Epistemologia Das Ciencias Sociais PDF
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2010v31n2p269
Abstract
This article discusses the main elements of the epistemology of human sciences of Karl Popper. It
was organized as follows. First, we positioned ourselves in the Popper-Adorno controversy. Then we
established the parameters of discussion, particularly in regards to the idea of scientific explanation.
Some elements of Poppers Theory of Knowledge are then analyzed. The final part discusses the
scientific parameters of Social Sciences
Key Words: Popper. Epistemology. Explanation. Models. Social Science.
negar que a vulgata terica costuma relacionlo como membro do Positivismo Lgico. Que
isso se constitua em um equvoco grave, fcil
observar quando examinamos algum texto de, por
exemplo, Moritz Schlick: [...] para encontrar o
sentido de uma proposio necessrio reformulla introduzindo definies sucessivas, at que ao
final permaneam apenas palavras que j no so
passveis de definio, mas cuja significao s pode
ser demonstrada diretamente. (SCHLICK, 1985, p.
44). O cerne do Positivismo Lgico reside justamente
* Agradeo aos dois pareceristas annimos pelas sugestes apresentadas a primeira verso desse texto.
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Doutor em Filosofia. Membro do Centro Brasileiro de Pesquisas em Democracia da PUCRS. Endereo Eletrnico: virtujulio@
hotmail.com
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No s a ns. Popper se mostra desconfortvel com essa associao. (POPPER, 1996, Chapter 3).
Texto de 1948, posteriormente publicado como o cap. 4 de Popper (1998).
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No se est dizendo aqui nenhuma novidade, j que esse o modelo explicativo Popper-Hempel: Explicao dedutiva de certo
acontecimento evidencia que esse acontecimento resultou de circunstncias particulares especificadas e de conformidade com
certas leis gerais; habilita-nos, assim, a compreender o acontecimento dando-nos conscincia de que vista daquelas leis e das
circunstncias particulares, sua ocorrncia era de esperar. (HEMPEL, 1975, p. 162).
Cf. por exemplo: Na presente seo, proporei uma doutrina de unidade de mtodo, ou seja, a doutrina de que todas as cincias
teorticas ou generalizadoras se valem de um s mtodo, sejam elas Cincias Naturais ou Cincias Sociais. (POPPER, 1980,
p. 102).
In general, and especially in his earlier essays, Popper was largely intent on showing that the methods of the social sciences are,
or at least should be, the same as those of the natural sciences. [...] I can briefly note that Popper contended that, fundamentally,
the natural and the social sciences both involve proposing hypotheses and testing them against empirical evidence - the bolder
the hypotheses, the better. The most daring of such hypotheses, and the ultimate aim of any mature science, are scientific laws,
[...] (GORTON, 2006, p. 5).
Para aprofundar essa questo, bem alm dos limites que aqui nos interessam (OLIVA, 2001).
A esse respeito cf., entre tantas possibilidades (POPPER, 1979, cap. 1).
Pereira (2009; 2011).
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Entre os Filsofos da Cincia Paul Feyerabend o exemplo paradigmtico, enquanto entre os aliengenas a primeira gerao
da Escola de Frankfurt Adorno, Horkheimer, Marcuse -, bem como os franceses em geral: Foucault, Deleuze, Derrida, etc.
(basta lembrar o episdio Sokal), podem ser ditos legtimos representantes do irracionalismo. Habermas, principalmente aps
Tcnica e Cincia enquanto Ideologia, parece se afastar em muito desses parmetros, pois percebe claramente a ingenuidade
romntica presente em um Marcuse - conceber a cincia moderna apenas como um projeto historicamente particular somente
seria possvel caso fosse vivel apresentar um projeto alternativo que definisse no s uma nova cincia, como tambm uma
nova tecnologia, um projeto que desvelasse no s o carter ilusrio e ideolgico tanto do avio (tecnologia) quanto da Teoria
da Relatividade (cincia).
Habermas (1983), ao contrrio, parte de uma distino entre trabalho e interao. Entende por trabalho o agir-racional-comrespeito-a-fins, quer seja um agir instrumental, uma escolha racional ou a combinao de ambos. Objetiva certa finalidade em um
contexto pr-dado e tem sua valorao fundada na maneira eficaz de atingir suas metas. Suas regras esto articuladas a partir de
proposies empiricamente verdadeiras e sua eficcia baseada na consecuo de seus objetivos. Um eventual fracasso punido
com a impotncia instrumental diante da realidade. A interao, o agir comunicativo, um agir simbolicamente mediatizado por
normas que se pretendem vlidas de maneira obrigatria e que definem expectativas recprocas de comportamento. Essas normas
so fortalecidas ou desautorizadas por sanes sociais, refletem no um conjunto de habilidades operativas, mas sim visam a
moldar estruturas de personalidade.
De posse dessa distino, Habermas defende a idia de que cincia e tcnica, a partir do final do Sculo XIX, adquiriram um novo
status. Se inegvel que o capitalismo sempre buscou aumentar sua produtividade pelo desenvolvimento de novas tcnicas, cabe
agora reconhecer que com a pesquisa industrial em larga escala, cincia e tcnica foram inseridas definitivamente no sistema
produtivo. A primeira conseqncia dessa insero fazer regredir na conscincia dos homens o dualismo entre trabalho e
interao, formando uma nova ideologia. Expliquemos um pouco melhor esse ponto. Se por um lado parece ser lcito dizer que
os interesses sociais comandam a direo do progresso tcnico, de fato o que ocorre na prtica o oposto. A insero da tcnica
e da cincia como a principal fora produtiva, faz com que essas se tornem o parmetro de avaliao das relaes interativas,
fazendo com que o agir comunicativo apenas parea fazer sentido quando viabiliza o agir-racional-com-respeito-a-fins. A idia
de uma ordem moral interiorizada subjugada pela normatizao tecnocrtica da realidade; hoje no mais podemos falar de
uma ideologia que subjugue uma classe aos interesses de outra, o prprio interesse emancipatrio da espcie humana que
subjugado ao agir instrumental.
Habermas (1983) reconhece ser inegvel que somente existe uma nica forma de se fazer cincia, conseqentemente um
contrasenso afirmar o carter ideolgico do contedo do discurso cientfico; todavia a universalizao da racionalidade custo/
benefcio, de modo a torn-la parmetro de avaliao de todas as atividades humanas que configura o grande problema.
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A Lgica Situacional
Popper nos oferece uma exposio clara e
pormenorizada acerca da epistemologia das
epistemologia das cincias humanas num texto
apresentado em 1963 ao Departamento de Economia
da Universidade de Harvard. Esse texto, infelizmente,
s veio a ser publicado na ntegra em 1994 e seu
ttulo Modelos, Instrumentos e Verdade14. Logo
no incio do texto faz uma afirmao categrica:
Meus pontos de vista sobre a metodologia das
cincias sociais so resultado de minha admirao
pela teoria econmica: comecei a desenvolv-los h
vinte cinco anos, ao tratar de generalizar o mtodo
da economia terica. (POPPER, 1996, p. 154); em
nota de rodap cita um autor em especial: F. A. von
Hayek15, principalmente no que tange a questo da
lgica da escolha.
Um exemplo clssico diz respeito s conseqncias da teoria da relatividade no que tange ao universo ser um sistema noesttico. Acompanhemos essa sucinta descrio de Stephen W. Hawking: Apenas um homem, ao que parece, ousou apostar
na relatividade geral, e, enquanto Einstein e outros fsicos procuravam formas de evitar a previso da relatividade geral de um
universo no-esttico, o fsico e matemtico russo Alexander Friedmann, ao contrrio, tentava explic-la.
Friedmann levantou hipteses muito simples sobre o universo: que pareceria idntico em qualquer direo que o olhssemos,
e que isso tambm seria verdade se o estivssemos observando de qualquer outro lugar. A partir dessas duas idias isoladas,
Friedmann demonstrou que no se deveria esperar que o universo fosse esttico. De fato, em 1922, muitos anos antes da
descoberta de Edwin Hubble, Friedmann previu exatamente o que Hubble descobriria. (HAWKING, 1990, p. 52). Esse exemplo
ilustra, alm da falseabilidade, a definio de empiricidade de uma teoria no a partir da deduo de enunciados singulares, mas
sim a partir de seus falseadores potenciais.
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Como nosso objetivo bsico se refere s cincias humanas e a idia de lgica situacional, no aprofundaremos aqui a discusso
sobre a estrutura de uma teoria cientfica. De qualquer forma, Popper a define da seguinte maneira: A theory is to be called
empirical or falsifiable if it divides the class of all possible basic statements unambiguously into the following two non-empty
subclasses. First, the class of all those basic statements with which it is inconsistent (or which it rules out, or prohibits): we call
this the class of the potential falsifiers of the theory; and secondly, the class of those basic statements which it does not contradict
(or which it permits).We can put this more briefly by saying: a theory is falsifiable if the class of its potential falsifiers is not
empty. (POPPER, 2005, p. 86). Para uma viso mais consensual a propsito do conceito de teoria (GIERE, 2002).
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Sobre a questo da verdade cf.: Popper (1998, cap. 10); Popper (1979, cap. 2). Para uma crtica que Popper no conseguiu
responder cf. Miller (1994). Para um apanhado geral desse debate cf.: Brink (2002).
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Popper, 1996, cap. 8.
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Discutimos Hayek e Popper com algum pormenor em (PEREIRA, 1993, p. 156-162); para uma viso atual da discusso,
principalmente no mbito poltico, cf.: (OHEAR, 2006; HAYES, 2009). A correspondncia entre Popper e Hayek - foram
amigos a vida inteira - est em processo de preparao para ser publicada.
Gamble explicita bem esse ponto: The knowledge which members of modern societies possess is necessarily imperfect and
incomplete, and can never be perfected. This is so for several reasons which are all interlinked; first, because in any modern
society knowledge is fragmented and dispersed among millions of individuals; second, because the limits of human reason
mean that many things remain unknown and unknowable to individual members of society whether in their roles as social
actors or social theorists; and third, because the unintended consequences of human action and the tacit nature of so much of
the knowledge that individuals do possess means that modern societies have to be understood as organisms evolving through
time, representing extremely complex phenomena which defy the normal methods of science either to explain or to control.
(GAMBLE, 2006, p. 111).
In short, I shall contend that the emprical element in economic theory - the only part which is concerned not merely with
implications but with causes and effects and which leads therdore to conclusions which, at any rate in principIe, are capable of
verification- consists of propositions about the acquisition of knowiedge.(HAYEK, 1949, p. 33).
Simkin defende a idia de que esse individualismo teria sua matriz em Menger, que o teria postulado como forma de combater
o historicismo determinista. Cf. a esse respeito Simkin, 1993, p. 123.
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Consideraes Finais
O projeto epistemolgico de Popper, no que
tange as cincias sociais parece-nos coerente com
seu projeto global de Filosofia da Cincia: viabiliza
a racionalidade nas chamadas cincias do esprito,
sem que isso implique em mergulhar na clssica
dicotomia explicar-compreender.
No nos parece que, quando Popper prope
excluir o Princpio de Racionalidade do processo de
falseamento, isso esteja a implicar uma contradio
com o restante de sua Filosofia. Desde sempre,
Popper nos afirma que o objeto por excelncia
da cincia a evoluo do conhecimento e,
medida que a manuteno do princpio viabiliza o
processo de conjecturas e refutaes no que tange
aos modelos tericos propostos. Se so esses que
veiculam o conhecimento, a manuteno de um
princpio parece-nos (No cabe empregar palavras
de valor impressionstico, como parece.) plenamente
justificada, desde que se admita explicitamente seu
carter pragmtico operacional.
O problema situa-se no tipo de ao social que
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Referncias
ADORNO, T. La disputa del positivismo en la sociologa
Alemana. Traduo de Jacobo Munoz. Mxico: Grijalbo,
1973.
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