Monismo e Dualismo
Monismo e Dualismo
Monismo e Dualismo
RESUMO
O presente artigo procura mostrar que o debate entre Kelsen e Triepel foi mal
recepcionado no Brasil, pois ele aqui versou apenas sobre o problema da incorporao de
tratados e da hierarquia dos tratados de direitos humanos no ordenamento nacional. Mas os
dois autores discutiram as relaes entre o direito interno e o direito internacional como um
todo. Assim, outras fontes normativas deste direito foram relegadas. Entre ns, as resolues
do Conselho de Segurana da ONU ingressam por meio de decreto presidencial, como se
fossem acordos executivos. Porm, no raro, estas decises tratam de matrias que nunca
poderiam constar de acordos executivos, como a restrio a direitos subjetivos e a construo
de tipos penais.
Introduo
Paulo Emlio Vauthier Borges de Macedo, doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
professor adjunto da Universidade Federal Fluminense, autor de vrias obras, entre outras Guerra e
Cooperao Internacional (2002) e Hugo Grcio e o Direito (2006). Paulo Edvandro Costa Pinto, mestre em
Cincias Navais, Capito-de-Fragata.
1
Cf. BINENBOJM, Gustavo. Monismo e dualismo no Brasil: uma dicotomia afinal irrelevante. Revista da
EMERJ, v. 2, n. 9, pp. 180-195, 1998.
Cf. TRIEPEL, Carl H. Les Rapports entre le Droit Interne et le Droit International. Recueil de Cours de
LAcadmie de Droit International, tomo I, 1925. p. 87.
internacional, que incide sobre as naes. Direito interno e direito internacional so fruto de
fontes diferentes e se destinam a relaes distintas. O direito internacional no constitui um
ramo do Direito, como o direito civil, o direito constitucional, etc., mas um ordenamento
jurdico parte do direito interno. Por isso, ele cunha o termo dualismo para designar as
relaes entre os dois sistemas jurdicos. Em virtude dessa dualidade de fontes, direito interno
e direito internacional regem relaes sociais diferentes. Uma norma de um ordenamento no
pode modificar a do outro. Um tratado no pode derrogar uma lei; somente outra lei ou regra
de direito interno pode realizar isso. Quando se afirma que uma lei foi derrogada por um
tratado, o observador mais atento sabe que se encontra diante do fenmeno da recepo do
direito estrangeiro3: uma determinada norma, criada num sistema jurdico passa vigorar
noutro, por uma previso expressa.
Para Kelsen, por sua vez, o dualismo mostra-se absurdo, porque conduz prpria
negao do valor jurdico tanto do direito internacional como das outras ordens nacionais, em
decorrncia da ausncia de um mesmo fundamento jurdico. O autor caracteriza a unidade de
um sistema jurdico em razo de todas as regras individuais comungarem da mesma norma
fundamental. Esta norma confere, alm da unidade, o fundamento de todos os demais
comandos de um ordenamento. Uma lei ir pertencer a um determinado ordenamento, se ela
foi criada por uma autoridade que recebeu este poder de uma outra lei superior. Esta, por sua
vez, pertence ao mesmo ordenamento, se foi criada por outra autoridade que recebeu esta
faculdade de uma terceira norma superior. Este raciocnio pode aplicar-se repetidas vezes at
que a ltima norma positiva (do direito estatal) seja a constituio. Acima desta, haver uma
norma hipottica, pressuposta e no posta, chamada Grundnorm (e, com ela, encerra-se o
fenmeno jurdico). Ocorre que, tanto o direito estatal, como o direito internacional possuiro
apenas uma nica norma fundamental.4
Segundo o jurista austraco, duas ordens jurdicas co-existentes s podem estar em
relao de coordenao ou de subordinao. Esta estabelece uma relao de hierarquia entre
as duas ordens. J coordenar significa equilibrar dois sistemas equivalentes. Esta tarefa,
contudo, implica subordinar ambos a uma terceira ordem, a qual dever delimitar o domnio
de uma e de outra. A subordinao, pois, mostra-se a relao mais importante. E uma ordem
ser subordinada a outra se possurem o mesmo fundamento de validade.5 Trata-se do caso
das relaes entre direito internacional e direito interno.
Com base nessas afirmaes, Kelsen torna-se capaz de negar a prpria idia de
soberania. A teoria da soberania estatal s pode sobreviver num sentido bastante relativizado.
O Estado somente pode apresentar-se como poder supremo, superior a qualquer outro, em
relao a um determinado agrupamento de indivduos que ele contm. Quanto a outros
grupos, como a populao de um Estado estrangeiro, o Estado no superior, mas tosomente numa acepo negativa no-subordinado. Revela-se, portanto, seu igual e
independente. H que se distinguir ento dois conceitos de soberania, um interno e outro
externo (ou de direito internacional). Ocorre que este raciocnio contraditrio e representa
uma simples atenuao da noo de soberania. Se, no seu interior, o Estado supremo e, para
o exterior, ele independente e igual aos demais Estados, ento todos os Estados esto em
relao de coordenao e, assim, compreendidos numa ordem superior que delimita o
domnio de cada um. Esta ordem o direito internacional. Num sentido to relativo de
soberania, que permite a existncia de uma ordem superior, a noo se transforma numa
tautologia: o Estado soberano apenas em relao queles que subordina. Nesta acepo to
suave, tambm o municpio ser soberano.6
2. A (re)colocao do debate
5
6
Cf. KELSEN, Hans. Les rapports de systme entre le droit interne et le droit international public, p. 270.
Cf. KELSEN, Hans. Les rapports de systme entre le droit interne et le droit international public, p. 260.
a produzir efeitos. Para Triepel, contudo, visto que um regula as relaes no interior do
Estado e o outro as relaes entre os Estados, no h possibilidade de sobreposio de normas
(ainda que possa haver contradio de contedos).
Segundo, nem Kelsen nem Triepel advogou a melhor maneira de estabelecer as
relaes entre as duas ordens. Os dois construram teorias divergentes de interpretao de uma
mesma realidade. No buscaram prescrever qual o modo mais adequado que um Estado
deveria se comportar em face do direito internacional, mas descreveram, consoante seus
aportes tericos, teses diferentes para explicar o fenmeno das relaes entre o direito interno
e o direito internacional. Nunca conceberam o monismo ou o dualismo para ser uma espcie
de opo legislativa que uma determinada nao pudesse assumir frente ao direito
internacional.
Por fim, nenhum dos dois autores parece querer restringir a questo a tratados; ambos
procuraram desvendar as relaes entre o direito internacional e o direito interno em geral. As
concluses dos dois juristas aplicam-se a todas as fontes formais do direito internacional:
tratados, costumes, princpios, etc. Mas o problema da incorporao de outros atos
internacionais que no so tratados ainda no foi devidamente posto.
O Caso Avena na Corte Internacional de Justia foi paradigmtico para despertar a
ateno do mundo sobre o tema da execuo de sentenas de cortes internacionais. A CIJ
determinou a reviso judicial de quarenta e nove processos, nos quais os EUA haviam
desrespeitado a proteo consular do art. 36.1 da Conveno de Viena sobre Relaes
Consulares, que ainda no tinham recebido sentena terminativa. O Presidente George W.
Bush, em Memorando ao Advogado Geral, determinou que as cortes nacionais, por uma
questo de cortesia, deveriam cumprir com as obrigaes internacionais dos Estados Unidos
determinadas pela Corte Internacional de Justia. Entretanto, oito juzes da Corte de Apelao
do Texas afirmaram que o memorando no seria obrigatrio porque, caso fosse, o presidente
estaria excedendo a sua autoridade e se intrometendo no Poder Judicirio, o que fere o
princpio basilar da tripartio dos poderes. Ademais, um memorando no possui o mesmo
valor de uma lei e, portanto, no obrigaria o Texas.7
No Brasil, as decises de cortes internacionais enfrentariam problema similar, pois so
internalizadas por meio de decreto presidencial, sem qualquer participao do Congresso
7
Cf. PIZZOL, Scheron. A influncia das decises da Corte Internacional de Justia para o direito de
comunicao consular. Revista Eletrnica de Direito Internacional, CEDIN, v. 1, 2 semestre, 2007. (sem
marcao de pgina). Disponvel em <http://www.cedin.com.br>. Acesso em abril 2009.
Nacional. No caso Ximenes Lopes, o Brasil foi sentenciado, pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos, a pagar indenizaes para a famlia da vtima. A sentena foi internalizada
pelo Decreto 6.185 de 13 de agosto de 2007 que autorizou a Secretaria Especial dos Direitos
Humanos da Presidncia da Repblica a promover as gestes necessrias ao cumprimento da
sentena da Corte Interamericana de Direitos Humanos.8
A questo que se coloca a de se sentenas de cortes internacionais, no apenas as da
CIDH, devem ou no ser homologadas, a exemplo do que ocorre com as sentenas de cortes
estrangeiras. Em verdade, sentenas estrangeiras precisam de homologao porque pertencem
a outro ordenamento nacional; consistem em normas produzidas por outro sistema jurdico e,
portanto, devem ser recepcionadas por meio de um processo formal. O raciocnio dualista
aplica-se no caso das sentenas estrangeiras, sem qualquer sombra de dvida. Mas a situao
das sentenas internacionais apresenta-se um tanto obscura. Valrio Mazzuoli d uma
resposta tipicamente monista para o problema: O Supremo Tribunal Federal [agora Superior
Tribunal de Justia] no tem competncia constitucional, e tampouco legal, para homologar
sentenas proferidas por tribunais internacionais, que decidem acima do pretenso poder
soberano estatal, e tm jurisdio sobre o prprio Estado. (grifo nosso).9
No mesmo diapaso, hoje tramita projeto de lei (PL 4667/04), da autoria do Deputado
Jos Eduardo Cardoso (apresentado originalmente pelo Deputado Marcos Rolim, mas
arquivado sem ter sido colocado em pauta para votao) para conferir eficcia de ttulo
executivo judicial para as decises de organizaes internacionais de proteo aos direitos
humanos e natureza alimentar s indenizaes provenientes delas (a fim de escapar fila dos
precatrios).10 Se o projeto for aprovado, o Brasil ter dado um importante passo em direo
ao monismo. No entanto, ainda paira dvidas se o aceite da jurisdio de uma corte
internacional implica a pertena da deciso deste rgo ordem legal desse pas ou se
constitui uma norma proveniente de outra fonte. Resta saber, sobretudo, como o Brasil
internalizaria a deciso de outros organismos internacionais que no versam sobre direitos
humanos, ou, ainda, como seria o tratamento dispensado a atos internacionais que no
PRESIDNCIA DA REPBLICA,
CASA CIVIL. Decreto
6185/07. Disponvel em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6185.htm>. Acesso em abril 2009.
9
Cf. MAZZUOLI, Valrio. As Sentenas Proferidas por Tribunais Internacionais Devem ser Homologadas
pelo
Supremo
Tribunal
Federal?
Disponvel
em:
<http://www.juspodivm.com.br/novodireitocivil/ARTIGOS/convidados/att0369.pdf>. Acesso em agosto 2008.
10
Cf.
CMARA
DOS
DEPUTADOS.
Projeto
de
Lei
4667/04.
Disponvel
em
<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/259112.pdf>. Acesso em janeiro 2009.
constituem tratados nem decises judiciais. Em suma, o debate entre Kelsen e Triepel se
mostra mais vivo do que nunca.
Cf. DROUBI, Sufyan El. As resolues obrigatrias do Conselho de Segurana da ONU e sua introduo no
direito brasileiro. Revista de Direito Constitucional e Internacional, So Paulo, ano 15, n. 60, jul./set. 2007, p.
324.
12
Cf. INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Legal consequences for States of the continued presence of
South Africa in Namibia (South-West Africa) Notwithstanding Security Council Resolution 276 (1970).
Advisory Opinion of 06.21.1971. ICJ Report (1971) p. 113.
13
uma referncia genrica ao Captulo VII da Carta da ONU15, que trata de aes relativas a
ameaas paz, sua ruptura e em casos de agresso. Em outras, o Conselho fundamenta a
obrigatoriedade por meio da combinao da remisso genrica ao Captulo VII da Carta com
a referncia expressa de que considera a matria objeto da sua apreciao e deciso constitui
uma ameaa paz e segurana internacional16, ou regional17. Existem, ainda, quelas decises
em que o CSNU dispe a obrigatoriedade de seu cumprimento pelos Estados em funo dele
estar atuando ao amparo dos artigos 39 ou 41 do Captulo VII da Carta da ONU18. Em quase
todas elas, entretanto, o decreto presidencial tornou-as compulsrias em virtude do art. 25 da
Carta.
Os poderes constitucionais que fundamentam o decreto constituem um caso parte.
H duas fundamentaes distintas. Na primeira forma, dispe-se da execuo por meio de
decreto que internaliza a resoluo do CSNU com fundamento no artigo 84, inciso IV, da
Constituio de 1988, que atribui ao Presidente da Repblica a competncia privativa para
expedir decretos e, observando o compromisso do Estado disposto no artigo 25 da Carta das
Naes Unidas, estabelece-se a obrigao das autoridades nacionais, dentro de suas
respectivas atribuies, de cumprirem o disposto na Resoluo em pauta19. Na segunda forma,
a internalizao ocorre ora observando a mesma fundamentao constitucional20, ora
acrescentando a esta uma remisso ao inciso VII do artigo 84 da Magna Carta21, que
15
Cf. Resolues 661/90, 687/91, 713/91, 733/92, 748/92, 757/92, 788/92, 820/93, 841/93, 864/93, 873/93,
875/93, 883/93, 943/94, 970/95, 986/95, 988/95, 1.003/95, 1.015/95, 1.021/95, 1.132/97, 1.156/98, 1.160/98,
1.171/98, 1.192/98, 1.267/99, 1.333/00, 1.367/01, 1.373/01, 1.388/02, 1.503/03, 1.807/08 e 1.844/08.
16
Cf. Resolues 841/93, 864/93, 873/93, 875/93, 917/94, 1.022/95, 1.298/00, 1.306/00, 1.343/01, 1.385/01,
1.408/02, 1.446/02, 1.445/03, 1.483/03, 1.521/04, 1.526/04, 1.532/04, 1.591/05, 1.636/05, 1.701/06, 1.718/06 e
1.792/07.
17
Cf. Resolues 1.478/03, 1.493/03, 1.552/04, 1.556/04, 1.572/04, 1.579/041.596/05, 1.607/05, 1.616/05,
1.643/05, 1.647/05, 1.649/05, 1.689/06, 1.683/06, 1.698/06, 1.727/06, 1.731/06, 1.753/07, 1.771/07, 1.782/07 e
1.799/08.
18
Cf. Resolues 1.737/06, 1.747/07 e 1.803/08.
19
Cf. Decretos 108/91, 411/92, 494/92, 831/93, 970/93, 1.029/93, 1.170/94, 3.976/01, 4.150/02, 4.599/03,
4.742/03, 4.775/03, 4.822/03, 4.995/04, 5.096/04, 5.367/05, 5.368/05, 5.401/05, 5.470/05, 5.489/05, 5.529/05,
5.548/05, 5.604/06, 5.695/06, 5.696/06, 5.701/06, 5.880/06, 5.884/06, 5.936/06, 5.956/06, 5.957/06, 6.033/07,
6.034/07, 6.045/07, 6.118/07, 6.150/07, 6.358/08, 6.448/08, 6.567/08, 6.568/08, 6.569/08, 6.570/08, 6.735/09 e
6.801/09. Excetuou esta frmula o Decreto 1.170/94, que acrescenta sua fundamentao constitucional o
inciso
VII
do
artigo
84
da
Constituio
Federal.
Disponvel
em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/_Dec_ano.htm>. Acesso em maio de 2009.
20
Cf. Decretos n 960/03, 1.516/95, 1.517/95, 1.518/95, 1.685/95, 1.754/95, 1.862/96, 1.951/96, 2.575/98,
2.688/98, 2.696/98, 3.044/99, 3.267/99, 3.755/01, 3.791/01, 3.846/01, 3.984/01, 4.142/02 e 4.299/02. Disponvel
em <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03 /decreto /Dec_ano.htm>. Acesso em maio de 2009.
21
Cf. Decretos 1.288/94, 1.308/94, 1.384/95, 3.561/00, 3.583/00, 4.205/02 e 4.525/02. Disponvel em
<http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03 /decreto /Dec_ano.htm>. Acesso em maio de 2009.
22
Cf. REZEK, Jos Francisco. Parlamento e tratados: o modelo constitucional do Brasil. Revista de Informao
Legislativa, Braslia, ano 41, n. 162, abril/junho 2004. p. 124.
23
Cf. ACCIOLY, Hildebrando. A ratificao e a promulgao dos tratados em face da Constituio Federal
Brasileira. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, n. 7, janeiro-junho, 1948.
tradio brasileira da Constituio de 1891, com Barbalho e Bevilcqua.24 Para estes autores,
nada autoriza, a exemplo do que ocorreu nos EUA, uma interpretao gramatical que
diferencie, ratione materiae ou ratione auctoritas, tratados sujeitos ao exame parlamentar de
outros acordos internacionais que prescindam desse escrutnio. A constituio de 1988
apresentar-se-ia bem enftica a esse respeito ao mencionar, no art. 49, I, os termos tratados,
acordos ou atos internacionais. A inteno do legislador constituinte seria a de abranger a
totalidade dos atos internacionais.
Alm da legitimidade, sempre foi problema determinar a extenso dos atos
internacionais que poderiam ingressar sem o exame do Congresso. As teses mais extremas
argumentaram que a ratificao no seria exigida para os seguintes atos: a) acordos sobre
assuntos que sejam da competncia privativa do Poder Executivo; b) aqueles sobre questes
de interesse local ou de importncia restrita, concludos por agentes que tenham competncia
para isso; c) atos interpretativos de clusulas de tratado j vigente; d) os que decorrem
logicamente de um tratado em vigor e constituem o seu complemento; e) os de modus vivendi
(atos de mera impulso do dia-a-dia diplomtico); f) acordos para a prorrogao da validade
de um tratado, e g) as promessas de reciprocidade em matria de extradio. Rezek argui que,
na sistemtica da atual constituio, seriam compatveis apenas trs espcies de acordos
executivos: c), d) e e). Estas trs categorias dispensariam a aprovao parlamentar porque no
importariam inovao legislativa. O autor, porm, no poupa crticas idia de que o
Executivo poderia realizar acordos em temas de sua competncia privativa. Ele lembra que o
presidente pode nomear e destituir Ministros de Estado livremente, bem como exerce o
comando supremo das Foras Armadas. Mas ningum o estimaria autorizado a celebrar
acordos executivos nos quais ele decidisse partilhar estas prerrogativas com potncias
estrangeiras.25
As resolues do CSNU, todavia, podem encerrar obrigaes que, em hiptese
alguma, poderiam ser internalizadas sem o exame parlamentar. Mesmo os mais ardorosos
defensores da constitucionalidade dos acordos executivos no Brasil encontrariam dificuldades
em aceitar a validade de um decreto presidencial que internalize ato internacional que
imponha a restrio de direitos subjetivos ou o estabelecimento de novos tipos penais. A ttulo
de exemplo, o Decreto 960/1993 tornou obrigatrios, em todo o territrio nacional, os
24
Cf. MELLO, Celso Renato D. de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000, pp. 288-289.
25
Cf. REZEK, Jos Francisco. Idem, pp. 127 e 133.
26
Neste sentido, pronunciou-se o Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello: O princpio da reserva
de lei atua como expressiva limitao constitucional ao poder do Estado, cuja competncia regulamentar, por tal
razo, no se reveste de suficiente idoneidade jurdica que lhe permita restringir direitos ou criar obrigaes.
Nenhum ato regulamentar pode criar obrigaes ou restringir direitos, sob pena de incidir em domnio
constitucionalmente reservado ao mbito de atuao material da lei em sentido formal. O abuso de poder
regulamentar, especialmente nos casos em que o Estado atua contra legem ou praeter legem, no s expe o ato
transgressor ao controle jurisdicional, mas viabiliza, at mesmo, tal a gravidade desse comportamento
governamental, o exerccio, pelo Congresso Nacional, da competncia extraordinria que lhe confere o art. 49,
inciso V, da Constituio da Repblica e que lhe permite sustar os atos normativos do Poder Executivo que
exorbitem do poder regulamentar (...). Doutrina. Precedentes (RE 318.873-AgR/SC, Rel. Min. Celso de Mello,
v.g.). Plausibilidade jurdica da impugnao validade constitucional da Instruo Normativa STN n. 01/2005.
(AC 1.033-AgR-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25-5-06, DJ de 16-6-06).
Consideraes Finais
Referncias
ACCIOLY, Hildebrando. A ratificao e a promulgao dos tratados em face da Constituio
Federal Brasileira. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, n. 7, janeirojunho, 1948.
BINENBOJM, Gustavo. Monismo e dualismo no Brasil: uma dicotomia afinal irrelevante.
Revista da EMERJ, v. 2, n. 9, pp. 180-195, 1998.
CMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei 4667/04. Disponvel em
<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/259112.pdf>. Acesso em janeiro 2009.