Jair Berce Daime São Paulo
Jair Berce Daime São Paulo
Jair Berce Daime São Paulo
JAIR BERC
BANCA EXAMINADORA:
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PUC SP / 2007
Dedicatria:
AGRADECIMENTOS
Frederico, Saulo Bonfim, Felcia Aparecida, Roberto Palmonari, Paulo Nilson, Ceciana, Lucia
Santos, Analton, Ccero, Sebastio de Albuquerque, Dona Selva, Gisela e Demtrius, Roberto
Caramelo e tantos outros que prestaram seu inestimvel apoio;
Ao artista plstico e grande amigo Ray , de Embu das Artes, pelas enriquecedoras
conversas e pelos ensinamentos sobre os caminhos do Santo Daime.
Ao amigo Cleveland, daimista do Cu da Lua Cheia;
Um agradecimento especial ao Padrinho Eduardo, pela alegria presente em nossas
conversas, pelos ensinamentos e entrevistas;
Aos irmos do Cu de Maria e ao Cu Lua Cheia, em especial aos seus comandantes,
respectivamente : Glauco Villas Boas e Lo Artse;
Ao Walter Dias Jnior, comandante da Igreja Cu do Vale, pela amizade e apoio;
Aos amigos da PUC : Edson Benedetti , Aline Motta, Luiz Nunes de Almeida,Antonio
Leandro da Silva, Vnio Flbio Dias Ferreira, Vanessa Munhoz, Pedro Henrique Passos, Vaneska
Taciana, e a todos que me apoiaram nesta jornada;
Ao inestimvel apoio de minha companheira Marta Jernimo Berc, pela dedicao e
pacincia , pelo auxlio na reviso do texto e na transcrio das entrevistas;
Obrigado tambm constante motivao dos amigos : Ricardo Alves da Costa, Evandro
Monteiro, Alexandre e Pedro Bonome;
A Jos Carlos, pelo estmulo e apoio;
toda a minha famlia, em especial irm mais velha ; Maria Inz Berc.
Por ltimo e no menos importante agradeo ao Daime, a esta bebida sagrada, pela
inspirao, pelos aprendizados e mudanas positivas que trouxe em minha vida.
RAMEFLETELUZ
Ramo, Folha e Bebida = Daime
Esta chave abre RAMA e com ela voc penetra nos segredos de RAMA, que
so infinitos e de acordo com sua evoluo voc colhe os seus conhecimentos e
alivia suas reencarnaes futuras, e assim sobe na escala da evoluo do ser em si
com maior facilidade, pois como estamos aqui na Terra para aprender com esta
chave que abre o mundo mental, entramos nele e aprendemos direto do mental, sem
ser preciso vivenciar no mundo material, para aprendermos e evoluirmos e subir em
nossa escalada evolutiva.
Por isso que s uma porcentagem pequena, que toma contato com esta chave
que penetra realmente em RAMA, pois a porcentagem maior ainda no est
preparada para este conhecimento, e se distrai vendo miragens da sua prpria volta
e do seu dia a dia. Mas fizeram o contato e sabem que a chave existe, s que no
esto altura de p-la na fechadura e ter a fora necessria para faz-la girar e abrir
RAMA, mas sempre foi de bom proveito este contato, pois outros tantos ficam
satisfeitos s em saber que a chave existe, e no tem coragem nem de a
pegar(tomar). Assim sendo, tendo o contato com esta chave pergunte o que quiser e
aprenda o que puder, pois esta chave que vem do mundo vegetal para o animal a
herana que no pode ser perdida da evoluo.
Cu de Midam Piedade SP Brasil
Mensagem recebida por
Padrinho Jonas (1935-2001)
(in memorian)
RESUMO
Quais os significados atribudos ao Santo Daime pelos fiis que buscam esta linha
religiosa especfica em So Paulo? E quais os sentidos oferecidos pelo Santo Daime, neste
aparente caos que muitos vivenciam, e que alguns cientistas sociais denominam como psmodernidade, crise de paradigmas, e tantos outros nomes? Quais os caminhos do Santo Daime em
So Paulo ?
Para esclarecer estes questionamentos e propor uma sada possvel para este
labirinto terico que me motivei a realizar este trabalho, que tem como objetivo compreender
como o Santo Daime cumpre o papel de trazer sentido ao vo deixado pelo que chamo de
fragmentao da alma , que se traduz na ausncia de sentidos da chamada ps-modernidade
. Procuro analisar de que forma a cosmologia e os rituais daimistas tentam juntar os cacos , e se
este processo consegue alcanar seu objetivo.
Comeo esta anlise , partindo do pressuposto que isso se d por meio de processos
simblicos - e muitas vezes de forma inconsciente os quais vo formando identidade a partir de
determinados elementos do ritual e da cosmologia, dando assim coeso comunidade religiosa,
estruturando um ethos e uma viso de mundo , ao mesmo tempo que oferecem ao indivduo
daimista flexibilidade de escolha, vale dizer, liberdade .
Procurei construir tais respostas a partir da pesquisa etnogrfica participante seguindo os
passos tericos e metodolgicos de Geertz na Comunidade Daimista Flor de Luz Cu de
Midam. Busquei entender como a comunidade estudada abre espao para o desenvolvimento de
uma linha cosmolgica aparentemente muito diferente das existentes em outras Igrejas: A Linha
Cosmolgica do Comando Estelar. Esta Linha Cosmolgica ser estudada nesse trabalho, com o
objetivo de mostrar a especificidade da Igreja Flor de Luz frente as demais igrejas do Santo
Daime no Brasil .
Procuramos responder tambm a seguinte questo : ser que a Doutrina alcanar esse
propsito de gerar sentido para estes indivduos de So Paulo que se integram a esta
religiosidade em particular - ante a ps-modernidade?
conseguir direcionar a bom termo esta ambio de transformar o cotidiano de iluses dos fiis
atravs do despertar do que h de transcendental no homem ?
Dessa forma, pretendo mostrar tambm, como a vida cotidiana, o dia-a-dia, a vida em suas
articulaes profissionais se correlaciona de forma normal com a rotina religiosa dos daimistas,
como possvel em qualquer outra religio considerada normal pela sociedade. Aquela clssica
questo antropolgica de tornar familiar o que extico e de mostrar o extico no familiar.
A principal senha para se adentrar nestes universos culturais ser compreender o uso ritual
em So Paulo desta planta para conhecimento . Portanto, o daime a chave para viajar mirar
por esses mundos todos. Ele a nave que te pe em contato com todos esses universos
cosmolgicos.
ABSTRACT
What does Santo Daime mean to believers who look for this specific religious line in So
Paulo? What senses can Santo Daime ofter to this chaos in wich lots of people apparently live in
and it is defined by social scientists as after modernity, paradigm crisis and so on? What are the
paths led by Santo Daime in So Paulo ?
In order to throw a light on these questions and to point a way out of this theorical
maze I decided to do this work. Its goal is to comprehend the role of Santo Daime on filling the
blanks left by the thing I name the sattering of the soul, for the absence of definition it stands
for after-modernity . I attempt to analyze the way cosmology and the Daime rituals try to put
the pieces together and if this process achieve its goal.
The analysis is grounded on the belief that it happens through a symbolic process most
times uncounsciously wich builds identity based on some elements of the ritual and of
cosmology. This is what stabilish harmony among the religious comunity and makes and ethos
and a word view. At the same time it offers freewill, the is to say, freedom.
I tried to find the answers by a ethnographical research following Geertz methodology
and theorical steps at Community Daimista Flor de Luz, Cu de Midam. I tried to understand
the way this religious community develops a cosmological line which is apparenty way too
different from the ones we find in other religious community: The Star Command Cosmological
Line. This cosmological line is the object of my study in this work. The goal focuses on showing
the peculiarity of Church Flor de Luz before other Santo Daime religious communities in Brazil.
I also tried to answer this question: will the doctrine ever reach the point of bringing sense
to these people from So Paulo who come to this very religiosity in after-modernity era ? Stated
another way, will Santo Daime ever be able to lead to a good term this ambition of transforming
this routine of illusion by waking what is transcendental in mankind?
Thus, I intend to show how the everyday-life make a normal relation with the Daime
believers religious rountine just like the way it is possible in other religious communities. The
anthropological question of turning the exotic into familiar an showing the exotic in the familiar.
The main password to get into this cultural universe is the comprehension of the ritual use of this
knowledge herb . Therefore Daime is the key to roam to look for all these worlds . It is the
vessel that puts you in touch with this cosmological universe.
SUMRIO
PREFCIO_________________________________________________________________ 01
APRESENTAO___________________________________________________________ 07
Glossrio Daimista____________________________________________________________15
CAPTULO 1 : ORIGENS_____________________________________________________22
CAPTULO 2 : O SANTO DAIME EM SO PAULO_____________________________ 34
2.1 Definies tericas___________________________________________________34
2.2 O Santo Daime uma religio ? ________________________________________40
2.2.1 Estrutura Eclesial do Santo Daime ________________________ 45
2.3 O Santo Daime como Xamanismo Cristo ________________________________49
2.4 Cu de Maria : O Santo Daime em Osasco _______________________________ 54
2.4.1 A Multiplicidade Religiosa em Osasco _____________________54
2.4.2 A Energia Feminina do Cu de Maria ______________________58
2.5 Conversa com um artista do Daime______________________________________62
2.5.1 Sobre os Hinos do Santo Daime___________________________64
2.5.2 Uma Histria de Ray no Cu de Midam ____________________68
CAPTULO 3 : SO PAULO E O FLOR DE LUZ _________________________________72
3.1 O Ncleo Flor de Luz ________________________________________________73
3.2 A Comunidade Cu de Midam e a Igreja Flor de Luz________________________84
3.2.1 Espao Sagrado_______________________________________ 91
3.2.2 Guardies do Cu de Midam ____________________________103
3.3 - Rituais no Cu de Midam ____________________________________________112
3.3.1 Preparativos do Salo __________________________________114
Prefcio
Era a primeira vez que comparecia a um ritual com a bebida sagrada, e tudo me parecia um
pouco estranho. Queria conhecer a doutrina, as crenas, o ritual e os simbolismos envolvidos
e achava que haveria uma exposio algo explcita sobre tudo. Entretanto parecia haver uma
espcie de barreira, de obstculo comunicao, uma certa falta de empatia. Na verdade, eu
que era um estranho, que talvez precisasse mostrar qual era meu objetivo naquele lugar que
no era apenas algum querendo experimentar o barato de uma nova droga. Muito
provavelmente esta barreira existisse apenas na minha imaginao, irrigada pela tenso que a
situao de participar de um ritual, de experimentar um entegeno1 - gerava em meu ser
interno.
Assim fluam os acontecimentos, quando no terceiro trabalho de Santo Daime que
participei um fato novo mudou a relao entre eu e os outros. Um acontecimento similar `a
fuga desesperada da polcia no caso de Geertz em Bali , puxou-me para o interior das relaes
intersociais do grupo : certa vez, ao participar de uma missa, chegando cedo ao stio onde se
localizava a igreja, ofereci minha ajuda para organizar o salo onde seria realizada a Santa
Missa. Com rodeios, peguei na vassoura e ajudei a varrer a terra e o p acumulados no piso
da Igreja, dando minha contribuio singela para os preparativos do trabalho espiritual
daquela data. Tal acontecimento gerou uma aproximao maior com os membros do grupo
religioso, criou uma confiana que at ento no existia e serviu para que pudesse conhecer
melhor , adentrar o universo cultural dos daimistas.
Este fato tambm chama a ateno para a importncia de se realizar uma pesquisa
etnogrfica participante, j que a pretensa objetividade de um olhar posicionado externamente
deixa de revelar muitos aspectos da vida cultural e religiosa estudada pelo antroplogo. Sendo
assim, acredito que no possvel um afastamento total do objeto de estudo na antropologia
1
social. Por outro lado,a pesquisa participante embora negue a possibilidade da neutralidade do
olhar do antroplogo, no retira o dever de pensar sua ao, de refletir sobre sua possvel
influncia nas informaes colhidas, nas relaes observadas, dilogos, e outros fatos do diaa-dia da pesquisa. Esta preocupao necessita estar sempre presente, do contrrio h o
comprometimento do carter cientfico da pesquisa. Deve-se perceber a alteridade e a
desigualdade presentes na relao entre pesquisador e pesquisado .
A antropologia mesmo antes de ter imaginado realizar uma pesquisa etnogrfica
foi crucial para que me despisse dos medos e de meu estranhamento requisito fundamental,
a meu ver, para participar a bom termo de um ritual sagrado daimista. Aqui fao uma pausa
para realizar uma reflexo sobre a antropologia e a viagem interior do antroplogo, derivada
do fato de se acreditar na verdade e no mundo dos outros, procurando seu nexo oculto e
dinamizador. Isto dentro de uma vocao crtica da Antropologia, de se assumir um postura
de iniciado na cultura do outro, conforme as palavras Jos Jorge de Carvalho:
O smbolo cultural, independente da rea da vida que ilumine,
poderia servir como um marco na trajetria individual, de maneira que, ao
ser interpretado objetivamente e enfrentado subjetivamente, ajudasse a fazer
do antroplogo um ser humano cada vez mais rico, mais crescido em sua
observao das capacidades humanas e, quem sabe mesmo, mais capaz, em
todos os sentidos do termo, que quando iniciou sua peculiar busca acadmica
pelo diferente. ( CARVALHO, 1992, p.12)
Seguindo por esse caminho que nasceu em mim a motivao para realizar uma
busca etnogrfica tendo como campo o Santo Daime. Mais especificamente o Santo Daime
em So Paulo. Dentro desta perspectiva, por ser o perodo do Mestrado um tempo delimitado,
fez-se necessrio realizar um recorte dentro de tantas possibilidades que a pesquisa
possibilitara. Pois no incio a proposta era estudar trs igrejas principais de So Paulo: Cu de
Maria localizada em Osasco - , Cu da Lua Cheia em Itapecerica da Serra e o Cu de
Midam em Piedade. No entanto, houve a necessidade de reduzir este vasto campo de
pesquisa.
Dessa forma, concentrei minhas atenes no microcosmos de uma igreja do Santo
Daime em Piedade- Estado de So Paulo. Esta comunidade chamada Cu de Midam Igreja
Flor de Luz teve seu incio na Capital paulista, graas a iniciativa do casal Maria do Carmo
e Jonas Frederico que se tornaram respectivamente Madrinha e Padrinho do Santo Daime - ,
cresceu e tornou-se um terreno rico em seus smbolos, suas cosmologias, crenas e rituais.
este universo que procuro analisar, compreender e explicitar atravs de um estudo etnogrfico
fundamentado terico e metodologicamente na antropologia interpretativa de Geertz, alm de
outros autores que complementaro os caminhos tericos desta empreitada.
Estudar o Santo Daime foi para mim como percorrer um caminho repleto de grandes
primores mas tambm de muitas dificuldades. Pessoalmente, conheci a bebida o Daime e
todo seu simbolismo religioso em 2002, sendo que logo depois iniciaria a pesquisa
etnogrfica cujos resultados por ora apresento . Escrevo sobre primores, porque o Santo
Daime representou um universo cosmolgico de uma riqueza esplndida, que me presenteou
com um novo nimo para a minha vida. Este ser sagrado vinho das almas - significou para
mim um verdadeiro renascimento. E por isso sou muito grato ao Daime, e irmandade
daimista, por ter me acolhido to bem, pelas pessoas que conheci e que se tornaram grandes
amigos.
A primeira vez que observei aquele ritual repleto de smbolos, o templo todo decorado
com bandeirinhas multicoloridas imaginava estar sob a tenda de um grande circo - todas
aquelas pessoas com suas fardas, cantando e bailando em noites de lua cheia - com tanto
entusiasmo, no tive dvidas : aqui h um espao para o desenvolvimento de uma descoberta
etnogrfica. Lacunas precisavam ser preenchidas. Alm disso, minha procura espiritual havia
coincidido com a vocao antropolgica e posso afirmar que esta interseco de objetivos se
revelou muito frutfera em seus resultados.
Falo em dificuldades e obstculos no caminho porque nem sempre fcil adentrar
num universo religioso como o Daime simultaneamente como participante e pesquisador.
As tenses e conflitos existiram, no meio deste fosso entre os afazeres da vida acadmica e o
estar l participando da Comunidade Daimista e dos rituais com o Daime. Algumas pessoas
do Santo Daime em princpio, no sem razo, acreditavam que a Cincia mesmo em se
tratando da Antropologia, Cincia que procura dar voz ao outro no poderia se intrometer
nos assuntos da Religio. Felizmente consegui romper estas barreiras e convencer a maioria
desta necessidade de conhecer sua cultura, seus smbolos e rituais e de como seria importante
registrar o modo daimista de ser, a partir de um olhar antropolgico. Argumentei que este
trabalho poderia contribuir para vencer preconceitos e contribuir para a convivncia do Santo
Daime com relao a outras religies e a sociedade como um todo.
Espero que o
conhecimento antropolgico presente nesta dissertao possa servir tambm a este propsito.
Assim como o Daime considerado um desvelador de iluses, fico na expectativa que esta
pesquisa sirva tambm para romper os vus da mistificao e do preconceito sobre o ethos e o
modo daimista de viver, de construir sua prpria concepo de religiosidade. Refletindo desta
maneira, procurei observar com familiaridade o que a um primeiro olhar poderia considerar
estranho extico, excessivo no interior desta comunidade - , assim como exercitei o
estranhamento do olho ao que poderia ser familiar.
Dessa forma, considero que o Santo Daime se constituiu numa grande teia
simblica que adentrei com um olhar antropolgico, participativo, sobre os ombros destes
soldados e rainhas do Imprio Juramidam; destes indivduos que desbravam o territrio
incerto e catico dos fragmentos e cacos de uma vida urbana ps-moderna em So Paulo.
APRESENTAO
Busco, neste trabalho,enfocar a partir de uma perspectiva antropolgica o
universo simblico e a cosmologia presentes nos rituais da religio conhecida como
CEFLURIS Centro da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra - tambm denominada
Santo Daime, destacando o debate em torno do sincretismo presente em seu corpo doutrinrio
e em sua definio do sagrado. Na verdade, questiono aqui o prprio conceito de sincretismo,
acreditando que ao menos neste caso especfico torna-se melhor adequado realidade
estudada o termo ecletismo . Dessa forma, procuro analisar como o universo cultural da
floresta readaptado vida urbana de So Paulo e de que maneira ganha vida ao se integrar a
aspectos de outras cosmologias religiosas.
conhecidas como trabalhos - esto presentes elementos da cosmologia indgena ou neoxamnica , afro-brasileira, aspectos da religiosidade oriental e do esoterismo europeu,
mostrando-se um movimento ecltico, consonante com as especificidades da sociedade
urbana; voltada para as demandas de uma classe mdia, em sua maior parte formada por
profissionais liberais.
O que aqui apresento se sustenta alm das obras tericas aqui discutidas - nos
resultados da etnografia realizada na Igreja Flor de Luz Comunidade Cu de Midam filiada
ao CEFLURIS, localizadas no Estado de So Paulo Piedade, alm algumas observaes de
rituais e entrevistas que realizei nas Igrejas Cu de Maria localizada em Osasco - e Cu da
Lua Cheia em Itapecerica da Serra .
Como se sabe, o Santo Daime uma religio gerada a partir do contato entre o
conhecimento cultural de povos indgenas da Amaznia Ocidental com seringalistas vindos
do Nordeste no inicio do sculo XX , contando tambm com a influncia do catolicismo
popular e de cultos afro-brasileiros , sendo que procura criar sua identidade como um grupo
ecltico2 em seus ritos simblicos e como uma Religio de carter brasileiro. Nesse aspecto,
importante notar que, embora o uso indgena da beberagem conhecida por Ayahuasca tenha
sido registrada em vrios pases da Amrica do Sul, ser apenas no Brasil que surgem grupos
religiosos, integrados por populaes no-indgenas. Faz-se necessrio conhecer mais
profundamente as razes e as condies particulares que possibilitaram este fenmeno
cultural nico no Brasil, mas qualquer perspectiva que se adote em relao a tal problemtica,
deve-se passar pela especificidade cultural e histrica da formao da sociedade brasileira,
marcada pelo sincretismo religioso e pela forte presena crist como ncleo aglutinador de
mltiplos universos religiosos. Assim, o Santo Daime faz parte do conjunto das linhas
religiosas que fazem uso de um entegeno3 dentro de um contexto ritualstico, com uma
doutrina e regras de comportamento peculiares. Portanto, ser dentro deste contexto cultural
que um universo religioso especfico cresce e se constri, e alcana, a partir do incio dos anos
80 a regio sudeste, os grandes centros urbanos, espao e tempo em que esta pesquisa
conquista corpo e sentido.
Assim sendo, procuro neste trabalho preencher lacunas etnogrficas sobre a
cosmologia e rituais das religies ditas ayahuasqueiras4 , j que os trabalhos produzidos at
este momento relevantes e ricos em suas perspectivas - no do conta de responder a todas
as questes suscitadas pelo objeto de estudo supracitado, revelando a necessidade de novas
2
Ecletismo um termo mais apropriado que sincretismo, j que este tem o inconveniente de indicar uma juno
desorganizada de elementos cosmolgicos dspares e descoordenados. O ecletismo evoca a idia de uma
totalidade, que envolve o membro da religio num conjunto de cosmologias que convivem entre si .
3
Expresso de origem grega, que significa deus dentro. Trata-se de um conceito mais apropriado que droga ou
alucingeno por exemplo expresses estas carregadas de julgamento negativo e que desconsideram o ponto
de vista cultural dos que se integram aos rituais com uso de plantas consideradas sagradas.
4
As religies ayahahuasqueiras so aquelas que fazem uso em seus rituais de uma bebida considerada sagrada,
divina elaborada a partir da infuso de duas espcies vegetais de origem amaznica: o cip Banisteriopsis
iniciativas que dem continuidade aos resultados tericos estabelecidos pelas pesquisas ento
realizadas. Alm disso , trata-se de enriquecer o campo antropolgico; difundir o
conhecimento cultural, o respeito e tolerncia dilogo com a sociedade e outras
denominaes religiosas , traduzir enfim - a riqueza de uma religio que tem suas razes
na cultura indgena da Amaznia Ocidental e que se propagou das mais diferentes formas em
regies urbanas do Brasil .
Questes se impem: Como se delineia o universo simblico e ritualstico daimista,
com seu conjunto de conceitos e vises de mundo prprias? Qual a definio do ns e dos
outros5 formulada por esse grupo ? Como cada Centro Daimista constri sua identidade
frente aos demais Centros numa relao tensa entre a especificidade e a unicidade ditada
pelo grupo e como cada indivduo daimista reage e se assume ante tal contexto ? De que
forma os processos de cura - orgnica e espiritual - contribuem para o crescimento, difuso
e coeso dos Centros, caracterizando-os assim como Casas de Cura? Podemos considerar o
Santo Daime como uma doutrina ou praxis xamnica e, se assim for, qual a natureza deste
xamanismo? As respostas no so fceis, mas podem configura-se como uma fonte rica de
pesquisa e vir a ser parte integrante do conhecimento antropolgico no Brasil. So esses os
motivos que assim servem de apoio e justificativa a este estudo.
O estudo dos hinrios, oraes e outros escritos do grupo religioso merecem
cuidado especial, pois a partir deles pode-se aprofundar a observao mais direta da pesquisa
de campo. Com relao aos hinos, foco minha ateno para compreenso das letras, origens,
autores
caapi e a folha Psychotria viridis. As trs principais linhas religiosas so segundo Labate (2002) : Santo
Daime, Barquinha e UDV.
5
importante ressaltar que a identidade deste grupo se constri em tenso com a sociedade, com as outras
religies, inclusive com as religies ayahuasqueiras de outras linhas doutrinrias.
10
associado a determinado hino. Este desempenha um papel de destaque, tanto assim, que o
Santo Daime, pode tambm ser definido como uma doutrina musical , onde o conjunto de
todos os hinos representam o livro sagrado de ensinamentos dos daimistas tal como a Bblia
para os Cristos ou o Coro para o Islamismo. Interessante notar, da mesma forma, que a
simplicidade potica de muitos hinos e a repetio de seus versos no momento do canto
exercem a funo de incluir aqueles moradores simples e iletrados da floresta, dentro de um
processo que vincula de forma dinmica e total - o indivduo ao ethos do grupo religioso.
importante lembrar que este trabalho tem como base de apoio principal as histrias
de vida , colhidas entre os integrantes da religio diretamente ou atravs de outras fontes -,
registros fotogrficos das cerimnias e do local onde estas ocorrem, sempre com o intuito de
decifrar os diferentes rituais do Santo Daime nos centros urbanos de So Paulo, com seus
atores em interao .
A definio de cultura que utilizo terica e metodologicamente - para adentrar no
universo religioso dos Centros urbanos do CEFLURIS est formulada por Clifford Geertz
(1989), como sendo uma teia de significados tecida pelo homem, ao qual este encontra-se
amarrado. Cultura, portanto que deve ser interpretada pela Antropologia, com seu ardor em
buscar significados a ela inerentes . No trabalho etnogrfico, a cultura deve ser tratada como
trabalhos de imaginao, construdos com a matria social, segundo nos afirma Geertz
(1998), e com o qual concordamos. Deve-se ler a cultura como se fosse um texto, sendo que
este se inscreve na intersubjetividade das relaes sociais do outro, e
portanto, uma
11
qualidade h pontos de vista que ainda precisam ser abordados , alm da necessidade de
aprofundamentos e continuidade sobre aspectos que comearam a ser objeto de anlise. Em
especial, esta pesquisa dar continuidade a autores como Goulart (1996) , Arajo (1999) e
Labate (2002) que foram os pioneiros a estudar o fenmeno urbano das Religies que fazem
uso ritual do entegeno ayahuasca. Sero de fundamental importncia conceitos
desenvolvidos por estes pesquisadores como o caso de cosmologia em construo de
Sena Arajo, quando estuda a incorporao de novas cosmologias religiosas na Barquinha; ou
o termo ecletismo escolhido por Groisman (1999), cuja escolha atenta para a prpria
interpretao que os daimistas tem de sua doutrina envolvendo elementos catlicos,
esotricos, afro-brasileiros e kardecistas . J autores, como o caso de Macrae (1992),
passaro por uma leitura mais crtica, especialmente no momento em que desenvolvem o
conceito de sincretismo para tratar das cosmologias das religies ayahuasqueiras.
Segundo o antroplogo Alberto Groisman ,reportando tradio oral herdada dos
tempos de Raimundo Irineu Serra, podemos, caracterizar da seguinte forma o modelo de
espiritismo no Santo Daime:
A denominao ecletismo evolutivo traz consigo uma marca da
influncia do espiritismo brasileiro na gnese do culto. Esta denominao me
pareceu muito adequada como forma de representar e justificar a
convivncia entre diversos sistemas cosmolgicos : a umbanda, o
esoterismo, o espiritismo kardecista, e outros, na cosmologia grupal. Ao
mesmo tempo, assinala a singularidade da concepo daimista do mundo
espiritual.
( GROISMAN ,1999, p. 46)
A questo sobre se haveria um carter xamnico no Santo Daime, e sobre qual seria a
natureza deste xamanismo, tambm merece uma elucidao. Neste aspecto so vlidos os
argumentos de Macrae , Arajo e Cemim, cada um a seu modo evidenciando a existncia de
um sistema xamnico no CEFLURIS, ou de uma prxis xamnica como afirma Groisman
(1999). A discusso terica em torno do xamanismo no Santo Daime, revela novas tenses,
12
principalmente quando voltamos nosso olhar para o Ritual da Lua Cheia, onde os cnticos e
os discursos locais referem-se diretamente a prticas arcaicas de xtase6.
Faz-se importante esclarecer uma influncia importante entre as cosmologias presentes
no Santo Daime , que a dos princpios kardecistas , apresentados em publicaes como O
Evangelho Segundo o Espiritismo, O Livro dos Mdiuns, Gnesis, de Allan Kardec. O
Kardecismo alou importncia dentro do Santo Daime quando da
vinda do Padrinho
Sebastio para o grupo, j que este personagem amazonense era respeitado mdium e curador,
incorporando - por exemplo o esprito de Bezerra de Menezes, mdico brasileiro respeitado
esprito curador, entre a comunidade kardecista do Brasil.
Defendo a idia de que diante do aprofundamento do paradigma da modernidade com todos os conflitos, tenses e ambivalncias da vida urbana os Centros Urbanos do
Santo Daime, dentro do universo de escolhas religiosas do mundo contemporneo se
apresentam como uma sada para uma classe mdia urbana de So Paulo (Brasil) , sada de
resoluo de dilemas, integrao familiar e fonte de construo de uma identidade ento
fragmentada. As cosmologias em construo do Cefluris seriam ento uma peculiaridade
deste mundo moderno e a Cosmologia Daimista uma interpretao possvel desta vida
urbana fragmentria. Dentro desta mesma dinmica, embora haja o comando central do
Conselho Doutrinrio do Cefluris que distribui nacional e mundialmente o sacramento
hoje presidido pelo Padrinho Alfredo Mota de Melo , cada um dos Centros exerce certa
autonomia e constri assim sua prpria identidade. assim, por exemplo, que no Cu de
Maria - igreja central com capacidade para centenas de pessoas- h o comando do Padrinho
Glauco (cartunista do Jornal Folha de So Paulo ) onde se canta seu hinrio intitulado
Chaveirinho, evocando sempre a proteo de Santa Maria, simbolizada por Nossa Senhora
6
(...)a vocao xamnica, semelhana de qualquer outra vocao,manifesta-se por uma crise, por uma ruptura
13
de Aparecida Santa Padroeira do Brasil numa imagem que fica na mesa em forma de
estrela salomnica (no centro do salo). J o Cu da Lua Cheia se caracteriza pelos princpios
do chamado Xamanismo Cristo e por um forte ecletismo afro-brasileiro, esotrico,
budismo, religiosidade oriental, etc como fica claro no Hinrio de Lua Cheia, onde se canta
e baila para a Lua, para Oxossi, Krishna, Buda, Cristo, Saint Germain, a guia e ao Leo
tudo num nico dia, numa mesma cerimnia. J o Cu de Midam em Piedade SP, marcado
pela crena nos seres estelares, que seriam guardies de nossas vidas aqui na Terra .
Torna-se fundamental esclarecer os caminhos metodolgicos que adotei ao longo de
minha pesquisa etnogrfica sobre o Santo Daime em So Paulo. De maneira mais geral, esta
tarefa
foi
direcionada
pelos
princpios
metodolgicos
enunciados
na
etnografia
14
etnogrfica. Houve tambm o registro fotogrfico dos rituais, das atividades na comunidade
religiosa e das pessoas e moradores do Cu de Midam. Este registro fotogrfico teve a funo
de construir um texto mais slido e mais esclarecedor para aqueles a quem se destina sua
leitura. As histrias de vida somadas a estas imagens acabam por construir uma teia
simblica, que a anlise antropolgica trata de interpretar a partir de um olhar sobre o
ombro do nativo, como afirmaria Geertz.
Alm disso, os documentos da Igreja Flor de Luz anexados ao final desta dissertao
foram fundamentais na medida em que auxiliariam na reconstruo da histria desta Igreja,
assim como no detalhamento das datas e de outros dados especficos da vida burocrtica da
instituio.
Considero, dessa forma, que tambm cada indivduo que vivencia essa
multiplicidade sagrada constri - com esta pluralidade de fragmentos sacros - sua prpria
essncia espiritual e seu caminho de interpretao tanto das miraes que advm ao ingerir o
vinho sagrado como do contraste presente em sua vida moderna de ambivalncias.
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Glossrio Daimista
Aparelho trata-se do nosso corpo, da nossa matria que, atravs da mediunidade recebe as
influncias espirituais, que podem ser tanto positivas como negativas. Diz-se que ns somos
aparelhos comandados pela fora do astral, do mundo espiritual. O termo aparelho faz parte
da influncia kardecista existente no Santo Daime, assim como da tradio religiosa afrobrasileira.
Atuado sujeito no decorrer do trabalho de Daime que recebeu a presena de uma entidade
espiritual. Nos trabalhos do Santo Daime, s permitida a atuao ou incorporao nos
trabalhos de So Miguel, trabalhos de banca aberta, ou trabalhos ligados ao chamado
umbandaime .
Cip Jagube Banisteriopsis caapi seu nome cientfico. o cip de origem amaznica
que somado folha rainha, mais gua e fogo formam este bebida sagrada, de propriedades
entegenas, ou seja, capaz de provocar a expano da conscincia. O jagube representa a
fora, e considerado elemento masculino dentro das energias que formam o Daime. Ele
16
contm vrios alcalides como a Harmina, Harmalina que atuam principalmente como
inibidores de monoamina-oxidase (imaos) , ou seja, facilitando a absoro da DMT da folha
rainha pelo organismo.
Daimado diz-se do indivduo que ainda est sobre os efeitos do Santo Daime. Muitas vezes
mesmo depois do trabalho espiritual encerrado, voc ainda sente em diferentes graus o
Daime agindo em sua conscincia.
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memria cssica. Nos trabalhos espirituais com o Daime deve-se buscar nosso eu superior, e
harmoniz-lo com o chamado Eu Inferior.
Disciplina uma postura requerida a todo daimista. Este deve respeitar as recomendaes
do comandante do trabalho espiritual, devendo se apresentar no trabalho com a farda
impecvel, etc. O seu contrrio a rebeldia constantemente condenada nos hinos.
Estrela a estrela de seis pontas estrela do Rei Salomo um smbolo que designa a
adeso do indivduo esta Doutrina Religiosa. No trabalho deve traz-la no peito.
Farda seria o uniforme utilizado pelos fiis do Santo Daime. Existem dois tipos : a farda
branca, para ocasies especiais, trabalhos de hinrio e oficiais; e a farda azul, utilizada em
Concentraes, trabalhos de cura, Santa Missa e trabalhos no oficiais (datas fora do
calendrio do CEFLURIS) .
Firmeza Umas das qualidades mais enfocadas pelos daimistas. Trata-se da necessidade de
seguir os preceitos ticos e morais da doutrina, do dever de seguir os ensinamentos contidos
nos hinos. Diz respeito tambm a ser firme , durante o ritual , diante da fora do Daime. O que
significa, prestar ateno aos hinos, cant-lo com alegria e convico, bailar e tocar seu
marac corretamente.
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simplesmente DMT. Esta substncia ingerida oralmente no teria nenhum efeito na mente
humana, pois seria destruda pelas enzimas do aparelho digestivo. No entanto, associoada aos
imaos do Jagube torna-se um forte poder psicoativo.
Mirao - trata-se do xtase provocado pela ingesto do Daime, representado por vises,
sons, percepes, insights e outros sinais de carter psquico ou religioso. Na maioria das
vezes a mirao se manifesta na forma de imagens e cores durante o vo da alma ,ou em
outras palavras, durante a expanso da conscincia provocada pela bebida. O contexto ritual com os canes, a msica, o incenso e o bailado - criam um clima propcio para que os
adeptos penetrem neste estado de xtase e mirem.
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aqueles adeptos que por algum motivo desviaram-se de preceitos ticos presentes nos hinos e
na Doutrina Daimista.
Santo Cruzeiro Um dos principais smbolos sagrados dentro da cultura do Santo Daime.
Trata-se da Cruz de Caravaca, com dois braos na horizontal, sendo que o segundo representa
a volta de Cristo Terra, ou tambm pode ser interpretado, como a energia crstica presente
no Mestre Irineu.
Surto - diz-se que o Daime para todos mas que nem todos so para o Daime. Existem
pessoas que no se aconselha beber esta bebida. Principalmente quem j apresenta sinais de
patologias psiquitricas, quem epiltico ou faz uso constante de medicao psicotrpica. Se
a pessoa tiver uma semente l dentro dela de desenvolver uma psicose, o Daime puxa esta
semente, e a pessoa pode acabar enlouquecendo. Estes casos so raros, mas podem ocorrer. O
abuso tambm desta bebida considerada sagrada pode gerar o surto. Na etnografia no Cu de
Midam, coletei um relato sobre uma pessoa que, em casa, tomava Daime todos os dias, todas
as horas, desregradamente, alm de fazer uso de outras substncias. O resultado foi que
surtou: todos os dias, s trs da manh ele sobe um morro prximo sua casa, carregando
uma cruz de madeira do seu tamanho, gritando a todos os cantos que ele um profeta e que
traz a salvao.
20
Vivas so saudaes ou louvores dados em alguns intervalos entre um hino e outro - aos
seres divinos, a Jesus Cristo, So Jos, ao Mestre Irineu, ao Padrinho Sebastio , a Padrinhos e
Madrinhas, aos aniversariantes, aos visitantes, s crianas, ao Santo Cruzeiro, etc. Sempre h
uma ou duas pessoas designadas desde o nicio do trabalho para dar estas vivas, que so
respondidos pela ala masculina do salo.
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22
CAPTULO I - AS ORIGENS
Construiremos neste captulo uma breve trajetria histrica das principais Religies
Ayahuasqueiras7 do Brasil, procurando enfatizar a linha religiosa fundada pelo amazonense
Sebastio Mota de Melo, cuja sigla C.E.F.L.U.R.I.S. Centro Ecltico da Fluente Luz
Universal Raimundo Irineu Serra mais conhecida pela denominao de Santo Daime8 ,
nome este que ser utilizado nesta dissertao. Sabe-se que a utilizao ritual da bebida
produzida a partir da associao do cip Banisteriopsis caapi com outras plantas
principalmente a folha da espcie Psychotria viridis vem de longa data, fazendo parte da
tradio xamnica de diversos povos indgenas da Amaznia Ocidental . A palavra ayahuasca
- nome mais comum para esta bebida sagrada de origem quchua, podendo ser traduzida
como cip das almas ou ainda vinho das almas, pois sua ingesto garante o acesso ao mundo
espiritual - local privilegiado ,segundo a maioria dos povos que a utilizam, onde reside a
realidade verdadeira, em contraposio ao mundo cotidiano, mundo de iluses.
Apresentaremos logo abaixo uma sucinta anlise de alguns destes povos indgenas e suas
cosmologias e rituais ligados ayahuasca. Embora no faa parte do objetivo desta pesquisa,
lembramos que foi graas a esses povos e aos chamados caboclos vegetalistas mestios de
origem branca e ndia vivendo entre as regies fronteirias do Brasil, Peru e Bolvia
somando-se chegada de migrantes nordestinos atrados pela economia da borracha, que
7
Segundo Labate ( 2002) Religies Ayahuasqueiras so aquelas formadas por integrantes de populaes noindgenas que fazem uso ritual da bebida ayahuasca a partir de uma releitura crist das cosmologias indgenas e
dos caboclos vegetalistas da regio amaznica tambm chamados de curandeiros. Essas religies trazem
tambm uma influncia do espiritismo kardecista, do esoterismo europeu e das tradies afro-brasileiras.
8
Santo Daime o nome do grupo religioso, assim como da bebida sagrada usada nos rituais.
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Como veremos mais adiante, ser atravs de um mito que narra a iniciao de Irineu
- que se estabelecero as bases para as origens do Santo Daime . Este tempo primordial
26
prprio do mito - acaba por se confundir com o desenrolar dos acontecimentos na passagem
de Irineu pela regio do Acre.
Sabe-se que ele passou pelas cidades de Xapuri , Brasilia, e Sena Madureira , estando
tambm no Peru e Bolvia. Nestes locais, travou contato com etnias indgenas, onde
provavelmente conheceu a bebida conhecida entre outros nomes por Ayahuasca.. Entretanto
sua iniciao com esta bebida de acordo com a maioria dos relatos - est marcada pelo
encontro com o caboclo vegetalista Dom Crescncio Pizango . Segundo o depoimento11 do
seringueiro Luiz Mendes do Nascimento, Pizango era um peruano que realizava um pacto
satnico com o uso da ayahuasca, sendo que no ritual as pessoas tomavam a bebida e
invocavam o nome do diabo, para atrair fortuna e facilidades na vida. Uma das verses desta
histria assim narrada:
Tomou a bebida e quando comeou a trabalhar , botaram a boca no
mundo, chamando o demnio. Ele (Irineu ) tambm comeou a chamar. S
que na proporo que ele chamava o demnio, eram cruzes que iam
aparecendo. Ele se sentiu sufocado de tanta cruz que comeou a aparecer . O
Mestre comeou a analisar: O diabo tem medo da cruz e na medida que eu
chamo por ele, aparecem as cruzes. Tem coisa a... Ele pediu para ver uma
srie de coisas . Tudo que ele queria, ele pde ver. Isso o impressionou
bastante. E assim foi a primeira vez... ( Luiz Mendes do Nascimento) 12
Esta apenas uma das verses sobre este encontro de Irineu com Pizncio. H outras verses, o que torna
difcil reconstruir estes fatos. Como foi dito acima, o mito da iniciao xamnica do Mestre Irineu se confunde
com sua prpria histria de vida.
12
Depoimento retirado da Revista COMUNIDAIME Boletim do CEFLURIS CENTENRIO DO MESTRE
IRINEU ABRIL DE 1993.
27
Irieneu , dessa forma, havia recebido em mirao14, a tarefa de realizar uma dieta de
macaxeira insossa , devendo permanecer cerca de oito dias na mata , tomando Daime , no
devendo ter nenhum contato com qualquer mulher. Realizando esta passagem, ao longo de
quatro dias , Irineu percebe que no precisava mais tomar o Daime, pois j v os seres da
floresta e os espritos isto sem a necessidade de ingerir a bebida sagrada . Ao final dos oito
dias , Raimundo Irineu Serra recebeu a presena da Rainha da Floresta Virgem da
Conceio que lhe passou a misso de doutrinar o mundo inteiro, como se canta em um
de seus hinos. Podemos afirmar, que este o mito fundador que origina o Santo Daime como
linha religiosa. Dessa forma, Irineu funda em associao com Antonio Costa o Crculo de
Regenerao e F (C.R.F.) por volta de 1916 e, em 1930 cria o Centro de Iluminao Crist
Luz Universal Alto Santo, em Rio Branco AC, onde aos poucos vai estruturando e
modelando os trabalhos espirtuais com o Santo Daime. A Doutrina do Santo Daime,
13
Idem, 1993.
28
propriamente dita, inicia-se quando Irineu recebe um chamado da Rainha da Floresta para
abandonar a Guarda Territorial e assumir o posto de General do Batalho da Rainha da
Floresta (Maia Neto, 2003: 95), momento em que implanta os trabalhos de cura e
concentrao no bairro da Vila Ivonete, em Rio Branco.
Vejamos como a Madrinha Maria do Carmo, hoje com 60 anos, nascida em Rio
Branco, e dirigente da Igreja Flor de Luz Piedade, So Paulo, fala sobre seu encontro com o
Mestre Irineu, quanto tinha dez anos, por volta do ano 1957:
Bem, para falar nisso . . . Em Rio Branco, h uns 40 anos atrs, era
como uma cidadezinha do interior , era pequena , ali todo mundo dizia assim
oi como que t voc ? , hoje ainda tem isso , mas em menor escala. E o
Daime nasceu no Rio Branco, sabemos disso, todo mundo sabe que o Daime
foi fundado pelo Mestre Irineu e a gente na igreja catlica ouvia falar do
padre muito sermo a respeito dessa seita, que ele chamava seita do diabo . E
eu era criana ouvia e ficava ali, ouvindo aquelas coisas que o padre falava
na hora l da pregao, a seus fiis. Ento, o Daime foi assim, a gente vai
sabendo do Daime , dos acontecimentos, por de trs das cortinas, por de trs
dos bastidores, com o padre falando . E eu fui crescendo com aquela palavra,
mas eu era catlica, ento... E uma vez, para falar assim de como eu conheci
o Daime, desde criana, minha famlia tinha... aqui chamam mercearia , l
era taberna , um linguajar assim de 40 anos atrs , tinha uma taberna , e eu
criana ficava por ali a eu escutava as pessoas comentarem , conversarem.
Quando chegou uma conversa l assim mas rapaz, ele tem um p to
grande , cabe numa caixa de sabo , o Irineu tem um p grande mesmo ! . E
eu ouvia aquilo e ficava admirada. E a eu olhei para dentro de uma caixa de
sabo zebu , hoje em dia no existe mais isso , que era sabo em barra ,
numa caixa comprida, acho que tinha uns 50 cm a barra de sabo, e eu como
criana fiquei na curiosidade de conhecer o Mestre Raimundo Irineu Serra
que naquele tempo era Raimundo Irineu Serra, n ... E ainda no tinha a
denominao de mestre. O pessoal falava o Irineu ... E eu fiquei curiosa,
para conhecer esta pessoa , que tinha um p grande, como que ia caber um
p dentro de uma caixa to grande ? Da eu consegui, com dez anos que eu
cheguei a conhecer o Mestre. Conhecer no, porque conhecer ... voc ter
intimidade com uma pessoa, no, eu vi o Mestre , vi e l em Rio Branco ,
tinha as festas juninas , era Santo Antnio, So Joo e So Pedro, ento eles
faziam aquelas quermesses , para ns l arraial, os arraiais, para angariar
fundos, e havia um arraial l na Colnia Custdio Freire , onde justamente
hoje o Alto Santo . Ento nesse perodo ajuntavam vrias colnias e l era
um entroncamento onde tinha vrias colnias perto uma da outra, eram
14
Mirao estado de xtase provocado pela ingesto do daime, representado por vises, percepes , insights e
outros sinais de carter psquico ou religioso.
29
divisas uma como com a outra, tinha a Joarez Tvora, Custdio Freire ,
Apolnio Sales , Adalberto Sena , ento tinham vrias colnias que se
ajuntavam e faziam a festa. E a Joarez Tvora e a Custdio Freire eram as
mais famosas devido a estar o Mestre Irineu l, que tinha os seus agregados e
a eu conheci o Mestre . E eu era uma menina e fui para esse arraial, pedi
para minha me e uma vizinha, junto com suas filhas, me levou. Eu fiquei
naquela curiosidade... naquela curiosidade de ver o p , realmente... e a,
quando ns fomos l , a teve uma hora l , ele foi para o arraial e sentou ,
tinha que marcar presena no arraial , a todo mundo fazendo a fila , quando
a minha amiga l, minha colega chamou pr gente ir para a fila para tomar a
beno do padrinho , a eu fui para a fila tambm, fiquei na fila para
cumprimentar o Mestre Irineu e tomar a beno e eu cheguei perto e j
olhando para o p , mas naquele momento ali, nunca esqueci isso , eu fui
pedindo a beno mas no olhava nem para ele ... assim, vi , aquela
imponncia que ele era muito grande , sentado numa cadeira ele se
sobressaia de todo mundo , de todos. E foi assim que conheci o Mestre
Irineu.
Madrinha Maria do Carmo.
30
31
Nessa poca, comeavam a chegar regio muitos jovens da classe mdia urbana
entre eles hippies e mochileiros - da regio sul e sudeste do Brasil. Tal encontro acaba por
atribuir uma face mais moderna ao Santo Daime, e, a estes jovens caber a tarefa de expandir
as santas doutrinas fundando igrejas e ncleos do CEFLURIS nos grandes centros
urbanos do sul . Entre eles se destacam Lcio Mortimer e Alex Polari de Alverga, este que
nos anos da ditadura participou de movimentos contra os militares , sendo preso e torturado.
A Comunidade da Colnia 5000 representou, portanto o primeiro passo para a
construo do projeto espiritual, material e comunitrio do Padrinho Sebastio. Alguns anos
depois deu-se incio peregrinao rumo ao centro da floresta amaznica, primeiro com a
instaurao do Seringal Rio do Ouro e , mais tarde , na Vila Cu do Mapi, que at hoje
permanece como grande centro religioso e de peregrinao uma espcie de Meca para
daimistas de todos os lugares do Brasil e do exterior:
32
Sebastio Mota de Melo recebeu e acolheu os visitantes do sul do pas, assim como
os jovens estrangeiros que chegavam at ele para conhecer esta extica comunidade que
vivia no corao da floresta amaznica e que consagravam um ch dito alucingeno.
No prximo captulo ser descrita
33
Figura III Glauco Villas Boas, cartunista do jornal Folha de So Paulo e comandante da Igreja Cu de
Maria.
34
CAPTULO 2 -
Pretendemos traar uma anlise do Santo Daime, do sentido daimista de ser, a partir
do que Geertz considera uma descrio densa da cultura desses indivduos sociais. Procura-se
entender como os daimistas - como atores do jogo social - interpretam os significados
mostrados pelo daime nas miraes, nos rituais, no dia-a-dia e na vida em comunidade.
Considerando a cultura metaforicamente falando - como um conjunto de textos que
demandam interpretao, a etnografia mostra-se um meio eficaz de compreend-los a partir
do ponto de vista dos fiis do Santo Daime. Estudaremos um caso local, uma comunidade
35
Escola de Magia, Santa Doutrina , Escola de Conhecimento entre outras definies forma encontradas nas
entrevistas realizadas na comunidade Cu de Midam.
16
GEERTZ,Clifford . Interpretao das Culturas , (1989) p67.
36
Para esse objetivo, observo que h personagens, igrejas e smbolos do Santo Daime
em So Paulo, e nessa trade me detenho para construi um mapeamento dos significados
culturais desta Religio Ayahuasqueira em um contexto urbano de fragmentao e ausncia
de sentido prprios deste momento de aprofundamento da modernidade que vivenciamos. Os
significados nos remetem a smbolos, no caso, smbolos sagrados que, na perspectiva de
Geertz , existem para sintetizar o ethos - tom, carter , estilo, disposies morais ou estticas
- de um povo:
Os smbolos religiosos formulam uma congruncia bsica entre um
estilo de vida particular e um metafsica especfica (implcita, no mais das
vezes) e, ao faz-lo, sustentam cada uma delas com a autoridade emprestada
ao outro. (GEERTZ, 1989, p. 67)
Nesta perspectiva os fiis do Santo Daime adotam este universo simblico religioso,
no necessariamente para vencer o sofrimento nem sempre algo possvel mas para fazer
deste um fardo que se possa compreender:
Em toda religio - e no nosso estudo de caso no poderia ser diferente para conhecer
necessrio primeiramente acreditar, ter f. A viso de mundo dos daimistas em geral, e,
particularmente em So Paulo, e mais especificamente no Cu de Midam acaba se delineando
como uma perspectiva entre outras, como uma forma especfica de se ver a vida.
17
18
Ibidem. p. 67.
GEERTZ, Clifford , A Interpretao das Culturas. (1989)
37
ibidem , p 82
38
20
DURKHEIM, mile.As Formas Elementares da Vida Religiosa. Paulus. So Paulo (1989) p. 79.
39
40
Este autor afirma ainda que os smbolos dentro de um ritual so dinmicos e mltiplos
em significados, onde compreend-los exige que enxerguemos a totalidade do rito, sua
semntica , seu contexto.
Torna-se de grande relevncia registrar aqui a forma que Turner conceitua o smbolo,
que, segundo o autor, teria a funo de intermediar as relaes entre estrutura e
communitas. O smbolo possui um carter polissmico, dinmico e investido de um
grande valor real para aquele que o vivencia em um ritual.
Dito isso, vejamos agora como se configura o Santo Daime como religio e como
cada daimista percebe-se no contexto destes smbolos sagrados , como cada indivduo a
partir da - organiza sua experincia de vida .
2.2
Iremos agora iniciar uma discusso sobre uma possvel definio para o Santo Daime,
enquanto comunidade sagrada que compartilha rituais e preceitos entre si. Vou guiar esta
reflexo de acordo com os depoimentos colhidos pelos daimistas que participaram das
entrevistas no trabalho de campo; como estes compreendem seu grupo religioso, ser este
nosso norte. Religio, doutrina, local de terapia, escola de conhecimento, escola de magia,
escola de bruxaria, escola espiritual, centro livre, centro ecltico, essas foram algumas das
definies coletadas na pesquisa.
Para Ray , no podemos definir o Santo Daime como Religio :
No , no uma religio. Toda religio tem um deus prprio, por
exemplo, Buda uma religio, quem Deus? Buda. Muulmanos tem uma
religio, quem Deus? Maom. O Cristianismo est calcado em Jesus
Cristo. Para que seja religio preciso que haja um deus e que seja nico. O
41
21
42
voc no tem purgatrio e no tem pecado. Para os muulmanos voc vai ter
umas cem virgens l no Paraso...
Nessa perspectiva , o Santo Daime uma doutrina porque ensina, disciplina e mostra o
rumo , indica um caminho para quem se encontrava perdido em um universo de iluses e
vcios. Ray afirma ainda que o Santo Daime uma doutrina do corpo. Para explicar o porqu
dessa designao , nosso entrevistado ir classificar os trabalhos com o Santo Daime em trs
tipos:
Ns somos a doutrina de corpo. Ns temos trs tipos de trabalhos, s
trs. Temos o trabalho de cura. Qual a funo do trabalho de cura? Voc
toma um daime dobrado e ele vai limpar o seu organismo, e voc vai cagar e
peidar tudo que tem no corpo, vai purgar, e , enquanto seu corpo no estiver
limpinho , voc no vai conseguir trabalhar naquele salo. um trabalho de
limpeza do organismo . Ento primeiro voc limpa o organismo.
O sengundo trabalho
assim: a concentrao. O que a
Concentrao. Ns vamos nos sentar durante seis horas, voc toma o daime
para limpar sua cabea, limpar seus pensamentos. E voc vai se topar com
todos o seus pensamentos, voc vai se topar com voc mesmo. Voc vai se
topar com todos os inimigos que voc criou um daime que d mirao, ele
vai abri seu crtex e voc vai ter que limpar todos os seus pensamentos.
Voc vai ter que perdoar, perdoar , perdoar... Enquanto voc no perdoar vai
ficar cagando e vomitando l no quintal . Cada vez que um pensamento te
atravessar, voc vai correr para o banheiro. O primeiro trabalho limpa seu
corpo. O segundo trabalho limpa seus pensamentos.
O terceiro trabalho o bailado. uma marcha militar, dois pr l dois
pr c , durante doze horas. Voc sabe o que fazer dois pr l dois pr c
durante doze horas? Eu te dou uma idia. Se voc pegar um cavalo , um
alazo, um bom cavalo, e colocar ele para fazer trote , ele trota por oito
horas. Depois de oito horas o peito dele bomba, o corao explode dentro do
peito . Depois de oito horas o cavalo morre. Por isso que a cada seis horas
voc precisa parar o cavalo, descansar ele , para depois seguir. O nosso
cavalo l no salo baila doze horas, dois pr l dois pr c, num puta trote
alucinante. Quer um teste melhor para o seu organismo do que este? Doze
horas, e se bobiar ele ainda d uma hora de amostra grtis...(risos) E como
que o cara consegue? Voc disciplinou seu organismo, disciplinou seu
pensamento, a voc est preparado para ser uma mquina prodigiosa. Por
isso que a nossa doutrina uma doutrina de corpo.
H portanto uma apurao que o novato passa, degrau a degrau, para poder finalmente
trabalhar de forma plena , exercer sua meditao numa cerimnia daimista. Primeiro o
43
trabalho de cura, para limpar o organismo de impurezas e vcios. Segundo, com o organismo
j limpo, o novato ir limpar seu pensamento, despojando-se de negatividade, de raiva , das
agresses que provocou a outros, e assim por diante. O terceiro trabalho o bailado, quando a
pessoa j se encontra pronta para tornar-se uma mquina prodigiosa, na definio de nosso
informante. Ele indica portanto um caminho, claro que no o nico possvel, para aqueles que
esto ingressando no uso ritual da bebida sagrada.
Outro entrevistado, Padrinho Eduardo, acreano, com 76 anos tambm deixa claro em
seu depoimento que o daime significa doutrina:
O trabalho disciplina, n, tem que ser tudo certinho , porque se no for
certo nada certo. Porque uma doutrina n, uma doutrina separado de
muitas coisas, se separa. Doutrina de um lado outras coisas de outro.
Tal como Ray, o Sr. Eduardo tambm percebe a doutrina como educao, como
disciplina, quando a bebida sagrada associada aos ensinamentos do hino passam a indicar um
caminho, uma tica para aquela pessoa que participa da cerimnia religiosa:
Tudo tem, tudo tem, essas coisas pr gente ver, mas se... o cara no percebe ,
n, o cara no percebe o que tem nos hino, direitinho ... Se no for direito
no vai. A gente tem que procurar uma atitude, n, ou de ir ou de ficar.
Porque o camarada ele no pode ir por dois caminhos, tem que ir ser um
caminho s. Ele vai por um caminho aqui, no d certo , esse aqui tambm
no , esse tambm no t... ento, um s ele j est acostumado. Tem que
saber para onde est indo.
Entretanto, o entrevistado tambm deixa seu desapontamento com aquelas pessoas que
tomam Daime s para mirar, para ver coisas belas s para ver primores , como dizia Irineu
Serra e no segue a disciplina, ou seja, no aproveita os ensinamento para transformar sua
vida.
A est o negcio do povo beber Daime: tem que ir por um caminho
s . E aquela mesma vida, aquela vida antiga do povo . Mas no comeo do
Daime no era assim, era outra vida, n ? E agora est sendo a mesma vida
que era est sendo .Quando fundou o Daime era coisa muito sria ... se voc
44
fizesse uma coisa agora e tomasse Daime amanh, voc soltava que soltava
tudo . No tinha nada encoberto que no fosse descoberto , descobria na
hora. Hoje em dia faz tudo, toma Daime e... nada acontece... no tem
disciplina , s vai se tiver disciplina ...
J Angelo , sannyasi italiano que vive j no Brasil h mais de dez anos, o Daime ganha
a definio de Escola de Magia. Ele lembra uma fala do Padrinho Jonas que dizia: Santo
Daime uma escola de bruxaria ou de conhecimento . Angelo s aceitou Jesus Cristo,
porque apostou na idia de que o Daime no religio. Para ele as religies representam um
grande mal para a humanidade:
Eu no estava procurando uma religio. E ainda hoje, eu acredito que tenho
que evitar as religies, porque as religies s levaram a desgraa para o
mundo. Porque o Santo Daime no uma religio do meu ponto de vista e o
meu ponto de vista foi inspirado pelo Padrinho Jonas e confirmado por ele,
mas uma escola de espiritualidade. A eu encontrei o meu caminho, voc
est entendendo? Se fosse o caminho de Jesus Cristo nos patamares
religiosos no, eu detestava isso, ento consegui aceitar Jesus Cristo s
porque isso aqui no uma religio. Ento no sendo uma religio, eu
endosso. Agora, tem muitos no Santo Daime que acham que o Daime
religio. Agora cada um que se comprove com a sua realidade. Agora, eu
acho isso.
45
Na conjuntura espiritual de nossa poca, da qual nos fala a antroploga Leila Amaral,
de novas condies de espiritualidade, podemos encontrar quatro elementos comuns tanto
Nova Era como ao Santo Daime, na medida em que ambos se aproximam um do outro: a
influncia da contra-cultura e dos projetos de comunidades alternativas; a defesa do
autodesenvolvimento baseado em terapias holsticas; a curiosidade pelo oculto, inspirada no
exoterismo do sculo XIX e no encontro do orientalismo, da religiosidade popular e indgena;
a defesa da sacralidade da natureza e do encontro com o eu interior.
Registradas as opinies dos fiis sobre a natureza do Santo Daime escola de magia,
doutrina ou religio - , podemos afirmar, a partir de uma perspectiva antropolgica, que o
Santo Daime pode sim ser denominado como Religio, pela estrutura que organizou ao longo
de dcadas de existncia, por possuir uma hierarquia de Padrinhos dotados de liderana
carismtica. E, finalmente, como afirmaria Geertz, o Santo Daime uma religio porque
conseguiu construir de forma slida e sistemtica um sistema de smbolos capaz de
fornecer aos seus fiis concepes singularmente realistas de uma ordem de existncia,
proporcionando, assim, uma viso de mundo e um ethos prprios para estes indivduos.
2.2.1
fundamenta basicamente no dom carismtico de seus principais lderes. Segundo Max Weber
(2004), o carisma pode ser considerado um dom pura e simplesmente vinculado ao objeto ou
46
pessoa que por natureza o possui e que por nada pode ser adquirido. Entretanto, esta
qualidade permanecer oculta se no for estimulado seu desenvolvimento.
A liderana carismtica dos padrinhos22 do Santo Daime est presente desde o incio
da histria desta linha religiosa. Mestre Irineu homem negro, de cerca de dois metros de
altura atraiu em torno de si seguidores, que percebiam nele as qualidades de um grande
curador, de professor, e de comandante :
Podemos definir o padrinho como o lder espiritual, dotado de carisma, que comanda e dirige uma igreja
daimista, e que possui tambm uma ampla influncia na comunidade de fiis.
47
Para que um adepto torne-se padrinho, comande uma Igreja, deve cumprir alguns
requisitos bsicos. Primeiro, necessita ter aceitao da comunidade, ou seja, sua liderana
implica em consenso do grupo como um todo. Em segundo lugar, o provvel futuro
comandante deve possuir um desenvolvimento espiritual, um sinal do mundo astral que o
legitime como lder. A linha de hereditariedade pode se tornar um caminho para o sujeito
alcanar o posto de padrinho. Neste ltimo caso, citamos o exemplo do Padrinho Alfredo
Gregrio de Melo, que sucedeu seu pai Padrinho Sebastio Mota de Melo na direo do
CEFLURIS.
A iniciao de um novo padrinho tambm pode se dar por meio da relao mestre e
discpulo, como no caso de Mestre Irineu o fundador das Santas Doutrinas e de Sebastio
Mota de Melo, que seguiu de forma dedicada os seus caminhos e ensinamentos espirituais .
Da mesma forma, um padrinho pode ser designado por outro padrinho, com mais
experincia e tempo de direo de uma igreja.
Como estamos falando de um religio centrada no uso de uma bebida entegena o
Santo Daime - , fica evidente que o padrinho deve tambm ser um profundo conhecedor de
suas propriedades, de seu uso ritual e , principalmente, necessita conhecer o processo de
produo deste vinho das almas. Em outras palavras, geralmente o padrinho assume tambm a
48
Na seco Rituais no Cu de Midam desta dissertao podem ser encontradas informaes mais detalhadas
sobre o Feitio e sobre Pedro Drio.
49
relacionadas com o processo de aprendizagem e os dons divinos de cada um. Sua
organizao era hierarquizada como a de um exrcito: o exrcito do General
Juramidam.
( DIAS Jr, 1992, p.74)
50
Entretanto, todos que participam dos trabalhos espirituais do Santo Daime e so,
segundo Arajo, sensibilizados para a auto-cura, acabam por encontrar seu caminho de
renascimento. Se aceitarem que precisam renascer, deixar, abandonar a velha vida e mudar
em 180 suas atitudes e valores, ento como se tivessem passado por uma iniciao
xamnica de morte e renascimento :
De toda forma, podemos dizer que o xamanismo existente em So Paulo, nos rituais
daimistas, uma reelaborao do que seria o xamanismo das populaes indgenas, podendo
ser definida como neo-xamanismo. Isto, entre outras razes, porque no processo histrico
de constituio das religies, grupos e linhas que fazem uso da bebida sagrada a ayahuasca
os sujeitos acabam por construir novas dinmicas sociais, culturais e simblicas. O Santo
51
Daime hoje procurado por pessoas de diferentes classes sociais e tambm por indivduos das
mais diversas nacionalidades.:
A mundializao cultural do Santo Daime real. Para os oasqueiros
, o Santo Daime um convite da floresta amaznica para vermos o ser
universal que temos dentro de ns. (ibidem, p. 31)
As novas vises de mundo desses personagens das classes mdias urbanas do Sul do
Brasil acabam por dar novos contornos doutrina, cosmologia e rituais do Santo Daime.
Podemos perceber tambm, uma diferenciao dentro desta perspectiva xamanstica entre a salvao individual no catolicismo e a salvao coletiva, contida nos rituais do Santo
Daime :
Nem o advento do catolicismo e a adoo de seus arqutipos
modificou a idia da salvao coletiva, presente nos rituais xamnicos. A
redeno no catolicismo pessoal. No daimismo coletiva. Por isso, o
daimista um guerreiro. Seus irmos tambm tem que estar bem. Esse o
significado do vo xamnico. o vo da guia no porque o guerreiro passa
a ver mais, como a guia. No apenas isto. Mas porque, como a guia tem o
poder de fazer com que todos vejam do alto. o pensamento que se eleva a
Deus. (op. cit , p 126-127)
Jussara Arajo nos fala tambm sobre o paralelo existente entre as culturas prcolombianas e a especificidade do xamanismo existente no CEFLURIS e sobre como ocorre
esta troca entre Deus e os pedidos que so feitos numa cerimnia daimista :
No Santo Daime de Irineu Serra, de Sebastio Mota e de Alfredo
Gregrio h um resgate das normas e regras presentes nas culturas
amerndias pr-portuguesa/espanhola. A diferena que o ritual do sangue
foi substitudo pelo ritual do amor. O sacrifcio do daimista o amor. Ele
baila, canta, toca instrumentos musicais e faz um exerccio sobre o amor
divino. E assim oferece sua energia para a cura daqueles que vo s igrejas
daimistas em busca de uma cura fsica ou emocional. Por isso, ser daimista
um ato de coragem. O daimista oferece sua ao cinestsica/seu amor, para
curar os doentes. Ele sofre mais feliz, por que trabalha para a cura do
irmo. (op. cit. , p 127)
52
De toda forma o Santo Daime definido por alguns de seus membros como
Xamanismo Cristo, uma doutrina e prtica religiosa que agrega ocidente e oriente,
construindo portanto uma ponte entre estas duas tradies. Lo Artse, comandante da
Igreja Cu da Lua Cheia , em Itapecerica da Serra-SP, assim estabelece uma comparao
entre o Santo Daime e o Xamanismo :
Lo Artse, que pode ser considerado um xam urbano, realiza um ritual denominado
Trabalho de Lua Cheia que se caracteriza como ele prprio afirma - pelos princpios do
chamado Xamanismo Cristo e por um forte ecletismo envolvendo vrios elementos
afro-brasileiro, esoterismo, budismo, religiosidade oriental, etc como fica claro no ritual,
onde se canta e baila para a Lua Cheia, para Oxossi, Krishna, Buda, Cristo, Saint Germain, a
guia e ao Leo tudo num nico dia, numa mesma cerimnia.
53
54
Em sua expanso rumo aos grandes centros urbanos, o Santo Daime chegou at
Osasco um dos principais municpios da Grande So Paulo. No bairro Santa F quase
na divisa com a capital paulista estruturou-se uma importante Igreja Daimista, filiada ao
CEFLURIS, cuja denominao Cu de Maria. Ela agrega cerca de duzentos adeptos, a
maioria deles moradores desta catica regio metropolitana, alm de atrair muitos
visitantes que buscam conhecer esta bebida sagrada e os rituais que dela fazem parte.
Antes de descrever as caractersticas do Cu de Maria, irei contextualizar no
tpico seguinte - o municpio de Osasco, que apresenta uma pluralidade religiosa muito
marcante. neste ambiente plural que teremos o surgimento do Cu de Maria, ligado as
tradies de uma religio cujas origens remontam regio amaznica .
55
56
acabei por me perder , chegando ao Centro Espiritualista Vale do Amanhecer, onde ento
recebi informaes de como chegar comunidade do Santo Daime.
Um outro exemplo de caminho religioso seguido pelos habitantes de Osasco foram as
C.E.B.s. As Comunidades Eclesiais de Base encontraram um terreno propcio ao seu
desenvolvimento, graas ao fato de Osasco ser um reduto operrio originrios das
metalrgicas da Regio, assim como daqueles trabalhadores que utilizavam a regio como
cidade dormitrio , para se dirigirem s empresas da capital paulista. Entretanto, atualmente
percebemos no s em Osasco mas em todo o pas o crescimento do movimento
Renovao Carismtica Catlica24, que busca resgatar a crena e prtica dos chamado dons
do Esprito Santo com o objetivo de arrebanhar os fiis catlicos e concorrer com as Igrejas
Neopentecostais.
A
religiosidade
afro-brasileira
tambm
est
presente
em
muitos
bairros,
no Bairro
24
Conforme PRANDI, Reginaldo. Um Sopro do Esprito . Editora da Universidade de So Paulo: Fapesp, 1997.
57
58
Numa pequena montanha prxima ao Pico do Jaragu constituiu-se uma das maiores
Igrejas Daimistas do pas: o Cu de Maria ou Centro Ecltico da Fluente Luz Universal
Lcio Mortimer. Comandada por Glauco Villas Boas, cartunista do Jornal Folha de So
Paulo, e por sua esposa Bia, esta Igreja tornou-se um exemplo para demais centros, por sua
fidelidade aos rituais e doutrina daimistas, sendo que muitos fiis reconhecem no Cu de
59
Maria o retrato da floresta amaznica e, por conseqncia, da Nova Jerusalm dos daimistas
o Cu do Mapi. Esta constatao pode ser encontrada, por exemplo, nas canes as
mulheres que puxam os hinos procuram seguir a padronizao da Igreja Matriz, o Cu do
Mapi, sendo que at a entonao da voz lembra em muito o sotaque dos acreanos e
amazonenses. Alm disso toda a tradio de organizao dos trabalhos procura ser mantida e
respeitada. Por ltimo, h uma considerao muito grande pela figura do falecido Padrinho
Sebastio, pela viva Madrinha Rita, pelos Padrinhos Alfredo e Valdete sendo que estes
dois ltimos so atualmente os principais dirigentes nacionais e mundiais da doutrina.
Entretanto, como j foi dito anteriormente, apesar de toda centralizao que o
CEFLURIS exerce sobre as Igrejas do Santo Daime, h certo espao para estas criarem sua
personalidade e demonstrarem suas especificidades . No caso do Cu de Maria, podemos
definir sua essncia como sendo a energia feminina : a imagem de Nossa Senhora
Aparecida sobre a mesa em forma de Estrela do Rei Salomo, so as 41 canes recebidas por
Glauco o seu hinrio intitulado Chaveirinho que evocam sempre a proteo da Santa
Maria . Percebemos esta energia feminina no hino abaixo:
Viva a Casa de Maria
Viva ela como est
Vamos todos ficar firmes
Cada um em seu lugar
Que vai chegar mais aparelho
Para mais fora aparelhar
Esta casa de Maria
e de Jesus Cristo Redentor
Eu vou receber esta fora
A fora do meu Senhor
Para fundar com meu So Paulo
Uma casa de Amor
Viva Casa de Maria
E viva Mame Iemanj
Vamos todos balanando
60
Como vemos, o Cu de Maria possui uma egrgora prpria seu prprio portal de
contato com o astral e os seres celestiais trata-se da energia feminina que no hino acima
torna-se perceptvel nos clamores Santa Maria e Iemanj, por exemplo. Nas palavras de
Glauco:
Mestre Irineu recebeu a doutrina da Virgem Me, o Padrinho
Sebastio falava da fora e da firmeza das mulheres. A msica aqui
firmada nas mulheres.25
61
Em relao aos meninos de rua, Glauco sentiu que era a hora de colocar em prtica um
dos ensinos da Doutrina Daimista, a caridade26. Como resultado de sua solidariedade para
com estas crianas, colheu como fruto dedicao de duas delas , conforme podemos
perceber em seu relato:
Era o amor do Cristo, mesmo, que eu sentia. Quando abri o porto daquela
casa tinha dez meninos de rua ali no fundo, numa fuinha, atocaiada. Um pacotinho,
de presente, pronto para comear o trabalho. Lembrei-me do banquete do Cristo,
quando Ele convidou todo mundo, mas estavam todos ocupados com seus negcios.
E a Ele chamou o povo, os simples, os desvalidos. Quando o Cu de Maria abriu
ali, senti que tinha a fora da caridade contra a misria humana. Dois daqueles
meninos esto comigo at hoje.
Uma dessas crianas, de origem negra , hoje pode ser vista nos trabalhos do Cu de
Maria ocupando o papel de fiscal de salo, no batalho feminino. O que demonstra a gratido
que esta moa deve sentir, j que esta funo exige muito cuidado dedicao, assim como
denota o reconhecimento que os membros da Igreja tm perante a ela.
Em 2000, o Cu de Maria galgou o ttulo de Igreja Oficial do Santo Daime em So
Paulo . Gradualmente, alguns daimistas esto construindo uma Comunidade ao redor do
espao da Igreja. Alfredo Mota de Melo, atual comandante do CEFLURIS, batizou a
comunidade de Vila Astral .
25
26
62
63
feitios27 ele tomava o daime, e preparava a tela, as tintas, o pincel com o objetivo de retratar
este momento especial na vida do daimista:
Como era uma doutrina nova, e ns ramos a primeira igreja de So
Paulo, a Flor das guas, em So Loureno da Serra, a gente era 20, 30
pessoas , no era mais que isso, e numa cabaninha . Muitas vezes tinha gente
que ficava do lado de fora, porque no cabia todo mundo l dentro. Eu dava
lugar porque eu estava pintando. Eu fui para pintar a doutrina, eu sou um
artista dentro da doutrina. Eu escrevo e eu pinto.
Ray, at por seu esprito voltado para a liberdade que intrnseca seu ofcio de
artista , no pode ser considerado um daimista padro , conforme veremos no destrinchar de
sua histria:
De verdade eu no sou religioso, eu no paro para rezar uma ave
maria ou um pai nosso. Eu s rezo l dentro. Eu sou assim: se eu estou na
tribo eu sou ndio , estou no campo eu sou jogador. Eu respeito a doutrina,
eu cumpro os mandamentos da doutrina, enquanto estou l dentro com os
meus irmos eu cumpro a doutrina. Aqui fora eu tenho a minha vida e j no
tenho mais nada a ver com ningum.
27
64
Este artista procura ao tentar explicar sua prpria posio dentro da doutrina dar um sentido para a palavra ecletismo que est presente na sigla das Igrejas do Santo
Daime ligadas ao C.E.F.L.U.R.I.S - dizendo que fora dos rituais , no dia a dia, ns
somos livres , voc pode ser o que voc quiser, mas enfatiza - tolere tambm que o
outro seja. Por isso afirma - tem-se a liberdade de cantar , nos hinos do Santo Daime,
para todas as entidades . Nas suas palavras, o Centro ecltico reciprocidade:
Voc aceita o ndio ele te aceita, voc aceita o branco, o branco te
aceita. Voc tem que aceitar as pessoas como elas so. . o princpio da
aceitao.
Em uma das entrevistas que realizei , conversvamos sobre o seguinte hino daimista:
TBUAS DE MOISS
Meus irmos eu vou lembrar
O que ningum se lembrou
Meu pai e minha Me
Tanto que recomendou
As tbuas de Moiss
65
Esse hino cito como exemplo para relembrar a centralidade crist e bblica que existe
na Doutrina Religiosa do Santo Daime. A misso individual de cada fiel do Daime seria a de
se guiar pelos exemplos e pela vida de figuras bblicas como a de Moiss. Alis, Alex Polari
de Alverga em seus livros sugere que cada irmo fiel do Santo Daime -se esforce , se
aprimore em cada trabalho que participar com o objetivo de um dia , quando atingir o auge
da iluminao e do caminho do auto-conhecimento, consiga perceber-se como parte desta
histria bblica, como reencarnao destas figuras religiosas ancestrais.
66
quando ele desceu o povo j estava com fome, com o saco cheio,
desesperado e pedindo para qualquer deus que desse comida. A, viu que l
embaixo os caras estavam com os bezerros de ouro. Porque o touro era o
deus egpcio, e a ento eles voltam a adorar o deus dos seus antigos
senhores e Moiss fica puto da vida. E a ele pega a tbua, joga em cima do
dolo e explode tudo. Ento o hino fala desta situao...
Nesta fala Ray explcita uma das temticas que se encontram nos hinos, que no fundo
tem a interpretao popular de histrias, passagens e personagens do Novo e Velho
Testamentos. E, sobre os hinos, que so a fonte de todos os ensinamentos e da cosmologia
daimista, Ray nos explica que:
Os hinos teriam portanto a funo social de transmitir um ethos , o que seria segundo
Geertz (1989) o tom, o carter , a qualidade de uma vida, seu estilo e disposies morais e
estticas. Eles ensinam lies, reforam a unidade do grupo, narram sua prpria histria, as
dificuldades encontradas para que esse povo se estabelecesse em uma terra e constitusse a
Comunidade do Santo Daime. No obstante isso, o hino para a maioria dos daimistas , no
pode ser composto, na verdade ele recebido do astral tanto sua melodia como sua letra.
Para aqueles que seguem os princpios deixados por Mestre Irineu e Padrinho Sebastio no
possvel compor um hino, no entanto um dos resultados da expanso e modernizao do Santo
67
Os hinos assim, alm de serem parte do livro sagrado do Povo do Daime , e portanto
com a funo de ensinar e doutrinar, eles tambm carregam em si a funo de agregar, nas
palavras de Ray. A sensibilidade do dono do hinrio, permite que este catalise as entidades
espirituais e os seres do astral, que lhe enviam respostas para situaes pelas quais a
comunidade passa e que dessa forma, segundo Ray , se materializariam no hino.
68
Entretanto nem todos concordam com o que afirma Ray. Celso Vendramini
advogado que freqenta o Cu de Midam - , por exemplo, ir afirmar que o hino algo
enviado do astral, e que no possui relao alguma com a histria terrena e profana. O hino
um ensinamento do astral, um ensinamento espiritual e que tem relao com o merecimento
do fiel de receb-lo mais do que sua sensibilidade ou a necessidade prtica das pessoas da
comunidade naquele momento.
Continuando a relatar sobre a importncia dos hinos no Santo Daime , Ray ir
informar que:
Um dia perguntaram para o Pad. Sebastio porque cantar. Ele virou e
disse assim h , est vendo esse povo aqui na floresta, eu podia pegar uma
bblia e dar para cada um deles , sem problema nenhum, eles iriam pegar a
bblia, colocar debaixo do brao e ir para casa . S que eles no sabem ler .
Adianta uma bblia para esse povo aqui no meio da floresta que no sabe ler
. A que ele descobriu que no era por a. E ele resolveu cantar porque cantar
todo mundo sabe . O conhecimento foi passado cantado , porque ele nasceu
numa terra de pessoas que no sabiam ler . Esse cantar a mesma teoria
xamnica de que em volta da fogueira voc contava histrias. Em volta da
fogueira o conhecimento passava de irmo para irmo, de tribo para tribo, de
ndio para ndio. Era a histria do paj, era a histria do xam, e que hoje o
hinrio.
Cerimnia de produo da bebida sagrada, o daime, em que cip (jagube), folha (rainha), gua e fogo juntos
formaro o vinho das almas.
69
Ray fez suas malas, pediu a seu filho Rafael que emprestasse uma barraca, e foram
para Piedade, deixando sua esposa Hiromi tambm artista plstica cuidando de seu lar:
Era meu segundo feitio no Cu de Midam. Falei com meu filho, que
ns vamos viajar; perguntou Hiromi de nosso destino, falei que era uma
montanha,onde nada se move,se no onde quer ir (e ela queria um
Comandatuba da vida, no o frio em uma cidade de interior)e ficou ela de
guardi de nosso castelo; eu e meu filho caimos na estrada, cantando meu
refro:
S nois !
S nis!
Que aguenta
Nis,
Chapado!
Vinte quatro horas
Viajando
A semana inteira
S nis!
S nis!
Que agenta
Nis
70
A pintura no Santo Daime , para Ray, era uma forma de fazer magia, pois tratava-se de
retratar as divindades e os momentos divinos da Cerimnia Sagrada do Feitio. Dessa forma, o
artista se prepara para sua misso, primeiramente consagrando o Santo Daime:
O Orlandinho me serviu meu primeiro Daime. Ainda sem um caf
da manh entrei em trabalho, e ali estava quando a panela emperrou,eram
duzentos e cinqenta quilos aproximadamente seu peso,e no havia homens
que a retirassem do lugar. Aproximei-me para ajudar, pedi que se retirassem
da proximidade desta, e, com uma alavanca de cinco metros,arranquei dali
aquela panela,para escoar o daime
E brincando contei a historia do velho grego, Arquimedes e voltei
aos meus afazeres, pintar um feitio difcil por ser ele um espelho de
vaidades, nossos caciques aparecem, todos eles, e ns, os ndios, rachamos
lenha, alimentamos a fornalha, e desfibramos jagube, por dias e noites
adentro; a fornalha no apaga, no se tem tempo de pousar na terra, no ar, e
no Daime, na gua. Respirei vapor por horas seguidas, botei minhas
mos na fornalha para ver seu grau, mirei dentro da panela a ferver, um
vulco a soltar fogo e vapor, simbiose de duas plantas.
Ray relata que cada Daime nico pois cada feitor imprime sua personalidade no
Daime.Ele nos fala das caractersticas do Daime que tomara no Cu de Midam, de sua leveza,
de seu sabor alqumico, que no era um sabor disponvel na natureza,era algo produzido, de
maneira diferente,por cada feitor. O feitor aquela pessoa com pleno conhecimento de como
preparar o Daime, saber este que recebeu de outro feitor experiente, dentro da hierarquia de
feitores existentes na doutrina daimista.
Ao se dirigir para os restos do material utilizado no feitio, Ray mirava e meditava:
Caminhei at os restos de jagubes, e rainhas que depois de cozidos
eram depositados em uma rea a isto destinada, prximo da casa de feitio,
coloquei minhas mos naquela massa ainda quente, soltei meu ser,
71
Passados alguns dias, Ray se preparava para partir quando Alexandre, um dos filhos
de Jonas Frederico fez um ltimo pedido ao artista do daime:
72
Neste captulo procuro realizar um resgate histrico da Igreja Flor de Luz assim como
da Comunidade Cu de Midam. importante desde j destacar a liderana e carisma do casal
Jonas Frederico e Maria do Carmo Andrade Neta, personagens fundamentais que tornaram
possvel a estruturao e desenvolvimento deste grupo religioso. Tudo comea a partir do
momento em que o Sr. Jonas Frederico29 falecido em 2001 - traz o Santo Daime de Rio
Branco para So Paulo30, iniciando um dos primeiros trabalhos espirituais com esta bebida
sagrada nesta grande metrpole . Inicialmente, os encontros ficavam restritos aos familiares
de Jonas, sendo que, posteriormente, este crculo de participantes foi gradativamente
aumentando : aos familiares somaram-se amigos, at que se constituiu um ncleo aberto s
novas pessoas que vinham chegando. Estarei narrando suas andanas por vrios bairros da
capital paulista , at que o grupo de pessoas por ele liderado concretiza o plano de adquirir um
stio em Piedade, interior de So Paulo, onde hoje se situa a Comunidade Cu de Midam e a
Igreja Flor de Luz.
29
Jonas Frederico - comerciante e micro-empresrio - nasceu em Amparo SP, em 14 de julho de 1936, passou
a residir em Anpolis, Gois por volta do ano de 1955 , poca em que estava acontecendo todo aquele
movimento da construo de Braslia.
30
Como veremos com mais detalhes adiante, Jonas Frederico considerado um pioneiro do Santo Daime, pois
foi o primeiro a trazer a bebida das mos do Padrinho Sebastio para alm da regio Norte, organizando rituais
com esta bebida sagrada em Gois e, posteriormente, em So Paulo.
73
Nessa trajetria, Padrinho Jonas como passou a ser conhecido - teve a seu lado uma
importante aliada na construo de toda esta histria: Maria do Carmo Andrade Neta
nascida em Rio Branco, que hoje comanda espiritualmente a Igreja Flor de Luz. Madrinha
Maria do Carmo assim reconhecida pela comunidade foi a segunda esposa de Jonas
Frederico, possui quatro hinrios completos, est recebendo os hinos do quinto hinrio, o que
a coloca numa posio de destaque, como portadora de um conhecimento espiritual que
transmite para os participantes dos rituais.
Procurei tambm analisar, neste captulo, como se organiza o espao sagrado com
sua rede de smbolos religiosos no interior da Comunidade e Igreja.
3.1
74
que nos narra esta histria logo acima, explicando de onde surgiu o nome Flor de Luz. E
tambm elucidando um dos mais importantes papis da Igreja Flor de Luz que o expandir de
sementes . Segundo a Madrinha Maria do Carmo, a Igreja foi uma Universidade do Daime
porque dela surgiram vrias ramificaes que deram origens a novas igrejas e pontos do Santo
Daime. Como o caso do Cu do Sagrado, igreja do Santo Daime em Sorocaba comandada
por Fernando Dini e que segue uma linha bem independente do CEFLURIS. Outra Igreja que
nasceu da Flor de Luz a Aliana Estelar, localizada tambm em Sorocaba e que, como o
prprio nome diz, possui uma egrgora estelar, tal como o Flor de Luz. Para citar apenas mais
75
Tudo se iniciou quando meu pai foi fazer uma viagem ao Acre, que
era uma nova fronteira, em 1972. Ele conheceu o Acre, devido ao
movimento comercial, que ele estava fazendo rumo regio Oeste. A ns
montamos um armazm de secos e molhados e, atravs das vendas das
mercadorias conhecemos alguns irmos da irmandade do Santo Daime da
linhagem do Mestre Irineu, aonde um tio meu, que foi nessa empreitada
tambm, fez o primeiro contato com esse grupo de pessoas daimistas que
vieram comprar no armazm. At meu padrinho, Dirceu Santos Frederico foi
uma das primeiras pessoas, junto com esse meu tio Romeu a conhecer e
participar de um ritual no Alto Santo. Eles falaram com meu pai e, numa
estada dele l, ele foi conhecer. Foi quando meu pai, Jonas, chegou no Alto
Santo. O meu pai conheceu o Daime no final de 1972, quase seis meses aps
o falecimento do Mestre Irineu. Ele conheceu o ritual, tudo, achou
interessante , gostou. Na poca j estava acontecendo aquele movimento do
Padrinho Sebastio, alis na poca no era padrinho, era senhor Sebastio
Mota de Melo, de no se dar bem com o pessoal do Alto Santo.
Alexandre Frederico
No livro Bena, Padrinho !, onde o daimista Lucio Mortimer (2000) narra o dia a
dia e os caminhos percorridos pelo povo do Padrinho Sebastio, h um trecho que descreve a
presena de Jonas Frederico na Colnia Cinco Mil local distante onze quilmetros de Rio
Branco, onde Padrinho Sebastio iniciou a construo da Comunidade Daimista conhecida
como CEFLURIS :
31
Sobre a ndia, ver mais a frente neste mesmo captulo sobre a ponte ocidente-oriente. Na Alemanha houve a
formao da Igreja Cu da Capela, fundada por alemes que conheceram o Santo Daime na Igreja Flor de Luz.
Hoje esta Igreja encontra-se com suas atividades paralisadas devido ilegalidade da ayahuasca neste pas.
76
Mortimer nos fala sobre o final dos anos 1970, momento em que gente nova chegava
todos os dias na Colnia 5000, inclusive jovens intelectuais como era o caso do antroplogo
Fernando La Roque.
77
Alexandre Frederico recorda as primeiras reunies com o Daime trazido por seu pai,
Jonas - em que participou , no comeo de 1973, em Gois :
78
79
Assim nasce a Igreja Flor de Luz, quando os seus fundadores e comandantes entre
eles Jonas Frederico e Maria do Carmo - se estabeleceram na cidade de So Paulo e
iniciaram
nesta metrpole
dicionrio Aurlio de Lngua Portuguesa como o ponto central; o centro, o ponto essencial, a
sede principal ,a melhor parte; a nata, a flor de qualquer coisa; o escol.
Hoje costuma-se denominar o incio de um grupo daimista como ponto ,
diferenciando-se portanto dos primeiros embries do Santo Daime em So Paulo, j que os
ncleos dos anos 80 que se firmaram acabaram por se tornarem igrejas significativas por
sua importncia . Ainda hoje podem ser encontrados hinrios com a inscrio Ncleo For de
Luz em sua capa.
Segundo os relatos de Alexandre Frederico:
80
De semente que comeara a germinar, no poro de uma casa, o ncleo Flor de Luz
passaria por vrios endereos na capital paulista, sendo um deles localizado na esquina da
Rua Henry Dunant com a Rua Tucum, bairro do Morumbi Tucum que, coincidentemente32,
tambm uma referncia ao Hino Linha do Tucum33 de Raimundo Irineu Serra:
Linha do Tucum
Eu canto aqui na terra
O amor que Deus me d
Para sempre, para sempre
Para sempre, para sempre
A minha Me que vem comigo
Que me deu esta lio
Para sempre, para sempre
Para sempre eu ser irmo
Enxotando os malfazejos
Que no querem me ouvir
Que escurecem o pensamento
E nunca podem ser feliz
Esta a Linha do Tucum
Que traz toda lealdade
Castigando os mentirosos
Aqui dentro desta verdade
32
81
Como o espao da Raposo Tavares no atendia crescente procura das pessoas pelo
Daime, fazia-se necessrio uma nova mudana. Conforme nos conta Alexandre:
Foi quando um dia chegou uma pessoa , conhecida nossa, chamada
Lus Delfino que era psiclogo, tinha um consultrio, onde cabia at vinte e
cinco pessoas. A ns fizemos por um perodo ali na regio do Brooklin.
Por volta de 1989, Jonas Frederico e seu filho Alexandre fizeram uma viagem ao Cu
do Mapi na Amaznia onde participaram de um encontro nacional de Igrejas, o que
propiciou um contato maior com a ritualstica e a doutrina organizadas pelo CEFLURIS:
Em 1989, eu fui nessa viagem com ele para o Cu de Mapi, quando
eu conheci o Pad. Sebastio. Em maio de 1989 houve o primeiro encontro
das Igrejas do Brasil, onde ns representvamos um ncleo sem pretenso de
nome, nada. Na poca tinha o pessoal do Cu do Mar, do Cu da Montanha,
o pessoal do Flor das guas. Em 1989, aps a nossa viagem ao Acre que
ns comeamos a ter um contato maior com a questo da doutrina.
Alexandre Frederico
82
83
na Rua do Tucum, como citado logo acima. Foi o primeiro lugar alugado j com contrato
social da entidade, um ponto fixo do Flor de Luz por cerca de dois anos.
Alm dessas localidades o ncleo Flor de Luz passou tambm pelos bairros do
Trememb e Barra Funda. Houve tambm alguns trabalhos num espao emprestado em Embu
das Artes e tambm em Camanducaia34, Minas Gerais.
As constantes andanas por So Paulo, acabaram por demonstrar que a cidade no era
o espao mais adequado para o Santo Daime. O desfecho das Igrejas Daimistas que se
estabeleceram em centros urbanos parecem seguir sempre um mesmo destino, qual seja,
migrar para reas rurais, em proximidade com a natureza, e isto por vrias razes : a origem
do Santo Daime e sua ligao com a Floresta Amaznica, os hinos que a todo o momento
louvam a natureza, as dificuldades e desarranjos de realizar os ritos em espao urbano. Fica
clara a necessidade de estar prximo a natureza, por exemplo, neste hino da Sr Maria do
Carmo:
O Som da Cachoeira
O som da cachoeira
Faz chu, chu, chu
A chuva tambm faz
Chu, chu, chu
O Som da Natureza
Como belo o seu cantar
O canto dos animais
O som que o vento faz
O som da cachoeira
So gotas a borbulhar
Cristais brilhantes vidas
Vem aqui para ensinar
O orvalho resplandece
Em avisos neste cho
So pingos em nossas mos
Em formas de corao
34
Os trabalhos espirituais com o Santo Daime realizados em Camanducaia- MG contriburam para que l se
criasse uma nova Igreja do Santo Daime, conhecida hoje como Cu da Mantiqueira, e dirigida pelo Padrinho
Chico.
84
O som da cachoeira
Faz chu, chu, chu
A chuva tambm faz
Chu, chu, chu.
(Hino 73, Hinrio Caminho de Luz)
Segundo Maria do Carmo, muitas igrejas passaram por esse processo migratrio
cidade campo :
Com a igreja Flor de Luz no foi diferente de outras igrejas irms,
quando comearam suas histrias seja numa sala residencial ou numa sala
comercial, tanto faz. Quando o Mestre e Deus querem que as coisas boas
aconteam . s ter merecimento
3.2
Quando eu coloquei os ps aqui, sinceramente, eu juro pela luz que Deus nos d hoje, que o Sol, . que
eu senti como se estivesse flutuando. Assim que entrei neste stio, eu no sentia nada, como se eu estivesse na
Lua, naquele vcuo, flutuando. Uma fora estava como que me puxando, e impressionou-me os bambus, nunca
tinha visto um bambu daquela grossura. (Madrinha Maria do Carmo)
85
86
Foi quando o Padrinho Jonas falou que a instruo do Astral era que
os irmos se reunissem e montassem um projeto. Naquela poca, havia um
irmo nosso, fardado, chamado Luciano, advogado, que recebeu do Astral a
instruo de que este projeto para adquirir as terras da Igreja Flor de Luz se
chamaria Midam. Um projeto de comprar um terra e fazer a igreja. Numa
hora de alegria o Luciano props : Olha, vamos chamar esta idia de
Projeto Midam. O Padrinho Jonas concordou com o nome, e props a uma
comisso de irmos que se incumbisse de procurar um stio para constituir a
Igreja.
Geraldo (39 anos, daimista e um dos primeiros moradores da
Comunidade Cu de Midam)
35
Midam, segundo as palavras do Padrinho Sebastio Mota de Melo representaria os seguidores de Deus ou de
Cristo, o povo escolhido. Por extenso, o prprio povo do Santo Daime, que se guiam nos ensinamentos do
Mestre Irineu, considerado portador da energia crstica
87
tentativa de compra no vingou. Foi em Camanducaia. Quando tudo j estava quase certo
descobriu-se que a propriedade no teria a medida anunciada pelo seu dono. O negcio,
segundo Geraldo, foi desfeito momentos antes de se concretizar. Depois deste contratempo, a
Comisso especulou at a possibilidade de devolver o dinheiro arrecado para os irmos, mas
no final aceitaram o desafio de prosseguir na procura das terras para construir o templo Flor
de Luz. Procuraram terrenos em Mogi das Cruzes, no litoral paulista, em Parelheiros, mas
sem xito. Foi quando tomaram conhecimento, atravs da Imobiliria de Piedade, da oferta de
venda de um stio de 7,8 alqueires. O valor era de 60 mil dlares. A Comisso havia
arrecadado uma quantia muito aqum deste valor, e j estavam desistindo desta idia. Mas
Jonas fez questo e disse que aquela seria a terra escolhida pelo Astral. A Comisso - dentre
os quais estavam Ricardo Max, Geraldo e Maria do Carmo fez milagres para buscar mais
recursos entre os fiis e, conseguiu-se - depois de muita perseverana 55 mil dlares. No
entanto, o japons que era dono da propriedade s fechava o negcio se fosse vista36. Depois
de muita insistncia e conversa, o proprietrio aceitou os 55 mil e o restante foi dividido em
parcelas. Estava sendo gerado o sonho da Comunidade Cu de Midam e da Igreja Flor de Luz.
Fao uma pausa neste momento, para trazer ao texto uma informao importante. As
instrues recebidas por Jonas do mundo espiritual eram formadas por trs nveis ou
etapas.Segundo as palavras de Geraldo :
Primeira Etapa - Do que tem, ns ganhamos - Era aquela que a
gente j se encontrava, alugando o salo, se encontrando apenas nas datas
dos trabalhos de Daime ,em que a gente se confraternizava, mas quando
terminava, cada um ia para a sua casa . E era meio um vazio aquela unio. A
gente sentia que tinha que ficar mais juntos. Do que tem, ns ganhamos
este era o lema da primeira etapa. E o que que ns ganhamos? Ganhamos a
unio, aquela alegria de se reunir, aquela inocncia, aquele encontro etc.
36
Neste intervalo de tempo, quando ocorriam as negociaes, Jonas adoeceu, teve um derrame cerebral, tendo
como seqelas a paralisao de parte dos movimentos de seu corpo, e, portanto ficou afastado das negociaes.
88
Dessa forma, como que seguindo este destino comum a quase todos os Centros
Daimistas, em 1992 , no dia 27 de dezembro foram adquiridas as terras do Cu de Midam.
89
Foram momentos que representaram para a comunidade muito trabalho, muita fora de
vontade, com muitos contratempos, conforme nos narra Maria do Carmo. O maior desses
contratempos foi a passagem 37 em 2001 do Padrinho Jonas Frederico.
A Igreja Flor de Luz se constituiu como Igreja oficial filiada e reconhecida pelo
Cefluris em 1992, no municpio de Piedade . O stio acolhe a Igreja, a Casa de Cura, a Casa de
Feitio, a hospedaria dos homens e das mulheres, a casa das crianas, alm da comunidade
constituda por vinte e duas moradias.
Em 18 de maro de 1993 foi realizado o primeiro trabalho oficial de bailado na Igreja
Flor de Luz, j em Piedade. Nesta data presta-se homenagem a So Jos, considerado um
importante patriarca da chamada Corte Celestial - na perspectiva da Cosmologia Daimista.
Foi em 1993 tambm que as primeiras moradias foram construdas e habitadas pelos daimistas
de So Paulo.
Segundo entrevista com a Sr Maria do Carmo, cada Igreja do Santo Daime , de
certo modo, nica, pois possui sua prpria egrgora , vale dizer, sua prpria linha
espiritual. Em outras palavras, podemos relacionar a questo da egrgora de cada centro
daimista com a discusso antropolgica sobre a especificidade de cada cultura, etnia, povo ou
grupo social. No caso de Midam, esta particularidade representada pelo Comando Estelar:
Ns temos nossa materialidade . Eu sei que se cortar o brao vou
sangrar , posso morrer, mas ns somos uma energia csmica , fazemos parte
desta energia.
37
Devido ao fato do Santo Daime ser uma doutrina essencialmente esprita, assim como no kardecismo costumase encarar a morte como uma passagem ou um renascimento.
90
como relatado
por seu filho Kelmir Jones38, de 33 anos. A cura a que me refiro est
relacionada recuperao dos movimentos de Jonas, cujo corpo ficou parcialmente paralisado
devido ao derrame que sofreu. Segundo Maria do Carmo, tal cura se deveu - no s ao Daime
e os trabalhos de cura - mas tambm graas a toda a motivao que ela promovia junto a seu
esposo para que exercitasse seus movimentos, desafiasse sua paralisia e acreditasse em sua
recuperao.
Neste processo segundo Kelmir, houve a interveno do Ser de Luz Comandante DAR
o ON39 , um ser estelar, da chamada Confederao das Estrelas. A cura testemunhada no
Santo Daime, principalmente quando ocorre com um fiel de destaque na comunidade, acaba
por se tornar um agente de agregao para o grupo, tornando-se a cura um processo
identitrio, que leva a fortalecer sua unidade
Aps a passagem de Jonas, houve um momento de crise. A comunidade sofreu uma
ciso, pois algumas famlias no aceitaram o novo comando da igreja, que passou para as
mos de Kelmir e, sendo assim, houve grandes dificuldades para reconstruir a direo da
igreja e comunidade. Segundo as informaes de Geraldo, esta foi a fase do chamado buraco
negro40, momento em que algumas famlias sentiram-se rfs de um lder espiritual
importante e sbio como foi o caso do Padrinho Jonas41. J o comando ou norte espiritual , os
ensinamentos doutrinrios, se tornaram prioritariamente responsabilidade da Sr Maria do
38
Kelmir Jones filho de Maria do Carmo e considera Jonas Frederico como seu verdadeiro pai, pois foi ele
quem o criou e o educou, considerando-o tambm como seu prprio filho, embora no o seja seu pai biolgico.
Sobre outros detalhes deste relato ver cap. 4 Comando Estelar.
39
Sobre DAR o ON e a Confederao das Estrelas, ver captulo 4 - Comando Estelar.
40
Referncia ao hino O Cruzeiro do Sul o Cruzeiro do Hinrio Caminho de Luz, da Madrinha Maria do
Carmo : O Buraco Negro do Mundo/Por onde devemos passar/ Romper os laos da iluso/ tudo que nos
convm.
41
Para algumas famlias que entrevistei, como o casal Geraldo e Joyce, a senhora Niva de 47 anos e o casal
Fernando e Mrcia Regina este vazio de espiritual, no pde ser preenchido por ningum. Por isso eles no
participam mais da Igreja Flor de Luz. Renem-se em suas casas e fazem trabalhos espirituais com o Daime,
entre eles apenas, semanalmente. No participam mais dos trabalhos da Igreja e divergem da liderana atual de
Kelmir e Maria do Carmo.
91
Carmo. Madrinha Maria do Carmo como conhecida pelos fiis - possuidora de quatro
hinrios Caminho de Luz, Segmento, No Brilho do Sol e Flor de Maria alm de estar
recebendo os primeiros hinos de seu quarto hinrio , intitulado Na Presena de Deus.
Sobre o episdio do falecimento do Sr. Jonas Frederico, vale a pena ressaltar que, em
geral, todos no Cu de Midam concordam e reconhecem que mesmo no estando mais
presente neste mundo terreno - ele comanda do mundo astral o que se passa na comunidade,
guiando e protegendo a todos os seus membros.
3.2.1 -
Espao Sagrado
92
elas, as guias, lhe advertem que est entrando em uma dimenso sagrada, que
a partir do passo que se d em direo a este espao, h regras que devem ser cumpridas, h
uma outra ordem estabelecida. Dentro desta ordem O Surdo e O Mudo so smbolos que
93
94
42
A Estrela do fardado - tendo gravada em sua face um Sol, uma meia Lua e uma guia em pleno vo marca a
identidade e a personalidade de cada Igreja, pois apresenta sutis mais significativas diferenas de uma igreja para
outra.
95
Para entrar no Templo e nas reas externas prximas a ele, assim como na Casa de
Cura, as mulheres devem estar portando saias cumpridas, no pode haver decotes ou
transparncias e os homens devem estar vestindo cala e camisa proibido uso de bermudas
ou mini-saias. Nos dias de feitio , no permitido nem para mulheres ou meninas permanecer
na Casa de Feitio, pois o trabalho com o jagube e com a produo do Daime dentro da
diviso sexual do trabalho nos centros daimistas exclusivo do homem. s mulheres cabe
separar e limpar as folhas de rainha e preparar as refeies na cozinha comunitria. Nos dias
de trabalho, recomenda-se evitar o uso das cores pretas e vermelhas, pois entende-se que
representam energias negativas, que no colaboram para a harmonia dentro do ritual.
43
96
Em frente entrada do Templo, temos uma escadaria dupla que leva at ao Santo
Cruzeiro (Figura XIV) , cruz de caravaca, com um segundo brao em comparao com a cruz
catlica, que representa a segunda volta de Cristo Terra. O Santo Cruzeiro um smbolo
que, junto Estrela Salomnica , ocupa um local de destaque dentro da hierarquia dos
smbolos religiosos da doutrina daimista. Ele est diretamente relacionado figura do Mestre
Irineu, que simboliza o Imprio Juramidam o mundo astral no qual reina Irineu, junto
Virgem Maria e outros seres divinos da chamada corte celestial . Mestre Irineu seria a
representao da prpria energia crstica, interpretada por muitos daimistas como a segunda
volta de Jesus Terra.
97
No caso do Templo, percebemos como o espao algo fsico e geogrfico pode ser
radicalmente ressignificado pela comunidade que dele faz uso. Quando foram adquiridas as
terras que viriam a se tornar o Cu de Midam, a construo que hoje acolhe este Templo,
possua uma outra funo, era um depsito de cebolas espao com caractersticas, pode-se
assim dizer, profanas.
No interior do Templo, encontraremos a mesa central em forma de Estrela
Salomnica, elo de ligao entre o mundo espiritual invisvel e os participantes da
cerimnia44. Sob a mesa o Santo Cruzeiro, quatro velas, flores, gua, um recipiente de cristal
com Daime em seu interior. H tambm o altar, o berrio, a sala do Daime45.
O espao dividido metade correspondente s mulheres, e a outra esfera aos homens.
Existem tambm subdivises em cada parte : meninos/rapazes, homens casados ou com filhos
e os senhores /veteranos. Do outro lado: meninas/virgens, mulheres casadas ou com filhos,
senhoras/veteranas. Alm disso h ordenamento por tamanho, os fardados ocupam os lugares
mais prximos da mesa central , havendo distino de acordo com o tempo de fardamento e o
prestgio/dedicao/merecimento entre os daimistas46.
Nos dias de trabalho h o chamado fiscal de porta ou porteiro que possui o papel
de guardar a entrada do Templo, zelando segundo a perspectiva dos fiis - para que
nenhuma fora espiritual das sombras nele penetre e atrapalhe a harmonia do ritual. Ele
44
semelhana do que ocorre nos centros espritos kardecistas, onde a mesa central mesa branca ampara o
trabalho dos mdiuns, que buscam comunicao com o mundo dos espritos.
45
Local onde os gales e litros de Daime ficam armazenados.
46
Em 1936 , Mestre Irineu cria uma ordem hierrquica entre os daimistas, mas que permaneceu por pouco
tempo, j que gerava muitos desentendimentos e conflitos de poder entre os fiis. Quem possuia seis estrelas era
General, cinco estrelas Coronel, quatro estrelas Tenente, duas estrelas Cabo e uma estrela Soldado Raso .(Maia
Neto, 2003).
98
tambm tem a tarefa de informar o fiscal de terreiro47 caso haja algum incidente , como
pessoas precisando de auxlio durante o ritual - por estarem passando por mal estar ou por
no estarem conseguindo cumprir as regras da igreja (uma delas procurar se manter sempre
dentro do salo). O porteiro, como me informou um fardado da igreja, deve imaginar-se como
um membro da guarda real inglesa, vigiando a entrada do palcio.
Passando pelas portas de madeira do Salo, temos uma cortina azul (Figura XV), com
dois emblemas : o Sol dourado, direita de quem entra por onde devem passar os homens; e
47
Responsvel pelo movimento e atendimento no terreiro ou rea externa do Templo. Recebe as pessoas
encaminhadas pelo fiscal de salo e vice-versa, cuidando daqueles que sofrem algum tipo de mal estar , com
ateno especial aos novatos.
99
a Lua prateada esquerda passagem das mulheres. Acima dessa cortina, um quadro onde se
divisa dois homens aparentemente dos primrdios dos tempos festejando, em um campo
florido, nas margens de um rio a chegada de seres celestiais, semelhantes a anjos. H nas
paredes quadros e imagens de origem catlica tais como : Virgem Maria, Virgem da
Conceio, Anjo Gabriel, So Miguel, So Joo Batista. Fotos dos fundadores do Santo
Daime : Mestre Irineu, Pad. Sebastio. Fotos do Padrinho Jonas Frederico, da Madrinha Rita,
e outras. H em todo o Salo flores, que representam simbolicamente a misso de todo
daimista em geral, e do Mestre Irineu em particular, misso esta segundo o mito de origem
do Santo Daime recebida pela Virgem da Conceio : doutrinar o mundo inteiro na Luz
desta bebida sagrada. Alm das flores, temos tambm o incenso e nos trabalhos h o fiscal
de salo48 responsvel, entre outras coisas, em troc-lo sempre que chegar ao final
representando a purificao do ambiente, afastando as energias negativas, sendo ele o
elemento ar.49
O Salo, principalmente nos perodos conhecidos como Festivais50, so decorados por
bandeirinhas coloridas, estabelecendo um ambiente de festa e alegria, quando os fiis vestem
a denominada farda branca e bailam do pr-do-sol ao raiar do dia. Alm disso, encontramos
as bandeiras do Brasil e a bandeira do Santo Daime : verde , azul e branca cuja referncia
encontramos no seguinte hino do Padrinho Alfredo Gregrio:
48
Possui a funo de organizar o local de cada um no salo , cuidar da chamada harmonia da corrente, verificar
se todos esto bailando corretamente, cuidado com as velas, incenso e gua. H o fiscal da ala masculina e da ala
feminina.
49
As velas so o elemento fogo e nos copos da mesa central a gua .
50
Os Festivais ocorrem em Junho/Julho onde ocorrem os rituais de bailado (hinrios) de Santo Antnio, So
Joo e So Pedro e em Dezembro, ocasio do Natal e Ano Novo.
100
Firmado em concentrao
Firmado em concentrao
Na Virgem Me verdadeira
Eu vou olhando e dou chance
A quem olhar para esta bandeira
Vou publicar umas palavras
Que nos traz pura lembrana
Das cores desta bandeira
Do Pai verdadeiro, verde azul e branca
Firmado no verde lindo
Sou eu represento a terra
Por isto aqui eu estou
Com a paz do Senhor, acalmando a guerra
Firmado neste azul
Esta imensido celeste
Faz calmar o meu corao
E dos meus irmos, os que no esquecem
Lembranas vivas de Deus
Nos traz o branco do astral
Com todos seres do alto
Que nos iluminam juntamente ao Sol
Completei esta lio
Com justia e lealdade
Para todos se reunir
Provando aqui sua capacidade
(Hinrio O Cruzeirinho , hino n 86)
101
102
Estes rituais sero mais bem detalhados proximamente, na seo sobre os Rituais no Cu de Midam.
Em afinidade com os dias mitolgicos - que antecederam o encontro de Mestre Irineu com a Rainha da
Floresta (Virgem da Conceio) , quando este cumpriu a dieta alimentar - comer apenas macaxeira insossa - e a
abstinncia sexual tinha ordem da Rainha da Floresta para no chegar nem perto de um rabo de saia .
52
103
do Mestre Irineu, Pd. Sebastio, as flores. Um quadro do artista plstico Ray 53,de Embu das
Artes, que foi elaborado no calor de um feitio, com a fora do Daime agindo no pintor,
concesso rara, j que o feitio um ritual, e, como todo ritual do Santo Daime, com regras
bem definidas. Na Casa h o local da bateo, onde h lugar para doze pessoas realizarem a
macerao do jagube. Ao ritmo dos hinos, movem-se as marretas de madeira, e todos com a
fora do Daime, representando simbolicamente os doze apstolos de Cristo.
Dessa forma procurei traar um rpido mapeamento das teias simblicas na
Comunidade Cu de Midam Igreja Flor de Luz, procurando trazer luz para os sentidos que
os daimistas e freqentadores do local atribuem para tais smbolos sagrados.
53
104
Apoena guia Dourada Foi o Padrinho Jonas quem viu este ser espiritual indgena
pela primeira vez em forma de mirao e o identificou como o protetor do Santo Daime e
da Comunidade Cu de Midam. Apoena seria um ndio da etnia Apache, portanto um ndio
norte-americano. Viveria ele no bambuzal, bem em frente ao Templo daimista, teria um poder
xamnico, como um nagual, de se transformar em guia - da a razo de ser chamado
Apoena guia Dourada.
Uma das primeiras vezes em que Apoena apareceu nas miraes que o Padrinho Jonas
vivenciou recontada abaixo pela Madrinha Maria do Carmo:
Ele, o Padrinho Jonas, viu em mirao que o nosso guardio era este ndio
norte-americano, chamado Apoena guia Dourada. Eu cheguei a ver o
Apoena, a entidade, e de muita luz, mas de muita luz mesmo. Era um ser
simples, como um ndio ... mas de muita luz. Em seu aspecto, no era um
ndio puro como a gente v, mas um ser todo repleto de luz...
Madrinha Maria do Carmo.
105
Maria Ceclia casada com Saulo Bonfim,de 31 anos, e dessa unio nasceu um filho
que hoje se encontra com trs anos de idade. A este filho foi dado o nome de Apoena em
homenagem ao ndio apache guardio do Cu de Midam. Este caso serve de exemplo para
entendermos a importncia dada pelos fiis daimistas da Igreja Flor de Luz aos seres de luz
que os acompanham, guiam e os protegem em sua jornada espiritual e na prpria vida
cotidiana.
Em tempos anteriores, Saulo teve uma mirao em que o Daime lhe mostrou que teria
um filho e que, caso fosse um menino seu nome seria Apoena :
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Saulo lembra que casou-se com a filha de um Padrinho e uma Madrinha, e que tem
que zelar pelo neto deste Padrinhos do Daime. Por isso deu o nome de Apoena para seu filho
e busca ensinar a ele o caminho da doutrina daimista, buscando tambm preservar esta
linhagem de ensinamentos espirituais e doutrinrios que vm dos comandantes da casa, Jonas
e Maria do Carmo. Assim caso tenham uma filha, Maria Ceclia e Saulo tm o desejo de
batiz-la com o nome de uma ndia chamada Jupiara, ser espiritual que detalharemos mais
adiante. E, segundo Saulo, caso venham a ter um segundo filho, pensa talvez em dar o nome
de Daron a ele, em homenagem ao Comandante Estelar da Igreja Flor de Luz.
Dessa forma, para Saulo, tambm um dever dele preservar o simbolismo e
originalidade da casa, do Cu de Midam, atravs de seus Guardies : Apoena, Jupiara e o
Comandante Daron, esta trade de seres de luz.
107
de Jupiara representam uma origem comum : a bebida sagrada - o Daime - veio da ayahuasca
que tem ,por sua vez origem mitolgica l no Imprio Inca.
108
Uma das viagens que Maria do Carmo nunca se esquece, aquela em que gua
Branca a guiou em viagem at o reino de Atlntida, conforme notamos no relato abaixo :
Este ritual em Atlntida, segundo Maria do Carmo, era muito parecido com uma cena
que ela havia lido em um livro, sobre a poca de Cristo:
Na poca , dois ou trs dias antes da paixo, havia uma dana que
Jesus brincou, e fizeram uma roda e a dana era mais ou menos semelhante
ao bailado do Daime. Ento a gente daquele tempo tambm. A gente de
Atlntida, a gente do tempo dos Maias, e da poca de Cristo tambm. Dos
ciganos. Ns temos todo esse DNA , desses povos,no nosso ser espiritual .
Assim, fica clara mais uma vez a crena esprita nas encarnaes passadas, o Povo do
Daime, j vinha se encontrando em outras eras, em outras vidas, e agora retorna novamente
109
Alm de Daron, Apoena, Jupiara e gua Branca seres de ordem superior que
povoam o mundo espiritual do Cu de Midam especficos da Cosmologia do Flor de Luz,
apresento abaixo algumas interpretaes sobre outras entidades que fazem parte do panteo de
todas as Igrejas do Santo Daime. Veremos que os pontos de vista, ou a maneira como os
daimistas do Cu de Midam enxergam tais entidades esclarece-nos sobre as especificidades e
a liberdade cosmolgica conquistada por esta Igreja.
Sete Estrelas um ser das estrelas. Tambm um ser espiritual. Foi narrado, pela
primeira vez, no seguinte hino do Mestre Irineu:
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Sete Estrelas
Eu vi no Sete-Estrelas
Um rosto superior
Eu digo com certeza
Que a Rainha me mostrou
A Rainha me mostrou
Para mim reconhecer
O nome que tanto se fala
E ningum sabe compreender
Ningum sabe compreender
Com amor, com alegria
A pessoa de Jesus Cristo
Jesus filho de Maria
Jesus filho de Maria
Desde a hora que nasceu
Comeou seu sofrimento
At o dia que morreu
Ele morreu neste mundo
Para ns acreditar
Para ns tambm sofrer
Para poder alcanar
Este hino fala de uma entidade, o Sete Estrelas, e tambm o relaciona com Cristo, a
Virgem Maria , ou seja, personagens que Mestre Irineu, provavelmente, buscou l
do
111
Pode ser ele ou ela. Est indefinido. Pode ser tanto o masculino
como o feminino. uma energia, pode ser num momento de positividade,
como num momento de negatividade. assim que eu entendo Marachimb.
Tem dentro da nossa doutrina alguns irmos que recebem instrues, l de
cima, e quando recebem para a gente mesmo. Como coletivo, eu recebo
para mim e para todos. O Marachimb pela prpria expresso da palavra,
raiva , briga., disciplina, atuao, chamada das grandes, grosseria,
vou chamar o reio do Marachimb e p! . Mas Marachimb que se
apresentou para mim, dentro de toda esta energia que vertida , tem que
firmar na fora dele , dela. Toda essa entidade ela tem fora, seja positiva ou
negativa. Essa energia ela tem fora, um esprito, um ser. Dentro desta
turbulncia voc tem que se firmar nele, em Marachimb, nele ser mais
firme, no titubear, como um soldado, como um ser divino, como um
curador, se disciplinar, como uma fora que voc est gerando ali. Mas o
nosso Marachimb aqui mais suave.
112
A ordem tem por principio a preservao da f, a cura e a expanso da conscincia, com o uso
da bebida sagrada, o Santo Daime. Tambm fazem parte do ritual a dana e os cantos, que so
entoados como mantras, construes simples e repetitivas das mesmas notas, e sua dana , um girar
em volta de um centro fixo segue a idia de um dnamo, em seu centro a estrela como eixo, criando
assim um acampo de energia.
54
Conforme OKAMOTO DA SILVA, Leandro. Marachimb chegou foi para apurar : Estudo sobre o castigo
113
114
homens, das mulheres e das crianas, entre outros. Alm desses rituais, a Flor de Luz em
particular - tambm realiza o trabalho de Osho em Daime, onde se toma a bebida sagrada no
contexto das meditaes deste conhecido guru da ndia. Este trabalho dirigido pelo italiano
ngelo Scalvi, morador da Comunidade Cu de Midam. Alm do trabalho de Osho, a Igreja
Flor de Luz tambm j realizou outros tipos de trabalhos espirituais que no so encontrados
em outras Igrejas, como o caso do Trabalho de Prosperidade56.
Os trabalhos seguem um calendrio que, em parte direcionado pelo CEFLURIS, mas
tambm h espao para os chamados Trabalhos da Casa , que so aqueles criados e
organizados de forma autnoma pela direo da Igreja Flor de Luz. Estes so realizados em
datas especiais como : Aniversrio da Madrinha Maria do Carmo, Aniversrio do Padrinho
Jonas, Passagem do Padrinho Jonas, etc.
A seguir procuro realizar uma sucinta apresentao da natureza e organizao dos
principais trabalhos espirituais com o Santo Daime, comeando pela descrio dos
preparativos do Salo e a preparao dos Soldados da Rainha.
Em ltima anlise o nosso ritual deve ser fruto de uma consagrao. O cenrio de nosso ritual
deve ser um espao sagrado. Nele cantamos, meditamos, canalizamos energias, irradiamos energia e
nos curamos. (ALVERGA, 1997, p 6.)
55
115
Trabalho em que canta-se repetidas vezes trs hinos do Padrinho Alfredo, visando a prosperidade financeira
dos participantes do ritual.
57
Eliseo uma espcie de caseiro . Ele deixou seus pais - que so evanglicos e sua moradia no municpio
de Carapicuiba, Grande So Paulo, para dedicar sua vida integralmente doutrina do Santo Daime. Recebe todo
ms uma cesta bsica e um salrio mnimo. Anteriormente trabalhava como mecnico de automveis.
58
So preparados Daimes de vrias graduaes. Para concentraes e trabalho de cura so utilizados graus mais
concentrados da bebida, enquanto para o bailado usa-se um Daime de grau normal. So exemplos de Daime :
Daime normal, apurado, dois por um, trs por um, Daime mel , etc.
59
A Tronqueira localiza-se no caminho entre a casa dos homens e a Igreja. Ela fica do lado esquerdo de quem
caminha em direo ao templo e tm a funo de evitar a entrada de espritos malficos, como o caso do
116
adequadamente para um trabalho espiritual. Ele deve por exemplo - se abster de relaes
sexuais e lcool nos trs dias que antecedem o ritual e nos trs dias posteriores. Aconselha-se
tambm a manter nos trs dias anteriores ao trabalho uma alimentao leve e saudvel. Deve
tambm evitar conflitos e desavenas com outros irmos da doutrina e com pessoas de seu
convvio. recomendvel fazer de todo o possvel para chegar ao trabalho em paz consigo
prprio, com a mente calma e tranqila para que possa aproveitar de forma mais positiva os
ensinamentos trazidos pela consagrao da bebida sagrada. A prpria conduta cotidiana de
cada um que participa dos rituais do Daime deve estar de acordo com a tica contida nos
hinos da doutrina. Em caso contrrio, o indivduo pode passar pela peia , expresso
utilizada pelos daimistas para designar o mal-estar e as passagens ruins ou negativas que se
pode sofrer durante o trabalho. Alex Polari de Alverga (1997), um dos principais dirigentes do
CEFLURIS, afirma que espiritualidade respeito , e que necessrio s pessoas aceitar as
prticas, ritos e smbolos de um trabalho daimista para que possam galgar os diferentes
degraus da vida espiritual. Em outras palavras, seria recomendvel que a pessoa chegasse nas
Tranca Rua. H uma histria que narra a derrota deste esprito pelo Padrinho Sebastio, e a Tronqueira marca
o limite que no pode ser ultrapassado por esta entidade, considerada das trevas.
117
118
3.3.3 - Concentrao
Ns devemos cada um examinar o seu prprio aparelho, buscando sentir em si mesmo a fora
do Santo Daime, que o nosso guia, o grande Ser Divino da Floresta e, ao mesmo tempo o guia
geral da nossa sesso que abre os canais para os demais curadores, ensinadores e protetores
incluindo o nosso Anjo da nossa guarda, para nessa oportunidade os aparelhos sentir firmeza,
relaxando o seu prprio aparelho no local seguro em que ns estamos, para que a nossa mente se
expanda na Luz e na Fora do Santo Daime, na corrente de cura do dia da Concentrao do Mestre
Irineu.
Alfredo Gregrio de Melo, Presidente do CEFLURIS
(Concentrao no Cu de Maria 15/10/2002)
pensamentos, busca-se uma expanso da conscincia na Luz - trazida pela folha rainha e na
Fora representada pelo cip jagube do Santo Daime. Como se afirma no primeiro hino
cantado nos Trabalhos de Concentrao, preciso examinar a conscincia direitinho61.
Uma das partes mais importantes deste ritual a leitura do Decreto do Mestre Irineu,
como vemos abaixo:
60
61
O Eu Superior a parcela divina que h em cada um de ns, segundo a doutrina do Santo Daime.
Trata-se do hino Examine a conscincia, recebido por Padrinho Sebastio.
119
Como vemos, esta leitura - realizada durante o trabalho de Concentrao faz com
que o fiel oriente sua meditao, o exame interior de sua conscincia, de acordo com alguns
princpios existentes desde os tempos do Mestre Irineu. Desde a postura que se deve ter
dentro do ritual at o que se busca, visando aprimorar-se neste caminho espiritual escolhido.
Nele no h apenas primores
120
imperfeies que esto dentro de cada um e que devem ser primeiro reconhecidas, para assim
serem corrigidas.
Na Concentrao, usa-se a chamada farda azul, que no caso dos homens - compe-se
basicamente de cala e gravata azul marinho e camisa social branca . J as mulheres vestem
um saia de pregas azul marinho, gravata borboleta azul, e uma camisa branca tendo bordada
no bolso a sigla C.R.F. Centro Rainha da Floresta que tambm referncia ao primeiro
ncleo do Santo Daime criado por Mestre Irineu.
Ao final do trabalho de Concentrao, todos em p em sinal de respeito e reverncia canta-se o chamado Cruzeirinho do Mestre Irineu. So treze hinos que, segundo infomao
de Glauco Villas Boas comandante da Igreja Cu de Maria - , resumem os ensinamentos e
princpios mais importantes da Doutrina do Santo Daime. Neles so valorizadas as figuras de
Cristo, da Virgem Maria, e de Deus; destaca-se o Daime como professor e revelador do
mundo espiritual, a importncia de se fortalecer a irmandade, entre outros princpios.
O bailado tambm uma vitrine do trabalho espiritual de cada um. Deve se evitar trejeitos e
movimentos exagerados que destoem do padro apresentado pela corrente. (ALVERGA, 1997, p.13)
121
farda branca62 ou farda oficial terno, camisa, cala e sapatos todos brancos e a gravata
azul marinho, assim como a estrela salomnica no peito. No caso das mulheres a farda branca
se compe de saia de pregas, blusa de manga comprida, um trespassado verde formando um
Y , na cabea uma coroa branca (simbolizando a Rainha da Floresta), no ombro tiras
coloridas representando as alegrias.
Separados, homens e mulheres danam seguindo basicamente trs ritmos: a valsa, a
marcha e a mazurca. Alm da diviso do Templo em duas metades a ala masculina e a ala
feminina cada uma dessas alas se subdivide em mais trs partes. Na ala masculina, temos : o
espao dos meninos e moos solteiros, o espao dos homens casados e/ou com filhos, o lugar
dos chamados veteranos onde bailam os senhores e os fardados de maior destaque na
Doutrina. O mesmo se d na ala feminina. Cada um baila dentro do quadrado desenhado no
piso do Templo, sempre respeitando o espao daqueles que marcham a seu lado. O bailado se
assemelha a uma marcha militar, basicamente dois passos para l dois passos para c.
O ritual do Santo Daime, por meio de seus mltiplos agentes (msica,
dana, cnticos e bebida), estabelece uma relao especial com os
participantes (pois envolve uma fora eficaz), sensibilizando todos os
sentidos e levando-os a outras dimenses de significado, tempo e espao.
(COUTO, 2002, p 339)
62
Segundo Labate (2004) ,a farda branca foi instituda por Mestre Irineu em 1957.
122
Figura XVII Bailado no Cu de Midam : na mesa central, da direita para esquerda : Kelmir,
Madrinha Maria do Carmo e Joslia.
Interessante notar que para Carl Jung, o numeral oito simboliza a totalidade, a nossa conscincia coletiva. (Cf.
JUNG, Carl Gustav. Os Arqutipos do Inconsciente Coletivo. Petrpolis, Editora Vozes,2000).
123
124
125
Oh Deus do firmamento
o sol e a lua
No firmamento est o carreiro
O cruzeiro caminhada sua
A constelao chegou
Bem juntinho da Virgem Maria
No cruzeiro est o rosrio
Dos pedidos em agonia
A fora que tem o Rei
Jesus Cristo o Mestre de sempre
Tudo no corao de Maria
Na terra e em todo firmamento.
65
Desde o incio de 2003, quando passei a acompanhar o dia a dia no Cu de Midam, s houve um caso em que
se necessitou realizar o Trabalho de Cruzes, cuja paciente era uma moradora da Comunidade, que, conforme ela
mesma me narrou, estava profundamente afetada em seu sistema nervoso.
126
Tem Daime prprio para cura, e tem Daime para voc tomar nos
hinrios, na concentrao, mas pra cura diferente, n ?! Mas o melhor
Daime o de cura ... o melhor Daime ... o Daime que disciplina, o Daime
puro... O Daime bom, que cura mesmo ... Beleza, ele cura mesmo... Conheci
muitas (pessoas curadas pelo Daime). Eu dei Daime que curou , eu dei
Daime para ele e ele se curou , ficou bonzinho... Mas o Daime ele cura, ele
corta, ele tira ... O esprito est aqui, a matria est l na faca. Voc v tudo,
do mesmo jeito que tem aqui na medicina dos mdicos , do mesmo jeito l,
aquela mesma coisa, o espiritual mesma coisa. O Daime ele cura, ele corta
tambm, ele opera, faz tudo... Tem muita doena perigosa, que ...eu lembro
do Daime com o negcio de cncer... ns curamos , cncer, curamos com o
Daime. E tanto a gente cura, como amansa as coisas l de fora, aquelas
coisas que vem atrs de luz, que vem no aparelho , uma coisa que desce,
que precisa de luz, precisa de Daime para tomar , e vem no aparelho, o
sujeito no aguenta , cai e grita, mas a gente segura...
Padrinho Eduardo
127
128
3.3.7 O Feitio
Todo feitio no Cu de Midam tem um nome. E este feitio ele teve o nome dele. Foi o da calma, da
pacincia ... Porque todo feitio difcil e sem calma fica mais difcil ainda.
129
Figura XVIII As panelas do feitio aquecidas pela fornalha - com camadas sucessivas
de jagube e folha rainha + gua.
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131
Em alguns casos, retira-se um lquido da panela chamado de reforo, que ser fervido outra vez com outras
132
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Figura XIX Saulo Bonfim e Alexandre Frederico: o jagube sendo modo pela
mquina agrcola.
134
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68
Ocorrem cerca de trs despachos de Daime durante o trabalho, ou seja, os participantes tomam trs doses da
bebida, espaadas durante o andamento do ritual.
136
Figura XXI Trabalho de Osho em Daime Igreja Flor de Luz, Piedade, SP.
137
ngelo, que nasceu no norte da Itlia, narra da seguinte forma seu encontro com a
filosofia de Osho:
Eu estava viajando para a ndia , mesmo como daimista viajei muitas
vezes, quatro vezes para a ndia, ento eu encontrei o Osho, que no papel
sempre criticou o cristianismo, que no deveria ser compatvel com o Santo
Daime, mas na realidade muito compatvel. Alm das aparncias, ele um
grande personagem da histria contempornea, um grande mestre, ou pelo
menos uma grande mente para quem no acredita que ele seja um mestre
.Ele um cara de uma grandeza to luminosa , de tanta alegria de vida,
vontade de viver . Foi um encontro maravilhoso.Eu no encontrei ele
pessoalmente, mas eu encontrei a histria dele.
ngelo, que terapeuta - apesar de sempre afirmar que sua profisso na verdade ser
um viajante - , tomou o Daime pela primeira vez em 1986, em Porto Seguro, Bahia, mas fora
de um contexto ritual. Em 1991 participou de um trabalho com o Santo Daime, na Igreja Flor
de Luz, com o Padrinho Jonas, no momento que o Flor de Luz no era ainda uma Igreja, mas
um ncleo do Santo Daime (Barra Funda , So Paulo-SP) .
Em uma de suas viagens para a ndia - por solicitao do Pad. Jonas Frederico ngelo , acompanhado de outros daimistas, leva alguns litros de Santo Daime e organiza um
trabalho por l. Aps iniciarem o ritual e beberem o daime, ngelo recebe a seguinte mirao,
que ir marcar o incio dos trabalhos de Osho em Daime:
138
139
pas foram interrompidos devido probabilidade das prises. Ela refletiu em uma das
entrevistas : Imagina como deve ser as condies de uma priso na ndia ?! . Eles, ento,
retornam ao Brasil, relatam as dificuldades para o Padrinho Jonas, que fica feliz com a
tentativa, com o que foi desenvolvido na ndia e com o que denomina contato ocidenteoriente :
140
Outro adepto do Santo Daime, Aldori Barbosa, tambm chama a ateno para o fato
da umbanda - segundo sua verso e convico - ter vindo do Oriente :
141
e portanto, tambm a frica e o Santo Daime . Neste caminho, que se iniciou com suas
viagem ao Cu de Mpia Nova Jerusalm para os daimistas - , ele relata em um mito a
origem da Umbanda :
142
Vamos agora desvendar um dos grandes segredos das Cosmologias que compem o
Cu de Midam, que se configura como sua egrgora especfica, ou seja, a simbologia central
que d personalidade Igreja Flor de Luz dentre todas as igrejas que compem o CEFLURIS
no Brasil e em outros pases. Para tanto, alm dos depoimentos dos fiis e membros da Igreja,
estaremos tomando como base de nossa anlise os hinos e mensagens recebidos por daimistas,
principalmente os hinrios da Madrinha Maria do Carmo.
Como j foi dito anteriormente, ao chegar ao Cu de Midam, o sujeito se defronta
com um portal , observa e observado por duas guias chamadas de o Surdo e o
Mudo . Este portal leva o visitante desta comunidade para um novo contexto cultural, vale
dizer, para uma nova dimenso, um novo mundo.
Para os daimistas do Cu de Midam, ns viemos das estrelas, somos energia csmica,
temos um universo povoado por outros mundos, outras esferas, viemos da Constelao de
Orion, e um dia para l retornaremos. Um dos principais hinos que deixa claro esta linhagem
estelar do Cu de Midam tem o ttulo O Santo Daime Estelar. Vamos a ele:
143
Como cada igreja tem certa flexibilidade para criar sua prpria cosmologia religiosa dentro do que denominamos como ecletismo - , neste caso destaca-se a linha ritual do Cu de
Midam, que se inspira na crena em seres estelares guardies que protegem os fiis e a
comunidade Cu de Midam. Segundo esta linha de interpretao o Santo Daime teria vindo
das estrelas para a Terra, tendo como objetivo curar os seres humanos. E, tendo o Santo
144
Daime incorporado muitos elementos do espiritismo, uma das bases de explicao desta
crena, encontra-se em Allan Kardec :
Ainda tendo como referncia o kardecismo, podemos citar a passagem abaixo, que
explcita esta possibilidade de existncia de outros mundos habitados:
No ocupando a Terra, no Universo, nenhum lugar especial, nem
por sua posio, nem por seu volume, nada lhe poderia justificar o privilgio
exclusivo de ser habitada. Por outro lado, Deus no pode ter criado esses
milhares de globos somente para o deleite de nossos olhos, tanto mais que o
maior nmero deles escapa nossa vista. ( KARDEC, 1986, p. 155)
A comunidade Cu de Midam acredita em uma Nova Era , numa Nova Era Estelar.
Em que a esperana est nas estrelas, vir das estrelas. Esta nova era estelar est assim
evidenciada neste hino da Madrinha Maria do Carmo:
PARA TRANSFORMAR
Eu cheguei, eu cheguei e vou ficar
Com a Fora de Luz que o Sol me d
Eu cheguei e vim para afirmar
As instrues da Nova Era Estelar
Eu cheguei para me conectar
Com os irmos que mandaram para c
Com a misso de auxiliar
Todos os seres deste Planeta Solar
Cada um que estiver presente
Na reunio para conferenciar
Os companheiros devem se apresentar
A sua conta cada um deve prestar
Estamos juntos nesse crculo de harmonia
Com muito brilho devem se apresentar
Na Disciplina da Nova Era Divina
E receber quem vem para transformar
(Hino n 30 Hinrio Luz do Sol)
145
Dentro desta cosmologia existe uma hierarquia de seres estelares que nos
acompanham, nos protegem e guiam nossas vidas. Por volta de 1988, estando o Sr. Jonas
Frederico no Cu do Mapi, teria canalizado uma das primeiras mensagens cuja origem
atribuiu a um ser estelar. O nome deste ser era Ramefleteluz, a mensagem vem logo abaixo:
RAMEFLETELUZ
(Ramo, Folha e Bebida = DAIME)
Esta Chave abre RAMA e com ela voc penetra nos segredos de RAMA, que so
infinitos e de acordo com sua evoluo voc colhe os seus conhecimentos e alivia suas reencarnaes
futuras, e assim sobe na escala da evoluo do Ser em si com maior facilidade, pois como estamos
aqui na Terra para aprender com esta Chave que abre o mundo mental, entramos nele e aprendemos
direto do mental, sem ser preciso vivenciar no mundo material para aprendermos e evoluirmos , e
subir em nossa escalada evolutiva. Por isto, que s uma porcentagem pequena que toma contato com
esta Chave que penetra realmente em RAMA, pois a porcentagem maior ainda no est preparada
para este conhecimento, e se distrai vendo miragens da sua prpria volta e do seu dia a dia. Mas
fizeram contato e sabem que a Chave existe, s que ainda no esto a altura de p-la na fechadura e ter
a fora necessria para faze-la girar e abrir RAMA, mas sempre foi de bom proveito este contato, pois
outros tantos ficam satisfeitos s em saber que a Chave existe, e no tem a coragem de a pegar
(tomar). Assim sendo, tendo contato com esta chave, pergunte o que quiser e aprenda o que puder,
pois esta Chave que vem do mundo vegetal para o mundo animal a herana que no pode ser perdida
da evoluo.
Esta mensagem lida com certa freqncia nos rituais do Santo Daime da
Igreja Flor de Luz. Ela revelaria os segredos do Daime simbolizado aqui como Chave,ou
seja, Ch que faz Ver. Nesta viso o Daime estelar, e chegou at aqui na Terra para ajudar
os homens em sua evoluo espiritual, aliviando nossos carmas. O Daime, nesta mensagem
visto como uma chave que abre portas e portais para outras dimenses e novos mundos, em
146
outras palavras, todo este universo chamado de RAMA. Todos os aprendizados vividos nestes
universos de RAMA, so percebidos pelo mental,ou seja, so vivenciados na mirao, durante
o trabalho espiritual como o Daime. Da colhemos os resultados deste aprendizado sem
precisar passar por eles no mundo material. O Daime assim um atalho, um atalho crmico
rumo iluminao do ser. Mas poucos so na humanidade os que conhecem esta bebida. Dos
poucos que a conhecem a grande maioria no tem a coragem necessria para tom-la. Da
minoria que a ingere, muitos ficam perdidos nas iluses e miragens do seu ego, no
encontram as miraes consideradas autnticas. So pouqussimos, portanto, os indivduos
que experimentam o Daime, que realmente o compreendem e que adentram o universo de
conhecimentos chamado RAMA. De toda forma o Daime uma riqueza que a humanidade
teria herdado do mundo vegetal, que no pode se perceber, e que ser fundamental na
evoluo espiritual dos homens.
Contribuir com nossa evoluo espiritual, seria tambm este o papel do chamado
Comando Estelar, do qual um importante comandante o ser de luz DAR o ON69 . DAR o
ON sempre lembrado e homenageado nos trabalhos do Santo Daime em Piedade, por
exemplo, em hinos e no momento em que os homens do os vivas, em alguns intervalos do
bailado, nas cerimnias espirituais realizadas nesta Igreja. Seu nome sempre lembrado,
quando o italiano ngelo Scalvi profere em alta e alegre voz:
Viva a Confederao das Estrelas! Viva o Comandante DAR o ON!
69
147
Iremos agora, conhecer um pouco mais sobre esta entidade espiritual e estelar. Tudo se
inicia em 1988, quando Jonas Frederico retorna a So Paulo, depois de passar uma temporada
no Cu do Mapi Amazonas:
Em 1988, quando meu pai veio do Mapi , ele veio com uma
percepo muito aberta, ele estava tendo vises, estava tendo instrues,
canalizando instrues. Eu participei de um grupo de meditaes no Aruj,
que fazia relaxamento, meditaes mntricas na linhagem daquele J.J.
Benitez que escreveu a Chave de Enoch. Ento esse grupo fazia estudos
sobre as Chaves de Enoch e fazia meditaes, e tal. E tinha um rapaz, o
Maurcio, que canalizava uma energia muito forte, e recebia mensagens do
Comandante Daron. Este Maurcio no tinha nada a ver com o Santo Daime.
Esse era um grupo que eu conheci, porque eu tinha muito contato com as
pessoas de So Paulo. Eu conheci muitos ncleos esotricos e, atravs do
meu conhecimento que as pessoas vieram para o Daime.
Alexandre Frederico.
148
Certa vez, este grupo esotrico freqentado por Alexandre Frederico realizou um
encontro no municpio de Piedade. Nessa poca ainda no existia a Igreja e a Comunidade
Cu de Midam neste municpio, trata-se de um acontecimento bem anterior. O evento se deu
no ano de 1988, em um stio que se localizava num dos pontos de maior altitude da cidade.
Desta vez, Alexandre resolveu convidar seu pai, que se interessou em participar da cerimnia
esotrica. Nas palavras de Alexandre :
Foi este, portanto, o primeiro contato de Jonas Frederico com Daron e o Comando
Estelar. Na cerimnia descrita acima, a expanso da conscincia - que se fez necessria para
entrar em contato com outras dimenses da existncia e outros seres no foi resultado da
ingesto do Santo Daime. Segundo a entrevista realizada com Alexandre, as percepes eram
alteradas atravs da entoao de mantras, sendo que aps algum tempo, a mente j elevada,
percebia-se com muita clareza a presena da energia estelar .
O Comandante Daron, nas canalizaes realizadas por Jonas Frederico, vinha e dava
instrues,mensagens sobre o bem da Terra e da humanidade :
149
150
151
Primeiramente, podemos dizer que este hino expressa nossa vida por meio de uma
perspectiva dual. H o mundo em que vivemos, repleto de iluso e sofrimento e h o mundo
astral ou espiritual, tomado como modelo. Os seres deste mundo astral, seres estelares e
celestiais, considerados espiritualmente superiores , teriam um papel importante conforme a
cosmologia daimista que despertar em ns os valores por eles cultivados : harmonia, paz e
amor . Estes seres ou guias espirituais como tambm so chamados nos alertam sobre a
guerra material, nossas preocupaes mundanas, nossos conflitos, sentimentos inferiores
como a raiva, o cime, o dio,o apego a bens materiais, etc.
DAR o ON, como est descrito no hino mais acima, vem de outros mundos, que um
dia voc deixou para trs. Esta mensagem expressa de forma clara o significado da
cosmologia estelar. A existncia de outros planetas, dimenses e seres neste universo. A
crena de que ns, seres da Terra, descendemos das estrelas, de outras constelaes, e que um
dia poder quem sabe, surgir uma nave e nos levar de volta para nossas origens estelares.
O Comandante Estelar DAR o ON est conforme percebemos ao ler o hino
subordinado ao Mestre Juramidam ou seja, a forma que o Mestre Irineu assume no Astral ou
plano espiritual
70
JURAMIDAM/Eu j vim e sempre estou aqui/Mas nem todos do importncia/E nem tomam
conhecimento. Na transposio da figura do Mestre Irineu para a simbologia estelar, ele acaba
aparecendo como um General Estelar, um membro importante dentro da Hierarquia do
chamado Comando Estelar , como verificamos no trecho :Sempre estou alerta/E Ele tambm
est/Aqui embaixo Ele o Mestre/L em cima meu General
70
Jura , segundo as palavras de Padrinho Sebastio ,tambm est ligado ao Esprito Santo e a Cristo : Quem for
Midam entra justamente com o Jura. Porque Jura uma coisa e Midam transforma um no outro. Quem filho
Midam e o chefe Jura. Da o sobrenome Midam. Quem toma Daime um dos Midans. Se eu consagro o
Daime sou um filho, no posso negar em canto nenhum. Voc que tambm est acompanhando, se negar o seu
Pai, t lascado tambm. (in ALVERGA, 1998: p. 110-111)
152
Uma das formas de desvendar esta entidade estelar, chamada de Daron - alm da
interpretao dos hinos da Madrinha atravs da anlise das miraes dos fiis do Santo
Daime da Igreja Flor de Luz. E a isso nos dedicaremos agora.
Silvia Miragaia, publicitria de 46 anos, mora h seis anos na Comunidade Cu de
Midam e participa dos trabalhos com o Daime h cerca de 12 anos. Considera muito
importante a presena dos seres estelares na Igreja Flor de Luz, e diz que, apesar de ser uma
linhagem diferente, uma fora csmica e estelar tudo est conectado, tudo est ligado.
Vejamos uma mirao por ela relatada e que retrata um contato com o Comandante Daron:
153
Ceclia Helena que associa a imagem dos seres estelares aos caboclos, entidades
indgenas dos cultos afro-brasileiros - nos relata uma cura que recebeu de um ser das estrelas:
Em minhas miraes j apareceram Caboclos Estelares, com suas
armaduras metlicas e brilhantes.E eu j tive uma cura aqui no Cu de
Midam com os seres estelares. Niquelaram meu crebro, tal como uma moto,
e me ajudaram a resolver meus problemas de nervosismo.
Ceclia Helena.
Para Geraldo, de 39 anos que bebe o Daime desde 1989 no d para definir com
exatido uma realidade to complexa e to longe da nossa explicao, como o caso do
Comando Estelar e do Comandante Daron :
muito difcil a partir de uma inteligncia tridimensional, que a
nossa, falar de uma coisa que est completamente ligada a dimenses
superiores, num mundo muito mais amplo, muito mais complexo , em todos
os aspectos . Ento falar do Comandante Daron como se fosse um ponto da
terceira dimenso , no d. Esse Daron, ele pode ser um corpo, ele pode ser
um idia , ele pode ser uma luz. Ento tentar rotular o Comando Estelar
inventar um conto para acreditar numa histria que no pode ser apalpada.
Nem pela essa inteligncia nossa , inteligncia humana . Na verdade o
Comando Estelar e toda esta fora estelar so acionadas diretamente com a
sua inteligncia da memria divina, com a inteligncia do Eu Superior ,
porque ele no est marcado por esta previso mental , vamos dizer assim
esta matrix . Na verdade o Eu Superior o que permeia todas as encarnaes
, ele , ele no mudou . O Eu Sou. Ele guarda todo o conhecimento de
todas as encarnaes que voc teve, mesmo antes de voc vir para o planeta
Terra. Ento, se esta a inteligncia do Comando Estelar ,como podemos
pensar que ns poderamos aqui tentar abraar isso ?! isso que nos abraa,
ns no temos condio de abraar. O Comando Estelar nos traz luz , luz
conhecimento transmitido diretamente ao corao. Ele no pode ser escrito,
no pode ser relatado, no pode ser pregado, mas apenas entendido. O nosso
Padrinho Jonas explicava isso com muita sabedoria. Era como se um de ns
pegasse a gua ali e riscasse ela com o dedo , voc viu ,no viu?. Quem viu,
viu. Quem no viu no vai ver mais nada. algo que incomensurvel .
(Geraldo, um dos primeiros moradores do Cu de
Midam.)
Nesta perspectiva, Daron tanto pode ser uma luz, como um corpo ou uma idia. Mas
no possvel descrev-lo, apenas senti-lo atravs do Eu Superior que parcela divina que
154
h em cada um de ns. Esta parcela divina tambm chamada pelos daimistas de memora
cssica, e traz as recordaes de todas as nossas encarnaes passadas.
Em uma das vezes que entrevistei a Sr. Maria do Carmo, indaguei sobre sua mirao
mais significativa, a que mais importncia ou ensinamentos lhe trouxe desde que conheceu a
bebida, o Santo Daime. Ela respondeu-me que se tratava da primeira mirao que teve com
este vinho sagrado e que ser descrita a seguir . Esta mirao parece expressar de forma
simbolicamente muito rica este universo cosmolgico do Comando Estelar:
Eu al, no infinito ( to grande, to lindo) quando eu vejo uma
imensido to grande no infinito, to lindo, que eu vejo um paredo e eu no
dimensionava, no tinha dimenso do tamanho das paredes e eu vi uma
janela, assim mais ou menos... um pouco maior do que o quadro aponta
para o quadro com a foto do Pad. Sebastio e no meu ser , eu sabia que
tinha que entrar, passar e transpor aquilo. Mas no tinha porta, s a janela e
como que eu alcano aquela janela no infinito? E era tudo to lindo, tinha
frisos lindos, coisas assim... de bonecas, e a eu senti que podia dar um
impulso no meu corpo... Puxa vida eu vou ter que dar um impulso no meu
corpo , entrar pela janela. E eu no sei como , eu dei um impulso e tchum ! ,
entrei pela janela. Entrei pela janela, ela estava aberta e quando eu entrei, ela
fechou...
Quando eu entro eu caio dentro de um campo de claridade. Numa
claridade que comeou a aparecer smbolos de tudo quanto jeito, de formas
geomtricas. Se no me engano, eu vi essas frmulas de oxignio, da
energia... Eu nunca tinha visto , porque a minha carga de conhecimento era
de outras coisas e no para aquele tipo de mirao, tudo aquilo. Eu sei que eu
fiquei observando tudo aquilo e eu passeava , comecei a passear entre os
smbolos e via que cada smbolo era um mundo, que eu podia entrar
tambm, mas eu no queria entrar nesses mundos. Em queria passear pelos
mundos. A eu fiquei passeando, entrei num formoso tnel, entrei, entrei,
entrei
e fui, fui, fui... , parece coisa de filme, entrava numa
velocidade...Quando eu chego no final do tnel, outro campo novamente, a
quando eu saio eu me vejo dentro de algo ,como se fosse uma nave. A eu fui
para as estrelas, fui em rion. Eu no sabia nem o que era rion, eu no
tinha noo...A eu senti que dentro da nave, com apenas o reflexo, eu
comandava a nave, eu ficava como o Peter Pan brincando nas estrelas, no sol
... Eu sei que eu chegava perto , no me queimava nem nada. E fui passando
de cus em cus.
155
Daime - considerada sagrada. Temos nesta narrao diversos elementos ou smbolos que nos
presenteiam com boas dicas do que representa a linha ou caminho do Comando Estelar : a
nave, o infinito, os mundos, o sol, as estrelas, rion, o passear de cu em cu, etc. H uma
janela a ser transposta, que leva ao infinito o espao sideral mas falta o impulso. E o
Daime o expansor de conscincia que torna possvel este impulso, na medida que produz
mudanas nas percepes e sentidos da mente e do corpo humano.
Continuemos a narrativa da mirao para que possamos compreender melhor estes
elementos:
Quando eu vou chegando no parque, l eu estou na nave, a eu olho
para cima e vejo um outro cu. A eu digo:
-
156
Dentro deste cosmos dual, Maria do Carmo, tenta mostrar nosso lado de
origem estelar, de poeira csmica que somos. Somos tambm , nesta viso, seres
crsticos, pois carregamos a origem divina - a semelhana com Deus, com a divindade
-; ou conseqncia de uma exploso estelar, para os que no acreditam nesta ligao
divina.
Um outro personagem importante na histria do Cu de Midam - para se
compreender o Comando Estelar - Celso Vendramini, advogado em programas
populares na tv,
157
SOU COMANDANTE
Sou Comandante, Sou Comandante
Sou Comandante desta Nave Espacial
Sou Comandante, Sou Comandante
Sou Comandante, na Terra e no Astral
Eu vou seguindo a minha viagem
Por esse infinito sideral
Eu vou de encontro a meu Pai
Eu vou de encontro a minha Me Divinal
Olhe bem, olhe para o Cu
E veja tudo que bom
Eu venho aqui, nesse salo
Novamente DAR o ON
Sou Comandante, Sou Comandante
Sou Comandante desta Nave de Luz
Sou Comandante, Sou Comandante
Sou Comandante, e o comando de Jesus
Neste hino recebido por Celso Vendramini, novamente como nos hinos da
Madrinha Maria do Carmo aparecem em amlgamas os smbolos estelares a nave
espacial, o Comandante DAR o ON, o infinito sideral com os smbolos ligados ao
cristianismo Jesus, Me e Pai Divinal . Bem de acordo com o ecletismo presente na
Cosmologia das Igrejas do Santo Daime filiadas ao CEFLURIS, smbolos religiosos
das mais distintas origens convivem harmoniosamente, formando um conjunto
consistente que serve de mapa, de direcionamento e de fonte de significados para os
fiis da Igreja Flor de Luz Comunidade Cu de Midam.
Celso Vendramini h alguns anos recebe hinos do Santo Daime, sendo que
muitos deles possuem uma temtica estelar. Recentemente, ele vem organizando um
hinrio denominado Luz das Estrelas em que rene uma seleo de pouco mais de
158
cinqenta hinos da Madrinha Maria do Carmo todos com a temtica estelar mais a
mesagem recebida por Padrinho Jonas, o Ramefleteluz. O hinrio Luz das Estrelas
aberto com um dedicatria ao Sr. Jonas :
Este Hinrio Luz das Estrelas totalmente dedicado in
memorian ao querido Padrinho Jonas Frederico que foi o responsvel pela
distribuio do Santo Daime no Estado de So Paulo e por ter aberto os
portais para nossos contatos com os irmos extraterrenos.
Viva as Estrelas e os Planetas ao seu Redor!
( Celso Vendramini)
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Tu precisas trabalhar
O trabalho que fazes
Para te limpar
Teu esprito sempre cresce
Tu precisas trabalhar
Tu precisas trabalhar
Esta nossa misso
Ensinar ao nosso irmo
Viemos das Estrelas
Proteger este salo
Tu precisas trabalhar
Tu precisas trabalhar
( Hino n 2 , Hinrio Caminho de Luz, Mad. Maria do Carmo)
Segundo esta viso, cada um de ns possui uma origem estelar. A esta concepo
associa-se geralmente a idia do carma e da evoluo espiritual presente por exemplo no
kardecismo. Da as palavras do hino acima fazem sentido : Tu precisas trabalhar. O Daime e
os trabalhos espirituais auxiliam no descarregar das energias negativas que o indivduo traz
de aes desta vida e de outras encarnaes. Aprendendo a se conhecer, a fazer a caridade , a
se desprender dos apegos mundanos pode-se preparar para a volta s estrelas, nossa origem
de acordo com a cosmologia do Comando Estelar.
Eu fiz uma viagem
Nos campos do Astral
Entrei devagarinho
Numa Nave Espacial
(estrofe do hino n 10 Caminho de Luz)
H uma obra de Jung Um Mito Moderno sobre Coisas Vistas no Cu em que este interpreta os fenmenos
das vises de naves e discos voadores como uma manifestao de subestratos do inconsciente coletivo. Em
certas pocas de crise para a humanidade tal qual esta crise ps-moderna de que falamos neste trabalho nosso
inconsciente, segundo Jung, daria alertas de perigo ou advertncia, em forma de sonhos, vises e outros meios.
162
163
As metforas com a temtica estelar esto muito presentes nos hinos da Madrinha
Maria do Carmo. No hino de nmero 15 do hinrio Caminho de Luz, intitulado
AS
: O
seguimento que as Estrelas d/ Vamos, vamos a Elas se juntar/ Vamos chegar ao nosso
interior. Nesse caso, o brilho de cada estrela representa nossas verdades interiores, nosso eu
superior a parte divina que h em ns que o Daime busca despertar e aprimorar. J no hino
Chamamento, de nmero 21 do mesmo hinrio, temos a seguinte mensagem : No silncio do
corpo Universo/No silncio do corpo Universo/ Encontra um brilho que est a te chamar/
Encontra um brilho que est a te chamar. Este trecho nos remete a um chamado, que o
chamado para o despertar de uma nova conscincia na humanidade, considerada nos hinos
como uma Nova Era Estelar. Existiriam guias espirituais cujo papel garantir proteo aos
fiis, s conscincias dos homens que se afinam com esta busca transcendental. esta a
funo do Comando Estelar ou Comando Espacial. A misso dos seres estelares dentro
desta perspectiva cosmolgica pode ser expressa conforme indicada no hino abaixo:
164
Dentro deste contexto simblico, a nossa passagem na Terra passageira, e uma das
principais preocupaes do indivduo compreender a existncia de outros mundos , que com
o tempo podero se tornar sua nova moradia. Mas o que seria este retorno, ou esta promessa
de uma nova era estelar? Geraldo esclarece esta indagao, atravs da fala abaixo:
Portanto, este retorno tem relao com a idia da evoluo espiritual presente na
cosmologia esprita. A Terra em que vivemos, e em que passamos por diversas tribos
fomos egpcios, ciganos, cristos, daimistas apenas uma fase, um laboratrio. Os
espritos que alcanarem o grau de depurao podero evoluir at planos superiores. Ou caso
165
contrrio regredir a mundos inferiores, ou tambm continuar aqui na Terra. Segundo Geraldo,
esse o recado do Comandante Daron. Os membros do Santo Daime estiveram juntos em
outras encarnaes, fizeram parte no passado das mesmas tribos e hoje fazem parte da
ltima tribo a tribo do Daime e, caso tenham atingido um grau espiritual mais
refinado podero atingir mundos de luz, planos superiores ao nosso :
O retorno uma passagem deste laboratrio em que vivemos, nesse
planeta, nesta escola imensa , nesta nave Terra. Ento voc veio judeu, voc
veio maometano, voc veio hindu, dessas escolas espirituais , encarnaes .
Nenhum filho, nenhum beb, escolhe em que barriga vai nascer. Ele pode
nascer na barriga de uma pessoa do terceiro mundo na frica passando fome
ou pode nascer na barriga da mulher do Bill Gates. Ningum escolhe,
ningum tem este poder de determinar. Ento nesta passagem crmica
ningum escolhe em que religio ou em que lugar vai nascer e como vai ser.
O amor que este grande poder que nos trouxe at aqui e que tambm vai
nos levar o caminho da vinda, do amor . E todos aqueles que estiverem
passando pela Terra ou ficaro mais tempo na Terra ou retornaro a planos
mais inferiores do que a Terra ou ascender a planos mais elevados. Ento o
retorno isso, o encontro de um povo que passou por vrias eras, que
caminha junto e que agora no precisa mais estar percorrendo este caminho .
E aqueles que conseguirem, que se esforarem muito, conseguiro ser
resgatados. No s falando que o escolhido no, voc tem que fazer todo
o seu esforo, todo o seu possvel para alcanar esta lida.
Com base na fala acima, verificamos que aqui o mundo da matria e da iluso,
mundo que obscurece a verdade mais pura e essencial aquela que mostrada pelo Daime
em mirao. As estrelas, neste caso, representariam uma libertao do ser , a vida viva do
Universo .H um hino da Madrinha Maria do Carmo que diz : Eu tenho a Luz a me guiar /
Neste caminho das Estrelas (74 Tenho a Luz Caminho de Luz) esta luz o Daime, chave
que te garante a nave para viajar a outras dimenses, tanto do Universo como dentro si
prprio. O Buraco Negro traduz o mundo de iluses em que vivemos . Em contraposio h a
Estrela que luz do conhecimento, que traz a verdade em si, que revela :
166
167
O hino acima Dou viva a Deus faz uma louvao a vrios seres divinos, inclusive o
Comandante Daron e convida os daimistas a construrem aqui na Terra a ComuniDaime, ou
seja, a vida comunitria em uma Nova Era Estelar. E, para chegar a esta Nova Era, so
necessrios os auxlios de seres como o Rei Comandante Estelar:
Oh! Rei que comanda a todos/ Oh! Rei Comandante Estelar/ Ensina
abrir esta porta, ensine/ Esta porta adentrar. ( hino 105 do hinrio
Segmento - Oh! Rei)
Seres estelares;
Naves;
Mundos e Dimenses;
Portais;
Nova Era;
Vida em Comunidade;
168
Cristianismo;
Vale lembrar que a crena em seres estelares e naves espaciais, a certeza da existncia
de outros mundos no algo abertamente explcito nos rituais e nos hinos. O qu pode passar
despercebido por quem freqenta o Santo Daime no Cu de Midam pela primeira vez. A
169
mensagem estelar em Midam sutil , discreta e s se faz notar nas entrelinhas dos hinos e
discursos. H, portanto, uma grande distncia de outros agrupamentos que associam uma aura
divina aos UFOs e Ets, como o caso, por exemplo, do Vale do Amanhecer Centro
Espiritual localizado em Planaltina, cidade-satlite de Braslia, fundado pela neo-xam Tia
Neiva em que se acredita que seres extraterrestres chegaram Terra para coloniz-la e que,
portanto, somos todos descendentes destes seres quase-divinos vindos de um planeta
denominado Capela72. L os smbolos religiosos entre eles a exaltao dos seres
extraterrestres - aparecem de forma bem mais explcita que no Cu de Midam :
Portanto, procurei mostrar nesta anlise sobre o Comando Estelar na Igreja Flor de
Luz e Comunidade Cu de Midam, as especificidades cosmolgicas deste Centro Daimista. A
egrgora da Flor de Luz, isto , sua personalidade simblica prpria, dentro do Ecletismo da
Doutrina Daimista a ligao com os seres extraterrenos em especial com o Comandante
Daron, portais, outros mundos, a Constelao de rion, naves espaciais, confederaes
estelares, etc. Estes smbolos estelares tornam-se vivos nos rituais, isto , nos trabalhos em
que se bebe o Daime, e todos cantam, bailam e miram. Esta viso estelar est nos hinos da
Madrinha Maria do Carmo, na mensagens recebidas por Padrinho Jonas, nas imagens que se
formam durante as miraes e enfim, nas crenas de cada adepto, que se fortalecem a cada
novo trabalho espiritual e no dia a dia de convivncia comunitria do Cu de Midam. A
72
CAVALCANTE, Carmen Luisa Chaves . Xamanismo no Vale do Amanhecer : o caso da Tia Neiva.
Annablume, So Paulo : 2000.
170
simbologia estelar parece conviver harmonicamente com outros smbolos religiosos existentes
no Santo Daime : Cristo, Daron, Virgem Maria, Krishna , Buda, Orixs, Rainha da Floresta,
Juramidam - todos formam um amalgama, um caleidoscpio que nunca est concludo, que
sempre se abre a novas contribuies cosmolgicas.
Este o retrato do Santo Daime em So Paulo, juntando indivduos de vidas urbanas
fragmentadas com um universo religioso ecltico, formado por mltiplas entidades espirituais
e divindades, porm no desordenado nem confuso.
171
Captulo 5
Mirao,Cura e
Transformaes na Vida Cotidiana
Neste captulo procuro mostrar como o Santo Daime pode gerar um novo sentido
vida daquelas pessoas que ingressam nesta religio. Partindo do princpio que, segundo
Geertz, a religio uma forma de tornar compreensvel a experincia do caos, vejamos como
ocorre este processo entre alguns daimistas que foram entrevistados e sob quais parmetros
podemos compreender as mudanas observadas em seu ethos e viso de mundo. Indivduos
que se encontravam com sua vida fragmentada, enfrentando problemas de relacionamento,
conflitos familiares, dependncia qumica, doenas e, atravs da participao nos rituais e da
consagrao desta bebida sagrada - desta planta para o conhecimento que o Daime puderam reintegrar-se normalidade do dia a dia, renovar seus anseios, objetivos e sentidos
de se viver. Sendo assim, o Santo Daime seria uma forma de dar sentido vida, seja atravs
da cura, da mirao ou da religao com o sagrado.
Alm disso, considero que estes trs elementos bsicos a cura, a mirao e a busca
do sagrado interligados, formam ncleos que fortalecem e explicam a expanso do Santo
Daime nos grandes centros urbanos e no Estado de So Paulo. So elementos que identificam
172
esta linha religiosa em particular o Santo Daime pois fazem parte de sua essncia, da
mesma forma que so uma memria viva para os indivduos que se tornam adeptos desta
doutrina sagrada.
O universo social e cultural das pessoas que freqentam os trabalhos do Santo Daime
to ecltico quanto o o conjunto das cosmologias em construo que delineiam esta
doutrina religiosa. No entanto, estes diferentes sujeitos parecem perseguir o mesmo objetivo :
buscar sentidos para o que chamo de fragmentao da alma, o caos de quem vive uma
realidade ps-moderna repleta de conflitos e incertezas. Talvez haja uma atrao entre o caos
ps-moderno que esses indivduos carregam e o aparente caos de cosmologias que integram
a composio religiosa do Santo Daime.
Iniciaremos portanto a anlise das histrias de vida significativas de alguns adeptos do
Santo Daime. Temos o exemplo do fardado Sebastio Costa de Albuquerque, paraibano,
morador de Sorocaba e militante do MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.
Ele descreve da seguinte forma sua primeira experincia com o Daime:
173
174
contato com uma doutrina espiritual que faz uso em seus rituais de um expansor de
conscincia o Daime.
Situaes semelhantes podem ser encontradas nos testemunhos colhidos em outras
entrevistas.
Outros chegam ao Daime porque viviam algum tipo de conflito familiar ou
desencontros espirituais dilemas na busca de uma opo religiosa. Como o casal Roberto
Palmonari, 36 anos, e Felcia Aparecida, 40 anos, cujas profisses so, respectivamente,
massagista e bancria :
Pode ser muito freqente que a iniciao no Santo Daime venha acompanhada de
sonhos premonitrios novamente, podemos visualizar paralelos com a experincia do
xamanismo, tal como verificamos do depoimento abaixo de Roberto:
A primeira vez que eu tomei o Daime, logo aps uma semana eu tive
um sonho que eu estava beira de um lago sentado na beira de um
banquinho, com um senhor de roupa branca, mas eu no conseguia ver a face
desse senhor que estava do meu lado. A eu cheguei para esse vizinho meu e
comentei. E a ele falou olha eu vou te levar para esse lugar a que voc
sonhou. E a quando me deparei aqui no Midam estava na beira do lago
sentado naquele banquinho, onde eu tinha sonhado que estava aquele senhor,
que era aqui no Midam, no lado da igreja, n. Foi uma experincia muito
linda, muito bacana.
175
176
Foi muito difcil, foi uma luta tremenda. Teve momentos, como o
primeiro Daime que eu tomei, eu olhei para o meu amigo e falei em
pensamento eu vou dar na sua cara, e sair daqui... Eu passei muito mal,
fiquei muito mal, mas depois eu agradeci muito a ele. Eu passava muito mal,
entrava em pnico, eu chorava muito, tinha muitos traumas de infncia.
Ento acho que o Daime conseguiu resgatar muita coisa e mostrar que a vida
no s tristeza, no s lgrimas. Tem um ser especial l em cima que, se
voc parar para pensar que ele est do seu lado todo o tempo, que ele no te
abandonou, que voc que abandonou ele, bem diferente.
Roberto Palmonari.
177
O casal foi assim percebendo, no seu ponto de vista, os benefcios que o Santo Daime
estava trazendo em suas vidas. Tiveram assim, a oportunidade de se libertarem do labirinto
que estavam confinados de acordo com o relato dado. Puderam se livrar daquela sensao
de no saber para que lado correr. O Santo Daime, visto dessa maneira sinalizou com um
sentido de vida para Roberto e Felcia. E em um reordenamento tambm espiritual:
178
o casal percorreu tambm se soma uma passagem rpida pela Umbanda, conforme notamos
neste depoimento:
A minha formao catlica . Eu tenho um pouco de conhecimento
esprita, de Allan Kardec, freqentamos juntos a umbanda, j assim, em
busca de socorro pela situao que a gente estava passando.
Dessa forma, a religio em alguns momentos surge como uma forma de solucionar
problemas vivenciados no cotidiano. J a passagem pela Umbanda, embora tenha resultado
em certos aspectos positivos para o casal, acabou por trazer novos problemas, como fica
evidente na fala do casal:
Na umbanda a gente aprendeu muitas coisas legais , mas a gente no
estava preparado ainda para estar assumindo, naquele momento, entendeu ?!
A gente estava trazendo muita coisa para casa da gente. Espritos , presenas
diferentes dentro da minha casa mesmo.Tinha que ter muita disciplina.
Felcia Aparecida Palmonari.
Pode-se concluir a partir dos relatos de Roberto e Felcia que o Daime propiciou uma
reorganizao do seu cotidiano, assim como trouxe sentido onde antes s havia caos e
desarmonia. O Daime tambm propiciou para este casal uma reorganizao dos seus
caminhos e escolhas espirituais ou religiosas, como ficou claro nos depoimentos.
179
Hoje , Csar entende que o Daime foi muito importante em sua vida, e atribui a ele as
realizaes que conquistou ao longo de sua jornada de vida :
180
Gabriel recebeu de um amigo um convite para visitar o Santo Daime, mas naquele
momento preferiu ir praia, como ele mesmo nos relata:
A do nada surgiu um amigo meu, que eu conhecia, que frequentava
o Daime j e a gente no sabia. A ele nos chamou, falando que tem tudo a
ver com a gente, que eu sempre peguei onda , em contato com o mar... Essa
harmonia. A ele me chamou para ir, eu falei no, no vou l no, ficam
incorporando l... Eu no sabia o que era , tinha uma f em Deus, Jesus ,
j... na Trindade. A , rapaz, todo mundo foi para o trabalho e eu no fui, fui
para a praia .
Entretanto, na praia ouviu uma voz que, posteriormente, identificou como sendo da
Virgem Maria :
A fiquei pensando ... A uma voz me falou, uma voz espiritual, igual
a Virgem Maria. Com certeza era ela , para no ficar duvidando e falar de
uma coisa que eu no conhecia e ver se bom ou ruim. A eu fiquei
curioso, e essa voz voltou a falar comigo, depois de dois dias, eu estava em
Concentrao, mandou falar para eu subir na Igreja, tomar o Daime. E no
levar nada do que est no mundo, voc vai para a Igreja , voc vai com
mentalidade super limpa, positiva, implorando , para implorar as coisas boas
. Deixar o mundo de iluso aqui e l outra coisa. L sagrado...
181
As transformaes radicais que Aldori observa em sua vida desde que ingressou no
Santo Daime so melhor compreendidas neste depoimento :
182
183
A mudana de cento e oitenta graus entendida por Aldori como um cura , momento
em que consegue acordar sair do mundo de iluses para dar-se conta que existe um mundo
verdadeiro, o mundo espiritual. No percurso dessa mudana em sua existncia, Aldori foi
pedindo gradualmente ao Daime primeiro fora , depois proteo e viu que s isso no
bastava, que precisava tambm de compreenso . E se deu conta que h sempre muito mais
para se aprender, que cada trabalho de Daime que participa envolvia um novo aprendizado,
um novo conhecimento, til para que possa compreender e levar a bom termo sua nova vida.
H portanto degraus a serem galgados rumo ao que se denomina evoluo espiritual. E,
dessa forma, ao Daime, este vinho sagrado, que Aldori atribui estas bem-vindas mudanas .
E tambm doutrina, todo este conhecimento espiritual que est presente no Santo Daime.
Analisemos agora os relatos da professora de artes Maria Ceclia Santos, que conheceu
o Santo Daime , quando a Igreja Flor de Luz se localizava no bairro do Trememb, na cidade
de So Paulo. Para Ceclia, a maior de suas curas no Daime pode ser descrita da seguinte
forma:
Logo de cara, quando tomei o Daime, eu fui l no submundo, foi
aquela coisa ... logo eu percebi que tinha que sair de l. Ento eu enxerguei
onde que minha alma estava, assim localizada ningum podia me tirar de l,
ento sai de l correndo. O Daime me deu essa esperana.
184
O que Ceclia chama de vcios sociais era se ater mais ao lado dito profano da
sociedade mundo de iluso na viso daimista - e se esquecer , por exemplo, dos filhos , de
famlia :
Ento, acho que a partir do momento que eu comecei a tomar o
Daime eu enxerguei a minha famlia de uma forma diferente, com mais
responsabilidade, (o crime era terrvel viu?!), enquanto ser humano, n?! Eu
tinha uma tarefa que com o crime e no estava cuidando de mim, o qu se
dir dos filhos?!
Ceclia Santos possui um casal de filhos : Ccero e Lcia Santos. Ela se tornou
um exemplo na Comunidade Cu de Midam de como educar os filhos na doutrina daimista :
Olha, a princpio assim ... foi difcil, porque como eu tinha essa
forma da sada da cidade e morar numa comunidade, todos aqueles hbitos
... ou vamos dizer assim?! Os sucos e os iogurtes, vamos dizer. Aquela
forma de consumo do supermercado, n?! Ento eu tive que abandonar essas
coisas e tive que ter uma vida mais saudvel, o que o stio proporcionava e
isso aliado histria de ser um stio onde envolvia o povo do Daime, de
uma religio, ento os meus meninos poderiam participar daquilo. Se aquilo
era bom para mim, era bom para minha famlia, ento a minha
transformao tambm dependia de como transformava a minha famlia.
Ento os meus filhos foram criados nesse prisma, tomando Daime num outro
ritmo de vida, sem ter muito contato assim com a cidade. Isso no quer dizer
que tambm no sabiam das coisas da cidade, no que hoje so alienados,
no. Eles participam, estudaram, estudam e tal . E isso tem que ser fora
185
daqui, fora da comunidade, mas j dentro dessa viso de estar vinda para a
doutrina. Eu no deixei como na maioria das famlias os filhos simplesmente
optarem no quero, no vou, no vou. No. Sabe?! Eles iriam comigo at
que eles pudessem estar tomando essa deciso. Ento eu no afrouxei para
depois eles decidirem se queriam. Primeiro eu trouxe eles , eu decidi, agora
eles so do Daime. Os irmos que deixaram pra depois ... por isso que hoje
nenhum est no Daime. E inclusive h irmos saindo porque os filhos no
acompanham os pais. Ento hoje eu tenho essa alegria, por mais que eles
briguem comigo muitas vezes aquelas baladas que no foram, aquelas
festinhas que s vezes eles no acompanharam. , mais hoje eles tm um
outro ritmo de vida ento quando eles saem hoje, j com uma outra viso
uma outra perspectiva. Eles j sabem mais ou menos entre o que o certo e o
que errado, onde que eles podem se aventurar ou no.
Outro aspecto da vida de Ceclia sofreu algumas mudanas aps o seu encontro com o
Santo Daime: ela, que era militante de um partido de esquerda - chegando a se eleger como
suplente de vereadora no municpio de Carapicuiba percebeu que era salutar mudar sua
conscincia de mundo e procurar trilhar o que chama de trabalhar no fio, sem extremismos,
como verificamos em seu depoimento:
Olha, quando eu cheguei no Daime eu no queria ser nenhum ista
mais. Nenhum marxista, nem esquerdista, nem petista , nem ista nenhuma.
Bem... daimista tambm termina com ista (risos). Ento eu passei por um
processo que era de eliminar ... vamos dizer no era a garra mas era aquela
coisa raivosa dentro da gente, porque eu no discordo de forma alguma do
marxismo, muito pelo contrrio, porque quem uma militante a gente tm
isso no sangue .
Parece que essa luta popular se apresenta medida que a gente tem
essa conscincia de mundo. Ento a gente no consegue deixar de ser. O que
muda so as formas da gente caminhar, ento por exemplo quando eu
cheguei no Daime eu no queria mais aquela briga de subir no caminho, e
l fazer discurso. No que eu achasse que estivesse errado, mas eu tinha que
relaxar, eu tinha que aprender a respirar. Tudo isso no queria dizer que eu
iria caminhar pela direita, nem pela esquerda mais trabalhar no fio. Eu
descobri no Daime, o Daime isso a gente segue no fio,nem a direita, nem a
esquerda mas trabalhar no fio. Para entrar no pice, no palcio do reino ,
ento voc segue no fio. Ento eu levei um tempo me trabalhando tudo isso,
porque eu no perdi meu ideal, mas eu no trabalho mais dessa mesma
forma enquanto marxista, porque hoje eu trabalho muito mais essa coisa da
calma, da tolerncia, da harmonia, da paz , do amor. Talvez eu volte muito
mais para a filosofia do tempo que eu fui hippie , porque tem esse detalhe!
Antes de ser poltico, aquelas coisas, eu participava nos anos 70 do
movimento hippie , do movimento paz e amor, que da o prprio movimento
186
A cura aparece como uma forma de reverter a doena, o mal, a dor, o desequilbrio
todos sinais da falta de sentido em determinado momento na vida do daimista. A doena
representa o caos, a impossibilidade de se compreender os dilemas da existncia. Como
afirma PASKOALI (2002) a questo compreender o processo de cura a partir da perspectiva
do fiel que acredita t-la recebido. Se os tratamentos mdicos alternativos ou no oficiais nem
sempre so efetivos, to pouco a medicina ocidental plenamente eficaz em seus resultados.
Portanto ainda segundo Paskoali - fundamental que pensemos as categorias e processos
relacionados cura e doena, do ponto de vista de quem vive a ao, de quem protagonista
desta dinmica. Caso contrrio em nome de uma pretensa objetividade no abarcaremos o
essencial deste universo cultural e simblico presentes nos rituais de cura do Santo Daime.
187
Iniciaremos neste momento uma anlise da cura em uma concepo daimista, a partir
das entrevistas de alguns fiis do Santo Daime. Estas curas podem ser de vrias naturezas :
orgnicas, psicolgicas, espirituais, a cura de um vcio, etc.
Como veremos, o Santo Daime em So Paulo, como religio e sistema xamnico,
possibilita - se no a cura- , o ordenamento que os fiis tanto procuram para as mais diversas
formas de desequilbrio.
Vamos iniciar agora os relatos de cura dos adeptos da Igreja Flor Luz e moradores da
Comunidade Cu de Midam. Madrinha Maria do Carmo nos conta que quando entrou na
histria do Santo Daime no estava buscando uma cura para si :
188
Ao mesmo tempo em que descreve seu incio no Santo Daime, no como um momento
de cura para si, mas de revelaes e transformaes em seus valores e modos de ver o mundo
anteriormente dominado pela racionalidade da luta sindical -, Maria do Carmo lembra-se da
cura que seu marido, Jonas Frederico, alcanou junto ao Santo Daime:
Mas o Jonas teve uma cura. Em 1980 ele teve uma crise nos rins.
Jonas morava em Gois, quando se apercebeu disso, foi ao hospital, fez os
exames e estava com uma doena degenerativa nos rins . Ento ele s tinha
40% dos rins funcionando e se continuasse diminuindo teria que fazer
hemodilise ou ento transplante. Nessa poca ele estava tomando Daime, e
teve uma mirao que no seria cortado ali naquele momento, nem seria
preciso hemodilise. E de fato foi o que ocorreu, tanto que ele ficou a vida
inteira, de dois em dois meses, indo ao Hospital das Clnicas para fazer os
exames, e a doena dele se estabilizou nos 40%, e no precisou fazer
hemodilise. Os rins no tm possibilidade de se recuperar os 60%, mas a
doena estabilizou, estacionou, e aquilo ali para ns foi uma cura. Foi cura
porque a doena era degenerativa e os mdicos ficaram sem entender porque
que parou n ?! Porque a tendncia era prosseguir. Ento veio essa cura.
A cura aparece aqui como um merecimento proporcionado pelo Daime e tambm pela
f de Jonas em sua melhora e contrasta com as possibilidades dadas pela medicina de padres
ocidentais.
De acordo com antroploga Vanessa Paskoali ( 2002), no h um modelo nico para
se compreender a questo da doena, sade e cura:
189
pode ser encontrado nas crenas religiosas, pois estas fornecem uma
perspectiva que se move para alm das realidades da vida cotidiana,
envolvendo o poder dos recursos simblicos para formular idias analticas,
que estabelecem explicaes convincentes , capazes de transformar tal
realidade : corrigindo-a e contemplando-a.
(idem, pp. 146-147)
Voltemos pois para a entrevista. Aps alguns instantes de conversa, Maria do Carmo
lembra-se de uma pequena cura que teve, aps um trabalho de Cura do Santo Daime,
conforme relata logo abaixo:
Da minha parte, lembro uma vez de uma cura simples, que ocorreu
depois de muito tempo que eu j estava morando aqui no Cu de Midam, em
Piedade. Eu estava com um problema no dente, estava sangrando e eu no
sabia o que era aquilo, eu tinha que ir ao dentista. E nessa vez ia acontecer
um trabalho de cura. Eu fui no trabalho e eu estava na presidncia do
trabalho. Estava na cabeceira, onde o homem geralmente fica, eu estava l
sentada. E eu fui nesse trabalho do jeito que estava, com o dente sangrando,
dolorido, estava doendo, mas eu fui mesmo assim, pois eu havia recebido
algumas instrues, e eu tive que executar estas instrues, por isso eu tive
que ficar na presidncia. E eu estou no trabalho, quando eu vejo assim, l em
cima, no astral, uma parte do meu maxilar. Mas na hora eu nem me lembrei
de nada, do meu dente doendo e sangrando. Eu s vi uma parte do dente l
em cima e eu vi algum mexendo, tiraram e mexeram l em cima. Aquilo era
uma mirao, mas eu estava aqui cantando, naquele estado que voc fica, de
xtase. Ento voc tem que cantar, voc mira, mas no pode perder o prumo
da sua responsabilidade ali naquele momento. E uma responsabilidade
muito grande o trabalho do Santo Daime, pois mexe com todos os seus
interiores, tanto fsicos como extra-fsicos. E nisso, quando terminou o
trabalho eu nem me dava conta do que tinha ocorrido. No dia seguinte, de
manh, quando me levantei para escovar o dente que eu vim sacar que
tinha sido curada, no estava sagrando, no estava doendo. A eu dei um
sorriso e disse Valha-me Deus!
Vamos agora, ao relato de outro daimista. Ao ser perguntado se havia passado por
algum tipo de cura que atribusse sua causa ao Santo Daime, Sebastio de Albuquerque nos d
o seguinte testemunho:
190
Eu tive uma cura, uma cura que ningum gosta muito de falar no.
Eu estava com um problema de hemorridas. E sem vergonha de dizer, eu
fui para o trabalho usando absorvente. No meio do trabalho que eu fiz, eu
no senti mais dor e a voltei para casa daquele jeito, tirei os apetrechos, e
caiu uma bolha no cho, eu fiquei assustado com aquilo, guardei, levei ao
mdico, e depois disso no tive mais esse problema, acabou. O mdico
comentou que foi um cogulo, que estava causando tudo aquilo.
A Argentina Gisela Daniela Guerrero, de 28 anos de idade, mora desde 1992 no Brasil
e casada com Demtrius Augustus de Andrade Frederico filho do Padrinho Jonas e
Madrinha Maria do Carmo com quem tem um filho de dois anos e nove meses, chamado
Nicolas. Ela relata a cura de seu sobrinho, h cinco anos atrs. Na poca ele tinha apenas seis
meses de idade e estava desenganado pelos mdicos, teve uma parada respiratria, estava na
U.T.I. :
Ele j estava doente, os mdicos j diziam que no havia muitas
esperanas. Ele estava com seis meses.Era um nenenzinho, teve parada
respiratria. Minha irm estava desesperada. Fui pedir para o Lo Artse
comandante da Igreja Cu da Lua Cheia - um Daime, eu dei uma colher de
Daime para ele . E ele se curou, hoje est com cinco anos de idade.
Gisela Daniela Guerrero
Alm dessa cura, Gisela lembra que o Daime a ajudou a curar seus cimes, que
segundo ela era muito excessivo. Mas ressalta que a cura no do dia para a noite, que o
Daime no traz curas mgicas, a cura fruto de um processo, resultado dos trabalhos
espirituais que o indivduo participa , onde vai aos poucos se aprimorando, mundando sua
vida. Sua me, uma simptica e carismtica argentina de 59 anos - a dona Selva - que nos
intervalos dos trabalhos da Igreja Flor de Luz, vende seus lanches e tortas na cantina da
Comunidade, fala que tambm ela passou por uma cura muito importante atribuda esta
191
bebida sagrada, ao Daime. Ela tinha um tumor, um problema do estmago, que foi curado,
segundo seu depoimento, graas a uma colherzinha de Daime, que foi tomando todos os dias.
O tumor teria desaparecido. Alm disso, dona Selva fala que hoje aprendeu a ouvir mais as
pessoas, a ser mais calma, antes ela relata que no parava para ouvir as pessoas, hoje ela j
compreende, j convive melhor com todos que fazem parte de seu crculo de relao.
O Daime tambm utilizado para ajudar as mulheres na hora do parto.
H uma tradio, vinda do Cu do Mapi Amazonas, de se fazer os partos, de forma natural,
com a conduo de uma parteira e com o auxlio da bebida sagrada o Daime. Uma das
principais parteiras do Daime, foi a Madrinha Cristina73, que j fez a sua passagem ou
falecimento h pouco tempo atrs, em 26 de janeiro de 2005, aos 67 anos de idade. O Daime
, ingerido pela parteira e pela futura me, pode auxiliar bastante no acalmar das dores do
parto, assim como ajuda facilitando a sada do beb. A placenta que se demora a sair, com o
Daime sai mais fcil, segundo a Madrinha Cristina.
Quando o beb est finalmente nascendo, Madrinha Cristina cantava o seguinte hino do
Mestre Irineu :
SOL, LUA, ESTRELA
Sol, Lua, Estrela
A Terra, o vento e o mar
a luz no firmamento
s quem eu devo amar
s quem eu devo amar
Trago sempre na lembrana
Deus que est no cu
Aonde est minha esperana
73
192
A Virgem Me mandou
Para mim esta lio
Me lembrar de Jesus Cristo
E esquecer da iluso
Trilhar este caminho
Toda hora e todo dia
O Divino est no cu
Jesus, Filho de Maria
Poderamos traar um paralelo com a descrio de uma cura xamanstica citada por
Lvi-Strauss (1991) no captulo X A Eficcia Simblica da obra Antropologia Estrutural.
Ao analisar o ritual de cura dos ndios Cuna, habitantes da regio do Panam, pde perceber a
importncia do canto do xam :
193
porqus de seu sofrimento, de suas dores. Algo semelhante realizava Madrinha Cristina l no
Cu do Mapi, cantando os hinos, realizando rezas, administrando o Daime, pedindo ajuda
espiritual de Deus, do Padrinho Sebastio, do seu anjo da guarda tal qual o xam da etnia
Cuna solicitava auxlio de seus espritos protetores. Agindo desta maneira, acalmava e trazia
confiana s parturientes, dando sentido s suas dores e tranqilidade em seus coraes.
No processo em que o Daime perpassa ao migrar da regio Norte, do centro da
Floresta Amaznica para o Estado de So Paulo, muitas transformaes ocorrem. No caso do
parto, grande parte das mulheres acaba preferindo a comodidade de ter seu filho no hospital,
por meio de uma operao de cesariana. Mas abro espao para citar aqui, o depoimento de
Maria Ceclia Frederico Bonfim, que teve seu filho Apoena com o auxlio do Daime, mas
num contexto da medicina ocidental, num hospital. Algo como uma situao intermediria,
que assume as comodidades da medicina tradicional mas sem deixar totalmente de lado a
tradio da floresta, de se utilizar o Daime na hora de se dar a luz:
Eu tomei Daime no meu parto. Eu passei 20 horas de dor at eu
ter o Apoena . Antes de eu ir para o hospital o Saulo, meu marido, me serviu
uma dose de Daime e foi o que me ajudou a segurar minha dor no hospital.
Porque o hospital aquele ambiente de doena e tudo mais. E no momento
que a mulher vai ter filho, ela fica muito aberta, muito sensvel. A gente
percebe tudo, pega tudo, e a mulher fica com depresso. E o que eu lembrei
mesmo foi o hino do Padrinho Sebastio. Eu falei o que eu vou lembrar
agora? Sou luz/ Dou luz/ Fao tudo iluminar E sentia o Padrinho
Sebastio do meu lado.
Maria Ceclia Frederico Bonfim.
Csar nos fala de uma cura que obteve, atribuda ao Santo Daime, isso quando tinha
15 anos, portanto no incio de sua vida de daimista :
194
Neste caso, a cura de um problema fsico, veio acompanhada de uma mirao num
contexto espiritual ou religioso, onde estavam presentes os principais smbolos da
Cosmologia Daimista o Padrinho Sebastio, o Mestre Irineu, o Santo Cruzeiro e tudo
culminou com o recebimento de um hino. A cura no Santo Daime, geralmente est
contextualizada na religio, nos smbolos e entidades sagradas desta doutrina. E envolve
claro, o grau de f e religiosidade de cada fiel. Ressalto tambm, que Csar lembrou do
episdio da cura de sua me hoje com 55 anos - com o Santo Daime. Ela teria sofrido uma
cura muito profunda e teve neste trabalho uma limpeza muito excessiva, ou seja, vomitou
muito; foi para ela um ritual pesado, difcil :
195
todo esse tempo. Desde ento ela no toma mais Daime, pois acredita que j
alcanou sua cura necessria. E muito agradecida ao Daime por esta cura.
Csar Eduardo Cardoso .
s vezes a cura propriamente dita pode no ocorrer, como pude compreender atravs
da entrevista com Alexandre Frederico. Ele narrou-me a histria de uma senhora, portadora de
um cncer que provavelmente a levaria a morte, mas que desejava beber o Daime para ao
menos entender o que estava acontecendo com ela. Alexandre, ento, deu o Daime para ela
tomar. Esta senhora no se curou do cncer, todavia pde compreender o porqu de sua
passagem, pde entender o que estava acontecendo com ela naquele momento. A
compreenso, trouxe o ordenamento interno, o fim do caos. Compreendendo seu sofrimento,
ela encontrou as condies necessrias para vencer sua angstia interna. O Daime ofereceu a
ela uma passagem - um final de vida de forma mais serena e tranqila.
Agora, vejamos o caso de Analton, que chegou h pouco tempo do Cu do Mapi, l
da Amaznia, onde foi criado. Em sua fala, considera o Daime fundamental na sua vida,
principalmente pelo fato de ter curado sua me, que hoje est com 45 anos de idade, e por t-lo tirado da
rebeldia:
196
197
198
Este caso ilustrativo de que o Santo Daime acaba se configurando como uma forma
de terapia alternativa medicina tradicional. Alm disso h uma associao do Santo Daime
com outras prticas alternativas de tratamento como o caso da acupuntura ministrada por
Alexandre Frederico a Berenice.
Aldori Barbosa que ocupa a funo de fiscal na maioria dos trabalhos realizados na
Igreja Flor de Luz - tambm relata sua cura :
199
O Daime tem assim este papel de transmutar o indivduo, livr-lo das iluses do
mundo material das drogas, dos vcios, dos conflitos e oferecer uma nova opo de vida,
do caminho espiritual e do auto-conhecimento. O daimista passa a se perceber como parte
integrante do universo, do macrocosmos e tem a possibilidade de compreender melhor o seu
prprio ser interior, seus caminhos e descaminhos. Fazendo isso, compreende o porqu de
seus males e doenas e pode visualizar se no a cura, ao menos a compreenso do porqu
sofre.
Vale lembrar que j foram realizados estudos farmacolgicos que, segundo o
antroplogo LUNA ( 1986), levantam a hiptese desta bebida possuir propriedades emtica,
antimicrobiana e anti-helmntica. Alguns daimistas, como o caso de Celso Vendramini,
conforme seus relatos dados a mim, utilizam o Daime como remdio : como colrio, como
cicatrizante e anti-bacteriano nos machucados da pele, e at administra Daime para seus ces,
caso estejam doentes. claro que estas concepes de uso do Daime, envolve tambm a f de
Celso Vendramini nesta bebida como um ser divino, e sua prpria crena e fidelidade a
Doutrina do Mestre Irineu, pessoa de que ele faz sempre questo de falar com muita emoo.
200
Mirao
As miraes podem ser definidas como o estado de xtase provocado pela ingesto do
Daime, representado por vises, percepes, insights e outros sinais de carter psquico ou
religioso. Elas so compreendidas pelos fiis como a revelao de uma verdade, como uma
mensagem que vem do mundo astral a dimenso espiritual e verdadeira da existncia. Por
isso aqueles que recebem uma mirao em um trabalho do Santo Daime atribuem valor
significativo ao seu contedo e, no raro, sentem-se profundamente motivados a aplicar os
ensinamentos recebidos no seu dia a dia, podendo levar a transformaes em sua vida.
Segundo Clodomir Monteiro da Silva (1983) a mirao pode ser considerada um processo
de transcendncia e despoluio. Ela segue trs etapas, assim divididas:
1- Estase Momento que h a fuso entre corpo, mente e arte. um passo para a limpeza e
para a ordem. Ocorre uma desorganizao das atividades orgnicas do corpo (circulao
do sangue, presso sangunea, humores do corpo) e a uma modificao rtmica da
dimenso psquica do indivduo;
2- xtase - Uma estranha fora comea a se manifestar no corpo, como um balano , o
sujeito pode entrar em transe e conversar com outros seres. O controle nervoso pode ser
201
fragilizado, h pessoas neste estgio que podem vivenciar a prpria morte. As palavras
dos hinos e a segurana e conforto do grupo so fundamentais para trazer calma ao
indivduo.
3 -A Mirao propriamente dita, que pode apresentar vises agradveis, primores, viagens a
lugares conhecidos ou desconhecidos, igrejas, ambientes celestiais, viso de jardins, flores,
palcios, etc.
Iremos agora ilustrar estes fatos atravs da apresentao de algumas miraes
significativas para os daimistas que foram entrevistados nesta pesquisa.
Muitas vezes, a mirao aparece como imagens de figuras bblicas como Jesus
Cristo, a Virgem Maria, So Jos, etc, tal como podemos notar nesta fala de Lo Artse,
comandante da Igreja Cu da Lua Cheia, em Itapecerica da Serra.
202
voc um privilegiado, isso no para qualquer um. Foi uma viso muito
linda, eu vou lembrar para o resto da minha vida. Mexeu muito fundo,
naquele momento acho que curou todas as feridas, todos os traumas que eu
tive.
203
uma vez notamos que as imagens, sons e outras percepes que se expressam na mirao so
sentidas profundamente pelos daimistas e muitas vezes motivam transformaes e curas.
Jaqueline Aparecida, j na primera vez que conheceu o Santo Daime, vislumbrou uma
mirao muito significativa, porque reconheceu isto posteriormente neste trabalho
espiritual o desvendar de sua prpria essncia. Foi um ritual realizado na mata, no ano de
2002:
Olha, algo que foi muito forte, foi a primeira mirao que eu tive. Foi
com as velas de guarda . Eu olhei para a vela acesa e eu vi uns smbolos
indianos. E depois eu fui entender o que eu vi. Era assim, um elefante, e
havia tambm um ser l com a flauta e aquelas vrias mos . E na poca eu
estava lendo um pouco sobre coisas indianas, ento talvez tenha influenciado
um pouco. Mas foi uma mirao muito real. A eu passei mal, porque entrou
aquela coisa da razo no aceitar . Porque, nossa, como assim?! Como que
eu estou vendo isso ?! E eu na hora fiquei sem entender, mas foi uma
sensao muito forte, muito real. Mais real que o sonho, porque geralmente
os sonhos so muito reais para ns. Mas depois eu fui entender porque eu
tive esta mirao. Eu acho que tem a ver com a minha essncia, porque
depois eu fui descobrir que o Daime vai bem na essncia da pessoa. Porque
ele trabalha o conhecimento, ento eu tinha que conhecer um pouquinho
daquela histria porque tinha a ver com a minha histria .
Jaqueline Aparecida Branco de Moraes.
Lcia Santos de Almeida, 20 anos, tomou Daime pela primeira vez em 1994 no Cu
de Midam, e na segunda vez na extinta Igreja Flor das guas, que se localizava em Embu das
Artes, vejamos portanto seu testemunho:
204
As crianas que tambm participam dos bailados com o Santo Daime, percebem de
uma forma distinta os efeitos da bebida sagrada em relao aos adultos. Para elas tudo se
torna uma grande festa, como pode ser facilmente observado nos rituais : elas tm liberdade
para correr, brincar, circular livremente pelo salo durante o ritual . Enfim, no sofrem segundo as observaes realizadas nos rituais e segundo o depoimento de Lcia. A mirao
para elas, representa a surpresa, a descoberta de um mundo novo, cheio de cores , alegrias e
brincadeiras. No parece haver espao para sofrimento, e o trabalho nunca pesado para as
crianas, ou seja, elas no so atingidas pelas chamadas peias. A criana aparece para os
daimistas como smbolo da inocncia, da ausncia de culpas e pecados :
205
A primeira vez que eu tomei o Daime, eu era criana, eu tinha oito anos. Eu
mirei muito, mirava muitos desenhos, conhecimento de doutrina eu ainda
no entendia nada. Mirava muitos desenhos que saiam da parede, muitos
peixes, mar...Mirei tanto que, como era um trabalho de crianas eu nem
pude aproveitar a festinha, estavam l as crianas brincando e eu l no colo
da minha me. A minha me me disse, eu no lembrava, que na primeira
mirao que eu tive e contei para ela eu vi que as pessoas no morriam, que
no tinha a morte, que as pessoas nasciam do outro lado, que a gente ainda
tinha uma outra vida para viver.
Maria Ceclia, 25 anos
206
vida do fiel. Roberto Palmonari tambm relatou uma mirao que teve com a Virgem Maria, e
ressalta a mesma emoo vivida por Ceclia:
Ao ouvir o hino : Quem procurar essa casa / Quem aqui nela chegar
/ Encontra com a Virgem Maria / Sua sade ela d do Mestre Irineu, eu tive
uma mirao com a Virgem Maria. Parece que no era a virgem que estava
naquele quadro, era minha me, numa luz amarela que envolvia tudo. Cada
vez que olhava para ela, assumia um face diferente. At coloquei nas capas
do hinrio e em casa a imagem dela.
207
manifestando em mudanas bem visveis no dia a dia e cotidiano dos fiis, quanto estes
buscam orientar sua nova vida e conduta de acordo com os preceitos ticos indicados pela sua
doutrina.
208
Consideraes Finais
No decorrer deste trabalho, pretendi trazer para a luz do debate, qual o papel das
Igrejas do C.E.F.L.U.R.I.S. (Centro Ecltico da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu
Serra) , tambm conhecidas pela denominao Santo Daime,
no quebracabea desta
modernidade e como o indivduo urbano daimista pode ser compreendido , ou seja, que
respostas esta linha religiosa oferece para este sujeito em crise, que sadas para as
ambivalncias de nossa poca podem ser encontradas nos rituais sagrados em que se consagra
uma bebida entegena a ayahuasca, rebatizada por Irineu Serra pelo nome de Daime onde
se cultua toda uma Corte Celestial ao som da msica, dos cnticos e luz da mirao
provocada pela ingesto do vinho das almas .
Na pesquisa participante que realizei, deparei-me com indivduos , que
anteriormente se viam perdidos ante s ambivalncias da Modernidade e que hoje, apoiados
pela religio e pela bebida de mesmo nome o Santo Daime acreditam ter encontrado um
conforto para suas angstias e para o sentimento de impotncia que vivenciavam. Arrisco-me
a dizer que - na multiplicidade de caminhos religiosos e mgicos, dos diversos smbolos
sagrados abundantemente encontrados na rica religiosidade brasileira estas pessoas foram
atradas pelo Santo Daime devido ao seu ecletismo evolutivo, nas palavras do antroplogo
Groisman (1999). Esta expresso terica -
209
Cu de
210
211
Espero tambm que este pesquisa possa ter preenchido as lacunas existentes sobre o
conhecimento terico do Santo Daime no Estado de So Paulo . Busquei, neste trabalho,
traar os caminhos e descaminhos desta linha religiosa na vida urbana dos indviduos de So
Paulo. Procurei interpretar seus discursos, seus smbolos, o sentido existente na
intersubjetividade destes sujeitos. Almejei, de forma mais detalhada ,
compreender as
Vide, por exemplo reportagens da Revista Veja como a edio n 1666 na matria intitulada Barato
Legal . De autoria de Ricardo Galhardo vemos por exemplo o preconceito abertamente escancarado:
Essa gente diz que a ayahuasca, amarga como o diabo, permite que se tenha contato com uma dimenso divina
e lorotas do gnero. Seria uma bizarrice sem importncia no fosse um indicativo de como as coisas funcionam
no Brasil.
212
palpveis que o Daime e os trabalhos espirituais trouxeram - na vida, no dia a dia, nas
transformaes e processos de cura enfim, do reencontro com sua essncia e na busca
incansvel de sanar a fragmentao da alma prpria de nosso tempo.
Neste estudo que fiz sobre esta linha religiosa e suas cosmologias , compreendi a razo
das palavras de Geertz :
213
de Midam, nas entrevistas e conversas com daimistas de outras Igrejas, pude constatar as
tranformaes inevitveis que o Santo Daime sofreu ao se transportar do centro da floresta
amaznica para o centro da vida urbana e econmica do pas. Nas falas dos entrevistados, na
descrio dos rituais do Daime em So Paulo e em minha anlise antropolgica , busquei
retratar estas mudanas, seu alcance, as situaes conflituosas para que elas se efetivassem ou
perecessem.
Guiados simbolicamente pela consagrao do Daime este vinho sagrado to
especial e misterioso foi possvel adentrar em todos estes mundos, universos e dimenses
que metaforicamente representam as cosmologias vivas no imaginrio da irmandade daimista.
Entendemos que esta chave ch que faz ver, nos ensinamentos do Padrinho Jonas Frederico
pode nos conectar com diversas egrgoras. Conhecemos com ele os significados da
chamada Egrgora do Comando Estelar, do Comandante Daron . Averiguamos o
contedo das meditaes na linha do gur indiano Osho, e assim aprendemos que existe uma
ponte entre o Ocidente e o Oriente , construda pelos daimistas de Midam. E que esta ponte
foi estendida at a Alemanha, tambm como resultado da dedicao deste povo do Padrinho
Jonas quilo que acreditam . E de sua f fazem a matria-prima na construo de um
cotidiano que transcenda as fragilidades desta catica realidade ps-moderna em que
vivemos.
214
BIBLIOGRAFIA
_____________________ . Santo Daime: Normas do Ritual. Boca do Acre Amazonas, CEFLURIS, 1997.
215
216
DIAS Jr., Walter. O Imprio de Juramidam nas Batalhas do Astral: uma cartografia
do imaginrio no culto do Santo Daime. Dissertao de Mestrado em Antropologia.
,So Paulo, PUC-SP, 1992.
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LUNA, Luis Eduardo. Vegetalismo : shamanism among the mestizo population of the
Peruvian Amazon. Estocolmo., Almquist and Wiksell Internacional, 1986.
MACRAE, Edward. Guiado pela Lua: Xamanismo e uso ritual da ayahuasca no culto do
Santo Daime. So Paulo, Edtora Brasiliense, 1992.
OKAMOTO DA SILVA, Leandro . Marachimb chegou foi para apurar : Estudo sobre o
castigo simblico, ou peia, no culto do Santo Daime. Dissertao de Mestrado, PUC, So
Paulo, 2004.
PAKOALI, Vanessa Paulo. A cura enquanto processo identitrio na Barquinha. PUCSo Paulo. 2002.
220
RIBEIRO, Flavia Maiomi. Para integrar o divino: a adaptao das experincias vividas
no ritual do Santo Daime. Trabalho de Concluso de Curso. So Paulo, PUC, 2002.
WEBER,
Max.
Economia
Sociedade:
Fundamentos
da
Sociologia
221
Outras Fontes:
Hinrios :
Site: www.osho.com.
http://www.ceudemidam.com.br
http://www.xamanismo.com.br
http://www.santodaime.org
http://www.ceudemaria.org
222
ANEXOS
223
Resultado da Pesquisa Quantitativa realizada
entre os moradores do Cu de Midam Piedade1
26%
35%
39%
Com relao ao estado civil dos residentes na Comunidade, temos a seguinte situao:
Solteiros 4 moradores.
Casados - 26 moradores.
Separados ou divorciados 4 moradores.
Vivos 1 morador.
224
Vejamos agora os dados em relao escolaridade, no Cu de Midam :
225
1 Educao...................................................23%
2 - Administrao / rea de negcios...............20%
3 Terapia/ rea da Sade..............................15%
4 Trabalhos do Lar ....................................... 15%
5 - Funcionalismo Pblico .............................12%
6 Engenharia Civil.........................................6%
7 Mdia...........................................................6%
8 Artes ..........................................................3%
O Grfico a seguir, mostra os dados em relao a origem (Estado e Cidade em que
nasceu) :
Grfico 5 Origem.
1 Regio da Grande So Paulo........................................................ 8 moradores
2 Interior de So Paulo................................................................... 8 moradores.
3 Regio Norte do Pas Rio Branco- AC e Boca do Acre AM..6 moradors.
4 Regio de Sorocaba............................................................... 4 moradores.
5 Origem Estrangeira................................................................ 3 moradores.
6 Paran..................................................................................... 1 morador
7 Paraba.................................................................................... 1 morador
226
6
5
3%
6%
6%
4
6%
35%
3
22%
2
22%
1 - Escola Espiritual
2 Santa Doutrina
3 Religio
4 Escola de Magia
5 Escola de Auto-Conhecimento
6 Todas as definies acima
7 Universidade Espiritual
227
Religio da me
1
2
3
1 Catlica...................................................................................68%
2 - Santo Daime............................................................................19%
3 Evanglica .............................................................................10%
4 Esprita ................................................................................... 3 %
Religio do Pai
1 Catlica ............................................................................62%
2 Santo Daime .....................................................................20%
3 Evanglica ........................................................................6%
4 Crculo Esotrico...............................................................6%
5 Esprita...............................................................................3%
6 Outras ................................................................................3%
228
1 Catlica...................................................................................29%
2 - Esprita ....................................................................................20%
3 Religies, Filosofias ou Prticas Orientais..............................18%
4 Religies Afro-brasileiras....................................................... 15%
5 - Crculo Esotrico ....................................................................10%
6 Evanglicos..............................................................................3%
7 nenhuma religio......................................................................5%
229
Filiados do CEFLURIS ( Centro da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra) e
do
CEFLUZ ( Centro Ecltico Flor de Luz ou Igreja Flor de Luz)
230
N Nome
1 Andr Fernandes de Oliveira
2 Ceclia santos
3 Celso Vendramini
4 Eliane Melnic
5 Fbio Barbosa
6 Joslia Maria de A. Cardoso
7 Maria Cristina Vilhena
8 Mateus Nunes
9 Mauro Domingues Padilha
10 Renata Isaac
11 Ricardo Benavides
12 Sebastio Albuquerque
Isentos
N Nome
1 Maria do Carmo de Andrade Neta
2 Berenice de Poli
3 Joel A Santos
4 Natalino Bonfim
Janeiro Fevereiro
R$18,00 R$
R$18,00 R$
R$18,00 R$18,00
R$20,00 R$20,00
R$18,00 R$18,00
R$
R$
R$20,00 R$20,00
R$20,00 R$20,00
R$18,00 R$18,00
R$20,00 R$20,00
R$20,00 R$20,00
R$18,00 R$18,00
231
Janeiro
R$24,00
R$24,00
R$25,00
R$25,00
R$24,00
R$25,00
R$
R$30,00
R$
R$24,00
R$30,00
R$30,00
R$20,00
R$22,00
R$30,00
R$25,00
R$40,00
R$30,00
R$20,00
R$20,00
R$30,00
R$30,00
R$
fevereiro
R$24,00
R$24,00
R$25,00
R$
R$24,00
R$25,00
R$
R$30,00
R$20,00
R$24,00
R$30,00
R$30,00
R$
R$22,00
R$30,00
R$25,00
R$40,00
R$30,00
R$20,00
R$20,00
R$30,00
R$30,00
R$24,00
Maro
R$
R$24,00
R$25,00
R$
R$
R$
R$
R$30,00
R$
R$24,00
R$30,00
R$30,00
R$
R$22,00
R$30,00
R$25,00
R$40,00
R$30,00
232
233
234
235
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237
238
239
240