revistaABEM26 Completa

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 190

abem

revista da

associao brasileira de educao musical

Associao Brasileira de Educao Musical | ABEM | 2009-2011


DIRETORIA NACIONAL
PRESIDENTE

Profa. Dra. Magali Oliveira Kleber, UEL, PR | [email protected]

VICE-PRESIDENTE

Profa. Dra. Jusamara Vieira Souza, UFRGS, RS | [email protected]

1 SECRETRIO

Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz, UFPB, PB | [email protected]

2 SECRETRIA

Profa. Ms. Flavia Motoyama Narita, UNB, DF | [email protected]

1 TESOUREIRO

Profa. Dra. Cristiane Maria Galdino de Almeida, UFP, PE | [email protected]

2 TESOUREIRO

Profa. Ms. Vnia Malagutti da Silva Fialho, UEM, PR | [email protected]

PRESIDENTE DE HONRA Prof. Dr.

Srgio Luiz Ferreira de Figueiredo,

UDESC, SC

| [email protected]

DIRETORIA REGIONAL
NORTE

Prof. Dr. Jos Ruy Henderson Filho, UEPA, PA | [email protected]

NORDESTE

Prof. Ms. Vanildo Mousinho Marinho, UFPB, PB | [email protected]

CENTRO-OESTE

Profa. Ms. Flvia Maria Cruvinel, UFG, GO | [email protected]

SUDESTE

Profa. Dra. Ilza Zenker Joly, UFSCAR, SP | [email protected]

SUL

Profa. Dra. Claudia Ribeiro Bellochio, UFSM, RS | [email protected]

CONSELHO EDITORIAL
PRESIDENTE

Profa. Dra. Luciane Wilke Freitas Garbosa, UFSM, RS | [email protected]

EDITORA

Profa. Dra. Maria Cecilia de Araujo Rodrigues Torres, IPA, RS | [email protected]

MEMBROS

Prof. Dr. Carlos Elias Kater, ATRAVEZ (OSCIP), SP | [email protected]


Profa. Dra. Cassia Virginia Coelho de Souza, UEM, PR

| [email protected]

Profa. Dra. Lilia Neves Gonalves, UFU, MG | [email protected]

CONSELHO FISCAL
PRESIDENTE

MEMBROS

Profa. Dra. Luciana Marta Del Ben, UFRGS, RS | [email protected]


Profa. Dra. Ana Lcia Marques e Louro Hettwer, UFSM, RS | [email protected]
Profa. Dra. Heloisa Faria Braga Feichas, UFMG, MG | [email protected]
Profa. Dra. Leda de Albuquerque Mafiolletti, UFRGS, RS | [email protected]

SUPLENTES

Profa. Ms. Cleusa Erilene dos Santos Cacione, UEL, PR | [email protected]


Profa. Ms. Juciane Araldi Beltrame, UFPB, PB | [email protected]
Profa. Ms. Manoel Cmara Rasslan, UFMS, MS | [email protected]
Profa. Ms. Maria Carolina Leme Joly, UFSCAR, SP | [email protected]

revista da

abem
Revista da Abem

v.19

n.26

Londrina

jul./dez. 2011

REVISTA DA ABEM

ISSN 1518-2630

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

Revista da Abem, v.19, n.26, jul./dez. 2011


A REVISTA DA ABEM publica artigos inditos em Educao Musical, em especial resultantes
de pesquisas de carter terico, revises de pesquisa e reflexes crticas sobre experincias
pedaggicas. No sistema Webqualis (CAPES), a Revista da ABEM est avaliada como qualis B1.

Revista da ABEM, v.19, n. 26, jul/dez 2011.


Londrina: Associao Brasileira de Educao
Musical, 2000
Semestral
ISSN 1518-2630
1. Msica: peridicos

Indexada em / Indexed in:

Latindex - Sistema Regional de Informacin en Lnea para Revistas Cientficas


de Amrica Latina, el Caribe, Espaa y Portugal;
Edubase - Faculdade de Educao/UNICAMP - Campinas/SP - Brasil
GEODADOS - http://geodados.pg.utfpr.edu.br
CLASE - Citas Latinoamericanas em Cincias Sociales y Humanidades
(Mxico, UNAM)
BMB - Bibliografia Musical Brasileira (Academia Brasileira de Msica - ABM)

Verses on-line / On line versions:


http://www.abemeducacaomusical.org.br/revistas.html
Copidesque e reviso / Copy desk and proofreading: Trema Assessoria Editorial
Projeto grfico / Graphic design: Visualit
Impresso / Printing: Grfica e Editora Idealiza

E-mail: [email protected]
Aceita-se permuta
Tiragem: 500 exemplares Periodicidade: Semestral
permitida a reproduo dos artigos desde que citada a fonte. Os
conceitos emitidos so de responsabilidade de quem os assina.

Apoio

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

sumrio

Editorial
ARTIGOS

Ethel Batres

11

Patrick Schmidt

23

Policy, politics and North-South relation: strategic


architectures in music education

Magali Oliveira Kleber

37

A rede de sociabilidade em projetos sociais e o


processo pedaggico musical

Eduardo Luedy Marques

47

Discursos de professores de msica: cultura e pedagogia


em prticas de formao superior

Mnica de Almeida Duarte

60

A msica dos professores de msica: representao


social da "msica de qualidade" na categorizao de
repertrio musical

Elisa da Silva e Cunha

70

Compreender a escola de msica: uma contribuio


para a sociologia da educao musical

Maria Carolina Leme Joly

79

Prticas musicais coletivas: um olhar para a convivncia


em uma orquestra comunitria

92

Aprendizagem criativa na escola: um olhar para a


perspectiva das crianas sobre suas prticas musicais

Ilza Zenker Leme Joly


Viviane Beineke

NORMALES O ANORMALES? Normalidades y


anormalidades en la formacin del educador musical

105

As crianas pequenas e seus processos de apropriao


da msica

119

Msica e histrias infantis: o engajamento da criana de


0 a 4 anos nas aulas de msica

132

A formao e atuao de professores de acordeom na


interface de culturas populares e acadmicas

Jonas Tarcsio Reis

145

A abordagem do conceito de harmonia tonal nos


processos de ensino e aprendizagem de acordeom
fomentados por dois professores atuantes na regio
metropolitana de Porto Alegre RS

Carlos Eduardo de Andrade Silva


e Ramos

158

Ensino-aprendizagem da msica da Folia do Divino no


litoral paranaense: dilogos entre etnomusicologia e
psicologia scio-histrica a partir do trabalho de campo

Slvia Cordeiro Nassif Schroeder


Jorge Luiz Schroeder
Aneliese Thnnigs Schnemann
Leda de Albuquerque Maffioletti
Douglas Rodrigo Bonfante Weiss
Ana Lcia de Marques e Louro

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

contents

Editorial
ARTICLES

Ethel Batres

11

NORMAL OR ABNORMAL? Normalities and abnormalities


in the training of the music teacher

Patrick Schmidt

23

Policy, politics and North-South relation: strategic


architectures in music education

Magali Oliveira Kleber

37

The music sociability network in social projects and the


music-pedagogical process

Eduardo Luedy Marques

47

Discourses of music teachers: culture and pedagogy in


higher education practices

Mnica de Almeida Duarte

60

The music teachers music: social representation of good


music in the musical repertory categorization

Elisa da Silva e Cunha

70

Understanding the music school: a contribution to the


music education sociology

Maria Carolina Leme Joly

79

Collective musical practices: a look at coexistence in a


community orchestra

92

Creative learning at school: from a children's perspective


on music making

105

Small children and their processes of music apropriation

119

Music and children's stories: the engagement of a 0 - 4


year old child in the music classroom

132

Accordion teachers formation and performance in the


interface of popular and academic cultures

Jonas Tarcsio Reis

145

The approach to the concept of tonal harmony in the


processes of teaching and learning accordion fostered by
two teachers working in the metropolitan region of Porto
Alegre, state of Rio Grande do Sul

Carlos Eduardo de Andrade Silva


e Ramos

158

Teaching-learning the music of the Folia do Divino on


the coast of Paran: dialogues between socio-historic
psychology and ethnomusicology from the fieldwork

Ilza Zenker Leme Joly


Viviane Beineke

Slvia Cordeiro Nassif Schroeder


Jorge Luiz Schroeder
Aneliese Thnnigs Schnemann
Leda de Albuquerque Maffioletti
Douglas Rodrigo Bonfante Weiss
Ana Lcia de Marques e Louro

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

Revista da Abem vive um dos momentos mais importantes de sua existncia, revelando o

editorial

amadurecimento da rea e, assim, o melhor da atual produo acadmico-cientfica em


educao musical. A revista reflete o movimento de nossa Associao, divulgando a produo

de seus associados e ao mesmo tempo abrindo-se para a publicao de trabalhos de colegas,


cujos espaos de ao vo para alm de nossas fronteiras. Assim, neste ano de 2011, que marca
o encerramento de um ciclo, o da gesto 2009-2011, queremos agradecer a Diretoria da Abem, ao
Conselho Editorial e a todos os colegas que contriburam, e contribuem, na forma de pareceristas ad
hoc, para que qualifiquemos cada vez mais nosso peridico. Ressaltamos que nesta gesto inmeras
foram as aes realizadas em torno da revista, incluindo o novo projeto grfico, mais moderno e
em consonncia com nossos leitores; a ampliao dos indexadores; a busca por financiamento,
com aprovao de projeto no CNPq; at a ampliao da abrangncia dos autores e da circulao
do peridico, com a publicao de trabalhos das mais diversas regies do pas, alm de artigos de
colegas da Argentina, Guatemala, Espanha, Estados Unidos e Portugal.
Neste nmero 26, trazemos uma variedade de temas e assuntos e abrimos a edio com o artigo de
Ethel Batres, da Guatemala, intitulado Normales o anormales? Normalidades y anormalidades en
la formacin del educador musical, no qual a autora aborda as normalidades e anormalidades
da/na formao de professores de msica a partir de um trabalho encomendado pelo Ministrio da
Educao da Guatemala. No artigo, Batres buscou realizar um diagnstico sobre a formao dos
educadores musicais e estabelecer pautas para possveis mudanas nas polticas de formao de
professores de msica no pas. A partir dos dados so apresentadas algumas reflexes sobre a
formao desses professores, bem como sobre o papel da educao musical na mudana de ideias
instauradas sobre o que seja msica e a msica na vida das pessoas.
O prximo texto, Policy, politics and North-South relation: strategic architectures in music education,
de autoria de Patrick Schmidt, do Westminster College of the Arts of Rider University (EUA), aborda
questes relativas ao pensar poltico de educadores musicais na profisso. Ao longo do texto, o
autor apresenta algumas reflexes sobre a educao musical nos Estados Unidos, tecendo uma
breve anlise comparativa entre aquela realidade e o momento que vivemos no Brasil. O texto traz o
conceito de arquitetura estratgica como possibilidade para a compreenso e o desenvolvimento
de um pensar poltico para a profisso.
A rede de sociabilidade em projetos sociais e o processo pedaggico-musical o ttulo do artigo
de Magali Oliveira Kleber, o qual apresenta um recorte da tese de doutorado da autora, focalizando
o significado da rede de sociabilidade musical em projetos sociais e sua relao com o processo
pedaggico-musical a partir de uma viso sistmica. A pesquisa mostra que a produo do
conhecimento musical em projetos perpassa pela organizao de redes sociais favorecidas pelo
trnsito, intra e interprojetos, dos atores sociais e pontua ao final do trabalho a figura de rede como
policntrica e no hierrquica.
Eduardo Luedy Marques, com o artigo Discursos de professores de msica: cultura e pedagogia
em prticas de formao superior, apresenta as principais consideraes tericas desenvolvidas

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

em sua tese de doutoramento acerca do que designou como discurso acadmico em msica. Esse
discurso foi estudado a partir da fala de trs professores e duas professoras do ensino superior, de
reas diferentes da msica. O autor afirma que as anlises evidenciaram que parte importante dos
discursos desses professores aponta para uma ideia de cultura de efeitos conservadores presentes
na maneira de hierarquizar e selecionar saberes, habilidades e valores relacionados. Um exemplo
disso refere-se seleo de alunos no vestibular, pautando-se na defesa de padres de excelncia e
de mrito, definidos nos termos da assim chamada alta cultura ocidental.
A msica dos professores de msica: representao social da msica de qualidade na categorizao
de repertrio musical, de autoria de Mnica de Almeida Duarte, trata de uma pesquisa realizada
com 20 professores de msica do municpio do Rio de Janeiro. Em entrevistas, esses professores
falaram sobre msicas que conhecem, que apreciam e/ou que tm em casa gravadas em discos,
fitas, CDs, DVDs, MP3. A partir dessas entrevistas, Duarte analisa os sentidos/representaes sociais
de msica de qualidade construdos por esses professores tendo como referencial a teoria das
representaes sociais. Com base em representaes que tm do grupo social/profissional de
referncia, os professores afirmam que autenticidade, espontaneidade e sofisticao so as
qualidades que compem o seu repertrio musical. A autora afirma que a msica dos professores
aquela prxima essncia criadora do homem que, no influenciado pelos malefcios da indstria
cultural, volta-se para uma produo mais pura.
No artigo Compreender a escola de msica: uma contribuio para a sociologia da educao musical,
Elisa da Silva e Cunha discute dados parciais de um estudo de caso realizado em uma escola de msica
particular de Porto Alegre. A pesquisa teve como objetivo compreender a escola de msica a partir
da perspectiva da sociologia das instituies escolares. Tendo em vista a multidimensionalidade da
escola, foram expostas trs categorias de anlise: 1) efeitos do lugar permanncia, misso, valores,
ideias, comportamentos e crenas; 2) quem est na escola: pblico-alvo e agentes especializados;
3) prticas culturais: saraus, concertos, apresentaes. Essas categorias apontam para um aspecto
caleidoscpico da escola, um lugar de contradies.
Prticas musicais coletivas: um olhar para a convivncia em uma orquestra comunitria, de autoria
de Maria Carolina Leme Joly e Ilza Zenker Leme Joly, apresenta uma pesquisa na qual as autoras
analisam os processos educativos presentes em uma orquestra comunitria que se originam na prtica
social da convivncia de um grupo de msicos. Destacam que algumas aprendizagens musicais,
humanas e sociais, como o respeito s diferenas, pacincia com o outro, amizade, solidariedade,
entre outras, so construdas atravs da convivncia na diversidade. Ressaltam a riqueza de trocas de
conhecimento na orquestra e o envolvimento de seus participantes no fazer musical em grupo.
A seguir, o artigo de Viviane Beineke, Aprendizagem criativa na escola: um olhar para a perspectiva
das crianas sobre suas prticas musicais, apresenta resultados de uma pesquisa realizada com
um grupo de crianas da 2 srie do ensino fundamental, de uma escola de Porto Alegre. Partindo
do princpio de que importante que o professor conhea as prticas das crianas segundo seus

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

prprios parmetros, a autora observa duas atividades de composio: uma proposta de arranjo para
a cano Zabelinha e a elaborao de uma composio utilizando a escala pentatnica. Os resultados
revelam concepes das crianas sobre msica, sobre seus processos de composio e sobre seu
prprio processo de aprendizagem musical. Dentre essas concepes est a nfase na msica como
uma atividade social, o que conecta o fazer musical relacionado com a composio e experincias
vividas pelas crianas nos vrios mbitos sociais.
Silvia Cordeiro Nassif Schroeder e Jorge Luiz Schroeder assinam o artigo intitulado As crianas pequenas
e seus processos de apropriao da msica, no qual discutem algumas questes relacionadas aos
processos de apropriao da msica por crianas em idade pr-escolar. O trabalho, fundamentado na
concepo de desenvolvimento de Vigotski, na concepo de linguagem de Bakhtin e nos estudos de
sociologia da ao e do indivduo de Lahire, apresenta resultados parciais a partir de duas escolas de
educao infantil, pblica e privada, nas cidades de Campinas e Ribeiro Preto (SP).
Msica e histrias infantis: o engajamento da criana de 0 a 4 anos nas aulas de msica tem como
autoras Aneliese Thnnigs Schnemann e Leda de Albuquerque Maffioletti, e apresenta parte de uma
pesquisa de mestrado que teve como objetivo compreender de que modo a articulao entre msica
e histria promove o interesse e o engajamento das crianas, criando-se dessa maneira um espao
que facilita o desenrolar pedaggico das aulas. As autoras observaram 23 encontros de musicalizao
com crianas de 0 a 4 anos e enfatizam que a leitura de histrias possibilita uma abertura para a
insero e conexo da criana com a msica.
A formao e atuao de professores de acordeom na interface de culturas, populares e acadmicas,
de Douglas Rodrigo Bonfante Weiss e Ana Lcia de Marques e Louro teve como objetivo compreender
os aspectos constitutivos da cultura profissional de dois professores de acordeom, destacando suas
relaes com culturas populares e acadmicas e problematizando as concepes pedaggicas
presentes em seus relatos. A pesquisa, pautada em narrativas desses professores, mostra que o meio
familiar e o meio acadmico interagem com suas histrias em diferentes situaes, e trazem tona
o modo como as escolas de acordeom so construdas atravs da vivncia desses msicos. Entre
essas questes est a reflexo sobre como o ensino da tcnica e do repertrio so problematizados
por diferentes intenes de profissionalizao.
Jonas Tarcsio Reis, no artigo A abordagem do conceito de harmonia tonal nos processos de ensino
e aprendizagem de acordeom fomentados por dois professores atuantes na regio metropolitana de
Porto Alegre, apresenta resultados de uma pesquisa que objetivou discutir a abordagem do conceito
de harmonia tonal nos processos de ensino e aprendizagem de acordeom fomentados por dois
professores atuantes na regio metropolitana de Porto Alegre. O autor descreve os procedimentos
metodolgicos utilizados pelos professores, bem como contedos musicais considerados importantes
no processo de aprendizagem da harmonia no instrumento. Reis menciona ainda que os professores
tambm destacaram a importncia de se considerar a experincia dos alunos no que tange aos
aspectos harmnicos da msica, bem como a prtica musical/instrumental.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

Encerramos este nmero com o artigo de Carlos Eduardo de Andrade Silva e Ramos, intitulado Ensinoaprendizagem da msica da Folia do Divino no litoral paranaense: dilogos entre etnomusicologia e
psicologia scio-histrica a partir do trabalho de campo. O texto apresenta resultados parciais de
uma pesquisa sobre processos de ensino-aprendizagem na tradio musical oral da Folia do Divino,
nas cidades de Guaratuba e Paranagu (litoral do Paran). A etnografia utilizada como mtodo de
pesquisa, adotando-se a anlise semitica aplicada etnomusicologia (Nattiez). O autor prope que
o dilogo entre a etnomusicologia e a psicologia scio-histrica importante para se compreender
a inseparabilidade entre msica, devoo e os processos de ensino-aprendizagem no contexto
estudado.
Finalizamos este editorial agradecendo aos colegas que participaram deste nmero e convidando os
leitores a aproveitar o que o conjunto de textos oferece. Boa leitura!

Maria Ceclia Torres


Llia Neves Gonalves
Luciane Wilke Freitas Garbosa

10

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

NORMALES O ANORMALES?
Normalidades y anormalidades en
la formacin del educador musical1
NORMAL OR ABNORMAL? Normal things and strange facts in the
formation of musical educators
ETHEL BATRES Foro Latinoamericano de Educacin Musical (Fladem)

resumen

`[email protected]

Con un lenguaje cercano al lector, el artculo presenta un recuento sobre algunos


prototipos de maestros y la formacin de los mismos. Se plantea el tema de la
conceptualizacin en la formacin docente, a partir de ubicar conceptos relativos a
la vocacin docente, la toma de conciencia del ser maestro, la sindicalizacin del
sector magisterial, las luchas sociales relacionadas con los docentes, la tecnificacin y
la tecnocracia del trmino, y la asociacin del mismo con corrientes contemporneas
generalmente derivadas de conceptos de administracin de empresas ms que de
la pedagoga misma. Se contraponen, entonces, ideologas que vienen emanadas
desde el hecho educativo y su realidad, o bien, desde modas pedaggicas, corrientes
mercadolgicas o desde polticas de estado no autnomas, sino dependientes de
condicionamientos generalmente externos y sujetos a financiamiento no libre de
imposiciones y compromisos. La reflexin espera hacernos pensar sobre el modelo
docente que subyace en la formacin que hemos tenido o que estamos brindando, a
la vez que pretende aportar interrogantes para encontrar relaciones entre la manera
que el hecho musical y sus caractersticas deberan aportar para la construccin de
un modelo ms congruente con la realidad del hecho artstico y la formacin de los
educadores musicales.
PALABRAS CLAVE: maestro, moda pedaggica, ideologa

abstract

1. Ponencia
presentada en
el XV Seminario
Internacional
del Foro
Latinoamericano
de Educacin
Musical - FLADEM.
Crdoba, Argentina.
26 de agosto de
2009.

With a language close to the reader, the article presents an account of some prototypes
of teachers and their formation. It raises the issue of the conceptualization of teaching
education, from locating concepts of the teaching vocation, the awareness of being
teacher, the unionization in the teaching area, the social fights related to the teachers,
the automation and technocracy of the term, and the association of it with contemporary
currents usually derived from concepts of business management rather than pedagogy
itself. Opposed, then, ideologies that are emanating from the educational fact and their
reality, as good as from educational fads, popular marketing issues from state politics
or not autonomous but dependent on general conditions and subject to external
funding is not free from impositions and commitments. Reflection expects us to think
about the teaching model that underlies the training we have had or are providing, while
intended to provide questions to find relationships between the way the music fact and
their characteristics should provide for the construction of a model more consistent with
the reality of the artistic and musical training of educators.
KEYWORDS: teacher, pedagogical fashion, ideology

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 11-22 | jul.dez 2011

11

BATRES, Ethel

Iniciaremos

comentando que el nombre de esta ponencia surge porque en mi pas,


Guatemala, la formacin mayoritaria de los educadores musicales est a cargo de Escuelas
Normales de Educacin Musical. Hay programas de formacin para maestros de msica tambin
en la universidad, pero no constituyen la mayora, ni son el referente formativo generalizado.
Ahora, presento dos textos literarios que me hacen pensar sobre el efecto de la msica en
personas aparentemente ajenas al arte musical, pero no totalmente. Ms que ajenas, observadoras
pasivas o alejadas, porque no ha habido nadie que las ingrese a este terreno.

preludio

Msica porque s, msica vana


como la vana msica del grillo,
mi corazn eglgico y sencillo
se ha despertado grillo esta maana.

Conrado Nal Roxlo2


Me persigue la msica [] los versos que recuerdo son los que tienen algo de ella; apenas
inicio el gesto de recordar [] un poema ya est en mi boca Y t Colette y t la hermosa
Genoveva/ todas han pasado temblorosas y vanas/ y sus pasos ligeros seguan la cadencia/ de
la msica pastoral que guiaba sus vidas orejas, de El msico de Saint Merry, de Apollinaire,
que tradujo Octavio Paz. Aparte, el cuento preferido que viene de mi niez es el que trata de
los infantes robados por un flautista, en Hamelin, con el encantamiento de sus notas. [] A la
vez, soy una extraa para la msica, ella no me recibe. No pude entonar nunca ni una cancin
de cuna []; mis nios se dorman para no orme. [] Pero esa sangre antigua que circula por
m se niega a renunciar a la ms sagrada de las artes. [] Y cada vez que encuentro noticias,
audiciones o documentales que a msica se refieren, mis sentidos se alertan. (Torres, 2009)

Por qu esta escritora se refiere a la msica de esa manera? No hubo un maestro que
la hiciera hacer sentir que la msica est con ellos? Por qu se sienten ajena y no
incluida?

Quiz tengan que ver con la normalidad o anormalidad con que se forman a los
educadores musicales en muchos de nuestros pases.
Aqu van algunos comentarios sueltos:
El material primario que abon las ideas que Uds. escuchan hoy, surgi de un trabajo
encargado por el Ministerio de Educacin de Guatemala (Batres, 2007), para realizar un
diagnstico sobre la formacin de los educadores musicales, con la finalidad de establecer
algunas pautas generales para una posible reforma de este nivel formativo.
As, se pas una serie de encuestas, entrevistas, visitas a los lugares, indagaciones con
docentes, directores, estudiantes, padres de familia, se hicieron talleres en cada institucin, luego
por regiones y finalmente uno nacional.
Sin embargo, los resultados aunque parecan bastante previsibles siempre nos
terminaron sorprendiendo, porque muchas cosas que para algunos deberan ser normales,
eran totalmente anormales, y otras cosas que cualquiera hubiera considerado anormales,
estn all, instaladas con toda normalidad.

2. Citado por Mora Torres (2009).

12

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 11-22 | jul.dez 2011

NORMALES O ANORMALES? Normalidades y anormalidades en la formacin del educador musical

Bueno, empecemos con que la imagen del maestro, del formador, del educador
musical, puede ser tan diversa como personas hayamos en esta sala. No necesariamente
tenemos un arquetipo comn, que haca ms fciles las discusiones en tiempos atrs (si es que

un marco
preliminar

las haba).
An sabiendo que probablemente se harn generalizaciones demasiado arriesgadas, tratar
de ser extremista para destacar las diferencias. Agradecer su comprensin en este sentido:
 (Q SULPHUD HVFHQD FRORFDUHPRV XQD ILJXUD  SDUD DOJXQRV UHPRWD R FDVL HQ SHOLJUR
de extincin, para otros, totalmente vlida y vigente aunque reconocen poco frecuente
o de difcil adquisicin hoy da en la cual los maestros eran casi apstoles de la
profesin, la vocacin era la pauta definitoria de sus quehaceres y posibilidades. Este
elemento vocacional era muy fuerte, y a l parecan adherirse como imanes los elementos
complementarios que necesitara para su trabajo, y no a la inversa como puede suceder
hoy da. La formacin especializada, por ejemplo, no era bsica. Lo importante era el
convencimiento pleno de que se deseaba ser maestro. La educacin musical en esa
poca era trabajada generalmente en dos lneas fundamentales: como un apndice del
trabajo de los docentes regulares de grado, o en el conducto de profesor instrumentista
especializado. Estas dos vertientes, con muchas variaciones, suelen mantenerse.
(QRWUDHVFHQDPXFKRWLHPSRGHVSXpVHOPDHVWURHUD\DXQSURIHVLRQDOGHODGRFHQFLD
aunque todava NO UN TCNICO, y muchos menos un tecncrata. Un profesional con
un saco lleno de metodologas, todava con fuerte resabio de su vocacin, pero con un
toque de modernidad por el manejo de mtodos, procedimientos y materiales, que
era justamente el que se opona al elemento idealizativo y un poco intuitivo de la etapa
anterior. Este maestro empez a estar al tanto de los avances pedaggicos, su formacin
se traslad a instituciones especializadas, y gener una variada produccin pedaggica;
sobre todo en la lnea de textos escolares y de metodologa activa. Con variantes de pas y
circunstancia, en trminos generalizados en las escuelas ya haba maestros de msica,
que trabajaron con diversos alcances y propuestas.
 (Q XQD WHUFHUD RSFLyQ HO GRFHQWH HPSH]y D WHQHU XQD SURIXQGD LGHQWLILFDFLyQ FRQ XQ
prototipo de obrero sindicalizado. Se convirti en un trabajador de la educacin,
con derechos dignos de ser reclamados en todo momento, y sin decir que esto est
bien o mal, slo a manera descriptiva, opona a la entrega colectiva tan aceptada
socialmente, su bienestar personal lo cual tampoco adjetivamos como bueno o malo,
nicamente lo describimos. Esto empez a causar algunas reacciones en la comunidad
escolar, ms bien acostumbrada a la tradicin anterior. De esta poca son muchas
conquistas magisteriales que han beneficiado al sector en algunos pases, y que bien
llevadas condujeron a la formacin de un bloque social identificado casi siempre con
las gestas sociales y reivindicativas en distintos pueblos de Amrica Latina. El logro de
estas conquistas pudo ser abonado tanto con vidas de colegas, como con una mezcla
de intereses polticos, que en algunos casos deriv en un almcigo de aceptacin o de
rechazo por algunos padres de familia -segn fuera el caso. Estas reivindicaciones
generalmente conllevaron el abandono de labores propiamente educativas, por tener
que apoyar huelgas, paros de clases, manifestaciones y dems. Ser educador estuvo
ligado a la protesta social, a la lucha obrera y otros elementos. Mientras la figura del
luchador social por derechos creci, la figura del educador como ponente transformador
de una sociedad a travs de la cultura, pudo haber mermado. En algunos casos se dio
un desfase. No siempre la mezcla de ambas posibilidades fue feliz. Mientras el tiempo

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 11-22 | jul.dez 2011

13

BATRES, Ethel

pasaba y los jvenes maestros envejecan en el trabajo y las luchas, notaron cambios en
el enfoque de las mismas. Fueron variando de las que involucraban la protesta poltica en
pocas dictatoriales, a las que tambin huan de la represin en poca de guerra, y a las
que tienen un cariz econmico-mercantilista en poca de post-guerra.
(QOD~OWLPDHVFHQDKD\XQFXDGURTXL]iPiVFRQWHPSRUiQHRHQGRQGHORVHGXFDGRUHV
se han convertido en una especie de seres sin mayor identidad. Un fuerte ncleo jams
aceptara ser llamado sindicalista, pero tampoco recibira el cartel de apstol, ni el de
tcnico, ni el de tecncrata, incluso para algunos el nombre maestro puede denotar
cierto tono anticuado. Prefieren orientador, instructor, motivador, conductor o
simplemente miss, teacher, manager, coordinador, CTA, CTP, licenciado y
hasta doctor.

En esta evolucin, la figura del educador dej de ser INSUSTITUIBLE, como lo fue en un
perodo fundacional de las sociedades modernas. Actualmente, la figura del educador puede ser,
o se nos vende, o se nos impone como INTERCAMBIABLE. S, intercambiable y sustituible por
administradores de empresas, gerentes de marca y de producto, ingenieros y re-ingenieros de
educacin, gerentes de calidad y todo tipo de artilugios surgidos desde la mercadotecnia, que
no desde la pedagoga.
Nos comieron el mandado. Nos robaron la educacin en nuestras narices, y todava
seguimos trabajando para ellos. No hicieron, pero ya no nos dejan hacer.
La figura del educador tambin dej de ser la de un promotor DE IDEOLOGA, puesto que ya
no hay necesidad de ella. El sistema lo da todo predeterminado. Hay manuales que son a veces
verdaderas camisas de fuerza, que impiden o eliminan la necesidad de tener criterios propios.
Tenemos manuales de funcionamiento institucional, normas ISO para acreditar, manuales
de procedimientos, normas preceptivas para encauzar todo lo que se nos pueda ocurrir,
manuales para ayudar a organizar la creatividad que pueda surgir en algunos con tendencias
fuera del orden
La figura del educador dej de ser la de una persona ejemplar, o al menos la de una persona
que fuera una figura inspiradora a otros. Los modelos ahora son mediticos, y por el contrario,
en la medida en que no haya mayores semejanzas con estos modelos, los maestros podemos
empezar a dar desconfianza, o a mostrarnos como seres anacrnicos, desfasados o, al menos,
no dignos de valorizacin por los que aclaman a los primeros.
Por eso, en ese clima de desgaste, la posicin de un trabajador asalariado, es considerada
por algunos mejor escape que opcin.
La figura del educador, entonces, ya no es la de aqul que tiene el conocimiento, el saber,
la innovacin. Porque de hecho, el educador no es el que propone la innovacin. Le es impuesta
a l, por el sistema. Hay tambin un desfase entre la investigacin acadmica y terica y la
realizacin o traslado de la misma al aula. La torre de marfil sigue siendo un baluarte, pero no
permite fcilmente que las migajas del saber lleguen a todos. El maestro de una escuela de
barrio es nicamente parte de un engranaje y debe supeditarse a los lineamientos que otros
brindan. Quiz tampoco le interesa proponer algo, porque por una parte probablemente tenga
baches profundos en su formacin, y tambin porque hay pocos estmulos para trabajar en la
investigacin educativa real: hay ausencia de crculos de discusin, asociaciones especializadas,
grupos de gestin a los que realmente se les escuche, etc. Adems, en los crculos acadmicos

14

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 11-22 | jul.dez 2011

NORMALES O ANORMALES? Normalidades y anormalidades en la formacin del educador musical

quiz a nadie le interese la vida real la observacin que se desprende de las pequeas cosas,
del juego docente que se da cada da en nuestras aulas superpobladas y desconocidas, la
maravilla del sorprenderse con el intercambio de afectividades y saberes no librescos que la
sociedad escolar nos manifiesta como rplica de la sociedad mayor a la cual refleja
Nuestros sabios no estn en Europa, con los grandes pensadores polticos que hemos
ledo en la historia, sino que estn ac, en las selvas, en los ros, estn pescando para
sobrevivir y a ellos es que debemos escuchar para lograr lo que soamos: la utopa. (Fals
Borda)3

Elementos educadores de respeto en este momento son el Internet, la televisin, la radio,


los videojuegos, los videoclips; en fin, otras maneras de aprender, con las cuales el trabajo del
educador ya no es tan imprescindible.
Y en este escenario como marco, un tanto catico quiz (por favor, no sentirlo pesimista),
procuraremos ahora contraponer otras cosas, que cada uno de los aqu presentes sabe y ha
vivido, pero que vienen a relacin para ayudarnos a buscar el equilibrio.
Entonces, FORMAR EDUCADORES MUSICALES, se vuelve complejo, sobre todo si nos
ponemos a pensar en una frase que me encanta:
UNA

EDUCACIN

QUE

NO

TRANSFORMA

LAS

SOCIEDADES,

ES

INTIL.

(scar Azmitia, pedagogo guatemalteco)

Los educadores musicales, actuales o futuros, cmo tendran que ser formados? Qu
cosas seran normales en su formacin o que otros elementos seran anormales?

1. Si considerramos que la educacin musical no es privilegio de unos, en detrimento


de otros, y que como dice el primer principio del Fladem: La educacin musical es un
derecho humano y est presente a lo largo de toda la vida
La educacin musical debera ayudar a cambiar la percepcin de que la msica es slo
para unos pocos, para los dotados, para los musicales, para los desocupados quiz. Desde los
centros formativos el enfoque podra inclinarse a mostrar una visin ms abierta a todos, y no
restrictiva como puede ocurrir.
El modelo institucionalizado emanado desde los ministerios de educacin o de cultura no
percibe las cosas as. Como desde ellos el modelo de la msica es irrelevante, ajeno a la vida, o
inocuo, la aparicin de un ser musical es como un acontecimiento alegre, novedoso o interesante.
Pero no necesariamente relevante o vital. NO IMPORTAMOS; somos a lo sumo decorativos y
alegres. Amenizamos, pero no importamos. Lo normal es anormal o viceversa.
Y en los centros de formacin de educadores, no siempre esto queda claro. A veces, ellos
son los primeros en hacernos sentir especiales, excepcionales, nicos, prima donnas, o raros,
extraos, artistas, ajenos y hasta superiores al comn de los mortales por dems bastante
sordos.

3. Citado de memoria.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 11-22 | jul.dez 2011

15

BATRES, Ethel

Estamos preparados para enfrentarnos con la realidad de que la msica debe ser para
todos, pero el sistema no lo ve? y Qu podemos hacer para lograr este propsito? Cundo
se instaurar la idea de que s importa la educacin musical? Cundo se instaurar la idea de
que la educacin por el arte es necesaria y que la educacin artstica tambin lo es? Cundo
comprendern que sin arte en la escuela no hay educacin integral? O es que cmo la idea no
existe, ya es tiempo de que luchemos por instaurarla?

2. Hay una especie de ausentismo vicioso. Mientras nuestro Noveno Principio dice: El
FLADEM concibe a la educacin por el arte como un proceso permanente de aprendizaje
para el mejoramiento de la persona humana en aras de la transformacin del mundo y de
la vida
La gente de afuera, la de los ministerios de educacin, la burocracia administrativa piensa
sin msica, no perdemos nada. Y Por qu, despus de recibir tres aos de educacin inicial o
pre-primaria, seis de primaria y otros seis aproximadamente de secundaria, con clase de msica
siguen pensando igual? Qu hemos hecho? O ms bien qu no hemos hecho?
No hay mensajes masivos que se difundan para fortalecer la necesidad de la educacin
musical. Ser que no los autoproponemos o no los autogeneramos? Fijmonos como
la gente de educacin fsica tiene toda una serie de mensajes que nos bombardean sobre el
ejercicio, la dieta, la comida saludable
Hay todava muchos prejuicios de nosotros hacia otros y de otros hacia nosotros. Todava
estamos en fase de realizaciones aisladas, proyectos individuales, no pegamos colectivamente
con la fuerza que quisiramos.
EN QUIN INCIDIMOS? Realmente slo en nuestros alumnos. Y esto ya es mucho.
Pero seguir siendo extremista al agregar que todava no se nota que haya una alteracin de
la vida cotidiana si llegamos a faltar como colectivo. No hay cambios en la vida de las personas.
La msica est all, por suerte. Instalada desde los medios de difusin preponderantemente. Est
como una cosa natural. Ha sido colocada y hasta impuesta por el sistema comercial que nos
mueve. Pero en este sistema, nuestros puntos no inciden. Tendemos a discrepar muchas veces.
Cuando hay acontecimientos que a nivel social alteran el marco de comprensin general como
ahora con la gripe A1 surge el descubrimiento de la importancia del otro.
Pero alguien ha descubierto que servimos para algo? al menos nosotros mismos?
Saben los artistas que les preparamos pblico actual y futuro? Cuentan con nosotros
para ello? Sabe la gente que descubrimos valores tras cada pupitre? Nos recuerdan esos
talentos, luego, cuando estn firmando autgrafos? Sigue habiendo msica sin nosotros?
Ojal no aparezca un administrador educativo que diga: mira, es mejor si aqu no hay educadores
musicales: perdemos menos el tiempo en el colegio, hay una reduccin del presupuesto, y hasta
es menos carga curricular
Hemos naturalizado la msica y nadie pensara que si desaparecemos los educadores
musicales podra desaparecer la msica. Quin ense a Beethoven? Tuvo maestros Mozart?
Alguien le dio clases a Andrs Calamaro? Quin fue maestro de Luis Pescetti, o de Les Luthiers,
de Joaqun Orellana, de Toscanini, de Hindemith, de tantos ms? Ser esto cierto, o al menos
vlido? No parece serlo Entonces, Para qu estamos? Cul es nuestra funcin en el siglo
XXI? Qu aportamos a las revoluciones de nuestro tiempo?

16

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 11-22 | jul.dez 2011

NORMALES O ANORMALES? Normalidades y anormalidades en la formacin del educador musical

Adicionalmente, hay sectores sociales musicalmente excluidos que ni siquiera se notan: las
msicas folclricas, las msicas de los pobres, las msicas raras, etc.
No afectan, porque son parte de un mapa sonoro que NADIE observa. O quiz algunos s?
Lo hemos notado nosotros e incorporado a esta tarea de ayudar a la pervivencia de paisajes
sonoros en constante relacin y devenir?
La transformacin de la persona humana en constante aprendizaje es una razn de ser
esencial de nuestro hacer. El reto es ubicarnos en esto para poder desubicarnos de alguna
inconsciencia.

3. El principio 2 del Fladem dice que La educacin musical es baluarte y portadora de


los elementos fundamentales de la cultura de los pueblos, y que su atencin es prioritaria
en la conformacin de identidades locales y del continente.
Qu podemos visualizar al respecto?
1. Hay un carcter de CONTEXTO, en el que nos movemos: urbano, rural, marginal, etc.
Estamos ubicados institucionalmente. Hay pactos institucionales, y formas en que la gente acepta
la msica o no la acepta. Por qu no la acepta? Vivimos en grandes conglomerados, pero en
espacios pequeos. En una misma casa los sonidos de una misma habitacin son diversos, y
esa diversidad en lugar de ser considerada una riqueza, puede transformarse en una agresin de
unos y otros, y en desarmona familiar.
2. La msica est presente de tantas maneras que incluso, a veces, nos llega
obligatoriamente, nos guste o no, podamos elegirla o no. Podramos decir que recibimos una
vida con msica incluida.
3. Cuando ven algn cariz productivo en la msica, tienden a explotarlo: la msica incrementa,
dicen, la productividad, como la inteligencia, se le pone msica a las vacas, a los terneros, a las
orqudeas, a los obreros, a los nios autistas Ser una especie de Tamifl?
4. Se elige la msica que comercialmente pueda generar ingresos. Quiz por ello, en parte
se tiende a subestimar musicalmente lo local, a discriminar, a rechazar. Muchos abandonan la
msica, o alguna forma de msica, por considerarla de menos valor. Por ejemplo: un msico
acadmico que se inici con un instrumento popular como la marimba, pero al llegar a la
orquesta sinfnica se encarga de despotricar en contra de aquella. La contraposicin sistemtica
de la gran msica, en contraste con lo folclrico, lo popular, lo amateur, etc. puede marcar
y remarcar estereotipos y prejuicios que no faciliten el avance en una visin ms amplia de
la expresin musical. Desde la educacin podemos caer en la reproduccin de este tipo de
esquemas. Tambin persisten otras oposiciones: es mejor lo de moda, lo forneo, lo que los
medios difunden. Los valores son otros, o somos nosotros los otros?
5. Son normales o anormales los cursos de historia de la msica, tan centrados en la
Europa del siglo XVIII?
6. Se tratara o debera buscarse, al menos, favorecer y potenciar los factores protectores
y de origen contextual que generan educadores bien formados. Se agudizan muchos prejuicios.
Hay muchsimos mitos que sustentan que lo mejor viene de fuera.
+D\XQDDVRFLDFLyQHQWUH02'2129('$'$&78$/,'$'%(1(),&,2
(VWROOHYDDVXEHVWLPDUORORFDODGLVFULPLQDUDUHFKD]DU

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 11-22 | jul.dez 2011

17

BATRES, Ethel

6HPXHYHQSRVLFLRQHVLGHROyJLFDV\VHSURPXHYHQLQVWUXPHQWDOL]DFLRQHVSROtWLFDV
Desde las autoridades educativas se tiende a invisibilizar o ignorar estas situaciones. Aunque
el discurso oficial pretenda decir lo contrario, se niega con las acciones. Porque no se fortalece
lo que ya hay. Surgen programas cortos, como pastel de chocolate en el da del nio, pero no se
da mantenimiento constante a proyectos que seran verdaderos vasos de leche para la nutricin
musical de nuestras sociedades. Los medios sirven a intereses comerciales.
 /RV SURJUDPDV FXOWXUDOHV QR WLHQHQ DXGLHQFLD DSDUWH GH QRVRWURV SRU VXSXHVWR
asumiendo que asistamos).
Aqu se generan otros comentarios para la discusin posterior:
1. Los ministerios de Educacin estn controlados por alguien. Parecen ser corporaciones
de tecncratas, economistas, administradores de empresas. Todo, menos educadores.
2. Se crea una MODA educativa para vender proyectos educativos internacionales. Realmente
se logra: venta de polticas, de reformas, de ideas, de proyectos, de software para llevarlos a
cabo, de consultores, de materiales, de terminologa, etc. Somos un mercado consumista del
rubro educacin.
3. Quin se beneficia con un psimo, malo o mediocre sistema educativo?
4. Quin se beneficiara con una sociedad que no cambia?
5. No hay revolucin educativa, pero s reformas por todos lados.
6. No hay solucin integral por el perfeccionamiento del sistema educativo, no triunfa el
idealismo sobre el sindicalismo, no se optimizan los recursos en el aula, por ms reformas
educativas que se hagan.
7. Apuntamos a segmentos del problema: los mtodos, los materiales, las competencias, la
evaluacin. No logramos subir a la copa del rbol para ver el bosque.
8. sta no es la batalla real. El enemigo est ms all y es ms grande.
9. El puntal central se traslad de la educacin al enfoque empresarial. Nos robaron la
educacin. Vamos desde el aprendizaje a relaciones de poder social. De la formacin humana
a la deformacin econmica. En consecuencia, la formacin de educadores, y de educadores
musicales por supuesto, debera reforzar profundamente los aspectos necesarios para neutralizar
o al menos minimizar estas anormalidades.
10. El cambio en la formacin del educador estara en modificar el enfoque centrado en
lo externo y superfluo para buscar la formacin vocacional y social, para el cambio que deber
hacer.
11. En consecuencia, la educacin musical y su prctica en el aula y fuera de ella, resultaran
en una ciencia y un arte poltico-social enraizados con la historia propia, local y nacional;
abarcando el anlisis de las relaciones de produccin y mercado que determinan en el siglo XXI
las situaciones sociales, econmicas, jurdicas, religiosas, culturales, que atentan o deterioran
el bienestar de la poblacin. Por supuesto, el arte y la msica, mientras ms amplia, profunda
y desprejuiciadamente se aprendan, irradiaran espectros de conocimiento, reflexin, goce y
creatividad en nuestras sociedades.

18

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 11-22 | jul.dez 2011

NORMALES O ANORMALES? Normalidades y anormalidades en la formacin del educador musical

Entonces:
Tendramos que pensar en ejes formativos fuertes en el rea socio-poltica, histrica-cultural,
pedaggica, metodolgica-curricular, y sobre todo musical.
Pero lo musical, desde dnde y cmo4:
A continuacin traslado algunos comentarios vertidos por docentes de nivel superior,
preocupados por la formacin de docentes de arte en la Provincia de Buenos Aires (se ha
elaborado una sntesis a la que se ha agregado comentarios personales, pero la fuente es la
mencionada):
Las formaciones generales, son generalmente poco estructuradas y fragmentarias.
Las llamadas reas comunes, son tan generales que pecan de difusas.
Hay repeticin de contenidos porque las materias no se vinculan.
Hay lagunas, por lo mismo.
Muchos temas son tratados superficialmente, porque el tiempo, el horario, la libertad
de ctedra, el gusto del profesor, la habilidad del profesor, el conocimiento del profesor,
la planificacin de emergencia para reponer los das de ausencia por la pandemia, las
fiestas estudiantiles, las celebraciones institucionales, etc. etc. terminan configurando que
jams veamos algo con ms profundidad.
Hay desproporcionalmente ms elementos de desarraigo que de ubicacin en el
contexto cercano, regional o nacional. Las historias musicales propias tienen poco
tiempo y atencin dentro del proyecto formativo. A la vez son muy limitadas en mrgenes
temporales, se circunscriben a pocas pretritas generalmente y dejan de lado lo
contemporneo y la actualidad.
Las msicas son eurocentristas y siguen siendo arquetpicas en detrimento de lo propio,
bastante descalificado, invisibilizado y en el peor de los casos, hasta proscrito.
La formacin en filosofa educativa y en investigacin como realizacin prctica no es
muy fuerte, ni hay mucha. Paradjicamente tampoco se da esto a veces en didctica o
metodologa.
Hay desarticulacin entre materiales diversos.
Poca o nula conciencia social y escasa reflexin sobre su poca y expectativas en el
contexto social, lo cual deriva en falta de compromiso.
Repeticiones innecesarias o lagunas de contenido por trabajo aislado y desvinculado
entre docentes.
Falta de cohesin con un proyecto educativo del centro de formacin, realizado con
colaboraciones conjuntas y conciencia institucional global.

4. Las notas que vienen a continuacin han sido tomadas de los documentos: Informe de Avance No. 1 sobre la Reforma
de Planes de Estudio de Nivel Superior de Arte de la Provincia de Buenos Aires (Buenos Aires, [2008]) y Documento para
la Discusin de la Reforma de Planes de Estudio (Buenos Aires, [s.d.]).

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 11-22 | jul.dez 2011

19

BATRES, Ethel

otras
observaciones

El

currculo es arbitrario y transitorio. Recoge elementos culturales que se consideran


importantes para un grupo social en un momento determinado. Es transitorio por lo mismo. No
puede detener el tiempo, y en tanto la sociedad avanza o cambia de direccin, deja atrs o va
modificando los diseos que a la vez se quedan estancados (Buenos Aires, 2007).
Esto nos remite a contemplar, que como DIVERSIDAD SOCIAL NO ES IGUAL A DESIGUALDAD
ECONMICA, el trabajar con diseos curriculares comunes no siempre ser funcional ni remitir
a lograr una educacin musical extensiva de todos para todos. Y no se da entonces una nocin
de inclusividad.
Entonces se produce una tensin, casi una confrontacin, porque la justicia en oportunidades
no est en consonancia con una diversidad que quiz surgi de la injusticia y que acentu las
diferencias no por razones sociales, sino econmicas. Se da una fusin de identidades que
complejiza las relaciones y puede escindirnos tnicamente o classticamente.
UNA EDUCACIN QUE NO TRANSFORMA LAS SOCIEDADES ES INTIL.5
La necesidad de mejorar la calidad humana, musical y docente de los educadores musicales
es urgente. En Guatemala, las condiciones en este momento son ambivalentes: por una parte, un
sector que ve la salida con una tecnificacin a travs del traslado al nivel universitario. Por otra,
el Ministerio de Educacin que pone en primer lugar la legislacin para evitar el traslado masivo
de este segmento de la poblacin escolar hacia el nivel terciario y guarda cierta precaucin
ante la recepcin que pueda tener entre los estudiantes, y finalmente los grupos sindicales que
aprovechan la coyuntura para manifestar intereses laborales en primera instancia.
Las Normales de Msica (actuales centros de formacin) constituyen un sector marginado
dentro del sistema general de Escuelas Normales del pas, y lo que poseen en este momento
es su propia disposicin al cambio interno o su negativa a realizarlo, independientemente de las
medidas generales que otros tomen en torno a ellos.
Por eso, sentarnos todos juntos y dialogar sobre cmo mejorar ahora y con la sencillez de
nuestros propios recursos, sin esperar que otros trabajen por nosotros es lo nico que podemos
hacer. Desde esta base se fundamenta la propuesta.
Una de las constantes en la formacin de educadores musicales ha sido una polarizacin
hacia dos mbitos: la preeminencia del desarrollo musical, en detrimento de la parte pedaggicomusical, o el nfasis en los elementos pedaggicos-musicales, con menoscabo de los elementos
musicales. El desequilibrio entre ambos elementos es una constante.
La revisin de cmo estamos formando al educador musical y cmo se refleja en la accin
docente, nos ha llevado a pensar que no necesariamente estamos en el mejor camino.
Seguros de que no hay recetas infalibles y plenamente conscientes de que no se ha
descubierto el agua azucarada, ni que lo planteado sea una panacea, se expone un breve intento
que vaya ms all de hibridar la msica con el quehacer docente (Batres, 2007). Pensamos
en la formacin de un educador mucho ms humano, que busque la realizacin constante de
acciones musicales que impliquen un desarrollo creativo, con proyeccin hacia su comunidad y
enraizado con su contexto y razn de ser, entre otros.

5. scar Azmitia, pedagogo guatemalteco.

20

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 11-22 | jul.dez 2011

NORMALES O ANORMALES? Normalidades y anormalidades en la formacin del educador musical

Preguntas finales:
1. Es normal o anormal que las instituciones educativas que buscan formar maestros no
hagan un frente comn para buscarlo? Es anormal que se enojen y vociferen? Que peleen por
un plan y no por el otro, cuando la batalla est ms all de ellos?
2. Es normal o anormal que el nfasis de toda la formacin est en un diseo curricular,
muchas veces impuesto y no surgido de las necesidades, y que creamos que con cumplirlo
tenemos solventadas las necesidades formativas?
3. Es normal o anormal que en los centros formadores de educadores musicales, no haya
suficiente msica, que las carreras sean altamente tericas o que los niveles musicales sean
pobres?
4. Es normal o anormal que en los centros de formadores de educadores musicales, no
haya suficiente prctica docente, concebida desde la realidad, en todo momento y con miras a
forjar a las personas con una mirada crtica, realista y visionaria para la transformacin de esa
realidad en lo que pueda ser necesario?
Es normal o anormal considerar que cumplir con un nmero relativo de horas, generalmente
regateadas, es suficiente para la expectativa mnima que necesitamos?
5. Es normal o anormal pensar que ya se sabe todo y por lo tanto asistir a programas de
continuidad formativa no es importante ni necesario?
6. Es normal o anormal que un egresado de un centro de estudios de pedagoga musical
est inseguro sobre si ensear ser una buena idea en su vida?
7. Es normal o anormal tener instrumental y no usarlo? O al revs, querer usarlo y no
tenerlo? O en el peor de los casos, tenerlo y no saber cmo usarlo?
8. Es normal o anormal trabajar en programas mnimos que no dejan a la persona totalmente
formada, sino que le dan la ilusin de estar listos, pero sabiendo que en realidad estn siendo
engaados mientras podemos caer en un triste juego de complicidades?

Retomamos el inicio de esta ponencia:

coda

Msica porque s, msica vana


como la vana msica del grillo,
mi corazn eglgico y sencillo
se ha despertado grillo esta maana.
Conrado Nal Roxlo6

Me persigue la msica [] los versos que recuerdo son los que tienen algo de ella;
apenas inicio el gesto de recordar [] un poema ya est en mi boca Y t Colette y
t la hermosa Genoveva/ todas han pasado temblorosas y vanas/ y sus pasos ligeros
seguan la cadencia/ de la msica pastoral que guiaba sus vidas orejas, de El msico
de Saint Merry, de Apollinaire, que tradujo Octavio Paz. Aparte, el cuento preferido que
viene de mi niez es el que trata de los infantes robados por un flautista, en Hamelin, con

6. Citado por Mora Torres (2009).

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 11-22 | jul.dez 2011

21

BATRES, Ethel

el encantamiento de sus notas. [] A la vez, soy una extraa para la msica, ella no me
recibe. No pude entonar nunca ni una cancin de cuna []; mis nios se dorman para
no orme. [] Pero esa sangre antigua que circula por m se niega a renunciar a la ms
sagrada de las artes. [] Y cada vez que encuentro noticias, audiciones o documentales
que a msica se refieren, mis sentidos se alertan. (Torres, 2009)

OJAL LOS PASES TENGAN, O TENGAMOS, O LLEGUEMOS A TENER A EDUCADORES


MUSICALES FORMADOS QUE PUEDAN EVITAR QUE HAYA PERSONAS COMO MORA TORRES, Y
QUE POR EL CONTRARIO NOS PUEDAN ACERCAR A DAVID CHERICIN:

Vuelo de la msica 7
La msica es un pjaro
que vuela sin ser visto
atraviesa los aires
en busca de su nido.
El amor es la msica
en el vuelo de un trino
atraviesa los mares
y se posa en tu odo.
La vida es el amor
volando en un suspiro Halle siempre la msica
en tu pecho su nido!

Si encontramos o ya contamos con una forma que sea normal para hacer esto no
casusticamente podemos decir que hemos colocado un maz en el tablerito
Y NOS HEMOS SACADO LA LOTERA!

referencias

BATRES, E. Diagnstico sobre la formacin de maestros de educacin musical en Guatemala, propuesta


para su reforma curricular, fortalecimiento y vinculacin de las mismas con el programa nacional de coros,
bandas y orquestas. Guatemala C.A.: Ministerio de Educacin. Eje Artstico y Cultural Aprendo, 2007.
BUENOS AIRES (Provincia). Direccin de Cultura y Educacin. Marco general de poltica curricular. La Plata,
2007. Disponible en: <http://abc.gov.ar/lainstitucion/organismos/consejogeneral/disenioscurriculares/
documentosdescarga/marcogeneral.pdf>. Aceso en: 20 abr. 2011.
______. Informe de Avance No. 1 sobre la Reforma de Planes de Estudio de Nivel Superior de Arte de la
Provincia de Buenos Aires. La Plata, [2008].

Recebido em
30/04/2011
Aprovado em
03/07/2011

______. Documento para la Discusin de la Reforma de Planes de Estudio. La Plata, [s.d.]. (Documento de
discusin interna).
CHERICIN, D. !Vive la msica!. Guatemala, C.A: Editorial Avanti, 2001.
TORRES, M. Msica porque s, msica vana. 1 jul. 2009. Disponible en: <http://blogs.monografias.com/
editorial/2009/07/01/musica-porque-si-musica-vana/>. Aceso en: 20 abr. 2011.

7. Poema publicado en el libro !Vive la Msica! (Chericin, 2001).

22

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 11-22 | jul.dez 2011

Policy, politics and North-South relation: strategic architectures in music education

Policy, politics and North-South


relation: strategic architectures in
music education
Diretrizes, poltica e a relao Norte-Sul: arquiteturas estratgicas
na educao musical

PATRICK SCHMIDT Westminster College of the Arts of Rider University

abstract

`[email protected]

This article introduces the concept of strategic architecture as a way of


understanding and developing policy thinking in music education. It presents
the concept by way of a comparative analysis of the current situation of music
education in the United States and Brazil. The author utilizes a conceptualphilosophical structure for music education practice based upon authorship,
mislistening, communication and authenticity as a basis for policy discussions,
drawing cautionary elements and presenting available models for analysis.
KEYWORDS: strategic architecture, authorship, North-South relations

resumo

Este artigo introduz o conceito de arquitetura estratgica como uma maneira e


possibilidade interpretativa para que educadores musicais melhor entendam e
possam desenvolver um pensar poltico dentro da profisso. O artigo apresenta
este conceito atravs de uma analise comparativa da atual situao da educao
musical nos Estados Unidos e no Brasil. O autor utiliza uma estrutura conceitualfilosfica para informar uma prtica educativa que baseada nas noes de
autoria, mislistening, comunicao e autenticidade. Estas servem como base
para discusses de polticas, enquanto apresentando elementos cautelares e
modelos para anlise.
PALAVRAS-CHAVE: arquitetura estratgica, autoria, relaes Norte-Sul

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 23-36 | jul.dez 2011

23

SCHMIDT, Patrick

he global conditions for an education in and through music are in flux today. The imprint
of economic maximization is seen in societies in both North and South, bringing with them
ideological and pragmatic requests for close scrutiny, the generation of critical and careful

discourses and analysis, the imperatives of data-based decisions, and promises of educational
growth that are tantalized in the tension between the desire for innovation and the demand for
self-sustainability. In Brazil after a decade of cultural policy that reached educational outcomes
by edging formal structures and focusing on Non-Governmental organizations (Gouveia;
Daniliauskas, 2010), the center for economic incentive has been, at least rhetorically, re-focused
upon the formal structures of schools. In the US, where primary and secondary education have
been formalized to the extent of becoming ossified, the last decade as recent and current
national policy makes clear has placed greater political emphasis and moneys upon alternative
structures for schooling; privileging charters for example and the argument that they, at least in
paper, provide a more open and entrepreneurial vision for what schools ought to be in the 21st
century (Ravitch, 2010).
All in all, pragmatism, cost-benefit analyses, and the commodification of educational
processes seem to be irretrievably part of the project of governmentally supported education
today. As is often the case, however, on-the-ground practice has different rhythms than the one
presented by macro politics. And while the pulse of micro-level educational action obviously
cannot afford to be in full dissonance with macro characterization and trending, it presents a
greater complexity that macro policy cannot fully subsume in its selective, partial and bullet-pointlike narrative.
In the US, one of the current tensions between the macro and the micro can be represented
by policy efforts placed upon Charter Schools privately run school structures that are financed by
public moneys. Indeed, charter schools in urban centers such as New York City, where I currently
live, have raised the teachers salaries, presented less cumbersome bureaucratic structures
and developed the kinds of focused learning proposition that are in consonance with 21st needs
and realities. It is also the case, however, that charters are dismissing experienced teachers and
contracting young ones to work 10-hour-day minimum. Charters present internal structures based
on hyped hierarchical relations between faculty and administration with less due process and
greater top-down accountability and often actualize alternative curricula in the form of narrow
specialization based upon functional goals reading, doing well on national tests or providing
narrow vocational training.
In Brazil, one example of the tension between the macro and micro can be identified inside
the political movement toward full-term schooling, or turno integral (TI). Indeed, full term schooling
can make the daily educational context more complex for students. It can generate a social
environment where learning becomes more integrated, and can mitigate the social ailments of
after-school idleness, extending this important governmental arm of protection upon a segment of
the population that is most vulnerable, our children.1 However, as much research in the sociology

1. As it is known escolas de turno integral have a long history in Brazil, from the 1950s ideals of Ansio Teixeira to the CIEPs
to the new plans articulated by education minister Fernando Haddad in 2010.

24

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 23-36 | jul.dez 2011

Policy, politics and North-South relation: strategic architectures in music education

of education indicates, schooling is not without problems (Nespor, 2008). The expansion of time
in school can also lead to a focus on mere content, rather than understanding, placing greater
emphasis on repetition and generating a custodial relationship between teachers and students
as it is harder to emphasize creativity amidst a structure of intensified labor (Carlson, 2005). The
formal school structure setting its ambient and internal logic can also generate disconnect from
cultural, ethnic, social and emotional needs, becoming less open to a porous relationship with the
communities that surround the school. Lastly, the inflationary role of schooling particularly as a
custodial space for youth can have deleterious impacts upon the deliberate action of civil society
and organizations that are developed in loco (Garrison, 2000).
This brief comparative analysis is therefore an introductory attempt to bring our attention
to two things: 1) the perceived differences between North/South or developed/ developing
segments of our globe face a new reality where the nature of such differences is no longer of
kind, but rather of degree. In my view, the distance between core educational challenges in the
US and Brazil be they musical or not are a matter of the conceptual and political direction; 2)
if premise number one is truthful, then comparative analyses and transnational initiatives ought
to be fomented (Schmidt, 2011). Despite the gloss of structure and tradition, fundamentally, our
challenges are similar. Consequently, US educators and policy makers have much to learn from
the innovative alternatives Brazil has construed particularly in cultural-educative terms. And
Brazilian educators would also profit from serious analysis of the at time blind or rhetorically
disingenuous fascination found in the US, with the power of this place called school.2 These two
examples and observations serve as the entry point for a conversation as well as a proposal for
an approach to music education policy in the country. This is, of course, only one possible outline
for strategic thinking in the field.

This article focuses on policy thinking and argues that an expansion of the impact of music
education can take place by merging the pregnant possibilities inside schools, and the best third
sector initiatives can offer. Before this however, I would like to argue for a conceptual-philosophical
basis upon which political and policy motion in the field ought to be based. The goal is not to
establish universal premises, but to advocate for one preferred pathway, clarifying that when
considering policy, points of departure matters a great deal.

establishing a
non-functional
premise for
educational
strategy

To be clear, my goal here is not the institution of norms, but rather the formation of framings
that may serve as a strategic architecture aimed at developing greater interaction between the
development of music education inside and outside schools. The notion of framings (a concept that
inhabits a meaning between enquadramento and engajamento when translated into Portuguese)
is understood not simply as a capacity to appreciate and value3. Rather, a framing provides a

2. Schooling remains at the center of the discourse of every single politician in the US as well as those in other
Northern countries. Even a cursory analysis of the speech patterns of leaders in the US, England, Australia,
Germany, and others, will show the constant rhetoric that conflates educational achievement and economic success
and national pride. The recent changes in the educational structure of England, led by the Cameron administration
are a prime example. See Schmidt (2011).
3. In the sense of clarifying appropriate or normative ways of doing or behaving.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 23-36 | jul.dez 2011

25

SCHMIDT, Patrick

personal-conceptual-pedagogical interaction with tradition, innovation, dissent and choice. As a


construct, framing is linked to the notion that since ideas are provisional responses to particular
situations, their survival depends not on their immutability but on their adaptability (Menand,
2001, p. 54).
My aim is to highlight a consciousness of transitivity (i.e. conscincia de transitividade),
the adaptability Menand mentions above, which must function alongside clearly structured
policy planning in todays globalized world. This is what might happen when strategic elements
present in micro practices by nature adaptable and contextual meet the architecture of longrange considerations central to planning and collaborative engagements consistent enough
to engender growth and development. As I have argued elsewhere (Schmidt; Robbins, 2011, p.
99) strategic architecture standpoints view learning and teaching as a delicate ecosystem where
educative acts are seen as complex, interrelated, erratic and emotional. Strategic architecture is
consequently another name for empowerment and a focus on the development of the capacity
to influence the range of available choices and the social settings in which choices are made and
pursued (Bauman, 2008, p. 145).
This is significant in Brazil and the US for distinct but related reasons. Brazil has a historic
chance to construct a kind of music education that can reach across organizations such as schools
and NGOs politically and practically loosening the divide between the formal and informal. The
US needs alternatives for the expansion and humanization of standards and teaching sequences
and the undue stress they place on education as the science of instruction. To think in terms
of a strategic architecture then, is a modus vivendi that reaches and attempts to approximate
organizational spaces (ABEM and MENC for example) to civic (NGOs and CBOs)4, programmatic
(teacher preparation, professional development and therefore Academia) and political spaces
(the interaction with policy thinking and legislative action).
The troubling homogeneity of music education in the US and the variegation found in
Brazilian NGOs inform to their own constituency and to global audiences alike that formal/informal
divides are no longer conceptually meaningful nor practically helpful. While notions of informality
(Folkestad, 2006; Green, 2002) indeed provided a platform for critique and analysis of established
practices in our field, they have also fostered the propagation of their own ideological positioning.
As the 21st moves into its second decade however, we seem to feel a global pull requiring musical
practices and concepts to become better integrated with wider social needs, while placing less
stock upon internal didactic disputes. My contention is that the continued codification of music
education as a didactic dispute placed upon formal/informal divides prevents other arguments to
take shape.5 As long as didactics are the center of our concerns, there is little air for a complex
strategic architecture, and unless our discourses (in music education) fully connect to their wider

4. Non-Governmental Organizations and Community Based Organizations.


5. The significance of thinking in terms of strategic architectures comes out of the argument that one could easily find
a direct correlation between the rise of interest in concepts such as in/formality in music and the political economy
developed by globalization. The return to conservatism in the North (for instance, the new British policies under Cameron
or even the conservatism of Obama in the US) certainly presents similarities to the Southern alterations about to hit the
ground in Brazil, despite the difference in political nomenclature (for example, the shift in economic support from the
Ministry of Culture to the Ministry of Education under Dilmas government).

26

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 23-36 | jul.dez 2011

Policy, politics and North-South relation: strategic architectures in music education

educational and political counterparts, we have no chance of becoming a protagonist in the policy
scene that is, a role that goes beyond mere advocacy or external lobbying.

Constructing a strategic architecture that approximates policy and practice requires that
we conceive the maximization of music educations impact while keeping true to its ethical and
educative imperatives. Firstly then, I would argue that to bring ethics into what we do would require
a focus on authorship and not simply on musical doings. This pushes us beyond praxial or
practical-aesthetic views famously advocated by David Elliott (1995) and Keith Swanwick (1999),
respectively. An ethical commitment to authorship would imply constant attention to musical,
technical, and contextual aspects of music education as these authors suggest but also and
further a concern with personal, economic, communal and societal aspects. It could be said that

four key
constructs
for framing
a strategic
architecture in
music

only a focus on something like musical authorship would bring together the functional (serving
the development of skill as well as the generation of income) and humanistic aspects of music
(fostering capacities for self expression, growth, interaction with community, among others).
A strategic architecture for musical authorship then could be conceptually and curricularly
structured around the construct of music production rather than simply music making or
experiencing. Music production defined primarily as a myriad set of processes and interactions,
which also encompass products or outcomes could help expanding the terms upon which music
is made feasible in our environs, while linking together in the eyes of the general population
the significance of music in emotive, economic, cultural, and artistic ways (Denora, 2000). The
work presented by Bryce Merrill (2010) and his recordists is a version of what is possible, as is
the research work developed by the Musical Education Everyday Study and Research Group at
UFRGS. The initiative named Music as a Natural Resource (MANR) is another example, working
to place music education within the larger discourse of the United Nations and its Millennium
Development Goals (see United Nations, 2010a) Music education thusly framed upon music
production becomes that which pedagogically and conceptually strives for ingenuity toward an
adaptable environment, rather than for applicability toward a preexisting context.
Secondly, I would highlight music educations role in inciting more productive listening as
well as, what I have call mislistening (Schmidt, In press-a). If ingenuity and adaptability are of
interest in an education in and through music, then we must pay attention to how Listening, as
the central enabler for musical doing and musical recognition, is consistently taught as a narrow
ideology of knowing in western societies. For example:
1. Listening is enforced by parents and teachers alike, who praise their budding musicians
at any sign of prowess in pitch recognition.
2. Listening has sustained music studies as a race toward properly and promptly adjusting
ones ears to the sonic needs of others.
3. Listening as detection of mistakes mystifies musicianship replacing it for acuity.

This is not simply an educational issue, however, as studio workers are often explicitly
charged by their owners with the production of a local sound for global consumption (Borgo, 2005,
p. 72) thus exemplifying how industry and commerce also perpetuate functional understandings
of listening.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 23-36 | jul.dez 2011

27

SCHMIDT, Patrick

I acquiesce that listening is also benign; as listening grants individuals the aptitude to
consensually navigate clearly established musical forms and interactions. At other times, however,
listening can be more troublesome, heavy handedly defining what is appropriate and deviant
in music and music education. Mislistening, on the other hand, is the act and capacity to hear
wrong, which leads to a commitment to adaptation, to lessened ownership, to collaboration and
fragmentation. Defined as a purposeful deviation from accepted norms or the act of deferring
classification, mislistening is often discouraged in classrooms, pressured back toward normality
or rejected as ineptitude; unless it comes from authoritative sources (who would contest Cage,
Gould or Miles Davis?). My interest in mislistening, as a conceptual element, is then twofold: 1) to
highlight and acknowledge it as a current practice, particularly in hybrid music or those that aim
at borrowings and collective projects; and 2) to highlight the curricular implications of mislistening
as a disposition in todays media and technology saturated youth.7 In a strategic architecture for
music inside and outside schools, mis-listening is then an ethical goal in education and is perfectly
matched with the conceptual and curricular goal of fostering authorship.
Any music education that concerns itself with ethical parameters must also address the
challenge of interaction interfaced by technology. Communication is then the third framing element
I suggest here. While in the 21st century this is a basic notion in any field, in music communication
is framed by ones capacity to remember and alter. The challenge is that without authorship
and mislistening, communication becomes about reproduction and technique. Christopher Small
(1977, 1999) has made a similar point, arguing that in a culture where authorship is distanced
from the musician, and where we overvalue performances of the works of distant others,
communicative skills are inevitably focused on perfecting reproduction. If on the other hand, my
focus is on authorship and mislistening, then communication is manifested through adaptive work,
versioning, splicing and mashing.
The challenge here is to foster communicative interaction which supports practices that
reflect the manner in which,
Technology makes alternative literacies in music possible, retaining otherwise ephemeral
information and helping us to remember what once had to be put down in paper aiding
in the development of complexities previously only available through notation. Now I can
re-construct music out of remembered bits and might no longer feel guilty of musiking
differently fostering a letting go of the oppressive concern with getting it right. In this
sense a good take is always behind or ahead of me. It does not need to be internalized
through repetition or bettered through the external guidelines of directors or musical
leaders. (Schmidt, In press-b)

6. I detail this concept in an upcoming article in the Philosophy of Music Education Reviews.
7. Projects such as Opera by You in Finland, where the whole production is constructed through global and virtual
collaboration is one example here, as is the Glee Project in the US. Of course, practices developed by rappers, such as
Little Wayne or Girl Talk, exemplify the pervasiveness of borrowing. The increasing import of creative commons laws and
practices add to these specific musical engagements, presenting a policy representation of Professional/educational
realities.

28

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 23-36 | jul.dez 2011

Policy, politics and North-South relation: strategic architectures in music education

This can be exemplified by home music recording practices developed by recordists,


where listening alone is said to be limiting and at time inconsequential. This is so once all sound
is recorded and the aim is constant tweaking. This is developed by techniques of personal
production, such as storing , which require a constant reinvention of original material, or a
constant listening away from what is produced and replayed (Merrill, 2010, p. 465).
In terms of cultural and educational policy, this highlights to music educators how we have
entered a phase of globalized engagement with music where,
Revisitation does not need to be about improvement in the traditional sense of technique.
The result of such pedagogical framework is that students might be more comfortable
in altering or disrupting their own work and those of others, might feel more confident in
improvising for and on their own, taking on mislistening as a possibility and as part of who
they are as music producers. (Schmidt, In press-a)

This is already true to the musical lives of many professional musicians from rappers like
Little Wayne, to DJs like Girl Talk, to the dispositions found in garage bands, to the practices of many
multicultural communities and it is surely becoming part of the lifeworld of students, particularly
outside schools. This postmodern disposition is also present in the diasporic strategies developed
by migrants, refugees and immigrants, where the hybridity found in much of their music production
requires capacities for simultaneity and heterophony (and thus pastiche, irony, multivocality, and
the embrace of contradictions) (Stokes, 2004, p. 62). This has implications at almost every level
of the educational enterprise:
$WGLGDFWLFOHYHOZLWKDOHVVHQHGQHHGIRUUHSOLFDWLRQDQGUHSHWLWLRQDVPRGHRIPXVLFDO
learning;
 $W WKH SHGDJRJLFDO OHYHO ZLWK JUHDWHU QHHG IRU LQWHUDFWLYH FRQVWUXFWLYH RU GLDORJLF
approaches;
$WWKHHQYLURQPHQWDOOHYHOGHFHQWHULQJWKHOHDUQLQJVSDFHDVFRQWLJXRXVEDVHGRQ
sequence and temporal all interactions happening at the same time;
 $W WKH LQWHUSHUVRQDO OHYHO GHHPSKDVL]LQJ LQVWUXFWLRQDO UHODWLRQV EXW DXJPHQWLQJ
collaborative needs;
$WWKHFXUULFXODUOHYHOFUHDWLQJUHVWULFWLRQVRQORQJWHUPSODQQLQJDQGWKHUHTXLUHPHQWRI
short cycles of revision (never more than 3 years);
$WWKHSROLF\OHYHOSXVKLQJIRUWKHH[SORUDWLRQRILQQRYDWLRQRQWKHJURXQGDVPRGHOVIRU
strategic planning.

While the practical implications are too broad to be addressed here, one way forward would
be to reposition our conceptions regarding authenticity.8 This is the final element in the framing I am

8. Huib Schippers (2010) in his book Facing the music eloquently addresses and problematizes the issue of authenticity
from an ethnomusicological standpoint.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 23-36 | jul.dez 2011

29

SCHMIDT, Patrick

outlining. While the search for the authentic, in the sense of original and truthful, has spurred much
cultural development, authenticity has also played quite a heavy hand as that which regiments
appropriate and legitimate practices, establishing itself as the thought we silently think in music
(Foucault, 1984). Such views of authentic thought and practice, disrupt innovation and real face-toface encounters, and are in dissonance with a more productive vision where after Paulo Freire
authenticity is connected to what is produced in the moment, in response of contextual demands,
and in consonance with the creative propositions of those in the room. While critical lenses have
indeed become a constant in music and education (Benedict, 2009; Bradley, 2009; Dimitriades,
2000; Giroux, 1981; Valenzuela, 1999) school environs continue to present great resistance to
authenticity that is not heavily marked by tradition or outside expertise; and those are issues we
must contend with in the 21st century.
Thus far, my aim was to establish a step forward in comparatively looking at practices,
discourses and policy action, suggesting ways to establish a conceptual framing upon which to
entertain change in our field of action (Bourdieu, 1999). Embedded in this goal is a four-part vision
for practice based upon authorship, mislistening, communication and authenticity, supported by
the policy notion of strategic architecture. Together they are a reflection of complex but feasible
models already at work as domains for interaction and learning in music (Schmidt, 2009).9

matching
policy initiative
to conceptual
vision

As we move forward, it is important to acknowledge that much educational practice general


as well as musical or artistic already stand upon broad concerns with aims such as pluriformality
(Banks, 2004), civic democracy (Dewey, 1916), social justice and ethical education (Althof;
Berkowitz, 2006; Nussbaum, 1999), critical pedagogies (Apple, 1990, 2006), among others. These
by and large represent educative pursuits based upon two premises: 1) education cannot be
limited to the transfer of standards and values although it includes it; and 2) the expansion of
education beyond itself, indefatigably provides a struggle with the formation of conventions, the
establishment of power, the construction of ethics, and the understanding of ones interactions
with others and with the other.
What is then implicated in matching larger policy planning with a conceptual pedagogy that
challenges standards of thinking for music education practice? For me, the implication is a focus
in seriously addressing strategic architectures, where macro policy architecture is established in
light of and in tandem with, strategic goals guided by practice. This is of particular significance in
Brazil today, as great efforts are being place in the consolidation and de facto implementation of
the law number 11.769 of 2008. As the Revista ABEM of March 2010 shows, many and significant
are the academic and political actions undertaken. I too, have witnessed the exciting manner in
which students, scholars, politicians, legislative and other civil servants are coming together in

9. As Stephen Ball (2003) articulates perhaps the most significant challenge in policy enactment is the development of
dispositions toward adaptability rather than toward replicability. Effective policy in a multivariate environment of 21st
century underlines that policy guides adaptation which implies a capacity by those responsible for policy enactment to
understand local context while limiting the urge to re-draft policy.

30

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 23-36 | jul.dez 2011

Policy, politics and North-South relation: strategic architectures in music education

Rio Grande do Sul to pragmatically articulate the professionalization of music education and the
establishment of its rightful place inside schools.
As a Brazilian living and working in music education in the US for the past 15 years, my
concern with the current political expansion of music education into the realm of schools, is that
the economic professionalization of our field should not be overplayed. That is, it should be
accompanied by careful considerations of how mass music education in schools might impact
negatively and positively the quality and variance of available musical practices, as well as
the social, cultural and economic role music does and can play in the education and life of
young Brazilians. Of course, it is appropriate to seek the political opportunities and the legitimacy
(through salaries and stable working conditions) that come from school employment. It is also
appropriate, however, to be aware and critical of the homogenizing effect that school music can
have on students and teachers alike consider the US case as an example (Benedict, 2009). It is
further appropriate to consider the rich, if not always consistent, set of experiences provided by
NGOs and other community structures where music plays a critical role in educational as well as
civic development.
Matching policy planning and pedagogical practice in a strategic architecture then can start
simply by accessing micro models already in existence and matching them to macro goals. Below
are examples of the diverse understandings I find particularly captivating in the current reality of
Brazilian music education. They are organized in three simple policy directives that seem pertinent
to the current juncture:10
1. Political Action: As mentioned above, the political conjunction that is now in place in
Porto Alegre, where various constituents are meeting inside the Legislative Assembly, is a model
for policy practice and leadership, and represents a clear strategic pathway to be replicated
elsewhere. In micro terms, the RGS case also presents diversity of input quality and variance in
terms of constituency, a fact I personally experienced during a visit in May. This is indeed the basis
for the complexity that I suggest must be present in a strategic architecture.
2. Linking Music and Larger Social Concerns: The work developed by the NGO Shine a
Light and its director Kurt Shaw is, to me, an example of how music education can play a role in
social transformation. Shine a Light concerns itself with vulnerable populations and is committed
to understanding and promoting change in what I would call the total environment of individuals.
By working to map several of the most empoverished communities in Recife, they create,
through videos and virtual links generated by the residents themselves, a concrete as well as
cultural sense of their community. Here one sees informal music interaction that is based upon
valuing communal spaces, innovation, and social consciousness as essential for the education
of individuals. Their work with another NGO, P no Cho, further models how to constantly cross
over between formal and informal structures working with government, private entities, schools
and street spaces.

10. The space available for this article limits the amount of examples and policy frameworks I can offer here. What follows
then serves only as exemplification.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 23-36 | jul.dez 2011

31

SCHMIDT, Patrick

3. Focusing on Teacher Preparation and Fomenting Partnership: My recent visit with the
faculty at Universidade de Braslia (UnB), with staff members at the UnB Incubadora de Arte, as
well as with the director of the group Batucadeiros (a former music education student) provide a
strong example of how universities can foment important vision for change in music education
contributing another element for policy thinking. Here we have three segments: A teacher
preparation program focused on improving the undergraduate experience. Another segment, the
Incubator, works with elements of the artistic community by developing capacity for strategic,
legislative and communicative thinking. And finally, university graduates becoming educational
entrepreneurs and bringing together a commitment to education, an ethical concern with children
and their growth, and a passion for artistic enterprises that also create social and economic
outlooks. While the three elements could be in greater synergy, the model is present.
These cases clarify that significant parts of the conceptual framing I outlined earlier, are
taking place in Brazil today. In fact, in just 40 days in three cities in Brazil this last May and June,
I experienced many other models where music education action propelled by NGOs intersected
music education in schools. It is also clearly abundant that as policies toward turno integral
become established, more and more NGO-based projects and know-how will enter the school
environment in a prestao de servio kind of structure. While this comes as no surprise to this
readership, what seems less obvious is how and through what constructs organizations, but also
individuals in leadership position are examining these realities. What are the policy initiatives that
are being developed and from what frameworks? Are attempts to bring these diverse discourses to
the same table having an impact on organizational policies, such as those developed or supported
by ABEM? Further, could a systematic interest in concepts such as strategic architectural become
part of and have an impact upon the policy adaptations that will be necessary and inevitable, as
the law 11.769 is further implemented and institutionalized?

the danger of
a single focus

At the macro level we see that the world is rapidly moving toward maximum urbanization
(United Nations, 2010b, p. 3). This is complicated by the fact that technology and capital have
created a thinning out of the richness that urban agglomeration once offered. Consequently,
we also see a growing digital divide that creates barriers between organizations and institutions
that could and should be working together. School structures are an example as alone they are
insufficiently prepared to attend the demand of a growing population, as well as to fully address the
complexity of interaction necessary in preparing individuals to be more than functionally literate.
Music educators, as well as educators or cultural workers in general, could find maximization of
their own valence and impact by fortifying and developing points of convergence and network
distribution. This would mean greater interactions between universities, communities, schools, civil
organizations, government, and private enterprise. As we saw above, there are already examples
of how this is taking practical form.
The challenge, however, is not simply to guarantee that diverse porous set of musical spaces
will not easily ossified. It is also important to foster teacher leadership, which is key in preventing
structural marginalization and teacher exclusion from decision-making processes (Grossman,
2010). In the US contexts, I have suggested a focus on the following areas: 1) More attention on
curriculum development capacity; 2) Development of an inclusive assessment culture; 3) Fostering
growth in critical dispositions; and 4) Developing the capability to match choice of content to

32

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 23-36 | jul.dez 2011

Policy, politics and North-South relation: strategic architectures in music education

social/cultural/racial/gendered representations in classroom contexts (Schmidt; Robbins, 2011).


This is continuous struggle in the US, due to decades of teacher training based on entry level
skills and it seems imperative in Brazil where a professional culture is more nascent and faces an
important political moment.
Consequently one of my concerns with the temptation to focus educational life solely inside the
structure of schooling is that a didactic paradigm11 is easily imported into teaching; and overtime,
made commonsensical and logical, deemed effective and appropriate. This process is formalized
by regimenting practices that are externally articulated as necessary as standards are in the US,
for example establishing a co-dependence with the State which is not easily untangled (Schmidt,
In press-a); for while it places contingencies on teaching and represses teacher agency, it also
offers teachers greater economic safety and less incentive toward curricular and pedagogical risk
(Popkewitz, 1998). Consider momentarily the United States National Standards for Arts Education
and the manner in which it often caters to teaching that is prescriptive and safe. While one could
maintain that these standards are a responsible way to foster minimal parameters of practice in the
profession, it is not difficult to note the lack of connection between the practices codified by these
standards and the learning realities of todays creative societies in a flat world (Florida, 2003;
Friedman, 2005). US schools provide abundant examples where acuity, reproduction, and rote
learning are preferred over authorship, mislistening, communication or authenticity. And the result
is a practice void of the musical adaptability present in everyday life, and therefore inconsequential
in economic and cultural terms.

Regardless of the issues presented above many NGOs and school programs do show
that music and culture can provide transitioning possibilities toward a language of power, toward

lingering
elements

economic viability, and toward personal transformation. Peter Block agues eloquently for the
need of greater associational life the set of connections I spoke earlier which depends on
the increased capillarity of relationships (Block, 2008). That is, what I do in my space can and
should be closely connected, watched, copied, modified by others in different or similar context,
thus fostering interactions that are reciprocal, aimed a low thresholds of hierarchy, and based
upon loosened understandings of ownership (Lessig, 2008). And here is where constructs such
as strategic architecture invite us to conjecture upon a more holistic or ecological view where
we attempt to address achievement and growth for our urban youth. In many ways what I am
proposing is an integrated view where education, and music education in specific, would not
stand alone, but rather placed in partnership for the construction of social life.12
The formation of transitioning possibilities where youth could slide between formality and
informality in social as well as cultural and economic terms is crucial to the development

11. Didactic here is placed in English sense and not the more complex German or Scandinavian understanding. The
implication is one with focus on content and delivery where education is turned into instruction.
12. This is the theoretical and ethical role that Dewey (1916) has place upon schooling in Democracy and education. It seems
to me that school alone cannot deliver it and consequently we need to devise more collaborative and complex systems that
go beyond schooling, and not exclude them.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 23-36 | jul.dez 2011

33

SCHMIDT, Patrick

of life chances both in the North and the South. A more clear view of how pervasive cultural
signifiers are to larger societal and economic signifiers, which mediate gains from community
cohesion to personal empowerment, should become more central to the conceptualizations of
music educators. Yet, music education leadership often fails at recognizing that policy and legal
frameworks, regulatory authority, planning authority, human skills, accounting and accountability
are as much in demand as raw land (United Nations, 2010, p. 8) In other words, if we are to
think music as a real player in the geopolitics of social and educational development, we need to
understand the power of strategic architectural thinking, realize that capital is no longer located
simply in tangible products, and that over-emphasis on didactics will keep us, at best, as a subprofession.
The UN report asks: How are the developmental trajectories of discrete cities dependent
upon expanding the possibilities of transurban interaction, while elaborating complementary and
niche functions within a larger nexus for regional growth? (United Nations, 2010b, p. 50). The
policy challenge is the same in our field: How can we imagine local growth by creating greater
connectivity? An alignment with larger thinking not only places music education as a socioeducational player in a serious arena, but as a positive contributor to social cohesion widening
the discourse available to us when advocating to sustain and expand music in various realms
or spaces as well as promoting the notion of cultural impact as a critical indicator in policy
evaluation and analysis.
The conceptual and practical capacity to imagine the advantages and forms in possible
partnerships and to envision a space where formality and informality are drawn through less visible
boarders, could lead toward better synergy, public efficiency and community participation. The
task is not easy but feasible. It would not mean to change the internal functional goals of our
profession but also to raise its status as a civic contributor and apt innovator.

references

ALTHOF, W.; BERKOWITZ, M. Moral education and character education: their relationship and roles of
citizenship education. Journal Moral Education, n. 35, p. 495-518, 2006.
APPLE, M. Ideology and curriculum. 2nd ed. New York: Routledge, 1990.
______. Interrupting the right: on doing critical educational work in conservative times. In: LADSONBILLINGS, G.; TATE, W. F. (Ed.). Education research in the public interest: social justice, action, and policy.
New York: Teachers College Press, 2006. p. 27-45.
BALL, S. J. The teacher's soul and the terrors of performativity. Journal of Educational Policy, v. 18, n. 2, p.
215-228, 2003.
BANKS, J. Diversity and citizenship education. San Francisco: Jossey-Bass, 2004.
BAUMAN, Z. Does ethics have a chance in a world of consumers? Cambridge: Harvard University Press,
2008.
BENEDICT, C. Processes of alienation: Marx, Orff and Kodaly. British Journal of Music Education, v. 26, n. 2,
p. 213-224, 2009.
BLOCK, P. Community: the structure of belonging. New York: Continuum, 2008.
BORGO, D. Sync or swarm: improvising music in a complex age. New York: Continuum, 2005.
BOURDIEU, P. The field of cultural production: essays on art and literature. Edited by Robert Johnson.
Cambridge, MA: Polity Press, 1999.

34

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 23-36 | jul.dez 2011

Policy, politics and North-South relation: strategic architectures in music education

BRADLEY, D. Oh, that magic feeling! Multicultural human subjectivity, community, and fascisms footprints.
Philosophy of Music Education Review, v. 17, n. 1, p. 56-74, 2009.
CARLSON, D. L. Beyond the reproductive theory of teaching. In: COLE, M. (Ed.). Bowles and Gintis revisited:
correspondence and contradiction in education theory. New York: The Falmer Press, 2005. p. 158-173.
DENORA, T. Music in everyday life. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
DEWEY, J. Democracy and education. New York: Macmillan, 1916.
DIMITRIADES, G. Teaching popular culture: beyond radical pedagogy. In: TRIFONAS, P. (Ed.). Revolutionary
pedagogies: cultural politics, instituting education, and the discourse of theory. New York: Routledge, 2000.
p. 47-60.
ELLIOTT, D. Music matters. New York: Oxford Press, 1995.
FLORIDA, R. The rise of the creative class. New York: Basic Books, 2003.
FOLKESTAD, G. Formal and informal learning situations or practices vs formal and informal ways of learning.
British Journal of Music Education, v. 23, n. 2, p. 135-145, 2006.
FOUCAULT, M. Technologies of the self. In: RABINOW, P. (Ed.). M. Foucault, ethics, subjectivity and truth: the
essential works. New York: Pantheon, 1984. p. 239-256.
FRIEDMAN, T. The world is flat: a brief history of the Twenty-First Century. New York: Farrar, Straus & Giroux,
2005.
GARRISON, J. From collaboration to confrontation: civil society/government/World Bank relations in Brazil.
Washington, DC: The World Bank, 2000.
GIROUX, H. Ideology, culture, and the process of schooling. Philadelphia: Temple University Press, 1981.
GOUVEIA, T.; DANILIAUSKAS, M. Abong: panorama das associadas. So Paulo: Abong, 2010.
GREEN, L. How popular musicians learn: a way ahead for music education. Burlington: Ashgate, 2002.
GROSSMAN, F. Dissent from within: how educational insider use protest to create policy change. Educational
Policy, v. 24, n. 4, p. 655-686, 2010.
LESSIG, L. Remix: making art commerce thrive in the hybrid economy. New York: The Penguin Press, 2008.
MENAND, L. The metaphysical club: a story of ideas. New York: Farrar, Strauss & Giroux, 2001.
MERRILL, B. Music to remember me by: technologies of memory in home recording. Symbolic Interactions,
v. 33, n. 3, p. 456-474, 2010.
NESPOR, J. Education and place: a review essay. Educational Theory, v. 58, n. 4, p. 475-489, 2008.
NUSSBAUM, M. Sex and social justice. New York: Oxford University Press, 1999.
POPKEWITZ, T. Struggling for the soul: the politics of schooling and the construction of the teachers. New
York: Teachers College Press, 1998.
RAVITCH, D. The death and life of the great American school system: how testing and choice are undermining
education. New York: Basic Books, 2010.
SCHIPPERS, H. Facing the music. Oxford, NY: Oxford University Press, 2010.
SCHMIDT, P. Reinventing from within: thinking spherically as a policy imperative in music education. Arts
Education Policy Review, v. 110, n. 3, p. 39-47, 2009.
______. Living by a simple logic: standards and critical leadership. In: WOODFORD, P. (Ed.). Re-thinking
standards for the Twenty-First Century: new realities, new challenges and new propositions. Ontario:
University of Western Ontario Press, 2011. p. 69-90. (Studies in Music, v. 23).
______. Ethics or choosing complexity in music education. Action, Theory and Criticism in Music Education.
In Press-a.
______. What we hear is meaning too: deconstruction, dialogue and music. Philosophy of Music Education
Review. In press-b.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 23-36 | jul.dez 2011

35

SCHMIDT, Patrick

SCHMIDT, P.; ROBBINS, J. Looking backwards to reach forward: a strategic architecture for professional
development in music education. Arts Education Policy Review, v. 112, n. 2, p. 95-103, 2011.
SMALL, C. Music, society, and education. London: John Calder, 1977.
______. Musiking. New York: Oxford, 1999.
STOKES, M. Music and the global order. Annual Review of Anthropology, n. 33, p. 47-72, 2004.
SWANWICK, K. Teaching music musically. London: Routledge, 1999.
UNITED NATIONS. Music as a natural resource: solutions for social and economic issues. 2010a.
Recebido em
30/04/2011
Aprovado em
18/07/2011

36

REVISTA DA ABEM

______. Human Settlements Programme (UN-Habitat). The challenge of slums: global report on human
settlements. 2010b
VALENZUELA, A. Subtractive schooling: U.S.-Mexican youth and the politics of caring. Albany: State
University Press of New York, 1999.

| Londrina | v.19 | n.26 | 23-36 | jul.dez 2011

A rede de sociabilidade em projetos


sociais e o processo pedaggicomusical
The music sociability network in social projetcs and
the music-pedagogical process

MAGALI OLIVEIRA KLEBER Universidade Estadual de Londrina (UEL)

resumo

`[email protected]

Este artigo aborda o significado da rede de sociabilidade musical em projetos


sociais e sua relao com o processo pedaggico-musical a partir de uma viso
sistmica. Busca estabelecer relaes com questes conceituais entre os campos
disciplinares da educao musical e da etnomusicologia. O estudo considera que a
produo do conhecimento musical em projetos sociais perpassa pela organizao
de redes sociais favorecidas pelo trnsito, intra e interprojetos, dos atores sociais. O
Projeto Villa-Lobinhos, na cidade do Rio de Janeiro, emerge como um contexto que
potencializa a conexo com a Escola de Msica da Rocinha tambm na cidade
do Rio de Janeiro e a Orquestra Grota do Surucucu, localizada em Niteri. As redes
tecidas no mbito desses projetos sociais ligados prtica musical no mbito da
regio metropolitana do Rio de Janeiro mostram-se como uma categoria importante
e significativa na constituio das suas identidades, determinante nas prticas
musicais e na forma de se ensinar e aprender msica dos atores sociais.
PALAVRAS-CHAVE: educao musical e ONGs, rede de sociabilidade musical, projetos
sociais e msica

abstract

This paper broaches the meaning of the music sociability network in social projects
and its relation with the musical-pedagogic process from a systemic perspective. It
aims to establish connections with conceptual questions between the disciplinary
fields of musical education and of ethnomusicology. This research considers that the
production of musical knowledge in social projects goes through the organization
of social networks favored by the transit of the social actors among these projects.
Villa-Lobinhos Project, in Rio de Janeiro city, increases the potential of the connection
with Rocinhas Music School and Grota do Surucucu Orchestra, from Niteroi-RJ.
The networks along these social projects from Rio de Janeiro are important and
meaningful categories to constitute their identities that are decisive both in the musical
practices and in the way music is taught and learned by the social actors.
KEYWORDS: musical education and NGO, music sociability network, social and

musical projects

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 37-46 | jul.dez 2011

37

KLEBER, Magali Oliveira

introduo

ste artigo foca a dinmica da rede de sociabilidade musical em projetos sociais e suas
implicaes no processo pedaggico-musical. Trata-se de um recorte da minha tese de
doutorado (Kleber, 2006), j concluda, na qual o Projeto Villa-Lobinhos (PVL), desenvolvido

na cidade do Rio de Janeiro, constituiu-se em uma das unidades do campo emprico do estudo.
Esse projeto se revelou um espao aglutinador mediante o trnsito dos atores sociais, dinamizando
uma rede de sociabilidade musical entre diferentes projetos conectados. O presente relato referese ao perodo de 2004 a 2006 e busca estabelecer relaes com questes conceituais entre os
campos disciplinares da educao musical e da etnomusicologia. Ressalta-se que o estmulo
para escrever este artigo reside no fato de que, como pesquisadora, estreitei o contato com os
projetos ensejados pela pesquisa de doutorado, aprofundando a insero no campo emprico.
O PVL foi institucionalizado em 2000, ligado organizao no governamental (ONG) Viva
Rio, no Rio de Janeiro, e teve como mentores e mecenas Walther Moreira Salles, banqueiro,
embaixador e advogado e seu filho Joo Moreira Salles, cineasta e documentarista. O PVL foi
coordenado desde seu princpio e durante a realizao da pesquisa pelo violonista e professor
Turbio Santos, com o objetivo central de promover a educao musical para jovens entre 12 e 20
anos, oriundos de comunidades pobres da regio metropolitana do Rio de Janeiro.
Os jovens participavam de aulas de percepo musical, prtica instrumental, prtica de
conjunto e informtica durante um perodo de trs anos. A estrutura pedaggica comportava
trs turmas de nove jovens, selecionados a partir de um encontro anual com jovens msicos e
instrumentistas oriundos de diferentes projetos sociais da regio metropolitana do Rio de Janeiro.
Os alunos recebiam, ainda, apoio pedaggico para as aulas da escola regular. Com tal formao,
esperava-se que o jovem pudesse seguir a carreira profissional de msico. Todos os participantes
do projeto e ex-alunos participavam da Orquestra Villa-Lobinhos, somando-se aproximadamente
40 participantes.
A receptividade construda durante a pesquisa de doutorado (Kleber, 2006) facilitou as
relaes interpessoais e institucionais, fundamentais para que eu pudesse observar as diferentes
dimenses que se sobrepunham no cotidiano das instituies relativas tanto gesto quanto
ao desenvolvimento da proposta pedaggica. Houve uma acolhida solidria e respeitosa por
parte dos participantes da pesquisa cujo relacionamento foi estreitado pela convivncia durante
o perodo de insero no campo e que perdurou aps a concluso da pesquisa no doutorado,
sendo que tal contexto favoreceu e estimulou a continuidade desse estudo.
A dinmica na estrutura da comunicao entre as ONGs e os projetos sociais, invocando
a figura da rede, foi um componente importante na anlise do relacionamento entre as
organizaes sociais. O conceito de rede invocado mostrou-se significativo na estruturao das
ONGs enquanto instituio de carter interdisciplinar, ancorado nas perspectivas correntes do
chamado pensamento sistmico. Isso ensejava uma sinergia intrnseca e extrnseca s ONGs
envolvendo os agentes educativos msicos, professores, monitores comunidade, instituies
pblicas e privadas.
Os pressupostos tericos dessa pesquisa ancoram-se em trs perspectivas que tm como
argumento central a viso de que as prticas musicais so fruto da experincia humana vivida
concretamente em uma multiplicidade de contextos conectados. A primeira parte de uma viso
cultural da msica proposta por Shepherd e Wicke (1997, p. 194, traduo minha), cuja teoria
reconhece a constituio social e cultural da msica como uma particular e irredutvel forma
de expresso e conhecimentos humanos. Para esses autores, o conceito de estrutura social
visto como fruto da diversidade de relaes em rede (Shepherd; Wicke, 1997, p. 194) e como

38

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 37-46 | jul.dez 2011

A rede de sociabilidade em projetos sociais e o processo pedaggico-musical

uma categoria importante para compreenso da sociedade, de suas produes materiais e


simblicas. Assumem e defendem a msica como uma prtica constituda social e culturalmente.
A msica social no s porque est sendo produzida atravs do mundo material e social,
mas tambm por sua capacidade de simbolizar o mundo externo material e social tal qual est
estruturado (Shepherd; Wicke, 1997, p. 200).
A segunda perspectiva inspira-se nos estudos do antroplogo Marcel Mauss (2003) sobre
fenmenos sociais, analisando o processo pedaggico-musical nas ONGs como um fato social
total, enfatizando o seu carter sistmico, estrutural e complexo, portanto pluridimensional. A
terceira perspectiva diz respeito produo do conhecimento musical no contexto das ONGs,
analisada luz da teoria da prxis cognitiva cunhada por Eyerman e Jamison (1998). Essa teoria
permite analisar a produo de conhecimento sociomusical das ONGs como fruto da dinmica
das foras sociais que abrem espaos para a produo de novas formas de conhecimento.
Considerando a natureza das atividades musicais nas ONGs calcadas na ao de fazer
msica, a abordagem sobre a performance musical foi tratada a partir das argumentaes de
John Blacking (1995) e Small (1995). Destaca-se que, para Blacking (1995, p. 227-228, traduo
minha), a performance musical um evento padronizado na interao do sistema social, cujo
significado no pode ser entendido ou analisado isoladamente de outros eventos no sistema,
e que para Small (1995) a performance est associada ao fazer musical e ao senso de
musicalidade das pessoas como fruto da interao interpessoal. Importa nesse aspecto que o
processo de ensino e aprendizagem de msica considere o seu eixo conduzido pela ao de
fazer msica ou musicando (Small, 1995), incorporando os processos coletivos intersubjetivos
e dialgicos. A anlise e a interpretao consideraram o amplo espectro de uma performance
musical incorporando a escuta, a providncias para se realizar uma performance como
elaborao de arranjos, composies, escolha de repertrio, os ensaios, a dana, a preparao
do espao, enfim as atividades que esto relacionadas natureza de uma performance musical
(Blacking, 1995; Small, 1995).
A pedagogia da msica foi abordada como um processo que trata da relao entre
pessoa(s) e msica(s) e o processo de apropriao e transmisso das msicas, como prope
Kraemer (2000) e citado por Souza (1996, 2001). Tal compreenso justifica a argumentao de
que esse campo abrange os diferentes espaos em que acontecem as prticas musicais, quais
sejam educacional, formal ou informal, intencional ou ocasional, e, por isso, as aes educativas
permeiam todos os segmentos sociais, como o caso das ONGs. A discusso e a reflexo
sobre as dimenses e as funes do conhecimento pedaggico-musical e suas implicaes
partem da premissa de que estes so aspectos do prprio fenmeno/objeto, sem pens-lo
fragmentado. Essa viso do campo epistemolgico da educao musical busca contribuir para a
delimitao das fronteiras e das interseces da rea considerando o conhecimento especfico,
transversalisado por outros campos do conhecimento.
Assim, o processo pedaggico-musical entendido como um fato social total foi observado,
analisado e interpretado nas ONGs selecionadas, abarcando os aspectos fsico, institucional
e simblico, como possibilidade de produo de novas formas de conhecimento musical. A
anlise e a interpretao dos dados coletados sero elaboradas a partir de quatro categorias
de contextos propostos por Kleber (2006), a saber: 1) institucional envolvendo as dimenses
burocrtica, jurdica, disciplinar, morfolgica; 2) histrica considerando o processo histrico
que se construiu a partir das histrias contadas pelos participantes da pesquisa; 3) sociocultural
envolvendo a dimenso do espao de circulao dos valores simblicos, dos encontros,
das relaes intersubjetivas e interinstitucionais, dos conflitos, das negociaes; 4) ensino e

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 37-46 | jul.dez 2011

39

KLEBER, Magali Oliveira

aprendizagem musical focalizando como, onde, por que, para que se aprende e se ensina
msica no contexto pesquisado.
O significado das prticas musicais e do termo pedaggico no se restringe, portanto,
somente aos processos de ensino e aprendizagem, mas entendido com um campo
pluridimensional conectado. O Quadro 1, a seguir, busca sintetizar as conexes tericas nas
quais Kleber (2006) construiu a perspectiva do processo pedaggico-musical como um fato
social total em quatro contextos presentes na produo de conhecimento.

QUADRO 1
Processo pedaggico musical como fato social
total (Kleber, 2006).

Visto como um fato social total (Mauss, 2003) o processo pedaggico-musical incorpora
o cotidiano e as demandas presentes no contexto pesquisado considerando os seus aspectos
pluricontextuais e multidimensionais, mediante uma postura dialgica e dialtica. Nesse processo
est tambm presente um sistema de trocas baseado em valores simblicos e materiais ligados
s prticas musicais. Isso implica considerar as redes de sociabilidade que so mobilizadoras
de motivaes internas.

das
identidades
musicais
individuais e
coletivas

No obstante a pesquisa de campo tenha oportunizado conversas, entrevistas e bate-papos


com quase a totalidade dos integrantes do Projeto Villa-Lobinhos (PVL), a seleo necessria dos
entrevistados se circunscreveu em torno de seis formandos da turma de 2004 e dos integrantes
dos dois grupos constitudos formalmente: sete alunos da Oficina de Choro e seis alunos da
Oficina de MPB. Os alunos entrevistados foram, em grande parte, moradores de trs regies do

1. Os moradores se referem favela como Santa Marta por causa da imagem da santa homnima guardada at hoje
numa capela na parte mais alta do morro. A imagem teria sido levada para l por uma antiga moradora ainda no incio
do sculo XX. Ela costumava rezar na localidade conhecida atualmente como Campinho do Pico. Com a chegada do
padre Veloso, nos anos 1930, foi construda ali uma pequena igreja para abrigar a imagem e tambm servir como local
de descanso. O terreno ocupado atualmente pela favela pertencia ao colgio Santo Incio. Seus primeiros moradores
foram abrigados ali pelo padre Jos Maria Natuzzi. A maioria era formada por famlias pobres contratadas para trabalhar
na ampliao da igreja do colgio ou agricultores que migraram para o Rio de Janeiro, vindos do Vale do Paraba, aps
a crise do caf de 1929.

40

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 37-46 | jul.dez 2011

A rede de sociabilidade em projetos sociais e o processo pedaggico-musical

Rio: Comunidade Dona Marta1 e Comunidade da Rocinha2, Municpio de Mesquita, na Baixada


Fluminense e Favela Grota do Surucucu, em Niteri. A maioria dos entrevistados residia com a
famlia e tinha entre 16 e 19 anos de idade, sendo que o gnero masculino predominou, com
apenas uma aluna entrevistada do universo de seis formandos embora essa questo no tenha
sido ponto de anlise da pesquisa.
Duas vertentes ficaram evidentes nos depoimentos dos entrevistados: a aprendizagem
musical j estava presente na vida deles antes de participarem do PVL, determinada pelo contexto
social no qual esses jovens se inseriam, quer fossem projetos sociais, cursos em igrejas ou
centros culturais; e, os Encontros de Jovens Instrumentistas promovidos pelo PVL e realizados
no ms de janeiro, que se revelaram em um significativo referencial na trajetria do aprendizado
musical e na escolha de se estudar msica e determinado instrumento. Todos os entrevistados
citaram o encontro como um marco importante na sua histria de vida, relacionando o projeto
como uma especial oportunidade para o seu desenvolvimento musical.
So muitas as histrias que revelaram uma multiplicidade de experincias e contextos nos
quais o PVL adquiriu um significado para alm do ensino e da aprendizagem musical, emergindo
representaes sociais como a famlia, a amizade, o lazer e a profisso. Trata-se, portanto, de
referncias que contribuem para a construo da identidade desses jovens.
Muitos dos entrevistados recordavam acontecimentos minsculos que compuseram o
mosaico histrico do PVL, fruto das relaes entre as pessoas e as instituies. Tais histrias
contriburam para se recompor um espao social contornado pelas aes articuladas dos que
participaram do processo.
Redes sociais so redes de comunicao que
envolvem a linguagem simblica, os limites
culturais e as relaes de poder.
Fritjof Capra

Para Castells (2000), a prpria contemporaneidade pode ser definida pelo estar em rede.
Redes constituem uma nova morfologia social das sociedades cuja lgica das suas prprias
dinmicas modifica, de forma substancial, a operao e os resultados dos processos produtivos
e de experincia, poder e cultura.

a rede de
sociabilidade
institucional
do PVL

De acordo com Nohria e Eccles (1992, p. 32, traduo minha), o uso mais geral para o
termo rede para uma estrutura de laos entre os atores de um sistema social. Estes atores
podem ser papis, indivduos, organizaes, setores ou Estado-nao. Para os autores um

2. Os primeiros moradores da Rocinha comearam a se estabelecer nas terras da antiga fazenda Quebra-Cangalha
por volta de 1930, quando toda a rea onde antes existiam grandes engenhos de acar foi repartida em pequenas
chcaras. Os produtos cultivados pelas famlias que se fixaram ali a maioria de invasores que tinham perdido tudo
com a crise do caf em 1929 eram colocados venda na feira da praa Santos Dumont, que na poca abastecia toda
a Zona Sul carioca. O nome Rocinha, no entanto, s comearia a ser usado em meados dos anos 1930. Segundo os
moradores mais antigos da favela, quando os fregueses perguntavam de onde vinham as frutas e legumes vendidos na
praa Santos Dumont, todos diziam que era de uma tal rocinha no Alto Gvea. E o nome acabou pegando.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 37-46 | jul.dez 2011

41

KLEBER, Magali Oliveira

ponto essencial na formao de rede que os seus laos podem basear-se na conversao,
afeto, amizade, parentesco, autoridade, troca econmica, troca de informao ou quaisquer
outras coisas que constituam a base de uma relao (Nohria; Eccles, 1992, p. 32, traduo
minha).
A rede de sociabilidade que conectava as ONGs e projetos sociais ao PVL apresentou-se
multidirecional, no linear e com diversos elos ligados pelas esferas cultural, artstica, institucional
e pessoal presentes na sociedade da cidade do Rio de Janeiro. Um fato histrico desenhou um
movimento sociopoltico sui generis em relao criao de ONGs relacionadas com a violncia
contra a juventude e que tomou flego a partir da Chacina da Candelria, em 1993. Esse fator
corroborado por Novaes (2002) ao destacar que na dcada de 1990, mais do que em nenhum
outro estado da federao, no Rio de Janeiro surgiram iniciativas inovadoras para fazer face a
esta situao de fragmentao social.
A forte atuao das organizaes no governamentais, inseridas em espaos de grande
diversidade cultural, transformou o Rio de Janeiro em uma espcie de laboratrio social que
inspirou aes semelhantes em outros pontos do pas (Novaes, 2002, p. 12). E, nesse perodo,
surgiram ONGs que podem ser chamadas de comunitrias e da cultura, cujo foco se
caracteriza pela:
[] ao local e pela produo de gestores locais. Dentre elas destacam-se aquelas que se
caracterizarem atravs de um produto cultural especfico (teatro, msica, dana, produo
de vdeos) gerando novos tipos de profissionais da rea de cultura e comunicao. (Novaes,
2002, p. 13)

Como j foi mencionado, a prpria concepo do PVL estabeleceu a conexo entre projetos
sociais ligados prtica musical no mbito da regio metropolitana do Rio de Janeiro. Assim,
podemos considerar uma rede estabelecida entre os projetos sociais, igrejas, escolas pblicas
e privadas, considerando que o PVL promovia, tambm, concertos didticos nesses espaos;
instituies como o Museu Villa Lobos, Centro Cultural Campo Grande, Escola de Msica da
Rocinha, Instituto Moreira Salles, Pr-Arte, Reciclarte-Orquestra Grota do Surucucu, Colgio D.
Pedro II, entre tantos outros. Essa rede apresentava-se movedia e se reestruturava a cada novo
contato estabelecido, quer fosse pelas apresentaes, quer fosse pela configurao de alunos e
professores que se formavam a cada novo ano.

FIGURA 1
PVL Tocando em grupo. (Foto: Magali Kleber).

42

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 37-46 | jul.dez 2011

A rede de sociabilidade em projetos sociais e o processo pedaggico-musical

Os princpios constitutivos, ou seja, os valores e os objetivos compartilhados definem a


identidade da rede, assim como os princpios de natureza prtica configuram o processo de
atuao entre seus componentes. O cotidiano, com foco nas relaes que sustentam rotinas,
contm conjuntos de redes de relaes inerentes s atividades humanas de toda ordem. No caso
do PVL, a prtica musical dos indivduos e dos grupos sociais, imantados pelos seus contextos
e pelo seu cotidiano, evidenciou-se como o fio condutor das atividades que dinamizavam redes
de relaes pessoais, musicais, etc. Redes espontneas que derivavam da sociabilidade das
pessoas mediadas pela prtica musical que, por sua vez, davam sustentao aos propsitos do
projeto.
Depoimentos exemplificam como os entrevistados da pesquisa entendiam e reconheciam
as redes conectadas ao PVL. Carla, moradora da Comunidade da Rocinha, destaca que suas
participaes em diferentes projetos contriburam para seu aprendizado musical. Na Escola de
Msica Pr-Arte um dos projetos mais citados pelos alunos como um local de aprendizagem
e performance musical ela destaca a convivncia com amigos da mesma idade e que tocam
em grupo:
legal porque basicamente o pessoal do Villa-Lobinhos os ensaios so [s] quartas e
sextas, vai todo mundo junto daqui pra l s vezes a gente viaja e todo mundo se conhece e
tem professores daqui que tambm tocam l, como o Luis Cludio, professor de violo daqui,
toca trombone a gente no paga nada justamente por ser bolsista, atravs da Tina, junto
com esse convnio, com o Villa-Lobinhos. Nenhum dos Villa-Lobinhos paga. (Carla Mariana,
aluna formanda do PVL em 2004)

A Pr-Arte escola de msica particular na cidade do Rio de Janeiro construiu uma ligao
muito estreita com o PVL. Tina Pereira, flautista e coordenadora do Projeto Flautistas da Pr-Arte,
sempre inclui jovens bolsistas em seu trabalho. Foi professora de flauta doce no PVL, de 2000 a
2003, e estabeleceu um convnio informal, o que oportuniza o trnsito dos jovens estudantes de
msica entre os diversos projetos sociais. Cabe ressaltar que a Pr-Arte realizava projetos que
oportunizavam a proximidade com os autores, arranjadores, msicos famosos do Rio de Janeiro,
promovendo uma desmitificao na relao com o repertrio e os artistas. A performance era
compartilhada com os autores. A participao dos alunos do PVL em diversos contextos de
ensino e de aprendizagem musical possibilitou novas inseres e fortaleceu a rede de formao
de jovens msicos, misturando, inclusive, classes sociais. Carla reconhece, nessa fala, que se
no fosse o Villa-Lobinhos ela no entraria na Pr-Arte:
[] porque simplesmente eu no conheceria os flautistas no vou saber como chegar, pra
entrar. E aqui foi meio facilitado porque eu tinha aula com a Tina que convidou pra ir l assistir
e falou que j era pra comear tocando. E muito legal porque eles incentivam muito, eles
no deixam assim Ah eu no sei tocar, No, voc sabe tocar sim, voc vai tocar
sim, porque eles acreditam muito na gente, no nosso potencial. Eu acho que isso muito
importante, porque s vezes o aluno acha assim Ah eu no sou capaz de fazer isso e
o professor fala que voc capaz e que voc vai conseguir, e quando a gente vai l e v que
capaz mesmo e consegue fazer e acho que isso muito importante, eu acho que isso
muito importante. (Carla Mariana, aluna formanda 2004)

Para Marquinhos, multi-instrumentista, morador da Comunidade Dona Marta, a participao


na Pr-Arte foi uma experincia anterior sua insero no PVL. Foi encaminhado ao PVL por
Rodrigo Belchior, coordenador pedaggico do PVL, e por Tina quando tinha nove anos de idade:
A Pr-Arte tambm foi um incentivador de eu ter gostado de chorinho e de samba.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 37-46 | jul.dez 2011

43

KLEBER, Magali Oliveira

Em conversas, Jocielton, flautista, contou que tinha muita vontade de conseguir uma bolsa
e entrar na Pr-Arte antes mesmo de ingressar no PVL. Conseguiu no primeiro ano atravs de
um convite de Tina: E eu aprendi muito, que l tem repertrios variados e j fizeram Noel Rosa,
Pixinguinha, Tom Jobim, e agora no momento estou fazendo Baden Powell. Essa participao
constitui-se em uma prtica importante na formao musical de Jocielton e de todos os outros
integrantes do PVL Daniel, Ademar, Luis Cludio, Diego, Marquinhos, Carla pois trabalham
naipes, os diferentes grupos de instrumentos, com a prtica focada na performance do repertrio
sobre o qual se realizam os ensaios de naipes e do conjunto todo.
Outro projeto social bastante conectado com o PVL, no sentido de trnsito dos alunos e
troca de experincias entre os coordenadores, a ONG Escola de Msica da Rocinha (EMR), j
citada. A relao de solidariedade entre os projetos pode ser ilustrada pela cooperao entre eles
para superar carncias e dificuldades. Carla estudante em trs projetos relatou que s pde
estudar flauta transversal e flauta doce porque a EMR emprestava os instrumentos para o PVL:
Como o Villa-Lobinhos meio parceiro da escola de msica, ela cede o instrumento pra tudo
que eu precisar fazer; s se eu sair da escola eu teria que devolver o meu instrumento. Dessa
forma, Carla, alm da Pr-Arte, participa ativamente dos dois projetos sociais e toca em vrios
grupos musicais como o Quinteto de Samba da Escola de Msica da Rocinha, composto por
flautas, violo, cavaquinho, voz e percusso; um grupo de samba de amigos que se juntaram,
tocam na noite, em bares e restaurantes, ganhando cach. E destaca que a base de tudo, o
chorinho, eu aprendi no Villa-Lobinhos.
E a solidariedade entre os dois projetos revelou-se reconhecida por Gilberto, coordenador
da Escola de Msica da Rocinha, como um dnamo que aperfeioava o processo pedaggicomusical de ambos. Segundo ele, havia uma troca positiva na qual a proposta do PVL, bastante
diferenciada dos outros projetos sociais, tornava-se complementar.
Pode-se perceber a prtica solidria entre os projetos sociais e as instituies mencionadas,
o que estabeleceu um vnculo produtivo entre eles. As relaes com forte trao pessoal que se
refletiam na instituio tinham origem no vnculo entre pessoas que compartilhavam objetivos e
ideais em comum:
Eu no tenho contato com todos os projetos que tm vnculo com o Villa-Lobinhos, infelizmente!
Mas, com os que eu j tive, principalmente a Orquestra da Grota l de Niteri, ns temos uma
relao muito boa, muito estreita e inclusive tivemos momentos de intercmbio. A garotada
j veio tocar aqui na Rocinha, fizeram um concerto maravilhoso aqui no ano passado e eu
estou agora, provavelmente, convidando um rapaz de l pra fazer um trabalho com a gente
em Tangu, que um municpio prximo Niteri, e s no existe um intercmbio maior, por
conta das distncias Mas sem dvida existe uma relao muito boa entre esses projetos e
um ambiente de solidariedade bastante claro. Existe uma relao institucional muito positiva
que abre portas tanto pra um lado quanto pro outro no sentido da indicao dos grupos, ns
indicamos os grupos de l, eles indicam os grupos daqui esse vnculo institucional traz
benefcios para ns todos. (Gilberto Figueiredo, coordenador da Escola de Msica da Rocinha)

Outro elo que constitui essa rede de projetos se localizava na favela Grota do Sururucu,
Niteri, coordenado pelo Instituto Reciclarte. Mrcio Selles, msico e professor, criou a Orquestra
de Cordas da Grota e constituiu um grupo instrumental que se apresentou no Museu de Arte
Moderna de So Paulo, no Teatro Carlos Gomes, no Rio, no Museu de Arte Contempornea
e no Teatro Municipal, em Niteri. O grupo era composto por 12 jovens que tocavam violino,
viola e violoncelo, entre eles Walther, formando do PVL, 2004, e seus irmos Wagner e Felipe,
trs garotos da mesma famlia. Ao todo, somam-se seis jovens moradores dessa comunidade
que tiveram ligao com o PVL. O repertrio do grupo instrumental englobava msica popular

44

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 37-46 | jul.dez 2011

A rede de sociabilidade em projetos sociais e o processo pedaggico-musical

brasileira e peas para orquestra de cordas de autores como Bach, Corelli e Schubert, entre
outros.
O relacionamento entre esses dois projetos revelou caractersticas de horizontalidade,
otimizando as propostas musicais de ambos os projetos sociais.
Revelou, ainda, uma simbiose no aspecto pedaggico-musical, uma vez que as aulas
individuais com professores especializados, que os alunos dos naipes das cordas e sopros
puderam ter no PVL, lhes permitiram atingir um nvel tcnico e interpretativo que propiciou a
execuo de obras para orquestra e solo. Joo Moreira Salles, mecenas do PVL, reconheceu e
sublinhou, nesse depoimento, que a relao entre os dois projetos sociais resultou em uma troca
profcua para o desenvolvimento de ambas as propostas musicais:
Eu sei de uma relao muito prxima com o pessoal da Grota e eu acho que ali h uma troca
de experincias que ajuda a ambos [os projetos]. Eu acho que o Mrcio da Grota aprendeu
muito com o Villa-Lobinhos e na verdade alguns professores da Grota so professores do
Villa-Lobinhos, dividem os mesmos professores e eu acho que o pessoal do Villa-Lobinhos
se beneficiou muito do trabalho da Grota porque pde incorporar Orquestra Villa-Lobinhos
um grupo de alunos e instrumentos que no aparecem usualmente quando voc vai s
comunidades carentes do Rio de Janeiro. Se no fosse pelo [projeto] da Grota [] seria difcil
imaginar que teria violino, violoncelo, viola, os instrumentos de uma orquestra. Ento eu acho
que a h uma mistura extraordinariamente saudvel de parte a parte. (Joo Moreira Salles,
entrevista em 01/09/2005)

A relao entre os coordenadores mostrou-se marcada pela solidariedade, respeito mtuo e


admirao. Presenciei cenas que me permitem inferir essas caractersticas no inter-relacionamento
entre as pessoas que fazem e participam dessas instituies. Por ocasio de uma das visitas que
fiz, chamou-me a ateno a forma como os coordenadores, Rodrigo e Mrcio, cumprimentaramse. Lanando mo de uma metfora para expressar essa impresso, a situao pareceu-me
dois caciques de duas tribos se encontrando, com festa sonora, representada pelos rufar dos
instrumentos dos alunos, na chegada de Rodrigo ao espao do projeto. Essa passagem foi
significativa para a compreenso da dinmica da rede que tece as prticas musicais entre os
projetos e instituies que constituem os elos dessa trama sociomusical, em que meu ponto de
partida foi o PVL. Um, entre os possveis e inmeros pontos de partida de uma rede e sociabilidade
social. As favelas Comunidade do Morro Dona Marta e a Comunidade Grota do Surucucu, em
Niteri, so pontos importantes da rede de organizaes que interagem com o PVL.
A vivncia dos alunos em contextos diversos, proporcionada pelo PVL, revela uma complexa
rede de sociabilidade que possibilita uma ampliao de viso e compreenso do mundo, de

FIGURA 2
Projeto Grota do Surucucu,
Niteri coord. Mrcio Selles
(Foto: Magali Kleber).

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 37-46 | jul.dez 2011

45

KLEBER, Magali Oliveira

suas comunidades e deles prprios. Assim, a noo de que podem compartilhar, e at mesmo
retribuir as ddivas que receberam, aparece nos depoimentos como pontos significativos de suas
identidades sociomusicais.
Visto como um fato social total o processo pedaggico-musical foi interpretado, nessa
pesquisa, considerando os seus aspectos pluricontextuais e multidimensionais, e o sistema de
trocas baseado em valores simblicos e materiais ligados s prticas musicais, extrapolando-as.
A potncia em se constiturem redes de sociabilidade musical, mobilizando motivaes internas
e, tambm, coletivas, revelada nas aes comunitrias nos diferentes contextos: institucional,
histrico, sociocultural e de ensino e de aprendizagem musical. Estes foram os contextos
interpretados e analisados a partir de uma viso sistmica.
A anlise revela que a performance musical um condutor dos processos de ensino
e de aprendizagem, vista como fruto de prticas sociais motivadas pelos diversos sujeitos
pertencentes a uma rede policntrica. Os rituais coletivos como as aulas, os ensaios, os jogos,
as brincadeiras e os encontros informais mostram-se como momentos de sntese das relaes e
das vivncias proporcionadas pela msica. O lazer, o aprender a tocar naquele lugar, o cuidar
dos instrumentos, o realizar uma produo musical e os encontros com os amigos fazem parte
do contexto do processo pedaggico-musical.
Trata-se de relaes que so inerentes s atividades humanas e que podem ser consideradas
como redes espontneas, que derivam da sociabilidade humana construda na dinmica do
cotidiano das pessoas. A produo de saberes nas ONGs, considerando seu carter mutatis
mutandis, pode articular novos interesses de conhecimentos, novas suposies de viso de
mundo, inovaes organizacionais e, algumas vezes, novas abordagens para a cincia. Dessa
forma, a figura de rede policntrica, no hierrquica, traduz uma estrutura capaz de se alinhar a
processos abertos na produo do conhecimento musical imerso no caldo das diversas culturas.

referncias

BLACKING, J. Music, culture and experience. In: BLACKING, J. Music, culture and experience: selected papers
of John Blacking. Chicago: University Of Chicago Press, 1995. p. 323-342.
CASTELLS, M. A sociedade em rede. So Paulo: Paz e Terra, 2000.
EYERMAN, R.; JAMISON, A. Music and social movements: mobilizing traditions in twentieth century. Cambridge:
Cambridge University Press, 1998.
KLEBER, M. O. A prtica de educao musical em ONGs: dois estudos de caso no contexto urbano brasileiro.
Tese (Doutorado em Msica)Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
2006. Disponvel em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/9981>. Acesso em: 30 maio 2010.
KRAEMER, R.-D. Dimenses e funes do conhecimento pedaggico-musical. Em Pauta, v. 11, n. 16/17, p.
50-75, abr./nov. 2000.
MAUSS, M. Sociologia e antropologia. Trad. Paulo Neves. So Paulo: Cosac & Naify, 2003.
NOHRIA, N.; ECCLES, R. G. (Ed.). Networks and organizations: structure, form, and action. Boston: Harvard
Business School Press, 1992.
NOVAES, R. Introduo. In: NOVAES, R.; PORTO, M.; HENRIQUES, R. (Org.). Juventude, cultura e cidadania.
Rio de Janeiro: Iser, 2002. p. 11-20. (Comunicaes do ISER, ano 21, edio especial).
SHEPHERD, J.; WIECKE, P. Music and cultural theory. Malden: Polity Press, 1997.
SMALL, C. Musicking: a ritual in social space. Cielo, Texas, Apr. 1995. Disponvel em: <http://www.musikids.
org/musicking.html>. Acesso em: 24 jan. 2006.

Recebido em
30/04/2011
Aprovado em
26/06/2011

46

REVISTA DA ABEM

SOUZA, J. Contribuies tericas e metodolgicas da Sociologia para a pesquisa em Educao Musical. In:
ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAO BRASILEIRA DE EDUCAO MUSICAL, 5., 1996, Londrina. Anais
Londrina: Abem, 1996. p. 11-40.
______. (Coord.). Educao musical: um campo dividido, multiplicado, modificado. In: ENCONTRO ANUAL
DA ASSOCIAO DE PESQUISA E PS-GRADUAO EM MSICA, 13., 2001, Belo Horizonte. Anais Belo
Horizonte: Anppom, 2001, v. 1, p. 16-18.

| Londrina | v.19 | n.26 | 37-46 | jul.dez 2011

Discursos de professores de msica:


cultura e pedagogia em prticas de
formao superior
Discourses of music teachers: culture and pedagogy in higher education practices

EDUARDO LUEDY MARQUES Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs)

resumo

`[email protected]

O presente artigo apresenta o resumo das principais consideraes tericas


desenvolvidas em minha tese de doutoramento acerca daquilo que passei a
designar como discurso acadmico em msica uma instncia que tanto reflete
um determinado regime de verdades, sobre educao, msica e cultura, quanto
contribui para reific-lo. Esse discurso divisado, aqui, a partir do que professores
de uma determinada instituio de ensino superior falavam acerca de cultura,
educao e currculo. As seguintes questes nortearam o trabalho de investigao:
como professores/as de msica lidam com a emergncia da noo de diversidade
cultural? Que concepes de cultura e conhecimento em msica se depreendem
de tais discursos? Assim, trs professores e duas professoras foram entrevistados
acerca de suas prticas pedaggico-curriculares, tendo-se como contexto poltico e
educacional a temtica mais ampla da diversidade cultural. As anlises evidenciaram
que parte significativa dos enunciados evocados pelos sujeitos decorre de uma
concepo cultural conservadora e de cariz modernista, a qual, legitimada pela via
dos dispositivos institucionais dominantes, ainda assume proeminncia por entre os
discursos acadmicos em msica.
PALAVRAS-CHAVE:

discurso acadmico em msica, formao superior em msica,

currculo e cultura

abstract

The present study summarizes the most important theoretical considerations in my


doctoral thesis about the academic discourse in music a cultural and pedagogic
instance that reflects a certain regime of truths on education, music and culture.
The academic discourse in music is depicted here from the ilocutory acts of music
teachers concerning culture, education and curriculum. This discourse is confronted
with the recent matters and demands put by the recognition of the cultural diversity, a
phenomenon clearly identifiable in the contemporary western societies. The following
questions orientated the study: how music teachers deal with the emergency of the
notion of cultural diversity?; Wich concepts of culture and knowledge can be depicted
from the academic discourses in music? To answer those questions, five music
teachers were interviewed, having the cultural diversity as an important academic
issue. The analysis reveal that a significant part of the statements evoked by the
subjects elapses a conservative and modern conception of culture that is legitimated
by the institutional instances and that still assumes prominence amongst the
academic discourses in music.
KEYWORDS: academic discourse in music, higher education in music, curriculum and

culture

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 47-59 | jul.dez 2011

47

MARQUES, Eduardo Luedy

ponto de
partida

presente trabalho devedor da tentativa de compreender e problematizar o substrato


das discusses acaloradas que ocorriam numa determinada comunidade acadmica em
msica. Uma problemtica implicada nos seguintes questionamentos: como tomar os

discursos de professores e professoras de uma instituio superior de ensino de msica, acerca


de cultura, msica e educao, como um dado a ser problematizado e formalizado em termos de
um objeto de investigao? Como fazer isso quando eu mesmo me encontrava to intimamente
envolvido, participando ativamente de tais atos ilocutrios?
Devo dizer que tudo isso comeou com uma troca intensa de e-mails que, no incio de
meus estudos de ps-graduao, se deu numa mailing list. Nessa comunidade virtual, eu
e outros participantes, professores e alunos de um programa de ps-graduao em msica,
empreendamos verdadeiras batalhas culturais, lutando pelo significado ltimo de nossas crenas
sobre educao e currculo no mbito da formao superior em msica.
Foi a partir dessa mailing list que pude perceber como as discusses e embates tericos,
principalmente pela intensidade com que envolviam seus participantes, forneciam uma amostra
significativa da importncia capital que atribuamos a nossos discursos tanto por conta das
premissas tericas contidas nas vises de mundo e concepes de cultura que ali se desvelavam
quanto pelos sentidos e significados que faziam circular, evocando outros discursos sobre
cultura e educao, basicamente atravs dos quais efetivamente falvamos e defendamos
nossas posies.
Passei, assim, a compreender aquelas instncias discursivas como parte significativa de
um conjunto maior de saberes, o qual passei a denominar de discurso acadmico em msica
um discurso qualificado, que versava, em ltima anlise, acerca do que deveria valer como
cultura e, consequentemente, do que se teria como legtimo de ser ensinado e de constar como
conhecimento curricular. Passei a querer interrogar criticamente esse discurso, a buscar interpelar,
tanto naquilo que atravs dele se afirmava quanto se negava, os pressupostos epistemolgicos
subjacentes s suas concepes de cultura e pontos de vista acerca de educao e currculo.
Posteriormente, percebi que poderia tratar de instncias discursivas mais localizadas,
mais prximas a mim, o que me permitiria maiores possibilidades de interlocuo. Poderia
situar tais instncias discursivas num mesmo lcus acadmico, atravs do qual esses discursos
circulassem de um modo menos disperso, comparativamente ao das comunidades virtuais que
se estruturavam a partir dos textos e dos embates que ocorriam nos grupos de discusso de
internet.
Parecia-me cada vez mais atraente a ideia de que as dimenses culturais e pedaggicas
do discurso acadmico em msica poderiam ser capturadas a partir do que professores de uma
determinada instituio de ensino superior de msica teriam a dizer acerca de cultura, educao
e currculo ou seja, para alm dos textos acadmicos, dos artigos cientficos e, tambm claro,
dos e-mails (por vezes impertinentes e desaforados) contidos num grupo de discusso.
Alm do que, situar os debates no mbito da educao superior justificava-se por serem
tais instituies instncias importantes de afirmao e legitimao de conhecimento e de vises
de mundo. Afinal, como afirma Giroux (1999), as instituies de ensino superior produzem uma
ordem particular de narrativas, sendo, por isso, locais profundamente polticos e normativos:
[] a universidade no simplesmente um lugar para se acumular conhecimento disciplinar
que possa ser trocado pelo emprego decente e pela mobilidade ascendente. Nem um lugar
cujo propsito seja meramente cultivar a vida da mente ou reproduzir o equivalente cultural
do Masterpiece Theater. Acredito firmemente que as instituies de educao superior,

48

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 47-59 | jul.dez 2011

Discursos de professores de msica: cultura e pedagogia em prticas de formao superior

independente de seu status acadmico, representam lugares que afirmam e legitimam


as vises de mundo existentes, produzem novas, e garantem e moldam relaes sociais
particulares; simplificando, so locais de regulamentao moral e social. (Giroux, 1999, p. 108)

Em outros termos e a partir da nfase na dimenso poltica da educao, tal como


incorporada por autores como Giroux (1995, 1997, 1999, 2003) e McLaren (1997, 2000),
proponentes importantes da chamada pedagogia crtica passamos a reconhecer o ensino
superior como uma esfera cultural pblica importante,
[] que cultiva e produz histrias especficas de como viver tica e politicamente, [cujas]
instituies reproduzem valores selecionados e abrigam, em suas relaes sociais e prticas
de ensino, conceitos especficos em relao a que conhecimento mais valioso, o que significa
conhecer algo e como se pode construir representaes de si, de outros e do ambiente social.
(Giroux, 1999, p. 108)

No que concerne mais especificamente rea de msica, a relevncia de se investigar


as representaes, ideias e valores que conformam seu campo discursivo justificava-se pela
seleo que efetivava (e ainda efetiva) sobre repertrios e prticas musicais; por serem suas
instituies locais onde se cultiva o bom gosto, nos quais podemos observar a distribuio
de valor que permeia as classificaes sociais dos repertrios (Travassos, 2005, p. 11). Ou seja,
espaos privilegiados de legitimao e instituio do cnon cultural e musical.
Pois assim foi: dos debates no espao virtual de uma mailing list para as conversas, atravs
de entrevistas intensivas com professores de uma determinada instituio de ensino superior de
msica que busquei traar os contornos de meu objeto de investigao.

Para a delimitao do problema de pesquisa, parti de dois pressupostos inter-relacionados.


Em primeiro lugar, o de que o discurso acadmico em msica configurava-se como um dispositivo
de efeitos culturais e pedaggicos, cujos saberes e valores tanto refletiam quanto divisavam um

situando o
problema

determinado regime de verdades acerca do que deveria contar como conhecimento vlido em
msica e educao musical, um discurso qualificado que operava sobre sistemas culturais e
seus significados.
preciso dizer que a noo de pedagogia, aqui, associada ao discurso acadmico em
msica, no era relativa apenas subrea da educao musical, mas aos processos pedaggicos
mais amplos em msica. Em outros termos, as implicaes culturais e educacionais do discurso
acadmico em msica no se referiam apenas subrea da educao musical, mas formao
acadmica em msica como um todo.
Em segundo lugar, partia tambm do pressuposto de que os significados divisados pelo
discurso acadmico em msica se viam confrontados com questes e demandas sociais,
polticas e educacionais postas pelo advento da noo de multiculturalismo compreendido aqui
tanto como um corpo terico quanto decorrente do reconhecimento de um fenmeno claramente
identificvel nas sociedades ocidentais contemporneas (Canen; Moreira, 2001).
A noo de diversidade cultural passava no somente a ser discutida como tambm
incorporada nas polticas educacionais nacionais. J contvamos com a recomendao de
incorporao dessa temtica, na formao de professores, em diretrizes e parmetros curriculares
nacionais (Brasil, 1998, 2004). Era, pois, de se perguntar acerca do que isso representaria em
termos de uma necessria poltica cultural e curricular para as instituies de ensino superior em
msica.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 47-59 | jul.dez 2011

49

MARQUES, Eduardo Luedy

Acima de tudo, acreditava que a discusso acerca da diversidade cultural e do


multiculturalismo se fazia necessria, principalmente quando nos dvamos conta que no mbito
acadmico-institucional em msica, de uma maneira geral, tende-se a conceber as prticas
pedaggicas como algo dissociado das questes polticas e culturais mais amplas da sociedade.
De fato, mesmo nas reas de educao musical e etnomusicologia reas de saber nas quais as
vinculaes entre cultura e sociedade so mais evidentes , as implicaes polticas e culturais
das questes que envolviam a produo e sistematizao do conhecimento em msica e,
portanto, a prpria noo de autoridade envolvida no estabelecimento de seu cnon acadmico,
no pareciam figurar como questes centrais a seus campos de investigao.
A partir de tais consideraes, busquei responder as seguintes questes: como professores/
as de msica lidavam com a emergncia da noo de diversidade cultural em suas prticas
pedaggico-curriculares? Que concepes de cultura e conhecimento se depreendiam dos
discursos acadmicos em msica?

o discurso
acadmico
como objeto
de estudo

Atravs do discurso docente podemos ter acesso quilo que o professor pensa/diz a
respeito de sua prpria prtica (a despeito das prescries do texto curricular); e o que ele pensa/
diz do conhecimento curricular, ou seja, podemos ter acesso s maneiras como o currculo
compreendido, criticado ou reificado pelos professores. Atravs do discurso docente, podemos
ter acesso quilo que dinmico e contingente, quilo que se faz mais presente na prtica do
que propriamente no texto curricular.
Alm disso, o discurso parte significativa da atividade docente e pode ser tomado como
uma modalidade de comunicao especializada, situada numa determinada ordem ou estatuto
de saber. Nessa perspectiva terica, o discurso docente no resulta de escolhas individuais
autnomas, mas sim de uma ordem de saber instaurada a partir de foras que definem o que
deve contar como conhecimento legtimo e verdadeiro (Daz, 1998).
Dito de outro modo, a ordem dos saberes em msica, seu estatuto e fundamento
epistemolgico so construes sociais e histricas, politicamente comprometidas, uma vez
que resultam de foras que lutam por valer suas verdades. Admitir seu carter contingente tem
implicaes importantes para a discusso de seus efeitos culturais e pedaggicos: a possibilidade
de que essa ordem possa ser criticada e contestada, de modo que outras narrativas, experincias
e pontos de vista possam vir no s a reivindicar a legitimidade de suas perspectivas e interesses,
mas tambm a resistir imposio das verdades totalizantes do conhecimento universalmente
vlido.

o discurso
como uma
prtica

A questo da correspondncia entre o discurso e a prtica, ou entre discurso e realidade,


por vezes tomada como um problema a ser considerado. A ausncia de tal articulao poderia
ser tomada como uma lacuna num trabalho de investigao que consideraria apenas o discurso
dos docentes sem que houvesse a verificao de uma correspondncia (ou falta de) entre o
discurso dos docentes e suas prticas concretas.

50

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 47-59 | jul.dez 2011

Discursos de professores de msica: cultura e pedagogia em prticas de formao superior

No entanto, outras premissas tericas, aqui consideradas, podem nos ajudar a melhor situar
a problemtica da relao entre discurso e prtica. Ou, pelo menos, a problematiz-la de modo
mais adequado em relao perspectiva epistemolgica adotada.1
Nesse sentido, seguindo Fischer (2001, p. 207, grifo da autora), as coisas ditas encontramse radicalmente amarradas s dinmicas de poder e saber de seu tempo, por isso,
ao analisar um discurso mesmo que o documento considerado seja a reproduo de um
simples ato de fala individual , no estamos diante da manifestao de um sujeito [] o
sujeito da linguagem no um sujeito em si, idealizado, essencial, origem inarredvel do
sentido: ele ao mesmo tempo falante e falado, porque atravs dele outros ditos se dizem.
(Fischer, 2001, p. 207)

Ou seja, no so propriamente as coisas que interessam, nessa perspectiva apesar


de que elas sejam importantes mas sim os significados atribudos a elas. E, mais que isso,
aquilo que permite que as coisas sejam pensadas de uma determinada maneira (e no de outra).
O interesse no residia, portanto, na correspondncia factual entre palavras e coisas, ou entre
teoria e prtica. Mas, sim, nos interditos, nas possibilidades, postas em ao por um determinado
campo discursivo.
Uma noo importante, decorrente de tais premissas tericas e epistemolgicas, que,
se por um lado, os sujeitos do estudo no deixavam de ser os autores de seus prprios atos
ilocutrios, por outro, seus discursos no pertenciam somente a eles, ou no se originavam
unicamente deles. At pela posio que ocupavam a de representantes de uma instituio
de ensino superior , eles no s falavam, mas tambm faziam falar determinados discursos,
acionando enunciados acerca do que significa conhecer algo e, em se tratando de docentes, de
como esse conhecimento era organizado, hierarquizado e avaliado.
A tarefa que se descortinava, enquanto possibilidade de questionamento crtico da ordem
discursiva que se buscava compreender, residia, pois, na compreenso daquilo que atravs do
discurso acadmico em msica se interditava, ou daquilo que se permitia enquanto conhecimento
verdadeiro.
Alm disso, esse discurso revelava-se tambm atravs das relaes que estabelecia com
outras formaes discursivas que podiam lhe ser concorrentes, que podiam rivalizar com suas
verdades tais como os recentes discursos provenientes das matrizes tericas e epistemolgicas
que se encontram subjacentes ao feminismo, ao ps-colonialismo, ao multiculturalismo crtico,
aos estudos culturais, etc.
Assim, o discurso acadmico em msica foi apreendido a partir das maneiras como respondia
a certas questes provenientes das demandas contemporneas do multiculturalismo, de certas
provocaes epistemolgicas oriundas da chamada virada cultural, a partir da maneira como
lidava com questes contemporneas postas pelo advento da noo de diversidade cultural.

1. Refiro-me aqui s perspectivas epistemolgicas ps-modernas e ps-estruturalistas as quais, animadas sobretudo


pela chamada virada lingustica, enfatizam, de um lado, o papel da linguagem e do discurso na constituio do social
e, de outro, a noo de cultura como uma prtica de significao e local privilegiado das polticas de representao.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 47-59 | jul.dez 2011

51

MARQUES, Eduardo Luedy

sobre os
sujeitos

Para a realizao do estudo, trs professores e duas professoras de uma instituio de


ensino superior de msica, todos ps-graduados e j com um longo histrico no magistrio
superior, foram tomados como sujeitos da presente investigao, compondo um determinado
grupo representativo das seguintes subreas a que cada um pertencia: educao musical;
prticas interpretativas; musicologia; etnomusicologia; composio e anlise.
Os professores compunham, assim, um grupo heterogneo que, alm do fato de ensinarem
msica na mesma instituio de ensino superior e de representarem certas subreas de
conhecimento em msica, terminaram sendo reunidos, em ltima anlise, por terem manifestado
interesse em participar do presente trabalho de investigao.
Esses sujeitos foram entrevistados acerca de suas prticas pedaggico-curriculares, a partir
de um roteiro semiestruturado, no qual se buscou discutir suas assertivas acerca de educao,
currculo e cultura, tendo-se como eixo de preocupaes acadmicas a temtica mais ampla da
diversidade cultural.
preciso dizer que eram sabidas as limitaes heursticas do estudo no que dizia respeito
representatividade daquele grupo de professores no apenas em relao prpria instituio,
mas tambm relativamente prpria rea de msica. O que no significa dizer que os dados
produzidos fossem irrelevantes para a discusso curricular e pedaggica mais ampla no mbito
do ensino superior de msica brasileiro. Os sujeitos do estudo, afinal de contas, pertenciam a uma
instituio representativa por sua prpria relevncia histrica,2 sendo, portanto, representantes
de uma parcela importante do pensamento acadmico em msica, no s refletindo os discursos
dominantes da rea sobre educao e cultura, mas tambm reproduzindo-os atravs das
reflexes acerca de suas prprias prticas.
Cinco professores, portanto, foram os sujeitos desse estudo. Nomeados por pseudnimos,
os professores encontravam-se, assim, situados relativamente s subreas de conhecimento a
que pertenciam:
(GXFDomRPXVLFDO)DQQ\
3UiWLFDVLQWHUSUHWDWLYDV&DOODGR
0XVLFRORJLD&HFtOLD
(WQRPXVLFRORJLD%HQHGLWR
&RPSRVLomRHDQiOLVH+HLWRU

Essa no era uma classificao estanque: alguns dos professores pertenciam originalmente
a uma determinada subrea, mas haviam cruzado as quase sempre tnues fronteiras que
separam essas reas de saber.
Por exemplo, Fanny graduada em instrumento, pertencendo, pois, subrea das prticas
interpretativas. No entanto, fez mestrado e doutorado na rea de educao musical e tem
efetivamente se dedicado educao musical.

2. Uma instituio que existe h mais de cinco dcadas, na qual gravitaram nomes importantes no cenrio musical
brasileiro, que oferece cursos de composio, regncia, licenciatura, instrumento e canto, e que conta com um
programa bem estabelecido de ps-graduao (mestrado e doutorado).

52

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 47-59 | jul.dez 2011

Discursos de professores de msica: cultura e pedagogia em prticas de formao superior

Callado, por seu turno, era graduado em canto, mas, apesar de ter feito mestrado em
educao musical, tem se dedicado mais efetivamente rea das prticas interpretativas.
Ceclia, tendo se formado em piano, ps-graduou-se em etnomusicologia. Tem, no entanto,
se dedicado preponderantemente tanto como pesquisadora quanto como professora
musicologia histrica.
Benedito, tendo percorrido um caminho semelhante ao de Ceclia, no entanto, identifica-se
sobremaneira com o campo de pesquisa da etnomusicologia.
+HLWRUWDOYH]VHMDR~QLFRGHQWUHRVGHPDLVDWHUSHUPDQHFLGRILHOjVXDiUHDGHRULJHP
a composio e anlise.

Um roteiro de entrevista foi estruturado em torno de certas questes atinentes educao


e formao superior em msica. Dentre estas, destaco as seguintes:

entrevistando
os professores

 4XH LPSOLFDo}HV D OHL  WHP WLGR SDUD D HVWUXWXUDomR FXUULFXODU GH XP FXUVR GH
graduao em msica?3 Que implicaes haveria para a formao superior em msica,
por conta das aes afirmativas, ter de lidar com as experincias de alunos quilombolas ou
indgenas?
 &RPR YRFr DYDOLDULD D DILUPDomR GR SURIHVVRU $QWRQLR )OiYLR % 0RUHLUD DFHUFD GD
necessidade de uma reelaborao de contedos que concorram para desafiar a lgica
eurocntrica, crist, masculina, branca e heterossexual que tem informado os processos
de formao escolar e acadmica?
As entrevistas ocorreram durante os meses de abril e junho de 2008. Foram todas gravadas
e transcritas pelo prprio pesquisador que as submeteu posteriormente aos seus entrevistados.
A despeito da textualizao feita a partir das conversas com os professores buscar assegurar a
inteligibilidade das falas, procurei preservar ao mximo a coloquialidade de nossas conversas,
buscando tanto quanto possvel manter as maneiras com que os professores e professoras se
expressavam.

O que se segue a representao, um tanto resumida, de alguns dos principais aspectos


encontrados e problematizados, bem como de parte das consideraes tericas acerca dos
resultados e concluses a que cheguei a partir das anlises realizadas. Os dados encontram-se
estruturados a partir dos seguintes tpicos discutidos.

representando
os dados:
aspectos

3. Lei de 10 de maro de 2008, que faz uma emenda Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (a lei 9.394, a
FRQKHFLGD/'%GH SDUDLQFOXLUQRFXUUtFXORRILFLDOGDUHGHGHHQVLQRDREULJDWRULHGDGHGDWHPiWLFD+LVWyULDH
&XOWXUD$IUR%UDVLOHLUDH,QGtJHQD YHU%UDVLO 

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 47-59 | jul.dez 2011

53

MARQUES, Eduardo Luedy

A lei 11.645: currculo e lutas por representao


$R SHUJXQWDU VREUH D OHL  EXVTXHL GLVFXWLU R VLJQLILFDGR GDV GHPDQGDV SRU XPD
educao superior atenta diversidade cultural. Afinal, o pressuposto fundamental para a
elaborao da referida lei a importncia simblica da histria e cultura de grupos historicamente
marginalizados, tais como os povos indgenas brasileiros e as comunidades afrodescendentes,
nos currculos da educao bsica.
P.:&RPRpTXHYRFrYrDVLPSOLFDo}HVGHVWDOHL>DTXHREULJDRVHVWDEHOHFLPHQWRV
de ensino fundamental e de ensino mdio, pblicos e privados, a incluir em seus currculos o
estudo da cultura e da histria afro-brasileira e indgena] para a formao acadmica superior?
Heitor: Preferia no ter esse nome, assim, histria da cultura africana e indgena. Porque
a histria da humanidade a histria da humanidade, essas culturas fazem parte da histria
geral.

Noutro trecho, o professor complementa:


Heitor: Eu acho estranho a obrigatoriedade desse estudo [refere-se ao estudo das culturas da
cultura e da histria afro-brasileira e indgena], porque pra mim parecia que ele era a prpria
vida das pessoas. [] Eu acho que se sabe, aqui na Bahia, muito menos sobre Shakespeare
do que sobre Se voc pegar um aluno que entra na universidade hoje, ele certamente []
no tem a menor ideia do que a Divina comdia, por exemplo. Certamente ele no leu, talvez
ele tenha ouvido falar, mas que ele leu, no leu. Ento, assim, essa cultura europeia, ou a
Grande Cultura do Velho Mundo, eu no vejo ela aqui. [Vejo] em muito pequena escala. Que
cultura eu vejo aqui? Vejo a cultura africana e, em menor parte, indgena.

2GLVFXUVRGRSURIHVVRU+HLWRUDSRQWDFODUDPHQWHSDUDDQHFHVVLGDGHGHXPDIRUPDomR
acadmica centrada na cultura erudita europeia. Evoca-se, no discurso acima, uma concepo
de cultura tradicional e perfectiva, devedora de uma noo moderna de conhecimento que
reafirma seu carter supostamente universal. Assim, os estudos acadmicos deveriam levar os
alunos a conhecerem o patrimnio cultural da humanidade no por acaso, representado, no
exemplo dado, pelo cnon literrio de Shakespeare e Dante Alighieri.
Posio semelhante manifestada pela professora Ceclia:
Ceclia: [] no penso, assim, na maneira de mudar o currculo, em vista de cada um vir
de uma regio diferente. Por exemplo, em termos de histria, eu vou dar aula de histria da
msica, eu vou falar sobre Idade Mdia, sobre Barroco, sobre Renascimento, quer dizer, eu
tenho um contedo a cumprir.

E, em outro trecho:
Ceclia: [] se ele [o aluno] quiser falar sobre msica africana, por exemplo, a ento ele tem
de ser meu aluno, no caso, de folclore, para fazer essa distino. [] Porque o contedo que
at ento a gente tem nos livros falando sobre histria da msica ocidental no contempla
msica africana. Ento eu separo a questo assim, com relao ao contedo e o que que eu
posso usar de multicultural nesse sentido.

Percebe-se como certas fronteiras que hierarquizam e determinam os saberes que podem e
que no podem figurar num programa de ensino de histria so estabelecidas. Por isso, a msica
africana no poderia ser abordada na disciplina de Histria da Msica normalmente tida como
repositria do cnon artstico e cultural da humanidade mas sim no espao delimitado pela
disciplina de Folclore.

54

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 47-59 | jul.dez 2011

Discursos de professores de msica: cultura e pedagogia em prticas de formao superior

Desafiando a lgica dominante: aes afirmativas e a


noo de conhecimento em msica
A citao a Moreira (2002) acerca da necessidade da reelaborao de contedos que
concorreriam para desafiar a lgica curricular e educacional dominante eurocntrica, crist,
masculina, branca e heterossexual buscava provocar os professores a discorrerem a respeito
da vinculao entre uma necessria noo de cultura com as questes identitrias e as lutas por
representao.
P.: Como voc avaliaria a afirmao de um especialista em currculo, o professor Antonio
Flvio B. Moreira, acerca da necessidade de uma reelaborao de contedos que concorram
para desafiar a lgica eurocntrica, crist, masculina, branca e heterossexual que, segundo
ele, tem informado os processos de formao escolar e acadmica?
Ceclia: Que tem o qu?
P.: Que tem informado os processos de formao escolar e acadmica. Ou seja, algo que diz
respeito no s prtica do professor, na escola, mas prpria formao do professor.
Ceclia: Quer dizer, a gente tem uma formao que no tem nada a ver [risos] isso o que eu
estou entendendo? Quer dizer, a formao que ns temos uma formao que no muito
adaptada eu t entendendo assim, [h] um preconceito []
P.: ele acha que importante desafiar a lgica eurocntrica, crist, masculina, branca e
heterossexual. Ou seja, essa lgica predomina, ela dominante. Como que a gente pode
desafiar isso?
Ceclia: Isso a tambm muito complicado
P.: No precisaramos desafiar essa lgica?
Ceclia: No.
P.: No preciso desafiar, ou voc acha que ele no est certo em afirmar que h uma lgica
dominante?
Ceclia: Eu sou o que sou, porque eu aprendi assim, porque meu professor eurocntrico,
preconceituoso, porque uma formao Eu no penso dessa maneira. Eu penso que
uma pessoa, ela tem depois que voc tem uma srie de informaes, voc procura o seu
caminho, voc no fica preocupado se como que chama a questo do homossexual,
do heterossexual voc segue o seu caminho.

Da fala de Ceclia depreende-se a noo de que os saberes no se localizam,


contingencialmente, nas experincias subjetivas, coletivas ou individuais: depois que voc
tem uma srie de informaes, voc procura o seu caminho. Um discurso cuja noo de
conhecimento, como um atributo de uma razo desimpedida, deve pairar acima das restries e
contingncias histricas, sociais e culturais.
Tal concepo de conhecimento impe limites para a aceitao de outras vozes e posies
de sujeito, principalmente quando estes passam a representar um desvio em relao s vozes
e posies dominantes.
Assim, seguir o seu caminho, a partir das informaes que se tem, pode significar a
aceitao no problemtica de que h um conhecimento verdadeiro e que este nos conduz a
decises e atitudes mais corretas. Assim, o conhecimento idealmente neutro, desprovido de
intenes no teria a ver com diferentes perspectivas e experincias, nem tampouco com as
relaes de poder que determinam os regimes dominantes de representao.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 47-59 | jul.dez 2011

55

MARQUES, Eduardo Luedy

P.: O aluno ser homossexual, mulher, negro, indgena, cigano voc acha que o ponto de
vista dele, a perspectiva dele no afetada pela experincia dele, por ser mulher, ou por ser
gay, ou por ser cigano?
Ceclia: Eu lhe digo, sinceramente, da minha posio: eu no tenho esse tipo de preconceito,
eu no fico, por exemplo, questionando eu tenho aluno que pagodeiro entenda, tocador
de pagode tem outro que gosta de pop, tem outro que tem banda de no sei o qu, tem
outro que veio de uma cidade l do interior, sabe? Na realidade, quando eu vou dar minha aula,
eu estou preocupada com o conhecimento que eu vou passar pra ele, n?

Por no reconhecer a existncia de relaes de poder assimtricas que definem no s


quem ser autorizado a falar, mas tambm as maneiras como o conhecimento construdo a
partir de tais relaes, alguns professores assumem que sua prtica no deve ser afetada por
consideraes de raa, etnia, gnero, sexualidade, etc. Certamente por isso, a professora Ceclia
no vislumbrava, por exemplo, qualquer conflito nessa relao entre saberes e identidades, ou seja,
no tomava como problemticas as maneiras como os sujeitos apropriam-se dos conhecimentos
a partir de suas localizaes culturais especficas. Tal posicionamento reafirmado a seguir:
P.: Que implicaes haveria para a formao superior em msica a considerao das aes
afirmativas cotas para negros, para ndios, cotas para quilombolas?
Ceclia: [silncio]
P.: De que maneira isso poderia afetar a sua prtica?
Ceclia: No, a minha prtica no afeta; no porque quilombola, negro, ou amarelo
isso no O que eu acho que afeta no ter condies de frequentar, isso a sim, isso afeta.

Ao estabelecer que os saberes e a razo, legitimados num dado currculo, seriam correlatos
de uma posio pretensamente neutra e universal, muitos professores deixam de considerar o
fato de que os alunos falam e compreendem a partir de outros lugares, cujas experincias so
marcadas por outras posies de sujeito, muitas vezes diversas das de seus professores sejam
as de classe, raa, gnero, sexualidade, regio, gerao, etc.
Callado: [] essas terminologias, de afrodescendente, indiodescentente, quilombolas, eu
considero uma subtrao do pensamento humano. [] fui at criticado uma vez num seminrio
de msica afro, quando as pessoas falavam muito de conscincia negra e eu disse, em alto
e bom som, que, pra mim, conscincia no tem cor. No tem conscincia negra, branca, azul,
amarela ou vermelha, existe uma conscincia geral, que a conscincia humana.

As afirmaes acima manifestam a crena liberal-humanista da igualdade entre os


seres humanos, tomada como um princpio fundamental que deveria estruturar sociedades
democrticas. No faria sentido, pois, assumir que as experincias de silenciamento,
marginalizao e excluso das vozes de certos grupos sociais e culturais decorreriam de uma
maneira racializada de produzir e legitimar desigualdades e privilgios; e nem que a noo de
conhecimento poderia vincular-se s experincias identitrias, tais como as de classe, raa, etnia,
gnero, sexualidade.
Uma posio divergente, no entanto, seria afirmada pela professora Fanny:
Fanny: [] de uma certa maneira, os currculos esto sofrendo presses de classes que
no tinham voz h um tempo atrs. Por exemplo, como eu vejo na Escola de Msica agora
a introduo do curso de Msica Popular, que uma coisa que se fala muito, mas que,
realmente, no tinha tido nenhum tipo de possibilidade de penetrao. Era uma coisa que

56

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 47-59 | jul.dez 2011

Discursos de professores de msica: cultura e pedagogia em prticas de formao superior

se fazia, um tanto quanto que margem da Escola, n? [] Eu vejo que esses paradigmas,
eles, de uma certa forma, vm sendo quebrados, tanto pelas cotas, de entrada de negros
e nessas alturas, eu j me pergunto se a gente no deveria ter cota para todo tipo de coisa,
no somente para a cor da pele e pra tantas outras coisas. Eu vejo que essas coisas esto
sendo quebradas.

Se em parte dos discursos analisados podia-se perceber atitudes e concepes culturais


etnocntricas e conservadoras, em Fanny encontramos um posicionamento francamente favorvel
ao reconhecimento da importncia e legitimidade da diversidade cultural. No entanto, com o
professor Benedito, ainda que em seu discurso encontremos a defesa do respeito diferena e a
crtica quelas atitudes conservadoras, questes acerca de outras identidades envolvidas neste
debate apontavam para as seguintes consideraes:
Benedito: [] eu tenho muitos amigos homossexuais, gosto deles, mas eu no posso
pregar o homossexualismo, quer dizer, no me parece a coisa certa a fazer. Eu no posso ser
intolerante, eu no posso prejudicar a pessoa porque ela fez essa opo, entende? Mas, por
outro lado, se fizerem proselitismo, eu no vou gostar. Ento, eu no favoreceria contedos que
favorecessem, digamos, a prtica do homossexualismo [].

E, em outro trecho:
P.: Mas voc no acha que as posies, os lugares e os papis que ns desempenhamos,
como homem, como mulher, homossexual, heterossexual, branco, negro
Benedito: Isso problema deles, a escolha deles, no precisa fazer clube.
P.: A perspectiva de uma mulher, de uma compositora mulher, a mesma de um compositor
masculino?
Benedito: No sei, talvez no seja, se no for melhor ainda. Quer dizer, eu no t aqui para
castrar ningum, entende? Simplesmente, acho que certas coisas devem tomar seu curso.

Nossas crenas acerca da sexualidade, que fazemos circular atravs da ordem discursiva
que acionamos e qual pertencemos, manifestam as maneiras como concebemos a constituio
de nossos prprios eus, alm de indicar a parcialidade de nossas reivindicaes acerca do
conhecimento verdadeiro (Giroux, 1999).
As respostas s questes sobre sexualidade evidenciavam pressupostos tericos to
conservadores acerca dessa temtica quanto aqueles referentes esttica, ao currculo e ao
conhecimento em msica. Os vnculos entre aquilo que concebemos como conhecimento e a
nossa localizao como sujeitos sociais pareciam, pois, mais evidentes quando discorramos
sobre a sexualidade. Os trechos destacados acima terminavam por revelar como a natureza
situada do conhecimento se manifestava, ainda que nossos discursos procurassem neg-la,
atravs de reivindicaes de neutralidade e objetividade.
Os trechos acima manifestavam os limites do conservadorismo s questes que envolvem
a diversidade de papis sexuais em nossa sociedade. Da equiparao da afirmao da diferena
com proselitismo (eu no posso pregar o homossexualismo), at a meno escolha que
esses indivduos fariam (e que, portanto, uma vez que eles escolheram viver assim, esse seria
um problema deles), tudo isso manifestava os limites epistemolgicos evocados por posturas
conservadoras acerca das polticas identitrias.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 47-59 | jul.dez 2011

57

MARQUES, Eduardo Luedy

discusso

Uma

parte significativa dos enunciados analisados revelava uma mentalidade cultural

conservadora, cujo cariz modernista, legitimado por via dos dispositivos institucional-acadmicos,
parecia ainda assumir proeminncia naquilo que passei a considerar como discurso acadmico
em msica.
Apesar da heterogeneidade existente, ainda que no possamos falar no discurso acadmico
em msica como um bloco monoltico, culturalmente conservador, ainda assim no podemos
deixar de apontar para o fato de que parte importante dos discursos desses docentes aponta para
uma poltica cultural de efeitos conservadores, evidentes na maneira de hierarquizar e selecionar
saberes, habilidades e valores os quais tm justificado, por exemplo, critrios de admisso de
candidatos a vagas num curso superior de msica que se encontram ainda pautados na defesa
de padres de excelncia e do mrito, definidos nos termos da assim chamada alta cultura
ocidental.
Buscar compreender e questionar como as experincias humanas podem ser legitimadas,
mas tambm contestadas, em prticas educacionais e institucionais diversas pode implicar uma
importante mudana de atitude por parte dos educadores com vistas ao estabelecimento de uma
poltica mais abrangente de cultura e de experincia em seus discursos e prticas pedaggicas.
Para tanto, seria preciso compreender as prticas pedaggicas como implicadas numa
poltica particular de experincia, ou seja, como um campo cultural no qual o conhecimento, o
discurso e o poder interseccionam-se de forma a produzir prticas historicamente especficas de
regulao moral e social (Giroux, 1997, p. 124). Seria preciso levar em conta que a legitimao
do conhecimento sempre uma questo de localizao de sujeitos numa determinada estrutura
social e de poder.
De tais consideraes epistemolgicas, poderamos, por exemplo, nos perguntar: que
implicaes prticas em termos curriculares, metodolgicos e didticos teramos ao proceder
crtica de nossa prxis disciplinar, tradicionalmente meritocrtica e eurocntrica, para buscar
incluir outros atores e atrizes sociais e, portanto outras experincias e vozes? Que consequncias
teramos ao conceber uma formao acadmica em msica que buscasse levar em conta que
todos os atores e atrizes educativos podem desenvolver a condio de sujeitos da aprendizagem
HGRFXUUtFXOR 0DFHGRS "
Questionar o discurso acadmico em msica, em funo de tudo aquilo que, atravs dele,
se limita e, efetivamente, exclui, pode nos ajudar a propor alternativas s prticas pedaggicas
e curriculares divisadas por esse discurso. Admitir seu carter contingente tem implicaes
importantes para a discusso de seus efeitos culturais e pedaggicos: a possibilidade de que
essa ordem possa ser criticada e contestada, de modo que outras narrativas, experincias e
pontos de vista possam vir no s a reivindicar a legitimidade de suas perspectivas e interesses,
mas tambm a resistir imposio de verdades totalizantes em msica e educao musical.

58

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 47-59 | jul.dez 2011

Discursos de professores de msica: cultura e pedagogia em prticas de formao superior

BRASIL. Presidncia da Repblica. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurdicos. Lei n 9.394, de 20 de
dezembro de 1996.(VWDEHOHFHDVGLUHWUL]HVHEDVHVGDHGXFDomRQDFLRQDO%UDVtOLD'LVSRQtYHOHP
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 15 abr. 2011.

referncias

______. Ministrio da Educao. Secretaria de Educao Fundamental. Parmetros curriculares nacionais:


terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental temas transversais. Braslia, 1998.
______. Ministrio da Educao. Secretaria de Polticas de Promoo da Igualdade Racial. Diretrizes
curriculares nacionais para a educao das relaes tnico-raciais e para o ensino de histria e cultura afrobrasileira e africana. Braslia, 2004.
______. Presidncia da Repblica. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurdicos. Lei n 11.645, de 10 de
maro de 2008. $OWHUDD/HLQGHGHGH]HPEURGHPRGLILFDGDSHOD/HLQGHGH
janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educao nacional, para incluir no currculo oficial
GDUHGHGHHQVLQRDREULJDWRULHGDGHGDWHPiWLFD+LVWyULDH&XOWXUD$IUR%UDVLOHLUDH,QGtJHQD%UDVtOLD
 'LVSRQtYHO HP KWWSZZZSODQDOWRJRYEUFFLYLOBBDWROHLOKWP! $FHVVR
em: 15 abr. 2011.
CANEN, A.; MOREIRA, A. F. B. (Org.). nfases e omisses no currculo. Campinas: Papirus, 2001.
DAZ, M.. Foucault, docentes e discursos pedaggicos. In: SILVA, T. T. (Org.). Liberdades reguladas: a
pedagogia construtivista e outras formas de governo do eu. Petrpolis: Vozes, 1998. p. 14-29.
),6&+(550%)RXFDXOWHDDQiOLVHGRGLVFXUVRHPHGXFDomRCadernos de Pesquisa, n. 114, p. 197223, 2001.
*,528;+3UDWLFDQGRHVWXGRVFXOWXUDLVQDVIDFXOGDGHVGHHGXFDomR,Q6,/9$77 2UJ Aliengenas
em sala de aula: uma introduo aos estudos culturais em educao. Petrpolis: Vozes, 1995. p. 85-103.
______. Os professores com intelectuais: rumo a uma pedagogia crtica da aprendizagem. Porto Alegre:
Artes Mdicas, 1997.
______. Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas polticas em educao. Porto Alegre: Artes
Mdicas Sul, 1999.
______. Atos impuros: a prtica poltica dos estudos culturais. Porto Alegre: Artmed, 2003.
MACEDO, R. S. Currculo, diversidade e equidade: luzes para uma educao intercrtica. Salvador:
EDUFBA, 2007.
McLAREN, P. Multiculturalismo crtico. So Paulo: Cortez, 1997.
______. Multiculturalismo revolucionrio: pedagogia do dissenso para o novo milnio. Porto Alegre: Artes
Mdicas Sul, 2000.

Recebido em
30/04/2011

MOREIRA, A. F. B. Currculo, diferena cultural e dilogo. Educao & Sociedade, n. 79, p. 15-38, 2002.

Aprovado em
17/07/2011

TRAVASSOS, E. Apontamentos sobre estudantes de msica e suas experincias formadoras. Revista da


Abem, n. 12, p. 11-29, 2005.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 47-59 | jul.dez 2011

59

GAINZA, Violeta Hemsy de

A msica dos professores de msica:


representao social da msica
de qualidade na categorizao de
repertrio musical
The music teachers music: social representation of good music
in the musical repertory categorization

MNICA DE ALMEIDA DUARTE Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio)

resumo

`[email protected]

Neste trabalho, utilizando o referencial da teoria das representaes sociais,


apresentaremos a anlise retrica do resultado de entrevistas aplicadas a 20
professores de msica do municpio do Rio de Janeiro por meio da qual puderam
apresentar exemplos da msica que conhecem, da que apreciam e da que tm
em casa na forma de discos, fitas, CDs, DVDs, MP3 ou outros. Dessa maneira,
chegamos representao social de msica de qualidade construda por
aqueles professores e condensada na metfora da msica como alimento.
Essa metfora agencia as argumentaes dos professores em defesa do fato
de que todo o repertrio trabalhado em sala de aula, seja de que gnero for,
ser absorvido pela audio aberta do aluno e se transformar em seu prprio
repertrio.
PALAVRAS-CHAVE: representao social, msica, anlise retrica

abstract

From the perspective of the Social Representation Theory, we present in this article
the rhetoric analysis of the interviews given by twenty music teachers from the Rio
de Janeiro district. By this mean, the interviewees could present examples of the
music they know, the music they appreciate and the music they have at home
on discs, tapes, CDs, DVDs, MP3 or similar. In this way, we come up with the
social representation of good music built up by those teachers and condensed
in the metaphor of music as provision. This metaphor support the teachers
argumentations in defense of the fact that all the repertoire used in classroom,
whatever the genre is, will be absorbed by the students open hearing and will
become his/her own repertory.
KEYWORDS: social representation, music, rhetoric analysis

60

REVISTA DA ABEM

54-63 || jul.dez
| Londrina | v.19 | n.26 | 60-69
jul.dez 2011
2011

A msica dos professores de msica: representao social da msica de qualidade na categorizao de repertrio musical

uso que um grupo social faz dos objetos pode dizer o que ele, grupo social, . Esse uso
est condicionado s teorias que fundamentam e configuram o prprio grupo como tal, as
teorias que lhe do uma identidade. Essas teorias so representaes sociais construdas

e comunicadas pelas pessoas em sua intersubjetividade (Jovchelovitch, 2008). A existncia dos


objetos est condicionada, por sua vez, aos acordos que se estabelecem nos grupos sociais.
Buscaremos desenvolver essa afirmao a partir da exposio do resultado da anlise retrica
do discurso de 20 professores de msica do municpio do Rio de Janeiro, pela qual chegamos
representao do objeto msica de qualidade.
Inicialmente, escolhemos cinco professores de acordo com os seguintes critrios: mais
de cinco anos de magistrio em escola de educao bsica e formao acadmica superior
graduao com alguma produo artstica ou acadmica. Cada um desses cinco professores
indicava, para entrevistarmos, um colega que considerava competente e que atuasse em
escola de educao bsica, sem necessariamente ter de seguir os demais critrios utilizados
para a formao do primeiro grupo. Essa estratgia em rede visou facilitar a constituio do
contexto no qual se desenvolve a pesquisa, ou seja, um grupo profissional cujos membros se
reconhecem, mutuamente, em suas prticas.
As entrevistas foram desenvolvidas pelos estudantes da disciplina Prtica de Ensino do
curso de Licenciatura em Msica, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio)
aps passarem por treinamento adequado. Os estudantes desenvolveram a entrevista como
uma das tarefas curriculares da disciplina, visando conhecer os saberes profissionais dos
professores de msica e buscar compreender como eles utilizam e mobilizam esses saberes no
seu trabalho cotidiano em escolas de educao bsica localizadas na cidade do Rio de Janeiro.
O grupo, composto por dez estudantes, foi subdividido em cinco duplas para a realizao das
entrevistas. O uso de duplas na realizao de entrevistas, alm de minimizar as inseguranas
decorrentes da novidade da tarefa, propicia a obteno de maior fidedignidade do resultado da
entrevista, uma vez que seus membros ajustam as respostas e observam com maior acuidade
o evento.
Ressaltamos que, no caso da nossa pesquisa, gnero, formao acadmica, tempo
de magistrio, caractersticas da escola em que cada professor entrevistado atua no foram
variveis que consideramos vlidas para a anlise dos argumentos apresentados. Justificamos
essa opo afirmando, com Michel Meyer (2002), que a negociao dos sentidos entre as
pessoas motivada pelas intenes de aproximao ou mesmo afastamento de algo ou algum,
a qual define o contexto no qual desenvolvem suas argumentaes. No nosso caso especfico,
em que professores de msica se voltam para alunos do curso de formao de professores
de msica, aquelas variveis se apagam na negociao, no se impem na construo das
argumentaes mais do que a prpria inteno dos entrevistados em convencer os licenciandos
sobre a viabilidade (ou no) do ensino de msica na escola de educao bsica.
A entrevista foi realizada no local de trabalho de cada professor, em horrio de intervalo,
sendo as seguintes questes apresentadas visando apreender a representao de msica de
qualidade: 1) Que tipos de msica voc conhece?; 2) D trs exemplos de msicas da sua
preferncia; 3) Qual o repertrio de discos que voc mais tem em casa?
Na anlise do discurso dos professores de msica consideramos as seguintes questes:
Sobre o que se fala? Quem fala? Quando fala? Como fala? Por que fala? Buscamos compreender
o discurso em seus prprios termos e estabelecer a lgica que ligou os dados s proposies

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 60-69 | jul.dez 2011

61

DUARTE, Mnica de Almeida

do estudo. Para tanto, utilizamos a estratgia definida por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000),
Reboul (2000) e Fahnestock (1999), como tambm baseamo-nos nas proposies tericas
referentes teoria das representaes sociais. Identificamos as figuras de linguagem no discurso
dos professores, notadamente a metfora que agencia os discurso e oferece uma base semntica
para a construo das demais figuras.
Identificamos metforas por meio: a) de marcadores clssicos tais como X como se
fosse Y, ou X o mesmo que Y, sendo X e Y diferentes; b) do aposto; c) dos comparativos
assim, da mesma maneira que, semelhante a; d) de expresses como a imagem que mais
me ocorre; para fazer uma comparao; a melhor maneira de dizer isto (Mazzotti, 2003,
p. 24).
As figuras de linguagem expressas nos argumentos condensam todo o movimento que a
pessoa faz ao acomodar o objeto ao pensamento e tentar comunic-lo. O carter retrico est
tanto na produo quanto na recepo do argumento que sintetiza representaes. Sobre esse
aspecto vamos nos deter a seguir.

as figuras
como linhas
de raciocnio
ou argumento
os tpicos

Nos

ltimos 20 anos, linguistas cognitivos, a partir de Lakoff e Johnson (2002), tm

demonstrado amplamente como a escolha de uma palavra de um campo semntico estranho


ao contexto em que est sendo construdo o discurso pode indicar os sistemas conceituais
envolvidos no processo de significao. Uma viso funcional das figuras como eptomes dos
argumentos em um discurso ultrapassa a viso das figuras como meramente decorativas.
Mas o que significa dizer que figuras verbais epitomam linhas de raciocnio?
Um eptome , em um sentido, um sumrio, um abstrato contendo todas as partes essenciais
de um trabalho ou texto mais amplo e, em outro um pouco diferente, a seleo representativa
ou exemplar desse texto mais amplo. Como um diagrama, a figura condensa a relao entre os
diversos elementos envolvidos na construo do sentido, uma relao que constitui, em si, a
argumentao. Se o texto puder ser reduzido em apenas uma sentena, emblemtica do todo,
ela, a sentena, ser a figura.
sobre essa viso funcional que firmamos nosso trabalho de anlise do discurso dos
professores, visando depreender a representao de msica de qualidade. A compreenso
dos argumentos apresentados por meio de discursos enfatiza a sutil relao entre escrever/falar,
pensar e operar diversas aes e atividades.
Tticas de argumentao como opostos, sries, reversos e repeties so tomadas
como uma ilustrao da matria-prima do raciocnio humano. Sendo assim, concordamos com
Fahnestock (1999) quando afirma que as figuras so parte do uso cotidiano da linguagem. Uma
viso mais profcua das figuras substitui a nfase sobre o que as figuras so por o que elas
ajudam a operar: as figuras como intimamente ligadas ao argumento e s formas de expresso
do consistncia ao trabalho de anlise que desenvolvemos (Duarte; Mazzotti, 2004).
Antes de tratarmos da anlise dos argumentos apresentados pelos professores entrevistados,
precisamos levar em considerao o objeto dos acordos entre orador e auditrio, sem o qual
no h argumentao. O acordo pressuposto do ponto de partida e do desenvolvimento da
argumentao e agrupado por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000) em duas categorias: uma

62

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 60-69 | jul.dez 2011

A msica dos professores de msica: representao social da msica de qualidade na categorizao de repertrio musical

relativa ao real (fatos, verdades e presunes), a outra relativa ao prefervel (valores, hierarquias
e lugares do prefervel).
Em relao aos elementos do acordo prvio relativos ao real, os fatos s o so se puderem
ser atrelados a alguma verificao possvel do grupo em que se insere o orador e/ou o auditrio.
As verdades, por sua vez, so nexos necessrios ou provveis construdos entre os fatos. J
as presunes, ou o que chamamos verossmil, so o que o auditrio admite at prova em
contrrio (Mazzotti; Oliveira, 1999; Perelman; Olbrechts-Tyteca, 2000; Reboul, 2000).
J na categoria de elementos do acordo prvio, que dizem respeito ao prefervel, encontramos
os valores, base da construo de todas as questes nos domnios da argumentao (justo
x injusto, bom x ruim, musical x no musical, entre outros) e so admitidos sem provas. As
hierarquias, que expressam a superioridade de determinados valores sobre outros tambm
fundamentam as argumentaes. Os lugares do prefervel (topo), que fundam os valores e as
hierarquias, dizem respeito justificativa das nossas escolhas: [] lugares formam um arsenal
indispensvel, do qual, de um modo ou de outro, quem quer persuadir outrem dever lanar
mo (Perelman; Olbrechts-Tyteca, 2000, p. 95).
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000) tratam das seguintes espcies de lugar: a) lugar da
quantidade, pelo qual prefervel o que pode ser tomado em maior quantidade (ou menor risco),
trata das normas das aes humanas enquanto normal, o que acontece com frequncia; b)
lugar da qualidade, pelo qual o prefervel o raro, o que no banal, trata da norma enquanto
o original; c) no lugar do nico, que para Reboul (2000) sintetiza os dois primeiros, o prefervel
o que se ope ao comum, ao corriqueiro, ao vulgar e o que privilegia o nico: quanto mais
o sbio se eleva, mais se aproxima do uno, do ser verdadeiro, do valor absoluto (Reboul,
2000, p. 167). Os demais lugares esto vinculados aos trs primeiros: d) lugar da precariedade,
que se ope ao quantitativo da durao, privilegia o que acontece poucas vezes; e) lugar do
irreparvel, relacionado com a quantidade, diz respeito aos efeitos de um ato que permanecero
indefinidamente, mas quando vinculado qualidade apresenta como prefervel o que no
pode ser repetido; f) lugar da ordem, prefervel o que vem em primeiro lugar (anterior sobre o
posterior); g) lugar da essncia trata dos casos exemplares, o que encarna melhor um padro
(Perelman; Olbrechts-Tyteca, 2000, p. 106); h) lugar derivado do valor da pessoa, vincula-se
dignidade e mrito do sujeito.
Essas premissas que intervm para justificar a maior parte das escolhas dos professores
sero explicitadas por meio das figuras de linguagem presentes em seu discurso.
A seguir, trataremos do resultado da anlise do discurso dos professores coletados durante
as entrevistas.

Entre as msicas que conhecem, as msicas da sua preferncia e as msicas que mais
compram para si ou que mais possuem em casa h uma gradao crescente de proximidade
que os professores estabelecem com elas. Dentro do valor de troca presente no argumento de
comparao pelo sacrifcio (Perelman; Olbrechts-Tyteca, 2000, p. 281), pelo qual apresenta-se o
valor de algo como motivao para determinados sacrifcios (compra, escambo, esforo pessoal
etc.), d-se mais valor quilo que compramos ou buscamos ter perto de ns.

REVISTA DA ABEM

A msica de
qualidade
para
professores
de msica

| Londrina | v.19 | n.26 | 60-69 | jul.dez 2011

63

DUARTE, Mnica de Almeida

Por desenvolvermos nosso trabalho no mbito da epistemologia retrica (Carrilho, 1994a,


1994b), entendemos que as figuras de linguagem presentes no discurso dos professores foram
construdas como sua resposta questo da msica de qualidade (o que ?) e como decorrncia
da influncia do auditrio universal, ideal regulador dessa construo (para quem falam?) que diz
respeito ao sentido de pertena do orador a determinados grupos sociais (autoapresentao e
autojustificao). Assim, pertinente analisar as figuras de linguagem com vistas a depreender
a sociognese do sentido nelas epitomado. As figuras expressam o contexto discursivo suposto
pelo orador, ao mesmo tempo o lugar social que viabiliza a eficcia argumentativa. So
fundamentais na classificao das coisas no mundo, sustentam argumentos sobre a realidade, o
existente. Assim, coordenam significados, da sua relevncia para a ontologia do senso comum
que a representao social.
Mas, no se argumenta apenas por meio de figuras. Fazem-se inferncias tambm com
base na enumerao de exemplos, pelos quais se supe factvel alcanar uma generalizao
vlida, nas palavras de Perelman e Obrechts-Tyteca (2000, p. 399):
A argumentao pelo exemplo implica uma vez que a ela se recorre certo desacordo
acerca da regra particular que o exemplo chamado a fundamentar, mas essa argumentao
supe um acordo prvio sobre a prpria possibilidade de uma generalizao a partir de casos
particulares ou, pelo menos, sobre os efeitos da inrcia.

Foi assim que entendemos, em nossa anlise, os exemplos de repertrio musical


apresentados pelos professores.
Nossa anlise no puramente literria, sem relao com a persuaso. Voltamo-nos para
o estudo da argumentao enquanto lgica do verossmil (Reboul, 2000, p. 89), enquanto
condensao de argumentos (Fahnestock, 1999). Esses, repetimos, expressam o movimento de
construo dos sentidos, matria-prima das representaes sociais. A construo do discurso
dos professores de msica em situaes comunicacionais um caso particular da abordagem
terica que procuramos defender. Por isso no podemos, juntando-nos a Reboul (1986, 2000),
entender a separao entre retrica da argumentao e retrica de estilo. Se o estilo o homem,
como retoma Michel Meyer (1998) do escritor francs do sculo XVIII, Conde de Buffon, ento ele
utiliza o prprio estilo para afetar o auditrio e encontrar nele assentimento para as suas ideias.
Parafraseando Buffon, ento, podemos afirmar que o homem constri-se pelo estilo.
Tomando por referncia os trabalhos de Travassos (1999a, 1999b) e Ulha (1997, 2001)
agrupamos as ocorrncias musicais em categorias depreendidas nos argumentos dos prprios
professores.
Em relao msica que conhecem, obtivemos 19 referncias msica erudita ou de
concerto, dez referncias MPB, dez msica folclrica e dez a msicas do mundo. J todas
as msicas foi resposta que teve nove menes, das quais cinco vieram acompanhadas da
observao para selecionar para meus alunos, sendo essa uma obrigao profissional do
professor de msica. O conhecimento musical do professor est associado ao seu grupo social/
profissional de referncia, o que fica evidente na fala de um professor entrevistado.
Eu ouo tudo isso, eu pesquiso, porque eu acho que no meu trabalho eu tenho que pesquisar
muita coisa e acabo apurando isso pra passar pros alunos.

64

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 60-69 | jul.dez 2011

A msica dos professores de msica: representao social da msica de qualidade na categorizao de repertrio musical

A fala reflete o argumento pelo sacrifcio (Perelman; Olbrechts-Tyteca, 2000, p. 28), base de
todo sistema de trocas, no s no campo econmico, mas em toda a situao em que se avalia
o valor atribudo quilo por que se faz o sacrifcio (Perelman; Olbrechts-Tyteca, 2000, p. 282).
Por esse argumento, o professor explicita a comparao que desenvolve entre o esforo que
desempenha ao ouvir todo o tipo de msica e o valor que atribui ao objeto do seu esforo (o
ensino de msica de boa qualidade). Portanto, conhecer equivale a ouvir e analisar a pertinncia
do repertrio para o seu uso didtico ou mesmo para o uso ou fruio prpria.
Por meio da analogia, outro entrevistado explicita a sua preocupao com os critrios de
seleo do repertrio de msica que ouve cotidianamente:
Eu ouo tudo, apesar de ser muito crtico com o que eu ouo. Eu acho que ouvido que nem
paladar, voc no coloca na boca qualquer coisa, voc seleciona muito.

Por essa analogia, o sentido do paladar transferido para o da audio e a msica


considerada como alimento, metfora cujo sentido procuraremos analisar adiante. Mas,
adiantamos que a preocupao dos professores em proteger seus alunos da msica de m
qualidade associada msica veiculada pela mdia os faz buscar repertrios alternativos e
os motiva a pesquisarem novos padres musicais.
Para se contrapor msica imposta pela mdia verificamos que os professores efetuam
uma pesquisa de repertrio que se volta para o repertrio tnico ou folclrico e para o repertrio
extico (Travassos, 1999b): a msica tnica, a msica folclrica, a msica da cidade em que
vivem os alunos, a msica de Bali, a msica do Japo, a msica indiana, a msica pernambucana,
o calango. A audio das msicas de grupos tnicos ou regionais tambm foi identificada como
estratgia eficaz para a ampliao do repertrio do ouvinte (os professores e seus alunos), e se
pauta nos lugares da unicidade o repertrio original e da essncia o repertrio genuno/
puro do homem de tradio oral, sem as influncias nocivas e desvirtuantes da mdia.
O repertrio de msica folclrica e de msica do mundo ou tnica foi menos citado como
resposta questo qual a msica da sua preferncia? em relao ao resultado da pergunta
anterior (que msicas voc conhece?): sete referncias msica folclrica e uma referncia
msica tnica ou msica do mundo. A inexpressiva citao de msicas do mundo ou
tnicas como o repertrio da preferncia dos professores surpreendente frente nfase dada
pesquisa que desenvolvem para recolher exemplos dessa categoria de msicas.
Recolhemos 39 referncias msica erudita, a categoria que mais recebeu argumentos
apresentados por meio de superlativos: a que eu gosto mais, a msica que eu mais me
identifico, como a seguir:
Gosto muito de msica erudita, e pra mim um alimento da minha alma []. A msica
erudita uma msica que eu tambm tenho um gosto muito, muito especial, algo que
alimenta essa variedade, essa grandiosidade que eu acho que a msica tem.

H, nessa fala, a analogia entre msica e alimento, e a criao de uma nova categoria
(alimento para a alma). A estrutura dessa analogia pode ser descrita da seguinte forma: assim
como o alimento d vida ao corpo, a msica d vida alma. Trata-se de uma dupla hierarquia,
a qual associa a msica ao divino. Se entendermos a alma como o corpo espiritual ou das
emoes, e a melhor maneira de o corpo assimilar elementos que o sustentam por meio da
ingesto desses alimentos, ento podemos entender que a sustentao da alma (emoes)

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 60-69 | jul.dez 2011

65

DUARTE, Mnica de Almeida

feita por meio da msica erudita (e todas as ocorrncias que estiverem de acordo com os critrios
que as estabelecem como tal).
A msica erudita tomada pelos professores entrevistados, sobretudo, para a fruio
pessoal, reservada para momentos especiais, ou de introspeco.
J em relao categoria msica popular ou MPB, a qual obteve 28 referncias, as
citaes aos artistas nos do algumas pistas sobre a msica a qual os professores se referem.
Edu Lobo, Chico Buarque, Tom Jobim so artistas considerados cannicos no campo da msica
popular de qualidade (Travassos, 1999a, 1999b; Ulha, 1997, 2001). O mesmo ocorre com
as citaes msica brasileira, com as referncias a Cartola e Pixinguinha. Sabemos, portanto,
sobre o que os professores falam ao se referirem ao repertrio popular e/ou brasileiro, quando
apresentam nomes de msicos j consagrados como clssicos em seus diversos gneros.
Quanto ao repertrio que mais compram, a msica erudita foi citada pela maioria
dos professores. O ndice de indicaes ao repertrio das categorias msica folclrica e
msicas do mundo sofre um aumento em relao ao quantitativo das respostas questo
anterior, pois agora a categoria msica folclrica obteve oito referncias enquanto msicas
do mundo obteve cinco. O aumento relativo indicao do repertrio dessas categorias pode
estar relacionado ao trabalho de pesquisa de msicas de diferentes padres apontado pelos
professores entrevistados como necessrio sua profisso. A pesquisa das msicas de outras
culturas, de novos padres e a pesquisa das msicas que os alunos ouvem fora da escola, das
msicas que se fazem na regio em que os alunos vivem, todas so encaradas como estratgias
dos professores para a formao musical dos alunos.
Mesmo nessa subseo, as argumentaes foram construdas sobre gradaes as quais
enfatizavam a resistncia msica veiculada pela mdia por meio de pesquisa de repertrio
alternativo a ela. Os argumentos da pessoa e pelo sacrifcio tambm foram notados na maioria
das falas, especialmente para reforar os mritos profissionais dos professores ao buscar
desenvolver uma pesquisa de repertrio alternativo mdia que resultava em compra,
notadamente de exemplares atualmente raros.
Em suma, os professores citam os repertrios que eles pesquisam para compra,
especialmente formados por msicas das tradies orais, por buscarem o contraponto mdia
e por entenderem os produtos dessas tradies como algo mais legtimo, puro ou original, a
expresso do homem afastado das influncias da mdia.
No movimento de reconhecimento de ocorrncias musicais, prevalecem os valores
romnticos: o nico, o original, o distinto e o marcante na histria (Perelman; Olbrechts-Tyteca,
2000).

concluso

Ultrapassamos as questes redutoras dos mtodos e tcnicas de ensino e contribumos para


a crtica e reflexo dos discursos dos professores. Depreender os sentidos/representaes sociais
de msica de qualidade construdos por professores de msica pode levar elaborao de um
repertrio de conhecimentos para a formao de futuros professores. Esse repertrio construdo
com base no estudo dos saberes profissionais, ou seja, os saberes tais como os professores os
utilizam e mobilizam nos diversos contextos do seu trabalho cotidiano. Examinar criticamente as
premissas que fundamentam as crenas em relao natureza dos conhecimentos profissionais

66

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 60-69 | jul.dez 2011

A msica dos professores de msica: representao social da msica de qualidade na categorizao de repertrio musical

leva ao questionamento das concepes sobre o conhecimento profissional presente nos cursos
de formao de professores, oxigenando as prticas pedaggicas desenvolvidas. Precisamos,
para tanto, considerar as razes que os professores oferecem para si mesmos quanto s suas
prticas.
Fundados nas representaes de seu grupo social/profissional de referncia, os
professores afirmam que qualidades como autenticidade (como a msica das culturas orais),
espontaneidade (como a msica da comunidade dos alunos), e sofisticao (como a
msica erudita contempornea ou construda sobre padres eruditos) so as que compem
o seu repertrio musical. A msica dos professores aquela prxima essncia criadora do
homem que, no influenciado pelos malefcios da indstria cultural, volta-se para uma produo
mais pura.
A msica erudita, fruio pessoal do professor, ancora-se na metfora alimento da alma,
ncleo da representao de msica de qualidade. Por meio dessa metfora os professores
associam msica erudita vida (alimento) no fsica (alma), a vida da essncia. O mesmo se
encontra na argumentao dos professores sobre o repertrio de msica de qualidade, assim
como nas respostas s questes apresentadas, a qual se coordena num argumento de dupla
hierarquia baseada na seguinte estrutura: o que de algum deus (elemento transcendente)
superior ao que dos homens; assim como o alimento d vida ao corpo, a msica erudita/
msica de qualidade d vida alma.
Tal paralelo entre msica erudita e msica de qualidade expressa o apresentado pelos
professores em suas argumentaes, e amplifica algumas categorias de crtica da msica erudita
e de suas caractersticas para outros tipos de repertrio, inclusive o popular. Esses professores
lidam com determinado repertrio popular ou de msica brasileira da mesma maneira com que
lidam com o repertrio erudito, todos considerados cannicos. As citaes a Cartola, Chico
Buarque ou J. S. Bach so equivalentes no que cada um desses elementos representa para as
categorias construdas pelos professores: seu valor est acima dos debates.
Esse o movimento de acomodao do sentido de repertrio musical produzido pelos
professores entrevistados: a msica erudita, transcendente, e a msica tnica, pura, legtima e
original. Nesse quadro, construda a polarizao entre msica da mdia e msica alternativa
mdia, seja ela erudita, popular, folclrica, brasileira ou de outras regies do mundo, desde que
passe pelo lugar da qualidade, dos valores romnticos do nico, do transcendente e do raro.
Ento, por meio da exposio do aluno msica de qualidade, abre-se a sua conscincia para
a sua essncia criativa, assim como abre-se o seu ouvido para a msica que vale a pena ser
ouvida, aquela de outras etnias ou voltada para as culturas orais, ou mesmo para os autores
cannicos, j estabelecidos tanto na categoria de msica erudita, msica popular ou msica
brasileira. Todas essas manifestaes musicais, entendidas como de melhor qualidade, para
as quais os alunos devem abrir os ouvidos, no precisam estar sujeitas s estratgias de
vendagem desenvolvidas pela indstria cultural, j que esto consolidadas pela maioria, pois a
trilogia Bach-Mozart-Beethoven est para a msica erudita assim como a trilogia Caetano-ChicoGil est para a MPB.
A linha de raciocnio que fundamenta essa argumentao dos professores alia-se
estrutura do conceito de msica transcendente, ou do essencialismo. Nesse sentido, h uma
essncia musical que precisa estar presente em todas as msicas que os alunos apreciam, e
esta essncia, acreditam os professores, nossos informantes, que precisa ser passada por

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 60-69 | jul.dez 2011

67

DUARTE, Mnica de Almeida

eles. Relaciona-se com a discusso sobre o gosto musical, aquele que capaz de reconhecer
ou legitimar algo como msica, e que encontra no Romantismo um campo promissor se
entendermos esse gosto descolado de qualquer referncia ao objeto. Essa a base sobre a
qual se desenvolve a argumentao a favor da ampliao do gosto do aluno: a formao de um
gosto que se aplicaria a qualquer tipo de manifestao musical. A discusso sobre a formao
do gosto do aluno pressupe a substituio do repertrio do aluno por outro considerado de
melhor qualidade por participar de uma realidade superior.
Alm disso, tal como os alimentos que so ingeridos e assimilados pelo nosso organismo,
a metfora de msica como alimento agencia as argumentaes dos professores, em defesa do
fato de que todo o repertrio trabalhado em sala de aula, seja de que gnero for, ser absorvido
pela audio aberta do aluno e se transformar em seu prprio repertrio.
A presuno de qualidade construda pelos professores diametralmente oposta ao lugar
da quantidade: vale mais o que raro. Em contrapartida, torna-se banal e de pior qualidade
o que veiculado a mais pessoas, em massa. A no msica a de maior venda, de maior
difuso, concebida para o consumo do maior nmero de pessoas, qualificada por isso como
banal, intercambivel, homognea e que precisa ser combatida, pois a pessoa que a consome
alinha-se, ela mesma, a essas qualidades inferiores, j que o alimento de sua alma uma msica
de m qualidade. Donde os professores ancoram a no msica na msica veiculada pela
mdia. Ser que alguns desencontros entre professores de msica e seus estudantes no esto
fundados na lgica da no msica?
provvel que, ao negar a msica veiculada pela mdia, pois entendem que seu valor est
ligado estritamente aos aspectos quantitativos da venda, e se voltar para a msica considerada
mais pura, os professores estejam na busca da msica transcendente, aquela que a essncia
do Todo, do homem e das coisas do mundo. Retomando Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000),
encontramos fundamentao para esse movimento dos professores, que subjugar os lugares
de quantidade a msica da mdia vende mais aos de qualidade: uma verdade mais essencial
buscada para que se possa formar pessoas superiores por se integrarem com a essncia da
msica de qualidade.
O essencialismo afasta as pessoas, no permite a interao, o reconhecimento mtuo, pois
afirma a msica como algo em si e por si, sem limites ou fronteiras no espao e no tempo.
Pela concepo essencialista dos sentidos, ficamos atados concepo da origem das coisas
fundamentada na crena de um mundo essencialmente imutvel, onde cada homem ocupa uma
posio nica, pois original. As pessoas, em sua essncia original, podem ser consideradas
seres que prescindem da interao com as demais na construo dos sentidos das ocorrncias
sua volta.
A negociao entre as pessoas produtoras de conhecimento, no nosso caso, professores
de msica e licenciandos, se d por meio do contraste entre regras e critrios especficos aos
seus interesses, pretenses. Se o professor pretende construir um conhecimento que seja
reconhecido por um determinado grupo, ele deve adequar-se s regras e critrios desse grupo
para se fazer compreender e ser aceito. Caso seu objetivo for afastar-se ou mesmo buscar
modificar algum elemento dessa crena, deve fazer o contrrio e caber ao grupo social, ou
auditrio, o veredicto final.
No podemos deixar de lado a discusso sobre a construo do sentido da atividade
educacional nas escolas para no repetirmos, perpetuarmos at, as prticas que muitas vezes
criticamos.

68

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 60-69 | jul.dez 2011

A msica dos professores de msica: representao social da msica de qualidade na categorizao de repertrio musical

CARRILHO, M. M. A retrica hoje: um novo paradigma? In: CARRILHO, M. M. (Dir.). Retrica e comunicao.
Porto: Edies Asa, 1994a. p. 9-18.

referncias

______. Jogos de racionalidade. Porto: Edies Asa, 1994b.


DUARTE, M. de A.; MAZZOTTI, T. B. Anlise retrica do discurso como proposta metodolgica para as
pesquisas em representao social. Educao e cultura contempornea. Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 81108, 2004.
FAHNESTOCK, J. Rhetorical figures in science. New York: Oxford University Press, 1999.
JOVCHELOVITCH, S. Os contextos do saber: representaes, comunidade e cultura. Petrpolis: Vozes,
2008.
LAKOFF, G.; JOHNSON, M. Metforas da vida cotidiana. Campinas: Mercado de Letras, 2002.
MAZZOTTI, T. B. Metfora: figura argumentativa central na coordenao discursiva das representaes
sociais. In: CAMPOS, P. H. F.; LOUREIRO, M. C. da S. (Org.). Representaes sociais e prticas educativas.
Goinia: Editora da UCG, 2003. v. 1, p. 89-104.
MAZZOTTI, T. B.; OLIVEIRA, R. J. A retrica das teorias pedaggicas: uma introduo ao estudo da
argumentao. Minicurso na 22 Reunio Anual da Anped. Caxambu, 1999.
MEYER, M. Questes de retrica: linguagem, razo e seduo. Lisboa: Edies 70, 1998.
______. A problematologia como chave para a unidade da retrica. In: MEYER, M. et al. Histria da retrica.
Lisboa: Temas e Debates Actividades Editoriais, 2002. p. 265-298.
PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da argumentao: a nova retrica. So Paulo: Martins
Fontes, 2000.
REBOUL, O. La figure et largument. In: MEYER, M. (Org.). De la metaphysique a la rhetorique. Bruxelles:
Editions de lUniversit de Bruxelles, 1986. p. 175-187.
______. Introduo retrica. So Paulo: Martins Fontes, 2000.
TRAVASSOS, E. Vocaes musicais e trajetrias sociais. Cadernos do Colquio, n. 1, p. 7-12, 1999a.
______. Redesenhando as fronteiras do gosto: estudantes de msica e diversidade musical. Horizontes
Antropolgicos, n. 11, p. 119-144, 1999b.
ULHA, Martha Tupinamb. Nova histria, velhos sons. Notas para ouvir e pensar a msica brasileira
popular. Debates, Rio de Janeiro, 1, 78-101. 1997.
______. Pertinncia e msica popular Em busca de categorias para anlise da msica brasileira popular.
Cadernos do Colquio, n. 3, p. 50-61, 2001.

REVISTA DA ABEM

Recebido em
28/04/2011
Aprovado em
26/06/2011

| Londrina | v.19 | n.26 | 60-69 | jul.dez 2011

69

GAINZA, Violeta Hemsy de

Compreender a escola de msica:


uma contribuio para a sociologia
da educao musical
Understanding the music school: a contribution to the music education sociology

ELISA DA SILVA E CUNHA Centro Universitrio Metodista - IPA

resumo

`[email protected]

Este artigo pretende discutir dados parciais de um estudo de caso realizado


em uma escola de msica particular na cidade de Porto Alegre. O estudo de
caso foi desenvolvido em tese de doutorado (Cunha, 2009) que teve como
objetivo compreender a escola de msica a partir da perspectiva da sociologia
das instituies escolares. As tcnicas de coleta de dados utilizadas foram
entrevistas e observaes. Apoiado em autores como Estevo (1998), Castanho
(2007) e Derouet (1987, 1995, 2000, 2002), o estudo mostrou que a escola
vista, sobretudo, como um lugar para aprender e ensinar msica: 1) dotado
de permanncia, com misso e sustentado por valores; 2) com racionalidade
especfica; 3) com procedimentos prprios; 4) e com recursos instrumentais
pertinentes. A compreenso da escola de msica com aportes da sociologia
pode fornecer subsdios para uma ao profissional mais crtica e consciente
nesses espaos especficos de educao musical.
PALAVRAS-CHAVE: escola de msica, instituies escolares, sociologia da

educao musical

abstract

This paper intends to discuss some partial data from a case study realized in a
private school of music in Porto Alegre, RS, Brasil. The case study was developed
in the Doctoral Thesis (Cunha, 2009), which intended to understand the music
school of music under the sociology of school institutions perspective. The utilized
techniques of data collecting were: open interviews, semi-structured interviews and
non-participant observation. Anchored in authors like Estevo (1998), Castanho
(2007) and Derouet (1987, 1995, 2000, 2002), the study showed that the school
of music is seen, over all, as a place to teach and learn: 1) gifted of permanence,
with a mission and sustained by values; 2) with specific rationality; 3) with own
procedures; 4) and with proper instrumental resources. The comprehension of
the school of music with contributions from sociology can offer backgrounds for a
more critic and conscious professional action in these specific educational spaces.
KEYWORDS: private school of music, school institutions, sociology of music

education

70

REVISTA
REVISTADA
DAABEM
ABEM || Londrina
Londrina | | v.19
v.19 | | n.26
n.26 | |64-72
70-78 | | jul.dez
jul.dez2011
2011

Compreender a escola de msica: uma contribuio para a sociologia da educao musical

s escolas de msica so espaos relevantes para a formao musical. Ao mesmo tempo,

introduo

elas consistem em um dos espaos reconhecidos de atuao profissional do campo da


educao musical, como mencionado por vrios autores (Bellochio, 2003; Del Ben, 2003;

Esperidio, 2002; Hentschke, 2001). Santos (2001, p. 41) afirma que [] entre os mltiplos
espaos de atuao em educao musical hoje, [] as escolas de msica so campos
consagrados, institudos como legtimos, aos quais se dedicam msicos diversos. nessas
escolas que ocorre a formao musical de muitos alunos que ingressam nos cursos superiores de
msica no Brasil e de profissionais da msica que seguem carreira artstica fora da universidade.
Alm disso, nessas escolas que atuam egressos dos cursos de licenciatura e de bacharelado
em msica.
Existe um grande contingente de escolas de msica com diversos perfis, entre elas as
chamadas escolas de msica livre ou alternativas, que se caracterizam por serem escolas de
carter privado e sem vnculo com redes ou sistemas de ensino pblico, sendo que os alunos
pagam para estudar nessas escolas. Os seus professores, em muitos casos, so profissionais
autnomos com atuao em diversas escolas, tendo, muitas vezes, atuao concomitante
de msicos intrpretes e compositores. Conforme Requio (2002, p. 63), a legitimao de sua
competncia docente est ligada diretamente a sua atuao como msico. Enquanto msicos,
esses profissionais seguem a jurisdio profissional da Ordem dos Msicos do Brasil (OMB),
porm nela, lei n 3857 (Brasil, 1960), no existem dispositivos relacionados s escolas de msica.
As escolas de msica como instituies educativas esto livres das exigncias da Lei de
Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Brasil, 1996) em termos de regulamentao curricular,
e tambm so livres do controle de agncias do Estado ou de instituies religiosas. Elas no
conferem diplomas reconhecidos pelo Ministrio da Educao. Dentre as escolas especficas de
msica no Brasil, existem tambm aquelas vinculadas a determinado sistema pblico de ensino,
alguns denominados conservatrios.
Vrias pesquisas tm abordado essas escolas de msica em seus diferentes aspectos.
Requio (2001) tratou dos saberes e competncias dos professores no mbito das escolas de
msica alternativas no Rio de Janeiro. Silva (1995) investigou as motivaes, expectativas e
realizaes na aprendizagem musical de alunos de uma escola alternativa de msica de Porto
Alegre. Beaumont (2001) trata, em ensaio, de questes sobre a alfabetizao musical em escolas
de msica. Autores como Gonalves (1993), Arroyo (1999), Rodrigues (2000), Vieira (2001),
Esperidio (2002), Amato (2004) e Viegas (2006) abordam respectivamente as concepes
pedaggico-musicais, as representaes sociais sobre as prticas de ensino e aprendizagem
musical, a institucionalizao do ofcio de ensinar, o denominado modelo conservatorial
na formao e na atuao do professor de msica, o currculo e a prtica pedaggica dos
conservatrios, a memria musical de So Carlos (SP) a partir do estudo do conservatrio da
cidade, e ensino-aprendizagem de piano em um curso tcnico em instrumento em So Joo Del
Rei (MG).
Em alguns desses estudos aparecem crticas relacionadas ao ensino que ocorre nas escolas
especficas de msica, mas nenhum deles trata essas escolas como instituio, considerando
sua complexidade enquanto unidades de ensino. A literatura mostra que o termo escola de
msica engloba vrios modelos de instituies educativo-musicais, inclusive aquelas instituies
prximas tradio dos conservatrios de msica segundo o modelo europeu. Nesse cenrio,
os modelos de anlise dessas instituies a partir de uma compreenso sociolgica mostram-se
relevantes. As categorias analticas bem como os tpicos discutidos neste artigo consistem em

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 |70-78 | jul.dez 2011

71

CUNHA, Elisa da Silva e

um recorte dos dados da tese de doutorado (Cunha, 2009) que tratou de compreender a escola
de msica, de acordo com a perspectiva da sociologia das instituies escolares, realizando
um estudo de caso numa escola de msica particular na cidade de Porto Alegre. As questes
iniciais da pesquisa foram: quais as especificidades da escola de msica; quais os agentes
especializados envolvidos; quais os procedimentos que lhe so prprios; que modelos de
ensino esto presentes; que contedos esto presentes na escola de msica; quais os recursos
instrumentais pertinentes ao ensino de msica; como os tempos e os espaos escolares se
organizam. Essas questes levaram-me a uma abordagem qualitativa de pesquisa, na qual a
compreenso ocorre pela experincia, ou seja, visa-se compreender as inter-relaes complexas
entre tudo que existe no que est sendo estudado (Stake, 1995, p. 37).
Na perspectiva qualitativa, o delineamento da pesquisa ocorre de forma circular e no linear,
e, assim, a construo do objeto, a definio das questes, a reviso bibliogrfica, o trabalho
de campo e sua anlise podem ser realizados em concomitncia, seguindo os princpios de
complexidade da prpria realidade estudada. Essa singularidade do processo de pesquisa vai
alm dos aspectos estritamente metodolgicos e implica tambm a forma com que o pesquisador
v e se insere na realidade pesquisada, cujo estudo e entendimento incluem a subjetividade do
pesquisador, dos atores e da relao entre ambos. Uma das formas de conceber a definio do
objeto de pesquisa partir da inteno de que [] preciso conhecer para conhecer melhor
(Deslauriers, 2008, p. 133). Para tal,
o objeto da pesquisa qualitativa se constri progressivamente, em ligao com o campo, a
partir da interao dos dados coletados com a anlise que deles extrada, e no somente
luz da literatura sobre o assunto, diferentemente de uma abordagem que seria hipotticodedutiva. (Deslauriers, 2008, p. 134)

Assim, na pesquisa cujos dados parciais sero apresentados por este artigo, a construo
do objeto seguiu delineamento semelhante. Seu delineamento iniciou-se quando busquei escolas
de msica da cidade de Porto Alegre para me aproximar desse campo de estudo e, a partir dele,
refletir sobre que caminhos traar na elaborao do projeto de pesquisa.
Adotei como mtodo de investigao o estudo de caso, sendo a escola de msica tomada
como o caso de pesquisa, utilizando como tcnicas de coleta dos dados observaes livres e
no participantes bem como entrevistas semiabertas com professores e membros da equipe
diretiva da escola. Os entrevistados foram escolhidos pelas aulas observadas e pelas funes
que exerciam na escola. Assim, procurei ter pessoas do corpo docente e da rea administrativa
para poder contemplar, em alguma medida, vrias dimenses da escola.
Por questes ticas os nomes verdadeiros dos entrevistados foram substitudos por
pseudnimos. Os dados coletados foram registrados em dirios de campo e gravaes em
udio. A anlise foi feita a partir de categorias que emergiram dos dados empricos e que foram
problematizadas a partir do referencial terico.

referencial
terico

estudo de uma escola de msica analisada como uma unidade situa-se dentre os

trabalhos sobre instituies escolares, num campo de estudo denominado sociologia dos
estabelecimentos escolares. Nessa perspectiva a escola de msica enquanto instituio de
ensino vista como
[] um lugar social dotado de permanncia, ou estabilidade, cercado de reconhecimento em

72

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 70-78 | jul.dez 2011

Compreender a escola de msica: uma contribuio para a sociologia da educao musical

sua misso, mantido por recursos materiais e humanos delimitados, normatizados externa e
internamente e, enfim, sustentado por valores, idias e comportamentos que, no seu conjunto,
constituem a cultura institucional, no caso, a cultura escolar. (Castanho, 2007, p. 40)

Pela natureza dos fenmenos organizacionais, pela sua complexidade, irregularidade e


contradio, sua descrio e interpretao prescindem recorrer a um nico modelo analtico.
Estevo (1998, p. 216) prope um quadro terico de referncias [] que possibilite um conjunto
amplo de conjecturas sobre a estruturao e funcionamento deste tipo de organizaes.
Assim, Estevo (1998, p. 217) apresenta uma proposta de conceitualizao das organizaes
educativas privadas com um modelo mais amplo, a partir de pontos de interseco das diferentes
abordagens tericas e metforas, numa viso caleidoscpica do fenmeno, possibilitando
um [] resultado analtico fenomenologicamente mais englobante e compreensivo. nesse
sentido que o autor prope entender as organizaes educativas como fractalizadas, pois esse
conceito pressupe o sentido de multidimensionalidade, e, assim, as organizaes vistas como
locais cujas estruturas, prticas e comportamentos nem sempre so articulados. Alm disso, seus
saberes esto em constante construo e no raro com sentido incerto. Seus processos internos
possuem lgicas de evoluo que so marcados por [] sistemas de aco politicamente
dinmicos e de alguma forma aleatrios (Estevo, 1998, p. 218). A noo de fractalidade inclui
o sentido de mltiplas lgicas que so construdas a partir de vrias vozes e sendo assim []
flutuante e multidirecional no seu desenvolvimento (Estevo, 1998, p. 218-219). Para Derouet
(2000, p. 126; traduo minha),
os princpios geradores de regras, objetos (manuais, equipamentos pedaggicos, etc.), as
rotinas de interpretao ou de ao constituem os mundos que se encontram ao nvel do
estabelecimento. O mundo que est em cada estabelecimento composto de um conjunto
heterclito de regras, argumentos, de dispositivos, que se referem tanto a uma definio de
estabelecimento como unidade de servio pblico como a uma definio de estabelecimento
como servio privado, ou ainda como comunidade que cultiva a solidariedade entre seus
membros, etc.

No campo especfico da msica, a pesquisa de Vasconcelos (2002) sobre os conservatrios


de msica em Portugal, seus professores, organizao e poltica, tambm traz a perspectiva da
complexidade para anlise desse tipo de escola. Ele comenta que, enquanto organizao, o
conservatrio constitudo de pessoas, [] sendo uma realidade construda socialmente, e
cujo poder organizacional oriundo do envolvimento e da participao individual em confronto
com os pressupostos do outro (Vasconcelos, 2002, p. 160). O autor ainda afirma que um
tipo de instituio complexa, multiforme e manipulada socialmente. Ele defende a tese de que
[] uma escola como o conservatrio de msica encontra-se na coexistncia e no confronto
entre dois modelos: um oriundo da poca industrial [] (Vasconcelos, 2002, p. 160) e outro
modelo emergente que ele chama de paradigma ps-industrial. O paradigma ps-industrial seria
marcado pela descontinuidade, pela debilidade dos sistemas, pelas alianas, pelo individualismo
colaborativo, pela sustentabilidade social, pela diversidade de lideranas e pelo foco nas
pessoas. Segundo Vasconcelos (2002, p. 160), o conservatrio uma organizao complexa e
[] simultaneamente acntrica, funciona de uma forma anrquica por interaco espontnea,
policentrada, tem uma multiplicidade de centros de poder autnomo e/ou semiautnomos, e ao
mesmo tempo cntrica, porque dispe de um centro de deciso.
Com as ideias apresentadas por Vasconcelos (2002), percebe-se que uma escola de
msica como o conservatrio seria uma instituio marcada por incertezas e, at certo ponto,
contingente. Ele afirma que uma escola como o conservatrio

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 |70-78 | jul.dez 2011

73

CUNHA, Elisa da Silva e

[] uma organizao hbrida e complexa, uma teia de estruturas e de sentidos, de vontades


e de estratgias, de smbolos e rituais, que coexistem e se confrontam em diferentes mundos
e diferentes poderes que no seu conjunto, vo dar uma determinada coerncia organizao
como um processo de construo social, dotado de uma historicidade (Touraine, 1974) e
de diferentes lgicas de aco, com uma identidade e competncias distintivas prprias.
(Vasconcelos, 2002, p. 147)

Ele completa, advogando que a [] multiplicidade de procedimentos e de sentidos que os


diferentes actores atribuem organizao e sua aco colectiva contribuem para que seja uma
entidade singular, onde muitos elementos coexistem (Vasconcelos, 2002, p. 148).
Os aspectos que particularizam a escola de msica estudada podem ser apreendidos e
explicados a partir de categorias que a caracterizam enquanto instituio. Portanto, num nvel
geral, so aspectos comuns s instituies e que, vistos no caso especfico de cada escola,
a singularizam. Assim, as especificidades da escola de msica em loco esto vinculadas
aos seus agentes especializados, aos seus procedimentos; modelos de ensino, contedos,
recursos instrumentais e organizao (Castanho, 2007). Ainda que a escola, de modo geral, seja
complexa, dinmica e constelar, como aborda Estevo (1998), seu carter institucional traz-lhe
uma dimenso de permanncia ou estabilidade, dado pela sua misso. Ao mesmo tempo, como
uma instituio, a escola de msica se sustenta pelos seus recursos materiais e humanos, possui
agentes com funes especializadas, seguindo regras dentro de diferentes valores e crenas.

resultados e
discusso

viso caleidoscpica de Estevo (1998) sobre a escola parte de uma ampla viso dela

considerando sua flexibilidade, a variedade de seus aspectos constituintes e o dinamismo


de suas relaes sociais, sendo que essas ltimas constituem sistemas dialticos, marcados
por contradies e confrontos de interesses, por inconstncias, rupturas e irregularidades,
configurando a escola como um universo, em muitos momentos, imprevisvel. Nessa perspectiva a
escola vista como uma instituio multidimensional, em constante transformao e construo,
podendo ocorrer a desarticulao de suas estruturas, prticas e comportamentos. Esse conjunto
de caractersticas faz da escola uma instituio fractalizada, visto que segue lgicas diversas,
construdas a partir de vrias vozes, provenientes de diferentes mundos. Assim, a escola,
enquanto uma constelao, s poderia ser vista a partir de uma viso caleidoscpica, dada a
sua natureza polptica e constelar, onde a estrutura no substantivamente fixada de antemo
(Estevo, 1998, p. 223).
Consequentemente, a escola constitui-se num sistema complexo, numa realidade
compsita (Canrio, 1996; Derouet, 1996), um lugar de contradies e desordens (Derouet,
1996). Considerando a multidimensionalidade da escola, bem como diversos pressupostos da
sociologia das instituies escolares, foram trabalhadas seis grandes categorias de anlise: 1)
efeitos do lugar permanncia, misso, valores, ideias, comportamentos e crenas; 2) quem
est na escola: pblico-alvo e agentes especializados; 3) a organizao da escola nos aspectos
administrativos e seus recursos instrumentais; 4) a organizao da escola no aspecto curricular;
5) a organizao da escola no aspecto pedaggico; e 6) prticas culturais: saraus, concertos,
apresentaes. Optei por apresentar neste artigo trs das seis categorias, por considerar que
estas parecem estar mais refletidas, de alguma forma, nos discursos que criticam as escolas de
msica, tanto num nvel de senso comum da rea de educao musical quanto no nvel cientfico,
evidenciado nos trabalhos que se referem s escolas e seu ensino.

74

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 70-78 | jul.dez 2011

Compreender a escola de msica: uma contribuio para a sociologia da educao musical

Na perspectiva da escola de msica como um lugar dotado de permanncia, encontrei


como uma das ideias: a escola como um lugar de se aprender a tocar um instrumento. De acordo
com uma das professoras,
as pessoas procuram uma escola de msica pra aprender a tocar um instrumento. Eu acho
que dificilmente algum procura uma escola de msica pra, simplesmente, apreciar melhor
msica ou compor. Acho que isso j so coisas mais especficas. Nessas primeiras fases
assim. Depois elas vo manifestar o interesse por coisas que talvez elas no tenham buscado
num primeiro momento. Mas a matria-prima, o que mais se faz numa escola de msica
ensino de execuo. dominar a parte tcnica do instrumento, conseguir tocar as melodias no
ritmo e alguma linha meldica com alguma expressividade. As pessoas buscam isso. essa
coisa que est mais acessvel a elas. (Aracy)

efeitos
do lugar:
um lugar
dotado de
permanncia

Na escola investigada, apesar de existirem momentos em que o improviso e a composio


musical so contemplados, essas vivncias so decorrncia de metodologias de ensino
especficas, cujo foco principal a execuo. Essa caracterstica parece ser comum a outras
escolas, que possuem em geral o ensino de instrumento ou canto, complementado por uma
disciplina terica, em geral a teoria musical.
Outra perspectiva na conceituao de escola levantada por uma das professoras a de
que no h um modelo especfico de escola. Um espao pode se caracterizar como escola por
ocorrer nele o ensino, ainda que cada profissional trabalhe por si, sem integrao ou unidade.
Essa suposta desarticulao apresentada por diversos autores como uma das caractersticas
das escolas (Estevo, 1998, 2004), e no, ao contrrio do que o senso comum de alguns
profissionais da rea da educao musical possa supor, um indcio de que tal espao no seria
uma escola por apresentar esse aspecto em sua constituio. Esse aspecto compe carter
compsito (Derouet, 1996) da escola, sendo que essa desarticulao parece revelar muito mais
a diversidade de opinies, crenas, culturas, princpios de ensino, concepes de msica, entre
outros inmeros aspectos que reiteram a ideia de que a escola de msica, assim como outras
escolas, possui uma plurirracionalidade (Canrio, 1996; Derouet, 1996; Estevo, 1998, 2004).

De acordo com Castanho (2007), a racionalidade da escola pressupe agentes


especializados que realizam os diversos trabalhos. Esses agentes so entendidos como parte
dos recursos humanos da escola. Os dados empricos coletados permitiram um detalhamento
sobre a formao e atuao desses agentes, bem como as suas formas de envolvimento nas
atividades dela. Alm disso, a escola formada tambm pelos seus alunos e pais, ou seja, seu
pblico-alvo, o qual contribui para determinar seu perfil e caractersticas.

quem est na
escola a sua
racionalidade

O pblico-alvo bastante variado. O perfil mais recorrente, em termos de interesse, o


comercial, que consistiria naquele aluno que est iniciando na msica popular e no deseja se
aprofundar muito nos estudos. Nesse caso o aluno inicia pela motivao decorrente das msicas
que ouve e pela admirao por determinada banda ou msica. Esse tipo de aluno tenderia a
desistir da msica quando v que o papel de instrumentista ou cantor diferente daquele de
ouvinte e que requer um tipo de envolvimento e dedicao mais intensos, independentemente
do repertrio (Manuel).
O perfil dos alunos varia tambm no nvel de aprendizagem musical, e em relao faixa etria,
que vai desde os 6 meses de idade at aproximadamente 70 anos. A escola abriga professores
com muitas formaes. Por ser livre, em termos de legislao, ela permite que professores
com diferentes perfis de formao atuem nela. Todos os professores entrevistados possuem o

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 |70-78 | jul.dez 2011

75

CUNHA, Elisa da Silva e

curso superior em msica, inclusive o gerente que desempenhava funes administrativas. Mas
as trajetrias de formao so bastante distintas. Apesar de todos os professores possurem
formaes semelhantes, o fato de alguns desempenharem cargos administrativos complexifica
as relaes de poder, conforme analisado tambm por Alves (1996).
A escola possui procedimentos prprios como as normas administrativas, princpios de
ordem curricular e pedaggico que trazem para o espao traos de singularidade. A organizao
e o funcionamento da escola de msica pressupem tambm a normatizao. Nessas normas
esto includos os deveres dos docentes e dos discentes. Ressalta-se que todos esses
aspectos esto imbricados entre si. Dentre os aspectos que organizam a escola encontra-se sua
dimenso como empresa e sua relao com os tributos e com os aspectos comerciais, trazendo
a necessidade de regras administrativas, pois, enquanto empresa, a escola visa aos lucros e
precisa ser autossustentvel. Assim, corrente a ideia de que certos princpios administrativos
devem andar em sintonia com os princpios pedaggicos.
Tu pode ter uma escola, grandes ideias, grandes projetos musicais, com muito fundamento
musical inclusive, e tu no ter um embasamento administrativo pra isso ficar de p. []
Ento, a tua parte administrativa tem que acompanhar. Acompanhar nos processos, toda a
outra parte musical. [] Mas se no tem pessoas capazes de saber explicar e vender isso
[] no serve pra nada. A a maior dificuldade nisso que essa equipe no formada por
msicos. Msicos no trabalham fazendo atendimento em secretaria, porque no entendem
de processo administrativo, a maioria, o que uma pena. [] Ento, eu acho que essa a
grande busca numa equipe administrativa de uma escola, de ter pessoas que tenham uma
viso administrativa, mas que conseguem ter viso musical e vice-versa. (Manuel)

prticas
culturais:
saraus,
concertos,
apresentaes

As apresentaes da escola, embora no sejam exclusivas, tambm so consideradas


como um diferencial. A escola possui um grande investimento em eventos diversos como saraus
mensais, apresentaes de professores, apresentaes de alunos produzidas por setores
(erudito e popular) e ainda espetculos de grande porte que a escola chama de musicais. Por
possuir um auditrio prprio a escola tambm oferece seu espao fsico a eventos de pessoas ou
instituies de fora dela, como lanamento de livros e palestras. Ela tambm promove seminrios
e apoia apresentaes de professores ou grupos musicais em que os professores participam.
A interdisciplinaridade um aspecto que tambm a particulariza, mesmo que outros espaos
promovam cursos de mais de uma rea alm da msica, essa escola possui uma dinmica
especfica em relao interdisciplinaridade. Ao ter como um dos diferenciais seus musicais, a
interdisciplinaridade ocorre em virtude da produo desses espetculos, havendo uma estreita
relao entre eles e as aulas dadas.
Ainda que essa escola de msica siga determinados pressupostos tradicionais de
organizao e de ensino de msica, ao mesmo tempo ela apresenta diversos aspectos
inovadores, mostrando dinamismo na sua constituio, sendo que a flexibilidade e a mobilidade
constituem-se em alguns dos aspectos que a singularizam.

consideraes
finais

76

REVISTA DA ABEM

Estudar a escola de msica enquanto instituio educativa torna evidente diversos aspectos
que podem ser prprios desse tipo de instituio e que, no entanto, podem ser tidos como
bvios. Ao traz-los para a anlise, este trabalho pode trazer para a rea a conscincia desses
aspectos constituintes da escola, fazendo deles pontos de partida para a discusso da escola de
msica como campo de atuao profissional e de formao musical.

| Londrina | v.19 | n.26 | 70-78 | jul.dez 2011

Compreender a escola de msica: uma contribuio para a sociologia da educao musical

Um exemplo disso encontra-se na questo dos usos do espao fsico cuja organizao
ocorre em virtude da peculiaridade de seu objeto, a msica e a sua natureza sonora. As aulas
simultneas requerem desse espao um isolamento acstico para que o som de uma aula no
interfira em outra. Mesmo assim, o ambiente escolar preenchido pelos sons das diversas aulas
simultneas. o som dos vrios ambientes se misturando, ora se destacando conforme se passa
por determinada sala. Isso parece gerar uma atmosfera nica ao lugar que s possvel quando
todas as aulas ocorrem ao mesmo tempo. De acordo com um dos professores,
esse meio tem que ter primeira coisa: msica acontecendo, sempre, dentro da sala de aula,
t? Porque por incrvel que parea isso uma cena muito comum de qualquer pessoa que
trabalha em escola, mas isso uma coisa muito diferente pra quem no de nenhuma escola
de msica. Tu chegar e ver a aula acontecendo, cinco salas ao mesmo tempo. Tu pega qualquer
pessoa fora da msica e pe assim, caiu aqui, ela vai ficar assim ohmaravilhada. Ela no
vai saber o que ouvir. Isso algo muito diferente na rotina dessas pessoas que no tiveram
nenhuma histria com a msica, entendeu? Ento o ambiente esse, certo? Professores que
tocam, um ambiente onde a msica acontea. (Manuel)

Essa atmosfera gerada pela prtica musical que d vida ao espao. Manuel comentou
que no basta ter um espao fsico maravilhoso e no ter o som no ambiente.
As discusses em torno da escola de msica podem contribuir para o avano de alguns
pressupostos, j quase universalizados por certas vises de escolas de msica e conservatrios,
e que se tm tornado esteretipos desse tipo de instituio. A busca pela inovao, a constante
transformao que precisa ter para acompanhar a demanda do mercado, por exemplo, so
aspectos do estudo de caso realizado que parecem romper com um determinado esteretipo
de escola de msica.
Os aspectos analisados na escola de msica apresentados neste artigo mostram a
complexidade envolvida na escola de msica, vista como instituio. O aspecto caleidoscpico
que possui torna a escola um lugar de contradies, as quais, vistas como caractersticas,
permitiriam novas reflexes e abordagens em relao a sua administrao e questes pedaggicomusicais. A sociologia das instituies escolares e sua interseco com a educao musical
pode contribuir com a rea de maneira inovadora, para que se possa repensar as escolas de
msica e o ensino que nelas ocorre.

ALVES, J. M. Modos de organizao, direco e gesto das escolas profissionais: um estudo de quatro
situaes. Porto: Porto Editora, 1996.

referncias

AMATO, R. de C. F. Memria musical de So Carlos: retratos de um conservatrio. Tese. (Doutorado em


Educao)Universidade Federal de So Carlos, So Carlos, 2004.
ARROYO, M. Representaes sociais sobre prticas de ensino e aprendizagem musical: um estudo etnogrfico
entre congadeiros, professores e estudantes de msica. Tese (Doutorado em Msica) Instituto de Artes,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999.
BEAUMONT, M. T. de. Prtica da alfabetizao musical no Conservatrio Estadual de Msica de Araguari:
um estudo de caso. In: ENCONTRO ANUAL DA ABEM, 10., 2001, Uberlndia. Comunicaes de pesquisas e
relatos de experincias. Uberlndia: Abem, 2001. 1 CD-ROM.
BELLOCHIO, C. R. A formao profissional do educador musical: algumas apostas. Revista da Abem, n. 8, p.
17-24, mar. 2003.
BRASIL. Presidncia da Repblica. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurdicos. Lei n 3.857, de 22 de
dezembro de 1960. Cria a Ordem dos Msicos do Brasil e dispe sobre a regulamentao do exerccio da
profisso de msico e d outras providncias. Braslia, 1960. Disponvel em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/L3857.htm>. Acesso em 10 abr. 2011.
______. Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educao nacional.
Braslia, 1996. Disponvel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em 10 abr.
2011.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 |70-78 | jul.dez 2011

77

CUNHA, Elisa da Silva e

CANRIO, R. Os estudos sobre a escola: problemas e perspectivas. In: BARROSO, J. et al. (Org.). O estudo
da escola. Porto: Porto Editora, 1996.
CASTANHO, S. Institucionalizao das instituies escolares no Brasil: final do Imprio e Primeira Repblica
no Brasil. In: NASCIMENTO, M. I. M. et al. (Org.). Instituies escolares no Brasil: conceito e reconstruo
histrica. Campinas: Autores Associados: HISTEDBR, 2007. p. 39-57.
CUNHA, E. da S. e. Compreender a escola de msica como uma instituio: um estudo de caso em Porto
Alegre RS. Tese (Doutorado em Musica)Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 2009.
DEL BEN, L. Mltiplos espaos, multidimensionalidade, conjunto de saberes: idias para pensarmos a
formao de professores de msica. Revista da Abem, n. 8, p. 29-32, mar. 2003.
DEROUET, J. L. Une sociologie des tablissements scolaires: les difficulties de construction dun nouvel objet
scinetifique. Revue Franaise de Pdagogie, p. 86-108, jan./fv./mars 1987.
______. Uma sociologia dos estabelecimentos escolares: as dificuldades para construir um novo objeto
cientfico. In: FORQUIN, J.-C. (Org.). Sociologia da educao: dez anos de pesquisa. Petrpolis: Vozes, 1995.
p. 225-257.
______. O funcionamento dos estabelecimentos de ensino em Frana: um objecto cientfico em redefinio.
In: BARROSO, J. et al. (Org.). O estudo da escola. Porto: Porto Editora, 1996.
______. Pluralit des mondes et coordination de laction: lexemple des tablissements scolaires. In: LECOLE
dans plusieurs mondes. Paris: De Boeck & Lacier, 2000. p. 125-143.
______. A sociologia das desigualdades em educao posta prova pela segunda exploso escolar:
deslocamento dos questionamentos e reincio da crtica. Revista Brasileira de Educao, n. 21, p. 5-16, set./
dez. 2002.
DESLAURIERS, J.-P. O delineamento de pesquisa qualitativa. In: POUPART, J. et al. A pesquisa qualitativa:
enfoques epistemolgicos e metodolgicos. Petrpolis: Vozes, 2008. p. 127-153.
ESPERIDIO, N. Educao profissional: reflexes sobre o currculo e a prtica pedaggica dos conservatrios.
Revista da Abem, n. 7, p. 69-74, set. 2002.
ESTEVO, C. Redescobrir a escola privada portuguesa como organizao. Braga: Universidade do Minho,
1998.
______. Sentidos de escola, profissional docente e formao. Revista Brasileira de Poltica e Administrao da
Educao, v. 20, n. 1, p. 11-28, jan./jun. 2004.
GONALVES, L. N. Educar pela msica: um estudo sobre a criao e as concepes pedaggico musicais
dos conservatrios estaduais mineiros na dcada de 50. Dissertao (Mestrado em Msica)Instituto de
Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1993.
HENTSCHKE, L. A formao profissional do educador musical: poucos espaos para mltiplas demandas. In:
ENCONTRO ANUAL DA ABEM, 10., 2001, Uberlndia. Anais Uberlndia: Abem, 2001. p. 67-74.
REQUIO, L. Escolas de msica alternativas e aulas particulares: uma opo para a formao profissional do
msico. Cadernos do Colquio, p. 98-108, 2001.
______. Saberes e competncias no mbito das escolas de msica alternativas: a atividade docente no
msico-professor na formao profissional do msico. Revista da Abem, n. 7, p. 59-67, set. 2002.
RODRIGUES, C. M. L. Institucionalizando o ofcio de ensinar: um estudo histrico sobre a educao musical
em Porto Alegre (1877-1918). Dissertao (Mestrado em Msica)Instituto de Artes, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2000.
SANTOS, R. M. S. A formao profissional para os mltiplos espaos de atuao em educao musical. In:
ENCONTRO ANUAL DA ABEM 10., 2001, Uberlndia. Anais Uberlndia: Abem, 2001. p. 41-66.
SILVA, W. M. Motivaes, expectativas e realizaes na aprendizagem musical: uma etnografia sobre alunos
de uma escola alternativa de msica. Dissertao (Mestrado em Msica)Instituto de Artes, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1995.
STAKE, R. The art of case study research. London: Sage, 1995.
VASCONCELOS, A. A. O conservatrio de msica: professores, organizao e polticas. Lisboa: Instituto de
Inovao Educacional, 2002.

Recebido em
30/04/2011
Aprovado em
04/07/2011

78

REVISTA DA ABEM

VIEGAS, M. A. de R. Repensando o ensino-aprendizagem de piano do curso tcnico em instrumento do


Conservatrio Estadual de Msica Padre Jos Maria Xavier de So Joo del Rei (MG): uma reflexo baseada
em Foucault. Revista da Abem, n. 15, p. 81-90, set. 2006.
VIEIRA, L. B. A construo do professor de msica: o modelo conservatorial na formao e na atuao do
professor de msica em Belm do Par. Belm: Cejup, 2001.

| Londrina | v.19 | n.26 | 70-78 | jul.dez 2011

Prticas musicais coletivas: um


olhar para a convivncia em uma
orquestra comunitria
Collective musical practices: a look at coexistence in a community orchestra

MARIA CAROLINA LEME JOLY Universidade Federal de So Carlos (UFSCar)


ILZA ZENKER LEME JOLY Universidade Federal de So Carlos (UFSCar)

resumo

`[email protected]

`[email protected]

Este artigo, resultado de uma pesquisa, tem como objetivo destacar e analisar os
processos educativos presentes em uma orquestra comunitria que se originam na
prtica social da convivncia de um grupo de msicos. O referencial terico adotado
baseado nas obras de Paulo Freire, Fiori, Heller, Oliveira, entre outros especficos
da linha de pesquisa de prticas sociais e processos educativos. Na rea de
educao musical foram adotadas obras de Beineke, Brito, Vanda Freire, Fonterrada,
Kater, Penna, entre outros. Esta uma pesquisa qualitativa, de carter exploratrio
cujos dados foram coletados atravs de observaes sistemticas e entrevistas
semiestruturadas com alguns participantes da orquestra. A partir da anlise dos
dados foi possvel destacar algumas aprendizagens musicais, humanas e sociais,
como o respeito s diferenas, pacincia com o outro, amizade, solidariedade, entre
outras que se do atravs da convivncia na diversidade.
PALAVRAS-CHAVE: convivncia, orquestra comunitria, educao musical e comunidade

abstract

This paper is the result of a research, which aims to highlight and analyze the
educational processes present in a community orchestra from the practice of social
coexistence of a group of musicians. The theoretical reference adopted is based
on the works of Paulo Freire, Fiori, Heller, Oliveira, among other specific from the
research group of Practice Social and Educational Processes. In the area of Music
Education were adopted works of Beineke, Brito, Vanda Freire, Fonterrada, Kater,
Penna, among others. This is a qualitative research, with explorative observation and
the data were collected by observations and semi-structured interviews with some
participants of the orchestra. From the analysis of the data was possible highlight
some musics, humans and socials learning, such as respect for differences,
patience with the other, friendship, solidarity, among others, that happens in through
coexistence in diversity.
KEYWORDS: social practices in coexistence, community orchestra, musical education and

community

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 79-91 | jul.dez 2011

79

JOLY, Maria Carolina Leme; JOLY, Ilza Zenker Leme

introduo

ste artigo tem por objetivo descrever, compreender uma prtica musical de orquestra
baseada na construo coletiva de conhecimento, a partir da convivncia e do dilogo.
Prticas sociais e processos educativos que acontecem nesse ambiente de orquestra foram

um dos focos de uma pesquisa, que assume um carter exploratrio, no qual as pesquisadoras
participaram, observaram, conversaram e fizeram entrevistas.
Entendemos por prticas sociais as relaes que se estabelecem entre pessoas, pessoas
e comunidade na qual se inserem, pessoas e grupos, grupos entre si, grupos e sociedade
mais ampla, com objetivos tais como: repassar conhecimentos, valores, tradies, posies e
posturas diante da vida; buscar o reconhecimento social das mais diferentes aes vindas de
grupos comunitrios menos favorecidos economicamente; propor e/ou executar transformaes
na estrutura social, nas formas de racionalidade de pensar e de agir ou articular e para mant-las;
garantir direitos sociais e culturais; corrigir distores e injustias sociais; pensar, refletir, discutir e
executar determinada ao. No mbito de uma orquestra comunitria, os processos educativos
so compreendidos pelo conjunto de aprendizagens que se do, a partir da convivncia, nos
mais variados aspectos que surgem nas oportunidades de ensaios, viagens, festas do grupo e
concertos. Esses processos educativos so de natureza musical, cultural e humana.
Iniciamos o trabalho de educao musical na Universidade Federal de So Carlos (UFSCar)
em 1989, com pequenos grupos de crianas que vinham universidade para participar de
um projeto de extenso voltado para iniciao musical. A partir da importncia que a UFSCar
sempre deu extenso universitria como espao de produo de conhecimento e interao
com a comunidade que o projeto de musicalizao foi se consolidando ao longo de 22 anos
de existncia, completados em 2011. O projeto inicial foi desdobrado em projetos mais amplos
de formao de orquestras, cursos de formao continuada para professores da educao
bsica, curso de graduao e atuao em linhas especficas em programas de ps-graduao
da UFSCar.
O que moveu e fortaleceu os projetos ao longo de tanto de tempo? Um olhar mais voltado
para os resultados de pesquisas desenvolvidas no decorrer desses anos nos possibilita afirmar
que a valorizao das prticas sociais construdas com base na convivncia diria, no respeito
mtuo, na escuta e no dilogo construdo com as pessoas que compem os diferentes projetos
um dos fatores primordiais para a prtica musical constante e manuteno dos grupos.
Desses projetos, focamos neste estudo, que ora apresentamos, o grupo de prtica instrumental
denominado Orquestra Experimental da UFSCar, que tentaremos descrever e compreender ao
longo do artigo.
Brando (2005) afirma que as pessoas que se dedicam a projetos que envolvem prticas
sociais devem ter em mente algumas palavras que esto em evidncia e devem ser consideradas.
Entre elas esto educao, movimento social, aprendizagem, processos educativos, participao,
pesquisa, relao, relacionamento, interao e amor. A palavra amor aqui entendida no sentido
mais amplo, se referindo a experincias educativas mltiplas, de vrios rostos, relacionadas
a projetos voltados para formao de pessoas na escola ou fora dela, sempre em favor do
desenvolvimento humano.
Os projetos educativos e sociais, com os quais trabalhamos, alm de terem como referncia
os aspectos listados anteriormente, tambm preveem uma experincia cognitiva e reflexiva, um
raciocnio motivado pelo encontro com o outro e a aceitao do outro ao nosso lado no cotidiano.
Na rea de msica, segundo Beineke (2003), a diferena de interesses muito evidente:
uma pessoa prefere tocar pandeiro, outra, flauta, outra gosta mais de cantar, outra, de compor,

80

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 79-91 | jul.dez 2011

Prticas musicais coletivas: um olhar para a convivncia em uma orquestra comunitria

arranjar e assim por diante. Essas preferncias, de acordo com a autora, se manifestam tambm
em termos de desempenho instrumental quando se observa a facilidade e/ou esforo de uma
criana, jovem ou adulto em tocar uma flauta, por exemplo, enquanto outro instrumento lhe parece
mais difcil ou quase impossvel de tocar. O desafio ainda maior, continua a autora, quando
pensamos que, sendo a diversidade inerente ao ser humano, esta determina a variedade de
pessoas que compem os diferentes agrupamentos instrumentais, incluindo a as orquestras.
nessa diversidade que acreditamos existir um potencial de ensino e de aprendizagem especfico.
Ainda segundo Beineke (2003), importante que se considere que, ao aprender msica,
ou ao realizar aprendizagens em qualquer outro campo do conhecimento, cada pessoa atribui
significados prprios para aquilo que aprende, reconstruindo seus saberes a partir do seu prprio
repertrio de vida. Quando, ento, pensamos num grupo musical, tal como a orquestra que
aqui tomamos como base de estudo, parece-nos necessrio e fundamental compreender o que
significam essa heterogeneidade, essa diversidade de personalidades, pensamentos e histrias
de vida para descrever e compreender como essas diferenas podem se constituir em material
rico para educadores musicais e professores de maneira geral. O grupo instrumental constri,
na sua trajetria de aprendizagem musical, uma identidade especfica como grupo, que, por sua
vez, pode abrigar e valorizar a diversidade, a solidariedade e apoio s diferenas.
Linhares e Trindade (2003) destacam a defesa que Paulo Freire faz sobre a educao como
ato dialgico e tambm como processo rigoroso, intuitivo, imaginativo e afetivo. A teoria do
conhecimento de Paulo Freire, dizem as autoras, reconhece que os atos de conhecer e pensar
esto diretamente ligados s relaes que as pessoas estabelecem umas com as outras. O
conhecimento precisa de expresso e comunicao e ele no , de maneira alguma, um ato
solitrio.
O que uma orquestra como ambiente de ensino e aprendizagem? Como se d, nela, esse
dilogo? Ela parece favorecer o desenvolvimento de relaes afetivas, de processos criativos, de
desenvolvimento da imaginao e da sensibilidade auditiva proporcionando, o tempo todo, um
dilogo dos msicos entre si, dos msicos com as regentes, dos msicos com os arranjadores,
dos msicos com o pblico e, finalmente, de cada msico consigo mesmo. Nesse sentido, um
estudo no qual foi possvel deter o olhar para observar, descrever e compreender alguns dos
diferentes processos educativos decorrentes de um ambiente de orquestra cria oportunidades
de construo de um conhecimento significativo, tanto para a rea de educao musical como
para a rea de educao.
As orquestras sinfnicas e filarmnicas do Brasil, na sua maioria, mantm a mesma formao
instrumental dos sculos XVIII e XIX, e apresentam, segundo Vanda Freire (2011), um repertrio
musical, prioritariamente, centrado nesses sculos, havendo apenas pequenas referncias
s msicas popular e folclrica da Amrica Latina, contribuindo, assim, para a manuteno
da cultura ocidental europeia dominante, negando a cultura popular, impedindo a inovao,
mantendo padres tradicionalistas. O tradicionalismo que nega a cultura popular no permite a
compreenso e a transformao do ser humano em sua realidade. Para Fiori (1986, p. 9),
a cultura um processo vivo de permanente criao: perpetua-se, refazendo-se em novas
formas de vida. S se cultiva, realmente, quem participa deste processo, ao refaz-lo e refazerse nele. A elaborao do mundo s cultura e humanizao, se inter-subjetiva as conscincias.
Elaborao que postula, necessariamente, colaborao-participao na construo de um
mundo comum.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 79-91 | jul.dez 2011

81

JOLY, Maria Carolina Leme; JOLY, Ilza Zenker Leme

O exerccio de manter o processo de criao vivo e permanente no ncleo da referida


orquestra se d tanto pela busca de um repertrio de msicas que possa ganhar significado
para cada um dos participantes como pela ateno especfica que dada s caractersticas,
potenciais e limites desses msicos. possvel ento, por meio da escrita personalizada
das composies e arranjos, integrar e valorizar cada uma das pessoas, naquilo que elas
conseguem fazer de melhor. A colaborao e participao na construo da orquestra como
espao de prtica musical e social se d pelo prprio funcionamento do grupo, no qual todos so
responsveis pelo cuidado com os instrumentos, pelas dinmicas de montagem e desmontagem
da orquestra, preparao e execuo das viagens, cuidado de uns com os outros nos mais
diversos aspectos, cuidado na busca do melhor resultado musical, o que valoriza e constri a
identidade e autoestima da orquestra como um todo.

orquestra
Experimental
da UFSCar
um olhar para
a convivncia

A Orquestra Experimental da UFSCar, em 2011, possui cerca de 95 msicos, na sua maioria


amadores, com idades variando entre 10 e 60 anos, que se encontram em dois ensaios gerais,
trs ou quatro ensaios de naipes especficos, ambos semanais, cerca de 30 concertos anuais,
diversas viagens e festas organizadas pelo grupo, entre elas as tradicionais Festa Junina e
Festa de Natal. Os objetivos da orquestra extrapolam aqueles estritamente musicais e avanam
em metas para estabelecer, aprofundar e melhorar as relaes humanas entre os seus diferentes
participantes, sempre atravs da prtica musical coletiva.
Nos espaos musicais da orquestra, essas pessoas de diferentes idades, conhecimentos,
escolaridades, nveis sociais e econmicos convivem em todos os momentos que envolvem
o fazer musical, de forma que possvel para um pesquisador ou pesquisadora observar os
processos educativos que ali se desenvolvem. Considerando que um dos objetivos do grupo
favorecer o desenvolvimento humano por meio da interao entre pessoas advindas de
diferentes classes sociais, culturais e econmicas, a preocupao com o desenvolvimento
musical do grupo tem um sentido mais amplo do que aquele voltado para o desenvolvimento de
tcnicas que favoream a valorizao de talentos. O conjunto de integrantes, com seus diferentes
saberes, constri sua prpria histria, o que, para Fiori (1986, p. 9) a temporalizao do eu e
do mundo num mesmo processo em que, juntos, se constituem e reconstituem, respondendo ao
destino de seu encontro originrio.
Como citado anteriormente, a ateno dos processos educativos no est voltada somente
para a aprendizagem musical inerente ao ambiente de orquestra. A Orquestra Experimental
da UFSCar cria, constantemente, oportunidades de viagens, festas e situaes de concertos
que favorecem o dilogo entre seus integrantes, gerando aprendizagens importantes para o
desenvolvimento de seus componentes tanto como parte do grupo como individualmente. Esses
encontros propiciam momentos de convivncia em que aprendizagens so trocadas por meio de
conversas estabelecidas entre os msicos. Segundo Oliveira e Stotz (2004, p. 4),
estas conversas so trocas de experincias, pontos de vista e percepes, aproximaes
entre pessoas e entre saberes e experincias. nesta convivncia que o grupo se constri e
cria sua identidade. Conviver estar junto, olhar nos olhos, conversar frente a frente [] a
arte de se relacionar, d intensidade relao, sabor ao fazer e gera afetividade e saber.

82

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 79-91 | jul.dez 2011

Prticas musicais coletivas: um olhar para a convivncia em uma orquestra comunitria

Esse direcionamento do olhar, voltado para as aprendizagens atravs do dilogo,


proporciona ampliar os objetivos da prtica de orquestra, recriando uma prtica que faz uso
do espao musical com o objetivo de aglutinar pessoas para estarem juntas e aprender. Nesse
mesmo fazer, a estrutura dessa orquestra reorganiza a ordem social ao colocar pessoas de
classes econmicas diversas, jovens e adultos, msicos experientes e no experientes em um
mesmo espao que ora conciliador, ora conflitante, mas que os mantm unidos nas busca do
prazer de se fazer msica.
Na medida em que alguma forma de msica est presente em todos os tempos e em todos
os grupos sociais, podemos dizer que a msica um fenmeno universal. Contudo, a msica
se realiza de modos diferenciados, concretiza-se diferentemente, conforme o momento da
histria de cada povo, de cada grupo. [] Assim, se a msica um fenmeno universal,
enquanto linguagem culturalmente construda, diferenciando-se de cultura para cultura.
Inclusive dentro de uma mesma sociedade como a nossa, a brasileira , diferenciando-se de
grupo para grupo, pois convivem prticas musicais distintas, uma vez que podemos pensar na
cultura e na arte eruditas, e nas diversas formas de arte e cultura populares, com sua imensa
variedade. (Penna, 2005, p. 11, grifo da autora)

Essa diversidade de grupo para grupo, como aponta a autora, ganha uma especificidade
na Orquestra Experimental da UFSCar, tanto no que diz respeito escolha de repertrio, quase
todo composto por msica popular brasileira, como nas relaes sociais entre os msicos e
entre o pblico ouvinte, tambm na sua maioria composto por pessoas que nem sempre tm
oportunidade de frequentar teatros e salas de concerto. As experincias de tocar ou ouvir
constituem um contato com a cultura, que, segundo Fiori (1986, p. 9), diversifica e se determina
pela forma particular de vida de um grupo humano.
A Orquestra Experimental da UFSCar tem essa denominao porque experimenta outras
sonoridades e agrupamentos na sua formao instrumental e humana. Outros instrumentos, tais
como flauta doce e xilofone, utilizados com frequncia na iniciao musical, e tambm guitarra,
baixo eltrico, bateria e teclados, que so instrumentos populares entre os jovens brasileiros,
so bem aceitos na formao da nossa orquestra, em contraponto s formaes tradicionais
de orquestra, nas quais esses instrumentos e seus msicos no tm espao garantido. No
entanto, na Orquestra Experimental esses instrumentos entram como naipes que acrescentam
sonoridades inditas em ambientes de orquestra, e que so valorizados nas sonoridades que
surgem dos arranjos e composies escritos especialmente para eles e para a orquestra.
Com a preocupao de valorizar e disseminar msicas brasileiras, o repertrio escolhido pela
Orquestra Experimental da UFSCar , prioritariamente, brasileiro. Sambas, chorinhos (sudeste
brasileiro), baies, xaxados, maxixes (nordeste brasileiro), milongas (sul do Brasil, com influncia
argentina), msicas populares e msicas contemporneas fazem parte das apresentaes em
diversas comunidades de So Carlos e regio, em concertos que acontecem no s em salas e
teatros, mas tambm em ruas de diferentes bairros, clubes, praas pblicas, escolas, propiciando
ao pblico o contato com a cultura popular, atravs da msica instrumental. Para Penna (2005),
necessrio trabalhar com a diversidade de manifestaes artsticas, considerando todas como
significativas, inclusive conforme sua contextualizao em determinado grupo cultural.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 79-91 | jul.dez 2011

83

JOLY, Maria Carolina Leme; JOLY, Ilza Zenker Leme

Por trabalhar com msicos amadores advindos de diversos bairros da cidade, a Orquestra
Experimental da UFSCar se caracteriza uma orquestra comunitria.1 A principal caracterstica
dessa formao que as pessoas que a compem esto participando por uma escolha pessoal
de fazer msica em conjunto. O objetivo constituir um grupo, que, segundo Heller (1992, p. 67),
define-se atravs de uma analogia de interesses e de objetivos, bem como mediante uma
certa atividade em comum. [] E na medida em que as relaes indivduo grupo deixam
de ser casuais, na medida em que minha individualidade constri o grupo a que perteno,
meus grupos convertem-se paulatinamente em comunidades. [] Dois motivos podem
estar na base da escolha de uma comunidade: o valor axiolgico objetivo da comunidade,
seus momentos favorveis essncia humana; e a inteno de explicitar nela e atravs dela
a prpria individualidade.

Nos espaos musicais de uma orquestra comunitria, pessoas diferentes convivem em


todos os momentos que envolvem a prtica musical. Por agregar essa grande diversidade,
necessrio e muito importante estabelecer o dilogo entre os msicos, para que haja um
crescimento musical e humano capaz de transformar os participantes e seu mundo. Para Paulo
Freire (1987, p. 78, grifo do autor), o dilogo o encontro dos homens, mediatizados pelo mundo
para pronunci-lo, no se esgotando portanto na relao eu-tu. Ainda segundo o autor,
[] o dilogo uma exigncia existencial. E, se ele o encontro em que solidarizam o refletir
e o agir de seus sujeitos endereados ao mundo a ser transformado e humanizado, no
pode reduzir-se a um ato de depositar idias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se
simples troca de idias a serem consumidas pelo permutante. (Freire, P., 1987, p. 79)

Paulo Freire, no conjunto de suas obras, traz o dilogo como aspecto imprescindvel para
que possamos olhar e compreender a nossa existncia em sociedade como processo, como
algo em construo, em constante transformao. Na experincia da orquestra, a msica
como forma expresso pode ser um meio de dilogo entre os msicos que tocam lado a lado,
que se organizam em pequenos grupos, que reinventam as caractersticas de cada naipe de
instrumentos e encontram formas expressivas de aproximao e comunicao. Consciente de
si, de seu papel e de sua responsabilidade dentro do grupo, os msicos trabalham em conjunto
nos diversos fazeres do cotidiano da orquestra, criando e fortalecendo laos de amizade. Essas
relaes afetivas ultrapassam os contornos da orquestra e o tempo tem nos mostrado que elas
perduram ao longo da vida.
Uma orquestra amadora, sem retorno financeiro, depende da dedicao, do respeito e do
compromisso de seus integrantes, transformando seus momentos de convivncia em trocas de
saberes, em que seus participantes se educam e se transformam atravs do dilogo, do respeito
e do amor ao outro e msica. Para Paulo Freire (1987), no h educao sem amor e sem
humildade.

1. A referncia daquilo que chamamos de orquestra comunitria foi tomada a partir de estudos baseados em Telles,
Pereira e Ligiero (2009), nos quais eles afirmam que as prticas comunitrias se caracterizam por sua valorizao das
histrias de pessoas e locais, nas quais o conceito de comunidade entendido como uma entidade qual as pessoas
pertencem. Os laos sociais so maiores que as relaes de parentesco, porm mais imediatos do que aquilo que
comumente chamamos de sociedade. Dizem os autores que comunidade a arena onde as pessoas adquirem suas
experincias mais fundamentais e substanciais da vida social, fora dos limites do lar (Telles; Pereira; Ligiero, 2009, p. 8).

84

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 79-91 | jul.dez 2011

Prticas musicais coletivas: um olhar para a convivncia em uma orquestra comunitria

Para Freire a amorosidade, tambm compreendida como amor, uma condio humana
fundamental para a existncia tica e cultural no mundo e com o mundo. Ele fala de uma
amorosidade compartilhada, que auxilia o desenvolvimento de uma dignidade coletiva e uma
esperana, muitas vezes utpica, de que esse amor seja condio referencial para se viver com
justia nesse mundo. O conceito de humildade recriado por Paulo Freire no se refere submisso,
modstia ou fraqueza, mas aparece como uma das exigncias das tarefas que educadores e
educandos devem ter em busca da amorosidade, do respeito por si e pelos outros, da tolerncia
e da defesa de que cada pessoa tenha o direito de possuir sua prpria histria. Estreitando o
olhar para o ambiente que se deseja criar, desde sempre, na Orquestra Experimental da UFSCar,
a amorosidade e a humildade aparecem como aspectos fundamentais a serem levados em conta
nos encontros que se do em ensaios e concertos.
Kater (2004) amplia o pensamento de Paulo Freire trazendo para o universo musical uma
discusso mais ampla dos aspectos importantes a serem considerados em trabalhos dessa
natureza. Diz ele que
considerar uma educao musical formadora nos remete a um processo educativo, no
genericamente dinmico, mas essencialmente desimobilizante. Nele se busca estabelecer
os meios para revitalizar o interesse por isso que atualmente definimos como msica e
tambm pelas msicas, pelos sons, fontes sonoras, pessoas e pelo mundo que constroem
e habitam. Redimensionar o interesse, explorando a percepo de cada indivduo sobre si e
sobre o complexo de relaes no qual interage. E justamente a intensificao da percepo
(no micro ou no macro universo), a ateno ativada, que nomeamos conscincia. Nesse
sentido ento que a educao musical pode tornar-se um excelente meio de conscientizao
pessoal e do mundo. (Kater, 2004, p. 45)

Para o autor, msica e educao so produtos da construo humana, cuja conjugao


pode resultar numa ferramenta original de formao, capaz de promover tanto processos de
conhecimentos quanto de autoconhecimento. Nesse sentido, entre as funes da educao
musical, teramos de favorecer ao educando modalidades de compreenso e conscincia
de dimenses superiores de si e do mundo, de aspectos, muitas vezes, pouco acessveis no
cotidiano, estimulando uma viso mais autntica e criativa da realidade.
Acreditamos que as diferentes histrias de vida que compem um perfil de diversidade no
ncleo da orquestra so capazes, ao mesmo tempo, de construir dilogos (musicais, gestuais,
verbais, sociais e educativos) que, se descritos e analisados cuidadosamente, luz de um
referencial terico adequado, podem enriquecer a experincia de vida de cada um, permitir
uma interao difcil de acontecer em outros espaos sociais e educacionais, e se constituir em
modelos de aprendizagem educativa e social para a vida em famlia, na comunidade e na escola,
criando modelos de espaos de convivncia social, conhecimento do grupo e oportunidades de
socializao.
Momentos como o de afinao e aquecimento da orquestra e do grupo musical tornam-se
um tempo privilegiado para ouvir a si mesmo e ouvir o outro. Quem sou eu? Como o meu
instrumento soa por meio da minha ao musical? De quem esse som dentro desse conjunto
instrumental? Como ele entra para compor um conjunto de sons maiores, mais amplos e que
pode ser chamado de orquestra? Como soa o meu vizinho da frente, de trs, do lado? Quem est
tocando l no extremo oposto, minha esquerda ou direita? Como todos esses sons compem
um conjunto afinado e harmonioso?
Essa descoberta de que a simples afinao pode ser uma prtica pedaggica e social
de perceber o outro, de construir uma identidade pessoal e comunitria pode ser transposta,

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 79-91 | jul.dez 2011

85

JOLY, Maria Carolina Leme; JOLY, Ilza Zenker Leme

aos poucos, para todos os momentos da prtica musical inerente a uma orquestra: as aulas de
instrumento, os ensaios, os concertos, as viagens, as conversas antes, durante e depois dos
ensaios, as apresentaes em escolas e na comunidade, o cuidado com os instrumentos, as
comemoraes de aniversrios, etc. Todas essas situaes podem se constituir em espaos
privilegiados de pesquisa e de construo de conhecimento.

procedimentos
metodolgicos

Esta pesquisa parte da nossa prpria convivncia no ambiente da orquestra e do desejo


de compreender os processos educativos que a se do nessa convivncia social e musical
entre os integrantes da Orquestra Experimental. Segundo Paulo Freire (2001), a necessidade da
experincia relacional nos processos de vida torna-se indispensvel para o enriquecimento da
existncia humana. Para o autor,
[] h um elemento fundamental no contato e que na relao assume complexidade maior.
Refiro-me curiosidade, uma espcie de abertura compreenso do que se acha na rbita
da sensibilidade do ser desafiado. Essa disposio do ser humano de espantar-se diante das
pessoas, do que elas fazem, dizem, parecem, diante dos fatos e fenmenos, da boniteza e
feira, esta incontida necessidade de compreender para explicar, de buscar a razo de ser
dos fatos. Esse desejo sempre vivo de sentir, viver, perceber o que se acha no campo de suas
vises de fundo. Sem a curiosidade que nos torna seres em permanente disponibilidade
indagao, seres da pergunta bem feita ou mal fundada, no importa no haveria a
atividade gnosiolgica, expresso concreta de nossa possibilidade de conhecer. (Freire, P.,
2001, p. 76)

Nessa busca pelo conhecimento e pelas descobertas de uma prtica na qual estamos
inseridas, colocamo-nos no grupo como pesquisadoras que tentam compreender, ao mesmo
tempo, suas prprias prticas sociais e processos educativos no espao da orquestra, assim
como tentam observar, registrar e compreender os mesmos processos, a partir de conversas
com outros msicos participantes da mesma orquestra. Segundo Paulo Freire (2001, p. 78),
[] para refletir teoricamente sobre a minha prtica no me necessrio mudar de contexto
fsico. preciso que minha curiosidade se faa epistemolgica. O contexto apropriado para
o exerccio da curiosidade epistemolgica o terico. Mas, o que torna terico um contexto
no seu espao e sim a postura da mente. Da, que possamos converter um momento do
contexto concreto em momento terico. [] No a curiosidade espontnea que viabiliza
a tomada de distncia epistemolgica superando a curiosidade ingnua, ela se faz mais
metodicamente rigorosa. No o conhecimento cientfico que rigoroso. A rigorosidade se
acha no mtodo de aproximao do objeto.

Metodologicamente, este um estudo de carter exploratrio, onde nos inserimos no


campo de pesquisa durante ensaios, concertos, viagens, ora na figura de regentes, musicistas,
coordenadoras, ora como colegas, realizando observaes e conversas que embasaram
e foram complementadas por entrevistas semiestruturadas com alguns dos membros da
orquestra. O estudo, tal como aponta Freire (2001), no foi fruto de uma curiosidade ingnua,
mas se desenvolveu a partir de uma necessidade de compreender e valorizar alguns aspectos
da convivncia social e humana, inerentes orquestra, que poderiam se mostrar como fatores
importantes para manuteno da qualidade musical e humana do grupo.
Mas foi preciso se afastar ainda mais da concretude das experincias pessoais para melhor
compreender aquilo que se dava no ambiente da Orquestra Experimental. Foi construdo ento,

86

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 79-91 | jul.dez 2011

Prticas musicais coletivas: um olhar para a convivncia em uma orquestra comunitria

a partir da necessidade de maior aproximao com alguns dos participantes da orquestra,


um roteiro de entrevista que favorecesse a compreenso do que significava fazer parte dessa
orquestra. Segundo Oliveira e Stotz (2004, p. 1),
[] a busca do dilogo descrita por Brando (2001) como parte da aventura da educao,
sendo este no simples metodologia de trabalho, mas o fim e o sentido de uma educao
conscientizadora (p. 25). Uma busca, diz Brando, difcil e inalcanvel (p. 25). O dilogo
se d no encontro entre seres humanos que pronunciam o mundo e o re-pronunciam aps
problematiz-lo, um ato de criao e recriao.

Atravs do dialogo e das entrevistas realizadas com os participantes, pudemos parar para
observar, destacar e tentar compreender os processos educativos que temos na convivncia com
o grupo, processos esses que acontecem no nosso dia a dia e dos quais nem sempre temos
conscincia. Na percepo e conscincia das trocas e aprendizagens que temos na relao
com o grupo e da importncia que elas tm na nossa formao pessoal e social, podemos criar
momentos propcios para que, no futuro, elas continuem acontecendo.
Para Ecla Bosi (2003), a entrevista ideal aquela que permite a formao de laos de
amizade. A relao do pesquisador com o sujeito envolve responsabilidade pelo outro tanto
como em qualquer outra relao de amizade. Da qualidade do vnculo vai depender a qualidade
da entrevista. Diz a autora sobre a relao pesquisador/sujeito:
Narrador e ouvinte iro participar de uma aventura comum e provaro, no final, um sentimento
de gratido pelo que ocorreu: o ouvinte, pelo que aprendeu; o narrador, pelo justo orgulho
de ter um passado to digno de rememorar quanto o das pessoas ditas importantes. Ambos
sairo transformados pela convivncia. (Bosi, 2003, p. 61)

As observaes foram registradas em notas de campo e aconteceram, sistematicamente,


no decorrer de um ano de atividade da orquestra. J as entrevistas foram realizadas no segundo
semestre de 2010, nas dependncias da Universidade Federal de So Carlos, durante ou aps
ensaios da orquestra. As transcries das entrevistas gravadas foram feitas na ntegra, os dados
obtidos foram lidos e relidos com o objetivo de destacar as informaes mais relevantes obtidas
na coleta de dados. Os critrios para escolha dos dados que seriam discutidos foram baseados
em aspectos que pudessem indicar o que as pessoas ensinam e aprendem na convivncia da
orquestra. As falas mais relevantes foram selecionadas e analisadas, com um olhar que permitiu
apreender a diversidade de culturas e de sentido de vida presentes nas observaes, conversas
e dilogos. Segundo Minayo (2004, p. 20),
as sociedades humanas existem num determinado espao, num determinado tempo, em que
os grupos sociais que as constituem so mutveis e que tudo, instituies, leis, vises de
mundo so provisrios, passageiros, esto em constante dinamismo e potencialmente tudo
est para ser transformado.

Para a escolha dos participantes das entrevistas, a inteno e os objetivos da pesquisa


foram apresentados para a orquestra em um dia de ensaio em que todos os msicos estavam
presentes. Muitos deles se ofereceram e, entre os interessados, foram escolhidos cerca de
oito participantes, cada um com uma trajetria diferente dentro da orquestra, de maneira que
a diversidade entre as pessoas pudesse ser mantida e observada. Pessoas com muito (dez
anos) ou pouco tempo (um ano) de participao, estudantes de msica, estudantes de outras
graduaes, profissionais formados, pessoas da comunidade, estudantes de ensino bsico.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 79-91 | jul.dez 2011

87

JOLY, Maria Carolina Leme; JOLY, Ilza Zenker Leme

as aprendizagens advindas
da convivncia

Um olhar para os resultados obtidos nas observaes e entrevistas mostrou uma variedade
significativa de aspectos relacionados aos processos educativos vivenciados nos espaos de
convivncia da Orquestra Experimental. Estes resultados aqui apresentados so especficos de
nosso olhar de pesquisadoras cujas tentativas de compreenso foram baseadas em referencial
terico particularmente adotado, o que torna tanto a organizao quanto a anlise referenciais
especficos deste momento do trabalho, sujeitos sempre a novas interpretaes e concluses.
[] o produto final da anlise de uma pesquisa, por mais brilhante que seja, deve ser sempre
encarado de forma provisria e aproximativa. Esse posicionamento, por ns partilhado, se
baseia no fato de que, em se tratando de cincia, as afirmaes podem superar concluses
prvias a elas e podem ser superadas por outras afirmaes futuras. (Minayo et al., 1994, p.
79)

A partir da organizao dos dados e do estudo do referencial terico, foi possvel perceber
a riqueza de trocas de saberes presentes em uma orquestra em que seus coordenadores esto
preocupados no apenas com o resultado musical, mas tambm com o envolvimento e o
crescimento de seus participantes atravs do fazer musical em grupo. Os processos educativos
que se do no convvio de um grupo to heterogneo esto contribuindo para a formao pessoal
e social de seus participantes, educando e sensibilizando cada um atravs da convivncia
resultante do interesse comum de tocar em uma orquestra. Foi possvel destacar aspectos que
nos fazem compreender melhor os motivos que levam uma pessoa estudar msica:
Eu comecei a tocar quando tinha 10 anos, de maneira informal porque ganhei um teclado de
presente.
Eu cheguei na orquestra atravs da musicalizao, que eu no lembro porque comecei. Acho
que foi minha me que me colocou.
Eu comecei a ter contato com a msica porque minha me professora de piano.

Essas informaes nos oferecem as trajetrias de acesso msica e as possibilidades de


criar oportunidades que aproximem as pessoas de um fazer musical. Conversas com participantes
e as nossas vivncias pessoais apontaram para a importncia da famlia como ncleo motivador
do estudo musical, mas mostraram que a existncia da orquestra, como espao comunitrio,
um elemento que motiva e mantm muitas pessoas fazendo msica.
Outro aspecto a destacar a importncia da msica na vida das pessoas, das quais
podemos listar algumas falas.
Eu no consigo me ver, lembrar de mim, sem tocar na orquestra, sem ter esse contato mais
prtico com ela.
A msica sempre foi presente na minha vida, desde pequeninha, porque a gente sempre
brincava de cantar, de danar e eu sempre gostei. E uma coisa muito engraada que, desde
pequena, eu sempre achei que deveria ter msica na escola.
Eu acho que ningum vive sem msica, sempre vai ter uma msica em qualquer parte da sua
vida, nem que seja em um filme, num relacionamento, na sua famlia, entre os amigos. Eu acho
que um negcio que integra as pessoas.

De acordo com Cruvinel (2005), a msica uma forma de arte necessria a todos porque
uma manifestao da cultura sempre presente na humanidade. Para a autora, falar de msica

88

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 79-91 | jul.dez 2011

Prticas musicais coletivas: um olhar para a convivncia em uma orquestra comunitria

falar de respeito e amor ao prximo, natureza, ao mundo em que se vive. possvel perceber
isso nas falas dos participantes da orquestra, e possvel confirmar a presena da amorosidade
da qual nos fala Paulo Freire (1987).
Sobre a aprendizagem individual e em grupo foi possvel destacar:
No piano voc estuda sozinha, mas voc faz muito. Voc corrige seu andamento, voc toca
mais devagar nos pedacinhos que voc no sabe muito bem, e, assim, vai levando. Agora,
quando voc toca em grupo, j outro esquema, ento voc tem que pensar muito no pulso,
na harmonia de todo mundo, no conjunto, se voc est aparecendo muito ou pouco. Tem que
haver aquele equilbrio da orquestra. Ento isso tudo para mim foi uma experincia muito nova,
muito gostosa porque eu aprendi a ouvir mais, a perceber mais em cada naipe, em cada som
que se ouve na orquestra.
Eu sempre quis que minha filha aprendesse diferente de mim, que ela no comeasse s com
um instrumento e sozinha, porque eu achava que a msica tinha que ser uma coisa trabalhada
em conjunto, o que muito mais gostoso.

A importncia e a valorizao da experincia musical em grupo so destacadas nessas falas


e podem ser ainda mais notadas em outros recortes de conversas com os msicos da orquestra:
A importncia da orquestra na minha vida uma coisa muito interessante, porque ela surge em
uma poca em que eu estava sem atividade, s por conta da casa, de filho crescendo. Vir para
a orquestra foi ento uma coisa muito gostosa que me deu oportunidade de um trabalho mais
intelectualizado, e eu, que j no tocava, voltei a tocar, a reler, a ter aquela obrigatoriedade de
estudar, e isso foi muito importante e prazeroso, claro.
Uma das coisas que me fizeram transferir de curso e universidade foi a orquestra, por causa
da convivncia que eu tinha, da possibilidade de estar com os amigos, de estar inteirada na
orquestra. So pessoas que tambm buscavam a msica, que se sensibilizavam, que queriam
uma experincia em conjunto.
A orquestra para mim muito importante porque eu tenho um crculo de amizade muito grande
aqui dentro, e foi atravs dela que eu aprendi muita coisa.

Finalmente, algumas falas que trazem tona os aspectos da convivncia:


Na orquestra voc aprende muitas outras coisas, como, por exemplo, a concentrao, a noo
de conjunto, a vivncia e respeito com os outros msicos. Observar a regncia tambm
uma coisa fundamental porque voc percebe melhor a harmonia, o ritmo, o contraponto e o
entrosamento entre todas as pessoas.
A preocupao que voc passa a ter com as pessoas, em relao amizade, vai ampliando,
e se abre um leque de possibilidades de relacionamento o tempo todo.
As amizades que voc acaba criando com as pessoas que sempre sentam ao seu lado, toda
semana, so muito prazerosas. muito legal voc tocar ao lado de gente que voc gosta, de
voc ver isso com amizade, e dessas pessoas te ajudarem e voc tambm ter oportunidade
de ajud-las.
Aprender a errar, aprender a no ter vergonha. E isso se remete a outros fatores da vida.
possvel ter menos vergonha de se expressar em outros ambientes, com outras pessoas,
com pessoas que voc nem conhece. importante conseguir expressar aquilo que se quer
expressar.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 79-91 | jul.dez 2011

89

JOLY, Maria Carolina Leme; JOLY, Ilza Zenker Leme

E outra coisa conviver com outras pessoas, o que muito importante: aprender a respeitar
outras pessoas, tocar na hora certa, no ficar amolando

Acreditamos que, em especial, a solidariedade, o autoconhecimento, o conhecimento e


respeito com o outro, a amizade e as construes de laos afetivos so aspectos significativos
apontados pela pesquisa. Aprendizagens musicais tambm aparecem como pontos importantes
para o crescimento individual e coletivo. Portanto, os processos educativos decorrentes da
convivncia na orquestra comunitria so fatores de transformao constante dos msicos
participantes. Esses aspectos talvez faam a diferena dessa orquestra para aqueles modelos
estudados ao longo da histria da msica ocidental, que constituem os modelos mais tradicionais
de orquestra.
Segundo Paulo Freire (2001, p. 21), refletir, avaliar, programar, investigar, transformar so
especificidades dos seres humanos no e com o mundo. Ento, a convivncia na orquestra
comunitria, objeto de estudo deste trabalho, criou um espao significativo para o encontro de
pessoas que estreitam amizades, conversam, brincam, tocam e transformam o mundo que est
sua volta. Os dados tambm apontam para um compartilhar de experincias entre os msicos
e a comunidade sua volta, e, dessa forma, possvel dizer que essa msica que vivenciada
e produzida no interior dessa orquestra comunitria leva os participantes a se transformarem
no decorrer do processo educativo e musical, a transformarem o mundo ou parte do mundo
onde esto inseridos, quando se organizam e compartilham o seu produto musical com outras
pessoas, ouvintes de diferentes comunidades nos concertos da orquestra.
Como pesquisadoras integrantes do grupo, tambm foi possvel perceber as nossas
aprendizagens pessoais e notar as transformaes individuais geradas pelo compartilhar da
amizade, conhecimentos e dificuldades na convivncia com o grupo. Os processos educativos
ao longo do convvio com as pessoas em dinmicas diversas de ensaio e concerto so inmeros:
aprendemos a esperar a vez de tocar, a enxergar o outro atravs dos sons de seu instrumento,
bem como a compartilhar as amizades com pessoas das mais diferentes idades, classes sociais,
aprendendo a sermos flexveis, criar vnculos afetivos, ampliar o crculo de amizades e com elas
a aquisio de novas motivaes e alegria de vida.
Ao finalizar o olhar atencioso para os dados levantados possvel afirmar que o conhecimento
produzido por este trabalho pode proporcionar um dilogo muito importante e significativo para a
educao musical, considerando que as aprendizagens musicais podem e devem ser ampliadas
com o desenvolvimento humano decorrente das prticas coletivas.

90

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 79-91 | jul.dez 2011

Prticas musicais coletivas: um olhar para a convivncia em uma orquestra comunitria

BEINEKE, V. A diversidade em sala de aula: um olhar para a prtica de uma professora de msica. Revista
do Centro de Educao: Dossi: Educao Musical, v. 28, n. 2, p. 59-70, 2003.

referncias

BOSI, E. O tempo vivo da memria. Cotia: Ateli Editorial, 2003.


BRANDO, C. R. Aprender o amor: sobre um afeto que se aprende a viver. Campinas: Papirus, 2005
CRUVINEL, F. M. Educao musical e transformao social: uma experincia com ensino coletivo de
cordas. Goinia: Instituto Centro-Brasileiro de Cultura, 2005.
FIORI, E. M. Conscientizao e educao. Educao e Realidade, v. 11, n. 1, p. 3-10, jan./jun. 1986.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
______. sombra desta mangueira. So Paulo: Olho Dgua, 2001.
FREIRE, V. B. Msica e sociedade: uma perspectiva histrica e uma reflexo aplicada ao ensino superior de
msica. 2. ed. rev. e ampl. Florianpolis: Associao Brasileira de Educao Musical, 2011.
HELLER, A. O cotidiano e a histria. So Paulo: Paz e Terra, 1992.
KATER, C. O que podemos esperar da educao musical em projetos de ao social. Revista da Abem, n.
10, p. 43-51, mar. 2004.
LINHARES, C., TRINDADE, M. de N. (Org.). Compartilhando o mundo com Paulo Freire. So Paulo: Cortez:
Instituto Paulo Freire, 2003. (Biblioteca Freireana, v. 7).
MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em sade. So Paulo: Hucitec, 2004.
MINAYO, M. C. de S. et al. Pesquisa social: teoria, mtodo e criatividade. Petrpolis: Vozes, 1994.
OLIVEIRA, M. W.; STOTZ, E. N. Perspectivas de dilogo entre organizaes governamentais e no
governamentais e instituio acadmica: o convvio metodolgico. In: ANAIS da 27 reunio da ANPES: GT
Educao Popular. 2004. 1 CD-ROM.
PENNA, M. Poticas musicais e prticas sociais: reflexo sobre a educao musical diante da diversidade.
Revista da Abem, n. 13, p. 7-16, set. 2005.
TELLES, N.; PEREIRA, V. H. A.; LIGIERO, Z. (Org.). Teatro e dana como experincia comunitria. Rio de
Janeiro: EdUERJ, 2009.

REVISTA DA ABEM

Recebido em
30/04/2011
Aprovado em
04/07/2011

| Londrina | v.19 | n.26 | 79-91 | jul.dez 2011

91

GAINZA, Violeta Hemsy de

Aprendizagem criativa na escola:


um olhar para a perspectiva das
crianas sobre suas prticas
musicais
Creative learning at school: from a childrens perspective on music making

VIVIANE BEINEKE Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc)

resumo

`[email protected]

O artigo focaliza a aprendizagem criativa no contexto da educao musical escolar,


sob a perspectiva de um grupo de crianas da segunda srie do ensino fundamental,
explorando a maneira como significam e atribuem sentidos s suas experincias
musicais em sala de aula. Tal discusso resulta de pesquisa mais abrangente,
realizada com o objetivo de investigar como as dimenses da aprendizagem criativa
se articulam em atividades de composio musical. O mtodo consistiu num estudo
de caso que englobou observaes, entrevistas com a professora de msica e
grupos focais com os alunos. A anlise dos resultados destaca as concepes
das crianas sobre msica, sobre os processos de composio e sobre o prprio
processo de aprendizagem. Argumenta-se que ouvir e compreender a perspectiva
dos alunos sobre sua aprendizagem pode oferecer subsdios importantes para o
professor, visando construo de propostas de educao musical que valorizem
aprendizagens colaborativas, de seres humanos que se relacionam fazendo msica,
que se escutam e que aprendem uns com os outros.
PALAVRAS-CHAVE: aprendizagem criativa, composio musical de crianas,
educao musical na escola bsica

abstract

The article focuses on creative learning in the context of elementary music instruction
in the classroom from a second-grade student perspective, exploring the ways in
which students attribute meaning to their musical experiences. The author analyzes
research performed with the objective of investigating articulations of creative
learning in student music composition activities. The methodology consists of a
case study including observation, interviews with a music teacher and focus groups
with students. The results analysis points out the childrens conception about music
composition process inside the classroom and musical learning process itself.
It is argued that hearing and understanding the students perspective of their own
learning can offer important benefits to the teacher. The analysis reflects a music
education proposal that values collaborative learning and human musical interactions
from mutual listening and mutual learning.
KEYWORDS: creative learning, children musical composition, music education

in the primary school

92

REVISTADA
DAABEM
ABEM
REVISTA

Londrina || v.19
v.19 || n.26
n.26 ||92-104
86-98 || jul.dez
|| Londrina
jul.dez 2011
2011

Aprendizagem criativa na escola: um olhar para a perspectiva das crianas sobre suas prticas musicais

Ramiro: [Na aula de msica] a gente pode a gente pode inventar coisa maluca.
Luciano: A gente pode inventar instrumentos que nem existem. D pra fazer msica em tudo assim!

perspectiva
das crianas
na pesquisa
educacional

a rea de educao musical e, mais especificamente, no campo das pesquisas


sobre criatividade e composies infantis, observa-se uma preocupao progressiva
com perspectivas educacionais que procuram ouvir as crianas, valorizando seus

conhecimentos e maneiras de fazer e significar suas experincias musicais dentro e fora da


escola. Tradicionalmente, as prticas musicais das crianas so entendidas sob a ptica dos
adultos, sem considerar que as crianas podem ter uma compreenso diferente sobre msica,
como revelam as pesquisas de Barret (2003, 2011), Brito (2007), Burnard (2002, 2006), Campbell
(2006, 2011), Custodero (2007), Marsh (2008, 2011), Young (2008) e Younker (2009), entre outras.
Campbell (2006) observa a emergncia de trabalhos que procuram compreender as crianas
como crianas, analisando como agem em seus contextos sociais e culturais, com o fito de
conhecer mais amplamente seus pontos de vista, suas experincias e comportamentos. Nessa
direo, a autora destaca orientaes tericas e metodolgicas que procuram trazer as vozes
expressivas das crianas, reconhecendo que cada uma tem sua prpria identidade, estabelecida
na interao com seus pares e com sua famlia e interagindo com diversas foras. Contrariando
pesquisas centradas na viso musical e educacional dos adultos, vm sendo envidados esforos
para compreender as perspectivas das crianas nos processos educacionais, entendendo-as
como agentes da sua aprendizagem.
Pesquisas em educao musical que consideram as perspectivas e significados das
atividades sob a ptica das crianas tm demonstrado que suas prticas precisam ser
compreendidas segundo seus prprios parmetros, que muitas vezes no correspondem aos
critrios dos adultos. Esses parmetros decorrem do mundo social e cultural vivido e internalizado
pela criana, vista como um sujeito que pensa e constri. O conceito de voz do aluno vem se
tornando corrente nas pesquisas com crianas e est descobrindo-se que elas tm muito a dizer
sobre o que e como pensam (Burnard, 2006). Na mesma direo, Glover (2000) salienta que as
msicas das crianas tm caractersticas prprias, no podendo ser caracterizadas como meras
imitaes incompetentes dos adultos que as rodeiam. No Brasil, as pesquisas desenvolvidas
por Santos (2006) e Brito (2007) focalizam as ideias de msica elaboradas por crianas. A partir
desse conceito,1 Brito (2007) procura compreender o fazer/pensar musical das crianas como

processos de desenvolvimento emergentes e singulares, no cartesianos.


Esses trabalhos revelam que as pesquisas sobre a criatividade na educao musical precisam
voltar seu olhar para a perspectiva das crianas, buscando compreender como entendem suas
composies musicais e o seu processo de aprendizagem no contexto da aula de msica. Sob
essa ptica, o presente artigo focaliza o entendimento de um grupo de crianas no contexto da
educao musical escolar, explorando seus pontos de vista, significados e sentidos atribudos

1. Segundo Brito (2007, f. 14), o conceito ideias de msica dinmico, referindo-se mobilidade do pensamento musical,
em tempos e espaos distintos, como tambm com relao ao pensamento da criana.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 92-104 | jul.dez 2011

93

BEINEKE, Viviane

s suas prticas em sala de aula. Esse enfoque apresenta recorte de pesquisa mais abrangente
(Beineke, 2009), realizada com o objetivo de investigar como as dimenses da aprendizagem
criativa se articulam em atividades de composio musical na educao musical escolar.2

contexto e
procedimentos metodolgicos da
pesquisa

A pesquisa foi realizada em escola comunitria na regio central de Porto Alegre, da qual
participaram uma turma da segunda srie do ensino fundamental,3 formada por 23 alunos com
idades entre 7 e 9 anos, e Madalena, a professora de msica. O ensino de msica estava previsto
na matriz curricular da escola em todos os anos do ensino fundamental, com uma aula semanal
de 50 minutos. As aulas de msica foram realizadas em sala equipada com vrios instrumentos
musicais de percusso, como xilofones, metalofones, pandeiros, tringulos, chocalhos, tambores
e flautas doces, alm de um violo e um piano. O espao fsico utilizado era limitado, mas nas
atividades de composio em pequenos grupos os alunos utilizavam tambm o espao do
saguo, em frente sala de msica.
Considerando o objetivo desta pesquisa, optei por realizar um estudo de caso (Stake, 2003),
por sua natureza qualitativa. Com esse enfoque, procuro contemplar a complexidade da aula,
ouvindo as crianas e a professora para discutir a criatividade em atividades de composio
musical. O desenho da pesquisa incluiu: 1) observao e registro em vdeo de atividades de
composio musical na turma participante, de outubro a dezembro de 2007; 2) grupos focais
com os alunos, com o objetivo de conhecer as suas concepes e pensamentos sobre
msica, enquanto assistiam e comentavam as composies musicais da turma; e 3) entrevistas
semiestruturadas e de reflexo com vdeo com a professora em que ela, assistindo s prprias
aulas gravadas, era incentivada a refletir sobre os sentidos e significados que atribui criatividade,
s atividades de composio realizadas em sala de aula e ao processo de participao dos
alunos nas atividades observadas.
Foram observados dois conjuntos de atividades de composio musical:4 o primeiro, uma
proposta de composio de arranjo para a cano Zabelinha,5 e o segundo, a elaborao
de uma composio utilizando a escala pentatnica. Cada conjunto de atividades incluiu: a
apresentao da proposta de composio pela professora; a realizao da composio pelos
alunos, em pequenos grupos; a apresentao das composies para a turma e um momento de
anlise e crtica das composies pela classe.
Aps a transcrio das entrevistas com a professora, dos grupos focais com os alunos
e dos dilogos captados pelas filmagens em sala de aula, iniciei uma leitura preliminar dos
dados, categorizando-os segundo as temticas abordadas. A seguir, passei a utilizar o software
NVivo 8,6 um dos programas disponveis no mercado do sistema CAQDAS (Computer-aided

2. Pesquisa de doutorado realizada no Programa de Ps-Graduao em Msica da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, sob orientao da Profa. Dra. Liane Hentschke.
3. Quando foram realizadas as observaes em sala de aula, o ensino fundamental na escola ainda funcionava no
sistema de oito anos.
4. As aulas foram observadas na ntegra e sem interrupo.
5. Cano folclrica brasileira.
6. O software NVivo 8 produzido pela QSR International Pty Ltd. ( 2008).

94

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 92-104 | jul.dez 2011

Aprendizagem criativa na escola: um olhar para a perspectiva das crianas sobre suas prticas musicais

qualitative data analysis software), elaborado para auxiliar o pesquisador na anlise de dados
qualitativos.

Eles [os alunos] tm conhecimento prvio que eles trazem pra sala de aula. E esse
conhecimento afetivo, musical, do mundo. tudo ali, ao mesmo tempo, no s
musical. (Professora Madalena)

Neste trabalho, focalizo o universo das aulas de msica observadas, mas sem perder de

perspectivas
das crianas
sobre suas
prticas
musicais

vista que tal universo est sempre inserido na totalidade de experincias das crianas. Por isso,
necessrio buscar compreender suas prticas e concepes sobre o fazer musical fora da
escola e como essas ideias se manifestam na aula de msica. Segundo Campbell (2007), essas
vivncias e prticas musicais esto relacionadas aos valores e funes da msica na vida das
crianas, porque desde a infncia elas pensam e dialogam com outros em relao msica, com
influncias mediadas pelos adultos e pares, como pais, colegas e irmos. Marsh (2011, p. 58)
refora essa ideia quando afirma que igualmente importante reconhecer que as compreenses
das crianas so sofisticadas, na medida em que refletem uma diversidade de expresses
culturais, provenientes de diversas fontes de influncia.
Atravs das observaes e dos grupos focais com as crianas, foi possvel conhecer
algumas das suas concepes sobre msica e sobre o seu processo de aprendizagem nas aulas.
Neste artigo destaco algumas delas, focalizando a maneira como as crianas significam suas
experincias musicais e lhes atribuem sentido. A primeira delas est relacionada ideia de que
msica se faz para algum, enfatizando a ideia de msica enquanto atividade social, para fazer
com e para outras pessoas. A seguir so vistas algumas ideias das crianas sobre os processos
de composio em grupo, que envolvem a indissociabilidade entre as atividades de compor e
tocar. Por fim, so analisadas ideias das crianas sobre sua aprendizagem, caracterizadas pela
participao colaborativa, favorecendo a aprendizagem criativa.
importante ressaltar que essas ideias so construdas intersubjetivamente em classe,
entre as crianas e a professora, contemplando a interao daqueles que participam da sua
construo. Dessa forma, no representam uma simples soma das ideias de cada sujeito, porque,
como explica Martinazzo (2005), resultam do entendimento construdo intersubjetivamente por
eles, num processo derivado sempre de consensos provisrios que vo sendo construdos no
grupo.

Mostrar uma msica pra pessoa, no importa se tem palco, no importa o lugar o que
importa cantar pra pessoa. (Bento)

Conversando com as crianas nos grupos focais sobre os motivos que levam as pessoas
a fazer msica, as crianas manifestam que querem ser famosas, porque querem que outras
pessoas gostem da msica que ela inventou, tm vontade de tocar msica para muitas
pessoas, pra alegrar as pessoas, pra ter dinheiro e fama. Falam tambm sobre o contedo da
letra, como uma mensagem que os msicos querem levar s pessoas. Msica entendida como

REVISTA DA ABEM

A ideia de
que msica
se faz para
algum

| Londrina | v.19 | n.26 | 92-104 | jul.dez 2011

95

BEINEKE, Viviane

comunicao, como uma prtica que as pessoas fazem juntas ou para outras pessoas, para
apresentar, agradar o pblico, fazer sucesso. As falas mostram que a compreenso das crianas
est conectada s prticas musicais que vivenciam socialmente, principalmente influncia da
famlia e da mdia, em especial a televiso. Outra ideia de msica das crianas, relacionada
sua concepo sobre a natureza da msica, a compreenso de que msica uma atividade
social conectada vida cotidiana. Como reflete Violeta quando lhe pergunto como imagina que
as pessoas compem msica: Hummm no sei eles pegam da vida Eles pegam da vida
e colocam na msica.
Essas concepes sobre os valores da msica esto presentes tambm em sala de aula e se
manifestam principalmente quando as crianas falam sobre os momentos de apresentao dos
trabalhos e sobre os significados da composio para elas. Essas representaes, fortemente
veiculadas nos meios de comunicao, participam da construo das suas ideias de msica e
influenciam todas as suas prticas musicais, porque elas fazem suas msicas, apresentam-nas
aos colegas e participam tambm do processo de crtica musical, um conjunto de atividades que
representa prticas musicais socialmente legitimadas para elas.
Marisa: A gente tem uma noo como, praticamente uma noo de como um show,
como se fosse um msico.
Gaspar: Talvez se inspirar neles.
Violeta: , pra j ter umas ideias. o High School Musical.7

Nos momentos de apresentao das composies, as crianas relacionam essa prtica


com atividades musicais profissionais, como Joana, quando afirma, sobre as apresentaes
em aula, eu me sinto como se fosse uma cantora e parece que a gente uma banda. A
maneira como essa atividade conduzida em aula pela professora tambm contribui para esse
sentimento das crianas, que explicam:
Joana: A professora Ela Os que esto assim no palco, ela acende a luz do palco e na
plateia assim, fica escuro, da parece, d
Bento: Tu sabia que parece um palco mesmo?
Joana: , parece. A gente inventa, da a gente sabe usar isso que a gente fez e
tambm, a gente se sente um cantor.

Nessa perspectiva de que msica se faz em grupo, as crianas do evidncias de que a


atividade musical solitria no faz muito sentido para a maioria delas. Esse ponto de vista fica
mais claro quando elas analisam um trabalho produzido individualmente, dizendo que no ficou
muito legal, porque ficou s de um (Natacha), ou que de um sem graa, mas de dois legal
(Violeta). Sobre a mesma composio, Joana lamenta o resultado: Eu acho que tem que fazer
junto, assim: um faz uma parte e o outro porque, no pode ser s um. importante ressaltar
que essa concepo no consenso entre as crianas e que essa posio pode ser revisada,
como quando Joana comenta, logo aps a audio: [] a primeira vez que eu gosto s com

7. Filme musical adolescente da Disney, que conta a histria de dois jovens que se conhecem na escola e descobrem a
paixo em comum pela msica. A trilha sonora do filme vendeu milhes de cpias.

96

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 92-104 | jul.dez 2011

Aprendizagem criativa na escola: um olhar para a perspectiva das crianas sobre suas prticas musicais

um. De qualquer forma, pode-se perceber que a concepo de que msica se faz em grupo
est relacionada s vivncias musicais das crianas como um todo, que parecem no incluir de
forma significativa prticas musicais solo, reafirmando a ideia de que msica uma prtica para
ser vivida coletivamente.
Nos grupos focais, as crianas falam sobre a importncia de apresentar suas composies
aos colegas, revelando que compem suas msicas para o grupo e, mais do que isso, desejam
que sua composio seja aceita na turma ou faa sucesso, construindo a ideia de aceitao
social pelos pares, aspecto observado tambm por Wiggins (2003). O nervosismo e a expectativa
de se apresentar aos colegas assunto que surge em diversos momentos dos grupos focais.
Joana: A gente fica preocupada
Marisa: A gente fica nervosa a gente fica nervosa, a gente pensa assim, h, ai sei
l, que o colega vai fazer um comentrio ruim.
Pesquisadora: E mesmo assim, vocs gostam de apresentar ou preferiam no apresentar?
Maiara: Gosto.
Joana: Gosto.
[]
Maiara: Na hora de apresentar, d um frio na barriga!
Violeta: verdade.
Marisa: Tu fica nervoso, tu diz assim: ah, eu quero fazer primeiro pra passar logo.
Violeta: verdade, tu no por causa que tem muita vergonha. Principalmente quando
tu fica olhando pro pblico, n?

Nesse processo, a apresentao das composies nas aulas parece conferir relevncia s
atividades realizadas em classe, conectando as crianas ao mundo real, ao universo musical
que elas vivenciam fora da escola, em sintonia com suas ideias de msica. As apresentaes
tambm so prazerosas porque so desafiantes, envolvem uma situao de risco, motivando-as
para realizar os trabalhos. Alm disso, elas parecem representar um momento de reconhecimento,
num processo que se retroalimenta ter seu trabalho valorizado e reconhecido perante a turma
confere credibilidade s atividades de composio e aumenta o engajamento das crianas na
realizao de novas composies.

[importante] todos gostarem da ideia. Todos os que esto no grupo gostarem da ideia,
porque se s um gosta, s um vai fazer com vontade. (Marisa)

As anlises que as crianas fazem dos trabalhos dos colegas revelam o valor que elas
atribuem ao engajamento do grupo durante o processo de composio, para que todos do grupo

o olhar das
crianas
sobre o
processo de
composio

gostem da ideia e participem da atividade de forma prazerosa. Nesta pesquisa, a concepo de


que o grupo precisa ter qualidade na interao e engajamento no trabalho se reflete tambm na
maneira como as crianas entendem a relao entre compor e tocar. Analisando as discusses
das crianas sobre o processo de composio, observa-se que elas se preocupam em compor

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 92-104 | jul.dez 2011

97

BEINEKE, Viviane

uma msica que o grupo consiga executar. Dessa forma, a qualidade do produto apresentado
pode ser entendida como resultado desse processo, isto , se a apresentao no ficou boa,
quer dizer que houve problemas de comunicao e negociao no grupo ao elaborar o prprio
trabalho.
Natacha: Eu que tive eu e a Gabriela que tivemos a ideia. que antes ns trs amos
fazer isso no final.
Violeta: , mas no ficou muito bom, n?
Graa: Ficou difcil.
Pesquisadora: No deu certo?
Violeta: [faz com a cabea que no]
Pesquisadora: Por que no dava certo?
Violeta: Ai, porque ficava muito confuso.
Natacha: , e s vezes algumas se esqueciam.
Violeta: .
Pesquisadora: No conseguiam fazer juntas?
Violeta: , da ficou melhor assim.

Fernando: O Lcio primeiro pegou a flauta.


Lcio: Depois eu troquei porque no combinava.
Fernando: . No que no combinasse, tu que no conseguia tocar.
Lcio: Era difcil.

Nessas falas observa-se que as crianas vo adaptando as composies s habilidades


de execuo dos colegas, revisando aquelas ideias que o grupo no consegue executar. Dessa
maneira, a atividade de composio em grupo permite a participao em diferentes nveis de
dificuldade quanto execuo instrumental. Para Sawyer (2008, p. 57), essa caracterstica do
fazer musical colaborativo proporciona que cada aluno participe de maneira significativa em seu
nvel, impulsionando as crianas em direo a uma crescente apropriao, mestria e participao
central na atividade musical. Como explicam Jeffrey e Woods (2009), na aprendizagem criativa
a aquisio de habilidades tcnicas importante para os alunos porque eles as desenvolvem
enquanto as utilizam para desenvolver seus projetos. Segundo os autores, isso encoraja a
experimentao das crianas, visando perfeio e ao domnio das habilidades requeridas em
seus projetos criativos, em um processo que as mantm motivadas para continuar a desenvolver
suas habilidades. Nesse processo, as crianas aprendem mais do que habilidades e conceitos
musicais, incluindo tambm aprendizagens sobre processos colaborativos de trabalho.
Analisando caractersticas da interao musical em jogos cantados no contexto informal
de parques e praas, Marsh (2008) considera evidente que os processos composicionais das
crianas so influenciados pela sua colaborao interativa. A autora observa que as composies
so moldadas num ciclo interdependente de composio e performance em grupo, em processo
cclico de execuo e criao relacionado tradio da transmisso oral das msicas. Essa
prtica se aproxima do relato de um dos grupos nesta pesquisa, que explica seu trabalho de
composio como um processo em que os participantes vo tocando, ouvindo, avaliando e
ensaiando, at que a composio se estabiliza e ganha o contorno final.
Bento: Quando a gente comea
Joana: A gostar da msica assim

98

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 92-104 | jul.dez 2011

Aprendizagem criativa na escola: um olhar para a perspectiva das crianas sobre suas prticas musicais

Bento: A gostar da msica, comea a imitar o ritmo da pra mim, tocar, tocar de
novo pra ensaiar, n? E depois ensaiar todo mundo junto pra ver se t certo.
Joana: , quando a gente faz uma msica a gente tem que ir fazendo assim, at que sai
uma coisa assim, e Da se tu gosta, bota [na composio]. Se no, tu vai fazendo a
msica at o final e se tu gostar de tudo, da tu deixa assim mesmo. E a gente vai ensaiar.

Nesse relato observa-se que a composio produzida num processo de explorao e


improvisao no grupo, que vai construindo a msica em conjunto. Essa maneira de pensar
a composio tambm se assemelha aos pensamentos de crianas pesquisadas por Burnard
(2006), quando elas descrevem a composio como um processo circular de experimentao,
reviso, confirmao e nova reviso de ideias.
Discutindo a composio de crianas e jovens, Martin (2005, 2010) questiona a pertinncia
do conceito de composio de msica de concerto, em que o compositor compe para que
o performer toque a msica. Para esse autor, esse conceito tradicional de composio no se
aplica s crianas, que tocam antes, durante e depois da composio. Martin (2010) observa
ainda que, em outras tradies musicais, a composio tambm pensada de outras formas,
como, por exemplo, quando msicos de rock tocam e gravam suas msicas durante o prprio
processo de concepo musical. Dessa forma, a gravao fornece um feedback para reflexo
crtica da msica, que construda atravs de gravaes em vrios canais e sempre pode ser
modificada atravs de uma nova mixagem. Esse processo de ida e volta entre compor e tocar
tambm relatado pelas crianas:
Pesquisadora: Me contem como que vocs fizeram pra inventar essa msica.
Ramiro: A gente
Dante: Inventou as nossas ideias, n?
Ramiro: , eu tive uma ideia de Eu tive uma ideia de a gente tocar com uma vez
assim [sinaliza com a mo na mesa o movimento no instrumento]. E o Dante teve a
ideia de a gente tocar assim de novo [sinaliza com a mo novamente]. Da a gente teve
a ideia de ns dois tivemos a ideia de. fazer assim [sinaliza na mesa] e assim e
assim.
Dante: Ele teve uma ideia comprida que batia vrias vezes assim. Da eu no consegui
Ramiro: Da o Dante teve a ideia de a gente fazer aquilo junto.
Dante: Sim.

Nesse caso, no se trata de compor para depois ensaiar, pois a composio e a execuo/
ensaio acontecem ao mesmo tempo, ou de forma intercalada. Observa-se um redimensionamento
do conceito de processo de composio, que inclui a execuo musical, isto , as crianas vo
elaborando a msica, tocando, reelaborando as ideias, tocando, e assim sucessivamente. Como
argumenta Young (2003), o produto musical das crianas no pode ser separado do contexto
da produo, do momento do fazer musical, porque na perspectiva das crianas processo e
produto formam um mesmo conjunto. Por isso, quando as msicas so separadas do contexto
de produo, o conceito de processo torna-se abstrato e distante da maneira como as crianas
fazem e pensam msica.
Na pesquisa foi possvel observar que quando analisam os trabalhos dos colegas, as
crianas atentam no apenas para o resultado final, mas procuram tambm compreender
como aquele grupo trabalhou, se houve entrosamento e colaborao entre os colegas. Na
perspectiva das crianas, esse critrio no secundrio, mas elemento fundamental nas suas

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 92-104 | jul.dez 2011

99

BEINEKE, Viviane

anlises e consideraes. Para as crianas, as composies musicais produzidas em sala de


aula so analisadas luz de um conjunto de critrios que incluem, como prope Small (1999),
compreender os significados gerados por prticas musicais que acontecem em determinado
momento e lugar, com pessoas especficas, em vez de analisar isoladamente os significados
de um produto musical. Segundo o autor, participar do ato de musicar8 traz experincia um
conjunto de interaes, e nessas interaes que residem os significados de musicar, de forma
que as pessoas no somente aprendem sobre essas relaes, mas as vivenciam em toda a sua
complexidade.

a ideia de
aprendizagens
colaborativas
na turma

o grupo quem est dando o conhecimento [nas apresentaes]. [] Eles no so


ouvintes passivos, isso deles tambm; ento, mais l pra frente esse trabalho pode
servir (professora Madalena)

No

processo de educao musical observado na pesquisa, a apresentao das

composies para os colegas muito valorizada pela professora Madalena, que salienta
constantemente a importncia desse momento para a aprendizagem da turma. Ela procura
valorizar o empenho de cada grupo, mostrando s crianas o quanto aquele trabalho relevante
e como importante o retorno que o pblico d para o grupo que se apresentou. Dessa forma,
a apresentao no relevante apenas para quem est mostrando o seu trabalho: todo o grupo
participa da apresentao, como compositor, executante ou audincia crtica. Por outro lado, as
falas das crianas mostram que elas percebem nesse momento a possibilidade de colaborar,
de contribuir com o trabalho do grupo que se apresentou ou de aprender com as sugestes
dos colegas, como quando Luciano afirma: A gente d ideia para eles. D pra eles escutarem
se ficou boa, ou no. Ou, como explica Bento, falando sobre os momentos de avaliao das
composies da turma: Bah, eu adoro falar, porque cada um tem a sua opinio.
Dalila: Eu presto muita ateno [ apresentao dos colegas] e ouo, porque eu posso
ter uma ideia de msica. [] Eu guardo na minha cabea pra quando chegar em casa
tocar.
[]
Rebeca: Sim, porque eles [os colegas] podem escutar [a nossa composio] e podem
ter outras ideias. No s por causa disso tambm. porque eles podem escutar e ver
se t bom, como no caso deles tambm pode estar.

Essas ideias se aproximam da proposio de Sawyer (2008), de que os estudantes so


socializados em comunidades de prtica musical na sala de aula, nas quais a classe toda
colabora na aprendizagem de cada estudante. Percebe-se ento que as crianas entendem a
aprendizagem em sala de aula como uma construo coletiva, da qual todos podem participar,
dar sugestes e aprender uns com os outros. Dessa forma, as crianas veem com naturalidade

8. Small (1999) argumenta que a natureza bsica da msica no encontrada em objetos, obras musicais, mas na
ao, em algo que as pessoas fazem. Com o objetivo de expressar a ao de fazer msica e de participar de uma
performance musical, Small criou o conceito de musicar (musicking).

100

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 92-104 | jul.dez 2011

Aprendizagem criativa na escola: um olhar para a perspectiva das crianas sobre suas prticas musicais

a ideia de que podem utilizar em seus trabalhos ideias que surgiram em trabalhos de outros
grupos. Sobre esse processo de imitao entre as prprias crianas, Jeffrey e Woods (2009, p.
73, traduo minha) afirmam:
As habilidades de coparticipao ganham realce numa situao de aprendizagem criativa
em que os alunos so encorajados a utilizar um ao outro como recurso. [] Isso inverte
o carter dominante em outros contextos de aprendizagem, em que a imitao muitas
vezes desaprovada. Aqui ela parte da aprendizagem ela realmente tem um propsito
educacional quando utilizada dessa forma.

Segundo Mardell, Otami e Turner (2008, p. 118), quando as crianas tm espao para
partilhar suas ideias e refletir a respeito delas, conseguem construir um corpo de conhecimento
coletivo sobre o objeto em questo, permitindo que elas sigam modificando e adicionando ideias
e construindo compreenses coletivas sobre como o grupo trabalha. Alm disso, como constata
Marsh (2011, p. 57, traduo minha): Os professores precisam reconhecer que as crianas no
so somente aprendizes, mas tambm professores especialistas no seu prprio meio, devendo
aceitar que as crianas trazem essas habilidades para a sala de aula, onde elas podem ser
colocadas em uso.
A pesquisa revela que, para as crianas, a aprendizagem ocorre na interao entre elas,
nos processos sociais criados nos grupos, quando tomam suas prprias decises, sendo
fundamental tambm a qualidade do seu engajamento no trabalho. Assim, a aprendizagem
ocorre, segundo as crianas, quando elas tm o controle sobre a sua prpria aprendizagem.
Burnard (2004) argumenta que se sabe muito sobre a forma como os alunos aprendem, sobre a
sequncia de aprendizagem e como se desenvolvem como aprendizes, mas se conhece muito
pouco sobre a perspectiva dos alunos a respeito da prpria aprendizagem. A autora discute a
importncia da perspectiva dos alunos suas vozes e vises sobre a aprendizagem e tambm
as concepes do professor sobre a aprendizagem dos estudantes. Em sua pesquisa, a autora
relata que enquanto as falas da professora revelam que ela se concentra em compreender como
ocorre a aprendizagem e o que aprendido, os alunos concentram suas reflexes no quando
e onde a aprendizagem ocorre. Burnard (2004) observa que a percepo dos alunos sobre a
prpria aprendizagem difere consideravelmente da percepo dos adultos, porque, para eles,
a aprendizagem ocorre na interao, quando trabalham com os amigos e podem tomar suas
prprias decises. Tal como nesta pesquisa, as falas dos estudantes demonstram a importncia
que eles atribuem sua autonomia como aprendizes, s vantagens de aprender com seus
amigos, aos aspectos relativos participao e o engajamento na aprendizagem.
Convm salientar que essas questes no ficam evidentes quando se observa as crianas
compondo, mas quando elas falam sobre o que pensam das suas experincias em sala de
aula, como foi oportunizado nas aulas e nos grupos focais. Esse processo de trabalho nos
grupos enseja a participao colaborativa entre as crianas e favorece a aprendizagem criativa,
na medida em que envolve negociao e tomada de decises musicais pelas crianas, que
participam ativamente do processo de aprendizagem. Segundo Sawyer (2008), as crianas
aprendem mais efetivamente durante atividades que as envolvem socialmente em processos de
colaborao e trabalho em equipe. Sobre isso, Gall e Breeze (2008) afirmam que do professor
a responsabilidade de estabelecer um ambiente que torne efetiva a colaborao entre os alunos.
Esses trabalhos em grupo tambm desencadeiam a participao coletiva e a coparticipao,
quando essas experincias so discutidas e avaliadas pela turma, nos momentos de apresentao
e anlise das composies.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 92-104 | jul.dez 2011

101

BEINEKE, Viviane

aprendizagem
criativa na
escola: guisa
de concluso

A gente inventa da a gente sabe usar isso que a gente fez E tambm a gente se
sente um cantor! (Joana)

Refletir sobre a aprendizagem criativa na escola a partir das ideias dos alunos sobre
msica e sobre seus processos de aprendizagem permite redimensionar algumas concepes
de educao musical, procurando considerar os sentidos e funes que as prticas musicais
adquirem para os estudantes. Nesse sentido, as discusses aqui apresentadas podem trazer
alguns subsdios aos educadores musicais, com base em trs pontos principais. O primeiro referese s ideias das crianas sobre a msica enquanto prtica social e a maneira como conectam
as atividades em sala de aula s suas vivncias cotidianas. Segundo Campbell (2011), essa
uma questo que sempre desafia os educadores, que precisam compreender os conhecimentos
que as crianas trazem de fora da escola, com a finalidade de integr-las s aprendizagens
escolares, construindo conhecimentos que permeiam as experincias dentro e fora da escola.
Nesta pesquisa, os relatos das crianas mostram que elas estabelecem relaes entre suas
experincias cotidianas com msica e as apresentaes que fazem para os colegas na aula de
msica. Dessa forma, as atividades em aula se aproximam de suas experincias com msica fora
da escola. A aproximao, nesse caso, no se d atravs do repertrio, mas pelas suas ideias
de msica, que incluem essa concepo de que as pessoas fazem msica e se apresentam para
um pblico, que msica envolve comunicao, isto , a conexo acontece por caractersticas
do fazer musical na sociedade que so valorizadas em sala de aula. Segundo Jeffrey e Woods
(2009), tais aproximaes so importantes, tornando as atividades escolares significativas
para as crianas, na medida em que as conectam com o mundo real. Nesta pesquisa, esse
mundo real consiste no mundo dos msicos que as crianas veem na televiso, nos shows,
nos noticirios ou nos filmes. E como se pode ver nesses exemplos, a conexo no acontece
diretamente pela via do repertrio abordado nas aulas, mas principalmente pelos significados
gerados em aula que se conectam s representaes de msica veiculadas nos meios de
comunicao e que esto refletidas em suas ideias de msica.
A segunda questo refere-se ideia dos alunos de que tocar e compor faz parte de um
mesmo processo, sem analisar separadamente os produtos musicais, na medida em que esses
produtos refletem os processos do grupo, valorizando a qualidade da interao e processos de
negociao entre os participantes. Mais do que os produtos resultantes, os alunos valorizam o
engajamento e comprometimento no fazer musical coletivo. Como observa Young (2008), as
prticas musicais das crianas emergem da prpria inteno de fazer msica juntas, mais do que
da inteno de fazer uma pea de msica. Nesse sentido, importante o professor considerar,
como observa Kanellopoulos (1999), que as crianas no fazem msica com base num conceito
de obra de arte, isto , entendendo o produto final como um objeto. Diferentemente da tradio
musical que analisa msicas como obras de arte, as crianas consideram as suas composies
segundo seus conceitos sobre a natureza social e interativa do fazer musical, entendendo que o
valor musical no est na pea nem no estilo, mas na forma como as pessoas se relacionam para
ouvir e tocar. O importante no so as habilidades tcnicas para fazer msica, mas os conceitos
inerentes natureza da msica e do fazer musical, aes sociais imersas em um processo
coletivo de negociaes sutis (Kanellopoulos, 1999). Sobre isso, Sawyer (2008, p. 57) acrescenta
que nas atividades colaborativas as crianas aprendem mais do que mecanismos da msica:
desenvolvem habilidades de interao, aprendem como ouvir e responder apropriadamente, a
colaborar e a se comunicar em contextos sociais. Nessa perspectiva, este trabalho corrobora a
proposio de Younker (2009, p. 161, traduo minha):

102

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 92-104 | jul.dez 2011

Aprendizagem criativa na escola: um olhar para a perspectiva das crianas sobre suas prticas musicais

Envolver os alunos em experincias musicais que oferecem possibilidades de escolha,


que exigem processos de deciso e fortalecem o grupo e os indivduos, so algumas
das experincias mais poderosas que os professores de ensino de msica podem
proporcionar.

O terceiro ponto discute as aprendizagens colaborativas na sala de aula, apontando


algumas concepes dos alunos sobre como eles compreendem seu processo de aprendizagem
musical, destacando a importncia dos momentos em que os alunos refletem sobre suas prticas
musicais em sala de aula. Burnard (2000) argumenta que os alunos devem ser encorajados
a discutir e refletir sobre as experincias musicais, para que possam compreender melhor as
formas pelas quais esto compondo, resultando em melhor articulao dos seus conhecimentos.
Assim sendo, a autora defende que os currculos destinem mais tempo para a reflexo dos
alunos, permitindo que eles falem, reflitam e escrevam sobre suas experincias musicais. Essa
ideia pode ser confirmada na anlise das falas dos alunos nos grupos focais, que lhes permitiram
aprofundar as atividades de anlise e crtica musical realizadas em aula, contribuindo no processo
educativo das crianas, que tiveram mais uma oportunidade para expressar seus pontos de vista
sobre suas prticas musicais, valorizando suas formas de fazer e pensar msica. Nesse sentido,
esta pesquisa permitiu observar que a aprendizagem criativa potencializada em atividades
musicais que no apenas promovam a realizao criativa caso das composies musicais
das crianas mas que tambm incentivem a anlise e a reflexo sobre as prticas musicais da
turma. Nesse processo quando as crianas tm a oportunidade de falar sobre a maneira como
compreendem a msica e atribuem significados em sala de aula, em conjunto com a professora
favorecida a construo coletiva de conhecimentos.
Com base no estudo realizado, a pesquisa aponta a importncia de os professores
no apenas contemplarem a atividade de composio no ensino de msica, mas tambm
reconhecerem que as crianas tm muito a dizer sobre os significados que atribuem a essas
prticas, criando e recriando argumentos para justificar suas ideias sempre provisrias de
msica. Nesse sentido, argumenta-se que ouvir as crianas com o intuito de conhecer as ideias
de msica que fundamentam sua compreenso musical pode oferecer subsdios importantes
para a conduo das aulas pelo professor, que analisa no apenas como as crianas pensam
msica, mas tambm como atribuem significados s suas prticas musicais. Nesse processo,
o trabalho criativo ultrapassa o objetivo de criar algo novo para os alunos ou a aplicao de
conhecimentos musicais adquiridos, pois mais do que os produtos elaborados em aula, o foco
so as aprendizagens colaborativas, de seres humanos que se relacionam fazendo msica, que
se escutam e que aprendem uns com os outros.

BARRET, M. S. Freedoms and constraints: constructing musical worlds through the dialogue of composition.
In: HICKEY, M. (Ed.). Why and how to teach music composition: a new horizon for Music Education. Reston:

referncias

MENC The National Association for Music Education, 2003. p. 3-27.


______. Towards a cultural psychology of music education. In: BARRET, M. S. (Ed.). A cultural psychology of Music
Education. New York: Oxford, 2011. p. 1-15.
BEINEKE, V. Processos intersubjetivos na composio musical de crianas: um estudo sobre a aprendizagem
criativa. Tese (Doutorado em Msica)Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, 2009. Disponvel em: <http://hdl.handle.net/10183/17775>. Acesso em: 10 abr. 2011.
BRITO, M. T. A. de. Por uma educao musical do pensamento: novas estratgias de comunicao. Tese
(Doutorado em Comunicao e Semitica)Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 2007.
BURNARD, P. Examining experiential differences between improvisation and composition in childrens musicmaking. British Journal of Music Education, v. 17, n. 3, p. 227-245, 2000.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 92-104 | jul.dez 2011

103

BEINEKE, Viviane

______. Investigating childrens meaning-making and the emergence of musical interaction in group improvisation.
British Journal of Music Education, v. 19, n. 2, p. 157-172, 2002.
______. Pupil-teacher conceptions and the challenge of learning lessons from a Year 8 music classroom.
Improving Schools, v. 7, n. 1, p. 23-34, 2004.
______. Understanding childrens meaning-making as composers. In: DELIGE, I.; WIGGINS, G. A. (Ed.). Musical
creativity: multidisciplinary research in theory and practice. New York: Psychology Press, 2006. p. 111-133.
CAMPBELL, P. S. Global practices. In: MCPHERSON, G. (Ed.). The child as musician: a handbook of musical
development. Oxford: Oxford University Press, 2006. p. 415-437.
_____. Musical meaning in childrens cultures. In: BRESLER, L. (Ed.). International handbook of research in arts
education. Dordrecht: Springer, 2007. p. 881-894.
_____. Musical enculturation: sociocultural influences and meanings of childrens experiences in and through
music. In: BARRET, M. S. (Ed.). A cultural psychology of Music Education. New York: Oxford, 2011. p. 61-81.
CUSTODERO, L. A. Origins and expertise in the musical improvisations of adults and children: a phenomenological
study of content and process. British Journal of Music Education, n. 24, p. 77-98, 2007.
GALL, M.; BREEZE, N. Music and eJay: an opportunity for creative collaborations in the classroom. International
Journal of Educational Research, v. 47, p. 27-40, 2008.
GLOVER, J. Children composing 4-14. London: Routledge Falmer, 2000.
JEFFREY, B.; WOODS, P. Creative learning in the Primary School. London: Routledge, 2009.
KANELLOPOULOS, P. A. Childrens conception and practice of musical improvisation. Psychology of Music
Education, n. 27, p. 175-191, 1999.
MARDELL, B.; OTAMI, S.; TURNER, T. Metacognition and creative learning with American 3-8 year-olds. In:
CRAFT, A.; CREMIN, T.; BURNARD, P. (Ed.). Creative learning 3-11: and how to document it. Sterling: Trentham
Books Limited, 2008. p. 113-121.
MARSH, K. The musical playground: global tradition and change in childrens songs and games. Oxford: Oxford
University Press, 2008.
______. Meaning-making through musical play: cultural psychology of the playground. In: BARRET, M. S. (Ed.). A
cultural psychology of Music Education. New York: Oxford, 2011. p. 41-60.
MARTIN, J. Composing and improvising. In: ELLIOT, D. J. (Ed.). Praxial music education: reflections and dialogues.
New York: Oxford University Press, 2005. p. 165-176.
______. Re-examining music composition: toward a diversity of perspectives. In: WORLD CONFERENCE OF THE
INTERNATIONAL SOCIETY FOR MUSIC EDUCATION, 29., 2010, Beijing, China. Proceedings Beijing: ISME,
2010. p. 145-227. Disponvel em: <http://issuu.com/official_isme/docs/isme29?viewMode=magazine&mod>.
Acesso em: 10 abr. 2011.
MARTINAZZO, C. J. Pedagogia do entendimento intersubjetivo: razes e perspectivas para uma racionalidade
comunicativa na pedagogia. Iju: Uniju, 2005.
SANTOS, F. C. dos. A paisagem sonora, a criana e a cidade: exerccios de escuta e de composio para uma
ampliao da Idia de Msica. (Doutorado em Msica)Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2006.
SAWYER, R. K. Learning music from collaboration. International Journal of Educational Research, v. 47, p. 50-59,
2008.
SMALL, C. Musicking the meanings of performing and listening. A lecture. Music Education Research, v. 1, n.
1, p. 9-21, 1999.
STAKE, R. E. Case studies. In: DENZIN, N.; LINCOLN, Y. S. Strategies of qualitative inquiry. 4th ed. Thousand
Oaks: Sage, 2003. p. 134-164.
WIGGINS, J. A frame for understanding childrens compositional processes. In: HICKEY, M. (Ed.). Why and how
to teach music composition: a new horizon for music education. Reston: MENC The National Association for
Music Education, 2003. p. 141-165.
YOUNG, S. Time-space structuring in spontaneous play on educational percussion instruments among three- and
four-year-olds. British Journal of Music Education, v. 20, n. 1, p. 45-59, 2003.

Recebido em
30/04/2011

______. Collaboration between 3- and 4-year-olds in self-initiated play on instruments. International Journal of
Educational Research, v. 47, p. 3-10, 2008.

Aprovado em
26/06/2011

YOUNKER, B. A. Composing in the classroom: the journey of five children. In: KERCHNER, J. L.; ABRIL, C. R.
(Ed.). Musical experience in our lives: things we learn and meanings we make. Maryland: Rowman & Littlefield
Publishers, 2009. p. 145-162.

104

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 92-104 | jul.dez 2011

As crianas pequenas e seus


processos de apropriao da msica
Small children and their processes of music appropriation

SLVIA CORDEIRO NASSIF SCHROEDER Universidade de So Paulo (USP)


JORGE LUIZ SCHROEDER Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

resumo

`[email protected]

`[email protected]

Neste trabalho procuramos discutir algumas questes sobre os processos


de apropriao da msica por crianas em idade pr-escolar. Ancorados na
concepo de desenvolvimento de Vigotski, na concepo de linguagem
de Bakhtin e nos estudos de sociologia da ao e do indivduo de Lahire,
apresentamos a anlise de alguns dados coletados numa pesquisa em
andamento em escolas de educao infantil. Os principais tpicos em discusso
dizem respeito diversidade de formas de resposta a enunciados musicais
que nos atestam a diversidade dos modos como a msica se incorpora nas
crianas e a possibilidades de interpretao dessas respostas. Essas anlises
nos permitem rever alguns procedimentos e apontar direes para a educao
musical nesses espaos escolares.
PALAVRAS-CHAVE: apropriao musical, desenvolvimento musical, educao infantil

abstract

In this work we discuss some questions about the processes of appropriation


of music by children in preschool age. Anchored in Vigotskis conception of
development, in the conception of language of Bakhtin and in the studies of
sociology of action and the individual of Lahire, we present the analysis of data
collected in a research that is still in progress, in schools of early childhood
education. The main topics in discussion are related to the diversity of reply
forms to musical statements that certify the diversity of the ways that music
incorporates in children and the possibilities of interpretation of these answers.
These analyses allow to review some procedures and to point directions for
musical education in these school spaces.
KEYWORDS: music appropriation, music development, early childhood education

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 105-118 | jul.dez 2011

105

SCHROEDER, Slvia Cordeiro Nassif; SCHROEDER, Jorge Luiz

introduo:
procedimentos
metodolgicos
e princpios
norteadores

ste texto apresenta alguns resultados parciais de uma pesquisa que vem sendo desenvolvida
no espao escolar da educao infantil. O objetivo principal dessa pesquisa entender
como se d a apropriao da msica pelas crianas pequenas, buscando indicadores dos

aspectos mais relevantes nesse processo. Para isso, foram feitas observaes durante o perodo
de um ano em classes de crianas de 4 a 6 anos1 em duas escolas, uma pblica e uma privada,
nas cidades de Campinas e Ribeiro Preto (no estado de So Paulo), respectivamente. Eram
contextos bastante diferentes no que se refere presena da msica. A escola pblica no contava
com professor especialista em msica, sendo que as atividades musicais eram realizadas em
oficinas semanais por iniciativa das prprias educadoras responsveis pelas salas e, durante o
perodo de observao, tambm por propostas dos prprios pesquisadores. Na escola privada,
por outro lado, havia uma professora especialista, sendo que as crianas observadas tinham
aulas semanais de msica desde os 2 anos de idade. Alm disso, trata-se de uma escola cujo
projeto pedaggico privilegia a arte de modo geral, a qual considerada condutora do ensino na
etapa de educao infantil, e conta tambm com professores especialistas em outras linguagens
artsticas. Achamos importante assinalar que, dada a situao privilegiada da escola particular,
podemos dizer que as cenas observadas provavelmente foram resultado de um processo
iniciado h certo tempo. J no caso da escola pblica, esse processo anterior no foi constante,
nem garantido, pelo menos para muitas crianas. Contudo, o fato de que ns, pesquisadores,
pudemos propor e realizar vrias atividades musicais permitiu com que realizssemos ali tambm
um trabalho prvio de preparo e envolvimento das crianas com as atividades sugeridas, ainda
que de forma mais aligeirada. Isso talvez tenha mascarado um pouco diferenas provveis de
atitudes responsivas das crianas de uma escola e de outra, certamente provindas de suas
trajetrias socioculturais. Consideramos, contudo, irrelevante o fato de isso ter ou no ocorrido, j
que nosso foco de ateno, nesse momento, foram as vrias formas de apropriao musical no
ambiente escolar, ou seja, do ponto de vista das realizaes musicais, sempre uma construo
artificial, tenha ela tido um perodo longo de preparo ou no.
A opo por observar dois contextos distintos, entretanto, pareceu a mais adequada aos
nossos pressupostos sobre o desenvolvimento humano. Partimos do princpio vigotskiano de
que as funes psicolgicas culturais (entre as quais aquelas necessrias ao desenvolvimento
da musicalidade) se desenvolvem de modo diferente em ambientes socioculturais diferentes2
e das reflexes que Bernard Lahire (2002, 2004) faz sobre as disposies adquiridas (hbitos,
valores, modos de interpretar, tendncias para agir ou para refletir, facilidades ou dificuldades,
etc.) que so estimuladas ou suprimidas sob a influncia de ambientes ou situaes recorrentes
especficas. Nesse sentido, considerando a importncia do ambiente escolar no desenvolvimento
infantil, gostaramos de investigar alguns aspectos relevantes no desenvolvimento musical das
crianas principalmente em relao sua experincia musical escolar. Sabemos, obviamente,

1. Assinala-se que, poca da observao, o ensino fundamental de 9 anos ainda estava em fase de implantao, de
modo que algumas crianas de 6 anos completos permaneciam na educao infantil.
2. De acordo com Vigotski (1998a), o ser humano possui dois tipos de funes psicolgicas: as naturais ou inferiores (que
o que temos em comum com os animais) e as culturais ou superiores (especificamente humanas). As primeiras nos
so dadas no nascimento pela herana gentica, mas as segundas esto ligadas s prticas sociais e sero diferentes
em funo dessas prticas. Todas as formas de linguagem, incluindo a msica, esto ligadas s funes culturais.
Assinala-se ainda que a noo de ambiente, para Vigotski, inclui tambm as relaes humanas.

106

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 105-118 | jul.dez 2011

As crianas pequenas e seus processos de apropriao da msica

que a escola no a nica influncia musical das crianas observadas, mas com certeza
um local de vivncia intensiva delas, sobretudo na faixa etria abordada, e, portanto, bastante
relevante no processo de apropriao da linguagem musical.
Outro princpio norteador da pesquisa foi a concepo de msica como uma forma de
discurso. Ancorados na filosofia da linguagem de Mikhail Bakhtin (2000, 2009), entendemos a
msica como um acontecimento vivo e dinmico, que se atualiza a cada realizao, e no como
um sistema fechado e inerte, sujeito a regras fixas e imutveis.3 Numa analogia com o enunciado
lingustico, trabalhamos com a ideia de enunciado musical, acontecimento no qual os sentidos
e os valores so sempre contextuais e levam em conta no apenas a materialidade sonora em
si, mas tambm o contexto situacional. Dessa forma, uma mesma realizao musical pode ter
significados diferentes em situaes distintas. Isso no significa, porm, que no haja pontos de
estabilidade no discurso musical. Assim como na linguagem verbal, diferentes contextos culturais
vo cristalizando determinadas formas de organizao sonora e dando origem ao que Bakhtin
(2000) denomina gneros do discurso. Isso faz com que qualquer realizao lingustica (e
musical) deva ser vista, ao mesmo tempo, como nica, irrepetvel, e filiada a um gnero discursivo
qualquer. Como veremos mais detalhadamente nas anlises dos dados, essa forma de conceber
a msica afeta sobremaneira a viso do que seja um processo de aprendizagem musical, pois
obriga a que se considerem como relevantes no apenas as realizaes musicais em si, mas
todo um movimento de aproximao em relao msica, includas a tambm as situaes
informais nas quais a msica se faz presente ou ainda os equvocos musicais cometidos pelas
crianas.
Alm disso, tomar a msica como discurso coloca em primeiro plano a questo da
significao. Aprender msica se apropriar de uma forma de linguagem, de um modo de se
expressar, de se comunicar, de compartilhar sentidos. Pressupe, portanto, a possibilidade do que
Bakhtin (2000) chama de compreenso ativa, o que significa que a formulao de respostas a
enunciados musicais depende de (e comprova) alguma forma de entendimento do que se ouviu.
E essas respostas podem ser de naturezas diversas: desde uma simples emoo, uma palavra,
um desenho, uma brincadeira, at a criao de uma outra obra musical. Trabalhamos com a ideia
de que as crianas pequenas no se manifestam musicalmente apenas quando esto tocando
um instrumento ou cantando, por exemplo, mas de diversas outras formas.4 Buscar onde esto e
quais so os sentidos dessas outras formas de reao significativa msica ser nosso principal
foco neste texto. Procuraremos ainda, na parte final, sintetizar as relaes entre as anlises
efetuadas e algumas questes especficas de educao musical.

3. A lngua existe no por si mesma, mas somente em conjuno com a estrutura individual de uma enunciao
concreta. (Bakhtin, 2009, p. 160, grifo nosso).
4. Assinala-se que muitas pesquisas sobre o desenvolvimento musical, tanto mais antigas quanto mais recentes, tm
enfatizado as respostas especificamente musicais como indicadoras desse desenvolvimento, as quais, obviamente,
tambm so importantes. Nessa linha, ver, por exemplo, Willems (1969), Gardner (1997, 1999), Gordon (2000), Brito
(2005), Parizzi (2006), entre outros. Apenas no que tange a estudos com bebs (como em Ilari, 2002 e Beyer, 2007),
tm-se prestado mais ateno a outras formas de resposta. Reforamos, porm, que nossos pressupostos sobre o
desenvolvimento infantil nos levam a deslocar essa nfase, ampliando o olhar mesmo em se tratando de crianas prescolares.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 105-118 | jul.dez 2011

107

SCHROEDER, Slvia Cordeiro Nassif; SCHROEDER, Jorge Luiz

diversidade
das respostas
das crianas
a enunciados
musicais: alguns
episdios/alguns
resultados

noo de discurso musical permite entender a complexidade dos aspectos envolvidos

na msica, seja do ponto de vista da produo, seja da recepo. O confronto com essa forma
simblica envolve diversos tipos de relao: com outras msicas, com outras formas simblicas
da cultura, com as experincias vividas. As respostas (no sentido bakhtiniano de compreenso
ativa) possveis msica, dessa forma, so quase ilimitadas. Alm disso, no caso especfico das
crianas pequenas, acrescenta-se o sincretismo5 como uma das principais caractersticas dessa
etapa do desenvolvimento. Nesse sentido, podemos dizer que possvel observar o processo
de apropriao da linguagem musical, nessa faixa etria, tambm, ou talvez principalmente, em
situaes nas quais as crianas no esto propriamente fazendo msica, mas vivenciando-a
de diversas outras formas: danando, representando, imitando, fazendo gestos, brincando.
Vejamos algumas situaes observadas.6

a) Brincadeiras
a.1. Brincando de ndio
Ao final da aula, depois de ouvirem vrias msicas de ndios brasileiros (projeto em andamento
na sala), a professora deixa um tempo livre para as crianas brincarem. Algumas comeam a
danar uma suposta dana de ndio, com movimentos ritmados. Outras pegam os caxixis e
comeam a marcar um pulso juntas. Em pouco tempo, os dois grupos se coordenam e os caxixis
passam a marcar o pulso da dana improvisada.

a.2. Tumbalacatumba
Ao final da aula de msica, os alunos pedem um tempo livre para brincarem de
Tumbalacatumba, uma brincadeira que todos conhecem e parecem gostar muito. A brincadeira
consiste em representar gestualmente a letra de uma msica que versa sobre as atividades
realizadas por caveiras a cada hora do dia. A msica tem o ritmo bem marcado e os gestos
so realizados acompanhando esse ritmo. Todas as crianas, incluindo aquelas que demonstram
alguma dificuldade em seguir um pulso regular e constante em atividades musicais direcionadas,
realizam os movimentos com preciso rtmica.

Percebemos, nesses episdios, que situaes musicais menos formais, como aquelas
nas quais as crianas esto apenas preocupadas em brincar, s vezes revelam conquistas e

5. O sincretismo considerado uma das principais caractersticas do pensamento e criao da criana pr-escolar.
Diversos autores da psicologia destacam o carter confuso e global do pensamento e percepo infantis (Galvo,
2000, p. 81): No sincretismo, tudo pode se ligar a tudo, as representaes do real (idias, imagens) se combinam das
formas mais variadas e inusitadas, numa dinmica que mais se aproxima das associaes livres da poesia do que da
lgica formal. (Galvo, 2000, p. 81). Isso se reflete particularmente nas criaes infantis, as quais no so nitidamente
diferenciadas em relao ao tipo de arte (Vigotski, 2009): uma msica se vincula a uma imagem ou movimento, um
desenho pode conter um gesto ou uma narrativa, etc.
6. Os episdios em anlise neste texto so recortes dos registros efetuados na pesquisa (cadernos de campo e
filmagens). Referem-se escola pblica os episdios b.1, c.2 e c.3, e escola particular os episdios a.1, a.2, b.2, c.1
e c.4. Os nomes das crianas so todos fictcios.

108

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 105-118 | jul.dez 2011

As crianas pequenas e seus processos de apropriao da msica

possibilidades musicais nem sempre visveis nas situaes de aula de msica. A brincadeira
a principal atividade na idade pr-escolar (Leontiev, 1998; Vigotski, 1998a). atravs dela
que a criana adquire e desenvolve uma srie de funes psicolgicas, como, por exemplo,
a possibilidade de se desprender da percepo imediata, da sensorialidade pura em direo
a um comportamento simblico (mediado por signos), controlado e voluntrio. A brincadeira
pr-escolar envolve sempre uma situao imaginria e regras ou, em outras palavras, a
concomitncia entre liberdade j que no h um nico e previamente definido resultado e
controle pois h resultados melhores e piores, mais adequados ou menos adequados (vrias
brincadeiras simplesmente se descaracterizam se certas normas previamente acordadas no
forem obedecidas).
Nos dois episdios acima, a criao de uma situao imaginria (espontnea, em a.1,
e proposta pela letra da msica, em a.2) foi o ponto de partida para o desenvolvimento da
brincadeira. Entretanto, para que ela desse certo, parece ter havido uma espcie de acordo entre
as crianas em relao s regras do jogo, ou ao que era ou no permitido fazer. Ao exercerem
um controle voluntrio sobre seu comportamento (exigido pelo ato de brincar), essas crianas
revelaram que dominavam aspectos musicais nem sempre mostrados nas aulas de msica,
nas atividades musicais mais especficas. Crianas incapazes de seguir uma pulsao quando
tocavam instrumentos de percusso, por exemplo, mostraram, na brincadeira, pleno domnio
da regularidade temporal. Em a.1, pudemos presenciar uma dupla sincronia temporal: entre
os integrantes de cada grupo em separado e entre os dois grupos. E em a.2, surpreendeu a
capacidade que alguns demonstraram em seguir acentos, mudanas de dinmica e aggica
presentes na msica.
De acordo com Vigotski (1998a, p. 122), todo avano est conectado a uma mudana
acentuada nas motivaes, tendncias e incentivos. Por outro lado, o ato ldico caracterizase pela presena de emoes que o incentivam, ainda que no estejam conscientes para a
criana (Pimentel, 2007), o que justifica a grande importncia da brincadeira como ativadora
do desenvolvimento na idade pr-escolar. Nos episdios em foco, desse modo, podemos dizer
que as emoes positivas que acompanharam as brincadeiras foram as grandes incentivadoras
para que as crianas primassem por uma realizao musicalmente bem cuidada, embora,
conscientemente, isso no fosse relevante. J nos momentos das aulas (posteriores e anteriores
a esses episdios) em que as crianas eram solicitadas a buscar uma regularidade temporal
pela professora de msica, a forte motivao emocional no era a mesma e, como resultado,
havia uma espcie de regresso musical, perdendo-se em parte as conquistas adquiridas nas
brincadeiras.
Essa oscilao entre regularidade e irregularidade talvez seja um indcio de que essas
crianas esto em uma espcie de fase de transio, pois j tm a possibilidade de, mas ainda
no conseguem canalizar esse comportamento para situaes estritamente musicais. A msica,
para a criana bem pequena,7 inicialmente parte da vida como um todo, no se diferencia de
outras atividades por ela vivenciadas. Quando ela inicia a chamada fase do faz de conta, por

7. importante assinalar que a psicologia vigotskiana no trabalha com a ideia de etapas/idades fixas para o
desenvolvimento, j que as principais funes psicolgicas s so desenvolvidas a partir das prticas sociais. Dessa
forma, dependendo dessas prticas, ou da riqueza ou pobreza de suas experincias, a criana se desenvolve num
ritmo diferente. Da porque preferimos sempre falar em crianas muito pequenas para uma faixa etria aproximada de
0 a 3 anos e crianas pequenas, para 4 a 6 anos.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 105-118 | jul.dez 2011

109

SCHROEDER, Slvia Cordeiro Nassif; SCHROEDER, Jorge Luiz

volta de 3 ou 4 anos, a msica comea a fazer parte desse mundo imaginrio e as realizaes
musicais so carregadas de fantasia e ludicidade. S num terceiro momento, j prximo da idade
escolar, a msica passa a fazer sentido como atividade quase autnoma em relao vida e ao
jogo. Uma autonomia total da msica, porm, seria muito difcil, seno impossvel, para crianas
em idade pr-escolar, j que exigiria, entre outras coisas, um grau elevado de abstrao da
linguagem musical (s possvel, talvez, para os prprios msicos).

b) Respostas corporais: movimentos, gestos e danas


b.1. Carnaval dos Animais: o desfile
A partir de uma montagem feita com 4 sees da pea Carnaval dos Animais, do compositor
Saint-Sens, (que remetem aos animais: leo, galinhas, elefante e aves), proposta uma atividade
na qual 4 grupos de crianas, cada um representando um grupo de animais, participam de um
desfile. A cada entrada das msicas, um grupo previamente determinado de crianas imita o
animal correspondente e desfila pela diagonal da sala, criando gestos e movimentos relativos ao
animal e em sintonia com a msica. So feitos alguns ensaios e as crianas, atentas, rapidamente
percebem as mudanas musicais (na montagem, as pontuaes entre os movimentos foram feitas
usando-se cadncias harmnicas das prprias sees da pea), que determinam as entradas e
sadas dos grupos. Chama a ateno uma criana que no apenas imita o animal, mas usa, na sua
imitao, detalhes musicais, coordenando, por exemplo, trinados rpidos na flauta com piscadas
de olhos.

b.2. Dana de So Joo


Nos minutos finais da aula, a professora coloca no toca CD uma msica junina para que
todos possam conhec-la e danar livremente antes de aprenderem a dana da quadrilha para a
Festa Junina. As crianas se juntam em vrios grupinhos, do as mos e comeam a danar. Um
garoto fica sozinho, no se agrupa, e dana de modo ritmado (p direito para frente, p direito
volta; p esquerdo para frente, p esquerdo volta). Um outro se aproxima e tenta aprender a dana,
depois desiste. O primeiro garoto continua a sua dana solitria at que a professora prope uma
roda de mos dadas com todas as crianas.

Nos dois episdios acima as crianas responderam significativamente msica atravs de


manifestaes corporais espontneas, emitindo sinais mais ou menos claros sobre os vnculos
musicais j conquistados e em funcionamento. Em b.1, embora a proposta da brincadeira tivesse
sido feita pelos pesquisadores, os movimentos e aes eram criados livremente pelas crianas.
Em b.2, no havia nenhuma proposta de movimentos, os quais foram realizados por iniciativa
das prprias crianas.
De acordo com Vigotski (1998b), toda forma de percepo inicialmente ligada
motricidade. Com o avano no desenvolvimento, a percepo vai se libertando do movimento.
Percebe-se que as crianas observadas nessa pesquisa ainda mantm esse atrelamento de
maneira bastante acentuada, o que permite que observemos suas formas de percepo a partir
de suas respostas corporais.
No episdio b.1, pudemos inferir que as crianas conseguiram efetivamente uma forma de
apropriao do discurso, j que parecem ter identificado vrios aspectos musicais. Em primeiro

110

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 105-118 | jul.dez 2011

As crianas pequenas e seus processos de apropriao da msica

lugar, perceberam as pontuaes entre as sees (os finais, as passagens, os incios), as quais
provocavam aes responsivas (entrar ou sair do desfile) rpidas na maioria dos alunos. Tambm
captaram o carter geral de cada seo, pois os movimentos criados estavam em sintonia com a
msica (por exemplo: movimentos lnguidos, para partes lentas; movimentos enrgicos, para as
rpidas), alm do carter geral proposto pelo prprio animal representado. Por ltimo, para alm
dessa percepo mais global, destacou-se no episdio em questo a percepo de um detalhe
musical (trinados), traduzido em um gesto especfico (piscada de olhos).
Percebe-se, dessa forma, que mesmo elementos sutis podem ser apreendidos por crianas
pequenas, desde que inseridos em discursos musicais que sejam significativos para elas. No
caso em questo, vnhamos trabalhando com essa msica h vrias aulas, e sempre de uma
maneira ldica, seja atravs de dramatizaes, danas ou desenhos. As crianas criaram um
vnculo positivo com a pea musical, ela passou a fazer parte de suas experincias de uma
maneira natural, sem qualquer tipo de imposio de nossa parte para que reagissem desta ou
daquela maneira. Entendemos que os processos de apropriao da linguagem musical passam
necessariamente pela possibilidade de expresso individual da criana em diversas linguagens,
no apenas na msica. Conforme j dito, a conexo com a experincia vivida parece ser a porta
de entrada para qualquer sistema simblico.
Em b.2, a forma de resposta das crianas msica foi a dana espontnea. Tambm aqui
revelou-se um grau significativo de apreenso do discurso, tanto em termos do carter quanto
em termos temporais. Chamou a ateno o menino que permaneceu por quase todo o tempo
da msica marcando o pulso com movimentos dos ps, sem perder o ritmo e sem mostrar
sinais de cansao. Fosse ele obrigado a marcar o pulso num instrumento de percusso, por
exemplo, o resultado talvez no fosse o mesmo. Isso ocorre porque, numa aula de msica,
geralmente um elemento musical apenas um elemento musical, enquanto que, nas situaes
como as narradas, que envolvem o ldico, um elemento musical encerra todo um universo de
significaes. Mesmo quando a criana est apenas marcando um ritmo com os ps, como no
episdio acima descrito, um mundo imaginrio mobilizado e entra em funcionamento.
Um paralelo com a aquisio da lngua materna talvez nos ajude a compreender melhor
essa questo. De acordo com Vigotski (1998b), do ponto de vista estrutural da linguagem, a
criana comea falando palavras isoladas, depois frases simples, frases complexas e, por ltimo,
perodos completos. Entretanto, do ponto de vista semntico, a primeira palavra de uma criana
corresponde a uma orao completa, ou seja, embora ela s consiga expressar palavras soltas,
estas esto prenhes de significao. Tambm em relao msica, pensamos que o processo
equivalente: embora a criana s seja capaz de se expressar musicalmente atravs de fragmentos
ou de elementos discursivos meio isolados, esses fragmentos so carregados de sentido. Da
porque muitas vezes, sobretudo nessa faixa etria, conseguimos perceber o quanto as crianas
j absorveram da linguagem musical quando elas se expressam em outras linguagens, nas quais
as limitaes tcnicas so de outra natureza.
Vimos, ento, por esses episdios, que os indicadores de que est havendo um processo de
aprendizagem da linguagem musical por parte das crianas pequenas podem ser encontrados
em locais e formas de expresso que vo muito alm de comportamentos musicais em aulas de
msica. Gostaramos agora de falar um pouco tambm sobre acontecimentos em situaes mais
formais. No nos deteremos, porm, nas respostas musicais corretas, mas nos equvocos.
Entendemos que h interessantes indcios de apropriao da linguagem musical nas respostas
musicais nas quais as crianas cometem algum tipo de erro em relao ao que seria esperado.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 105-118 | jul.dez 2011

111

SCHROEDER, Slvia Cordeiro Nassif; SCHROEDER, Jorge Luiz

c) Equvocos diversos
c.1. Impreciso rtmica (acertos por falta)
As crianas aprendem a parlenda Um, dois, feijo com arroz. A professora distribui
instrumentos de percusso e faz com que as crianas toquem o que elas cantam, numa relao
silbica com o texto. Todos tocam e cantam juntos, mas no obedecem exatamente o ritmo
silbico da parlenda. Ao invs de tocar:

um dois fei jo coar roz

tocaram:

um dois _ jo coar roz

c.2. Engano revelador


Fitas coloridas foram distribudas entre as crianas: cinco cores. Escolhemos cinco
msicas, uma para cada cor de fita. A cada escuta da msica relativa sua cor, o grupo da cor
correspondente toma o centro da sala e move a fita como desejar, sempre ouvindo a msica.
Ao trocar a msica, troca-se o grupo de alunos.
Uma das msicas, a correspondente cor vermelha, possui uma marcao final feita com
um glissando de piano. Sua estrutura repete duas vezes a mesma seo, portanto aparece o
mesmo glissando duas vezes: no final da primeira seo e no final da msica.
Uma das alunas percebeu essa marca na primeira vez que fizemos a atividade.
Propusemos que as crianas repetissem novamente a atividade e nesta segunda vez a
aluna, ao ouvir o primeiro glissando, sentou-se, terminando sua movimentao. Contudo, a
msica comeou novamente, repetindo a primeira seo. A aluna, ento, se levantou surpresa
e continuou a movimentao da fita at o segundo glissando, quando se sentou novamente,
desta vez terminando os movimentos junto com a msica.

c.3. Referncias (presena e ausncia)


Enquanto esperam um dos pesquisadores, as educadoras propem que as crianas
cantem algumas msicas. Comeam todos a cantar de modo bastante desafinado. O
pesquisador chega e comea a tocar acompanhamentos no violo. O resultado melhora
significativamente em termos de afinao.

c.4. Referncias (estabelecida e perdida)


A professora estava ensinando um acompanhamento rtmico, com vibrafone, para uma
msica japonesa. O acompanhamento consistia num ritmo regular, acompanhando o pulso

112

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 105-118 | jul.dez 2011

As crianas pequenas e seus processos de apropriao da msica

da msica nos tempos 1 e 2 de um compasso de dois tempos (binrio simples). Uma aluna
comeou a tocar regularmente seu vibrafone s que nos contratempos do compasso. Assim que
a professora corrigiu o ritmo a aluna no conseguiu mais tocar com regularidade e passou a
acompanhar visualmente o gesto de tocar da professora.

Com esses episdios narrados acima tentamos deixar mais evidente uma questo de fundo
que nos parece de grande importncia revisar e que diz respeito ideia da forma transmissiva
do conhecimento, em confronto com a da apropriao (que para alguns autores chamada de
forma participativa8).
Sem pretender nos aprofundarmos nesse assunto, interessa-nos agora estabelecer uma
diferena, que julgamos fundamental, entre, de um lado, ensinar msica ao aluno e, de outro,
inseri-lo no universo discursivo da msica. A ideia da transmisso do conhecimento sustentada
por uma concepo da msica como sendo um conjunto homogneo, nico, fixo e imutvel de
informaes, conceitos, procedimentos e prticas que, exterior aos msicos ou aos praticantes,
precisa ser ensinado, transmitido de um a outro sem alteraes. Essa viso corresponde ao
que Bakhtin (2009), falando a respeito da linguagem verbal, chama criticamente de objetivismo
abstrato. Segundo o autor, essa tendncia define a lngua como um sistema estvel, imutvel,
de formas lingsticas submetidas a uma norma fornecida tal qual conscincia individual e
peremptria para esta (Bakhtin, 2009, p. 85).
Nesse caso, a exigncia da exatido na reproduo daquilo que ensinado (exerccios,
trechos musicais, escalas, msicas completas) condio indispensvel para a avaliao da
aprendizagem. Ou seja, se o aluno no tocar exatamente aquilo que seu professor ensinou, da
mesma forma como ele ensinou, no estar se desenvolvendo musicalmente. Essa forma de
entender o processo ensino/aprendizagem caracteriza o que se costuma denominar ensino
tradicional. Na ideia de apropriao, ao contrrio, o conhecimento (no nosso caso, a msica)
no existe como tal no mundo exterior, mas reconstri-se pouco a pouco, para cada ser
singular, nas interaes repetidas que tem com outros atores [como Lahire chama os agentes
sociais, no nosso caso, msicos], atravs de objetos e em situaes sociais particulares (Lahire,
2002, p. 174).
Podemos, assim, afirmar que, por exemplo, no episdio c.1, os alunos, ao subtrarem uma
nota do ritmo proposto pela atividade (um, dois, jo carroz) mostraram no um erro, mas um
indcio de que compreenderam plenamente a proposta, que era reproduzir com os instrumentos
de percusso o ritmo silbico da letra da msica. O fato de no conseguirem executar todos
os detalhes do ritmo pode ser consequncia, entre vrios outros motivos possveis, de alguma
dificuldade tcnica na reproduo de notas mais rpidas, mas no invalida a resposta, no anula
a veracidade da compreenso. Assinala-se, contudo, que todos os outros aspectos indiretamente
envolvidos nessa proposta, mas diretamente responsveis pelo seu carter musical (tais como
a noo de ciclo regular respeitada por todos; a curva entoativa realizada nos instrumentos
pelos alunos atravs da alternncia de intensidades; a diferenciao expressa musicalmente
entre pergunta um, dois e resposta feijo carroz ; a regulagem coletiva e constante do

8. Ver Pimentel (2007).

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 105-118 | jul.dez 2011

113

SCHROEDER, Slvia Cordeiro Nassif; SCHROEDER, Jorge Luiz

fluxo de andamento; o ajustamento entre os diferentes timbres dos diferentes instrumentos


utilizados, alguns mais intensos que os outros; dentre vrios outros), foram compreendidos pelos
alunos. Portanto, embora no tenham cumprido a determinao musical estrita do ritmo, no
comprometeram a proposta musical.
O item c.2 oferece uma outra dimenso dos papis que o erro, ou o erro saudvel,
como talvez fosse mais adequado chamar, pode exercer nas execues musicais. A garota
em foco apreendeu rapidamente uma caracterstica importante nas msicas que comumente
ouvimos, algo intrnseco a certos gneros de discurso musical, que a pontuao. Um grande
glissando feito nas teclas do piano anuncia o final da pea, tornando previsvel o momento de sua
extino. O equvoco da aluna foi no se lembrar que a pea era tocada inteira e depois repetida
exatamente da mesma forma. Ao mesmo tempo em que a aluna percebeu a pontuao final da
msica, elemento importante do discurso musical, oferecendo um sinal inequvoco de sua rpida
apropriao discursiva da pea, esqueceu-se que a msica se repetia duas vezes.
Para Vigotski (1998b), a percepo do todo anterior percepo das partes. Mais do
que isso, a percepo do todo o que d sentido s partes. Assim, essa criana estava um
passo alm na apreenso da msica, pois havia percebido a posio de uma parte (o glissando
final) em relao msica completa, e a importncia daquele signo musical no conjunto da
pea. Entretanto, sob o ponto de vista do conhecimento transmissvel musical, todos esses
erros podem ser considerados condenveis na execuo estrita musical. J sob o ponto de
vista discursivo, eles indicam os variados e sutis processos de apropriao possveis de ocorrer
com as crianas em aulas de msica.
Nosso cuidado alertar para o fato de que, sob certas circunstncias, esses indcios
preciosos podem ser interpretados negativamente, e associados a sanes tambm negativas
por parte dos professores (como correes, chamadas de ateno, olhares de reprovao,
etc.), e podem ser motivo de entraves por parte das crianas, que podem ter seus respectivos
desenvolvimentos musicais travados por confuses originadas da incompreenso de certos
processos graduais de apropriao por parte das professoras.
No episdio narrado em c.3, temos um outro tipo de indcio. A afinao das crianas precisou
de uma ajuda extra: o pesquisador fornecendo com o acompanhamento do violo a referncia
necessria. Ou seja, nesse caso constatamos a necessidade de uma regulao externa.
Nesse exemplo em particular possvel perceber a complexidade da percepo que os alunos
manifestaram. Ao contrrio de outros casos de desafinao, presenciados em outros momentos,
em que a professora, a fim de corrigi-los, comea a cantar junto, fornecendo um referente
direto, aqui essa base no fornecida por um guia meldico, mas por um guia harmnico:
o acompanhamento do violo. Os acordes do violo propem uma rea de referncias onde
soam simultaneamente vrias notas (acordes). Assim, o instrumento estabelece um campo de
possibilidades (harmonia) atravs do qual a melodia pode se apoiar por aproximao, e no por
imitao direta. Essa rea de referncia, por sua vez, no inclui apenas as relaes entre notas
(que permitem a afinao relativa), mas tambm a dimenso temporal, visto que o ritmo proposto
do acompanhamento estabelece bases convergentes tambm para a emisso rtmica mais
precisa da melodia da cano, unificando todos os cantores numa mesma e precisa emisso.

114

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 105-118 | jul.dez 2011

As crianas pequenas e seus processos de apropriao da msica

Assinala-se ainda, nesse episdio, que o fato daquelas crianas serem capazes de se afinar
sob tutela indica que essa funo psicolgica (afinao tonal), embora ainda no amadurecida,
j estava em processo de amadurecimento, e seria uma aquisio prxima.9
No item c.4 temos o caso da garotinha que, ao ser instruda sobre como tocar o
acompanhamento da msica em seu instrumento, estabeleceu uma referncia no nos tempos
da msica, como proposto pela professora, mas nos contratempos. Todavia a execuo da aluna,
tirando o fato de estar posicionada no contratempo, foi regular, constante, firme e decidida at o
momento em que a professora a corrigiu. De alguma forma, ela se posicionou, na sua resposta
quela situao enunciativa proposta na aula, de forma compreensiva. Tanto que executava a
sua parte de forma autnoma, tal a segurana que suas referncias lhe davam. No conjunto,
a aluna errada instaurou uma relao de contraponto entre o que ela fazia e o que os outros
alunos faziam (deveriam todos tocar em unssono rtmico) e se estabeleceu firmemente nesta
posio, criando certamente um sentido coerente para o que fazia. A correo da professora
provavelmente desestruturou toda a gama de relaes temporais e significativas que a aluna havia
estabelecido com a situao musical, deixando-a perdida. Isso pareceu claro na medida em que,
a partir da correo, ela no conseguiu mais tocar sua parte com regularidade e determinao.
Perdeu a autonomia e precisou se apoiar visualmente sobre os movimentos dos colegas e da
professora de baixar a baqueta ao mesmo tempo.
Esse um dos casos em que a correo da ideia musical proposta (a fidelidade ao arranjo
feito a priori para o acompanhamento da msica) superou a compreenso de um processo pessoal
de apropriao no qual a aluna havia penetrado. Ainda que este pequeno obstculo possa no
ter prejudicado o desenvolvimento musical posterior da aluna, com certeza nos mostrou um dos
possveis problemas que, em maior escala, podem prejudicar, at mesmo entravar, a apropriao
da linguagem musical num processo educacional.

So bastante perigosas as generalizaes que partem de observaes empricas como as


que empreendemos nessa pesquisa. Bernard Lahire (2002, p. 208) nos alerta para o fato de que

consideraes
finais

nenhuma teoria, nenhuma construo do objeto permitir jamais ter acesso s prticas reais,
ao real enquanto tal. Cada vez elas nos do uma verso plausvel disto. E exatamente disso
que se trata essa pesquisa. Pretendemos dar uma verso plausvel de alguns fatos observados
tendo como base alguns construtos tericos que expem uma categoria ou uma classe de
fatos scio-histricos relativamente singulares (Lahire, 2002, p. 212) aos quais recorremos para
descrever e analisar as atividades musicais investigadas. Portanto, as questes que levantamos
aqui no vo na direo de concluses, mas de dvidas que permanecem e que exigiro
investigaes posteriores mais aprofundadas e mais direcionadas. Alm disso, so questes que

9. Vigotski (1998a) estabelece dois nveis de desenvolvimento: o real, medido pelo que a criana consegue fazer sozinha,
e o potencial, determinado pelo que a criana consegue fazer sob orientao de uma pessoa mais experiente. A
distncia entre esses dois nveis denominada zona de desenvolvimento proximal. Funes psicolgicas que entram
nessa zona sero as prximas aquisies da criana.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 105-118 | jul.dez 2011

115

SCHROEDER, Slvia Cordeiro Nassif; SCHROEDER, Jorge Luiz

no esgotam as discusses possibilitadas pela perspectiva terica assumida. Na continuidade


da pesquisa, outros pontos vm sendo levantados e analisados, como, por exemplo, o papel da
mediao do professor e aspectos relativos percepo esttica infantil.
Uma das questes mais fortes que surgiram diz respeito distino entre tomar a msica
como objeto do conhecimento e tomar a msica como linguagem ou, melhor ainda, como
discurso. A noo de discurso obriga a um deslocamento do ensino, antes centrado em
objetos, em direo s prticas. Se a msica um acontecimento vivo, uma forma de compartilhar
sentidos, aprender msica no dominar regras e sistemas, mas ser inserido na corrente da
comunicao musical, ser capaz de fazer um uso pessoal, autoral, prprio, dos sistemas e regras
musicais (que obviamente existem, mas no constituem a totalidade da linguagem musical).
Como uma das revises que essa mudana de concepo musical acarreta, temos que
o processo de apropriao no se mostra regular, nem contnuo e nem mesmo homogneo.
Em outras palavras, as crianas deram vrios indcios de que esses processos sofrem muitas
regresses, alm das progresses; no se do em grau igual de facilidade ou dificuldade
em todos os mbitos musicais (ritmo, afinao, memria, etc.); no mantm um ritmo de
progresso constante e gradual, mas se movimentam s vezes bruscamente, por saltos, em
degraus de dificuldade, s vezes em lenta progresso, s vezes estacionam por algum tempo.
Muitas vezes algumas crianas mostram regularidade temporal em certas atividades e total
descontrole rtmico em outras; algumas se mostram afinadas em certas msicas e desafinadas
em outras, ou afinadas em certas execues e desafinadas em outras, da mesma msica;
algumas compreendem bem as propostas mas as executam de forma alterada (erros), outra
executam certinho as propostas mas em lapsos momentneos indicam total ignorncia sobre
o significado do que esto executando. A entrada das crianas no fluxo discursivo, na cadeia
de enunciados musicais, no se d de uma vez e nem definitivamente. Ela tem altos e baixos,
vaivns, acontece e desaparece como que por encanto, e depois retorna. Essa complexidade
faz com que precisemos estabelecer outros critrios de avaliao das situaes de aula, visto
que uma mesma atividade pode ser realizada com xito algumas vezes e fracassar em outras.
Mesmo os xitos ou fracassos constantes numa certa atividade proposta podem no advir de
um mesmo e nico motivo a cada vez que ocorrem. Essa observao concorda com pelo menos
dois fatores: 1) com o fato de vrios autores conceberem a aprendizagem como um processo
contnuo e ininterrupto, desde o nascimento at a morte,10 e no apenas na infncia; e 2) com
o fato de que a situao em que as atividades acontecem to importante (ou mais), como
constituidora dos xitos ou fracassos, quanto as pessoas que dela participam e quanto seus
contedos.
Essas discusses nos levam a refletir tambm sobre o papel crucial das relaes institudas
no processo de ensino/aprendizagem e a necessidade de que o professor se coloque na posio
de interlocutor nesse processo, prestando ateno no apenas ao conhecimento musical a ser
ensinado, mas sobretudo olhando para a criana, tentando fazer um esforo de interpretar suas

10. Lahire (2002, p. 172 e ss.) fala do processo contnuo de socializao; Vigotski (1998a) fala da aprendizagem e do
desenvolvimento tambm como processos contnuos.

116

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 105-118 | jul.dez 2011

As crianas pequenas e seus processos de apropriao da msica

aes de uma maneira mais global. Conforme j dito, uma desateno do professor em relao
s relaes que a criana est construindo com e atravs da msica pode levar a um desnimo
e consequente desinteresse dela pela aula ou at pela prpria msica.
Um ltimo ponto a ser destacado considera a importncia da integrao da msica
com outras linguagens no contexto da educao infantil. Nossas anlises vm apontando
a necessidade de se considerarem diversos contextos, os quais incluem diversas formas de
linguagem, no processo de apropriao da linguagem musical. As crianas no aprendem
msica apenas em aulas de msica, mas brincando, desenhando, danando, etc. Nesse sentido,
incluir essas outras formas de expresso no apenas um recurso de tornar mais prazerosa a
aula, mas uma necessidade real quando se leva em conta tanto as especificidades da msica
quanto do desenvolvimento infantil.11

referncias

BAKHTIN, M. Esttica da criao verbal. 3. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2000.


______. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do mtodo sociolgico da linguagem.
13. ed. So Paulo: Hucitec, 2009.
BEYER, E. As msicas do cotidiano nos processos de educao infantil. In: ENCONTRO ANUAL DA
ASSOCIAO BRASILEIRA DE EDUCAO, 16., 2007, Campo Grande. Anais Belo Horizonte: Abem,
2007. 1 CD-ROM.
BRITO, T. A. A. Msica na educao infantil: propostas para a formao integral da criana. So Paulo:
Peirpolis, 2003.
______. Gesto/ao/pensamento musical: o fazer musical da infncia. In: ENCONTRO ANUAL DA
ASSOCIAO BRASILEIRA DE EDUCAO, 14., 2005, Belo Horizonte. Anais Belo Horizonte: Abem,
2005. 1 CD-ROM.
FRANA, C. C. Para fazer msica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
GALVO, I. Henri Wallon: uma concepo dialtica do desenvolvimento infantil. 7. ed. Petrpolis: Vozes,
2000.
GARDNER, H. As artes e o desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1997.
______. Arte, mente e crebro: uma abordagem cognitiva da criatividade. Porto Alegre: Artes Mdicas Sul,
1999.
GORDON, E. E. Teoria de aprendizagem musical: competncias, contedos e padres. Lisboa: Editora da
Fundao Calouste Gulbeinkian, 2000.
ILARI, B. S. Bebs tambm entendem de msica: a percepo e a cognio musical no primeiro ano de
vida. Revista da Abem, n. 7, p. 83-90, 2002.
LAHIRE, B. Homem plural: os determinantes da ao. Petrpolis: Vozes, 2002.
______. Retratos sociolgicos: disposies e variaes individuais. Porto Alegre: Artmed, 2004.

11. Nessa linha integradora da msica, diversas ideias e ricos materiais podem ser consultados, por exemplo, em Brito
(2003), Ponso (2008), Frana (2008), entre outros.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 105-118 | jul.dez 2011

117

SCHROEDER, Slvia Cordeiro Nassif; SCHROEDER, Jorge Luiz

LEONTIEV. A. N. Os princpios psicolgicos da brincadeira pr-escolar. In: VIGOTSKII, L.. S.; LURIA, A.
R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 6. ed. So Paulo: cone; Editora da
Universidade de So Paulo, 1998. p. 119-142.
PARIZZI, M. B. O canto espontneo da criana de zero a seis anos: dos balbucios s canes transcendentes.
Revista da Abem, n. 15, p. 39-48, 2006.
PIMENTEL, A. Vygotsky: uma abordagem histrico-cultural da educao infantil. In: OLIVEIRAFORMOSINHO, J.; KISHIMOTO, T. M.; PINAZZA, M. A. (Org.). Pedagogia(s) da infncia: dialogando com o
passado, construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 219-248.
PONSO, C. C. Msica em dilogo: aes interdisciplinares na educao infantil. Porto Alegre: Sulina, 2008.
VIGOTSKI, L. S. A formao social da mente: o desenvolvimento dos processos psicolgicos superiores. 6.
ed. So Paulo: Martins Fontes, 1998a.
______. O desenvolvimento psicolgico na infncia. So Paulo: Martins Fontes, 1998b.
Recebido em
06/04/2011
Aprovado em
26/06/2011

118

REVISTA DA ABEM

______. Imaginao e criao na infncia: ensaio psicolgico: livro para professores. So Paulo: tica,
2009.
WILLEMS, E. Las bases psicolgicas de la educacin musical. 3. ed. Buenos Aires: Editora Universitaria de
Buenos Aires, 1969.

| Londrina | v.19 | n.26 | 105-118 | jul.dez 2011

Msica e histrias infantis: o


engajamento da criana de 0 a 4
anos nas aulas de msica
Music and childrens stories: the engagement of a O to 4 year old child
in the music lessons
ANELIESE THNNIGS SCHNEMANN

`[email protected]

LEDA DE ALBUQUERQUE MAFFIOLETTI Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

resumo

`[email protected]

Este artigo situa-se no campo da pedagogia da msica e teve por objetivo compreender
de que modo a articulao entre msica e histria promove o interesse e engajamento
das crianas, criando-se um espao que facilita o desenrolar pedaggico das aulas. A
investigao ocorre no ambiente da sala de aula, onde o pesquisador se insere como
observador de todas as aes e relaes que ocorrem. Foram observados 23 encontros
de musicalizao com crianas de 0 a 4 anos, no perodo de outubro a dezembro de 2009.
As observaes foram registradas com descries do contexto geral da aula, sinopse da
histria trabalhada e atividades musicais realizadas. Foram compreendidos como expresso
dos interesses das crianas: a aproximao; a explorao de timbres, ritmos e sons
onomatopeicos; a interao entre professora, acompanhante e crianas; a antecipao
e repetio da histria; o elemento-surpresa; o contexto da atividade fechamento da
histria com uma cano; e a histria partindo da criana. A investigao mostrou que a
msica conecta-se com a histria aproveitando dela a magia e concretude das sequencias
dos acontecimentos; a histria se enriquece com a insero da msica, que acentua
pontos decisivos do desenrolar da histria. A msica amplia a sonoridade das histrias
valorizando as nuanas da interpretao permitindo o duplo efeito de oferecer criana
uma histria com a msica e a msica com histria. Revelam assim a interdependncia e
complementaridade que cria o eixo pedaggico: uma est entrelaada na outra.
PALAVRAS-CHAVE: musicalizao infantil, pedagogia da msica, histria infantil

abstract

This article is located in the field of pedagogy of music and aimed to understand how the
relationship between music and history promotes interest and engagement of children,
creating a space that facilitates educational development of classes. Research occurs in
the classroom, where the researcher is part as an observer of all actions and relationships
that occur. We observed 23 meetings musically with children 0-4 years during the period
October to December 2009. Observations were recorded with descriptions of the general
class context, a synopsis of the story worked with and musical activities carried out. Were
understood as an expression of the interests of children, the approach, the exploration of
timbres, rhythms and sounds onomatopoeic; Interaction between teacher, companion and
children, the anticipation and repetition of history, the surprise element, the context of activity
closing the story with a song and history from the child. Research has shown that music
connects with the story using her magic and concreteness of sequences of events, the
story is enriched by the inclusion of music that emphasizes key points of the unfolding of
history. The music amplifies the sound of stories highlighting the nuances of interpretation
allowing the dual effect of offering the child a story with music and music history. Reveal the
interdependence and complementarity so that the shaft creates educational levels: one is
to another thread.
KEYWORDS: childrens music education, music pedagogy, childrens story

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 119-131 | jul.dez 2011

119

SCHNEMANN, Aneliese Thnnigs ; MAFFIOLETTI, Leda de Albuquerque

introduo

temtica deste artigo1 est imbricada na experincia de vida de uma professora, que
na infncia e juventude esteve sempre ligada msica. O incentivo das canes com
histrias, canes e cantigas de roda sempre estiveram presentes em sua histria de vida.

Em suas experincias com a msica em famlia aprendeu a explorar as sonoridades das cenas
das histrias e a criar personagens e enredos para dar vida aos sons e brincadeiras musicais.
Mais tarde, ao trabalhar com crianas pequenas, essas experincias orientaram suas escolhas
e modo de desenvolver as aulas de msica. O encanto daqueles momentos nutriu sua docncia
e refletiu-se tambm em sua pesquisa de mestrado. O que veremos a seguir a tematizao
de suas ideias sobre msica e histrias infantis, renovada pelas reflexes desencadeadas pela
pesquisa de mestrado, a qual teve por objetivo compreender de que modo a msica articulada
com a histria infantil cria um espao pedaggico facilitador do engajamento da criana nas
aulas de msica.2
Na literatura sobre esse tema destacam-se os autores Wornicov et al. (1986) e Bergmann
e Pires (2008) que enfatizam o pensamento ldico na contao de histrias. Nos autores Aguiar
(2001); Cunha (1983); Zilberman (1981); Abramovich (1995) e Busatto (2003) esto os argumentos
para refletir sobre as histrias infantis e a produo de livros destinados ao pblico infantil.
O pressuposto, que tem origem na prtica docente, que a articulao entre msica e
histria infantil realmente ocorre, necessitando ser desvelada mediante a identificao das
propriedades dessa relao. O problema de pesquisa levantado, portanto, explicar como se
caracteriza a relao entre msica e histria nas aulas de musicalizao infantil.
Espera-se com esse trabalho contribuir na compreenso das prticas musicais desenvolvidas
na educao infantil, tendo como referncia o interesse e o engajamento da criana de 0 a 4 anos
nas aulas de msica.

criana e
literatura

Para algumas crianas a prtica de ouvir histrias e cantar est inserida na sua vivncia
e cultura, j para outras no faz parte do seu dia a dia. Essa constatao mostra que as
necessidades de imaginao e interesses infantis no ocupam o mesmo lugar nas diferentes
famlias e contextos culturais. Para compreender a implicao dessas diferenas no modo como
a criana desenvolve seus processos de entendimento e compreenso do mundo preciso
considerar suas condies de vida e tipo de atendimento recebido.
Vista por esse ngulo, Sarmento (2008) defende que a compreenso das culturas infantis
s pode ser feita com base na anlise da produo destinada ao pblico infantil conjugada ao
modo de recepo das crianas.
Do ponto de vista antropolgico, Gomes (2008, p. 82), considera ser necessrio permitir s
crianas que tomem o lugar de atores sociais; que elas participem das prticas sociais em que
esto envolvidas.

1. O artigo tem origem na dissertao de mestrado intitulada Msica e histrias infantis: o engajamento da criana de 0 a
4 anos nas aulas de msica (Schnemann, 2010).
2. Os termos aula de msica e aula de musicalizao significam a mesma coisa. O emprego da segunda expresso
justifica-se pelo uso desse termo pelas instituies que fizeram parte da pesquisa.

120

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 119-131 | jul.dez 2011

Msica e histrias infantis: o engajamento da criana de O a 4 anos nas aulas de msica

A criana no pode ser vista como um ser isolado em suas manifestaes, porque ela
social e faz parte de uma estrutura social. preciso v-la no contexto social em que vive e nas
relaes que cria no contexto da sala de aula, e a partir disso observar o seu engajamento com
a msica e a histria infantil.
Observamos que a literatura infantil busca atender as necessidades de imaginao e
interesses infantis, apresentando diferentes caractersticas segundo a faixa etria. O livro para
as crianas entre 0 a 4 anos possui gravuras coloridas, as letras do texto so maiores e o tema
das histrias so mais ritmados, com motivos de bichos e de fadas. J nos livros destinados s
crianas maiores o texto prevalece em relao s gravuras e o tema gira em torno da curiosidade,
trazendo elementos como monstros e planetas.

Bransford, Brown e Cocking (2007, p. 194) relatam que, para a criana aprender, a famlia
seria o ambiente fundamental, mesmo no estando voltada a ensinar, pois proporciona recursos
para as crianas aprenderem e desenvolverem conexes com a comunidade. Com os familiares,
as crianas aprendem tambm suas atitudes com respeito s aptides e aos valores fornecidos
pela educao escolar. Afirma Perry (2002, p. 493) que o ambiente familiar pode propiciar

o ambiente
sonoro e
musical da
criana

criana o enriquecimento de sua relao com a msica. Complementando essa ideia, Arroyo
(2008, p. 132) diz que a diversidade familiar est nas formas de socializao e educao que
os pais imprimem nas crianas. Elas chegam na escola com as atitudes e prticas, condutas
e valores educativos vivenciados entre pais e filhos. A diversidade familiar est presente nas
aulas de msica. Cada uma das crianas que participa da aula de msica tem as suas vivncias
musicais, umas mais que as outras. A famlia seria a principal referncia da criana na orientao
de sua conduta, adoo de valores e aprendizagens culturais. O contato com a msica
essencial, pois as habilidades musicais dependem da experincia prtica para se desenvolver,
acentuando-se assim o compromisso dos educadores e pais para com a sua formao musical
(Maffioletti, 2001, p. 9).
A histria infantil e a msica auxiliam o imaginrio infantil, porque acionam, simultaneamente,
a imagem ou gravuras das histrias, a msica cantada ou tocada, o movimento prprio do enredo
e a ao da criana que procura interpretar com o corpo a narrativa que se desenrola. Pode-se
observar no fluxograma abaixo essa relao.

FIGURA 1
Envolvimento do aluno na aula de
musicalizao (Schnemann, 2010).

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 119-131 | jul.dez 2011

121

SCHNEMANN, Aneliese Thnnigs ; MAFFIOLETTI, Leda de Albuquerque

A imagem figuras do prprio livro que est sendo trabalhado ou at mesmo um fantoche;
o som canes, execuo de instrumentos musicais, sons onomatopeicos e ritmo no prprio
corpo; o movimento forma como a professora faz a leitura da histria, olhando para a criana,
falando rpido e devagar, forte e fraco; a ao do corpo ou de um objeto. So momentos de
uma aula de musicalizao com leitura de uma histria infantil. Desse modo, a msica e a histria
ao se articularem entre si criam uma nova situao em que o som da histria e a histria o
som em movimento.

trabalhando
com a histria
infantil em sala
de aula

Os autores aqui citados possuem algumas semelhanas com o modo de compreender a


prtica e o envolvimento musical da criana exposto neste artigo, ou seja, valorizam sua forma
de pensar e agir, como tambm as relaes que a msica possui com as demais reas do
conhecimento. No ponto de vista de Brito (2003, p. 161), a histria pode ser uma possibilidade
no processo de educao musical. O faz de conta est presente, e fazer msica , de uma
maneira ou de outra, ouvir, inventar e contar histrias. E diz mais: certo que msica gesto,
movimento, ao (Brito, 2003, p. 93). Bransford, Brown e Cocking (2007, p. 145) comentam que
est comprovado que envolver a criana em histrias contadas e lidas desenvolve as habilidades
lingusticas e auxilia em uma leitura inicial independente. Maffioletti (2005, f. 142) relata uma cena
em que o enredo da histria promove o interesse e a facilita compreenso da atividade proposta.
Trata-se da quinta atividade do menino Bruno (8;0),3 que consistia em formar uma sequncia com
sete gaitas de boca. Como ele gostava de desafios e para que se interessasse pela atividade, a
autora inventou uma histria: naquela semana havia comprado um estojo contendo sete gaitas
de boca, organizadas em ordem crescente, cada uma com uma afinao distinta. Porm, na
hora de empacotar, o vendedor desajeitado havia virado o estojo sobre o balco misturando
todas as gaitas, recolocando-as no estojo em desordem. Devido a esse incidente, as gaitas
perderam a sua utilidade, j que orden-las seria uma tarefa quase impossvel. Envolvido pelo
enredo da histria, Bruno sentiu-se desafiado e foi gil ao organizar as gaitas novamente. Joly
(2003) escreve sobre a presena da msica na escola como sendo um dos elementos formadores
do indivduo. Para que essa formao acontea, a autora considera que os professores so
responsveis por perceber quais seriam as atividades musicais necessrias para os alunos,
ouvindo cada um e atuando conforme suas particularidades. Encorajando-os de diferentes
maneiras a vivenciar a msica, cantando, ouvindo, gravando ou executando um instrumento
musical, incluindo ainda histrias, jogos e danas que estariam auxiliando no amadurecimento
social, emocional, fsico e cognitivo da criana. O importante, segundo a autora, criar elos e
integrar professor, aluno e conhecimento. As colocaes de Delval (2007) vm ao encontro dos
objetivos desta pesquisa quando defende que o aprender no realizado de uma nica maneira,
e sim de diversas maneiras, como, por exemplo, compartilhando com outras pessoas, agindo
sozinho, imitando outras pessoas, inclusive ouvindo histrias que descrevem o que os outros
fazem. O interesse por Kapln (2002) refere-se ao eixo pedaggico como articulador do material

3. Os nmeros entre parnteses, separados por ponto e vrgula, ao lado do nome de cada criana correspondem idade
em anos e meses, respectivamente.

122

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 119-131 | jul.dez 2011

Msica e histrias infantis: o engajamento da criana de O a 4 anos nas aulas de msica

educativo. Tais eixos sero enriquecidos ou no, conforme as concepes dos educadores, suas
percepes e valores juntamente com a grande capacidade de brincar das crianas, seus jogos
de palavras ou de imagens, jogos de sentidos e sentimentos. O autor prope que seria preciso
inventar histrias, paisagens visuais ou sonoras, compor canes, inventar brincadeiras, escrever
cartas ou poemas, como tambm romper os moldes de um sermo impresso ou de uma chatice
audiovisual.
Enfocando a temtica desta pesquisa, Bresler (2007) considera que a msica e a histria
tambm fazem parte do contexto da aula de msica. Marques (2007) afirma que cada pessoa
constri a sua vida diferentemente das outras e que cada uma faz as suas snteses do que
constri e construiu. Unir histrias e msicas, possibilita ao aluno explorar sua autonomia,
desenvolvendo e exercitando sua memria, seu raciocnio, sua capacidade de percepo e sua
criatividade (Bergmann; Torres, 2009, p. 197).
Os recursos disponveis para envolver as crianas em histrias so os mais variados. Entre
eles esto os fantoches ou dedoches, os adereos (como perucas e fantasias), os instrumentos
musicais, os DVDs, os CDs, entre outros. Esses recursos suscitam a surpresa e instigam a
curiosidade pela histria infantil escolhida, de forma que elas vivenciam e aprendem no contexto
da histria e na experimentao com a msica. No caso da presente pesquisa, a msica e a
histria infantil seriam articuladoras do eixo pedaggico que promove e sustenta o interesse da
criana.

Para compreender de que modo a msica articulada com a histria infantil cria um espao
pedaggico facilitador do engajamento da criana nas aulas de musicalizao, a investigao

procedimentos
da pesquisa

ocorre no ambiente da sala de aula, onde o pesquisador se insere como observador de todas
as aes e relaes que ocorrem. Porta-se como algum do grupo, embora no participe com
ele das atividades propostas. Segundo Kemp (1995), a investigao na rea da msica com
base nas observaes procura descrever os acontecimentos no momento em que eles ocorrem.
Pode envolver o registro, anlise e interpretao dos comportamentos musicais e uma pessoa ou
grupo de pessoas numa situao musical. Durante as observaes o pesquisador se preocupa
com os aspectos gerais do comportamento, como a ateno dada ao que proposto como
tambm as respostas que surgem a isso. So focos de sua ateno as verbalizaes, a maneira
de manifestar aprovao e desaprovao, o contato visual, movimentos corporais e expresses
faciais. Conforme as colocaes de Kemp (1995), atravs da observao sistemtica das aulas
de msica seria possvel compreender as relaes que ocorrem em sala de aula, a ateno,
interpretao e atitudes dos alunos.
As observaes foram realizadas no segundo semestre do ano de 2009, iniciando em
outubro e encerrando em dezembro, no trmino do ano letivo. As aulas foram observadas do
incio ao fim, de modo mais detalhado foram observados os elementos utilizados na histria e sua
relao com as atividades musicais desenvolvidas.
As escolas de musicalizao para bebs que fazem parte desta pesquisa so de dois
espaos distintos na cidade de Porto Alegre, sendo uma escola pblica e uma privada. Na escola
pblica a pesquisa foi realizada com crianas de 0 a 2 anos de idade, e na escola privada, com
crianas de 2 a 4 anos. Cabe esclarecer que no se trata de escolas infantis regulares, mas de
escolas que ofereciam especificamente aulas de musicalizao para crianas de 0 a 4 anos uma

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 119-131 | jul.dez 2011

123

SCHNEMANN, Aneliese Thnnigs ; MAFFIOLETTI, Leda de Albuquerque

vez por semana. Nos dois espaos, as crianas eram acompanhadas, cada uma, por um adulto.
As turmas eram organizadas por faixas etrias, em grupos de no mximo dez crianas. A partir
dessa organizao, foi possvel contar com quatro grupos de idades diferentes, totalizando 23
sujeitos de 0 a 4 anos, que foram observados durante 23 encontros. As aulas foram ministradas
por uma professora especializada na rea, uma vez por semana, com durao de 60 minutos.
Em vista dessas caractersticas, as observaes enfocaram minuciosamente as aes das
crianas e seu engajamento nas aulas de msica. Observando-se ainda o contexto das atividades
e, principalmente, identificando as aes realizadas pela criana que poderiam expressar seu
interesse pela narrativa e pelas atividades musicais desenvolvidas em aula.
Em cada grupo de musicalizao observou-se uma rotina estvel como apresentada a
seguir.

rotina da aula

A aula de msica, para crianas de 0 a 4 anos, tem como objetivo proporcionar uma vivncia
musical desde os primeiros anos de vida. Os adultos, que acompanham os bebs, realizam
as atividades musicais com eles. Nessas aulas no h a inteno de a criana executar um
instrumento musical, de manter o pulso quando est executando um instrumento de percusso
ou at mesmo de reconhecer diferentes timbres, alturas e andamentos durante as atividades
propostas em aula. O que se objetiva , sim, que cada criana construa o seu conhecimento
musical atravs da rotina da aula. Esta inclui atividades de canto, leituras de histrias, atividades
rtmicas, atividades de movimentao, audio de peas populares, folclricas e eruditas.
Conforme o grupo, as atividades podem ser modificadas e, dependendo do tempo gasto
em cada atividade, a rotina tambm pode ser invertida. Procura-se intercalar uma atividade calma
e uma agitada.
No decorrer da rotina, a histria est presente no momento tranquilo da aula, logo aps a
dana, passando de um momento agitado para um calmo. A histria, com o livro, contada pela
professora, que mostra pgina por pgina enquanto vai lendo para as crianas a histria. No grupo
de 0 a 1 ano ela fala uma frase e o grupo repete. J no de 2 a 4 anos, somente a professora conta
a histria e as crianas interagem junto. A professora ao escolher a histria procura aquelas que
possuem gravuras grandes e coloridas, tendo frases curtas e com possibilidades de exploraes
sonoras e de movimentos. A histria repetida em torno de quatro aulas e, dependendo da
histria, tem durao de cinco a dez minutos.

124

Histrias

Grupos

O vento (Frana, Frana, 2007b)

0-1

O trem (Frana; Frana, 2006)

0-1; 1-2

O caracol (Frana; Frana, 2005b)

0-1; 1-2; 3-4

A galinha choca (Frana; Frana, 2005a)

1-2; 2-3

O barco (Frana; Frana, 2008)

1-2; 2-3; 3-4

Tanto, tanto (Cooke, 1997)

1-2

Na roa (Frana; Frana, 2007)

2-3; 3-4

A minhoca dorminhoca (Weil, 2004)

2-3

Gato com frio (Frana; Frana, 2003)

3-4

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 119-131 | jul.dez 2011

TABELA 1
Histrias e grupos onde foram trabalhadas

Msica e histrias infantis: o engajamento da criana de O a 4 anos nas aulas de msica

Em cada frase lida pela professora so introduzidos movimentos corporais (para um lado,
para o outro; para cima e para baixo), objetos (fralda, avio de papel, fantoches, garrafas PET),
instrumentos musicais (tambor, prato, pandeiro), canes e explorao dos parmetros do som,
para as crianas realizarem com seus acompanhantes.
As histrias apresentadas so adaptadas e divididas por faixa etria, podendo ser a mesma
histria para os grupos de 0 a 4 anos, mas com certo grau de dificuldade para os grupos de
2-4 anos. Como, por exemplo, no grupo de 0 a 2 anos, o acompanhante auxilia a criana nos
movimentos e nas sonorizaes repetidas aproximadamente trs vezes. J com os de 2 a 4 anos,
a criana realiza os movimentos e as sonorizaes sozinhas, sem a necessidade da repetio.
Ao finalizar a histria, a professora sugere ao grupo cantar uma cano, de acordo com a
histria. No final do semestre so relembradas as histrias mais significativas para o grupo.

As observaes foram registradas em dirio de campo de modo descritivo, em forma


de episdios, complementados pela descrio do contexto geral da aula e sinopse da histria

procedimentos
de anlise

trabalhada. Inicialmente o material coletado foi organizado por faixa etria, para obter uma viso
geral do material emprico disponvel. Posteriormente foram novamente analisados e organizados
conforme os indicadores do interesse da criana ou sua forma de engajamento nas atividades
musicais. A partir da identificao dos interesses, as condutas observadas puderam ser
organizadas e agrupadas, obtendo-se uma viso de conjunto do material a ser analisado.
A nova organizao levou em conta os momentos em que a criana se aproximava da
professora ou do livro de histria; quando direcionava o olhar, participando espontaneamente das
atividades propostas; quando se interessava pelo enredo da histria, fazia perguntas, gestos e
exclamaes; vivia o enredo como se fosse o personagem.
Foram analisados de modo mais detalhado os elementos utilizados na histria e sua relao
com as atividades musicais desenvolvidas. Para focar o estudo nas articulaes que promovem
o engajamento da criana no fazer musical, tornou-se necessrio compreender o contexto
das atividades e, principalmente, identificar e interpretar as aes realizadas pela criana que
poderiam expressar seu interesse pela narrativa e pelas atividades musicais desenvolvidas em
aula. Compreende-se, ento, que identificar de que modo a criana expressa seu interesse pode
nos levar ao eixo pedaggico que articula a msica e a histria infantil.

A apresentao dos resultados mostra os episdios que identificam momentos importantes


onde a msica e a histria infantil mobilizaram o interesse e engajamento da criana. A forma
de contar a histria, o olhar da professora e sua entonao vocal, as surpresas, as imagens e
os instrumentos musicais fizeram parte do contexto que promovia o engajamento das crianas

apresentao e
discusso dos
dados

durante as aulas. Esses momentos foram compreendidos como a expresso dos interesses
das crianas, atravs dos quais foi possvel identificar a existncia de um eixo pedaggico que
articula msica e histria infantil nas aulas de msica. So eles: a aproximao; a explorao de
timbres, ritmos e sons onomatopeicos; a interao entre professora, acompanhante e crianas; a
antecipao e repetio da histria; o elemento-surpresa; o contexto da atividade fechamento
da histria com uma cano; e a histria partindo da criana.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 119-131 | jul.dez 2011

125

SCHNEMANN, Aneliese Thnnigs ; MAFFIOLETTI, Leda de Albuquerque

Na conduta de aproximao, a criana aproxima-se do livro como se fosse entrar na histria


e no mundo do faz de conta, o que pde ser observado tanto no grupo de 0 a 1 ano quanto no de
3 a 4 anos. Essa situao observada atravs do aconchego da criana no colo da me ou do
acompanhante, ao ver a professora pegar o livro. Com o olhar direcionado ao livro, as crianas
engatinhavam, outras caminhavam procurando chegar prximas da professora e acomodaremse bem pertinho e, preferencialmente, em frente ao livro. As crianas e a professora interagiram
ao realizarem movimentos e sons correspondentes imagem apresentada durante a leitura
da histria. Corroboram essa ideia as autoras Bergmann e Pires (2008), ao afirmarem que a
aproximao dada de forma ldica ao contar uma histria, de saber ouvir as crianas e auxililas com suas fantasias, medo e alegria no mundo de que fazem parte.
Na explorao de timbres, ritmos e sons onomatopeicos percebe-se que a sensibilidade
com as palavras, a forma musical com que a professora l a histria fator decisivo para o
engajamento da criana nas aulas de musicalizao. De acordo com Abramovich (1995, p. 18),
esse envolvimento estaria acontecendo porque a sonoridade e o ritmo da leitura da histria formam
uma fluncia que se parece com uma cano. o que se percebe no episdio de 13/11/2009, na
histria O caracol, quando Jade (0;9)4 imita o som da professora falando ah em som agudo.
Ou, ainda, na histria A galinha choca, no episdio de 16/10/2009, em que Joaquim (1;11)
manifesta-se quando a professora pergunta: Como faz a galinha? e ele, movimentando os
braos e falando coc, imita o animal.
Assim, percebe-se que os elementos sonoros ao falar as frases da histria podem ser
complementados por movimentos corporais, sons e canes. Nesse sentido, Busatto (2003,
p. 40-41) ajuda a compreender que, ao contar uma histria utilizando onomatopeias, canes
infantis e os sons do corpo, aprendemos a correta sonoridade das palavras, percebemos o ritmo
impresso pelo narrador, sentimos os sons do silncio, nos envolvemos com a sua musicalidade
e com os sentimentos que emergem do conto.
Conforme afirma Sisto (2005), ao contar uma histria, o tempo afetivo o elo da comunicao,
no tendo o tempo cronolgico a mesma importncia. Pois a palavra auxilia o mundo mgico,
com o gesto sonoro e corporal, podendo levar o ouvinte a uma suspenso temporal (Sisto, 2005,
p. 28). A criao de um espao e tempo prprios pde ser percebida de acordo com as reaes
e manifestaes de cada um dos grupos analisados.
No grupo de 2 a 3 anos, as crianas passam a explorar os sons e mostram no livro o que
j sabem, imitando os sons e fazendo os movimentos. Na histria A minhoca dorminhoca, em
24/11/2009, quando aparece a figura do tnel da minhoca, as crianas passam o dedo no tnel
falando uhhhhhhhhh no som grave, quando desce, e no som agudo quando sobe. Continuando
a histria, a professora fala apareceu; Aline (2;5) e Juliana (2;5) saem andando pela sala
imitando uma galinha. Elas anteciparam a fala e imitaram a galinha. Essa histria j estava sendo
lida pela terceira vez. Guilherme (2;1) caminha pela sala, chora, resmunga e quando a professora
bate palmas no cho falando p p p p nhac, ele faz junto, explorando o som grave e
agudo, rpido e lento, forte e fraco.

4. Informamos que os nmeros entre parnteses, separados por ponto e vrgula, ao lado do nome de cada criana
correspondem idade em anos e meses, respectivamente.

126

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 119-131 | jul.dez 2011

Msica e histrias infantis: o engajamento da criana de O a 4 anos nas aulas de msica

Nesses episdios observa-se a integrao entre msica (explorao sonora) e a histria


(enredo). Por um lado, as crianas so personagens, de outro, so elas mesmas inventando
sonoridades para se inserirem na histria.
Na interao entre professora, acompanhante e crianas destaca-se o episdio de
16/10/2009, na histria A galinha choca, em que Isabela (1;7) pegou o livro da mo da
professora e o mostrou para a me e a vov. Estas comearam a perguntar o que era cada
bichinho e Isabela (1;7) sonorizava os sons dos bichinhos. A professora comeou a contar a
histria e Isabela (1;7) ficou em p em frente da professora e do livro, para ouvir a histria. Isabela
(1;7) falava e olhava para a professora coc coc, at que apareceu a galinha e ela mostrou
com o dedo no livro e falou coc. Quando a professora fala de repente os ovos comearam
a quebrar, ela sacode a caixa com som de guizos, imitando estar quebrando os ovos. Da caixa
saiu um pintinho, Isabela (1;7) faz piu piu. A professora diz e daquele outro ovo, saiu um
patinho. A professora mostra um patinho. Isabela (1;7) faz qu qu. A histria termina, Isabela
(1;7) diz mais querendo saber o que ainda havia na caixa. A professora entrega a bola azul com
guizo para Isabela (1;7) e ela sacode a bolinha. Entrega para a me e a vov os pintinhos e antes
de guardar na caixa, beija-os com carinho. Terminando a histria, Isabela (1;7) ajuda a professora
a guardar os pintinhos dentro da caixa.
Entende-se a partir dessa descrio que as relaes que a criana mantm com a msica
so espontaneamente compartilhadas com as pessoas do seu convvio familiar. Apesar da
pouca idade, essencial esse tipo de participao, pois a habilidade musical da criana no se
desenvolve na ausncia de interao social, conforme destaca Maffioletti (2001).
Observa-se tambm que fazer o som imitando os animais uma forma de mostrar
compreenso. O som substitui o nome do bicho, diz como ele e o que faz na histria. O
som assume nfases conforme os acontecimentos, sendo uma forma de expresso com muitos
significados que remetem compreenso e engajamento no enredo.
Na antecipao e repetio da histria as crianas, habituadas com a msica e as histrias,
ao verem as ilustraes do livro antecipam os acontecimentos, percebendo que o enredo
apresenta-se sempre na mesma sequencia. O sentimento de saber o que se passa d segurana
criana e a auxilia na compreenso dos acontecimentos sua volta. Joly (2003) fala da situao
em que a criana, ao vivenciar a msica atravs de histrias, jogos ou danas, tem um auxlio no
seu amadurecimento social, emocional, fsico e cognitivo.
No episdio de 30/10/2009, com a histria O barco, Gustavo (1;8) senta na frente da
professora e do livro. A sua me chama-o para sentar no seu colo. Gustavo (1;8) vai at a sua
me, mas volta aproximando-se novamente da professora. Faz, sem que a professora lhe pea,
p, p p, p p p p, p, p, p, imitando os peixes pequenos que aparecem nas
pginas da histria. Assim que termina, pe-se a rir. A professora vira a folha do livro e Gustavo
(1;8) antecipa os acontecimentos da histria, mostrando o movimento das ondas atravs do
movimento dos braos e do som uuuh. O som agudo para o rio subindo e o som grave para o rio
descendo. Ao terminar a histria, Gustavo (1;8) diz tchau para o menininho, que o personagem
da histria. Nesse episdio, ainda podemos notar que os diferentes ajustes feitos com a voz so
recursos de interpretao da histria, sendo ao mesmo tempo a prpria histria sonorizada.
O elemento-surpresa uma exploso de ideias sonoras, visuais e corporais. Verifica-se no
episdio de 16/10/2009, no grupo de 0 a 1 ano, na histria O trem: a professora fala o trem
entra no tnel e no vejo nada passar os acompanhantes escondem o rosto das crianas com
uma fralda, que posteriormente entregue a cada uma delas. As crianas se divertem rindo e
puxando a fralda do seu rosto. No grupo de 1 a 2 anos, episdio de 13/11/2009, o elemento-

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 119-131 | jul.dez 2011

127

SCHNEMANN, Aneliese Thnnigs ; MAFFIOLETTI, Leda de Albuquerque

surpresa da histria, Tanto, tanto, o som do prato. Este est escondido atrs da professora.
Cada vez que toca a campainha a professora toca o prato com o auxlio de uma baqueta. E,
ainda, no episdio de 10/11/2009, Gato com frio, com as crianas de 3 a 4 anos, o elementosurpresa um fantoche de tucano. A professora segura um saco de onde retira um fantoche de
tucano. As crianas olham desconfiadas, mas acabam gostando. Acariciam o tucano e colocam
a mo dentro de sua boca.
Kapln (2003) ensina que necessrio inventar histrias, paisagens visuais ou sonoras,
compor canes, inventar brincadeiras, escrever cartas ou poemas, como tambm romper os
moldes de um sermo impresso ou de uma chatice audiovisual. Ou seja, preciso incentivar a
criana atravs de elementos que a levem a preencher o seu imaginrio.
O som pontuando um momento de suspense parece engajar a todos. Fazem sonoplastias
no momento exato, sincronizando cena e som, mesmo quando parecem estar distradas
caminhando pela sala. O elemento-surpresa uma exploso de ideias sonoras.
O fechamento da histria com uma cano, dentro do contexto da atividade, tanto uma
finalizao quanto a prpria culminncia da msica. No episdio de 23/10/2009, no grupo de 0
a 1 ano, a histria O trem termina quando os acompanhantes abraam as crianas dizendo
tchau, histria. Cantam uma msica do trem acompanhada pela professora no piano. So
explorados os andamentos moderado, rpido e lento, convidando ao engajamento da criana
na atividade. no contexto da histria que a cano de fechamento tem sentido. O contexto
da aula, a rotina, o enredo e a cano formam um s sentimento que permite a compreenso do
espao e do tempo, dos afetos e outras emoes que o engajamento propicia. Nesse sentido,
Brito (2003) considera que ao sonorizar uma histria e criar uma cano sobre o que foi narrado,
auxilia-se a criana no processo de composio musical.
Na conduta da histria partindo da criana nota-se a importncia do olhar atento da
professora para as manifestaes da criana ao longo da aula de msica. possvel explorar o
imaginrio das crianas partindo das aes realizadas por ela mesma. Aguiar (2001, p. 83) afirma
que a criana uma grande fabuladora de mitos, que lhe auxiliam a compreender a vida pelo
imaginrio e a estar em contato com o mundo. No episdio de 13/11/2009, na atividade com
instrumentos musicais com as crianas de 1 a 2 anos, foram utilizados trs tambores sinfnicos.
As crianas acompanham com o CD Canes de brincar a msica da Sopa, de Sandra Peres.
Batem nos tambores sua maneira. Quando termina a msica, Clara (1;9) dedilha sobre o
tambor. A professora v o que Clara (1;9) est fazendo e diz: Que legal! Parece um ratinho!
Vamos fazer?, e todos fazem com os dedos o som de ratinho no tambor pequeno. A professora
diz e aqui tem um rato, tocando no tambor grande. As crianas, os pais e a professora passam
a brincar com os sons do ratinho feitos em um tambor pequeno e os sons do rato feitos em um
tambor grande. Um dos pais bate no tambor como se fosse pulos de um coelho, j outro mostra
o elefante, a professora faz o cavalo e assim vo explorando os sons dos tambores conforme o
andar dos animais.
O significado simblico do som que representa o ratinho ou um rato tomado emprestado
do enredo que aos poucos se forma. O que acontece posteriormente uma realimentao
mtua. Tanto o enredo puxa o som quanto o som d lugar a novos enredos. A fantasia ora vem
do som, ora da pequena improvisao realizada em aula.
Nesse sentido, como j dito anteriormente, a articulao entre a msica e a histria infantil,
proposta nesta pesquisa, estaria possibilitando na criana o senso de ouvir, de pensar e de
imaginar. Ao mesmo tempo, proporcionando ao professor escutar as crianas, de modo a captar
suas reaes e as caractersticas de sua interao com a msica e a histria.

128

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 119-131 | jul.dez 2011

Msica e histrias infantis: o engajamento da criana de O a 4 anos nas aulas de msica

Quando a msica conecta-se com a histria aproveita dela a magia, a fora do enredo,
e a concretude das sequncias dos acontecimentos do enredo. Por outro lado, a histria se
enriquece com a insero da msica que marca e acentua pontos decisivos do desenrolar da
histria. A msica amplia a sonoridade das histrias, acentuando a nfase e valoriza as nuanas
da interpretao, permitindo o duplo efeito de oferecer criana uma histria com a msica e a
msica com histria. Revelam assim a interdependncia e complementaridade que cria o eixo
pedaggico: um est entrelaado no outro.

Entendemos que a prtica de utilizar histrias uma forma de interagir com as crianas e
uma maneira de auxili-las a criar e recriar seu mundo imaginrio. A msica est intrnseca na
histria, utilizando-se dos sons das palavras para participar do imaginrio da criana; ao mesmo
tempo a histria se faz presente na msica para compor um mundo de faz de conta que beneficia
a formao ldica, a capacidade de brincar, cantar e improvisar.

consideraes
finais

A pesquisa mostrou que a leitura da histria possibilita uma abertura para a insero e
conexo com a msica, permitindo fazer atividades musicais e retomar a histria no ponto onde
ela parou, sem comprometer o engajamento da criana durante as aulas. Seguir a sequncia
do tempo das histrias e das msicas proporciona momentos ldicos de criao, imaginao e
fantasia, alm de contribuir na promoo de sentimentos de compreenso do mundo.
As questes que orientaram as anlises enfocaram o contexto e as manifestaes de
interesse da criana como indicadores do seu engajamento nas atividades musicais, procurando
identificar de que modo e em quais circunstncias esse engajamento ocorre. Foi essencial
identificar e interpretar as aes realizadas pela criana, que poderiam expressar seu interesse
pela narrativa e pelas atividades musicais desenvolvidas em aula. Esse entendimento permitiu
compreender de que modo a msica articula-se com as histrias infantis formando um eixo
pedaggico capaz de promover o engajamento da criana nas aulas de msica.
Foi observado que a articulao entre a msica e a histria promove de modo mais intenso
o interesse das crianas nos momentos em que surge algum personagem ou a utilizao de
fantoches, os instrumentos musicais, as movimentaes do corpo, as figuras coloridas, os
timbres diferentes das vozes.
A relao formada entre msica e histria nas aulas de musicalizao observadas
caracteriza-se pela interdependncia e complementaridade. Mas importante reconhecer que
pode haver uma nfase maior ou menor em uma das partes, com seus sons e suas imagens, mas
a interdependncia e a complementaridade ainda se preservam e se conservam como fora que
mobiliza o engajamento da criana.
No decorrer do trabalho comentou-se a respeito da valorizao da infncia e da importncia
de ler e cantar para as crianas, desde bebs. Os resultados permitem reafirmar a importncia de
respeitar a criana, propiciando que oua, pense e imagine o seu prprio mundo. Os momentos
em que a criana mostrou-se mais expressiva, participante e inventiva caracterizou-se pelo
atendimento de suas necessidades mais elementares de aconchego, fantasia e sentimentos de
compreenso dos acontecimentos sua volta.
Durante a apresentao dos resultados a sensibilidade mostrou-se essencial para levar
em conta os momentos de maior aproximao, a direo do olhar, os gestos espontneos e a
vibrao como forma de compreenso da narrativa que se desenrola. A criana vive a msica
como se fosse um personagem movido por ela.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 119-131 | jul.dez 2011

129

SCHNEMANN, Aneliese Thnnigs ; MAFFIOLETTI, Leda de Albuquerque

Os momentos analisados na pesquisa se relacionavam com experincias de vida e com


prticas pedaggicas musicais. Percebemos que as experincias pessoais com a msica foram
estendidas ao escolar onde a pesquisa transcorreu. Mas foi junto ao ambiente familiar que foi
encontrado o sentido e a articulao que promovem o aprendizado musical das crianas.

referncias

ABRAMOVICH, F. Literatura infantil: gostosuras e bobices. 5. ed. So Paulo: Scipione, 1995.


AGUIAR, V. T. de (Coord). Era uma vez na escola: formando educadores para formar leitores. 4. ed. Belo
Horizonte: Formato Editorial, 2001.
ARROYO, M. G. A infncia interroga a pedagogia. In: SARMENTO, M.; GOUVEA, M. C. S. (Org.). Estudos da
infncia: educao e prticas sociais. Petrpolis: Vozes, 2008. p. 119-140.
BERGMANN, L. M.; PIRES, M. das G. F. da R.. O Flautista de Hamelin: explorando a histria. Anurio de
Literatura, v. 13, n. 2, p. 39-55, 2008.
BEGMANN, L. M.; TORRES, M. C. A. R. Vamos cantar histrias? Conjectura, v. 14, n. 2, p. 187-201, maio/
ago. 2009.
BRANSFORD, J. D.; BROWN, A. L.; COCKING, R. R. (Org.). Como as pessoas aprendem: crebro, mente,
experincia e escola. So Paulo: Senac, 2007.
BRESLER, L. Pesquisa qualitativa em educao musical: contextos, caractersticas e possibilidades.
Revista da Abem, n. 16, p. 7-16, mar. 2007.
BRITO, T. A. de. Msica na educao infantil. So Paulo: Peirpolis, 2003.
BUSATTO, C. Contar e encantar: pequenos segredos da narrativa. 3. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.
COOKE, T. Tanto, tanto! So Paulo: tica, 1997.
CUNHA, M. A. A. Literatura infantil: teoria e prtica. So Paulo: tica, 1983.
DELVAL, J. Aprender investigando. In: BECKER, F.; MARQUES, T. B. I. (Org.). Ser professor ser pesquisador.
Porto Alegre: Mediao, 2007. p. 115-128.
FRANA, M.; FRANA, E. Gato com frio. 8. ed. So Paulo: tica. 2003.
______. A galinha choca. 10ed. So Paulo: tica, 2005a.
______. O caracol. 11. ed. So Paulo: tica, 2005b.
______. O trem. 12. ed. So Paulo: tica, 2006.
______. Na roa. 14. ed. So Paulo: tica, 2007a.
______. O vento. 15. ed. So Paulo: tica, 2007b.
______. O barco. 17. ed. So Paulo: tica, 2008.
GOMES, A. M. R. Outras crianas, outras infncias? In: SARMENTO, M.; GOUVEA, M. C. S. (Org.). Estudos
da infncia: educao e prticas sociais. Petrpolis: Vozes, 2008. p. 82-96.
JOLY, I. Z. L. Educao e educao musical: conhecimentos para compreender a criana e suas relaes
com a msica. In: HENTSCHKE, L.; DEL BEN, L. (Org.). Ensino de msica: propostas para pensar e agir
em sala de aula. So Paulo: Moderna, 2003. p. 113-126.
KAPLN, G. Material educativo: a experincia de aprendizado. Comunicao & Educao, n. 27, p. 46-60,
maio/ago. 2003.
KEMP, A. Introduo investigao musical. Lisboa: Fundao Calouse Gulbenkian, 1995. p. 87-94.

130

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 119-131 | jul.dez 2011

Msica e histrias infantis: o engajamento da criana de O a 4 anos nas aulas de msica

MAFFIOLETTI, L. de A. Musicalidade humana: aquela que todos podem ter. In: ENCONTRO REGIONAL DA
ABEM SUL, 4., 2001, Santa Maria. Anais Santa Maria: UFSM, 2001. p. 53-63.
______. Diferenciaes e integraes: o conhecimento novo na composio musical infantil. Tese
(Doutorado em Educao) Programa de Ps-Graduao em Educao, Faculdade de Educao,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.
MARQUES, T. B. I. Professor ou pesquisador? In: BECKER, F.; MARQUES, T. B. I. (Org.). Ser professor ser
pesquisador. Porto Alegre: Mediao, 2007. p. 55-62
PERRY, C. J. A msica na educao de infncia. In: SPODEK, B. Manual de investigao em educao de
infncia. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2002. p. 461-502.
SARMENTO, M. J. Sociologia da infncia: correntes e confluncias. In: SARMENTO, M.; GOUVEA, M. C. S.
(Org.). Estudos da infncia: educao e prticas sociais. Petrpolis: Vozes, 2008. p. 17-39.
SCHNEMANN, A. T. Msica e histrias infantis: o engajamento da criana de 0 a 4 anos nas aulas de
msica. 2010. Dissertao (Mestrado em Educao) Faculdade de Educao, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Mestrado em andamento.
SISTO, S. Textos e pretextos sobre a arte de contar histrias. 2. ed. Curitiba: Positivo, 2005. (Srie Prticas
Educativas).
WEIL, D. A minhoca dorminhoca. 3. ed. So Paulo: Paulinas, 2004.

Recebido em
30/04/2011
Aprovado em
04/07/2011

WORNICOV, R. et al. Criana leitura livro. So Paulo: Nobel, 1986.


ZILBERMAN, R. A literatura infantil na escola. So Paulo: Global, 1981.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 119-131 | jul.dez 2011

131

GAINZA, Violeta Hemsy de

A formao e atuao de professores


de acordeom na interface de
culturas populares e acadmicas1
Accordion teachers formation and performance in the interface of popular and
academic cultures
DOUGLAS RODRIGO BONFANTE WEISS Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) 2
ANA LCIA DE MARQUES E LOURO Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

resumo

`[email protected]

`[email protected]

Este artigo relata um recorte de um projeto de pesquisa focado nas narrativas,


colhidas atravs de uma metodologia de histria oral, sobre a formao e atuao
de professores de acordeom do sul do Brasil. Atravs da anlise das falas dos
professores em questo, busco, como objetivo geral, compreender os aspectos
constitutivos da sua cultura profissional destacando suas relaes com culturas
populares e acadmicas e problematizando as concepes pedaggicas
presentes em seus relatos. Primeiramente localizo o aprendizado na famlia em
momentos do lazer. Posteriormente destaco alguns aspectos de seus relatos
trazendo tona modos como escolas de acordeom so construdas atravs
da vivncia desses msicos. Estudar os professores de msica e refletir sobre
suas narrativas possibilita um olhar sobre si mesmo para o leitor, que tambm
professor, bem como uma perspectiva de anlise sobre os grupos profissionais
de professores de msica, dessa forma trazendo uma contribuio importante
para rea de educao musical.
PALAVRAS-CHAVE: histria oral, cultura profissional, ensino particular de

1. Este artigo escrito na


primeira pessoa do singular.
Esta pesquisa foi realizada
pelo primeiro autor que a
desenvolveu dentro de um
recorte biogrfico assumindo
a problematizao das suas
vivncias pessoais como parte
do processo de pesquisa,
o que conduz escolha da
conjugao na primeira pessoa
do singular. No entanto, este
artigo teve a participao direta
da segunda autora, no como
protagonista-pesquisadora,
mas como contraponto de
leitura e discusso terica,
muitas vezes contribuindo com
partes da escrita do texto, o
que nos fez parecer relevante
inclu-la tambm como autora.
O primeiro autor foi bolsista de
Iniciao Cientfica do CNPq
no perodo de julho de 2010 a
julho de 2011.
2. Graduando em Msica.

132

REVISTADA
DA ABEM
ABEM
REVISTA

msica

abstract

This article reports part of a research project focused on narratives, collected


through a methodology of Oral History, concerning accordion teachers formation
and performance in Southern Brazil. Through the analysis of the speech of such
teachers, I seek, as a general purpose, to understand the constitutive aspects of
their professional culture, highlighting their relations with popular and academic
cultures and discussing the pedagogical conceptions present in their accounts.
First, I situate learning in the family in times of leisure. Later, I highlight some
aspects of the accounts that bring out ways in which accordion schools are
constructed through the experience of these musicians. Studying music teachers
and reflecting on their narratives provides the reader who is also a professor a
glimpse of himself, as well as an analytic perspective about the professional
groups of music teachers, thus adding an important contribution to the Music
Education field.
KEYWORDS: Oral History, professional culture, private music teaching

Londrina || v.19
v.19 || n.26
n.26 || 132-144
126-138 || jul.dez
jul.dez 2011
2011
|| Londrina

A formao e atuao de professores de acordeom na interface de culturas populares e acadmicas

tualmente o acordeom um instrumento pouco inserido no meio acadmico dos cursos

introduo

de msica do Brasil, porm bastante inserido na cultura musical brasileira. Nesse sentido
tm surgido trabalhos como Zanatta (2004, 2005), Persch (2005, 2006), Oliveira (2008),

Machado (2009), Reis (2009, 2010a, 2010b), Weiss e Louro (2010), Silva (2010) e Puglia (2010), em
busca de teorizar o estudo desse instrumento. Apesar da existncia dessas pesquisas recentes,
o ensino e o aprendizado do acordeom carecem ainda de uma ateno maior na interface de
diferentes culturas, haja vista a forte representatividade desse instrumento na msica de diversas
regies do Brasil (Zanatta, 2004), e o fato de, em nosso pas, ele ser visto, na maioria das vezes,
como restrito msica popular. Como acordeonista inserido neste meio musical de diferentes e
culturas e como aluno de um curso de licenciatura em msica, fao um estudo sobre a cultura
profissional3 de dois professores de acordeom consagrados nos seus contextos sociomusicais,

sendo o objetivo da pesquisa compreender os aspectos da cultura profissional que emergem das
narrativas dos professores de acordeom.
Nas trajetrias formativas, os ambientes socioculturais e os dilemas enfrentados so
variados, e influenciam na formao da identidade profissional de um indivduo. Considerando
ainda que a msica bastante discernente enquanto forma de expresso cultural, e muito
utilizada ao longo da histria da humanidade para tal fim, importante estudar os caminhos
percorridos pelos professores de acordeom a fim de apreender e compreender sua formao e
atuao profissional em meio a culturas populares e acadmicas.4
Considerando a pouca insero do acordeom no meio acadmico, muitos dos acordeonistas
do Brasil acabaram desenvolvendo sua prpria tcnica sobre o instrumento, tornando ainda mais
forte a diversidade e subjetividade das caractersticas musicais dos professores e intrpretes das
diversas regies do nosso pas.
A dificuldade de acesso a novos materiais promove a produo prpria, ou seja, os
professores de acordeom principalmente no que se refere produo do repertrio (seja
ela autoral ou de arranjos e transcries), tendem a confeccionar o prprio material para
auxiliar as prticas e diminuir a carncia do mercado. (Silva, 2010, f. 40)

Mesmo com a escassez de material terico e acadmico, vrios acordeonistas esto


produzindo msicas e elaborando materiais didticos prprios. Esse fato nos indica que existe
uma escola de acordeom5 paralela ao meio acadmico, e que est sujeita cultura profissional
dos professores de acordeom.
Bellochio (2003, p. 23) cita os escritos de Gauthier e Veiga e expe que fundamental
considerar os saberes da experincia. Esses saberes seriam o ncleo vital da formao docente.
Essa experincia tambm derivada do ambiente cultural no qual os referidos professores
esto inseridos, e peculiar de cada indivduo. nesse sentido que surge a necessidade de se

3. Esse termo foi utilizado por Vieira (2009) a partir de uma reviso de diversos autores da rea sociolgica. O autor o
define como os modos de ser e agir na profisso, caractersticos daqueles que, de forma remunerada, ministram aulas
desse instrumento (Vieira, 2009, f. 30).
4. Os termos culturas populares e acadmicas so retirados das falas dos professores entrevistados considerando que a
anlise de dados foi feita segundo uma perspectiva in vivo (Strauss, 1996 apud Coffey; Atkinson, 1996, p. 32).
5. O termo escolas de acordeom se refere a um possvel pensamento coletivo dos professores em questo, sobre o
ensino desse instrumento do mesmo modo que Louro (2004) examina essa possibilidade em relao aos professores
universitrios.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 132-144 | jul.dez 2011

133

WEISS, Douglas Rodrigo Bonfante; LOURO, Ana Lcia de Marques e

pesquisar essa cultura, com intuito de conhecer e teorizar sobre a construo do saber musical
do acordeom fora de instituies formais. Dessa forma, pretendo contribuir para a educao
musical brasileira, na medida em que os horizontes de escuta e prticas musicais se ampliam
para alm dos considerados tradicionais.

reviso da
literatura

Estudando professores de msica no vis do cotidiano

interessante retomar os autores, que estudam os professores de msica pelo vis do

cotidiano e educao musical, para uma compreenso melhor dos trabalhos realizados por eles
e porque me instigaram a pesquisar os professores de acordeom sob a mesma perspectiva.
Bozzetto (2004) faz um estudo com treze professores de piano, com idade entre 62 a 69 anos
e conclui que estes tm concepes claras das possibilidades e limitaes de seu trabalho. Do
mesmo modo, esses professores consideram sua trajetria docente rica, pois os conhecimentos
foram aumentando cada vez mais (Bozzetto, 2004, p. 94). Esse trabalho instigou a minha reflexo
a respeito de estudar os profissionais do acordeom sob uma tica semelhante, porm sempre
atento ao fato de que os meus colaboradores se fizeram docentes tambm fora de instituies
formais, como ocorreu com parte da formao dos colaboradores de Bozzetto (2004, p. 103),
se considerarmos os saberes da experincia que advm da prtica pedaggica, da sua ao
como docente, do seu relacionamento com os alunos, do contexto no qual est inserido e onde
ele se constri.
Considera-se que existem muitas diferenas, mas tambm semelhanas, entre os
professores de piano e os de acordeom. A semelhana que se trata de abordagens nas quais
os professores particulares de msica so convidados a narrar sua biografia musical. Em relao
s diferenas, posso destacar que, enquanto os professores de piano tendem a falar mais de
culturas eruditas, na qual esto tradicionalmente inseridos, os professores de acordeom parecem
problematizar sua prtica profissional por um vis mais informado pela sua insero no universo
de algumas culturas populares. Alm disso, estes tm uma circulao maior entre diferentes
tendncias de repertrios musicais, apresentando pontos de vista diferenciados daqueles dos
professores de piano.
Vieira (2009, f. 11) em sua dissertao de mestrado busca apreender e compreender os
aspectos constitutivos da cultura profissional dos professores de violo, o conjunto de valores,
atitudes, interesses, destrezas e conhecimentos prprios daqueles que ministram aulas desse
instrumento. Esses objetivos delimitados pelo autor se mostraram adequados para serem
utilizados em minha pesquisa, uma vez que ajudam a compreender os significados construdos
para as reas da docncia em msica ao longo da carreira desses profissionais, que vivem no
mercado de trabalho do professor particular fora de instituies formais, porm conhecem o meio
acadmico e lecionam msica popular e erudita.
fundamental a compreenso dos mecanismos de socializao profissional e dos
processos de construo identitria, como elementos chave na construo, transmisso
e manuteno dessa cultura profissional. (Vieira, 2009, f. 31)

Cada pessoa tem suas influncias prprias e sua opinio formada no seu meio cultural,
social, poltico, histrico e religioso. O acordeonista, como agente nesse meio, comea seu
aprendizado atravs do contato social e cultural com outros acordeonistas. O aporte das culturas

134

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 132-144 | jul.dez 2011

A formao e atuao de professores de acordeom na interface de culturas populares e acadmicas

profissionais trazido por Vieira igualmente relevante para a construo do objeto da pesquisa
relatada neste artigo.
Alm disso, em textos posteriores pretendo me aprofundar mais nas questes das identidades
profissionais dos professores me aproximando mais das identidades profissionais trazida pela
segunda autora Louro (2004). No ano de 2004 esta autora realizou uma pesquisa com 16
professores universitrios de instrumento nos cursos de Bacharelado em Msica. Considerando
que as identidades profissionais aparecem intrnsecas na fala desses acordeonistas, foi
necessrio refletir sobre os ambientes sociais e as escolhas de repertrio trazidas por eles. Isso
corroborado por Torres (2009, p. 253), quando expe que as preferncias musicais so marcas
fortes das identidades.
Para este artigo, exponho algumas ideias de Louro (2009) que vm contribuir para a reflexo
no mbito da metodologia de ensino e das escolhas de repertrio dentro meio acadmico. Ao
refletir sobre diferentes questes ligadas ao ensino de instrumento no meio acadmico, a autora
prope que alm do repertrio, se torna relevante discutir o seu contexto, e especula sobre a
construo social do contexto de estudo de instrumento na universidade e dos possveis usos de
um repertrio miditico (Louro, 2009, p. 287).
Para contribuir com essa reflexo, interessante trazer a viso dos msicos que se formaram
instrumentistas fora do meio acadmico, mas que tiveram contato com cursos acadmicos de
msica. Apesar de no possurem um diploma em acordeom, demonstram uma slida formao,
visto que so reconhecidos nos seus contextos sociomusicais como professores de instrumento
e produtores musicais. Certamente, essa linha reflexiva se torna relevante tambm para outros
instrumentos menos contemplados no meio acadmico do Brasil.
Assim como estes autores tm o cotidiano de professores de msica como foco da sua
pesquisa, senti a necessidade de desenvolver uma pesquisa nesse vis com professores de
acordeom. Especificamente sobre esse instrumento, foram encontradas outras pesquisas, as
quais sero descritas a seguir.

Escritos sobre professores de acordeom


Dos autores especficos sobre acordeom, encontramos as pesquisas de Zanatta (2004,
2005), Persch (2005, 2006), Oliveira (2008), Machado (2009), Reis (2009, 2010a, 2010b), Weiss e
Louro (2010), Silva (2010) e Puglia (2010). Dentre estes, Reis (2010b, f. 17) expe que o ensino
e a aprendizagem de acordeom se constituem em um fenmeno scio-histrico antigo no Brasil,
mas ainda no investigado profundamente em nosso pas. Puglia (2010, f. 26) corrobora essa
informao expondo que o acordeom ensinado informalmente devido escassez de material
didtico existente, o que no acontece em pases europeus.
Apesar desses trabalhos com diferentes focos tericos, a construo do conhecimento
cientfico acerca da cultura profissional dos professores de acordeom uma questo que foi pouco
teorizada. Assim, este estudo se revela de importncia, pois torna possvel desvendar estratgias
de ensino e aprendizagem utilizadas pelos professores e estudantes desse instrumento, com
anlise e comparao das diferentes metodologias utilizadas pelos mesmos.
Zanatta (2004, 2005) destaca os principais contornos do cenrio poltico econmico social
e cultural do Brasil, a partir de 1920, para revelar aspectos identitrios da cultura brasileira. A
autora expe a importncia do acordeom para a compreenso e resgate de elementos que

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 132-144 | jul.dez 2011

135

WEISS, Douglas Rodrigo Bonfante; LOURO, Ana Lcia de Marques e

constituem a sociedade brasileira. No cenrio atual, embora tenhamos uma grande produo
de msicas para este instrumento, pouco material foi escrito: a maioria foi resgatado em disco,
dificultando assim, o aproveitamento do ponto de vista acadmico (Oliveira, 2008, p. 6). Em
busca de produzir material bibliogrfico, este ltimo autor publicou um lbum de partituras e um
CD com msicas solo para acordeom. Dentro do lbum encontram-se, alm das msicas, uma
biografia do autor e importantes consideraes sobre o ensino e o aprendizado do acordeom. No
mesmo sentido, Persch (2005) publicou um lbum de partituras com transcries de dez msicas
do acordeonista Albino Manique.6 Nesse lbum encontram-se, alm das msicas, a biografia e
uma entrevista com o compositor instrumentista. Em 2006 o autor investiga as contribuies do
uso do software Encore7 na educao musical, tendo em vista o ensino particular de acordeom
para alunos iniciantes (Persch, 2006).
Machado (2009) analisou as prticas pedaggicas de dois professores de acordeom,
buscando registrar aspectos relevantes da docncia em acordeom. Minha pesquisa se difere
desta quando busca uma reflexo do ensino e aprendizagem de acordeom na interface do popular
e erudito. Silva (2010) faz uma anlise de mtodos para acordeom considerados relevantes que
so utilizados no Brasil. Puglia (2010) aborda o ensino formal e no formal de acordeom na regio
Sudeste do Brasil, e faz uma anlise dos mtodos utilizados nessa regio.

metodologia

Contribuies desta pesquisa

Para a pesquisa descrita neste artigo, foram entrevistados dois professores destacados no
seu contexto sociomusical e que sobrevivem do acordeom. Ambos com experincias no meio
acadmico, porm apenas um deles com formao acadmica. Dessa forma busco explicitar
qual a influncia dos diversos contextos culturais vivenciados pelos professores de acordeom na
sua maneira de ensinar o instrumento. E, mais especificamente, a possvel presena da msica
popular e erudita no ensino e aprendizado do acordeom, tendo assim como resultado uma
melhor percepo da pedagogia desses professores-msicos.

Ouvindo os professores para saber de suas vidas


Com base nos objetivos desta pesquisa, que tem o foco direcionado ao relato pessoal dos
professores de acordeom sobre suas experincias com relao ao ensino e aprendizado deste
instrumento, a metodologia escolhida para a coleta de dados foi a histria oral. Paul Thompson
(1998) pondera que essa metodologia atinge diversos contextos sociais, contemplando tambm
contextos familiares, recreativos e dos trabalhadores autnomos. Nesta rea da histria social,
o impacto da evidncia oral especialmente importante, pois permite que o historiador examine
questes crticas que anteriormente eram restritas (Thompson, 1998, p. 131).

6. A obra de Albino Manique perfaz cerca de 270 composies, inclui canes e msicas instrumentais. uma das pessoas
mais importantes e influentes no panorama musical do Estado (Rio Grande do Sul) a partir da segunda metade do sculo
XX (Persch, 2005, p. 10).
7. Programa de computador utilizado para a criao e edio de partituras.

136

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 132-144 | jul.dez 2011

A formao e atuao de professores de acordeom na interface de culturas populares e acadmicas

Quanto cultura informal e cultura popular, Montenegro (1994, p. 13) considera que o fato
que nos remete a essa cultura no a possibilidade de descobrir um enclave da representao
cultural produzida oficialmente, mas antes fazer um caminho inverso. Atravs dos depoimentos,
analisar que elementos simblicos so construdos pela populao. Alm disso, Thompson
(2002) afirma que, ao transcrevermos a histria oral, devemos consider-la para alm de um
simples objeto documental. Segundo ele, se estas fontes podem de fato transmitir informao
fidedigna, trat-las simplesmente como um documento a mais ignorar o valor extraordinrio que
possuem como testemunho subjetivo, falado (Thompson, 2002, p. 138).
Utilizei a entrevista semiestruturada como instrumento de coleta das histrias orais dos
professores de acordeom, e esta sofreu mudanas conforme o andamento das respostas de
cada entrevistado. Pois como afirmam Lucena, Campos e Demartini (2008, p. 43), o pesquisador
dirige a entrevista. [] a captao dos dados decorre de sua maior ou menor habilidade em
orientar o informante para discorrer sobre o tema. Na mesma direo, Laville e Dione (1999,
p. 188) definem que a entrevista semiestruturada uma srie de perguntas abertas feitas
verbalmente em uma ordem prevista, mas na qual o entrevistador pode acrescentar perguntas
de esclarecimento.
Dois professores foram entrevistados, de Santa Maria (RS), para um primeiro momento,
visto que pretendo ampliar o projeto para outras cidades do mesmo estado. Os acordeonistas
escolhidos para a pesquisa possuem experincia como msicos profissionais, sendo que, no
momento da entrevista, essa era sua nica forma de subsistncia. Ambos possuem experincia
de docncia de acordeom, tm conhecimento de teoria musical e utilizam esse conhecimento na
sua atividade docente e profissional. Alm disso, possuem produo discogrfica com msicas
de autoria prpria e executam tanto msica popular quanto msica erudita, sendo um deles
formado academicamente na rea de canto.
Vale destacar que, antes da entrevista, procurei conversar com os professores para
contextualizar a pesquisa e perguntar se concordavam em participar dela. No ato da entrevista
houve um detalhamento maior das questes ticas, com esclarecimentos por escrito atravs
de um Termo de Consentimento Livre aprovado pelo comit de tica da Universidade Federal
de Santa Maria. Esse documento foi assinado pelos acordeonistas, e a eles foi solicitado que
escolhessem um pseudnimo. Assim sendo, J. P. Gaiteiro foi entrevistado em 09/12/2010;
Richard, em 18/03/2011.

As palavras dos entrevistados constituem-se em fontes de reflexo para a compreenso


das razes que estimulam a prtica profissional desses professores em meio a culturas
diferenciadas. Inicialmente, focalizo a escolha profissional desses msicos; posteriormente, as
problemticas que surgem na busca de caminhos formativos, bem como as que decorrem na
prtica destes professores.

A entrada na carreira, do ldico ao profissional: transformando


significados na infncia
Ambos os msicos entrevistados demonstraram ter crescido em ambientes favorveis

os dados:
interface
de culturas
acadmicas e
populares e a
formao dos
professores
de acordeom

ao aprendizado e ao interesse musical. Atravs das entrevistas, foi possvel apreender que o

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 132-144 | jul.dez 2011

137

WEISS, Douglas Rodrigo Bonfante; LOURO, Ana Lcia de Marques e

encantamento pela msica pode se iniciar em momentos ldicos da infncia, especialmente no


ambiente familiar. Essa memria aparece na fala de ambos os entrevistados ao falarem sobre
como ocorreu seu interesse por msica.
J. P. Gaiteiro8 relata que sua famlia sempre se reunia com os empregados depois do trabalho
para realizarem confraternizaes nas quais tocavam e cantavam: Eu era criana, tinha 5 ou 6
anos, via aquilo e ficava encantado vendo aqueles caras tocando gaita9 e violo. Ele lembra que
esses eram momentos de descontrao da famlia, pois eles iam e tocavam, na informalidade,
nas brincadeiras, rodas de chimarro. Richard, por sua vez, relata: Eu tinha 6 anos de idade, e
eu ganhei uma gaitinha de boto, e eu comecei a brincar com a gaitinha e comecei a acreditar,
na minha mente eu tava gostando de msica. Ambos, ento, consideravam, em sua infncia, o
fazer musical como algo alegre e descontrado, pelo modo como evidenciam momentos de lazer
vividos na juventude que foram lembrados como motivadores prtica e aprendizado musical
(Gomes, 2009, f. 125).
Esse brincar com msica ou com o instrumento poderia ser uma busca pela ateno
dos pais, manifestao que parece comum a muitas crianas. A partir do momento em que o
fazer musical passa a ser motivo de orgulho dos pais ou de outras pessoas, a criana tambm
pode atribuir outro significado a essa prtica. A msica pode passar a ser algo que faz ela se
sentir importante, e ento a criana passa a gostar de msica no somente como forma de
descontrao, mas tambm como uma possvel forma de elevar a sua autoestima.
J. P. Gaiteiro relata que seu pai sempre foi um apaixonado por gaita, e ele comprou um
instrumento. Na sua fala, tambm demonstra sentir-se valorizado pelo seu pai quando tocava,
j que ele gostava do instrumento. Alm disso, narra que enquanto ele tocava, sua me cantava.
Richard, por sua vez, conta:
E a eu j era novidade, com 7 ou 8 anos tocando alguma festinha, algum aniversrio. E
tocava, tocava umas musiquinhas, e eu eu aprendia muito rpido. Eu considero que eu
tinha uma boa memria, eu aprendia muito rpido as coisas. E aquilo foi surpreendendo
muita gente, que foi me arrastando at os dias de hoje.

Na fala de ambos os entrevistados parece que surpreender as pessoas atravs da msica


causou um aumento da autoestima desses msicos. Transformando assim significados que
partem, a princpio do simples executar um instrumento para impressionar algum, ao significado
de sentir-se importante atravs da msica e, no somente isso, sentir-se feliz.

O amor camiseta e as dificuldades financeiras


Outro ponto comum aos dois entrevistados o fato de terem sentido, em determinado
momento de sua carreira musical, um desapontamento em relao ao setor financeiro. J. P.
Gaiteiro, se referindo infncia e adolescncia, relata que na poca fazia isso meio no amor
camiseta, ganhava uns trocos que dava pra pagar aulas. Richard, apesar de tambm relatar

8. cultura popular no sul do Brasil chamar acordeonista de gaiteiro.


9. cultura popular no sul do Brasil chamar acordeom de gaita.

138

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 132-144 | jul.dez 2011

A formao e atuao de professores de acordeom na interface de culturas populares e acadmicas

dificuldades financeiras com a msica, diz que msica no pra dar dinheiro, a msica pra ser
feliz. Percebe-se que mesmo com o desapontamento financeiro, Richard relata ser feliz enquanto
msico. Esse amor camiseta, tambm citado por J. P. Gaiteiro, comeou na infncia, sendo
supostamente o pontap inicial que fez com que se tornassem msicos profissionais.
J. P. Gaiteiro conta que sempre procura deixar claro aos seus alunos que o estudo do
instrumento um investimento financeiro, que deve ser aproveitado atravs do estudo individual.
Ele demonstra gostar de ser professor ao deixar o aluno livre para fazer as aulas quando estiver
com o contedo da aula anterior apreendido:
De certa forma ele est gastando um dinheiro, t investindo ali, naquela aula, e ento, e se
ele vai vir pra repetir o que ele fez na aula anterior no vale a pena pra ele. Isso s vezes
no muito bom pra gente, porque a gente perde de ganhar uma grana, mas tambm
no se pode pensar s nisso. (J. P. Gaiteiro)

Sobre a questo financeira, Richard pondera:


Tem que ser sincero com a tua arte, seno tu no consegue tocar, no adianta tu querer
pensar no dinheiro l na frente, que tu vai ganhar, ou se no vou ganhar, no! Primeiro
toca! E isso uma sequencia e uma consequncia do teu trabalho.

Vises

de

ensino

instrumental

na

interface

de

culturas

acadmicas

populares: ampliando horizontes


Os professores escolhidos para a pesquisa tm vivncias com o ensino de msica popular
e msica erudita, sendo que J. P. Gaiteiro possui formao acadmica em msica. Refletir sobre
a viso tcnica e a viso desses acordeonistas profissionais sobre o meio acadmico se torna
interessante para auxiliar um possvel debate sobre a cultura musical fora de instituies formais e
ampliar os horizontes reflexivos sobre a arte produzida por esses acordeonistas e possivelmente
por outros msicos populares. Na fala dos entrevistados, parece existir um choque entre culturas
acadmicas e a cultura popular desses professores de acordeom.
O dilogo entre a cultura popular e o conhecimento acadmico tem sido focalizado h
muito tempo. O que pretendo no ressaltar uma relao dicotmica entre esses dois meios
complexos de ensino e aprendizagem musical, mas sim expor, a partir da fala dos entrevistados,
uma reflexo sobre influncias que a cultura popular pode trazer para o ensino de msica, sem
tomar esse fenmeno de maneira simplista.

Louro (2004, f. 124) em sua tese expe a viso de alguns professores universitrios sobre
o ensino de tcnica no instrumento.
[] em primeiro lugar a base tcnica, a espinha dorsal da interpretao. [] Os
professores consideram a aprendizagem do domnio da tcnica dos instrumentos muito
importante. Mas suas opinies variam em relao a abordagens do ensino da tcnica
dos instrumentos.

Assim como os professores do meio acadmico entrevistados por Louro (2004) consideram
a tcnica algo importante e tm vises diferenciadas da utilizao da mesma, tambm Richard

liberdade de
expresso
musical:
repertrio,
tcnica,
improvisao
e criao

se refere tcnica como sendo a base para seus alunos estudarem o acordeom. Nas palavras
dele: Pra voc montar uma casa, voc tem que ter o alicerce. J em outro momento da

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 132-144 | jul.dez 2011

139

WEISS, Douglas Rodrigo Bonfante; LOURO, Ana Lcia de Marques e

entrevista, o entrevistado demonstra certa flexibilidade quanto ao estudo de tcnica, atribuindo


uma importncia maior criao musical:
Falando-se de tcnica, falando de postura, como que tu vai dizer pro Hermeto Pascoal
que a tcnica e a postura dele esto erradas se ele um dos maiores msicos do
planeta!? [] eu acho que a msica no cem metros rasos, msica no pode ser
competio, a msica estado de esprito, a msica tu tem que tocar [] Como que tu
vai dizer pro Dominguinhos que ele est tocando com a tcnica dele errada!? Se ele o
criador da msica dele!? Ele fez a msica assim! E tem gente que tem tcnicas apuradas
e no conseguem criar. (Richard)

Nesse trecho, o acordeonista parece encarar a msica como uma forma de expresso livre
dentro da arte, e no como um estudo focado somente na tcnica. Conforme Richard, tu nunca
vai saber o que tcnica certa, ou que no [] o importante que a msica tem que sair da
mente. Ela tem que sair pra fora No quero supor que a tcnica no considerada importante
por esses acordeonistas, e sim ressaltar a liberdade que do aos seus alunos, instigando a
criao musical e a improvisao, sem focar o aluno apenas em estudos tcnicos.
Ento tu tem que dialogar com o aluno pra que ele entenda que aquela msica que
ele deseja tem um nvel de exigncia tcnica maior [] ento tu pega msicas, assim
facinhas, ou at tu inventa uma msica, da se vai tendo aquela parte de improvisao
dentro da aula. Cria uma espcie de exerccio, pra que o aluno v treinando, digitao,
postura, enfim. (J. P. Gaiteiro)

J. P. Gaiteiro conta que procura ser flexvel em relao ao uso do repertrio, cabendo ao
aluno decidir se quer aprender por partituras, de ouvido, ou as duas coisas. Assim, segundo
ele, se vai construindo um repertrio do aluno, e ao mesmo tempo tu vai inserindo, devagar,
aquele conhecimento tcnico. Essa fala deixa evidente sua flexibilidade em relao tcnica,
sendo que valoriza tambm o repertrio sugerido pelo prprio aluno. Esse fato difere da viso do
ensino de alguns dos professores entrevistados por Bozzetto (2004, p. 59), os quais expem que
o importante que o aluno tenha uma base slida, garantida pelo controle rgido do professor.
Contudo, conforme a autora, muitos professores entendem que cada aluno uma pessoa
com vontades e necessidades prprias em relao ao estudo de piano, procurando respeitar a
individualidade de cada um (Bozzetto, 2004, p. 58).
As vivncias dos entrevistados enquanto acordeonistas e professores mostram-se distintas
das culturas acadmicas; apesar de envolverem alguns perfis ligados a culturas eruditas, na
maior parte, no visam necessariamente a uma profissionalizao em msica. No entanto, elas
so de grande relevncia para se repensar tanto os processos de educao musical que visam
profissionalizao como os que no visam. Por outro lado, os entrevistados falam de situaes
bastante comuns em que alunos que no desejavam a profissionalizao acabaram optando
por ela. Parece haver um dilema nas intenes desses alunos, assim como nas diferentes
vises de profissionalizao em msica envolvidas. Com relao a processos que no visam
profissionalizao, Davidson e Jordan (2007, p. 743, traduo nossa) ponderam que
nos nossos dias, o aprendiz necessita ter uma paleta alargada de experincias de uma
diversidade de contextos de aprendizagem, to ampla que o escopo da instituio possa
ser de ajuda no estgio posterior quando o estudante almejar a profissionalizao em
msica. Para outros que possam vir para as aulas na terceira idade (mais que 60 anos),
ou simplesmente pelo prazer, talvez seja o momento de os professores desenvolverem
maneiras apropriadas de interao com eles para otimizar suas experincias para
alcanar suas metas e necessidades.

140

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 132-144 | jul.dez 2011

A formao e atuao de professores de acordeom na interface de culturas populares e acadmicas

A reflexo dos colaboradores desta pesquisa sobre o papel da tcnica e suas interfaces
com a interpretao musical pode ser til nos debates sobre ensino instrumental de msica, na
medida em que problematizam a definio ou no de uma profissionalizao por parte do aluno
e as consequentes decises metodolgicas do professor.

Existem adversidades comuns a qualquer calouro em uma universidade; o novo ambiente


social e o contato com diferentes culturas uma delas. Para alunos que ingressam em uma

a busca de
caminhos
formativos e a
interao com
os alunos

graduao onde o foco principal msica erudita, existe um choque de culturas quando o aluno
vem de uma tradio musical mais popular. O entrevistado J. P. Gaiteiro ingressou no curso de
canto e relata que conseguiu conciliar o popular com o erudito e transferir isso ao aprendizado
do acordeom.
Mesmo com a dificuldade de adentrar uma atmosfera erudita diferente daquela vivenciada
pelo msico popular fora do meio acadmico, o professor relata que continuou estudando o
acordeom paralelamente ao meio acadmico. Esse choque de culturas parece ter ampliado e
diversificado o modo de ser profissional desse professor: Assim eu fui construindo o meu saber
e meu aprendizado musical, e eu fui juntando as coisas que eu aprendia na universidade e fui
tentando transferir para o acordeom (J. P. Gaiteiro).
Richard expe sua ideia sobre a importncia da diversidade de contextos de aprendizagem.
Enquanto almejava a profissionalizao no acordeom, foi buscando diferentes esferas de
aprendizado:
Eu sempre fui buscando, e nunca enfiei a cabea dentro de um conservatrio [] voc
precisa ficar de ouvidos abertos, ligado a tudo o que aparece, no se fechar no teu mundo.
Trazer tudo de fora pra dentro da tua msica, ingredientes, sempre trazendo ingredientes,
eu acho que o caminho para o aprendizado. (Richard)

Ao expor que precisa ficar de ouvidos abertos, ligado a tudo o que aparece, no se fechar
no teu mundo e que esse o caminho para o aprendizado, o acordeonista parece demonstrar
o quanto ampliar os horizontes de escuta e prticas importante para a otimizao do ensino e
aprendizado de um instrumento. Quando o entrevistado expe a sua viso sobre a importncia
de conhecer diferentes contextos musicais, que buscou para a sua formao, ele sugere que
utiliza isso dentro das suas aulas com os seus alunos.
Tu analisa o aluno s vezes, e tu sabe que ele quer voar. E eu no posso segurar o aluno.
E eu tenho como experincia prpria porque eu j fiz aulas [] Eu sempre vou mostrar o
que eu estou estudando. Olha isso aqui isso, s vezes o cara no entende nada, mas
ele sai voando daqui, porque eu tambm demorei pra assimilar. Ento eu pego o bsico
do bsico e vou puxar. (Richard)

Sobre as maneiras de interao com os alunos, esse acordeonista revela que deixa seu
aluno bem vontade para aproveitar seu contexto musical de origem. Porm, busca ampliar
as experincias dos alunos quando procura traz-los para dentro da sua realidade. Na fala que
segue, ele conta que traa caminhos para os alunos ampliarem seus horizontes de prticas
musicais a partir da experincia que trazem para a aula.
Digamos que o cara chegue aqui, tu deixa vontade o aluno. Por exemplo, faculdade
difcil, faculdade diferente, eles tm um projeto pra passar e no tm que dizer nem
A nem B, aquilo. Eu vou mostrar o que t funcionando no acordeom. Mas eu deixo

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 132-144 | jul.dez 2011

141

WEISS, Douglas Rodrigo Bonfante; LOURO, Ana Lcia de Marques e

vontade o cara dizer assim, o que gosta. Eu gosto de vaneiro, eu gosto de tango, ento
vamos estudar. Vamos pegar uma base por aqui e vamos chegar at l, eu acho que
um bom comeo no adianta eu empurrar e o aluno no gosta daquilo. Ele tem que sair
feliz da vida. (Richard)

O professor entrevistado demonstrou sua viso sobre o ensino e a aprendizagem de msica


no meio acadmico. Ele considera que um ambiente de aprendizagem difcil, onde o aluno no
pode dizer nem A nem B. Esse um tema tambm desenvolvido por Bozzetto (2004, p. 61):
Essa questo da universalidade de compositores a serem estudados pelos alunos de
piano apareceu com grande fora nos depoimentos. Existe uma valorizao da msica
europia que deve ser absorvida pelos estudantes de msica. No entanto, poderamos
questionar por que os professores tm essa concepo rgida [].

Na maioria dos cursos de bacharelado em instrumento, vejo como um desafio a utilizao


das experincias musicais que o aluno traz. Em uma situao de ensino mais formal, como a
universidade, em que o repertrio muitas vezes mantido pela tradio, as aberturas para as
vivncias externas do aluno no so sempre consideradas como oportunas. Esse ponto de vista
se apoia nos escritos de Louro (2009, p. 268):
A mdia faz parte da vivncia cotidiana do aluno. Utilizar essa vivncia aproximar a
aula de msica daquilo que os alunos chamam de msica l fora. Tal processo parece
ser um desafio complexo para qualquer circunstncia formal de ensino de msica. Esse
desafio parece ser ainda mais acentuado para a aula de instrumento na universidade, uma
vez que existe uma prtica enraizada relacionada ao prprio repertrio tradicionalmente
ensinado que conduz a uma relao entre professor e aluno hierarquizada e, ao mesmo
tempo, dificulta o aproveitamento das experincias, musicais ou no, miditicas ou no,
que os alunos possuem.

A aula particular tem a vantagem de uma liberdade maior na sua estruturao, pois a escolha
dos contedos do programa pode ser feita em conjunto com o aluno. J a maioria dos cursos de
bacharelado, apesar de tambm ter uma relao de um para um, segue tradicionalmente um
programa predefinido. Sobre o repertrio no ensino particular, Vieira (2009, f. 100) menciona que
os professores, por sua vez, possuem graus distintos de interferncia nas escolhas do
que deve ser trabalhado em aula. Estas interferncias so condicionadas viso que
cada um desses professores tem sobre a atividade que desenvolvem; suas inclinaes
ideolgicas; seus preconceitos; enfim, suas vises de mundo. Portanto, o repertrio
desenvolvido em aula fruto de negociaes entre os professores e seus alunos
mediadas por diversos fatores.

Bozzetto (2004) e Vieira (2009) afirmam que alguns professores particulares acabam repetindo
o modelo que aprenderam na universidade. Muitos dos professores particulares entrevistados
pelos autores, porm, aproveitam essa liberdade em relao ao contedo programtico, assim
como fazem os acordeonistas entrevistados por mim.
Estas reflexes iniciais que trao sobre a anlise de dados parecem apontar para uma
relevncia da aproximao da minha pesquisa com as pesquisas de Bozzetto (2004), Vieira
(2009) e Louro (2004). Essa linha de pesquisa sobre formao e atuao de professores de
msica pode vir a iluminar a reflexo de muitos profissionais da educao musical. A proposta
deste artigo ser uma contribuio para esse debate.

142

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 132-144 | jul.dez 2011

A formao e atuao de professores de acordeom na interface de culturas populares e acadmicas

partir da reviso de autores que estudam a formao e atuao de professores de


instrumento no vis do cotidiano e educao musical, e de autores que pesquisam sobre o
ensino de acordeom, relato neste artigo um recorte de uma pesquisa sobre professores de
acordeom na cidade de Santa Maria, tendo dois professores de acordeom como colaboradores.
Realo em suas falas como o meio familiar e o meio acadmico interagem com suas histrias de
vida, buscando problematizar como os estudos sobre acordeom podem informar debates sobre
a interface entre culturas populares e eruditas em diversos contextos de educao musical.

consideraes
finais

Primeiramente, pude localizar o aprendizado que acontece na famlia em momentos de


lazer, inspirando minha anlise com a pesquisa de Gomes (2009). Posteriormente, destaquei
alguns aspectos dos relatos dos entrevistados, nos quais so abordadas diferentes situaes
que trazem tona o modo como as escolas de acordeom so construdas atravs da vivncia
desses msicos. Entre essas questes, est a reflexo sobre como o ensino da tcnica e do
repertrio so problematizadas por diferentes intenes de profissionalizao por parte dos
alunos. Alm disso, a partir das histrias de vida dos entrevistados, busquei perceber o encontro
entre culturas populares e eruditas, o qual veio a problematizar algumas situaes de seus
estudos acadmicos.
Espero atravs do recorte desta pesquisa possibilitar a reflexo em primeiro lugar de
profissionais ligados ao instrumento acordeom. Posteriormente, considero relevantes as
problematizaes trazidas para o repensar do ensino de msica em diversos contextos a partir
das experincias de professores de msica embebidos por culturas populares. Estudar os
professores de msica e refletir sobre suas narrativas possibilita para o leitor um olhar no s
sobre si mesmo, mas sobre os grupos profissionais dos professores de msica, o que traz uma
relevante contribuio para rea de educao musical.

BELLOCHIO, C. R. A formao profissional do educador musical: algumas apostas. Revista da Abem, n. 8,


p. 17-23, mar. 2003.

referncias

BOZZETTO, A. Ensino particular de msica: prticas e trajetrias de professores de piano. Porto Alegre:
Ed. UFRGS, 2004.
COFFEY, A.; ATKINSON, P. Making sense of qualitative data-complementary research strategies. Thousand
Oaks: Sage, 1996.
DAVIDSON, J. W; JORDAN, N. Private teaching, private learning: an exploration of music instrument learning
in the private studio junior and senior conservatories. In: BRESLER, L. (Ed.). International handbook of
research in arts education: Volume 16: Part. 1. Dordrecht: Springer, 2007. p. 729-754.
GOMES, C. Educao musical na famlia: as lgicas do invisvel. Tese (Doutorado em Msica)Instituto de
Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.
LAVILLE, C.; DIONNE, J. A construo do saber: manual e metodologia da pesquisa em cincias humanas.
Porto Alegre: Artes Mdicas; Belo Horizonte: UFMG, 1999.
LOURO, A. L. Ser docente universitrio professor de msica: dialogando sobre identidades profissionais
com professores de instrumento. Tese (Doutorado em Msica)Instituto de Artes, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.
______. Narrativas de docentes universitrios-professores de instrumento sobre mdia: da relao um para
um ao grande link. In: SOUZA, J. (Org.). Aprender e ensinar msica no cotidiano. Porto Alegre: Sulina,
2009. p. 237-258.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 132-144 | jul.dez 2011

143

WEISS, Douglas Rodrigo Bonfante; LOURO, Ana Lcia de Marques e

LUCENA, C. T.; CAMPOS, M. C. S. de S.; DEMARTINI, Z. de B. F. (Org.). Pesquisa em cincias sociais:


olhares de Maria Isaura de Queiroz. So Paulo: CERU, 2008.
MACHADO, A. V. Ensino de acordeon: um estudo a partir da prtica docente de dois professores. Monografia
(Graduao em Msica: Licenciatura)Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Montenegro, 2009.
MONTENEGRO, A. T. Histria oral e memria: a cultura popular revisitada. 3. ed. So Paulo: Contexto, 1994.
OLIVEIRA, J. Msicas solos de acordeon do CD Minha Cordeona: volume 1. Carazinho, 2008.
PERSCH, A. J. A msica de Albino Manique: doce saudade: volume 1: lbum de partituras. Porto Alegre:
Comisso Gacha de Folclore, 2005.
______. O ensino particular de acordeon auxiliado por computador: um estudo de caso utilizando o software
Encore. Monografia (Graduao em Msica)Fundao Municipal de Artes de Montenegro, Montenegro,
2006.
PUGLIA, E. F. O ensino do acordeom na regio sudeste do Brasil. Monografia (Graduao em Msica)
Universidade de Ribeiro Preto, Ribeiro Preto, 2010.
REIS, J. T. Aulas de acordeom na terceira idade: uma abordagem reflexiva sobre um caso especfico. In:
CONGRESSO NACIONAL DA ABEM, 18., e SPEM, 15., 2009, Londrina. Anais, Londrina: Abem, 2009. p.
320-328.
______. A abordagem do conceito de harmonia tonal nos processos de ensino e aprendizagem. In:
ENCONTRO REGIONAL DA ABEM - SUL, 13., 2010, Porto Alegre. Anais Porto Alegre: Abem Sul, 2010a.
GT7-Formao do professor em espaos no escolares.
______. A abordagem do conceito de harmonia tonal nos processos de ensino e aprendizagem fomentados
por dois professores de acordeom na regio metropolitana de Porto Alegre RS. Monografia (Especializao
em Msica)Instituto de Cincias Humanas, Letras e Artes, Universidade Feevale, Novo Hamburgo, 2010b.
SILVA, A. C e. O ensino de acordeom no Brasil: uma reflexo sobre seu material didtico. Monografia
(Graduao em Msica)Escola de Comunicaes e Artes, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2010.
THOMPSON, P. A voz do passado: histria oral. 2. ed. So Paulo: Paz e Terra, 1998.
______. A voz do passado: histria oral. Traduo de Lolio Loureno Oliveira. 3. ed. So Paulo: Paz e Terra,
2002.
TORRES, M. C. A. Msicas do cotidiano e memrias musicais: narrativas de si de professoras do ensino
fundamental. In: SOUZA, J. (Org.). Aprender e ensinar msica no cotidiano. Porto Alegre: Sulina, 2009. p.
237-258.
VIEIRA, A. Professores de violo e seus modos de ser e agir na profisso: um estudo sobre culturas
profissionais no campo da msica. Dissertao (Mestrado em Msica)Instituto de Artes, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.
WEISS, D. R. B.; LOURO, A. L. M. Refletindo sobre a prpria prtica como pesquisador de auto-narrativas
e professor particular de acordeom. In: ENCONTRO REGIONAL DA ABEM SUL, 13., 2010, Porto Alegre.
Anais Porto Alegre: Editora Universitria Metodista IPA, 2010. p. 1-7.
Recebido em
29/04/2011
Aprovado em
02/07/2011

144

REVISTA DA ABEM

ZANATTA, M. A. F. O acordeon no cenrio poltico, econmico e scio cultural brasileiro. Emancipao, v.


4, n. 1, p. 201-217, 2004. Disponvel em: <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/
view/57/55>. Acesso em: 24 jun. 2010.
______. Dialetos do acordeo em Curitiba: msica, cotidiano e representaes sociais. Dissertao
(Mestrado em Cincias Sociais)Universidade Estadual de Ponta Grossa. Ponta Grossa, 2005.

| Londrina | v.19 | n.26 | 132-144 | jul.dez 2011

fomentados por dois professores atuantes na regio metropolitana de Porto Alegre

A abordagem do conceito de harmonia


tonal nos processos de ensino e
aprendizagem de acordeom fomentados
por dois professores atuantes na regio
metropolitana de Porto Alegre
The approach to the concept of tonal harmony in the processes of teaching and
learning accordion fostered by two teachers working in the metropolitan region of
Porto Alegre, state of Rio Grande do Sul

JONAS TARCSIO REIS Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 1

resumo

`[email protected]

Este artigo sntese de uma pesquisa que objetivou discutir a abordagem do


conceito de harmonia tonal nos processos de ensino e aprendizagem de acordeom
fomentados por dois professores atuantes na regio metropolitana de Porto Alegre.2
O estudo revela as estratgias especficas utilizadas pelos professores para promover
o ensino e aprendizagem de harmonia no acordeom. O desenho metodolgico da
pesquisa comportou dois estudos de caso. Os dados foram coletados por meio de
entrevistas semiestruturadas. A base terica da investigao centrou-se em Beyer
(1988). A pesquisa sinaliza a importncia de um trabalho pedaggico-musical com
acordeom que contemple o fazer e compreender musical, destacando a positividade
de uma postura epistemolgica onde o aluno visto como construtor de seu prprio
conhecimento, para que a aprendizagem de harmonia se efetive da melhor forma
possvel.
PALAVRAS-CHAVE: ensino e aprendizagem, acordeom, harmonia tonal

abstract
1. Mestrando em
Educao.
2. Esta pesquisa
foi realizada sob
a orientao da
Professora Mestre
Denise Blanco
SantAnna Bndchen,
no Curso de
Ps-Graduao
Especializao em
Msica: Ensino
e Expresso, na
Universidade Feevale.

This article is a synthesis of a research which discusses the approach to the concept
of tonal harmony in teaching and learning processes fostered by two accordion
teachers working in the metropolitan region of Porto Alegre RS. The study reveals
the specific strategies used by teachers to promote the teaching and learning of
harmony on the accordion. The methodology encompassed two case studies. Data
were collected through semi-structured interviews. The theoretical basis of research
focused on Beyer (1988). The research underscores the importance of a music
teaching work with accordion covering the making and understanding of music,
highlighting the positive results of an epistemological view on which the student is
seen as a builder of your own knowledge, in order that the learning of harmony be
effective the best way possible.
PALAVRAS-CHAVE: teaching and learning, accordion, tonal harmony

REVISTADA
DAABEM
ABEM || Londrina
Londrina | | v.19
v.19 | | n.26
n.26 | |145-157
147-157|
REVISTA

|jul.dez
jul.dez2011
2011

145

REIS, Jonas Tarcsio

introduo

xistem vrios instrumentos musicais presentes na cultura brasileira e cada qual propicia
maneiras diferentes de se trabalhar a msica e seu ensino e aprendizagem. Um desses
instrumentos o acordeom. Ele esteve mais ligado s construes culturais musicais

populares do que s eruditas. A sua presena nos contextos regionais de produo musical,
nas mais variadas regies do planeta, algo notrio e visto como um fato importante na histria
musical da humanidade. Destarte, o ensino e a aprendizagem de acordeom se constituem em
um fenmeno scio-histrico antigo no Brasil, mas ainda no investigado profundamente.
Assim, a respeito da difuso desse instrumento em solo sul-rio-grandense, afere-se que,
inicialmente, ele foi inserido na cultura local atravs de obras musicais populares de origem
europeia e depois com obras compostas no Brasil, criadas com base em formas e modelos de
discursos musicais tambm europeus. O acordeom ajudou na divulgao de diversos gneros
musicais, e esses gneros tambm ajudaram na difuso do acordeom pelas diversas regies do
estado, devido popularidade que assumiram nos diferentes cenrios sociais e culturais do Rio
Grande do Sul. De tal modo, surgiu uma relao de cumplicidade entre o acordeom e a msica
popular gacha (MPG),3 no que tange perpetuao de ambos nessa regio do Brasil.
Em cada microrregio do estado, os gneros musicais foram sendo trabalhados,
disseminados e modificados com base nas culturas locais e nas concepes musicais
pertencentes s culturas de diferentes etnias que vieram a compor o espectro social e cultural do
povo gacho. Por ser o acordeom um instrumento fortemente ligado cultura regional no sul do
Brasil, o repertrio musical que se tem para esse instrumento est, em grande medida, inserido
no que denominamos anteriormente por MPG.
Do mesmo modo, sabemos que o acordeom passa por momentos de auge e de queda no
gosto e nas escolhas musicais de diferentes perodos histricos em vrios pases e comunidades,
assim como os demais instrumentos e concepes estticas de msica esto em constante
transformao nas hierarquizaes criadas no campo da msica nas sociedades e culturas do
mundo. Tambm verificvel que as concepes de ensino e aprendizagem de acordeom se
moldam de acordo com as necessidades dos contextos educativos e dos sujeitos envolvidos,
sejam eles professores ou alunos.
Tambm os contedos a serem trabalhados no ensino de acordeom so inmeros. A
harmonia um deles. Ela elemento indispensvel nas construes e criaes musicais mais
variadas de nossa sociedade e um contedo que, muitas vezes, trabalhado no ensino
concomitantemente a outros parmetros da msica. ela que estabelece as relaes entre os
objetos sonoros que formam as obras musicais e, por isso, cada indivduo que manipula e cria
algo que pode ser chamado de msica estar fazendo uso singular de leis j existentes, ou ento
estar promovendo uma nova inveno harmnica. Foi atravs desse tipo de promoo que os
novos sistemas harmnicos emergiram e emergem no mundo hodierno.
Nessa perspectiva, para Motte (1994, p. 18), levar o educando compreenso do aspecto
individual da inveno harmnica consiste em uma das mais importantes tarefas de um ensino

3. Compe nosso conceito de msica popular gacha todo o tipo de msica que guarda relaes diretas com estilos
musicais mais antigos perpetuados no Rio Grande do Sul. So construes musicais que secularmente se consolidaram
e esto incrustadas na cultura gacha e que ainda hoje so produzidas, difundidas e apreciadas no estado ou fora dele,
mas cuja origem geogrfica do estilo se encontra no estado.

146

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 145-157 | jul.dez 2011

A abordagem do conceito de harmonia tonal nos processos de ensino e aprendizagem de acordeom


fomentados por dois professores atuantes na regio metropolitana de Porto Alegre

de harmonia para a produo artstica. A eficcia, aplicabilidade e receptividade das relaes


harmnicas criadas ou reproduzidas em novas obras musicais fruto direto da interao
entre o receptor seja este algum que crie, recrie, aprecie, dance ou interaja de algum outro
modo possvel com os conglomerados sonoros e o material musical em foco. Alm disso,
a compreenso de determinadas elaboraes tericas disponibilizadas na forma de msica
para especficos grupos humanos depende dos mecanismos perceptivos social e culturalmente
desenvolvidos destes. Nessa perspectiva, destacamos que, no tocante a complexos harmnicos,
melodias e ritmos, a cultura musical gacha sofreu fortes influncias da linguagem musical
europeia tonal. De tal modo, o sistema tonal, incrustado nas concepes musicais do povo sulrio-grandense, perpetuou-se e hoje ainda base harmnica da msica popular local.
Tendo essas premissas em mente e, sob a perspectiva que acredita que a pesquisa
cientfica em educao musical deve ser sempre realizada relevando fatores regionais, sociais e
culturais no modo de abordar, compreender e descrever o objeto de pesquisa, realizamos uma
anlise cientfica sobre a abordagem do conceito de harmonia tonal nos processos de ensino
e aprendizagem de acordeom desenvolvidos por dois professores do instrumento atuantes na
regio metropolitana de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul.
Para isso, levantamos elementos que possibilitam, brevemente, a compreenso das
diferentes formas que os dois professores utilizam para a transmisso e apreenso de informaes
musicais, revelando, consequentemente, a concepo epistemolgica que perpassa e embasa
as suas aes pedaggico-musicais. Buscamos saber que recursos eram utilizados para
fomentar o ensino e a aprendizagem de harmonia no acordeom.
A inquietao primeira foi saber como a harmonia, inserida dentro do cdigo, das
significaes e da linguagem musical ocidental, objeto de estudo nas aulas de acordeom,
j que se constitui em um dos parmetros musicais que assume estados de complexidades
grandiosas em nossa cultura. Saber qual o seu status nas aulas de acordeom foi uma preocupao
a ser sanada, tambm. Isso aconteceu principalmente por notarmos que a harmonia no est
sendo devidamente contemplada nos estudos da rea de educao musical, apesar da sua
indispensvel importncia para a rea da msica, por trazer inmeros significados que, em muitos
momentos, acabam trazendo informaes que conduzem ao entendimento maior de como a
msica ocidental evoluiu nas diferentes trajetrias culturais das sociedades modernas. Nas linhas
que seguem, trataremos de apresentar, sinteticamente, os resultados advindos desse estudo.

A arte musical perpetua-se diversificadamente nas sociedades. Portanto, lgico aferirmos


que o ensino e a aprendizagem musicais tambm tm suas ocorrncias marcadas e moldadas
de acordo com as exigncias sociais e culturais de determinados grupos humanos. Como
bem sabemos, a educao musical, como produto do fazer humano, evoluiu paralelamente
sociedade humana. Hoje, mais do que antes, coexistem concepes, tendncias e prticas
pedaggico-musicais distintas e que levam a fins diversos. Mas um destes fins comum a todas:

tendncias
pedaggicomusicais
presentes na
atualidade

o fazer musical, seja na forma individual ou coletiva; o ato de comunicar e ser comunicado
atravs de organizaes e complexos sonoros carregados de significados construdos a partir
das relaes estabelecidas entre sons e silncios.
No campo das tendncias pedaggico-musicais se encontram o apriorismo, o empirismo
e o construtivismo como teorias epistemolgicas embasadoras da prxis docente. Esta ltima

REVISTA
REVISTADA
DAABEM
ABEM

|| Londrina
Londrina || v.19
v.19 || n.26
n.26 || 145-157
147-157 | | jul.dez
jul.dez2011
2011

147

REIS, Jonas Tarcsio

a mais recente no que concerne sua estruturao terica e subsidia o desenvolvimento de


processos educativo-musicais capazes de gerar aprendizagens na linguagem musical de modos
significativos. Isso porque concebe o sujeito aprendiz como capaz e responsvel pela construo
de seu conhecimento, que se d, em sntese, pela interao estabelecida entre o sujeito (aprendiz)
e os objetos musicais a serem conhecidos. De acordo com essa teoria epistemolgica, no
constante movimento de interao entre sujeito e objeto que o conhecimento vai sendo produzido
em nveis cada vez mais complexos. Segundo Becker, F. (2001, p. 23), h duas condies
necessrias construo de um conhecimento novo: a) que o sujeito aja (assimilao) sobre
o objeto cognitivamente interessante, significativo para ele; b) que o sujeito responda para si
mesmo s perturbaes (acomodao) provocadas pela assimilao e que, em um segundo
momento, o sujeito se aproprie dos mecanismos ntimos das aes exercidas sobre o objeto.
Nessa perspectiva, vrios autores tm trabalhado teorizando a partir de concepes
construtivistas de ensino e aprendizagem musical.4 Dentre eles podemos destacar Beyer (1988),
que atravs de uma abordagem cognitiva da educao musical, baseada na epistemologia
gentica de Jean Piaget, trouxe um novo paradigma para a rea de educao musical. Essa
autora tece algumas crticas ao ensino de msica tradicional empirista e apriorista, abordando a
msica como uma linguagem e teorizando a favor de um ensino musical que permita ao educando
a compreenso do discurso musical atravs do desmonte, exame e reintegrao dos elementos
que compem a msica. A autora ainda sugere etapas para uma alfabetizao musical.
A teoria epistemolgica piagetiana est presente na educao musical brasileira. Sua
apario se deu, principalmente, a partir do final do sculo XX, atesta Bndchen (2005, f. 70).
Segundo a mesma autora, o construtivismo abrolhou integrando uma perspectiva relativista e
interacionista, o que caracteriza a aprendizagem escolar como um processo ativo de elaborao,
e no uma recepo passiva de conhecimentos (Bndchen, 2005, f. 68). Ela ainda refere que,
mesmo compreendendo um nmero aparentemente pequeno de adeptos, a aproximao
da teoria piagetiana educao musical deve-se valorizao dos aspectos cognitivos
e psicolgicos que passaram a embasar um novo repensar sobre a educao musical,
valorizando o processo e contrapondo-se mecanizao, ao treinamento e ao resultado final
como objetivos nicos no fazer musical. (Bndchen, 2005, f. 68)

Nessa linha, Kebach (2008, f. 25) diz que, sob o ponto de vista construtivista,
responsabilidade do professor proporcionar situaes significativas e de desafio, que mobilizem
o interesse dos sujeitos em se apropriar dos contedos. Ou seja, ao professor est incumbido
o papel de desafiador nos processos de ensino e aprendizagem. Cabe ao docente proporcionar
e promover atividades em que os alunos possam manipular o objeto musical, com vistas ao
fazer musical e a uma subsequente, se no simultnea, compreenso musical. No basta
interpretar bem. preciso que o aluno domine os elementos da linguagem musical, apropriandose dos seus significados e regras. Alm disso, que compreenda msica como discurso, como
linguagem, que saiba o que forma a msica, saiba fazer novas msicas, que no seja apenas

4. Ver, entre outros, os trabalhos orientados pela Dra. Esther Beyer, no Programa de Ps-Graduao em Educao da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

148

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 145-157 | jul.dez 2011

A abordagem do conceito de harmonia tonal nos processos de ensino e aprendizagem de acordeom


fomentados por dois professores atuantes na regio metropolitana de Porto Alegre

um reprodutor. E, para atingir isso, necessrio que os alunos caminhem do fazer (prtica) ao
compreender (teorizao) musical (Piaget et al., 1977, 1978).
Conforme Kebach (2008, f. 149), as possibilidades cognitivas desencadeadas no ambiente
construtivista de musicalizao so essencialmente invenes, verificaes e, portanto, criaes
(ou recriaes, por se tratarem de aes sobre um material sonoro composto por outrem).
Cada nova etapa, cada nova conquista se apoia em conquistas anteriores. O sujeito, medida
que aprende, apreende (assimila) cada vez mais do objeto. E essas assimilaes implicam
acomodaes, compondo o processo constante de adaptao com o qual o sujeito vai
conhecendo o mundo musical sua volta. O professor precisa potencializar, atravs de suas
intervenes pedaggico-musicais, esse processo de adaptao.
Por isso, no podemos defender que, quanto mais se ensaia uma pea musical, mais se
sabe sobre msica. Pode-se at conseguir uma determinada melhoria na execuo. Porm, nada
garante que o aluno tenha plena conscincia daquilo que est fazendo em termos de msica,
seja no mbito rtmico, meldico, harmnico, etc. preciso que o professor coloque em ao
estratgias que levem o educando compreenso do que ele j faz musicalmente, mas ainda no
compreende holisticamente, e que no fique eternamente fazendo msica de modo mecnico.
Em contrapartida, nas prticas pedaggicas embasadas na epistemologia empirista, o
professor o detentor absoluto do saber. O aluno visto como o ser sem luz, que precisa da
luz do conhecimento do professor para emergir da escurido. Nessa concepo de ensino, o
educador estabelece o monoplio da palavra e o aluno apenas recebe o conhecimento daquele,
j que visto como aquele que nada sabe. A viso do professor que profere um ensino empirista
concebe o aprender como sinnimo de transmitir. O professor acredita cegamente que o saber
passa de algum que sabe mais para outro que menos sabe (Becker, F., 2001, p. 16-18).
J a corrente pedaggica apoiada na viso epistemolgica apriorista aquela que acredita
que o saber est dentro do aluno, precisa apenas de tempo para aflorar. Isso pressupe crer na
existncia de talento. Assim, os resultados dependem mais das predisposies dos alunos do
que de bons processos de ensino e aprendizagem que gerem a construo de conhecimento
musical. O educador que tem seu pensamento fortemente afetado pelas concepes tericas
educacionais aprioristas atribui os fracassos ou baixos resultados da aprendizagem de seus
educandos falta de dom desses indivduos para a msica. Infelizmente, nesse quadro, o seu
compromisso como educador se perde. O professor parece ser um simples observador no
processo educacional. No se importa em procurar ou gerar solues para as problemticas que
os alunos enfrentam.
Dentro dessa reflexo, Beyer (1988) identificou a existncia de uma educao musical
desarticulada (empirista e apriorista). Uma educao musical que fazia prevalecer um ensino
pouco estruturado no sentido de no fazer conexo entre os contedos musicais com a prtica
musical do educando, e o fato de no haver uma lgica sequencial entre conceitos e concepes
musicais que subsidiasse a aprendizagem significativa de msica. Destarte, Beyer (1988, f. 12)
coloca que a no compreenso dos elementos de sintaxe e semntica musical leva o aluno a
repetir certos padres musicais j institudos. Entretanto, esse aluno nunca conseguir compor
frases musicais de forma consciente. O domnio estrutural da msica ficar restrito a padres
demasiadamente conhecidos e desgastados (Beyer, 1988, f. 12). Ser um repetidor de padres
rtmicos, meldicos e harmnicos consolidados e que sempre sero revisitados sem o acrscimo
de novidades. Deste modo, o msico coloca-se na dependncia dos padres usuais, em

REVISTA DA
DA ABEM
ABEM
REVISTA

Londrina || v.19
v.19 || n.26
n.26 || 145-157
147-157 || jul.dez
jul.dez2011
2011
|| Londrina

149

REIS, Jonas Tarcsio

detrimento das idias prprias que poderia transmitir atravs da msica. (Beyer, 1988, f. 12). A
autora ainda diz que
a prtica vigente em educao musical est desarticulada, pois inexiste uma ideia da
construo de uma seqncia com um fio condutor em sua essncia. O todo no contribui para
a construo de cada parte. Por outro lado, as partes no se inter-relacionam para a formao
do todo da educao musical. Ao ocorrerem estas disjunes, o aluno fica impossibilitado de
utilizar todas as informaes musicais que captou e o trabalho de ensino tornou-se sem valor.
(Beyer, 1988, f. 12)

Com base nessas reflexes, podemos expor como necessrio que o professor de acordeom
esteja preparado pedaggica e musicalmente sob uma perspectiva construtivista para fomentar
o ensino desse instrumento. E nesse sentido, entendemos como fundamental o domnio da
tcnica instrumental, de repertrio e esttica musical a serem trabalhados no contexto social,
cultural e musical onde esse educador um dos protagonistas. Igualmente, importante saber
ensinar dinamizando informaes em um contexto educativo-musical onde o aluno seja visto
como construtor de seu conhecimento.

o acordeom
sob o ponto
de vista da
educao
musical no
Brasil

Como sabemos, a educao musical tem crescido muito ao longo dos anos no Brasil.
Nesse panorama histrico de avano cientfico, a rea tem voltado seu olhar, no estritamente,
para discusses e reflexes que contemplam os espaos de ensino e aprendizagem musical
no escolar. Compreendem-se como espaos no escolares de educao musical todos
aqueles que no pertencem educao bsica e ao ensino superior. Sobre isso, quanto ao
ensino e aprendizagem de acordeom, temos o trabalho de Reis (2009) que trata do ensino de
acordeom na terceira idade em aulas particulares , o de Weiss e Louro-Hettwer (2010) sobre
as autonarrativas de um professor de acordeom e o de Reis (2010) acerca de uma prtica
de ensino e aprendizagem coletivos de acordeom em um curso de extenso. Tambm temos
o trabalho de Persch (2006), que realizou um estudo de caso investigando as contribuies do
uso do software Encore na educao musical, tendo em vista o ensino particular de acordeom
para alunos iniciantes. Nessa linha, Machado (2009) realizou uma investigao em torno das
prticas pedaggicas de dois professores de acordeom, buscando desvelar e registrar aspectos
relevantes da docncia nesse instrumento.
Com base nesses estudos, possvel dizer que o ensino de acordeom e a formao do
professor de acordeom so prticas que esto fortemente ligadas aos processos de construo
de conhecimento musical no escolar. Nessa perspectiva, meritrio saber que dentre os
diversos instrumentos musicais que conhecemos, o acordeom ocupou relevante status no
passado musical do Brasil. Ainda hoje, ocupa uma importante posio como instrumento
caracterstico nos estilos musicais regionais, como no baio, no forr, no sertanejo e na MPG,
sem mencionar outros gneros em que a sua presena notada. Desse modo, a principal forma
de aprendizagem de acordeom atravs de aulas particulares, de videoaulas e de metodologias
de autoaprendizagem a partir de materiais grficos e de udios, o que tambm caracteriza a sua
insero no universo no escolar de construo de conhecimento musical.

150

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 145-157 | jul.dez 2011

A abordagem do conceito de harmonia tonal nos processos de ensino e aprendizagem de acordeom


fomentados por dois professores atuantes na regio metropolitana de Porto Alegre

Especificamente sobre a aprendizagem de harmonia, temos o trabalho realizado por Pecker


(2009), que buscou compreender os processos cognitivos que asseguram as conquistas das
crianas de 2 a 5 anos de idade sobre os modos do sistema tonal. Os trabalhos de CostaGiomi (1994a, 1994b, 2001, 2003) e Costa-Giomi e Santos (2001) sobre o desenvolvimento da
percepo harmnica na infncia tambm podem ser mencionados como relevantes.

presente pesquisa de natureza aplicada (Prodanov; Freitas, 2009), pois buscou

produzir conhecimentos sobre processos de ensino e aprendizagem de acordeom, com

desenho
metodolgico

vistas a responder a seguinte questo: Como abordado o conceito de harmonia tonal nos
processos de ensino e aprendizagem fomentados por dois professores de acordeom na regio
metropolitana de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul? Para isso o mtodo cientfico
adotado foi o estudo de caso. Esse mtodo, segundo Becker, H. (1997, p. 117), permite uma
anlise detalhada de um caso individual, possibilitando o estudo e a interpretao de modo
bastante especfico. Ainda assim, o mtodo supe que se pode adquirir conhecimento do
fenmeno adequadamente a partir da explorao intensa de um nico caso (Becker, H., 1997,
p. 117). De acordo com Prodanov e Freitas (2009, p. 140), esse mtodo representa a estratgia
preferida quando colocamos questes do tipo como e por que, quando o pesquisador tem
pouco controle sobre os eventos e quando o foco se encontra em fenmenos contemporneos
inseridos em algum contexto da vida real.
Essa empreitada cientfica incidiu em uma pesquisa de abordagem qualitativa. Buscou-se
compreender e descrever um determinado fenmeno de um contexto profissional especfico, no
qual os indivduos sujeitos da investigao foram portadores de imagens e representaes do seu
contexto: imagens e representaes reveladoras das suas vivncias e experincias socioculturais
e profissionais. As etapas da pesquisa compreenderam: a escolha de dois5 professores de
acordeom atuantes na regio metropolitana de Porto Alegre;6 a busca pelo seu consentimento
para a participao na pesquisa; a construo do roteiro para a realizao das entrevistas
semiestruturadas; a coleta dos dados por meio da realizao das entrevistas na residncia dos
pesquisados (foi realizada uma entrevista com cada sujeito, com durao de 80 minutos cada,
em mdia); transcrio e anlise dos dados.

5. Os professores foram escolhidos por terem disponibilidade na participao voluntria na pesquisa, por atuarem como
professores de acordeom h mais de cinco anos e por serem licenciados em msica. Para preservar a identidade dos
sujeitos, adotamos a terminologia professor X e professor Y para nos referirmos a eles.
6. No roteiro constavam perguntas sobre como os professores aprenderam certos elementos da linguagem musical
no acordeom e como seus professores agiam, no sentido de sabermos que o professor de hoje , com efeito, um
reflexo de suas experincias de ensino e de aprendizagem do passado. Portanto, seria impossvel, e resultado de um
posicionamento reducionista, recortar e buscar desvelar o modo de o sujeito abordar a harmonia hoje sem saber como
ele a aprendeu.

REVISTADA
DAABEM
ABEM
REVISTA

Londrina || v.19
v.19 || n.26
n.26 || 145-157
|| Londrina
147-157 | jul.dez 2011

151

REIS, Jonas Tarcsio

o que dizem
os professores
sobre a
abordagem da
harmonia no
acordeom?

O professor Y

professor Y licenciado em msica e possui ttulo de especialista em educao.


um professor particular de acordeom que leciona h quase duas dcadas e tambm atua como
acordeonista profissional. Ele estuda acordeom desde a infncia.
No que concerne abordagem da harmonia, o professor Y afirma que ela vai surgindo
nas aulas. Ele diz que, devido construo da estrutura mecnica que empregada na baixaria,
o ensino de harmonia tonal no acontece como em outros instrumentos. Isso porque as relaes
harmnicas entre os acordes mais usados, em complexos harmnicos simples, como as
estabelecidas entre tnica, dominante e subdominante, tm seus botes de acionamento de
notas e acordes localizados lado a lado: a tnica no centro, subdominante abaixo e, acima da
tnica, o boto da dominante. Destarte, a obteno de um acompanhamento harmnico se d
pelo uso e execuo constante de uma clula rtmica que, minimamente, faz uso de dois dedos
e dois botes por funo harmnica (ver Mascarenhas, 2003).
Para compreender a disposio fsica dos botes de acionamento de acordes na baixaria
do acordeom, ver Figura 1 a seguir:

Preparao para Acompanhamento

FIGURA 1
Ilustrao da baixaria de
um acordeom de 120 baixos,

modelo bastante comum no

contexto da msica brasileira.


A coluna dos contrabaixos a

que fica mais prxima do fole


do instrumento (extrado de

Mascarenhas, 2003, p. 32).

Esse professor tambm discorreu sobre como aborda o crculo das quintas no acordeom.
Ele argumentou que faz uso da baixaria nesse processo, interconectando-o com a montagem
de acordes e encadeamentos harmnicos no teclado. Falou que aborda esses elementos, bem
como o ensino da escala cromtica e dos modos, a partir das msicas trabalhadas em aula.
Tambm faz uso da diferena fsica das teclas no teclado para explicar a escala cromtica e os
modos, trabalhando paralelamente a percepo musical e a harmnica no sentido horizontal. Ele
incentiva os alunos a transporem msicas e os questiona sobre as notas e escalas presentes
nas melodias trabalhadas em aula. Para explicaes, ele toma como princpio a baixaria do
acordeom. Como estratgia para essa movimentao de informaes, ele busca estabelecer
uma linguagem fcil de ser entendida para desenvolver conceitos musicais com os alunos.
O professor em questo incentiva seus alunos a tirar msica de ouvido, o que considera
muito importante. Quanto a isso, mesmo que no tenha mencionado, o professor Y est dando

152

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 145-157 | jul.dez 2011

A abordagem do conceito de harmonia tonal nos processos de ensino e aprendizagem de acordeom


fomentados por dois professores atuantes na regio metropolitana de Porto Alegre

margem a uma aprendizagem de padres harmnicos, uma vez que o repertrio que tirado
de ouvido advm do campo da MPG, portanto, com obras tonais. Ento, na contemplao de
um trabalho de percepo musical, est-se positivamente trabalhando para o desenvolvimento
de uma percepo harmnica. Porm, essa construo de percepo harmnica no est de
um todo sendo realizada de modo consciente pelo educando, uma vez que nomenclaturas e
significados tericos no so observados com a devida acuidade.
Esse professor tambm falou que a harmonia um elemento cultural. Segundo ele, o
aprendizado de harmonia depende do que o contexto cultural musical e tambm o repertrio
trabalhado exigem em termos de harmonia. Ele afirma que realiza atividades e prope exerccios
que so usados para os alunos transporem certos padres de acompanhamento para outras
tonalidades. Nesse ponto, a percepo harmnica exigida. Essa exigncia est ligada ao tipo
de repertrio trabalhado em aula e aos encadeamentos harmnicos das obras, que podem ser
simples ou demandar nveis de compreenso harmnica mais complexos.
O professor Y v a simples reproduo de msicas como algo negativo e reconhece
que o aluno nunca toca a mesma msica do mesmo modo. Por conseguinte, o pensamento
do professor apresenta alguns aspectos relacionados tendncia construtivista da educao
musical, que no v o aluno como um simples reprodutor de cultura, mas sim um ser que age
sobre a cultura e dela retira e coloca informaes. O aluno tem uma interpretao musical como
modelo, ou tem uma obra musical para tocar, mas o que ser tocado por esse aluno algo que
estar carregado de subjetividade, e os graus de ocorrncia disso variam de aluno para aluno.

O professor X
O professor X licenciado em msica. Comeou a estudar acordeom aos 11 anos de
idade. A sua profisso atual, pondera o entrevistado, acordeonista. Ele atua como instrumentista
de msica regional, folclrica e erudita. Como professor de acordeom, atua h mais de 12 anos
no ensino particular.
Quando questionado se considerava importante o aluno compreender conceitos de
harmonia no aprendizado de acordeom, ele afirma que sim e considera necessrio que o aluno
j possua noes sobre intervalos, ou realmente os saiba e os conhea. Ele coloca que, se o
aluno no souber algo sobre relaes intervalares, ser realmente difcil, ou quase impossvel,
trabalhar tal contedo explicitamente na aula de acordeom.
Todavia, no momento em que o aluno j toca determinadas msicas, ele j est
experimentando, na prtica, a utilizao de certos elementos. Se partirmos da experincia do
aluno, se tomarmos como ponto de partida sensaes, encadeamentos harmnicos, seja de
acordes ou explorao harmnica a partir de melodias e as cadncias mais comuns das msicas
que o aluno est acostumado a ouvir, ser mais fcil trabalhar os vrios elementos da harmonia
tonal na aula individual.
Sabemos que trabalhar a harmonia no ensino particular de instrumento um desafio, uma
vez que ns, professores de instrumento, em muitos casos, viemos de um modelo de ensino
conservador, e fomos alunos de professores que adotavam uma pedagogia musical mais
tradicional, baseada na repetio, no ensaio, na construo de tcnica, sem muitas vezes sermos
incentivados a refletir sobre como certos elementos da msica se articulavam, sem termos a

REVISTADA
DAABEM
ABEM
REVISTA

Londrina || v.19
v.19 || n.26
n.26 || 147-157
145-157 | jul.dez 2011
|| Londrina

153

REIS, Jonas Tarcsio

oportunidade de acessar concretamente e compreender a linguagem musical holisticamente


(incluindo a a apropriao terica sobre a harmonia). Porm, se continuarmos a reproduzir uma
concepo de ensino que no privilegia a completa educao musical (Beyer, 1988), que , ainda
hoje, motivada e escrita sob uma pedagogia de ensino fragmentado e incompleto, estaremos
negando ao educando o direito de entender, de tomar conscincia do que a msica na verdade,
e das possibilidades que o domnio sobre determinados elementos musicais (e, por conseguinte,
sobre a complexidade da arte musical) traz para a vida do educando e do msico profissional.
O professor X fala que no tem um mtodo especfico para o ensino de harmonia e
que leve os alunos tomada de conscincia (Piaget et al., 1977, 1978) de certos padres
de harmonia em gneros musicais especficos. Ele trabalha a partir do que as obras musicais
exigem de conhecimento de harmonia. No trata o elemento harmonia isoladamente. Conecta a
aprendizagem de harmonia com a de outros parmetros da msica.
Ele percebe a importncia e a necessidade de se trabalhar a harmonia de modo mais
sistemtico, mas no desligado dos outros elementos musicais, apenas mais consciente, e
aponta o tempo como grande inimigo para a contemplao desse trabalho mais completo.
Sobre o fato de tirar msica de ouvido, o que inevitavelmente exige conhecimentos de
harmonia tonal, no que tange ao repertrio de MPG, ele prprio afirma que tira muita msica
de ouvido. Faz isso regularmente. Ele diz: Realmente bastante mesmo! Assim, s vezes chego
a tirar duas, trs msicas por semana. Da eu tiro a msica! Escrevo a partitura! E passo para
o aluno. Ele tambm incentiva seus alunos a fazerem isso. V essa prtica como intrnseca
aprendizagem de acordeom, pois melhora e trabalha diretamente com a percepo musical do
educando, e a considera inevitvel porque o repertrio lanado atualmente e que vem a compor
o gosto dos educandos inseridos no movimento da MPG precisa ser tirado de ouvido, j que a
prtica de escrita e divulgao de partituras nesse meio algo pouco usual, assim como nas
demais manifestaes culturais musicais populares.

reflexes a
partir das
falas dos
professores

Os

professores entrevistados mencionaram que buscam contemplar as necessidades

dos educandos. De tal forma, procuram estruturar suas aulas com base nos desejos de seus
alunos e primando pela construo de um saber musical que seja significativo, que faa com
que esses educandos avancem na compreenso e no domnio sobre a arte musical. Portanto,
a necessidade desses educadores criar uma metodologia para cada educando, com base
na realidade cultural musical deste, e considerando prioritariamente os conhecimentos musicais
de que este j detentor. Ento, subtramos disso que, contemplar no plano de estudos os
vrios elementos da msica com vistas ao desenvolvimento completo do aluno na linguagem
musical fundamental. Almejar que este se aproprie efetivamente dessa linguagem, sendo
capaz de manipul-la e ressignific-la ao fazer uso da sua capacidade inventiva que deve ser
desenvolvida na aula de msica , militar por uma educao musical libertadora e que no
desenvolva meros reprodutores de constructos musicais, executores de obras prontas.
Os professores buscam desenvolver seres capazes de criar novidades na msica, ou pelo
menos recriar msicas de modos singulares. Porm, para que isso acontea, preciso pensar
em um ensino que no se restrinja ao simples desenvolvimento de repertrio, mas que contemple
a msica como discurso, fazendo o estudo dos diversos elementos musicais que a constituem,
inclusive os paradigmas harmnicos que nos esto disponveis, e que a partir desses o educando
possa criar novos padres se quiser. Como afirma Beyer (1988, f. 17):

154

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 145-157 | jul.dez 2011

A abordagem do conceito de harmonia tonal nos processos de ensino e aprendizagem de acordeom


fomentados por dois professores atuantes na regio metropolitana de Porto Alegre

Se houvesse uma prtica educacional em msica que considerasse a crtica, montagem e


desmontagem dos processos de pensamento musical de vrias pocas e compositores e
se fossem abertas as possibilidades de criao ao aluno, haveria nas mos deste uma fora
propulsora de mudanas significativas na sociedade em que vive.

Para que isso possa de fato ocorrer, a inventividade, a criatividade e a liberdade precisam ser
palavras intrinsecamente ligadas e norteadoras dos processos educativo-musicais fomentados
com o acordeom, independentemente do nvel de aprofundamento e domnio da linguagem
musical que o educando tenha. Alm disso, preciso que seja respeitada a construo
progressiva de conhecimento musical, sem privar o educando da tomada de conscincia de
todos os elementos estruturantes da msica.
Nessa mesma linha reflexiva, Beyer (1988, f. 9-10) coloca que o ensino tradicional da
chamada harmonia favorece uma aprendizagem condicionada aquisio de frmulas e regras
sem sentido, quando no so observadas dentro de um contexto histrico. Ainda hoje, a harmonia
vista secundariamente no ensino da msica. Em muitos momentos no contemplada de forma
positiva, que leve o aluno a realmente compreender como os sons se articulam, se sobrepem
e so conectados na horizontalidade da msica. Os educandos passam a engrossar um grande
conjunto social de msicos que fazem sem compreender, pois simplesmente so incentivados a
decorar e cumprir frmulas sem ter um mnimo de compreenso sobre as relaes harmnicas
contidas nas msicas que executam, ou no estilo musical de que fazem uso na sua prtica
musical, seja tanto no mbito prtico da compreenso quanto no terico (Beyer, 1988, f. 9-10).
Os professores entrevistados trouxeram dados que elucidam a existncia de um ensino
musical e uma respectiva aprendizagem no acordeom permeados pelo incentivo e valorizao
da prtica musical em si, salientando tambm o desenvolvimento da percepo auditiva.
Sobre isso, no tocante ao desenvolvimento da percepo auditiva, tm capital importncia as
noes de encadeamentos harmnicos, sejam no mbito horizontal ou no vertical temporal de
desenvolvimento das msicas. Desse modo, ocorre que os professores incitam bastante o ato de
tirar msica de ouvido. Eles veem essa prtica como intrnseca aprendizagem de acordeom,
levando em considerao, nesse caso, o trabalho musical com repertrio popular. Tambm essa
prtica decorre de uma necessidade de contornar as dificuldades encontradas na busca por
material didtico-instrumental, ou seja, por partituras de obras para compor repertrio. Ento, o
til (tirar msicas de ouvido) e o agradvel (desenvolver a percepo musical), que tambm
considerado como necessrio pelos professores, se coadunam na prtica educativo-musical de
ensinar e aprender acordeom.
Assim sendo, o desenvolvimento da percepo harmnica est atrelado ou mesmo
dependente diretamente ao desenvolvimento da percepo musical como um todo, seja no
mbito dos ritmos, dos timbres, das alturas e tambm das intensidades, principalmente no
tocante construo de acordes e arpejos.

Conclumos que, para poder continuar avanando na construo do seu saber musical
e no tornar-se um mero reprodutor de cultura, mas sim um ser que seja capaz de fomentar

consideraes
finais

inovao a partir dos materiais musicais j existentes, importante, tambm, alm de outros
conhecimentos especficos musicais, estar o sujeito (educando) munido de conhecimentos

REVISTA
REVISTADA
DAABEM
ABEM

|| Londrina
Londrina || v.19
v.19 || n.26
n.26 || 147-157
145-157 | jul.dez 2011

155

REIS, Jonas Tarcsio

harmnicos. Para isso, todo o ensino alienador do pensamento musical precisa ser banido. No
pode continuar ganhando guarida em vises pedaggico-musicais que tm inclinao empirista
e apriorista. E estas tambm precisam ser combatidas, pois nelas ao aluno vedado acionar
seus processos cognitivos quando em contato com a msica. Ele impedido do autntico fazer
musical, que implica percepo e ao em constante movimento dialtico com a expresso
(Beyer, 1988, f. 16-17, grifo da autora).
A harmonia no ensino de acordeom no Rio Grande do Sul vista no sentido gramatical
vertical, ou seja, enfatiza a formao de acordes. A aprendizagem de harmonia implica uma
participao ativa do educando na construo do conhecimento musical. O aluno precisa
ser agente na aula e no mero objeto, para que, assim, possa compreender a harmonia. O
compreender e o fazer musical, como movimentos fundamentais na produo de conhecimento
musical novo, se completam. Com base nos estudos de Piaget et al. (1977, 1978), compreender
o que se faz e fazer o que se compreende de harmonia (e no s dela, mas de todos os outros
elementos estruturantes da linguagem musical) carece ser uma meta educativo-musical comum
para os professores de acordeom.
Nessa perspectiva, denota-se que na interao sujeito e objeto que se dar a construo
significativa e verdadeira de conhecimento musical. Os professores, acredita-se, precisam estar
conscientes disso para que, de modo ideal, o aluno aprenda, construa conhecimento musical
significativamente. Trata-se de supor a existncia necessria de uma viso construtivista acerca
de processos de ensino e aprendizagem musical para que a aprendizagem de harmonia se
efetive da melhor forma possvel. Essa ideia evidencia que depositar no aluno o conhecimento
ou esperar que ele surja espontaneamente so aspectos delatores de processos educacionais
excludentes e inadequados autntica construo de saber musical.

referncias

BECKER, F. Educao e construo do conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2001.


BECKER, H. S. Mtodos de pesquisa em cincias sociais. Trad. de Marco Estevo e Renato Aguiar. 3. ed.
So Paulo: Hucitec, 1997.
BEYER, E. A abordagem cognitiva em msica: uma crtica ao ensino da msica a partir da teoria de Piaget.
Dissertao (Mestrado em Educao)Faculdade de Educao, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 1988.
BNDCHEN, D. B. S. A relao ritmo-movimento no fazer musical criativo: uma abordagem construtivista
na prtica de canto coral. Dissertao (Mestrado em Educao)Faculdade de Educao, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.
COSTA-GIOMI, E. Recognition of chord changes by 4- and 5-year-old American and Argentine children.
Journal of Research in Music Education, v. 42, n. 1, p. 68-85, Spring 1994a.
______. Effect of timbre and register modifications of musical stimuli on young childrens identification of
chord changes. Bulletin of the Council for Research in Music Education, n. 121, p. 1-15, 1994b.
______. El desarrollo de la percepcin armnica durante la infancia. Cuadernos Interamericanos de
Investigacin en Educacin Musical, v. 001, n. 002, p. 43-56, 2001.
______. Young childrens harmonic perception. Annals of the New York Academy of Sciences, v. 999, p.
477-484, 2003.
COSTA-GIOMI, E.; SANTOS, R. A. T. The effects of instruction on young childrens perception of tonic and
dominant chords. In: MEETING OF THE SOCIETY FOR MUSIC PERCEPTION AND COGNITION, 2001,
Kingston. Proceedings, Kingston, 2001. p. 1-10.

156

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 145-157 | jul.dez 2011

A abordagem do conceito de harmonia tonal nos processos de ensino e aprendizagem de acordeom


fomentados por dois professores atuantes na regio metropolitana de Porto Alegre

KEBACH, P. F. C. Musicalizao coletiva de adultos: o processo de cooperao nas produes musicais


em grupo. Tese (Doutorado em Educao)Faculdade de Educao, Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2008.
MACHADO, A. V. Ensino de acordeon: um estudo a partir da prtica docente de dois professores. Monografia
(Graduao em Msica: Licenciatura)Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Montenegro, 2009.
MASCARENHAS, M. Mtodo de acordeo Mascarenhas: terico e prtico. 51. ed. So Paulo: Ricordi
Brasileira, 2003.
MOTTE, D. Armonia. 2. ed. Barcelona: Editorial Labor, 1994.
PECKER, P. C. As condutas musicais da criana entre dois e cinco anos: trabalhando com os modos do
sistema tonal. Dissertao (Mestrado em Educao)Faculdade de Educao, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.
PERSCH, A. J. O ensino particular de acordeon auxiliado por computador: um estudo de caso utilizando o
software Encore. Monografia (Graduao em Msica: Licenciatura)Universidade Estadual do Rio Grande
do Sul, Montenegro, 2006.
PIAGET, J. et al. A tomada de conscincia. Trad. de Edson Braga de Souza. So Paulo: Melhoramentos;
Editora da Universidade de So Paulo, 1977.
______. Fazer e compreender. Trad. de Christina Larroud de Paula Leite. So Paulo: Melhoramentos, 1978.
PRODANOV, C.; FREITAS, E. Metodologia do trabalho cientfico: mtodos e tcnicas de pesquisa e do
trabalho acadmico. Novo Hamburgo: Feevale, 2009.
REIS, J. T. Aulas de acordeom na terceira idade: uma abordagem reflexiva sobre um caso especfico. In:
CONGRESSO NACIONAL DA ABEM, 18., e SPEM, 15., 2009, Londrina. Anais, Londrina: Abem, 2009. p.
320-328.
______. O ensino e a aprendizagem de acordeom: reflexes acerca de um caso de educao musical
coletiva em um curso de extenso. In: CONGRESSO NACIONAL DA ABEM, 19., 2010, Goinia. Anais
Goinia: Abem, 2010. p. 1550-1560.
WEISS, D. R. B.; LOURO-HETTWER, A. L. M. Refletindo sobre a prpria prtica como pesquisador de autonarrativas e professor particular de acordeom. In: ENCONTRO REGIONAL DA ABEM SUL, 13., 2010,
Porto Alegre. Anais Porto Alegre: Editora Universitria Metodista IPA, 2010. p. 1-7.

REVISTADA
DA ABEM
ABEM
REVISTA

Recebido em
30/11/2010
Aprovado em
12/02/2011

Londrina || v.19
v.19 || n.26
n.26 || 145-157
|| Londrina
147-157 | jul.dez 2011

157

GAINZA, Violeta Hemsy de

Ensino-aprendizagem da msica da Folia do


Divino no litoral paranaense: dilogos entre
etnomusicologia e psicologia scio-histrica
a partir do trabalho de campo
Teaching-learning the music of the Folia do Divino on the coast of Paran:
dialogues between socio-historic psychology and ethnomusicology from the fieldwork

CARLOS EDUARDO DE ANDRADE SILVA E RAMOS Universidade Federal do Paran (UFPR) 1

resumo

`[email protected]

O presente trabalho apresenta um relatrio parcial de uma pesquisa que se encontra


em andamento. Trata-se de uma investigao acerca dos processos de ensinoaprendizagem na tradio musical oral da Folia do Divino, nas cidades de Guaratuba
e Paranagu (litoral do Paran). Os instrumentos de coleta e anlise dos dados foram
respectivamente a etnografia proposta por Rockwell e a anlise semitica aplicada
etnomusicologia proposta por Nattiez. O dilogo sugerido entre a etnomusicologia e
a psicologia scio-histrica coopera para a compreenso da inseparabilidade entre
msica, devoo e os processos de ensino-aprendizagem. O conceito de zona de
desenvolvimento potencial de Vigotskii tambm resgatado e proporcionou uma
compreenso mais ampla sobre a funo da voz tiple e a participao das crianas
nessa funo musical.
PALAVRAS-CHAVE:

Folia do
desenvolvimento potencial

abstract

Divino,

ensino-aprendizagem,

zona

de

This paper presents a partial report of a study that is underway. It is an investigation


into the teaching-learning processes in the oral musical tradition of Folia do Divino, on
the cities of Guaratuba and Paranagu (coast of Paran). The collection instruments
and data analysis were respectively the ethnography proposed by Rockwell and
the semiotic analysis applied to the ethnomusicology proposed by Nattiez. The
suggested dialogue between the ethnomusicology and the socio-historic psychology
cooperates to realize the inseparability of music, devotion and the teaching-learning
processes. The concept of zone of potential development from Vigotskii is also
rescued and has provided a broader understanding about the function of tiple voice
and the children participation in this musical function.

1. Mestrando em
Msica.

158

REVISTA DA ABEM

KEYWORDS: Folia do Divino, teaching-learning, zone of potential development

| Londrina | v.19 | n.26 | 158-172 | jul.dez 2011

Ensino-aprendizagem da msica da Folia do Divino no litoral paranaense: dilogos entre


etnomusicologia e psicologia scio-histrica a partir do trabalho de campo

o me aprofundar nas questes sobre interpretao historicamente fundamentada de repertrio


da Idade Mdia, percebia os limites do suporte escrito. Era cada vez mais flagrante que a
tradio oral seria imprescindvel para a sobrevivncia e continuidade de um dado repertrio
a despeito dos vestgios escritos. A curiosidade se aguou cada vez mais para a compreenso dos
processos de manuteno e perdas do material musical em repertrios sustentados pela oralidade.

introduo

Assim sendo, h um tipo de problematizao anterior e mais abrangente que funda a


investigao relatada aqui: como se do os processos de mudana e manuteno numa msica
de tradio oral? Ao longo dessas reflexes, notou-se a possibilidade de uma relao considervel
disso com processos de ensino-aprendizagem.2 Assim, o problema especfico do presente trabalho
pode ser sintetizado na seguinte pergunta: como estaro acontecendo os processos de ensinoaprendizagem na msica da romaria da Bandeira do Divino Esprito Santo no litoral paranaense?
O presente trabalho apresentar um relatrio parcial da investigao, ainda em andamento, acerca
desse problema exposto.
Merriam (1964, p. 145, traduo minha) considera que uma dada tradio musical no pode
ser vista como uma unidade esttica a ser absorvida passivamente pelo indivduo, e para tanto
entende o processo de ensino-aprendizagem musical como fundamental [] porque forma o
elo que torna o processo de fazer msica dinmico e em constante mudana.3 Dessa maneira, o
autor aloca a etnomusicologia do ensino-aprendizagem em um patamar de grande potncia para
a compreenso do devir da msica no decorrer da histria humana. Rice (2003, p. 82, traduo
minha) por sua vez apoia-se em Merriam e afirma a importncia de se investigar processos de
ensino-aprendizagem musical em vrias culturas, pois tais investigaes tm fornecido uma lente
importante atravs da qual etnomusiclogos vm compreendendo a cognio humana, a expresso
cultural e o comportamento socialmente estruturado.4
em conformidade com a aposta dos autores acima que se iniciou uma investigao acerca
dos processos de ensino-aprendizagem da msica da Romaria do Divino Esprito Santo no litoral
paranaense, mais especificamente em Guaratuba e em Ilha de Valadares (municpio de Paranagu).
Assim sendo, foram abordados aspectos que podero colaborar no mbito da musicologia histrica,
da etnomusicologia e do estudo da msica e seu papel na evoluo da espcie humana e no
desenvolvimento humano.
A reviso de literatura sobre processos de ensino-aprendizagem em culturas de tradio oral
permitiram aportes tericos da etnomusicologia (Merriam, 1964; Rice, 2003), semitica (Nattiez,
2004) e da psicologia scio-histrica do desenvolvimento e do ensino-aprendizagem (Rogoff, 2005;
Vigotskii, 1998a).
A abordagem semitica de Nattiez (2004) foi usada como primeira ferramenta para o debruarse sobre o material musical propriamente dito. O material levantado pela reviso de literatura e pelo
trabalho etnogrfico feito em campo, analisado sob tal perspectiva, apontam para uma funo social,
tica e espiritual dessa prtica musical.

2. Na lngua portuguesa essas duas noes, de ensino e de aprendizagem, esto contidas em palavras separadas, o que
permite supor, por exemplo, que haja ensino sem aprendizagem ou o oposto. Portanto, concordando com as noes da
psicologia scio-histrica, adota-se aqui a terminologia ensino-aprendizagem por considerar que essas duas aes
esto sempre mutuamente implicadas, a despeito de estarem separadas na conceitualidade da lngua, sendo em verdade
somente perspectivas diferentes do mesmo fenmeno. No entanto, essa terminologia no consensual em todos os
aportes tericos aqui abordados.
3. No original: [] because it forms the link that makes the process of music making dynamic and ever-changing.
4. No original: [] has provided an important lens through which ethnomusicologists have come to understand human
cognition, cultural expression, and socially structured behavior.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 158-172 | jul.dez 2011

159

RAMOS, Carlos Eduardo de Andrade Silva e

O dilogo aqui proposto entre a etnomusicologia e a psicologia scio-histrica mostrou-se


profcuo. A principal contribuio oferecida nesse caso est na proposta de compreenso da
funo da voz de tiple no processo de ensino-aprendizagem a partir do conceito de zona de
desenvolvimento proximal (Vigotskii, 1998a), e seu dilogo com os estudos sobre etnomusicologia
do ensino-aprendizagem.5
Assim sendo, compreender o ensino-aprendizagem da msica da Folia do Divino contribui
em nvel local para o aprofundamento do conhecimento sobre a cultura e o desenvolvimento
humano das comunidades litorneas do estado do Paran. Por outro lado, em nvel global alinhase s investigaes acerca do papel da msica no desenvolvimento humano, e em suma, no
papel da msica na construo da vida.

a Folia
do Divino
no litoral
paranaense e
sua msica

A Folia do Divino uma romaria musical na qual um grupo de msicos folies empreende
um itinerrio (em geral muito extenso) no qual se visita casa por casa dos devotos do Divino
Esprito Santo da regio. Nessas visitas se faz um curto ritual no qual a msica tem intensa
participao.
Esse ritual serve para promover uma visita do Divino a cada casa, e tambm parte de um
sistema arrecadatrio e de trocas, servindo tanto para manter os folies durante o longo itinerrio
quanto para ajudar a financiar a Festa do Divino. Essa ltima rene toda a comunidade no final
do perodo, iniciado pela Pscoa e terminado em Pentecostes. Assim sendo, normalmente o
itinerrio da folia dura em mdia trs meses.
Apresentando um glossrio bsico sobre os folies, tm-se algumas definies encontradas
tanto na literatura (Marchi, 2006, p. 95) quanto no trabalho de campo, referente folia do litoral
paranaense. o mestre aquele que toca a viola6 e faz a voz principal. O tenor ou contrato7
aquele que canta a segunda voz, uma tera acima do mestre. O rabequeiro tem a funo em geral
exclusiva de tocar a rabeca. O tipe ou tiple8 quem canta a voz mais aguda aos finais de frase,
e muito comentado na literatura e pelos folies o costume de uma criana cantar essa voz.
Esse aspecto da participao infantil mostrou-se como um ponto crucial para se compreender os
processos de ensino-aprendizagem, e ser o foco das construes tericas aqui desenvolvidas.
A caixa, por sua vez, pode ser tocada pelo tipe ou tenor/contrato, e no caso de haver uma pessoa
especfica para toc-la nomeia-se o mesmo como caixeiro.
Em termos de forma musical temos uma chegada na qual as letras so improvisadas a
partir de trs formas bsicas relatadas pelo mestre Naico (Jorge Tavares de Freitas, de Guaratuba).
possvel afirmar que o toque dos instrumentos e mesmo a conduo meldica das vozes so
sempre os mesmos para essa parte.
Logo depois cantam um agradecimento e este funciona da mesma maneira que a
chegada. Apesar das bases das letras serem diferentes, os toques so os mesmos.

5. necessrio considerar que a investigao ainda se encontra em andamento e parte do mestrado desenvolvido junto
Universidade Federal do Paran. Por isso apresenta resultados no conclusivos, no entanto bastante esclarecedores.
6. Todos os instrumentos da folia so construdos pelos prprios folies ou ao menos por construtores nativos da regio.
7. Trata-se de uma variao da palavra contralto, a voz feminina grave na definio musical erudita.
8. Essa nomenclatura em especial deixa clara a origem ibrica da tradio. Palavra em total desuso em outros contextos
da lngua portuguesa, de acordo com o DicionrioHouaiss (2001), tiple um arcasmo que significa exatamente a mais
aguda das vozes humanas e sua etimologia remonta Espanha do sculo XVI.

160

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 158-172 | jul.dez 2011

Ensino-aprendizagem da msica da Folia do Divino no litoral paranaense: dilogos entre


etnomusicologia e psicologia scio-histrica a partir do trabalho de campo

Finalmente h uma despedida que consiste em outras melodias, condues de vozes,


acompanhamentos, etc. Em Guaratuba est dividida em dois tipos: a despedida nova e a
velha (diversas musicalmente tanto entre si quanto em relao s anteriores).
A transcrio a seguir foi feita a partir das gravaes feitas em campo em Guaratuba.9

FIGURA 1
Transcrio atual da msica da Folia do
Divino executada em Guaratuba.

9. Frise-se que a transcrio no tem nenhuma pretenso alm de simplesmente mapear os eventos musicais para visualizao da
ordem e da forma, ajudando na compreenso dessa msica. Deve-se considerar que a parte da rabeca, principalmente quando
acompanha a polifonia, traz variaes difceis de serem transcritas de forma estrita dada a qualidade das gravaes. Sendo
assim, o que consta na transcrio referente a esses momentos, em alguns casos, foi completado, no sendo a transcrio
exata. As vozes e a rabeca tambm trazem ornamentaes e detalhes de afinao muito ricos que tambm no constaro na
partitura.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 158-172 | jul.dez 2011

161

RAMOS, Carlos Eduardo de Andrade Silva e

FIGURA 2
Continuao da transcrio atual da
msica da Folia do Divino executada em
Guaratuba.

etnografia e
reviso de
literatura

O principal instrumento de coleta de dados da presente investigao utiliza orientao,


referenciais e tcnicas provenientes da etnografia, a partir das definies de Rockwell (1987).
A autora faz um extenso estudo das aplicaes da metodologia etnogrfica na investigao de
processos de ensino-aprendizagem, o que muito vem a calhar ao presente trabalho, mesmo que
ela no aborde exatamente a msica.
Os trabalhos empricos de campo, que envolveram contato direto com a msica, foram
basicamente dois, descritos a seguir.10

10. O momento atual da pesquisa inclui ao menos mais quatro idas a campo, em uma experincia etnogrfica mais
profunda que a descrita na ocasio do presente artigo. A experincia acumulada, no entanto, vem confirmando e
aprofundando os resultados aqui propostos.

162

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 158-172 | jul.dez 2011

Ensino-aprendizagem da msica da Folia do Divino no litoral paranaense: dilogos entre


etnomusicologia e psicologia scio-histrica a partir do trabalho de campo

Em Guaratuba, passou-se uma tarde acompanhando a folia, bem como gravando a


msica. O Mestre Naico o contato com a folia de Guaratuba.
J em Paranagu (Ilha de Valadares), foi feita uma visita Associao Cultural
Mandicuera (atravs do contato com Mestre Aorlio Domingues, que coordena a associao)
com interesse j direcionado para a msica da Folia do Divino, que resultou em muito dilogo,
bem como numa execuo musical particular, fora do contexto da romaria, com intuito de
apresentar a msica ao pesquisador.
Houve outras visitas para manter tais contatos nas duas cidades, bem como para
conversar com os mestres. Essas tambm foram imprescindveis para se compreender
alguns aspectos mesmo musicais.
necessrio considerar tambm os dados levantados pela reviso de literatura,
anteriores ao campo emprico, pois cooperaram para uma melhor contextualizao do objeto
de estudo, tendo sido levantadas informaes importantes para a compreenso da trajetria
histrica dessa tradio. Entrementes, encontrou-se um registro musical histrico (uma
transcrio descritiva da folia de Guaratuba) (Zili, 1976, p. 13) que foi analisado e comparado

FIGURA 3
Transcrio histrica datada de 1930 (Zili,
1976, p. 13).

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 158-172 | jul.dez 2011

163

RAMOS, Carlos Eduardo de Andrade Silva e

com as prticas musicais encontradas hoje em dia em campo. Tal reviso tambm ofereceu uma
noo das condies atuais da produo acadmica acerca dos temas abordados no presente
trabalho.

Em relao s escolhas de ferramentas conceituais para abordar a alteridade musical


optou-se analiticamente pela semitica proposta por Nattiez (2004, p. 5-30). As vantagens dessa
opo se baseiam no pressuposto da insero do material musical em um sistema semitico
cultural. Evita-se isolar o aspecto sonoro dos outros nveis de significao. Ruiz (2000, p. 100)
comenta sobre os usufrutos que a etnomusicologia faz das ferramentas da lingustica, o quanto
isso comum e vlido, corroborando as opes do presente trabalho.

resultados
da anlise
semitica

Essa metodologia adotada11 permitiu abordar vrios aspectos de suma importncia


para a continuidade da pesquisa, dentre eles: a inseparabilidade entre msica e vivncia de
presentificao do Divino Esprito Santo; a pertinncia simblica da bemolizao12
notas alteradas da partitura de 1930 ainda executadas em Valadares e Guaratuba; aspectos
signalticos e simblicos do toque da caixa na sua funo dentro do ritual musical; corporalidade
e espacialidade em relao direta com a msica a partir da tipologia tripartite de Nketia (1963 apud
Nattiez, 2004, p. 12-14) e Agawu (1995 apud Nattiez, 2004, p. 12-14); a msica da despedida e
seu envolvimento com as relaes de troca concretas e simblicas na comunidade; o simbolismo
musical especfico da despedida velha; a msica da folia como smbolo que define papis a
partir do conceito de mscaras nuas do povo dan (Nattiez, 2004, p. 17); e ainda possveis
aspectos de simbolismo identitrio nos eixos de Guaratuba e Paranagu.

o conceito de
informalidade
do ensinoaprendizagem
musical em Rice
(etnomusicologia) e o papel
da observao
e participao
para Rogoff
(psicologia
scio-histrica)

Pode-se afirmar que a tradio musical da Folia do Divino no vem sendo passada pelas
geraes a partir de metodologias formais. Sequer um papel e/ou funo pessoal de ensinar a
msica da folia parece estar previsto ou presente.
Esse dado deveras intrigante ao considerar os aspectos j analisados, principalmente em
relao forma musical, questo da bemolizao13 e as constataes histricas da presente
investigao, que demonstram a estabilidade do material musical.
Para Rice (2003, p. 72-73), a observao e a autoinstruo a partir de gravaes ou escrita
musical so o cerne do funcionamento dos processos informais de aprendizagem musical.
Considerando que, no caso da folia, no h escrita que auxilie no processo, e no foi observado
uso de gravaes, o foco cai sobre a observao e a autoinstruo.

11. O foco da anlise empreendida a partir dos dados levantados se manteve na manifestao da cidade de Guaratuba, pois ali
ocorreu o trabalho de campo mais consistente at agora.
12. Trata-se de um fenmeno que se d na conduo meldica das trs vozes, bem como da rabeca. possvel identific-lo
tanto ao ouvir as cantorias de Guaratuba e Paranagu, em campo e no documentrio de Marchi e Osaki (2008), quanto na fonte
histrica da partitura registrada em 1930. Esse fenmeno ser denominado por hora de notas alteradas, ou bemolizao.
Sublinhe-se que tal passagem sempre acompanhada de uma leve diminuio no andamento, o que sublinha e refora o efeito
desses acidentes. Comparando a transcrio do agradecimento gravado em campo (ver Figuras 1 e 2) com a partitura de
1930 (ver Figura 3) possvel identificar o mesmo fenmeno. Este abaixa em mais ou menos meio tom certas alturas da melodia,
que criam um efeito harmnico e/ou modal muito caracterstico. Tais passagens podem ser observadas na terceira linha do
Cntico dos Folies da transcrio de Zili (1976, p. 13), e a partir do compasso 27 da transcrio produzida nesta investigao.
Esse fenmeno merece um estudo pormenorizado, que apesar de no convir ao presente artigo, j foi desenvolvido e parte da
dissertao do mestrado que est em andamento.
13. Ver nota de rodap anterior.

164

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 158-172 | jul.dez 2011

Ensino-aprendizagem da msica da Folia do Divino no litoral paranaense: dilogos entre


etnomusicologia e psicologia scio-histrica a partir do trabalho de campo

Rogoff (2005, p. 62) coloca a observao e a participao em atividades comunitrias


como primordiais para todo e qualquer processo de desenvolvimento humano. Desde objetivos
e reas diferentes do saber, os dois autores concordam com o fato de que a observao tem
funo bsica nos processos de ensino-aprendizagem. De acordo com Rogoff (2005, p. 62), a
constatao de Rice pode ser considerada como a observao desse fenmeno anterior, que diz
respeito a todo e qualquer tipo de ensino-aprendizagem humanos: todas as crianas aprendem
a partir da observao e da participao em atividade comunitria.
Por outro lado, Rice (2003, p. 78) introduz a ideia de que os mtodos de ensinoaprendizagem esto intimamente ligados natureza dessa msica enquanto uma manifestao
cultural articulada dentro de hbitos e tradies especficas.
Tais colocaes atentam a presente pesquisa a considerar que a natureza informal do
processo de ensino-aprendizagem na tradio da Folia do Divino est diretamente relacionada,
implicando e sendo implicada pelo lugar e funo social e simblicos que essa msica ocupa na
tradio e nas vidas daqueles que a compartilham, tal como ser desenvolvido a seguir.

Rice (2003, p. 77) aponta para as vantagens da informalidade no ensino-aprendizagem


em algumas tradies musicais e a caracteriza como focada na observao e imitao, uso de
gravaes e aquisio de conceitos abstratos sobre a msica em questo. No caso da romaria
deve-se considerar ainda os aspectos de leveza, descontrao, incentivo e no diretividade dos
mtodos informais (Rice, 2003, p. 78), a partir do que foi constatado em campo, na literatura e no
documentrio de Marchi e Osaki (2008). Mas o fato de se estabelecerem mtodos informais na
folia tampouco deve ser entendido como obra do mero acaso, e aqui se deve enfatizar a relao

a funo da
informalidade
inseparabilidade
entre msica,
devoo
e ensinoentre ensino-aprendizagem musicais, religiosos, simblicos e sociais. (Rice, 2003, p. 65-81)
aprendizagem a
partir de Rice
O autor reafirma em vrios trechos essa inter-relao entre mtodo e outras instituies
culturais e mesmo o estatuto da msica para a comunidade cultural em questo. Dentre esses
trechos, merecem ser citados: quando o autor escreve que o aprendizado musical muitas
vezes tambm o aprendizado de princpios ticos fundamentais, responsabilidade, confiana,
entre outras coisas (Rice, 2003, p. 81); quando comenta que o ensino-aprendizagem musical
crucial no somente para a absoro e transmisso de conhecimento tcnico e esttico, mas
na criao e manuteno de sistemas culturais, sociais, polticos e econmicos nos quais as
atividades musicais esto inseridas (Rice, 2003, p. 65); quando escreve claramente que os
contextos institudos para o aprendizado musical encontrados em uma dada sociedade se
refletem e implicam outras instituies sociais, tais como a religio, os processos de iniciao,
e o lugar da msica na vida cultural e social (Rice, 2003, p. 73); e por fim, quando comenta que
nas comunidades onde existem mtodos formais e informais de ensino de msica, em geral o
prestgio e maior valorizao dos msicos estaro relacionados ao tipo de aprendizado ao qual
eles se submeteram (Rice, 2003, p. 73).
Na folia, o processo de ensino-aprendizagem musical, mas tambm concomitantemente
simblico, devocional, e ainda insere os sujeitos em prticas sociais de camaradagem e trocas
tanto concretas quanto simblicas, tal como demonstra o artigo de Gonalves e Contins (2008) e
tal como foi experienciado em campo.
Essas relaes de troca e camaradagem estabelecidas, que provavelmente consistem num
amlgama social muito importante para as populaes alcanadas pela folia, se mesclam com

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 158-172 | jul.dez 2011

165

RAMOS, Carlos Eduardo de Andrade Silva e

a msica principalmente a partir da forma musical, conforme demonstrou a anlise semitica


desenvolvida no presente trabalho.
O material musical e sonoro est no somente ligado de forma ntima experincia de
presentificao do Divino nas visitas, mas tambm experincia de formao devocional dos
msicos romeiros que esto imbudos dessa funo. Nesse sentido, a formao musical e
devocional dos msicos da romaria se misturam, e o presente trabalho levanta a hiptese de
que talvez sejam uma s e mesma experincia. O relato de Naico sobre a iluminao na qual
ele foi incumbido de ser folio e mestre14 e o contexto no qual a iluminao se deu, articulado a
todo o material consideravelmente contraditrio surgido em campo diante do questionamento do
pesquisador sobre como eles ensinavam a msica, apontam nesse sentido.
Portanto a hiptese se esboa considerando que a msica aqui est intrincada, enovelada,
amalgamada ao nvel simblico-devocional da experincia durante todo o percurso de vida dos
msicos romeiros. Separar o dado musical do devocional na forma de um ensino sistematizado
e formalizado simplesmente desestruturaria a experincia de formao musical/devocional do
folio.
No entanto, est pressuposta aqui uma concluso sumria: o momento em que o folio
vive a iluminao (descrito por Naico e a esposa)15 coaduna-se com um momento em que
ele se d conta de que pode tocar essa msica, e, no caso de um mestre (que envolve tarefas
extramusicais), de que ser capaz de arcar com as responsabilidades desse papel.
Rice (2003, p. 81, traduo minha) nos traz outras ideias interessantes no sentido da
articulao existente entre os mtodos de ensino-aprendizagem musical e as outras instituies
e prticas sociais:
Uma srie de etnomusiclogos tem aprendido importantes lies culturais de suas lies
musicais. O professor de Bakan, chamado Sukarata, mostrou-lhe atravs de execues
musicais que, pelo menos entre os percussionistas balineses, a verdadeira experincia
musical a experincia de confiana, que somente quando aprendemos a confiar um no
outro, para a dissoluo na realizao de nossa humanidade compartilhada, a msica ser
finalmente tocada. John Miller Chernoff descreve uma particular e reveladora performance
musical na qual ele se d conta de que o que estava jogo, em uma performance de msica
dagomba, no era proficincia tcnica ou expressividade emocional, mas certos princpios
ticos fundamentais. Entre estes estavam a pacincia e o equilbrio atravs do dilogo como
forma de superar o exagero e isolamento.16

14. Caderno de campo: Relato 7, visita de 18 de dezembro de 2010.


15. Ver nota anterior.
16. No original: A number of ethnomusicologists have learned important cultural lessons from their music lessons.
Bakans teacher, Sukarata, showed him through performance that, at least among Balinese drummers, the true musical
experience is the experience of trust, that only when we learn to trust one another, to dissolve in the realization of our
shared humanity, will the music finally play. John Miller Chernoff describes a particular, revelatory performance of his in
which he comes to realize that what was at issue in a performance of Dagomba music was not technical proficiency or
emotional expressiveness, but certain fundamental ethical principles. Among these were patience and balance through
dialogue as ways to overcome overstatement and isolation.

166

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 158-172 | jul.dez 2011

Ensino-aprendizagem da msica da Folia do Divino no litoral paranaense: dilogos entre


etnomusicologia e psicologia scio-histrica a partir do trabalho de campo

O ensino-aprendizagem da Folia do Divino parece ter o papel de formao musical,


devocional, simblica, de habilidades culturais e de insero em prticas sociais de camaradagem,
intercmbio e ddiva, que provavelmente foram imprescindveis para a manuteno histrica
das populaes dessa regio litornea. uma msica que move os folies a caminharem
durante trs meses visitando casas de famlias alheias e distantes para promover um evento de
beno e presentificao do Divino Esprito Santo, bem como de trocas efetivas,17 simblicas,18
e prticas19 .
Possivelmente formam um conjunto de prticas culturais que foram essenciais para a
sobrevivncia e a criao e manuteno da vida cultural em um ambiente pouco hospitaleiro e
de difcil acesso, tal como era Guaratuba em seus primrdios.

Existe um conceito central para a abordagem do desenvolvimento humano dentro da


psicologia scio-histrica, fundada historicamente pelos autores Vigotskii, Luria e Leontiev.
Atualmente, Rogoff (2005) retoma tal conceito, que proporcionar ao presente trabalho uma
possvel compreenso do papel do tiple na Folia do Divino em sua relao com crianas e
jovens.
A noo de zona de desenvolvimento potencial coloca o aspecto cultural no centro das
atenes para a compreenso do desenvolvimento humano. Sintetizando tal conceito, o autor
escreve: O que uma criana capaz de fazer com o auxlio dos adultos chama-se zona de seu
desenvolvimento potencial. (Vigotskii, 1998a, p. 112) Tal concepo meritria de se articular e
permitir uma viso de humanidade que vislumbra a cultura no em oposio biologia, mas
sim em dilogo e interdependncia permanente. O autor sovitico, ao tentar se desvencilhar de
teorias desenvolvimentistas anteriores, de concepes cumulativas e pouco dialgicas, escreve:
A diferena substancial no caso da criana que esta pode imitar um grande nmero de
aes seno um nmero ilimitado que supera os limites da sua capacidade atual. Com

a funo musical
e pedaggica
do tiple, sua
relao com o
conceito de
zona de desenvolvimento
proximal
(ou potencial)
em Vigotskii
e o papel da
imitao para a
etnomusicologia

o auxlio da imitao na atividade coletiva guiada pelos adultos, a criana pode fazer muito
mais do que com a sua capacidade de compreenso de modo independente. A diferena
entre o nvel das tarefas realizveis com o auxlio dos adultos e o nvel das tarefas que podem
desenvolver-se com uma atividade independente define a rea de desenvolvimento potencial
da criana. (Vigotskii, 1998a, p. 112).

possvel dizer ento que essa capacidade infantil de imitar uma gama praticamente infinita
das aes dos adultos fundamental para se compreender a condio humana. A plasticidade
tanto do desenvolvimento individual como da espcie humana em sua plena diversidade cultural
s so possveis por conta dessa capacidade. A compreenso scio-histrica de como a cultura
se relaciona de forma direta e interdependente com o desenvolvimento biolgico tambm

17. Ofertas, pouso e almoo.


18. Agradecimento e pedido de ddivas ao Divino.
19. Trocam-se informaes de todo tipo, conversa-se sobre os problemas e as formas encontradas para resolv-los,
articulam-se encontros e comunicaes, etc.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 158-172 | jul.dez 2011

167

RAMOS, Carlos Eduardo de Andrade Silva e

depende do conceito de zona de desenvolvimento potencial. Rogoff (2005, p. 65) compartilha


dessa viso de ser humano biologicamente cultural quando escreve que
os seres humanos nascem com uma estratgia auto-reguladora para obter conhecimento por
meio da negociao humana e da ao cooperativa [] Dessa forma, a socializao to
natural, inata ou biolgica para o crebro humano como respirar ou caminhar.

Considera-se a cultura como outro nvel ou aparato de adaptao do homem ao seu


ambiente em sua forma mais concreta. Na mesma linha de raciocnio, a cultura entendida como
constitutiva da condio mesmo biolgica do ser humano. No h desenvolvimento biolgico
pleno do sistema neurolgico e nervoso se o indivduo humano no est compartilhando cultura,
e assim sendo, a zona de desenvolvimento potencial exatamente o grande condutor e motor
desse desenvolvimento, sempre frente da capacidade independente do indivduo. Por outro
lado, o sistema neurolgico humano especializado para a cultura. O crebro humano nesse
sentido um rgo que surge biologicamente para comportar e proporcionar o nvel cultural que
caracteriza nossa condio.
A respeito disso, e articulando com a imitao tal como ela surge de forma diferenciada na
humanidade, Vigotskii (1998a, p. 114, grifo do autor) escreve:
[] o desenvolvimento das funes psicointelectuais superiores na criana, dessas funes
especificamente humanas, formadas no decurso da histria do gnero humano, um processo
absolutamente nico. Podemos formular a lei fundamental deste desenvolvimento do seguinte
modo: Todas as funes psicointelectuais superiores aparecem duas vezes no decurso do
desenvolvimento da criana: a primeira vez, nas atividades coletivas, nas atividades sociais, ou
seja, como funes interpsquicas: a segunda, nas atividades individuais, como propriedades
internas do pensamento da criana, ou seja, como funes intrapsquicas.

Assim sendo, a zona de desenvolvimento potencial a interseco que permite uma


internalizao ou apropriao de funes que no esto acessveis num primeiro momento,
considerando as condies atuais do mesmo indivduo. Por outro lado, esse gnero de imitao
prprio da criana humana imprescindvel para o desenvolvimento. Qualquer outro animal s
pode imitar aes que entram no campo de sua efetiva capacidade potencial e est limitado por
seu desenvolvimento biolgico (Vigotskii, 1998a, p. 112).20 Na condio humana essencialmente
cultural, o aparato biolgico permite uma apropriao da cultura, que provoca desenvolvimento
do aparato biolgico, que por sua vez permite a apropriao de outros elementos e prticas
culturais, promovendo contnuo desenvolvimento do aparato biolgico, e assim sucessivamente.
Essa direo, do interpsiquismo ao intrapsiquismo, tal como escreveu Vigotskii, o sentido das
apropriaes individuais que proporcionam seu desenvolvimento nas prticas de uma dada
comunidade. Por sua vez, cada indivduo, com seu caminho nico no desenvolvimento, promove
modificaes e adaptaes nas prticas culturais, surgindo assim a imensa diversidade verificada
em nosso mundo.

20. Vigotskii caracteriza como fundamental da condio humana o fato de que pensamento e linguagem servem de
ferramentas um ao outro, e isso seria completamente inovador na histria da vida em nosso planeta. Para adentrar essa
temtica, o presente trabalho remete o leitor para a obra Pensamento e linguagem (Vygotski, 1998b).

168

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 158-172 | jul.dez 2011

Ensino-aprendizagem da msica da Folia do Divino no litoral paranaense: dilogos entre


etnomusicologia e psicologia scio-histrica a partir do trabalho de campo

A maneira como pensamento e linguagem se apresentam, se articulam e se relacionam no


ser humano completamente diferente de como se d em outros animais (Vygotski, 1998b)21 e
tambm imprescindvel para se compreender essa capacidade de imitao, e, por conseguinte,
o grande motor do desenvolvimento que seria a zona de desenvolvimento potencial.
J em Leontiev (1998, p. 121-122), esses mesmos aspectos so tratados ao se debruar
sobre a brincadeira e o jogo tal como se apresentam no ser humano:
A criana quer, ela mesma, guiar o carro; ela quer remar o barco sozinha, mas no pode
agir assim, e no pode principalmente porque ainda no dominou e no pode dominar as
operaes exigidas pelas condies objetivas reais da ao dada.
Como se resolve esta contradio, a discrepncia entre sua necessidade de agir, por um lado,
e a impossibilidade de executar as operaes exigidas pelas aes, por outro? Pode esta
contradio ser resolvida? Ela pode ser solucionada, mas, para a criana, apenas por um
nico tipo de atividade, a saber, a atividade ldica, em um jogo. Isto se deve ao fato de que um
jogo no uma atividade produtiva; seu alvo no est em seu resultado, mas na ao em si
mesma. O jogo est, pois, livre do aspecto obrigatrio da ao dada, a qual determinada por
suas condies atuais, isto , livre dos modos obrigatrios de agir ou de operaes.

Seguindo o raciocnio anteriormente apresentado por Vigotskii, a zona de desenvolvimento


potencial constituda por aquelas atividades que a criana consegue executar com a ajuda de
outro indivduo que j tem essa capacidade desenvolvida. No entanto, de acordo com Leontiev,
o objetivo dessa atividade para a criana e para o outro indivduo so diferentes e isso deve ser
considerado. A funo do brincar no est no resultado, mas na ao em si mesma, enquanto
que no universo adulto, a funo da atividade imitada pela criana gerar um resultado na
realidade. exatamente essa diferena que permite uma execuo mimtica, por assim dizer, de
algo que na verdade a criana no domina.
A etnomusicologia do ensino-aprendizagem tambm vem atinando para o estatuto da
imitao nas vrias tradies musicais. Merriam (1964, p. 145-163) dedica o oitavo captulo
de sua obra The anthropology of music aos processos de ensino-aprendizagem musical e sua
importncia para todo o campo de conhecimento da musicologia. Ao abordar as possibilidades
de universalizao dos saberes construdos pela etnomusicologia sobre tal tema, esbarra na
ubiquidade da imitao a partir de inmeros exemplos de pesquisas anteriores: H, no entanto,
evidncias que indicam que a imitao constitui uma parte importante do aprendizado musical
e que pode muito bem ser um primeiro passo universal no processo.22 (Merriam, 1964, p. 148,
traduo minha). O autor reafirma em outros trechos a universalidade da imitao, encontrada
nas etapas iniciais do processo de ensino-aprendizagem musical (Merriam, 1964, p. 147-150).
possvel considerar que tal constatao est em conformidade com as concluses da psicologia
scio-histrica sobre o papel da imitao no desenvolvimento humano.

21. Vigotskii caracteriza como fundamental da condio humana o fato de que pensamento e linguagem servem de
ferramentas um ao outro, e isso seria completamente inovador na histria da vida em nosso planeta. Para adentrar essa
temtica, o presente trabalho remete o leitor para a obra Pensamento e linguagem (Vygotski, 1998b).
22. No original: There is, however, considerable evidence to indicate that imitation forms an important part of music
learning and that it may well be a universal first step in the process.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 158-172 | jul.dez 2011

169

RAMOS, Carlos Eduardo de Andrade Silva e

No obstante, Rice (2003, p. 79-81) tambm chama a ateno para o surgimento da imitao
em vrios trabalhos da etnomusicologia do ensino-aprendizagem, principalmente ao tratar de
mtodos formais e informais (Rice, 2003, p. 75). Ao abordar o que ele chamou de tradies
musicais aprendidas mas no ensinadas, o autor nomeia o processo a envolvido como auralvisual-ttil, sendo sua base cognitiva e comportamental a observao e a imitao (Rice, 2003,
p. 77).
Voltando-se para o presente objeto de estudo, o tiple seria um espao que convida a
criana a participar da romaria de forma descompromissada. As funes musicais trazem muitas
caractersticas a favor das condies da criana, no entanto um espao de aprendizado mais
que musical tal como a presente investigao vem apontando. O adulto por sua vez desempenha
a funo de tiple com o objetivo real23 da romaria. Nesse sentido o tiple seria um espao para a
imitao passvel de ser compreendido sob as noes da psicologia scio-histrica.
Vigotskii (1998a, p. 112) praticamente resume a condio da participao das crianas na
voz do tiple quando coloca que, com o auxlio da atividade coletiva guiada pelos adultos, e
imitando essa atividade, a criana consegue fazer muito mais do que com a sua capacidade
independente. A criana ainda no consegue desempenhar o papel de tiple, mas pode,
convidada e incentivada a imit-lo.
possvel retomar tambm a noo de Vigotskii (1998a, p. 114) de que as funes ditas
superiores surgem duas vezes no decurso do desenvolvimento da criana. A partir da imitao
proposta na atividade ldica de acompanhar o tiple, muitas funes psicointelectuais superiores
esto surgindo primeiro em atividades coletivas, sociais e interpsquicas. Nesse sentido, a figura
do tiple reserva um espao seguro e adaptado para o interpsiquismo da criana com os adultos.
Explorando a experincia infantil de acompanhar o tiple, observa-se o que foi escrito por
Leontiev sobre a atividade ldica e seu papel no desenvolvimento. Tal como a criana que quer
guiar o carro ou remar o barco, mas no pode ainda dominar as operaes exigidas para tal
(Leontiev, 1998, p. 121), pode-se supor que a criana tiple quer ela mesma fazer parte da romaria,
visitar outras casas, percorrer o itinerrio, compartilhar a f, etc. No entanto, impossvel para
as condies dessa criana executar plenamente todas as atividades exigidas para a plena
realizao da romaria.
No que diz respeito aos aspectos estritamente musicais, impossvel para ela executar
a folia, que envolve o domnio da estrutura musical, o domnio tcnico de um instrumento, a
compreenso mnima da funo de cada instrumento na msica, a capacidade de participar
de simultaneidades musicais de forma reflexiva, as capacidades rtmicas complexas tal como
as exigidas nas passagens de aggica e no tipo de estrutura rtmica da caixa, dominar ainda
a linguagem literria e musical da folia para improvisar a letra, isso somente para citar alguns
exemplos.
Eis que a surge o convite para que a criana acompanhe o tiple na regio de sua casa.
Nessa atividade a criana: imita a linha meldica do adulto que a canta; imita a letra da melodia

23. Dentre tais objetivos, tal como j comentado, temos por exemplo: levar o Divino s casas, viver a devoo, estabelecer
e fazer a manuteno de relaes, percorrer grandes distncias, passar um longo perodo longe de casa e exposto
a condies imprevistas, intempries, expor-se a relaes sociais complexas (questo de divergncias religiosas por
exemplo)

170

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 158-172 | jul.dez 2011

Ensino-aprendizagem da msica da Folia do Divino no litoral paranaense: dilogos entre


etnomusicologia e psicologia scio-histrica a partir do trabalho de campo

que o mestre acabou de improvisar; est em contato direto e acompanha o adulto na forma e
estrutura temporal dessa msica, sem as quais no seria possvel se localizar na temporalidade
musical; canta numa regio aguda, a mais confortvel de todas naquela diviso em trs vozes
para uma criana; consequentemente est em contato com a polifonia e experimenta a prtica de
cantar uma melodia com alturas diferentes daquelas de seus companheiros musicais, no entanto
no oferecendo grandes variaes meldicas para a criana, alm de se repetir melodicamente
tanto na chegada como no agradecimento. E para completar ainda compartilha experincias
simblicas, devocionais e sociais de troca e camaradagem.
Por outro lado, pode-se analisar quais so as dificuldades, o que musicalmente aprendido
pela criana enquanto brinca com a voz do tiple. A entrada do tiple a mesma da polifonia, e
isso se d no que pode ser chamado de clmax da msica, quando surgem os elementos mais
marcantes de aggica e exatamente quando surge o fenmeno chamado na presente pesquisa
de bemolizao, inclusive podendo ser interpretada a aggica nesse caso como uma forma de
enfatizar esse momento da msica. A anlise semitica permite supor que essa bemolizao
muito provavelmente esteja entre os smbolos musicais mais importantes para a presentificao
do Divino, dado sua permanncia histrica e geogrfica, e curiosamente justo o momento
exato em que a voz do tiple comea sua participao efetiva na msica. De fato, os registros
histricos encontrados nos demonstram que esse dado musical vem sendo transmitido ao
menos desde a dcada de 1930.
Ainda existe o nvel estritamente prtico, que no depende de um desenvolvimento musical,
mas que precisa tambm ser considerado. Alguns relatos (o conto da criana que desencarnou
(Marchi; Saenger; Corra, 2002, p. 269) e o relato em Valadares24) esclarecem que a criana s
acompanha a romaria na regio de sua casa, nunca saindo para todo o itinerrio da romaria, e
sem essa maleabilidade seria impossvel a participao da criana na folia.
A zona de desenvolvimento potencial pode ser entendida nesse espao ldico do tiple
na medida em que nele que esto contidas as principais diferenas entre o nvel de tarefas
realizveis com o auxlio do adulto (prevista na voz do tiple) e aquelas realizveis como atividade
independente (Vigotskii, 1998a, p. 112). Assim sendo, muito provavelmente nesse espao
ldico que esto se dando os principais passos do desenvolvimento musical para a execuo
da Folia do Divino, sem desconsiderar os outros desenvolvimentos relacionados ao mesmo
espao, que estariam formando a criana enquanto sujeito caiara rumo vida adulta.

A partir de Rogoff (2005, p. 62) e da psicologia scio-histrica como um todo, a observao


e a participao em atividade comunitria so cruciais para todo e qualquer processo de
ensino-aprendizagem. Por sua vez, Rice tambm coloca a observao e a participao, alm
da autoinstruo, como de importncia central para o ensino-aprendizagem informal em
msica. Merriam (1964, p. 147, 148, 150) chama a ateno para a ubiquidade da imitao como
estgio inicial do processo de ensino-aprendizagem musical em qualquer tradio. A zona de
desenvolvimento potencial, o estatuto da imitao e do brincar para a psicologia scio-histrica

concluses

24. Caderno de campo: Relato 2, visita de sbado, 22 de maio de 2010.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 158-172 | jul.dez 2011

171

RAMOS, Carlos Eduardo de Andrade Silva e

coopera para aprofundar a compreenso da participao das crianas na voz do tiple e seu
papel no ensino-aprendizagem musical da Folia do Divino.
Tentar compreender como esses elementos surgem e que implicaes tm em prticas
cotidianas de ensino-aprendizagem e desenvolvimento musical, em seus mais diversos contextos
(escolas, conservatrios, faculdades, ONGs, grupos amadores, etc.), pode ajudar a esclarecer os
caminhos que a educao musical vem seguindo. Por outro lado, o olhar etnolgico demonstra
que o fenmeno musical extrapola o dado sonoro, e isso tem implicaes no processo de ensinoaprendizagem.

referncias

DICIONRIO eletrnico Houaiss da lngua portuguesa. [Rio de Janeiro]: Objetiva, 2001. 1 CD-ROM.
GONALVES, J. R. S.; CONTINS, M. Entre o Divino e os homens: a arte nas festas do Divino Esprito Santo.
Horizontes Antropolgicos, ano 14, n. 29, p. 67-94, jan./jun. 2008.
LEONTIEV, A. N.; Os princpios psicolgicos da brincadeira pr-escolar. In: VIGOTSKII, L. S.; LURIA, A. R.;
LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. So Paulo: cone USP, 1998. p. 119-142.
MARCHI, L. Tocadores: Portugal Brasil: sons em movimento. Curitiba: Olaria, 2006.
MARCHI, L.; SAENGER, J.; CORRA, R. Tocadores: homem, terra, msica e cordas. Curitiba: Olaria, 2002.
MARCHI, L.; OSAKI, M. Divino: folia, festa, tradio e f no litoral do Paran. Documentrio. Curitiba: Olaria, 2008.
DVD. 28 min.
MERRIAM, A. P. The anthropology of music. Evanston: Northwestern University, 1964.
NATTIEZ,J. J. Etnomusicologia e significaes musicais. Per musi: Revista Acadmica de Msica, Belo Horizonte,
v. 10, p. 5-30, jul./dez. 2004.
RICE, T. The ethnomusicology of music learning and taching. College Music Symposium, Missoula, v. 43, p. 6585, 2003.
ROCKWELL, E. Reflexiones sobre el proceso etnogrfico (1982-85). Mxico: Centro de Investigacin y de Estudios
Avanzados del Instituto Politecnico Nacional, Departamento de Investigaciones Educativas, 1987. Disponvel em:
<http://www.trelew.gov.ar/web/files/LEF/SEM09-Rockwell-ReflexionessobreProcesoEtnografico.pdf>.

Acesso

em: 21 jul. 2010.


ROGOFF, B. A natureza cultural do desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2005.
RUIZ, I. Por qu estudiar todas las msicas? Una visin integradora desde la etnomusicologa para la superacin
de la segregacin musical en el mbito universitario, Resonancias, Santiago de Chile, v. 7, p. 96-104, 2000.
VIGOTSKII, L. S. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In: VIGOTSKII, L. S.; LURIA, A.

Recebido em
30/04/2011

R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. So Paulo: cone USP, 1998a. p. 103-117.

Aprovado em
26/06/2011

ZILI, L. E. Guaratuba de outrora. Boletim da Comisso Paranaense de Folclore, Curitiba, v. 2, ano 2, p. 8-13, out.

VYGOTSKI, L. S. Pensamento e linguagem. So Paulo: Martins Fontes, 1998b.

1976.

172

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | 158-172 | jul.dez 2011

ANA LCIA DE MARQUES E LOURO


doutora e mestre em Msica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e bacharel em
msica pela mesma universidade. professora adjunta da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
atuando no Departamento de Msica e no Programa de Ps-Graduao em Educao. Tem experincia na
rea de educao musical, atuando principalmente nos seguintes temas: interface identidade profissional
do professor-conhecimento experiencial do aluno e dilemas pedaggicos de professores de msica.

Dados dos
autores
Revista da
Abem 26

ANELIESE THNNIGS SCHNEMANN


mestre em Educao pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e bacharel em Msica
com Habilitao em Instrumento Piano pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Tem especializao em
Educao Musical na UPF, especializao em Musicoterapia pelo Conservatrio Brasileiro de Msica no
Rio de Janeiro. Tem experincia em musicalizao infantil e adulta, piano e teclado, canto coral e prtica em
conjunto instrumental e tambm em musicoterapia para a terceira idade e reabilitao. Ministra oficinas de
msica na temtica da aprendizagem musical. Atuou como educadora musical na rede privada de ensino
em Carazinho e Porto Alegre.

CARLOS EDUARDO DE ANDRADE SILVA E RAMOS


mestrando junto Universidade Federal do Paran (UFPR), licenciado em Msica pela Escola de Msica
e Belas Artes do Paran (Embap-PR) e bacharel em Psicologia pela UFPR. Atualmente leciona Flauta
Doce na Embap-PR (professor colaborador) e integra o Consort de Msica Antiga da mesma instituio.
Foi bolsista da Fundacin Carolina no curso Musicologa para Protecin y Difusin del Patrimnio
Iberoamericano (Madrid, 2009) sob direo do musiclogo Ismael Fernandez de la Cuesta. Dirigiu e
integrou o grupo Endriago (pesquisa em msica medieval). Trabalhou por mais de dois anos na interface
msica/teatro (Academia CenaHum), bem como na docncia infantil e em projetos sociais (Coral das
Conchas Matinhos PR).

DOUGLAS RODRIGO BONFANTE WEISS


graduando em Msica no curso de Licenciatura Plena da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e
pesquisador na rea da educao musical. e bolsista Pibic do CNPq. Atua principalmente nos seguintes
temas: formao de professores, ensino supervisionado, identidades profissionais, estgio e relato de
experincia. Tambm atua como msico e professor de msica em Santa Maria, sendo que dentre outros
instrumentos o acordeom sua especialidade.

EDUARDO LUEDY MARQUES


mestre e doutor em Educao Musical pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). Licenciatura em
Msica pela Escola de Msica da mesma universidade. Professor adjunto do Departamento de Educao
da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs).

ELISA DA SILVA E CUNHA


mestre e doutora em Educao Musical pelo Programa de Ps-Graduao em Msica da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (PPGMUS/UFRGS). professora e coordenadora de Estgio do Curso
de Licenciatura em Msica do Centro Universitrio Metodista IPA. coordenadora geral do Projeto
Educacional Poema da OSPA (Orquestra Sinfnica de Porto Alegre) e assessora da Direo Artstica da
OSPA.

ETHEL BATRES
Pesquisadora e educadora musical guatemalteca. Doutoranda em investigao social com a tese
Creatividad y desarrollo por mdio de la msica. Magister Artium em Literatura Hispanoamericana.
Licenciada em Letras. Professora de educao musical, de educao primria e de educao pr-primria.
Professora nas Universidades Mariano Glvez e Rafael Landvar nas reas de literatura e educao musical.
Consultora na rea de educao artstica e musical no Ministrio da Educao. Produtora do programa
La magia de la msica na Rdio Universidade. Editora. Cofundadora e ex-presidente da filial guatemalteca
do Fladem. Atual presidente do Frum Latinoamericano de Educao Musical Fladem. Autora de nove
CDs para crianas e de 26 livros. Tem participado de cursos, congressos, seminrios de educao musical

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

173

e literatura infantil como assistente, oficineira, palestrante e conferencista na Guatemala e em inmeros


pases pelo mundo.

ILZA ZENKER LEME JOLY


doutora em Educao pela Universidade Federal de So Carlos (UFSCar) e mestre em Educao
Especial. Especialista em Musicoterapia pela Universidade de Ribeiro Preto (Unaerp). Graduada em
Letras pela Pontifcia Universidade Catlica de Campinas. Foi fundadora do Curso de Licenciatura em
Msica com habilitao em Educao Musical, tendo sido tambm uma das autoras do projeto pedaggico
do curso. Atuou com coordenadora do Curso de Msica entre 2003 e 2005, e atualmente professora de
diversas disciplinas da referida graduao. Atua tambm como professora do curso de Ps-Graduao em
Educao na linha de pesquisa Prticas Sociais e Processos Educativos. Participa como pesquisadora
do grupo de pesquisa Prticas Sociais e Processos Educativos, e lder do grupo de pesquisa Educao
Musical, Cultura e Comunidade.

JONAS TARCSIO REIS


mestrando (Bolsa Capes) no Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (PPGEdu/UFRGS). Especialista em Msica: Ensino e Expresso. licenciado em
Msica pelo Centro Universitrio Metodista (IPA) e licenciando em Filosofia. Integra o Grupo de pesquisa
e produo de material didtico do Programa de Ps-Graduao em Msica da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (PPGMUS/UFRGS). Faz parte do grupo de pesquisa Educao e Incluso/IPA/CNPq,
e do grupo de pesquisa EDUCAMUS do PPGEdu/UFRGS/CNPq. Fez parte do grupo de pesquisa GEMUS,
coordenado pela Dra. Esther Beyer. Atua como professor de msica na SEC-RS, no ensino fundamental,
mdio e na EJA. Participa como professor e regente do Grupo Musical LARCAMJE.

JORGE LUIZ SCHROEDER


mestre em Educao pela Faculdade de Educao e Doutor em Educao pela Faculdade de Educao,
todos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Bacharel em Msica (modalidade composio)
pelo Instituto de Artes. Coordenador do Grupo de Pesquisa Msica, Linguagem e Cultura Musilinc e
pesquisador do Laboratrio de Estudos sobre Arte, Corpo e Educao. Professor colaborador do Programa
de Ps-Graduao em Msica da Unicamp.

LEDA DE ALBUQUERQUE MAFFIOLETTI


mestre e doutora em educao pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e licenciada
em msica pela mesma universidade. professora da Faculdade de Educao/UFRGS, atuando no curso
de Pedagogia e no Programa de Ps-Graduao em Educao (Mestrado e Doutorado em Educao).
membro do Grupo de Pesquisa em Educao Infantil GEIN e lder do grupo de pesquisa Msica
e Educao, EDUCAMUS, ambos da Faculdade de Educao/UFRGS. membro do Conselho Fiscal
da Associao Brasileira de Educao Musical Abem (2009-2011). Desenvolve pesquisa na rea de
aprendizagem musical na infncia e formao de professores em educao musical.

MAGALI OLIVEIRA KLEBER


Magali Oliveira Kleber professora adjunta na Universidade Estadual de Londrina (UEL), nos cursos de
graduao e de ps-graduao em Msica. Graduada e especialista em Piano, doutora em Educao
Musical pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Msica pela Universidade
Estadual Paulista (Unesp). lder do grupo de pesquisa cadastrado no CNPq Educao Musical e
Movimentos Sociais, com a proposta de investigar as prticas musicais contextos da periferia urbana nas
esferas da educao formal e informal envolvendo polticas pblicas e o terceiro setor. Participa, desde
2004, do grupo de pesquisa Educao Musical e Cotidiano, da UFRGS, coordenado pela Dra. Jusamara
Souza e do grupo Laboratrio de Etnomusicologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
coordenado pelo Dr. Samuel Arajo. Atualmente, ocupa o cargo de presidente da Associao Brasileira
de Educao Musical (Abem) e faz parte do board da Community Music Activity da ISME International
Society for Music Education.

174

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

MARIA CAROLINA LEME JOLY


mestre em Educao, na rea de Metodologia do Ensino pela Universidade Federal de So Carlos
(UFSCar) e especialista em Musicoterapia pela Universidade de Ribeiro Preto (Unaerp). Possui graduao
em Licenciatura em Educao Artstica com habilitao em Msica pela Faculdade Santa Marcelina
(Fasm). Atualmente professora assistente do curso de Licenciatura em Msica com habilitao em
Educao Musical da UFSCar. Participa dos grupos de pesquisa Prticas Sociais e Processos Educativos
e Educao Musical, Cultura e Sociedade. Atua como professora, regente e violoncelista nos projetos
de extenso de Musicalizao e Formao de Orquestras da UFSCar. professora orientadora do Pibid/
UFSCar na rea de Msica.

MNICA DE ALMEIDA DUARTE


doutora em Educao pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora adjunta 4 do
Departamento de Educao Musical e do Programa de Ps-Graduao em Msica (Mestrado e Doutorado)
da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Dentre suas ltimas publicaes esto
Msica y modas. La creacin a travs de la teora de las representaciones sociales e Professores de msica
falando sobre msica: a anlise retrica dos discursos (Revista da Abem).

PATRICK SCHMIDT
Patrick Schmidt is an Associate Professor of Music Education at the Westminster College of the Arts of
Rider University in Princeton, US. He teaches courses in philosophy and sociology of music, research,
and secondary methods and Hip Hop. His most recent publications can be found in the following journals:
Arts Education Policy Review; Journal of Curriculum Theorizing; Philosophy of Music Education Review;
Action, Criticism, and Theory for Music Education; ABEM Journal in Brazil; Studies in Music of the University
of Western Ontario; the Finnish Journal of Music Education. He is currently co-editing a 2012 NSSE book
(Teachers College Press) and a special issue of the well-known education journal Theory into Practice.

SLVIA CORDEIRO NASSIF SCHROEDER


doutora em Educao pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e graduada em Letras e
Msica pela mesma universidade. Docente na Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto/
Universidade de So Paulo (FCLRP/USP), atuando na rea de formao esttica e musical do educador.
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Msica, Linguagem e Cultura Musilinc e do Laboratrio de Estudos
sobre Arte, Corpo e Educao Laborarte, tem trabalhado nas linhas de pesquisa Msica e Educao
e Msica e Linguagem.

VIVIANE BEINEKE
mestre e doutora pelo Programa de Ps-Graduao em Msica pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). Professora do Curso de Licenciatura e do Programa de Ps-Graduao da Universidade
do Estado de Santa Catarina (Udesc). Criou e implementou o Programa NEM Ncleo de Educao
Musical (www.ceart.udesc.br/nem) da Udesc, um programa que visa a criao de espaos para a educao
musical e a formao de professores para a escola pblica. Autora da coleo Canes do Mundo para
Tocar, com arranjos para grupo instrumental infanto-juvenil e do livro/CD/CD-ROM para crianas Lenga la
Lenga: jogos de mos e copos, publicado no Brasil, Uruguai e Portugal. Tem artigos publicados e trabalhos
apresentados em congressos nacionais e internacionais.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

175

Revista da
ABEM n 25
MDQMXQ

(GXFDFLyQ0XVLFDO6LJOR;;,SUREOHPiWLFDVFRQWHPSRUiQHDV
Violeta Hemsy de Gainza 
3RUXQFXUUtFXORFRQWUDKHJHPyQLFRGHODHGXFDFLyQPXVLFDODODP~VLFDHGXFDWLYD
Jos Luis Arstegui
(GXFDomRPXVLFDOQDIDPtOLDDVOyJLFDVGRLQYLVtYHO
Celson Gomes 
2PHQLQRGRYLROmRDHVFRODHDHGXFDomRPXVLFDOHPIDPtOLD
Regina Mrcia Simo Santos
3URFHVVRVGHDXWRDSUHQGL]DJHPHPJXLWDUUDHDVDXODVSDUWLFXODUHVGHHQVLQRGR
LQVWUXPHQWR
Marcos da Rosa Garcia

$HGXFDomRPXVLFDOQR3URMHWRGH%DQGDVH)DQIDUUDVGH6mR-RVp 6& WUrVHVWXGRV
GHFDVR
Mauro Csar Cislaghi 
(VWUDWpJLDPpWULFDYHUVXVHVWUDWpJLDPQHP{QLFDSRVLo}HVFRQWUDVWDQWHVRX
FRPSOHPHQWDUHVQRHQVLQRGHULWPR"
Caroline Caregnato 
3DUHQWDOLGDGHLQWXLWLYDHPXVLFDOLGDGHFRPXQLFDWLYDFRQFHLWRVIXQGDQWHVGD
HGXFDomRPXVLFDOQRSULPHLURDQRGHYLGD
Aline Carneiro
Betnia Parizzi

/DHQWRQDFLyQHQQLQ}VGH\DxRVXQHVWXGLRPXOWLFDVRV
Carla Lopardo
2SURIHVVRUGRFLFORGR(QVLQR%iVLFRHRSURIHVVRUGH$SRLRjH([SUHVVmR0XVLFDO
H'UDPiWLFDUHODo}HVHUHSUHVHQWDo}HVP~WXDVHPFRQWH[WRHVSHFtILFR8PHVWXGRGH
FDVR
Rui Manoel Bessa
Rui Manoel Ferreira
2FRUSRHPDomRDH[SHULrQFLDLQFRUSRUDGDQDSUiWLFDPXVLFDO
Wnia Mara Agostini Storolli 
(GXFDomRPXVLFDOHHGXFDomRLQWHJUDODP~VLFDQR3URJUDPD0DLV(GXFDomR
Maura Penna

'2&80(1726('(%$7(6
$H[SHULrQFLDGD$EHPQDFRRUGHQDomRGR*UXSR7pFQLFR0~VLFDQD(VFROD
Jusamara Souza

176

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

)RUWKHORYHRIFKLOGUHQPXVLFHGXFDWLRQDQGFXOWXUH
Patricia Campbell
(YDOXDUH[SHULHQFLDVGHFUHDWLYLGDGPXVLFDOHQHODXODLQIRUPHVREUHXQDOtQHDGH
LQYHVWLJDFLyQ
Ana Luca Frega

Revista da
ABEM n 24
VHWHPEUR

 3DUD 3HQVDUDSHVTXLVDHPHGXFDomRPXVLFDO
Luciana Del-Ben
0RWLYDomRSDUDSUiWLFDPXVLFDOQRHQVLQRVXSHULRUWUrVSRVVLELOLGDGHVGHDERUGDJHQV
GLVFXUVLYDV
Rosane Cardoso de Arajo
Clia Regina Pires Cavalcanti
Edson Figueiredo
'LYHUVLGDGHHIRUPDomRGHSURIHVVRUHVGHP~VLFD
Cristiane Maria Galdino de Almeida
$IRUPDomRPXVLFDOGHSURIHVVRUHVXQLGRFHQWHVXPHVWXGRHPFXUVRVGHSHGDJRJLDGR
5LR*UDQGHGR6XO
Alexandra Silva dos Santos Furquim
Cludia Ribeiro Bellochio
$PSOLDomRGDVFRQFHSo}HVPXVLFDLVQDVUHFULDo}HVHPJUXSR
Patrcia Kebach
Rosangela Duarte
Mrcio Leonini
$LQVHUomRGDP~VLFDQRSURMHWRSROtWLFRSHGDJyJLFRRFDVRGD5HGH0XQLFLSDOGH
(QVLQRGH3RUWR$OHJUH56
Cristina Rolim Wolffenbttel
%DUXOKDUDP~VLFDGDVFXOWXUDVLQIDQWLV
Dulcimarta Lemos Lino
)HUUDPHQWDVFRPEULQTXHGRVDFDL[DGDP~VLFD
Teca Alencar de Brito
'L]HURGL]tYHODYDOLDomRVLVWrPLFDHPP~VLFDQDHVFRODUHJXODU
Ceclia Cavalieri Frana
5HIOH[}HVVREUHRWHUPRPpWRGRXPHVWXGRDSDUWLUGHUHYLVmRELEOLRJUiILFDHGR
PpWRGRSDUDYLRORQFHORGH0LFKHO&RUUHWWH 
Maria Cristiane Deltregia Reys
Luciane Wilke Freitas Garbosa
'2&80(1726('(%$7(6
0~VLFDQDVHVFRODVDo}HVGD)XQDUWHHPSUROGDLPSOHPHQWDomRGD/HL
Maya Suemi Lemos

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

177

Revista da
ABEM n 23
PDUoR

5HSUHVHQWDomRGHSUiWLFDP~VLFDQDFRPXQLGDGHHSHVTXLVDEDVHDGDQDVDUWHV
Lee Higgins
$DERUGDJHP$0(HOHPHQWRGHPHGLDomRHQWUHWHRULDHSUiWLFDQDIRUPDomRGH
SURIHVVRUHVGHP~VLFD
Zuraida Abud Bastio
0U+ROODQGRSURIHVVRUGHP~VLFDQDHGXFDomREiVLFDHVXDIRUPDomR
Maura Penna
$HGXFDomRPXVLFDOPRGDOLGDGH($'QDVSROtWLFDVGHIRUPDomRGHSURIHVVRUHVGD
HGXFDomREiVLFD
Helena de Souza Nunes
0RWLYDomRSDUDDSUHQGHUP~VLFDQDHVFROD
Miriam Suzana Pizzato
Liane Hentschke
&RQFHSo}HVGHDGROHVFHQWHVGHVpULHVREUHP~VLFDSRVVtYHLVLPSOLFDo}HVSDUDD
LPSOHPHQWDomRGDVSUiWLFDVPXVLFDLVQDHVFROD
Egon Eduardo Sebben
Maria Jos Subtil
5HODo}HVHQWUHSUiWLFDPXVLFDOSURFHVVDPHQWRDXGLWLYRHDSUHFLDomRPXVLFDOHP
FULDQoDVGHFLQFRDQRV
Jlia Escalda Mendona
Stela Maris Aguiar Lemos
$P~VLFDHYDQJpOLFDQDDWXDOLGDGHDOJXPDVUHIOH[}HVVREUHDUHODomRHQWUH
UHOLJLmRPtGLDHVRFLHGDGH
Eliane Hilario da Silva Martinoff
8PDH[SHULrQFLDLQWHUGLVFLSOLQDUQRFXUVRGH/LFHQFLDWXUDHP0~VLFDGD8QLYHUVLGDGH
(VWDGXDOGH/RQGULQD
Magali Oliveira Kleber
Cleusa Erilene dos Santos Cacione
'2&80(1726('(%$7(6
$XGLrQFLD3~EOLFDVREUHSROtWLFDVGHLPSODQWDomRGD/HLIHGHUDOQQD
$VVHPEOHLD/HJLVODWLYDGR(VWDGRGR5LR*UDQGHGR6XO
Jusamara Souza (Coord.)
Cludia Ribeiro Bellochio
Luciana Del Ben
Cristina Rolim Wolffenbttel
+20(1$*(0
(VWKHU%H\HUFRQWULEXLo}HVSDUDDHGXFDomRPXVLFDOEUDVLOHLUD
Aruna Noal Correa
Cludia Ribeiro Bellochio

178

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

(VWXGRFRPSDUDWLYRHQWUHDDSUHFLDomRPXVLFDOGLUHFLRQDGDHQmRGLUHFLRQDGDGHFULDQoDV
GHVHWHDGH]DQRVHPHVFRODUHJXODU
Karla Jaber Barbosa
Maria Ceclia Cavalieri Frana

Revista da
ABEM n 22
VHWHPEUR

&RQWULEXLo}HVWHyULFRPHWRGROyJLFDVGDKLVWyULDGDOHLWXUDSDUDRFDPSRGDHGXFDomR
PXVLFDODSHUVSHFWLYDGH5RJHU&KDUWLHU
Luciane Wilke Freitas Garbosa
$SURGXomRFLHQWtILFDIRFDOL]DGDQDUHODomRSURIHVVRUHVQmRHVSHFLDOLVWDVHPP~VLFDH
HGXFDomRPXVLFDOXPPDSHDPHQWRGHSURGXo}HVGD$EHP
Kelly Werle
Cludia Ribeiro Bellochio
5HIOH[}HVDFHUFDGDIRUPDomRPXVLFDOGHSURIHVVRUHVJHQHUDOLVWDVDSDUWLUGRVSULQFtSLRV
RVTXDWURSLODUHVGDHGXFDomRHHGXFDomRDRORQJRGHWRGDDYLGD
Sandra Mara da Cunha
Silvia Salles Leite Lombardi
Wasti Silvrio Ciszevski
$QDOIDEHWRVPXVLFDLVSURFHVVRVVHOHWLYRVHDOHJLWLPDomRGRFRQKHFLPHQWRHPP~VLFD
SUHVVXSRVWRVHLPSOLFDo}HVSHGDJyJLFDVHPGXDVLQVWkQFLDVGLVFXUVLYDVGDiUHDGH
P~VLFD
Eduardo Luedy
8PDDQiOLVHGHSURMHWRVSHGDJyJLFRVGHOLFHQFLDWXUDHPP~VLFD
Teresa Mateiro
5HWUDWRGHXPVRQKRRSHUILOGRFDQGLGDWRGRVFXUVRVGHP~VLFDGD(VFROD7pFQLFDGH
$UWHVGR&HQWUR3DXOD6RX]D
Marisa Trench de Oliveira Fonterrada
Jssica Mami Makino
Leila Gonalves Vertamatti
$DSUHQGL]DJHPPXVLFDOGHDGXOWRVHPDPELHQWHVFROHWLYRV
Patrcia Fernanda Carmem Kebach
$PRWLYDomRQRFDQWRFRUDOSHUVSHFWLYDVSDUDDJHVWmRGHUHFXUVRVKXPDQRVHPP~VLFD
Rita de Cssia Fucci Amato
Joo Amato Neto
(GXFDomRPXVLFDOHPDo}HVVRFLDLVXPDGLVFXVVmRDQWURSROyJLFDVREUHR3URMHWR*XUL
Lucielle Farias Arantes

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

179

Pareceristas
ad hoc 2011

$QD/XFLDGH0DUTXHVH/RXUR+HWWZHU8)6056
%HDWUL],ODUL8)3535
&DUORV.DWHU$75$9(= 26&,3 63
&HOVRQ+HQULTXH6RXVD*RPHV8)3$3$
&tQWLD7KDLV0RUDWR8)80*
&OiXGLD5LEHLUR%HOORFKLR8)6056
&ULVWLDQH0DULD*DOGLQRGH$OPHLGD8)3(3(
&ULVWLQD*URVVL8Q%')
&ULVWLQD5ROLP:ROIIHQEWWHO8(5*656
(GXDUGR/XHG\0DUTXHV8()6%$
*XLOKHUPH6DPSDLR*DUERVD8)6056
-RVp1XQHV)HUQDQGHV81,5,25-RVp5X\+HQGHUVRQ)LOKR8(3$3$
-RVp6RDUHVGH'HXV8'(6&6&
-XVDPDUD6RX]D8)5*656
/HGDGH$OEXTXHUTXH0DIILROHWWL8)5*656
/LOLD1HYHV*RQoDOYHV8)80*
/XFLDQD'HO%HQ8)5*656
/XFLDQH:LONH)UHLWDV*DUERVD8)6056
0DUJDUHWH$UUR\R81(6363
0DULD&ULVWLQDGH&DVFHOOLGH$]HYHGR8Q%')
0DULD*XLRPDUGH&DUYDOKR5LEDV8)3%3%
0DULD,VDEHO0RQWDQGRQ8Q%')
0DULD-RVp6XEWLO8(3*35
0DXUD3HQQD8)3%3%
3DWUtFLD)XUVW6DQWLDJR8)0*0*
5HJLQD$QWXQHV7HL[HLUDGRV6DQWRV)81'$57(56
5HJLQD0iUFLD6LPmR6DQWRV81,5,255RVDQH&DUGRVRGH$UD~MR8)3535
6pUJLR/XL])HUUHLUDGH)LJXHLUHGR8'(6&6&
6RQLD7HUHVD5LEHLUR8)80*
7HFD$OHQFDUGH%ULWR86363
7HUHVD0DWHLUR8'(6&6&
9LYLDQH%HLQHNH8'(6&6&

$RVFROHJDVDJUDGHFHPRVDFRODERUDomR
&RQVHOKR(GLWRULDO

180

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

A Revista da ABEM uma revista cientfica da rea de Educao Musical que tem como objetivo
divulgar a pluralidade do conhecimento em educao musical, seja este de cunho cientfico, atravs de
relatos de pesquisa; de cunho terico, atravs de reflexes acerca dos fundamentos e novos paradigmas
educacionais, polticos, estticos e culturais; ou de cunho histrico, contextualizando as prticas atuais sob
uma perspectiva histrica.

LINHA
EDITORIAL

O requisito principal para publicao na Revista da ABEM consiste em que o artigo represente, de
fato, contribuio cientfica no que se refere relevncia e pertinncia do tema abordado ao contexto
e ao momento; ao reflexo do estado da arte do conhecimento na rea do referencial terico-conceitual
adotado; consistncia do desenvolvimento do artigo em relao aos princpios de construo cientfica
do conhecimento; clareza e conciso das implicaes do trabalho para a teoria e/ou para prtica de
educao musical.
A Revista da ABEM tem interesse na publicao de artigos inditos de desenvolvimento terico,
trabalhos empricos e ensaios, alm de resenhas. A publicao dos textos da Revista realizada em formato
impresso e eletrnico.
Artigos
Os artigos de desenvolvimento terico devem ser sustentados por ampla pesquisa bibliogrfica
e propor novos modelos e interpretaes para fenmenos relevantes no campo da educao musical.
Os trabalhos empricos devem fazer avanar o conhecimento na rea por meio de pesquisas
metodologicamente bem fundamentadas, criteriosamente conduzidas e adequadamente analisadas.
Os ensaios compem formas mais livres de contribuio cientfica. Tais trabalhos devem privilegiar as
abordagens crticas e criativas revelando novas perspectivas e trazendo reflexes sobre temas relevantes
na rea de educao musical.
Resenhas
A seo de resenhas tem como objetivo apresentar aos leitores os lanamentos de livros no campo
da educao musical, contribuindo para a divulgao do conhecimento na rea. As obras escolhidas para
as resenhas devem ser recentes e apresentar contedo inovador e consistente, de interesse para a rea. As
resenhas podem ser enviadas em dois formatos:
- Resenhas de um livro analisando um lanamento nacional ou estrangeiro. O autor dever localizar
o campo de estudo ao qual a obra pertence, introduzir a obra e apresentar uma apreciao crtica,
mencionando sua contribuio para a teoria e/ou prtica da educao musical.
- Resenhas mltiplas analisando de duas a cinco obras. O autor dever localizar o campo de estudo ao
qual os livros pertencem e coment-los brevemente, mencionando pontos de complementaridade
e interfaces. Uma apresentao crtica desejvel.
As resenhas devem ser encaminhadas para a comisso editorial da Revista da ABEM com as mesmas
caractersticas de formatao dos artigos.
Documentos e Debates
A seo Documentos e Debates destina-se divulgao de documentos que subsidiem novas
pesquisas e possibilitem o avano da rea. Alm disso, a seo voltada difuso de relatos de debates
e audincias acerca das polticas pblicas voltadas Educao Musical.

NOTAS PARA OS COLABORADORES


A Revista da ABEM est aberta a colaboraes do Brasil e do exterior, e aceita textos em portugus,
ingls e espanhol. Todos os trabalhos devem ser enviados por e-mail a:
Editora da Revista da ABEM
Prof Dra. Maria Ceclia de Arajo Torres
e-mail: [email protected]

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

181

Para os autores e co-autores brasileiros que submeterem artigos ou resenhas necessrio ser
scio da ABEM.
Para submeter artigo para a Revista 1 do ano, o(s) proponente(s) dever (o) estar com a
anuidade do ano anterior em dia. Se a submisso do artigo for para a Revista 2, a anuidade que
dever estar em dia a do ano corrente.
A Revista da ABEM no aceita a submisso de mais de um artigo do mesmo autor e ou co-autor
para um mesmo nmero. Tampouco aceita publicar artigos do mesmo autor ou co-autor em nmeros
sucessivos da revista, de modo que, uma vez que determinado autor ou co-autor tenha um artigo aceito
para publicao, no poder tornar a submeter artigo para o nmero consecutivo da revista.
Os autor(es) que tiver(em) seu texto aprovado dever(o) enviar Editoria da Revista uma Carta de
Cesso (modelo Revista ABEM), cedendo os direitos autorais para publicao, em formato impresso e
eletrnico, em regime de exclusividade e originalidade do texto, pelo perodo de 2 (dois) anos, contados a
partir da data de publicao da Revista.
Os trabalhos submetidos devero ser encaminhados sem nenhum tipo de identificao do autor.
Em caso de aceite, o autor poder incorporar seus dados, assim como os referentes instituio, linha de
pesquisa e orientador.
NORMAS TCNICAS:
a) Os artigos devem ter uma extenso entre 22.000 e 44.000 caracteres com espao, incluindo a totalidade
do texto: resumo, abstract, palavras-chave, texto e referncias.
b) As resenhas devem apresentar cerca de 7.500 caracteres com espao e os trabalhos destinados
seo Documentos e Debates devem conter entre 8.000 e 12.000 caracteres com espao.
c) Sero aceitos trabalhos em portugus, ingls e espanhol.
d) Todos os trabalhos devero ser enviados anexados a e-mail, em arquivos no programa Word for
Windows 7.0;
e) Os textos devem ser escritos em Times New Roman, fonte 12, espao 1.5;
f) A primeira pgina do texto deve conter:
- Ttulo
- Resumo em portugus, ingls ou espanhol, com cerca de 150 palavras, alinhamento esquerda,
contendo campo de estudo, objetivo, mtodo, resultados e concluses. O Resumo deve ser colocado
logo abaixo do ttulo e acima do texto principal.
- Trs (3) palavras-chave, alinhamento esquerda, em portugus, ingls ou espanhol.
Para os trabalhos escritos em portugus ou espanhol:
- Ttulo em ingls
- Resumo em ingls (Abstract) com cerca de 150 palavras, alinhamento esquerda, contendo campo de
estudo, objetivo, mtodo, resultado e concluses. O Abstract deve ser colocado logo abaixo do resumo
em portugus ou espanhol.
- Trs (3) palavras-chave em ingls com alinhamento esquerda.
Para os trabalhos escritos em ingls:
- Ttulo em portugus ou espanhol.
- Resumo em portugus ou espanhol com cerca de 150 palavras, alinhamento esquerda, contendo
campo de estudo, objetivo, mtodo, resultado e concluses. O Resumo deve ser colocado logo abaixo
do Abstract.
- Trs (3) palavras-chave em portugus ou espanhol com alinhamento esquerda.
g) Em separado, dever ser enviada uma pgina com o ttulo do artigo, seguido da identificao do(s)
autor(es) - nome completo, instituio qual est(o) ligado(s), cargo, endereo para correspondncia,
fone, fax e e-mail.
h) Incluir um Curriculum Vitae resumido com extenso mxima de 150 palavras, contendo as principais
atividades na rea e o ttulo das principais publicaes do(s) autor(es).

182

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

i) Os textos devem ser escritos de forma clara e fluente. A utilizao de notas de rodap recomendvel
quando o autor quiser detalhar algo que no necessita constar no texto principal. Para estas notas, deve
ser usada fonte tamanho 10.
j) As citaes com menos de trs linhas devem ser inseridas no texto e colocadas entre aspas, seguidas da
indicao da fonte pelo sistema autor-data. As citaes que excederem trs linhas devem ser colocadas
em destaque, fonte 11, espao simples, entrada alinhada a 2,5 cm da margem, esquerda, seguidas da
indicao da fonte pelo sistema autor-data. No caso de citaes de obras em lngua estrangeira, essas
devem aparecer no texto conforme o original podendo ser apresentadas as respectivas tradues para
o portugus, em nota de rodap, caso a lngua de origem no seja espanhol ou ingls.
As indicaes das fontes entre parntesis, seguindo o sistema autor-data, devem ser estruturadas
da seguinte forma:


8PDREUDFRPXPDXWRU 0H\HUS

8PDREUDFRPDWpWUrVDXWRUHV &RKHQ0DQLRQS

8PDREUDFRPPDLVGHWUrVDXWRUHV 0RXUDHWDOS

- Mesmo no caso das citaes indiretas (parfrases), a fonte dever ser indicada, informando-se tambm
a(s) pgina(s) sempre que houver referncia no obra como um todo, mas sim a uma idia especfica
apresentada pelo autor.
- As citaes do prprio autor devem ser colocadas de forma imparcial no texto, reportando-se fonte
bibliogrfica.
k) Tabelas e quadros devem ser anexados ao texto, com a devida numerao (ex. Tabela 1, etc.). No corpo
do texto deve ser indicado o lugar das tabelas.
l) No sero aceitos artigos que estiverem fora das normas editoriais. A critrio do editor poder ser
estabelecido um prazo determinado para que o(s) autor(es) efetue(m) uma reviso do texto (correes
de referncias, citaes, gramtica e escrita). Nesse caso, o no cumprimento do prazo e/ou a
inadequao da reviso podero implicar a no aceitao do trabalho para publicao.

REFERNCIAS:
Devem ser apresentadas em espao simples, com alinhamento apenas esquerda, seguindo as
normas da ABNT/2002 (NBR 6023), abaixo exemplificadas.
Livros
SOBRENOME, Inicial do prenome(s) do(s) Autor(es). Ttulo do trabalho: subttulo [se houver]. edio [se
no for a primeira]. Local de publicao: Editora, ano.
Exemplo:
MEYER, L. B. Music, the arts, and ideas: patterns and predictions in twentieth-century culture. 2. ed.
Chicago: The University of Chicago Press, 1994.
COHEN, L.; MANION, L. Research methods in education. 4. ed. London: Routledge, 1994.
Partes de livros (captulos, artigos em coletneas, etc.)
SOBRENOME, Inicial do prenome(s) do(s) Autor(es) da Parte da Obra. Ttulo da parte. In: SOBRENOME,
Inicial do prenome(s) do(s) Autor(es) da Obra. Ttulo do trabalho: subttulo [se houver]. edio [se no for a
primeira]. Local de publicao: Editora, ano. pgina inicial-final da parte.
Exemplo:
WEBSTER, P. R. Research on creative thinking in music: the assessment literature. In: COLWELL, R (Ed.).
Handbook of research on music teaching and learning. New York: Schirmer Books, 1992. p. 266-280.
Artigos em peridicos :
SOBRENOME, Inicial do prenome(s) do(s) Autor(es) do Artigo. Ttulo do artigo. Ttulo do Peridico, Local de
publicao, nmero do volume, nmero do fascculo, pgina inicial-final do artigo, data.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

183

Exemplo:
LOANE, B. Thinking about childrens compositions. British Journal of Music Education, Cambridge, v. 1, n.
3, p. 205-231, 1984.
Trabalhos em anais de eventos cientficos:
SOBRENOME, Inicial do prenome(s) do(s) Autor(es) do Trabalho. Ttulo do trabalho. In: NOME DO EVENTO,
nmero do evento, ano de realizao, local. Ttulo. Local de publicao: Editora, ano de publicao. pgina
inicial-final do trabalho.
Exemplo:
DELALANDE, F. A criana do sonoro ao musical. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAO BRASILEIRA
DE EDUCAO MUSICAL, 8., 1999, Curitiba. Anais... Salvador: ABEM, 2000. p.48-51.
A exatido das referncias constantes na listagem ao final dos trabalhos bem como a correta
citao ao longo do texto so de responsabilidade do(s) autor(es) do trabalho.
PROCESSO DE AVALIAO:
O processo de avaliao dos artigos enviados para a Revista da ABEM consta de duas etapas:
Primeiro, uma avaliao preliminar pelo Conselho Editorial que examina a adequao do trabalho
linha editorial da revista;
-

Segundo, consulta a pareceristas ad hoc (peer review).

Eventuais modificaes sero solicitadas e efetuadas em consenso com o(s) autor(es).


OBSERVAES EDITORIAIS:
-

Os artigos so de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es).

Sero fornecidos gratuitamente aos autores exemplares impressos do fascculo em que seu
artigo foi publicado, ressaltando-se que:
Artigo com um e dois autores: 2 exemplares por autor
Artigo com mais de dois autores: 1 exemplar para cada autor
permitido citar parte dos artigos sem autorizao prvia desde que seja identificada a fonte. A
reproduo total de artigos proibida. Em caso de dvidas, consulte o Conselho Editorial.
A Revista da ABEM trabalha com assinaturas, doaes e permutas com instituies pblicas.
Em caso de aprovao pelo Conselho, as bibliotecas que receberem doao de exemplares devero
acusar o recebimento por escrito.

184

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

The journal of Brazilian Association of Musical Education (Abem) is a scientific periodical of Musical
Education that aims at publishing the plurality of musical education knowledge. This knowledge can be
scientific, through research projects report; theoretical, through reflections on new educational, political,
esthetic and cultural paradigms; or historical, contextualizing the present practices under a historical
perspective.

EDITORIAL
LINE

In order to be published in this journal, the paper needs to offer scientific contribution from the
relevance and pertinence discussed under a contextualized and timing perspective; the state of the art; the
consistency of the paper development with the scientific knowledge; the clearness and conciseness of the
study implications for musical education theory or practice.
This journal seeks theoretical papers, empirical works and essays, as well as reviews. The printed and
online versions of the journal are available.
Articles
The theoretical papers must be supported by a wide bibliographical research and propose new
models and interpretation for relevant phenomena in the musical education field. The empirical works must
improve the knowledge through researches that are methodologically well supported and conducted, as well
as appropriately analysed. The essays are considered free ways of scientific contribution. They must favor
the creative and critical approaches and reflect on relevant themes in the musical education field.
Reviews
The review section aims at providing the readers with book launches in the musical education field
that contribute to improve the knowledge. The books selected to the reviews must be new and they need to
present innovative and consistent content of the field interest. The reviews can be sent in two formats:
- Reviews of new national or international books. The author must specify the study field of the book,
introduce the book, as well as present a critical evaluation in order to make clear its contribution to musical
education theory and/or practice.
- Multiple Reviews, analyzing from two to five books. The author must specify the study field of the
books, offering a brief comment of them in order to mention points of complementarity and interfaces among
them. A critical presentation is expected.
The reviews must be sent to the editorial body of the journal, following the same guidelines for the
papers.
Documents and Debates
The Documents and Debates section aims at publishing documents to support new researches and to
improve the field knowledge. Furthermore, the section has served to publish debate reports about the public
policies in the musical education field.

GUIDELINES FOR CONTRIBUTORS


Abem Journal accepts collaborations from Brazilians and foreigners and the texts can be written in
Portuguese, English or Spanish. All the works must be sent by e-mail to:
Journal Editor
Professor Maria Ceclia de Arajo Torres
e-mail: [email protected]
Brazilian authors and co-authors interested in publishing articles or reviews must be members of the
association.
When submitting papers for the first-year edition of the journal, the authors must have paid
the later year subscription. If the author intends to publish into the second-year edition of the
journal, the current year subscription has to be paid.
More than one paper written by the same author and/or co-author for the same edition of the journal is
not accepted. The same orientation is applied to the consecutive edition, that t is, if the author has his paper
published in one edition of the journal, he will not submit another paper to the consecutive edition of that one
he had his paper published.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

185

Abem journal holds the copyright for articles published for a period of two years from the date of the
journal publication. A permission letter (a model of Abem journal), in printed and electronic formats, must
be sent by the authors who have their papers accepted to be published in order to guarantee the exclusivity
and originality of the text.
The manuscripts must not contain any kind of authors identification. If accepted, the author must add
later information about himself, his institution, research line and advisor.
TECHNICAL GUIDELINES:
a) The articles must be of 22,000 - 44,000 characters (with space), including the whole text: abstract,
keywords, text and references.
b) The reviews must contain about 7,500 characters (with space) and the texts sent to the Documents
and Debates section must contain from 8,000 to 12,0000 characters (with space).
c) Portuguese, English and Spanish are the languages accepted.
d) The text must be attached to an e-mail. Word for Windows 7.0 is the program accepted.
e) The texts must be written in Times New Roman, 12, space 1,5.
f) The first page of the text must present:
- Title
- Abstract in Portuguese, English or Spanish must present the following aspects: around 150
words, left alignment, study field, objective, methods, results and conclusions. The abstract must be written
below the title and above the main text.
- Three keywords, left alignment, in Portuguese, English or Spanish.
Manuscripts in Portuguese or Spanish:
- Title in English.
- Abstract in English must present the following aspects: around 150 words, left alignment,
study field, objective, methods, results and conclusions. The abstract must be written below the abstract in
Portuguese or Spanish.
- Three keywords, left alignment, in English.
Manuscripts in English:
- Title in Portuguese or Spanish.
- Abstract in Portuguese or Spanish must present the following aspects: around 150 words, left
alignment, study field, objective, methods, results and conclusions. The abstract in Portuguese or Spanish
must be written below the abstract in English.
- Three keywords, left alignment, in Portuguese or Spanish.
g) Another one-page document must be sent containing the article title followed by the authors
identification - full name, institution, address, telephone number, fax number and e-mail.
h) The authors curriculum must be included. It must be of 150 words with focus on the main authors
academic activities and publications.
i) The text language must be clear and fluent. When authors need to explain some ideia outside the
main text, footnotes must be included. For these notes, please use font 10.
j) The three-line citations, or less, must be inserted into the main text and between inverted commas,
followed by author-date reference. The longer citations must be written as a separate piece of text, font 11,
simple space, 2,5 cm alignment, left, followed by author-date system.
The author-date references must be presented in brackets in the following way:


2QHDXWKRUERRN 0H\HUS

2QHWRWKUHHDXWKRUV &RKHQ0DQLRQS

0RUHWKDQWKUHHDXWKRUV 0RXUDHWDOS

- For the indirect citations, through paraphrases, the reference must be indicated with the respective
page numbers when an authors particular Idea is presented.

186

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

- The own authors citations must be presented in an impartial way, mentioning the bibliographical
source.
k) Tables and charts must be attached to the end of the text in a number sequence (i.e. Table 1 and so
on). They must be indicated in the main text.
l) Manuscripts that do not follow the editoral guidelines will not be accepted. It is possible, according to
the journal editor, the author can revise the text in a stated period (reference correction, citations, language).
After that, the articles could not be accepted if the author do not either satisfy the stated period or solve the
inadequacies.
REFERENCES:
The references must conform to the requirements of the ABNT /2002 /NBR 6023) Guidelines, as the
following examples.
Books
MEYER, L. B. Music, the arts, and ideas: patterns and predictions in twentieth-century culture. 2. ed.
Chicago: The University of Chicago Press, 1994.
COHEN, L.; MANION, L. Research methods in education. 4. ed. London: Routledge, 1994.
Book chapters, articles in edited books, and others
WEBSTER, P. R. Research on creative thinking in music: the assessment literature. In: COLWELL, R
(Ed.). Handbook of research on music teaching and learning. New York: Schirmer Books, 1992. p. 266-280.
Journal Articles:
LOANE, B. Thinking about childrens compositions. British Journal of Music Education, Cambridge, v.
1, n. 3, p. 205-231, 1984.
Proceedings Articles:
DELALANDE, F. A criana do sonoro ao musical. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAO
BRASILEIRA DE EDUCAO MUSICAL, 8., 1999, Curitiba. Anais... Salvador: ABEM, 2000. p.48-51.
Authors are responsible for the accuracy of all references and citations.
EVALUATION PROCESS:
All manuscripts go through a two-step evaluation process:
- Internal Review. The editors first review each manuscript to see if it meets the basic requirements of
the journal.
- External Review. Submissions which meet the basic requirements are then sent out for blind peer
review.
Authors will be consulted for editorial changes to manuscripts accepted for publication.

EDITORIAL OBSERVATIONS:
- Authors are responsible for the texts.
- Free printed copies of the journal will be available for the authors, as follows:
One or two authors: two copies per author
More than two authors: one copy per author
- It is allowed to cite part of the articles published in the Abem journal since the source is identified. The
reproduction of the whole articles is prohibited. The Editorial Board must be consulted for further information
and permission.
- The journal can be subscribed, donated or permuted with public institutions. When the libraries
receive free copies of the journal they must acknowledge receipt (written).

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

187

LNEA
EDITORIAL

La Revista de la Abem es una revista cientfica del rea de Educacin Musical que tiene como objetivo
divulgar la pluralidad del conocimiento en educacin musical, sea ste de tipo cientfico, a travs de relatos
de investigacin; de tipo terico, a travs de reflexiones acerca de los fundamentos y nuevos paradigmas
educacionales, polticos, estticos y culturales; o de tipo histrico, contextualizando las prcticas actuales
bajo una perspectiva histrica.
El requisito principal para publicacin en Revista de la Abem consiste en que el artculo represente,
de hecho, contribucin cientfica en lo que se refiere a la relevancia y pertinencia del tema abordado al
contexto y al momento; a la exposicin del estado del arte del conocimiento en el rea de la referencia
terica-conceptual adoptada; a la consistencia del desarrollo del artculo en relacin a los principios de
construccin cientfica del conocimiento; a la claridad y concisin de las implicaciones del trabajo para la
teora y/o para prctica de educacin musical.
La Revista de la Abem tiene inters en la publicacin de artculos inditos de desarrollo terico, trabajos
empricos y ensayos, adems de reseas. La publicacin de los textos de la Revista se realiza en formato
impreso y electrnico.
Artculos
Los artculos de desarrollo terico se deben sostener por amplia investigacin bibliogrfica y proponer
nuevos modelos e interpretaciones para fenmenos relevantes en el campo de la educacin musical.
Los trabajos empricos deben hacer avanzar el conocimiento en el rea por medio de investigaciones
metodolgicamente bien fundamentadas, conducidas de manera crtica y adecuadamente analizadas.
Los ensayos componen formas ms libres de contribucin cientfica. Tales ensayos deben privilegiar los
enfoques crticos y creativos revelando nuevas perspectivas y trayendo reflexiones sobre temas relevantes
en el rea de educacin musical.
Reseas
La seccin de reseas tiene como objetivo presentar a los lectores los lanzamientos de libros en
el campo de la educacin musical contribuyendo, as, para la divulgacin del conocimiento en el rea. Las
obras escogidas para las reseas deben ser recientes y presentar contenido innovador y consistente, de
inters para el rea. Se pueden enviar las reseas en dos formatos:
- Reseas de un libro analizando un lanzamiento nacional o extranjero. El autor deber ubicar el
campo de estudio al cual la obra pertenece, introducir la obra y presentar una apreciacin crtica,
mencionando su contribucin para la teora y/o prctica de la educacin musical.
- Reseas mltiples analizando de dos a cinco obras. El autor deber ubicar el campo de estudio al
cual los libros pertenecen y comentarlos brevemente, mencionando puntos de complementariedad
e interfaces. Una presentacin crtica es deseable.
Se deben encaminar los originales para la comisin editorial de la Revista de la Abem con las mismas
caractersticas de formateo de los artculos.
Documentos y Debates
La seccin Documentos y Debates se destina a la divulgacin de documentos que subsidien nuevas
investigaciones y posibiliten el avance del rea. Adems de eso, la seccin se orienta a la difusin de relatos
de debates y audiencias acerca de las polticas pblicas que se relacionan a la Educacin Musical

ORIENTACIONES A LOS COLABORADORES


La Revista de la Abem est abierta a las colaboraciones de Brasil y del exterior, y acepta textos en
portugus, ingls y espaol. Todos los trabajos deben ser enviados por correo electrnico a:
Editora da Revista da Abem
Prof Dra. Maria Ceclia de Arajo Torres
e-mail: [email protected]

188

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

Para los autores y coautores brasileos que sometan artculos o reseas es necesario ser socio de
la Abem.
Para someter artculo para la Revista 1 del ao lo(s) proponente(s) deber(n) estar con la
anualidad del ao anterior en da. Si la sumisin del artculo es para la Revista 2, la anualidad que
deber estar en da es la del ao corriente.
La Revista de la Abem no acepta la sumisin de ms de un artculo del mismo autor y/o coautor para
un mismo nmero de la revista. Tampoco acepta publicar artculos del mismo autor o coautor en nmeros
sucesivos de la revista, de modo que, una vez que determinado autor o coautor tenga un artculo aceptado
para publicacin, no podr hacer la sumisin de artculo para el nmero consecutivo de la revista.
El autor(es) que tenga(n) su texto aprobado deber(n) enviar al Editorial de la Revista una Carta de
Cesin (modelo de la Revista Abem), cediendo los derechos autorales para publicacin, en formato impreso
y electrnico, en rgimen de exclusividad y originalidad del texto, por el perodo de 2 (dos) aos, contados
a partir de la fecha de publicacin de la Revista.
Los trabajos sometidos debern ser encaminados sin ningn tipo de identificacin del autor. En caso
de endoso, el autor podr incorporar sus datos, as como los referentes a la institucin, lnea de investigacin
y orientador.
NORMAS TCNICAS:
a) Los artculos deben tener una extensin entre 22.000 y 44.000 caracteres con espacio, incluyendo la
totalidad del texto: resumen, abstract, palabras-clave, texto y referencias.
b) Las reseas deben presentar cerca de 7.500 caracteres con espacio y los trabajos destinados a la
seccin Documentos y Debates deben contener entre 8.000 y 12.000 caracteres con espacio.
c) Se aceptarn trabajos en portugus, ingls y espaol.
d) Se debern enviar adjuntos todos los trabajos por correo electrnico, en archivos en el programa Word
for Windows 7.0;
e) Los textos deben ser escritos en Times New Roman, fuente tamao 12, espacio 1.5;
f) La primera pgina del texto debe contener:
- Ttulo
- Resumen en portugus, ingls o espaol, con cerca de 150 palabras, alineacin a la izquierda,
conteniendo campo de estudio, objetivo, mtodo, resultados y conclusiones. Se debe poner el resumen
inmediatamente abajo del ttulo y por encima del texto principal.
- Tres (3) palabras-clave, alineacin a la izquierda, en portugus, ingls o espaol.
Para los trabajos escritos en portugus o espaol:
- Ttulo en ingls
- Resumen en ingls (abstract) con cerca de 150 palabras, alineacin a la izquierda, conteniendo campo
de estudio, objetivo, mtodo, resultado y conclusiones. Se debe poner el abstract inmediatamente abajo
del resumo en portugus o espaol.
- Tres (3) palabras-clave, alineacin a la izquierda, en ingls.

Para los trabajos escritos en ingls:


-Ttulo en portugus o espaol.
-Resumen en portugus o espaol con cerca de 150 palabras, alineacin a la izquierda, conteniendo
campo de estudio, objetivo, mtodo, resultado y conclusiones. Se debe poner el resumen inmediatamente
abajo del abstract.
-Tres (3) palabras-clave, alineacin a la izquierda, en portugus o espaol.
En separado, se deber enviar una pgina con el ttulo del artculo, seguido de la identificacin del (de
los) autor(es) - nombre completo, institucin a la cual est(n) vinculado(s), cargo, direccin para
correspondencia, telfono, fax y correo electrnico.

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

189

h) Incluir un currculo resumido con extensin mxima de 150 palabras, conteniendo las principales
actividades en el rea y el ttulo de las principales publicaciones del (de los) autor(es).
i) Los textos deben ser escritos de forma clara y fluente. La utilizacin de notas al pie de pgina es
recomendable, cuando el autor quiera detallar algo que no necesita constar en el texto principal. Para
estas notas, se debe usar fuente tamao 10.
j) Las citaciones con menos de tres lneas se deben insertar en el texto y poner entre comillas, seguidas de
la indicacin de origen por el sistema autor-fecha. Las citaciones que excedan tres lneas se deben poner
en destaque, fuente tamao 11, espacio simple, entrada alineada a 2,5 cm del margen, a la izquierda,
seguidas de la indicacin de la fuente por el sistema autor-fecha. En el caso de citaciones de libros en
lengua extranjera, se debe traducir la citacin (caso el autor juzgue necesario, se puede presentar el texto
original en nota al pie de pgina).

Las indicaciones de las fuentes entre parntesis, siguiendo el sistema autor-fecha, se deben estructurar
de la siguiente forma:


8QDREUDFRQXQDXWRU 0H\HUS

8QDREUDFRQKDVWDWUHVDXWRUHV &RKHQ0DQLRQS

8QDREUDFRQPiVGHWUHVDXWRUHV 0RUDHWDOS

- Incluso en el caso de las citaciones indirectas (parfrasis), la fuente deber ser indicada, informndose
tambin la(s) pgina(s) siempre que haya referencia no a la obra como un todo, sino que a una idea
especfica que presenta el autor.
- Las citaciones del propio autor se deben poner de forma imparcial en el texto, reportndose a la fuente
bibliogrfica.
k) Tablas y cuadros se deben adjuntar al texto, con la correspondiente numeracin (p.ej. Tabla 1, etc.). En
el cuerpo del texto se debe indicar el lugar de las tablas.
l) No se aceptarn artculos que estn fuera de las normas editoriales. A criterio del editor se podr
establecer un plazo determinado para que lo(s) autor(es) efecte(n) una revisin del texto (correcciones
de referencias, citaciones, gramtica y escritura). En ese caso, el no cumplimiento del plazo y/o la
inadecuacin de la revisin podrn implicar la no aceptacin del trabajo para publicacin.

REFERENCIAS:
Se deben presentar en espacio simple, con alineacin solo a la izquierda, siguiendo las normas de la
ABNT/2002 (NBR 6023).

190

REVISTA DA ABEM

| Londrina | v.19 | n.26 | jul.dez 2011

Você também pode gostar