes sociais dos nativos, ou melhor, daquele
grupo nativo que os organiza e que, naquele momento, possui o
monoplio de sua produo simblica. Por outro lado, percebi
ainda nas prticas sociais da APM que tais representaes tambm produziam identidades e comportamentos diferenciados.
Neste captulo, alm da anlise dos rituais j tratados at aqui,
pretendo adiantar alguns elementos observados em outros pontos da pesquisa com o fito de elaborar uma anlise preliminar
da espada enquanto smbolo nativo, sobretudo nessas prticas
cujos dados mais completos sero apresentados adiante. Essa
anlise inicial vai-se consubstanciar mais tarde, quando as tais
observaes da dinmica social da APM forem detalhadas, demonstrando como os smbolos despertam comportamentos ou
emoes manifestas, como argumentava Turner (2005).
31
Poema que se encontra emoldurado num quadro que decora a sala do CMT do BOPE.
Agradeo ao amigo CEL PM Mrio Srgio de Brito Duarte por essa lembrana.
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J havia dito que as solenidades observadas na APM apresentavam, num primeiro momento, a maneira de a instituio ver
e classificar o mundo. Para fins de anlise, optei por agrup-las
de acordo com suas caractersticas observadas num discurso
institucional. As que escolhi apresentavam uma elaborao
sbria que reforava a viso de mundo oficial, porquanto eram
promovidas pelo grupo de maior poder no campo, primeiramente pela cpula dirigente da APM e, depois, pela cpula da prpria
PMERJ. Se, por um lado, a Incorporao dos novos alunos
tinha um cunho interno porque era promovida pelo comando
da APM para a insero do nefito na estrutura de poder local,
as outras cerimnias pareciam tratar de uma estrutura mais
ampla de poder. Nesses casos era o prprio Estado quese fazia
presente na figura de seus representantes diretos que, naquelas
oportunidades, comandavam o ritual. Eram, pois, suas estruturas de poder que ali se reforavam na medida em que smbolos
nacionais eram reverenciados, com destaque para a Bandeira
Nacional, normalmente incorporada tropa policial militar em
solenidades desse tipo.
Inseridos na gramaticalidade simblica daquelas solenidades,
estavam os valores do militarismo. A hierarquia, na forma das
posies estatutrias que o indivduo vai alcanando em sua
trajetria poltica pela instituio; a disciplina, representada
pela espera paciente do indivduo pelo momento certo de adquiri-las juntamente com as prerrogativas a elas vinculadas; e a
antiguidade, reforada pela ascenso coletiva, porm ordenada,
de uma gerao de indivduos em que cada um sabe e respeita
o lugar que se deve ocupar nessa totalidade. Nesse sentido, a
passagem dos cadetes se assemelha ascenso gradativa dos
nefitos Baktaman da Nova Guin, em seus rituais de passagens
(BARTH, 1975).
Outro elemento interessante de se observar nessas solenidades
foi a emoo que, acumulada durante todo o perodo em que
os cadetes estiveram realizando o seu CFO, era desprendida
com mais nfase nos momentos de clmax ritual. Na cultura
militar, ela entendida como vibrao. Percebi que ali ela era
estimulada, canalizada e, em seguida, aflorada por um propsito
100
trazia a figura de um espadim bordado como insgnia nos ombros; depois, o prprio espadim fsico que o cadete recebia do
Estado; e, no fim do percurso, por ocasio do Aspirantado, a
espada substitua o espadim no momento em que o indivduo,
deixando de ser cadete, ingressava em sua nova comunidade
poltica. Essa comunicao ritual representa, por meio do
crescimento performtico da arma que representa o oficial,
o crescimento simblico do prprio indivduo no universo da
caserna, que se d, a seu tempo, e com a aquiescncia do Estado, senhor do mandato poltico transmitido por meio desses
instrumentos simblicos naqueles momentos solenes.
Creio que at aqui j tenhamos pelo menos duas possibilidades
de entender os ritos da APM, o que, obviamente, no esgotaria a
nossa compreenso. Enquanto a primeira diz respeito leitura
de uma mensagem no discurso ritual, a segunda, que veremos
a posteriori, seria a possibilidade de entender esses ritos com
a experiencializao concreta dos smbolos rituais a partir das
prticas nativas, por meio de sua decodificao metafrica. Nesse caso a espada o smbolo dominante dos nativos (TURNER,
2005, p. 50). Ela est presente na vida nativa como um fim em
si mesmo, tal como a rvore mudyi dos ndembu. Ao mesmo
tempo ela tambm funciona como um smbolo instrumental
em cada um desses ritos, quando devidamente arranjada como
elemento semitico para realizar uma comunicao ritual com
determinado propsito. Vejamos ento seu manejo simblico
nesses rituais, desde o momento em que ela se apresenta inicialmente em sua forma miniaturizada de espadim.
Com a espada os indivduos so ordenados nessas diferentes
estruturas de poder, tanto as locais que dizem respeito burocracia interna da APM, quanto aquelas mais amplas, relativas ao
poder poltico do Estado. Nesse caso, o discurso ritual nativo
parece nos informar que o cadete dever busc-la por meio da
passagem que representa o CFO. Primeiramente, adquirindo
o direito de ser militar, quando para isso tem de se livrar dos
resqucios paisanos por meio da adaptao. Nesse sentido,
o sofrimento, muito presente nessa primeira etapa, que o
legitima a envergar a farda da caserna, com seus espadins
102
Segundo as regras nativas, a espada distingue o oficial das praas nas solenidades. No momento em que ela desembainhada,
revela-se ainda a antiguidade do oficial que a empunha. Ele
o comandante da tropa formada, ou seja, o oficial de maior
patente ou, em outras palavras, o mais antigo. Os movimentos
realizados pelos que esto no comando so diferentes daqueles
executados pelos demais. Alm disso, ela tambm nos revela
o foco ritual no momento de seu clmax, ao ser utilizada nas
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Agradeo ao meu orientador, Roberto Kant de Lima, por me auxiliar nessa percepo.
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A rotina1
Interiorizando a Caserna
por meio da socializao que os indivduos se tornam aptos
para participarem dos diferentes sistemas sociais, compartilhando cdigos, ideias e significados comuns. Berger e Luckmann
(2003) definem socializao como a ampla e consistente introduo de um indivduo no mundo objetivo de uma sociedade
ou de um setor dela. Sob essa tica, so vrias as instituies
como a famlia, a escola, os grupos profissionais, entre outras,
que promovem a socializao dos indivduos, interiorizando
neles uma realidade que os capacita ao convvio social. Os
mesmos autores ainda subdividem esse processo em dois tipos
de socializao: a primria, que o indivduo experimenta na infncia, e em virtude da qual se torna membro da sociedade, e a
secundria, como qualquer processo subsequente que introduz
um indivduo j socializado em novos setores do mundo objetivo
de sua sociedade (BERGER; LUCKMANN, 2003, p. 175).
fcil verificar, portanto, que socializaes secundrias
ocorrem com uma frequncia cada vez maior nas sociedades
contemporneas, graas sua caracterstica voltil e fragmentada. A maior diviso do trabalho social e o leque mais amplo de
escolhas permitem que o indivduo contemporneo faa parte,
voluntariamente, de diferentes grupos ao mesmo tempo, o que
obviamente no ocorreria em sociedades de pequena escala.
1
Os dados etnogrficos que constam neste captulo foram colhidos na primeira fase
da pesquisa, realizada entre os anos de 2003 e 2004, e os documentos pesquisados
referem-se a dados consolidados do final de 2003.
112
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Existem ainda outros meios, alm desses dois, de o indivduo ingressar no oficialato
da PMERJ. Nesse sentido, h um concurso externo para graduados da rea de sade
realizar o Estgio Probatrio para Adaptao ao Quadro de Oficiais de Sade (EPAO/
QOS), e um concurso para o Estgio Probatrio de Adaptao ao Quadro de Oficiais
Capeles (EPAO/QOCpl).
115
APM, passando diretamente da rua para a caserna para se tornar oficial combatente, sem ter necessariamente sido praa.
O curso de Formao de Oficiais
O Curso de Formao de Oficiais (CFO) funciona em regime de
semi-internato por um perodo mnimo de trs anos.8 Em cada
ano letivo, novos alunos so incorporados e, assim, trs turmas
de cadetes coexistem num mesmo espao fsico. A cada ano, geraes so promovidas e substitudas por etapas consecutivas.
O Primeiro-ano a turma recm-chegada APM; o Segundo-ano se encontra num estgio intermedirio da passagem e o
Terceiro-ano a turma dos veteranos, que est na etapa final
do CFO se preparando para a consagrao no Aspirantado.
A classificao de cada indivduo no CFO, como disse, obtida
com a pontuao das provas intelectuais somada ao grau de
avaliao conceitual concedido pelos oficiais da APM. Essa
classificao determina a antiguidade do cadete para o ano
seguinte. Assim, ocorre uma disputa pela melhor classificao, o que representa direitos e prerrogativas regularmente
diferenciados, tais como melhores salrios no futuro, j que
no ranking da antiguidade, quem termina o CFO na frente, sai
na frente por ocasio das primeiras promoes no oficialato.9
Diz-se, portanto, que antiguidade posto, porque ela diferencia individualmente cada agente dentro do sistema hierrquico
militar. Por excelncia, a antiguidade um valor positivo do
mundo militar, que possibilita, nos mnimos detalhes, a previso
de relaes assimtricas com regras que privilegiam o superior.
Nesse sentido, entender os significados dessa categoria nativa
pode nos ajudar a entender melhor o saber prtico racionalizado
na caserna.10
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Dois fatos que j vimos anteriormente como estratgias simblicas ilustram bem
como a antiguidade posicionada dentro do sistema de valores da cultura militar.
O primeiro diz respeito escolha do nome do patrono das Polcias Militares e o
segundo, escolha do nome da prpria APM.
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Para uma anlise mais detalhada desse drama de identidades sofrido pelo pessoal
da PMERJ, (MUNIZ,1999, p. 64).
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Segundo um oficial, que na poca trabalhava na Diviso de Ensino da EsFO e diz ter testemunhado essa alterao naquele incio
de redemocratizao, essas mudanas comearam a ocorrer de
fato quando uma comisso instituda pelo Coronel Cerqueira13
modificou todos os currculos da PMERJ, no intuito de afast-la
dessa concepo ideolgica orientada pela Segurana Nacional. Na oportunidade, foram retiradas as matrias que mais lhe
pareciam relacionadas e, mais tarde, aps a promulgao da
Constituio de 1988, o currculo seria mais uma vez alterado,
dessa vez pelo comandante da academia que, poca, resolveu
aumentar ainda mais a carga jurdica do CFO.
Por outro lado, verifiquei no atual currculo do CFO alguma
carncia de assuntos e temas relacionados polcia ostensiva
de preservao da ordem, que, por fora constitucional, a
atividade da PM por excelncia. Nesse sentido, a matria Segurana Pblica, que mais se aproximava dessa da PM, onde
poderiam estar includos assuntos referentes a seu fazer pr13
Oriundo das fileiras da prpria PMERJ, o Coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira
foi o primeiro comandante geral do atual perodo democrtico. Tomou posse em
1983, como Secretrio de Estado de Polcia Militar, nomeado pelo ento Governador
Leonel de Moura Brizola, que havia sido eleito diretamente pelo voto popular aps 21
anos de ditadura militar e criou aquela Secretaria. Cerqueira ficou muito conhecido
por seu perfil humanitrio e seu dilogo com organismos de Direitos Humanos.
121
O conceito de AISP como unidade geogrfica para aplicao das polticas pblicas
de segurana est disponvel na pgina eletrnica do Instituto de Segurana Pblica
(ISP): <http://www.isp.rj.gov.br/Conteudo.asp?ident=45>.
122
123
Evidentemente a alternncia que prioriza apenas um desses aspectos identitrios no programa curricular, quer seja a caserna,
16
Como havia mencionado antes, essa categoria nativa designa os alunos de outros
estados que vm realizar o CFO no Rio de Janeiro. Nesse caso, o entrevistado se refere
aos aratacas veteranos, que poderiam ainda aplicar o trote em momentos informais
dos finais de semana, ou em eventuais liberaes do CA, j que so residentes na
APM. No entanto, o trote vem sendo repudiado cada vez mais pela sociedade no atual
momento democrtico, o que, de certa forma, limita moralmente essa estratgica.
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Figura 9 A "favelinha"
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Conforme tambm foi demonstrado por Pereira (2002) em relao formao dos
praas da PMERJ.
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134
for analisado. Por outro lado, essa realidade diferenciada produzia tambm diferentes representaes acerca do militarismo,
percebidas de maneira variada pelos grupos que compunham
aquele espao sociocultural.
Todavia, h sinais de fadiga nessa estrutura de trotes. De um
lado isso ocorre por presses externas da opinio pblica e
de familiares que percebem neles um primitivismo anacrnico
para os padres democrticos da sociedade contempornea, de
outro, pelas crticas tcitas vindas de muitos dos prprios cadetes que resolveram rejeitar tanto o seu papel social de bicho,
quanto o tipo de tratamento liminar que lhes dispensado nessa
situao, o que ser visto mais adiante no teatro dos cadetes.
Assim, ao exigirem um tratamento pautado por regras formais
de direito encontradas de uma forma geral na Constituio
Federal, ou at mesmo nos regulamentos policiais militares,
muitos cadetes passaram a questionar o sistema e suas regras liminares, incrementando ainda mais os conflitos entre a caserna
e a rua. essa ameaa de um rompimento com a rotina instituda que faz surgir, nos termos de Berger e Luckmann (2003),
um problema para a instituio. Um fato ocorrido em 2003,
quando eu era subcomandante da APM, ilustra bem esse tipo de
conflito. Na poca, o comandante do CA havia encaminhado ao
comandante da APM um aluno do Primeiro-ano que se negava
peremptoriamente a receber uma vacina que naquela ocasio
estava sendo administrada a todo o CFO. Ele pleiteava assumir
o risco de no ser vacinado, alegando que tal interveno poder-lhe-ia provocar reaes alrgicas e que era ele, e no a APM,
quem deveria decidir sobre o que seu organismo necessitava.
O impasse foi tomado inicialmente como uma indisciplina
contra o comando, e talvez em outros tempos o recalcitrante
recebesse sanes morais dentro das regras da pedagogia informal do CFO: uma suga ou uma pagao, por exemplo.
No entanto, o problema j havia chegado ao conhecimento
do comandante da APM, que resolveu solicitar a opinio de seu
Estado Maior o que me inclua para solucion-lo. Foi quando
percebi a oportunidade de observ-lo etnograficamente.
135
Solicitei que o comandante no opinasse a priori, mas lhe sugeri que fossem convocados ainda o major Chefe da Subseo
de Justia e Disciplina, um reconhecido garantista, como se
referem os profissionais do Direito aos que defendem os direitos
e garantias individuais, e mais dois oficiais do CA, tidos como
escrotos do tipo disciplinado e disciplinador, ou seja, uns
caxias. Agora muito provavelmente a situao estaria um
pouco mais equilibrada, tornando interessante a discusso que
at aquela altura pendia para a punio do aluno em nome do
interesse coletivo.
Como bom militar, o Comandante no tolerava atitudes como
aquela do aluno que, para ele, soavam como uma afronta aos
preceitos da hierarquia e da disciplina. Cauteloso e atento
vigncia do Estado Democrtico, ele percebeu a importncia de
sua deciso, optando por deixar inicialmente a palavra com os
presentes. De um lado, os caxias iniciaram o debate pedindo
a punio sumria do indisciplinado, o que, pelo tamanho da
insolncia, poderia significar um arrocho adicional na forma
de trotes para todo o Primeiro-ano. Do outro lado, o major
garantista solicitava a admoestao do cadete, convencido
pelos princpios democrticos de que ele realmente no estava
obrigado a proceder daquela forma at ento rotineira na APM.
Nesse momento eu os provoquei lembrando que fato semelhante
j havia ocorrido em nossa recente histria poltica: a Revolta
da Vacina. Parecia que o conflito carioca, surgido com a polcia
sanitria do Professor Oswaldo Cruz havia ressurgido ali com
novos elementos do cotidiano do cadete. Em ambos os casos,
houve uma indefinio sobre os limites do poder do Estado
de dispor de direitos consagrados ao corpo do indivduo. No
caso da revolta da vacina da APM, o comandante decidiu fazer
com que o cadete compusesse uma redao cujo tema seria a
Revolta da Vacina histrica. Decidiu, tambm, que, caso no
quisesse, o cadete no precisaria ser vacinado, mas tambm no
receberia seu licenciamento do final de semana, que, segundo
ele, no seria um direito adquirido, mas mera concesso do
comando [!]. O aluno, bvio, muito prtico, optou por ser
vacinado, a fim de no receber aquela punio s avessas.
136
social da APM. Nesse sentido, as regras presentes no ambiente sociocultural da APM refletiriam a instabilidade de Estado
que caracteriza os sujeitos rituais em seu estgio liminar. Ao
mesmo tempo que sua dinmica cultural diferencia os cadetes
em turmas, a categoria aluno-oficial se apresenta de uma forma una e indivisa nas normas do Estatuto do Policial Militar.
Usando a terminologia de Turner, eu diria haver, nesse caso,
uma comunidade relativa ou rudimentarmente estruturada em
trs communitas representando as geraes concomitantes
em seus diferentes estgios do CFO. De uma maneira relativa,
tambm possvel dizer que a fase intermediria do CFO, isto
o Segundo-ano, trata-se de uma outra liminaridade, porque seu
cadete est em um estado intermedirio e transitrio dentro
da comunidade de cadetes. Seria como uma fenda que se abre
no seio da liminaridade maior que a APM significa no universo
social da PMERJ. O cadete no Segundo-ano do CFO, portanto,
seria duas vezes liminar, primeiro por pertencer a uma comunidade especial a de cadetes e, depois, por estar margem do
sistema social que a APM constri internamente. Por essa tica
referencial, poder-se-ia dizer que o Segundo-ano se encontra
numa liminaridade da liminaridade, ou seja, na antiestrutura
daquela fase interestrutural que representa o CFO, no qual em
tese devam prevalecer as regras da mesma impessoalidade
encontrada na sociedade geral, o que explica a valorizao
negativa do individualismo, considerado pelos nativos como
egosta e desagregador.
Com o bumbo no p direito
Vimos que, no regime de internato parcial do CFO, os cadetes
permanecem reclusos na APM durante toda a semana letiva, sendo liberados somente nos finais de semana. Vimos tambm que
a rotina dos cadetes apresenta atividades de controle numa temporalidade meticulosamente racionalizada, o que deixa a APM
com caractersticas parecidas com as de algumas instituies
disciplinares que, na sociedade industrial, se especializaram na
docilizao de corpos (FOUCAULT, 2007, p. 117-142).
139
Documento informativo dirio oficial que toda unidade militar possui, onde esto
publicados os atos do Comando. Trata-se, portanto, de uma interessante fonte
para pesquisas da vida formal da Unidade e de seus integrantes. Existem ainda os
boletins da PM (BOL PM) onde so publicados atos do Comando Geral da PMERJ
que, normalmente, dependendo do interesse das Unidades e da determinao do
Comandante Geral, so transcritos no BI das Unidades.
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141
05h30min Alvorada
A corneta acorda o quartel no incio da manh com o toque de
alvorada, obrigando os cadetes a estar de p logo pela manh, o
que normalmente os deixa sempre irritadios e mal humorados.
Com poucas palavras, j includas as interjeies, os cadetes
so monossilbicos nesses momentos iniciais de sua rotina diria. A qualquer momento um cadete mais antigo da equipe de
servio pode entrar no alojamento anotando recalcitrantes que
ficaram mais tempo na cama. Alguns preferem mesmo correr
esse risco, a largar os braos onricos de Morfeu, o que lhes
poder render, como punio, um final de semana a mais na
Fazenda. Nesses momentos iniciais, os cadetes realizam sua
higiene pessoal os homens fazem ainda a chamada tricotomia
facial, ou seja, a barba e se aprontam para a educao fsica.
06h Educao fsica
O expediente previsto no QTS tem incio com a prtica da educao fsica. Ao observarmos a distribuio da carga horria no
programa curricular, percebemos a importncia dessa disciplina
para o CFO: so-lhe reservadas nada mais, nada menos do que
180 horas-aula em cada ano do curso. A forma como na maioria
das vezes ela praticada, com movimentos coletivos padronizados, muito parecida com a que se utilizava nas instituies
militares, a chamada calistnica. Normalmente a aula de educao fsica rene, de um lado, o desespero de quem est abaixo
das condies fsicas da mdia do grupo e, de outro, o prazer
daquele que est bem e interiorizou essa prtica como um valor.
No incio do curso h os infindveis corrides que parecem
fazer parte do mesmo pacote de provaes que marcam a iniciao do nefito. Geralmente os cadetes do a volta ao mundo
nas segundas e nas sextas-feiras, quando realizam um circuito
de aproximadamente dez quilmetros, saindo da APM, indo
at o bairro vizinho de Deodoro, atravessando a Vila Militar e,
depois, retornando Sulacap por Marechal Hermes.
Essas aulas preparam o aluno para as provas de educao fsica
que vo ocorrer durante todo o ano letivo. A parte fixa dessas
142
preito deixe de ser realizado, quer por falta de efetivo, quer por
falta de interesse. Mesmo quando promovido nos Batalhes de
Polcia Militar (BPM), ele quase sempre deixa de seguir, risca,
os detalhes exigidos no RCONT.
Na APM, dependendo do comando, pode haver perodos em que
ele seja realizado somente com a equipe de servio do dia. Normalmente isso ocorre nos finais de semanas e feriados, quando
a maioria dos cadetes no est presente. Entretanto, certo
que o parado ocorra nas sextas e/ou nas segundas-feiras.
Nessas ocasies, as companhias entram em forma por ordem de
antiguidade, uma aps a outra. A primeira CIA, composta pelos
veteranos, vem na frente; depois, a segunda e, por ltimo, a
terceira, formada pelos bichos do Primeiro-ano. O conjunto
forma um bloco compacto que representa a totalidade do CFO.
frente das CIAs vo seus comandantes-alunos que, segundo a Nota Instrutiva no 025, so os alunos do Terceiro-ano que
obtiveram as melhores mdias na passagem do segundo para
o Terceiro-ano (do 2o ao 10o colocados), adquirindo, assim, o
direito de comand-las e de comandar seus pelotes. Trata-se j
de um exerccio para a profisso, pois, como se pode concluir
da frase do General Pessoa, ali o cadete est justamente para
aprender a comandar. Assim, a parada avana com os cadetes
marchando ao som da corneta, ao passo de ordinrio, marche!
e com o bumbo no p direito!
144
Com movimentos sincronizados, quase sempre acompanhados pela melodia da marcha militar executada pela Banda de
Msicos que vai frente da formatura , ou mesmo de uma
cano entoada viva voz pelos prprios cadetes, o parado
segue firme at o local em que diariamente so hasteadas as
bandeiras nacional e estadual. Os alunos do Terceiro-ano o
comandam at a chegada dos oficiais. uma forma de eles
treinarem para a vida profissional, dizem os oficiais. Assim que
o oficial mais antigo assume o seu lugar na parada, reservado
bem de frente para o Corpo formado, o aluno mais antigo sai de
forma e se dirige at ele numa teatralidade marcial de passos
lentos e cadenciados, para lhe passar o comando do parado.
um momento tenso para o cadete que ali tem de se separar de
seu grupo, o que raro de ocorrer naquele espao estruturado
dentro de uma lgica holstica de individualizao regulada pelo
CA, mas que faz parte de um objetivo programado. A frequncia
desses momentos vai aumentando com o decorrer das etapas
do CFO, o que revela uma passagem gradativa do coletivo
individualizao: se o cadete representa o coletivo, o oficial de
estar individualizado no comando das fraes. Esse processo
guarda, portanto, alguma similitude com o que Foucault chamou
de individualizao controlada (FOUCAULT, 2007).
145
146
Ultimamente no tem sido raro as turmas terem efetivos com mais de cem alunos.
147
18h Jantar
Por volta das 18 horas, os cadetes entram em forma em frente
ao rancho para o jantar. Antes disso, so conferidos pelos mais
antigos da equipe de servio. S vai entrar quem botou o nome
no vale de rancho!, advertem. O rancho uma atividade entendida como servio e, por isso, o cadete cobrado a comparecer
devidamente uniformizado, mesmo quando fora do expediente,
como se estivesse de servio.
Depois do jantar, o Corpo de Alunos dispensado at o pernoite, ltima apurao (confere) do dia. Mas estar escalado de
pernoite nos finais de semana sem ser da equipe de servio
funciona tambm como uma punio informal: a Rev Rec, isto
, Revista do Recolher, que obriga o cadete a se deslocar at a
APM para essa nica finalidade.
Aps tudo isso, os horrios so flexveis na APM. Para o
bicharal vale, nesse caso, a seguinte mxima difundida pelos veteranos: bicho, a noite uma criana. o momento
tradicionalmente propcio para o trote. Para os alunos do
Segundo-ano, livres dessa relao, uma excelente oportunidade para colocar os estudos em dia.
22h Silncio
Ao toque do silncio, todas as luzes dos alojamentos, exceto
as do banheiro, devem ser apagadas e todos os cadetes devem,
em tese, estar na cama. No mundo militar, o silncio significa
descanso. Mas, como descanso para cadete relativo, na alvorada ele j tem de estar de p, s 05:30h, para a nova jornada.
Alm do mais, possvel que haja os trotes da madrugada. Contudo, o toque do Silncio, conhecida composio da lavra de
Nini Rosso, bem diferente do toque da alvorada. Sua melodia
melanclica a mesma que dali por diante preencher os momentos de dor na carreira policial militar, marcando a separao
do companheiro morto em servio, nos rituais fnebres.
148
Curso Superior de Polcia, requisito para que o oficial superior (majores e tenentescoronis) atinja o ltimo posto na carreira que o de coronel PM.
149
151
A entrevista abaixo, concedida por um oficial da APM, traz indcios dessa valorizao positiva da ordem e da previsibilidade
militar, ao tratar de um incidente ocorrido durante uma solenidade de entrega de espadins. Nela, ainda podemos perceber
os contornos da mesma teoria nativa que representa a PM, no
momento em que esses valores da caserna, de um militarismo
ideal ali representado pelo Exrcito, colocado diante de uma
PM com seu complexo de patinho feio que no saberia realizar
corretamente os ritos militares.
Uma vez o Comandante Militar do Leste tinha chegado e, a
princpio ele era a maior autoridade presente Se fosse seguir
o regulamento, s o primeiro oficial general ou, no caso, a
governadora, teria direito [ao toque do corneteiro]. Os demais
152
O Cadete-Padro e a poltica do CA
Com a classificao obtida no vestibular, o primeiro colocado da
turma do Primeiro-ano o seu zero-um, ou seja, aquele cadete
que traz a primeira numrica da turma (01) logo depois do ano
de entrada no CFO e adquire, por isso, atribuies especiais.
Assim, cada turma tem o seu zero-um que, mais do que uma
numrica, representa o aluno mais antigo, elo entre a turma e
o comando do CA. Nessa funo, o cadete fica encarregado de
trazer e fazer com que sejam cumpridas pelos prprios companheiros de turma, as determinaes do CA.
Nos anos seguintes o zero-um pode deixar de caber ao mais
antigo de entrada (do vestibular), j que a disputa passa a envolver tambm as notas das provas curriculares de todo o perodo
letivo do CFO, que, juntamente com o grau do conceito individual atribudo pelos oficiais da APM, comporo a mdia final
dos cadetes naquele respectivo ano. Assim, a cada ano letivo,
bem provvel que a classificao do CFO seja alterada com o
balano final dos resultados obtidos no perodo.
O primeiro colocado do Terceiro-ano representa um caso especial, pois, alm de ser o zero-um da turma, tambm o cadete
mais antigo de toda a Academia. Nesse caso, o zero-um passar a
ser chamado de cadete-padro ou aluno-padro e, ao adquirir
essa posio, auxiliar os oficiais do CA na sua ao disciplinar
27
Piscar, uma categoria nativa que significa o medo do militar em contrariar a ordem
da autoridade hierarquicamente superior, dizendo-se, ento, que fulano piscou.
Segundo meu interlocutor o comandante da APM piscou ali, diante daquele dilema
institucional.
153
sobre os demais cadetes.28A cada ano a Academia tem seu cadete ou aluno-padro que, segundo as NGA, escolhido por um
conselho escolar entre os trs primeiros colocados do segundo
para o Terceiro-ano. No saguo que liga o ptio principal ao
Prdio Anexo, h um mural com as fotos de todos os cadetes
consagrados como aluno-padro da Academia.
A disputa para obter essa posio de destaque comea no final
do Segundo-ano letivo e envolve os nomes dos trs cadetes
mais bem classificados por nota, ou seja, pela mdia dos pontos que obtiveram nas matrias curriculares. Para almejar ser
cadete-padro, o aluno tambm deve ficar atento ao conceito
a ser inserido na Ficha de Avaliao Disciplinar29 (FAD) preenchida pelos oficias do CA pois, como vimos, esse grau entrar
no clculo de sua mdia final. O conceito, portanto, poder ser
fundamental nos momentos decisivos pois, dependendo da
situao individual do cadete, pode alterar sua ordem final de
classificao. O nome do cadete-padro da APM poder ainda
no ser o do primeiro colocado de nota, j que a escolha recai
sobre qualquer um dos trs primeiros colocados.
Segundo os cadetes mais antigos, antes havia o chamado conceito horizontal que eles prprios emitiam entre si e que era
somado ao conceito vertical emitido pelo CMT da Cia. Ao longo dos anos, o CA percebeu que havia nesse conceito horizontal
uma possibilidade de os alunos manipularem a escolha do zero-um, promovendo um movimento orquestrado para derrubar o
aluno-padro do CA. Houve, ento, segundo eles prprios, uma
correo desse mecanismo acabando com o conceito horizontal
e permanecendo com a FAD e seu conceito vertical.
interessante perceber que h por parte dos alunos uma grande
desconfiana de que ocorra mesmo uma manipulao do CA na
definio do nome dos trs que disputaro a posio de cadete28
29
154
155
158
A zero-um do meu Primeiro-ano era a S.; ela era bem ponderona; mas ponderava tudo em benefcio da turma. Hoje ela bem
calada, tranquila; mudou bastante, at mais do que precisava.
(Cadete R., do Terceiro-ano do CFO/2003).
160
161
Foi interessante notar mais uma vez que havia uma disputa ideolgica entre caserna presente na poltica do CA, com sua lgica
da honra e da considerao, na qual a FAD era o seu maior
exemplo, e a ideologia liberal moderna presente nas disputas
pelo desempenho individual que ocorria nas salas de aula. Foi
interessante perceber, tambm, que as qualidades militares e os
valores coletivos que formam o padro do CA, por meio do
qual se pode mapear o sistema de valores do programa ideo
lgico institucional, quase sempre se manifestavam nas FAD.
Para tentar compreender o habitus que ali se constri, ou seja,
aquele arqutipo institucional vivido e corporificado (BOURDIEU, 1980), resolvi conversar com o prprio Cadete-Padro
de 2003, enquanto fazia minhas anotaes de campo. Com
uma estrela amarela no uniforme, do lado esquerdo do peito,
que o distinguia dos demais cadetes, o cadete G. me pareceu
um pouco preocupado com a conversa, fato que pude verificar
nas frases de palavras cuidadosamente colocadas. O clima s
ficou mais tranquilo quando, entendendo o valor que a lealdade
podia representar para ele naquele ambiente, informei-o de
que minha pesquisa estava autorizada pelo comando da APM,
fato que remontava mais uma vez ao mito de Caxias (CASTRO,
2002). Alis, foi interessante notar que a hexis corporal de G.
parecia ter como referncia o Exrcito. Ele confirmou essa
predileo aps a entrevista, na continuao da conversa sobre a pesquisa. Na oportunidade, mostrei-lhe alguns livros que
trazia comigo na linha antropolgica, para tentar descontrair o
ambiente e fazer com que minha presena no fosse confundida
com um servio de P/2, o que naquele ambiente de vigilncia
e controle era temido at pelo cadete-padro. Apresentei-lhe,
ento, aqueles livros que, se houvesse interessasse, poderiam
ser levados para uma rpida leitura naquele final de semana.
Dentre os livros apresentados, dois se referiam socializao
de cadetes. O primeiro tratava de uma etnografia realizada na
Academia da Polcia Militar do Cear (S, 2002). O segundo era
uma etnografia que tratava da construo de uma identidade
militar (CASTRO, 1990). Foi justamente este ltimo, a etnografia da AMAN, que G. resolveu levar emprestado.
162
No era a primeira vez, portanto, que a AMAN surgia como referncia para a APM. Em determinados momentos ela pareceu
mesmo ser um modelo ideal. Bastava ler aquela etnografia de
Castro (1990) para, ao compar-la com a realidade da APM, se
compreender isso. Evidentemente, o que havia me chamado
aateno naquela escolha no fra o fato de ela demonstrar a
curiosidade de G. em conhecer uma realidade diferente da sua,
mas sim o fato de o Exrcito surgir mais uma vez como uma
referncia para o policial militar.
Este comportamento tem-se reproduzido a fim de que haja
uma seleo na qual os mais adaptados continuam e os mais
fracos desistem. No entanto, os valores que orientam essa
adaptao na APM so, na verdade, parte de uma estratgia
demanuteno de suas estruturas sociais. O comportamentode
G., o cadete-padro e, em tese, o mais adaptado dos cadetes
naquele momento, reflete o mesmo comportamento dos oficiais
que idealizam a caserna como valor exclusivo e que, no caso da
APM, mantm a AMAN como referncia na construo social
dos futuros oficiais. Verificando as trajetrias das duas academias, podemos perceber certo paralelismo entre elas indicando
uma confuso referencial da PM com o Exrcito, pronta para
produzir a mesma crise identitria percebida por Muniz (2001).
G. parecia tenso, medindo cada palavra que dizia e cuidando
estrategicamente da manuteno simblica de sua imagem. Ao
mesmo tempo que aparentava orgulho, parecia preocupado ora
com a impostao da voz, ora com os movimentos corporais.
Tambm permeava a conversa com frases do tipo eu no gosto
de aparecer que condiziam com aquela hexis corporal idealizada, mas que, repetidas vrias vezes ao longo da entrevista,
pareciam convencer um comportamento corporal emprico em
constante manuteno. Isso tambm parecia aparentar uma
valorao negativa da autopromoo, mesmo que, inconscientemente, as palavras de G. proporcionassem, a contrario senso,
uma espcie de autopenitncia por esse desvio egocntrico.
Nesse sentido, fica fcil concluir que os homens, representados
em nossa sociedade por sua virilidade caracterstica, so os candidatos naturais a cadete-padro, o que a princpio descartava
163
O fato de R. no acreditar que seria a zero-um bem sintomtico, pois ela sabe que
no tem o perfil mas, apesar de no aprov-lo, aceita com naturalidade o fato.
164
34
35
166
Uma percepo muito similar tambm foi observada na Academia da Fora Area
Brasileira (AFA), a partir do ingresso da primeira turma de cadetes femininos, em
1996. Nesse sentido, (TAKAHASHI, 2007).
167
de gasolina, do saguo da Ala Norte, do Anexo etc. So essencialmente servios de execuo, equivalentes aos servios
tirados por praas nas unidades policiais militares. Esse fato
vai reforar as regras da liminaridade daquele espao de iniciao e preparao do futuro oficial que, antes de comandar,
deve aprender a obedecer (TURNER, 1974).
normal que os plantes tenham tambm que passar recados
aos moradores dos apartamentos daquela ala, ou prestar-lhes
algum servio personalizado chamado informalmente de
acordmetro. Isso ocorre geralmente durante a madrugada,
quando os mais antigos necessitam levantar-se para realizar
alguma tarefa, tais como: estudar, tomar remdios, ou mesmo
render seus companheiros de servio. Assim, eles solicitam
que os plantes os acordem. Nessas ocasies, o planto deve
anotar com esmero o horrio que dever acordar o solicitante.
Deixar de faz-lo, ou mesmo esquecer de faz-lo no horrio
solicitado um erro que, dentro do mesmo pacote pedaggico
das regras liminares da APM, passvel de punio. De fato,
foi esse o motivo que levou o cadete J., do Primeiro-ano, a ser
sancionado com dois dias de Licenciamento Sustado (LS) na
grade de punies do dia 26 de setembro, de 2003, cuja nota de
culpa dizia o seguinte: Realizar acordmetro do cadete PM
Italo, com 20 minutos de atraso, quando na funo de planto
da ala Oeste.37
Assim, dependendo da ala em que o planto estiver escalado,
seu servio se torna ainda mais difcil. Segundo os cadetes do
Primeiro-ano: a Ala Oeste, onde moram os veteranos, o servio mais puxado. Por isso, os mais modernos so geralmente os
escalados para tirarem o servio ali, onde a presso maior.
Nesse caso, a chance de sofrerem trotes aumenta consideravelmente, sobretudo durante a madrugada, cmplice silenciosa
nesses momentos velados. No dia seguinte, o cadete que tirou
servio de planto da Ala Oeste pode surgir como um verdadeiro
zumbi para assistir as suas aulas, ou seja, um morto-vivo que
foi sugado a noite inteira pelos veteranos. Nesse caso, seus
37
169
bom frisar que essa era a escala vigente no momento em que realizei minhas
observaes de campo em 2003. Como no se trata de um documento rgido, como um
regulamento, por exemplo, a escala de servio dos cadetes depender do comando.
Dessa forma, o servio de Oficial de Permanncia pode ou no existir, ou, ainda, pode
ser tirado tanto em casa quanto na APM; pode at inexistir por ser considerado
suprfluo, quando h a determinao do comando para que o servio de Oficial de
Dia seja executado exclusivamente pelo oficial, em vez de pelo cadete. Atualmente,
em 2008, ele havia sido extinto, deixando o servio de Oficial de dia de ser tirado por
cadete, passando a ser executado exclusivamente por oficial.
171
172
174
Nas Unidades de Ensino da APM, o termo instruo se refere aula ministrada por
militares e, nesse sentido, se diferencia de aula que ministrada por professores
civis.
176
179
180
Um duelo simblico
O ritual punitivo
Tratarei aqui dos ritos de punio disciplinar, que ocorrem como
forma de ajuste constante do comportamento dos nefitos que
porventura no tenham se enquadrado na poltica do CA.
Antes de tudo, preciso esclarecer que o que eu chamo aqui
de ritual punitivo ou ritual da punio disciplinar, ao contrrio
das solenidades analisadas at agora, no tem ordenao, esquema, ou qualquer estrutura expressamente estabelecida nos
regulamentos militares, notadamente o RCONT, nem reduzido
a um planejamento nativo como as ordens de servio elaboradas
pela Diviso de Ensino, mas se reproduz com um formato muito
similar, h anos, nas prticas da APM. Desde o meu CFO, eu j
o conhecia daquela maneira. Essa foi, portanto, uma das caractersticas que me fizeram atentar para esse evento coletivo, cujo
material cultural passado de gerao para gerao no CFO.
Geralmente, esses eventos ocorrem nos momentos que antecedem uma grande liberao do Corpo de Alunos, quando
os cadetes se preparam para deixar a APM no final de semana,
cumprindo o regime de internato parcial do CFO. Trata-se de
um ritual que, periodicamente, expe coletividade os cadetes
que foram flagrados pelo sistema de vigilncia e sancionados
num processo disciplinar conduzido pelo CA.
Em sntese, esses ritos dramatizam um conflito especfico
existente entre o comportamento do cadete e o programa estabelecido como padro na poltica do CA. Sob essa perspectiva,
182
183
184
almejando para si ou para suas turmas o acmulo de reputao.3 Meus dados apontavam para essas possveis estratgias
orquestradas com certa autonomia pela faco4 que tinhao
maior poder da caneta dentro daquele campo, ou seja,
o Terceiro-ano. Eles tambm no descartavam a existncia
dessas disputas dentro de uma mesma faco. Nessa dimenso, o sistema de controle social da APM estrategicamente
manipulado, com os cadetes visando ao prejuzo moral de
seus potenciais adversrios. Era provvel que verdadeiros
processos de estigmatizao se iniciassem a partir dessas
estratgias, em que os mais poderosos se valiam do aparelho
institucional repressivo para ajudar na construo das carreiras desviantes5 de seus adversrios.
Contudo, os cadetes do Terceiro-ano sabiam tambm que no
estavam soberanos nesse sistema. Eventualmente, eles contavam com a ajuda de oficiais do CA, quando no de oficiais da
prpria APM, nesse controle. Normalmente, o processo punitivo se iniciava na parte superior da cadeia hierrquica, com os
oficiais indicando ao Terceiro-ano o seu papel dentro daquela
estrutura de vigilncia e controle. Nesse sentido, percebi que ao
Terceiro-ano caberia fiscalizar as demais turmas que compunham o sistema, sendo que seu prestgio junto ao CA aumentava
na medida em que tal ao fiscalizadora era exercida com eficcia. Por outro lado, os oficiais tambm deixavam claro que
o prprio Terceiro-ano poderia ser vtima do mesmo processo,
j que ele tambm era vigiado pelo CA.
O desviante revelado, efetivamente apontado e punido pelo
sistema, sofria, por sua vez, um desfalque em seu estoque de
capital reputacional. Assim, o alvo preferencial do Terceiro3
Recorro, aqui, small politics, como foi utilizado por Bailey (1971, p. 3), por entender
nessas atividades aparentemente corriqueiras, que tratam de assuntos aparentemente
pequenos ocorridos em comunidades midas, caractersticas similares s das
atividades que tratam dos grandes temas presentes na grande poltica. Para Bailey,
ambas merecem a mesma ateno intelectual, porque: the same principles serve
for political competition and political alliance alike in great issues and small.
Aqui, utilizo o termo com o sentido de Bourdieu (1989), visando a trazer tambm
a noo poltica simblica desse autor para ampliar as discusses sobre a APM, a
partir das categorias de Bailey.
185
186
menos punida, com taxa de 1,33 punio por aluno,7 fato que
pode ser explicado pelo maior poder de caneta que seus cadetes tinham no campo, em comparao a seus concorrentes.
O servio, portanto, revela-se uma tima oportunidade para o
Terceiro-ano alcanar seus objetivos pequeno-polticos, uma
vez que seus adversrios imediatos ficam merc de suas participaes, como adjuntos de seus servios e responsveis pela
escriturao dos documentos. Se no fosse a perspectiva das
pequenas polticas, essa alterao seria mesmo interpretada
como uma falta imperdovel dentro do sistema nativo, atingindo
um valor consagrado para o grupo, dada apenas a sua quantidade
de punio. Mas meus dados, sob a perspectiva qualitativa, iam
indicando algo a mais, conforme mostra a entrevista concedida
num tom irnico por um cadete do Segundo-ano.
Engraado que as punies da minha turma, na maioria, so de
erros na brochura. Isso parece ser uma tradio na APM, que
187
3 Ano
(1 CIA)
1
0,75%
2 Ano
(2 CIA)
5
1,25%
1 Ano
(3 CIA)
15
No apartamento
37
27,82%
65
6,44%
16,25%
27
11,59%
Asseio Pessoal
Balbrdia
6,77%
14
4,51%
10
3,50%
1,72%
2,50%
16
Comando e Chefia
Desobedincia e
Desrespeito
Displicncia
10
7,52%
6,87%
42
10,50%
38
16,31%
17
12,78%
67
16,75%
25
10,73%
Dissimulao
23
0
17,29%
2,00%
13
5,58%
0,00%
13
3,25%
Dormir na instruo
0,43%
10
7,52%
23
5,75%
11
4,72%
Em servio
5,26%
43
10,75%
10
4,29%
Faltas / Atrasos
12
9,02%
38
9,50%
52
22,32%
Uniforme
0,75%
72
18,00%
21
9,01%
133
100%
400
100%
233
100%
TOTAL
Fonte: CA/APM
25
10
20
15
10
17
12
0
1 CIA
2 CIA
3 CIA
APTO
Fonte CA/APM
TURMA
Grfico 2 Chefia
191
5,0%
10,0%
15,0%
1 CIA
20,0%
2 CIA
25,0%
30,0%
3 CIA
192
Grfico 4 No apartamento
Os prprios oficiais tambm orientavam diretamente o Terceiro-ano sobre a maneira correta de se realizar uma revista de
apartamento; sobre o que se deve e o que no se deve observar
nessas ocasies. Assim, tradicionalmente, vai surgindo uma
padronizao tanto da fiscalizao, quanto das atitudes autorizadas. dessa forma, inclusive, que se obtm a ordem do material
da sapateira, das roupas do varal do banheiro, da arrumao
e da identificao das camas. Mas essa ordem frgil, j que
uma mudana repentina pode ser guardada pelos oficiais do CA
como estratgia poltica a ser usada nesses momentos em que
seja preciso equilibrar o sistema, o que poder alterar tudo isso.
Os oficiais fazem as revistas nos apartamentos do Terceiro-ano
que para ensinar como que se faz; geralmente no incio do
ano, e da o Terceiro-ano faz nos apartamentos do Segundo-ano
e assim vai. Geralmente, Terceiro-ano no anota Terceiro-ano.
Pode at acontecer, mas raro. Na maioria das vezes, quando
o Terceiro-ano anota apartamento do Terceiro-ano porque t
com o oficial do lado. (Cadete S. Terceiro-ano CFO)
Quem geralmente faz a revista nos apartamentos o Aluno
de Dia [ao CA]. Elas geralmente ocorrem no intervalo das
aulas. Os oficiais tambm fazem quando querem apertar o
Terceiro-ano. Subimos, entramos nos apartamentos e vemos
se as camas esto alinhadas, as luzes apagadas e se o cho e
o banheiro esto limpos; se os sapatos esto na ordem, nas
193
Trata-se de uma espcie de tnis-padro fornecido pela PMERJ, que, por sua cor,
espessura e baixa qualidade, os alunos os comparam aos doces de banana que so
vendidos na cantina da APM. J tnis, propriamente dito, significa o calado mais
sofisticado e de melhor qualidade que os prprios cadetes adquirem para a realizao
da corrida, na prtica da educao fsica.
194
Em 2003, eram cinco oficiais no CA: um major comandante, trs capites comandantes
de CIA e dois tenentes, comandantes de peloto, para um efetivo de 341 cadetes.
195
196
que, por seu turno, deveria faz-la chegar ao CA, onde ela era
finalmente julgada. Entretanto a punio parecia ser mesmo
algo irreversvel no entendimento dos cadetes, sobretudo, para
os mais modernos:
A gente j vai ligando pra casa avisando e preparando o esprito:
olha, no vou pra casa esse fim de semana porque vou ficar
de LS. Porque a gente j sabe. (Cadete L., do Primeiro-ano
do CFO)
Vimos antes que o modelo nativo tentava explicar essa percepo como uma disfuno do sistema de controle da APM,
que, pelo alto nmero de portarias extradas, impossibilitava o
surgimento da verdade real, como se essa verdade fosse de
fato desvelada pelo processo de litgio entre aquilo que havia
sido anotado e o que os cadetes tinham a dizer. Nas provveis
causas dessa disfuno, inclua-se ainda o nmero reduzido de
oficiais para realizar um julgamento justo das portarias, fazendo com que, muitas vezes, os cadetes se sentissem frustrados
tentando expressar suas verdades.
O que falta um processo dialtico com o oficial de argumentar
e contra-argumentar. Voc escreve ali, o oficial vai ler, se aquilo
no tiver condizente ele no vai..., voc no vai ter esse direito
de contra-argumentar. Ele no vai te dizer , voc escreveu
isso aqui, mas voc t punido por causa disso. Ah, mas voc:
isso no isso, aquilo; foi desse jeito. Voc no tem esse
contato; uma coisa absolutamente formal. Tem um jeito certo
de escrever at impessoal que na terceira pessoa, carimba
assim e envia. Se foi, foi. (Cadete L., do Primeiro-ano do CFO,
punido com LS)
198
Dessa forma, justificar uma portaria era quase sempre visto pelos cadetes como uma tentativa v. Geralmente, os mais cticos
entendiam que podiam at se prejudicar com uma resposta mal
colocada. Sendo assim, alguns se antecipavam ao provvel prejuzo com um clculo prtico: resolviam confirmar a acusao
de suas faltas, mesmo quando convictos de terem agido corretamente. Outros ainda, talvez os que j houvessem de alguma
forma interiorizado a desigualdade estrutural do militarismo,
entendiam que seriam vistos como indisciplinados por seus
superiores, caso tentassem justificar as faltas apontadas por
eles, e tambm as confirmavam. Assim, muitos dos que acabavam concordando com a acusao e, por conseguinte, com
o erro cometido, respondiam a portaria com uma conhecida
expresso: ciente do fato.
Quando eu respondo a portaria procuro me respaldar em algum
regulamento, mas se tiver errada: ciente do fato. T errada
mesmo, n? (Cadete FEM D., do Segundo-ano CFO)
Coloquei exatamente o que ocorreu. Foi a primeira vez que
fiquei punido com RD. J havia respondido portarias outras
vezes, mas s no 1 ano. Nunca justifiquei ou tentei justificar.
Sempre coloquei: ciente do fato, porque eu reconhecia que
havia errado. Barba mal feita, por exemplo. (Cadete B, do
Terceiro-ano do CFO)
199
11
Esta noo se baseia na de igualdade formal ou legal, ou seja igualdade perante a lei,
ausncia de barreiras ou incompetncias jurdicas e legais na busca pelos objetivos
de cada um (BARBOSA , 2002).
201
em direito, o que vale tambm para o prprio Estado. Nesse sentido, o sistema jurdico-criminal brasileiro classificado como
um sistema misto pela doutrina jurdica brasileira, exatamente
por reunir traos desses dois sistemas distintos de produo
da verdade jurdica. Segundo Kant de Lima (1992), isso representaria uma esquizofrenia caracterstica do sincretismo de um
sistema de Justia Criminal que rene, num mesmo contexto, o
moderno sistema acusatrio americano e o tradicional modelo
inquisitorial ibrico.
A constituio cidad de 1988, em seu compromisso de resgatar direitos e garantias individuais, importou esses dois mais
importantes princpios do sistema acusatrio para a cultura
administrativa e, notadamente, para o processo administrativo
disciplinar. At ento, eles eram estranhos lgica da desigualdade que estrutura o campo jurdico-administrativo brasileiro.
No que se refere realidade policial militar, hierarquizada e
construda a partir da mesma noo de desigualdade estrutural entre a administrao militar e os indivduos militares,
esses valores inseridos de forma arbitrria naquele contexto
jurdico-cultural certamente rivalizaram com os valores da
prpria cultura nativa. Desse modo, tal como ocorreu na sociedade brasileira, foi inevitvel uma exploso de litigiosidade
que cada dia tem aumentado na APM, na qual a cultura local
da desigualdade hierrquica ainda resiste a esses princpios
igualitrios trazidos pelo texto constitucional de 1988. Essas
consideraes talvez expliquem o fato j mencionado de que as
aulas jurdicas ofertadas na APM,12 trazendo baila questes do
processo administrativo disciplinar, ainda que estranhas s desigualdades histricas e estruturais do militarismo, passaram a
expor contradies no prprio sistema interno. Quando servem
de subsdios para os cadetes responderem suas portarias, fazem
com que alguns passem a ser vistos como questionadores e
indisciplinados.
12
202
Conforme havamos visto, tais conflitos se desenvolvem em razo de uma assimetria estrutural que produzida naquele campo
e cujo equilbrio pode ocorrer quando o indivduo questionador, aps ter sido derrotado no campo jurdico administrativo
militar interno, busca proteo para seus direitos na justia
comum. Cumpre observar que tais novidades podero, num
futuro prximo, trazer mudanas na forma de se administrar
os conflitos internos, o que provavelmente afetaria as prprias
estruturas sociais da APM.
Com relao ao resultado desses processos administrativos
disciplinares, o cadete geralmente pega um LS, quando, dentro
da dimenso liminar da considerao, sua falta entendida
como uma falta de aluno. Do contrrio, isto , quando a falta
percebida como uma transgresso mais grave, ele poder pegar
uma punio de RD, como ocorre, por exemplo, no caso de
ser detectada alguma falha de carter do cadete.
Alm das NGA e do RDPM, o Licenciamento Sustado est previsto ainda no Regulamento Interno da Academia de Polcia Militar
D. Joo VI RIAPM. Portanto, ele s aplicado aos cadetes que,
nesses casos, ficam impedidos de serem liberados nos finais de
semana juntamente com o restante do Corpo de Alunos. A quantidade de dias que o punido extraordinariamente obrigado a
ficar na Academia varia de acordo com a classificao numrica
do LS, decidida por ocasio do julgamento da falta. O LS1, por
exemplo, o impede de sair por mais um dia depois da liberao
normal; o LS2, por dois dias, e assim por diante.
J as punies do RD, por serem aplicveis no s a alunos
(nos casos mais graves), mas tambm a todo o policial militar,
so consideradas mais graves e, por isso, se diz que elas so
faltas de policial e no faltas de aluno. O que, alm da maior
gravidade do fato, pressupe-se uma maior experincia e, consequentemente, uma sensibilidade jurdica mais amadurecida.
Por isso a sano tende a ser mais grave, nesses casos.
Como disse anteriormente, no existia nenhuma regra padronizando a modulao entre a gravidade das transgresses
cometidas e as punies a elas aplicadas. Apesar de o militaris203
204
Toque de reunio determinado pelo aluno mais antigo que estiver de servio.
207
assim, meio sem graa. Mas, pelo menos, ela serviu para eu
sentir o clima dos cadetes no momento imediatamente anterior
ao ritual, quando nem todos gozam do benefcio da liberao.
Alguns, no se sabe quem, continuaro retidos na caserna cumprindo seu LS, ou mesmo sua punio disciplinar (RD), enquanto
o restante do CA liberado. Nesse aspecto, aquele momento me
pareceu taticamente bastante adequado para que a pedagogia
disciplinar operasse numa dimenso simblica.
O ritual da punio disciplinar, nesse sentido, pode ser observado sob o prisma da performance como um drama teatral. Ali, a
emoo dos cadetes canalizada para reforar os valores institucionais num discurso em que o corpo simblico daqueles que
trazem consigo os antivalores institucionais serve de metfora,
quando da marcao do desviante. Os que, durante a semana, j
haviam sido considerados culpados no processo administrativo
disciplinar eram, finalmente, anunciados e punidos s vistas do
coletivo. Aps serem separados e marcados simbolicamente
perante todo o corpo de alunos, os punidos entravam numa
liminaridade marginal que se materializava com o confinamento
fsico que ocorria durante os dias em que cumpriam seu LS ou
RD. De certa forma, esse ritual lembrava as flagelaes corporais
observadas na Europa pr-moderna por Foucault (2007), quando
o corpo do condenado era fisicamente empossado pelo poder
absoluto do monarca. S que, no ritual da APM, num contexto
moderno, no era o corpo fsico do cadete que era marcado
como ocorria com o condenado em contextos pr-modernos,15
mas sim, o seu corpo simblico, supliciado naquele festival
punitivo em que lhe sangravam a reputao.
Nesse sentido, a carga emocional parecia aumentar durante a
performance que seguia em direo ao clmax. Ao serem chamados pelos nmeros internos, os acusados se destacavam de
15
Num passado recente, os militares ainda eram punidos fisicamente com a chibata.
Seus ltimos resqucios foram apagados com a Revolta da Chibata, que amotinou
praas da marinha brasileira em novembro de 1910. Dessa forma, a lgica da disciplina
militar, mais incrementada ainda com esses contornos dramticos, diferenciava os
militares, distanciando-os mais ainda da realidade do mundo de fora. Parece que,
no entanto, esse assunto carece de um estudo mais detalhado sobre uma possvel
histria das penas disciplinares abordando essas mudanas, o que complementaria
o que foi realizado por Foucault com relao s penas na sociedade europeia.
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realmente admitir sua culpa com aquela expresso corporal resignada. Concluo, ento, que essa confisso corporal do punido
no ritual seja a condio para a eficcia simblica do ritual, o
que me pareceu mais claro depois da celeuma criada em torno
da inesperada atitude do cadete J., causando um curto-circuito
na ordem ritual.
A finalidade daqueles encontros coletivos, portanto, parecia ser
mesmo a de expor, em sacrifcio, o corpo simblico do punido
para que este recebesse uma sano negativa, reforando, a
contrario senso, os valores preconizados no discurso oficial das
solenidades. A gramaticalidade ritual daquele discurso, ou seja,
a forma como os elementos do cotidiano eram ali arranjados,
mostrou-me uma maneira de as foras liminares serem contidas
pela instituio.
Outro dado interessante foi perceber que o cadete padro, como
o campeo do CA, personificava o habitus institucional diante
de todos com sua presena, adicionada disputa simblica no
clmax ritual. E, muito embora o Comandante do CA afirmasse e talvez acreditasse que a finalidade do encontro no
era somente a de expor as punies sanes negativas em
destaque, mas tambm exibir as sanes positivas na forma de
elogios, a representao dos cadetes era mesmo a de que ele
servia apenas para expor individualmente os punidos e suas
alteraes individualistas que, ali, eram sacrificadas por meio de
uma linguagem simblica que reforava os valores da caserna
com a presena do padro vivo.
Nesse sentido, procurei saber do prprio Comandante do CA,
o significado de alguns elementos que encontrei nos seus discursos, por ocasio daqueles rituais punitivos:
O principal objetivo da punio, t at dentro do regulamento,
mas ningum entende isso, a grande maioria no entende,
que o motivo principal da punio a educao. A gente no
tem que punir por punir. Ningum aqui verdugo de ningum
n? A gente no gosta de ser verdugo e eu costumo falar pro
CFO quando eu vou ler uma grade de punio, que eu no
gosto de ler punio, o que eu mais gosto de chegar frente
do CFO e de dizer para eles boa tarde, tenham um bom final
de semana. Hoje ns no temos nenhum punido. Era isso que
216
Creio que seja por isso que o ritual seja promovido naqueles
limites simblicos representado pela liberao ante iminncia
do contato com a rua. Nesse sentido, ela, com sua ideologia
moderna, junto com o indivduo e seus atributos ideolgicos
igualdade e liberdade , tornam-se potenciais perigos para a
caserna. A entrevista a seguir ilustra esse ponto de vista, por
confirmar que o internato permitia Academia vigiar e punir os
alunos com mais eficcia, pois as falhas eram mais detectadas na
219
Os marcados simbolicamente pelos ritos punitivos e que continuam prosseguindo com suas carreiras desviantes criam,
muitas vezes, verdadeiras liminaridades crnicas dentro do
Corpo. Uns geram tipos que podem ser percebidos por meio de
algumas categorias nativas, como, por exemplo, caga-pau, que
bastante sintomtica por se referir ao cadete sempre punido
por suas bisonhices, o que corresponderia, nos termos de
Becker (1977), a um contumaz desviante revelado. Embora
tenha cautela suficiente para tentar evitar o cometimento de
alguma alterao, o caga-pau no consegue fugir do sistema
panptico do CA como o jonsem, porque, por serem mais
bisonhos, fazem tudo errado por pura incompetncia adaptativa. So, como diria Geertz, tolos, inaptos que no usam o
senso comum com bom senso (GEERTZ, 2001, p. 114-115).
Nesse sentido, bem interessante a seguinte informao de um
cadete classificado como caga-pau naquele contexto, tentando
justificar seu processo de estigmatizao como uma injustia
ou possvel falta de legitimidade do sistema:
Fui bastante punido, acho que foi azar. Perseguio no, no
foi ... [pausa, parecendo temer falar algo que provoque alguma
retaliao]. mais cagao de pau. Estava errado mesmo. O
problema no s a perda do fim de semana, mas pelo aspecto
profissional um mau exemplo. Perde a credibilidade com os
seus comandados. Uma vez o veterano com o coturno todo sujo
veio querendo cobrar sapato limpo, depois todo mundo comentou aquilo. No tem moral. (Cadete I., Terceiro-ano do CFO)
223
No entanto, de todos esses tipos, os mais estigmatizados pelos ritos punitivos talvez sejam mesmo os seis por cento, que erram
por dolo, e no pela bisonhice do caga-pau. Entretanto, por
no terem a habilidade do jonsem para escaparem do sistema,
quase sempre ficam de LS como os caricatos caga-paus. Reza
a lenda que tal apelido se refere ao percentual que esses cadetes
sempre representam dentro do universo de cada turma. Por isso,
num sentido contaminador da liminaridade que representam,
tanto os caga-paus, quanto os seis por cento so um risco a
mais para aqueles que ainda insistem em t-los como companhia
nos lugares pblicos da APM, (DOUGLAS, 1991; TURNER, 1974).
Aonde vo, trazem consigo o foco punitivo do CA, que, como
os cadetes bem sabem, no possui nenhuma preciso cirrgica.
Percebe-se, nesses tipos marginais, que a rua novamente
descartada como ambiguidade classificatria da identidade que
ali se pretende construir. Um exemplo claro dessa percepo
de impureza o do cadete que foi praa da Corporao antes deter ingressado na APM, que tem suas ambiguidades de
ex-praa identificadas como um rano pelo grupo. Quando
comparado com o cadete ex-militar, valorizado positivamente
dentro do sistema nativo, esse ex-PM era, a contrario senso,
desvalorizado numa percepo binria. Creio que o fato de o
cadete J. ter vindo de praa talvez tenha contribudo de alguma forma para a sua tipificao de piruo por parte de seus
prprios companheiros de turma.
Dessa dinmica, surgem tambm os especialistas, ou seja, os
prticos que sabem responder s portarias como ningum, com
sua habilidade legitimada por j terem conseguido quebrar
algumas delas. Esses quase sempre so procurados para ajudar
algum a contar sua historinha na portaria. Segundo meus
entrevistados, os especialistas no recebiam pelo servio, mas
trabalhavam pelo prazer de serem, cada vez mais, reconhecidos
pelas voltas que davam no CA.
Foi gratificante para o etngrafo perceber que, mesmo num sistema rigidamente controlado como o da APM, havia espaos para
o escapismo. Esses pontos cegos do sistema se expunham com
mais facilidade na semana cultural, que era promovida pelos
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por no ter uma explicao tecnicamente razovel, os decepcionava por partir de quem eles esperavam ter conhecimento
capaz de melhor orient-los, ou seja, o oficial.
Dorothy conversa com o Mago dos Affonsos Comandante da
APM ou do CA, o que no fica claro e lhe diz que est ali em
Oz, buscando sua goiabada. Aqui, esse smbolo traz referncias
de temas presentes nos ritos oficiais analisados anteriormente.
No ritual da punio disciplinar, a goiabada se contrapunha
porrada, cuja imprevisibilidade d ao processo punitivo
um carter de imparcialidade: Se hoje foi a porrada, amanh
poder ser a goiabada. Essa goiabada tambm pode ter
sido representada como aqueles privilgios que vo sendo alcanados pelos cadetes na medida em que as turmas cumprem
corretamente suas etapas no processo, ou ainda como mrito
individual, dentro do sistema de valores nativo. Em ambos os
casos, ela representa o gozo aps a dor, isto , o sofrimento
prazeroso do vencedor. Aqui, Dorothy, ou melhor, os cadetes
parecem reivindicar esse prazer na forma de direitos, ou expectativas de direito no concretizadas, mesmo aps eles terem
passado por todas as provaes previstas no que chamei, com
base em Turner (1974), de pedagogia da liminaridade na APM.
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Os oficiais perceberam-se como alvo da afronta e, ao compararem o teatro daquele ano com os dos anos anteriores,
identificaram uma perigosa ameaa s regras do militarismo.
Em 2005 foi divertido. Falava de Um dia no CA e comeava
com o Capito J. S. jogando um jogo fictcio com as portarias;
quem tinha mais punio. Pagode nos intervalos. Era como se
o CA fosse uma grande festa e quando os alunos entravam aqui,
virava uma formalidade. Confetes. J no mgico de Oz havia
crticas desnecessrias. Um oficial abobado, como se fosse
desconectado do mundo. No havia crtica aos alunos, eram
vrios personagens, mas todos se relacionavam aos oficiais da
APM. Dava para perceber quem era quem. Quem no conseguia
perceber eles colocavam nomes grandes, insgnias grandes que,
s vezes, nem existiam, para identificar os oficiais. Teve gente
que gostou, mas os que foram citados de forma acintosa no
gostaram, mas no disseram. Achei que no deveria ser feito
daquela forma. Cada oficial tinha seu personagem especfico.
Leo, sem coragem; Marlin, era o mago, no era do CA; Homem
de Lata, sem corao; Espantalho, ... A meninha Dorothy era o
Terceiro-ano. Eu era a nica mulher do CA, por isso, era notrio
quem estava sendo representado. Tinham nomes engraados,
mas no lembro. (Capito; poca, comandante de peloto
no CA)
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E assim termina o Teatro dos Cadetes de 2006, com uma estrondosa gargalhada da plateia e alguns oficiais nitidamente
constrangidos.
Resumo da pera
Fica evidente nesse confronto entre diferentes percepes
acerca do discurso ritual da APM a existncia de algum consenso que ratifica as regras liminares do CFO. O prprio tema
da goiabada no Teatro dos Cadetes parece guardar, na verdade,
semelhanas com o significado da espada nos ritos de passagem
que compem o universo cultural nativo. Tanto uma quanto a
outra deveriam ser conquistadas por meio de um sofrimento
transformador capaz de despertar no indivduo a quantidade
necessria de vibrao, elemento essencial daquela alquimia
ritual. A fala dos personagens que representavam os oficiais
no Teatro de 2006, alegando sempre que a goiabada devia ser
conquistada e no simplesmente adquirida, serve para evidenciar esse argumento.
Creio que a percepo dos oficiais sobre o fato de os cadetes
do Terceiro-ano no terem obtido seus direitos de vencedor,
como esperavam ao final daquele estgio da passagem, era a de
que a cota de sacrifcio necessria para a eficcia do processo
no havia sido desprendida. Aquela simples falta de vibrao,
portanto, pode ter sido suficiente para comprometer a eficcia
do ritual, fazendo com que a transformao social de seus status
no tenha ocorrido como deveria.
Pareceu-me que os cadetes, por sua vez, sentiram-se injustiados
por entenderem que, apesar de at ento terem sido disciplinados, aguardando pacientemente pelo incremento gradativo do
poder, como manda o figurino da hierarquia militar, no haviam
ainda adquirido seus direitos naquela passagem. Por retratar
essa insatisfao dos cadetes como uma espcie de revanche
ritual, a pea revelou-se como contraponto simblico aos ritos
punitivos promovidos pelo CA. Penso que, nesses dois espaos, se pretendesse atingir o estoque de reputao no corpo
simblico do outro que, naquele momento, era o adversrio
poltico desprovido de poder sobre os mecanismos de produo
simblica do ritual.
Aquilo [no Primeiro-ano] dava uma sensao de igualdade;
no havia privilgios. Minha turma era tudo filho de z; no
tinha filho de coronel como em outras turmas. Por causa dis-
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Segundo-ano est na escola para s descansar, malhar e se preparar intelectualmente para ser um Terceiro-ano ainda melhor.
Mentira! O outro Segundo-ano na nossa frente j tinha sofrido
isso tambm. Ns no tivemos isso no Primeiro-ano, porque
nosso comandante de CIA era uma pessoa muito justa, o que
no ocorria com o deles. No se respeitava o militarismo, a
hierarquia. A liberao, por exemplo, enquanto o Segundo-ano
estivesse sendo sugado: sobe, troca de roupa!, enquanto
no fosse liberado, o nosso comandante de companhia no
liberava nossa turma. Muita gente da minha prpria turma
achava aquilo certo, mas eu achava que era errado e que era
uma tradio. Ento no fazia sentido o Segundo-ano no estar
liberado e o Primeiro-ano sim. S se fosse alguma coisa extra,
algum servio extra que o Primeiro-ano no pudesse fazer, ou
prever, algo assim. Principalmente quem est novo na Academia isso importante. (Segundo tenente; poca, cadete do
Terceiro-ano e um dos escritores da pea de 2006)
242
Como disse, aquele pareceu mesmo ter sido o grito de liberdade dos cadetes, j que seus direitos no vinham sendo
concedidos, mesmo depois de ele terem sido devidamente sugados no Primeiro-ano e de no terem ficado esquecidos no
segundo, conforme obrigava a tradio. Nesse sentido, como
os privilgios inerentes aos estgios alcanados no surgiam, a
percepo foi a de que o pacto havia mesmo sido quebrado.
No Terceiro-ano, a gente viveu a segunda grande mentira da
Academia: foi dito gente que o Terceiro-ano mandava na escola. A gente no mandou em nada. Pelo contrrio, o Segundo-ano
mandava mais do que a gente em alguns aspectos, n? Porque
eles [os oficiais do CA] queriam que a gente punisse o Segundo-ano e o Primeiro-ano, mas principalmente o Segundo-ano. Para
isso, eles comeavam a cortar alguns direitos nossos sem dar
justificativa, tipo: inventavam um deslize da turma e cortavam
um benefcio nosso. E diziam que a gente tinha que conquistar,
que tnhamos que merecer e que aquele no era o momento daquele benefcio. Era o que diziam para a gente: que a gente tinha
que conquistar, que tinha que aguardar, que no era o momento.
Davam como justificativa de que a gente no punia o Segundo-ano suficientemente para que os direitos deles fossem vetados,
para que eles pudessem brigar[...], porque era uma inverso
de valores, que dizer, os oficiais da nossa companhia queriam
brigar para que o Primeiro-ano e o segundo fossem muito ruins,
para que o Terceiro-ano pudesse gozar desses privilgios, quando na verdade tinha que ser exatamente o oposto. No havia
uma preocupao em querer realar o nosso lado positivo.
E a a gente viu a terceira grande mentira da Academia, que
durante os trs anos do CFO a gente ouviu que a nossa turma
uma das melhores turmas que todo mundo j viu. E essa tal
melhor turma que todo mundo j viu nunca ganhou nada, s
foi punida, s sofreu, s teve o licenciamento sustado, estudo
obrigatrio. E os direitos, que era uma tradio da academia,
tinham de ser conquistados, quando esses ritos fossem sendo
cumpridos, a gente no conseguia, e foi assim durante todo o
ano. A a pea, pela proximidade de estar saindo da Academia,
243
Para os oficiais, aquele comportamento inadequado do Terceiro-ano se deu porque seus componentes piruavam muito, eram
melindrados demais e no tinham vibrao alguma. Aqui,
ao evidenciar a falta de controle da ordem estabelecida e
creio ter sido isso o que os organizadores tambm pretendiam
, o teatro pareceu ter perdido finalmente aqui a referncia de
um rito de rebelio (GLUCKMAN, 1974), no entanto, vrios
outros aspectos do ataque mostravam que ele ainda continuava
no contestando a estrutura em si, mas o comportamento de
algumas pessoas especficas do grupo adversrio.
Nesse sentido, apesar de ambos os grupos terem percebido uma
quebra do pacto, segundo suas prprias representaes, o
sistema parecia no ter sido o alvo principal do ataque, o que de
certa forma ainda o ratificava. Dessa maneira, as alfinetadas
de maior intensidade, que pareciam fugir ao controle do CA, se
dirigiam quelas pessoas cujos comportamentos eram percebidos como no adequados. No se respeitava o militarismo, a
hierarquia. Era exatamente isso que a contrario senso ocorria
nos ritos punitivos, nos quais o sistema se atualizava quando os
punidos eram simbolicamente atingidos. Ali, os cadetes tambm
eram punidos depois de terem sido julgados como no cumpridores de seu papel social estabelecido, segundo a percepo
dos dominantes, que, naquele momento, tinham poder sobre os
mecanismos da produo ritual.
No teatro, alguns oficiais tambm eram simbolicamente atacados
depois de terem seus comportamentos julgados inadequados,
agora, pelos dominados. E tudo isso sem que a ordem fosse
colocada em questo; ao contrrio, ela era confirmada. Creio
que, por isso, os cadetes aceitavam aquele sofrimento como algo
necessrio construo social de suas identidades de oficiais,
contanto que esse sofrimento ocorresse sob regras universais
do ponto de vista do militarismo, e no sob regrascasusticas
e particularizadas.
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Consideraes finais
O fato de pretender pesquisar meu prprio grupo nativo com
certeza me exigiu um esforo maior de estranhamento, mas, por
outro lado, permitiu-me tambm enxergar minha prpria corporao profissional de um ngulo mais esclarecedor. Diria que
passei a v-la com outros olhos. Se antes optei por um objeto
clssico da antropologia, que eu sabia existir em profuso na
APM o ritual , pensando em, com ele, testar teorias antropolgicas que me ajudassem a entender e a mapear significados da
cultura nativa, como faria qualquer iniciante da disciplina, aps
esse exerccio maior de estranhamento, eu j problematizava a
prpria presena daquele elemento na cultura nativa.
Problematizando aqueles ritos militares promovidos na APM, eu
pude detectar em mim mesmo essas naturalizaes a respeito
da PMERJ, o que me fez cogitar as seguintes questes: Porque
esses ritos, entre outras tantas equivalncias militares na APM,
estariam assim to presentes numa instituio que tambm
policial? Afinal de contas, por que razo a APM se representava
como uma unidade de ensino militar, tal qual as que existem
nas instituies genuinamente militares, se ela um rgo da
polcia militar, instituio que, como o prprio nome sugere,
deveria abrigar, num mesmo arcabouo institucional, aspectos
identitrios de duas outras instituies j existentes de forma
autnoma na sociedade brasileira? E, se ela assim to naturalmente militar, em que momento da carreira os nativos
incorporariam sua parte policial? Creio ter sido a partir dessas
257
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266
Anexo
Anexo I
Anexo II
Cano do policial militar
Letra: Coronel PM Jorge Ismael Ferreira Horsae Arranjo:
Subtenente PM Msico Mrio Jos da Silva
Em cada momento vivido uma verdade vamos encontrar Em cada fato esquecido uma certeza nos far
lembrar Em cada minuto passado mais um caminho
que se descobriu Em cada soldado tombado Mais um
sol que nasce no cu do Brasil
Aqui ns todos aprendemos a viver demonstrando
valor, pois o nosso ideal algo que nem todos podem
entender na luta contra o mal!
Ser Policial , sobretudo, uma razo de ser , enfrentar
a morte, mostrar-se um forte no que acontecer
Em cada pessoa encontrada mais um amigo para
defender Em cada ao realizada um corao pronto
a agradecer Em cada ideal alcanado uma esperana
para outras misses Em cada exemplo deixado mais
um gesto inscrito em nossas tradies
Em cada instante da vida nossa polcia Militar ser
sempre enaltecida em sua glria secular ! Em cada
recanto do Estado deste amado Rio de Janeiro, faremos ouvir nosso brado, o grito eterno de um bravo
guerreiro !
Ser Policial , sobretudo, uma razo de ser , enfrentar
a morte, mostrar-se um forte no que acontecer.
269
Anexo III
270
Anexo IV
271
Anexo V
BRASO DA PMERJ
272
Anexo VI
CAPTULO III DA HIERARQUIA E DA DISCIPLINA
Art. 12 - A hierarquia e a disciplina so a base institucional
da Polcia Militar. A autoridade e a responsabilidade crescem
com o grau hierrquico.
1 - A hierarquia policial-militar a ordenao da autoridade
em nveis diferentes, dentro da estrutura da Polcia Militar. A
ordenao se faz por postos ou graduaes; dentro de uma mesmo posto ou de uma mesma graduao se faz pela antiguidade
no posto ou na graduao. O respeito hierarquia consubstanciado no esprito de acatamento sequncia de autoridade.
2 - Disciplina a rigorosa observncia e o acatamento integral
das leis, regulamentos, normas e disposies que fundamentam
o organismo policial-militar e coordenam seu funcionamento
regular e harmnico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento
do dever por parte de todos e de cada um dos componentes
desse organismo.
3 - A disciplina e o respeito hierarquia devem ser mantidos
em todas as circunstncias da vida, entre policiais-militares da
ativa, da reserva remunerada e reformados.
Art. 13 - Crculos hierrquicos so mbitos de convivncia
entre os policiais-militares da mesma categoria e tm a finalidade de desenvolver o esprito de camaradagem em ambiente
de estima e confiana, sem prejuzo do respeito mtuo.
Art. 14 - Os crculos hierrquicos e a escala hierrquica na
Polcia Militar so fixados no Quadro e pargrafo seguintes:
273
CRCULO DE OFICIAIS
Superiores
POSTOS
Coronel PM
tenente-Coronel PM
Major PM
Intermedirios
Capito PM
Subalternos
Primeiro-tenente PM
Segundo-tenente PM
CRCULO DE PRAAS
GRADUAES
Subtenentes e Sargentos
Subtenente PM
Primeiro-Sargento PM
Segundo-Sargento PM
Terceiro-Sargento PM
Cabos e Soldados
Cabo
Soldado
PRAAS ESPECIAIS
Frequentam o Crculo de Oficiais
Subalternos
Aspirante-a-Oficial
Aluno-Oficial PM
274
Anexo VII
Brados das Companhias do CFO/2003
3 ano, do CFO/2003
Sem medo da morte nossa turma vibrao
Estamos sempre prontos a cumprir qualquer misso
Com fria, com raa e determinao
Somos imprio mpar o melhor da ralao
2 ano, do CFO/2003
raa, fibra, determinao
Ocupa o espao defende o cidado
Um rolo compressor estremece a Academia
Ns somos turma par, somos a Soberania
1 ano, do CFO/2003
Rugindo pelo cu ecoa um trovo
Ombreando fogo, ao, coragem e ao
Altivez e valentia, heris da tradio
Guarnecendo o Estado cumprimos a misso
Anexo VIII
Obrigao de Participar Fato Contrrio Disciplina
Art 11 - Todo Policial Militar que tiver conhecimento
de fato contrrio disciplina, dever participar ao seu
Chefe Imediato, por escrito ou verbalmente. Neste ltimo
caso, deve confirmar a participao, por escrito, no prazo
mximo de 48 horas:
1- A parte de que trata este artigo deve ser clara, concisa e precisa, conter os dados capazes de identificar
as pessoas e coisas envolvidas, o local a data e hora da
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278
Este livro foi composto na fonte ITC Century Std, corpo 11.
Impresso na Grfica Editora Stamppa,
em Papel Poln Soft 80g (miolo) e Carto Supremo 250 gramas (capa)
produzido em harmonia com o meio ambiente.
Esta edio foi impressa em outubro de 2011.