Artigo relacionando a influência de elementos de religiões afro-brasileiras (possessão e erxocismo) em um dos segmentos neopentescostais mais bem-sucedidos do país.
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UNIVERSIDADE CATLICA DE GOIS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA MESTRADO EM CINCIAS DA RELIGIO Tecendo os fios da trama coletiva: possesso e exorcismo rituais na Igreja Universal. Maria Emlia Carvalho de Araujo Goinia, Abril/2001 2 UNIVERSIDADE CATLICA DE GOIS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA MESTRADO EM CINCIAS DA RELIGIO Tecendo os fios da trama coletiva: possesso e exorcismo rituais na Igreja Universal. Maria Emlia Carvalho de Araujo Orientador: Prof. Dr. Manuel Ferreira Lima Filho Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado em Cincias da Religio como requisito para obteno do Grau de Mestre. Goinia, Abril/2001 3 Tecendo os fios da trama coletiva: possesso e exorcismo rituais na Igreja Universal. Maria Emlia Carvalho de Araujo Dissertao defendida e provada, com nota _____________(__________),em ___________de____________de__________, pela banca examinadora composta pelos seguintes professores: Banca Examinadora ______________________________________ (nome do orientador) (presidente) _______________________________________ (nome do professor) (membro) ________________________________________ (nome do professor) (membro) 4 In memoriam, Cruciano, meu pai, que estar eternamente ocupando por inteiro os lugares mais doces da minha memria. Dedico voc essa dissertao e... me desculpe pelos erros que no vi, t bem?. 5 AGRADECIMENTOS Tarefa difcil esta de puxar na memria alguns daqueles que fizeram parte deste processo de feitura de uma dissertao. mesmo um rito de passagem, como bem definiu Arnold Van Gennep (1981), envolvendo: separao, marginalidade e (espero !) agregao. Agradeo em primeiro lugar minha famlia que apesar do momento difcil que passamos soube entender tal isolamento, refgio para escrever e no escapar da nossa dor Mes Tely, Eponina e irmos Ana Lcia, Pedro, Maria Teresa, Ana Izabel, Crucianinho, Ana Maria. Em segundo lugar equipe da Toriu Turismo sem a qual no teria sido possvel a realizao deste Mestrado feito sem ajuda financeira de qualquer espcie. Assim pude contar com o apoio logstico desta empresa. Obrigada Marclia, Luciana, Regina, Ricardo, Joo e Tiago. No limem em que meus companheiros e eu estvamos, sabemos bem das escarificaes simblicas que nos impusemos e as guardamos como verdadeiros trofus dessa passagem. Escrever fcil basta sentar-se em frente a um computador e abrir uma veia. Agradeo a todos os meus colegas, em especial Elizabete Bicalho, Conceio Viana, Francisco Prim e Lcia Lobo pela troca de bens simblicos, nossos caros (nos dois sentidos) livros e textos de referncia. Neste processo marginal (no sentido terico, claro !) todo iniciando conta com seu mestre. Manuel Ferreira Lima Filho com carinho (com a permisso de 6 Fabola) mestre de todas as horas e de todos os livros (que sero devolvidos!) meu agradecimento sincero. O que seria deste Mestrado sem Irene Cezne , Carolina Lemos e Valmor Silva, os grandes mentores de tudo? Saibam que sua meta no ser em vo. Estamos aqui para comprovar a histria oficial deste processo CAPS e do sangue, suor e lgrimas derramados. Neste campo tambm simblico no podemos esquecer nossos queridos professores Srgio, Zilda. Para que tudo ande bem neste Mestrado a figura de nossa competentssma Valria sempre lembrada, obrigada por funcionar como minha telegois nas horas vagas. Em ltimo lugar (last but not least)* agradeo aos meus queridos informantes os quais me possibilitaram saber um pouco mais de suas histrias de vida me revelando uma interpretao de primeira mo sobre a Igreja Universal. * ltimo, mas no esquecido. 7 SUMRIO INTRODUO Pg. Por sobre os ombros do nativo: entendendo entendimentos ......................................... 12 A Pesquisa de campo e a Etnografia .......................................... 22 Histrico da IURD no Brasil e em Goinia .......................................... 35 CAPTULO UM: Das Categorias de Entendimento ............................................... 43 O tempo: mil horas em uma ................................................. 46 O espao: a passagem igreja casa sagrado e sacralizado ....................................... 54 O membro iurdiano sua interface pessoa e indivduo .............................................. 62 CAPTULO DOIS: Memria Coletiva no Trnsito Religioso: uma ponte sincrtica ...................................................................................................................... 74 A memria cristalizada nas hierofanias do sagrado ................................................... 75 A memria coletiva: busca do saber local iurdiano .................................................. 82 O sincretismo: a possibilidade de trnsito para a verso neopentecostal .................. 93 CAPTULO TRS: A Riqueza Divina bens espirituais, materiais e curas.... 104 O dzimo e o desafio: do Kula ao Pollac: uma nova forma sacrificial no meio iurdiano ....................................................................................................................... 105 A funo mgica na expresso pentecostal iurdiana as curas ............................... 113 CAPITULO QUATROA Sexta feira na Universal do Reino de Deus ............. 122 8 O diabo o outro: um histrico de sua atuao no mundo ...................................... 123 Essa guerra nunca ter fim?! ...................................................................................... 136 Possesso: histrias de muitos no transe de poucos .................................................. 149 CONCLUSO: Apocalipse now? ..................................................................... 158 BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................... 161 ANEXO: TABELA .................................................................................................................... 40 MAPA ......................................................................................................................... 44 FICHA DE MEMBRO ............................................................................................... 176 ENVELOPE DZIMO ................................................................................................ 177 RELATO DOS MEMBROS ..................................................................................... 178 9 RESUMO Essa dissertao pretende mostrar a atuao da Igreja Universal do Reino de Deus em Goinia. Procuro traar, a partir do rito de quebra de maldio nas sextas feiras, a lgica do discurso de seus membros para a explicao sobre o fenmeno da possesso demonaca. Dessa forma, analiso o tempo, o espao, o indivduo e a memria, como quadros referenciais para a explicao do ethos e da viso de mundo desta denominao religiosa. Busco nessa pesquisa interpretar as falas dos membros iurdianos no que tange sobretudo aos cultos de possesso e do exorcismo como confronto religio Afro brasileira. Os membros encaram essas ltimas como fonte de ao demonaca constante do seu dia a dia. O cotidiano traduzido em pobreza, doena, e contendas familiares. Expurgar o mal a meta do adepto a essa igreja, bem como reverso da medalha traduzido em riqueza espiritual, material, sentimental. A chamada guerra espiritual evidenciada nas sextas feiras objetiva colocar em relevo tambm que desse corpus de significados de que se alimenta o neopentecostal verso iurdiana. O discurso dessa igreja promove uma guerra bem versus mal a partir do combate s religies consideradas diablicas no seio da Igreja Universal a saber: Candombl, Umbanda, Quimbanda. O exorcismo a arma do crente na Universal. Muitos no transe perfazem uma trajetria pessoal de luta contra as entidades da religio afro-brasileira. Isso reflete em toda comunidade que traz da memria a lembrana de tais deuses e mensageiros, traduzidos na Universal como demonacas. 10 ABSTRACT This dissertation intends to show the performance of the Universal Church in Goinia. I try to trace, starting from the ritual of curse break at Fridays, the logic of the speeches of its members for the explanation on the phenomenon of the diabolic possession. In this way, i analyze time, space, the individual and the memory as references for the explanation of this religious denomination your ethos and vision of world. I look for in this research to interpret the speeches of its members in what it plays the possession cults and the exorcism above all to confront against the afro-brazilian religion, denying as source of constant devils action of yours day by day. Translated in poverty, disease and family fights. To expurgate the evil belongs the goal to the churchs follower as well as the reverse of the medal is translated in spiritual, material, sentimental wealth, the spiritual war evidenced in the objective Fridays to place in relief also that is of the corpus of meanings that feeds the Universal version. The churchs speech promotes the war well versus badly starting from the combat to that religious considered diabolical like: Candombl, Umbanda, Quimbanda. The exorcism is the weapon of the churchs believer. Many enter in the possessions status traveling in a personal trajectory of fight against the entities. That contemplates in the whole community which pulls of collective memory the souvenir of such entities and messengers translated in the Universal Church as diabolical. 11 INTRODUO Esta pesquisa pretende demonstrar o ethos e a viso de mundo mediada no rito de quebra de maldio na igreja Universal. Nota-se uma alterao das expectativas e do papel do sagrado para este contexto de crenas. Tempo, espao e memria transitam num continum passado, presente futuro tendo em vista separar dois momentos derrota e vitria. Essa ltima no ocorre na esperana no Sagrado, mas sim, no desafio que O Esprito Santo manifeste seu poder alterando o status quo de misria e de derrota do membro nos domnios espiritual, material, sentimental. Noto a partir da viso de mundo desses fieis uma crena nos espritos que pairam e agem visivelmente na vida dos fiis. um universo encantado, povoado de entidades demonacas que cercam os membros e deles se apoderam direta ou indiretamente. Os mais fortes resistem e os mais fracos precisam resistir e buscar na orao forte a cura da ao demonaca. O rito de quebra de maldio central para o entendimento deste corpus de crena. O fiel iurdiano atribui os fracassos de toda ordem como a presena do mal agindo na vida das pessoas. O mal encarnado nas entidades do panteo afro brasileiro o responsvel por toda sorte de desvios assassinatos, prostituio, alcoolismo, homossexualismo, e tambm pelas derrotas financeiras e sentimentais. A crena nas entidades no contexto iurdiano passa de um plo positivo deuses e mensageiros, para o negativo revestindo-se do carter demonaco. Essa desarticulao das antigas crenas no , a meu ver um caminho a rotinizio da conduta tica do membro pura e simplesmente. Esta mudana acontece como vemos nos relatos do ex alcolatras, ex prostitutas e viciados. Ocorre tambm nas testemunhas dos menos 12 desviantes que encaram a igreja como ltima porta a qual recorreram para a resoluo de seus infortnios. Se essa mudana se d, ocorre com a participao central das personagens responsveis pelo caminho esquerdo por onde passaram os membros antes de freqentarem a IURD os seres demonacos que tentam no somente os membros, mas fazem parte do cotidiano pessoal, nacional e internacional dos seres humanos. A atribuio, classificao e a nomenclatura das entidades passam por uma hierarquia de poder e funo. Os mais fracos dominam os membros em seus vcios menores : desvio sexual (pomba gira), malandragem, bebedeiras, viciados (z pilintra). Os cabea circundam os membros e deles se apoderam trazendo males maiores: assassinatos, roubos, violncia urbana (exu caveira, sete espadas, exu da morte, assim por diante). Neste mundo reencantado, o pessimismo csmico do dia a dia faz dos fieis iurdianos crerem numa sada expurgar o mal de suas vidas. A luta constante, fracos e desesperados ficam de um lado servindo s entidades sendo escravizados por elas, os fortes resistem ao combate, libertam-se e passam a vislumbrar numa distncia bem prxima a prosperidade total em suas vidas. O exorcismo das entidades do panteo afro brasileiro no se traduz somente num total abandono delas como centrais. No contexto iurdano, tais entidades continuam o cerne dos rituais, tudo uma questo de adjetivos e de liberar antigos compromissos com esses deuses que agora passam a ser demnios. Nos fios intricados do universo iurdiano a memria surge da estrutura de crenas do imaginrio popular. Catlicos, protestantes e pentecostais se antes no lidavam, ou nem sequer mencionavam tais entidades, passam a enfrent-las no contexto de converso iurdiana enfatizando a luta Bem X Mal. 13 A viso de mundo iurdiana abandona a espera escatolgica. O Apocalipse no est num futuro distante. Ele se refaz cotidianamente no seio desta igreja que vive do embate entre dois lados opostos nos quais transitam os fiis esperando a vitria aqui/agora. Para falar dessa cosmoviso iniciarei relatando a pesquisa de campo, suas expectativas, dificuldades e contribuies no que tange ao propsito desta tentativa de interpretar o ritual da quebra de maldies que se desenrola em todas as igrejas universais situadas no Brasil e demais pases. A escolha do ttulo da primeira parte do trabalho de campo que vem a seguir ocorreu- me quando ao ler sobre a descrio densa de Geertz (1989) como resultado do esforo do trabalho de campo, vi que eu justamente (e literalmente!) estava vendo um possesso por cima do ombro das obreiras. Isto ocorreu no culto do dia 13 de Abril (numa Sexta) tentando enxergar uma moa, ou melhor, o z pilintra 1 que se contorcia no cho, cercado pelos obreiros e sob o comando de quiema-queima do pastor, eu tentava ver a cena na ponta dos meus ps e por cima dos ombros daqueles nativos. Para iniciar este esforo de interpretao comearei com o trabalho de campo e com a pesquisa etnogrfica que se desenrolou de 2000 a 2001. Contei com entrevistas e depoimentos pessoais de membros da IURD. A descrio do nmero de entrevistas e do trabalho de campo ser vista na prxima parte desta introduo. Atravs do relato das histrias de vida e da histria oral desses membros desenvolvo os captulos do primeiro ao quarto objetivando: Para o captulo um falo do ritual de queima de maldies onde as categorias abordadas anteriormente se entrecruzam.
1 Farei uma descrio da nomenclatura desses demnios que no se esgotar nesta pesquisa por serem milhares. Eu farei referncia as principais. O Z pilintra demnio responsvel pelo alcoolismo e pelo vcio do cigarro. 14 Enfoco principalmente o mal que atinge uma nomenclatura extensa das entidades demonacas e desenvolvo na possesso uma ponte de anlise sobre o sujeito iurdiano. Esse personagem que reascendeu no meio pentecostal caractersticas particulares de converso, atuao na igreja, na cidade e na sua participao poltica. 2 No captulo dois pretendi demostrar como so as caracterstica tempo/espao e de que forma esse indivduo iurdiano se enxerga e se mobiliza nessas primevas categorias. No captulo trs procuro nos autores 3 que se dedicaram ao estudo da memria uma ponte com o contexto iurdiano? Poderamos falar numa memria coletiva num contexto que possui um alta populao flutuante 4 ? Estes questionamentos sero desenvolvidos neste captulo onde procuro tornar os ns que unem as memrias individuais mais visveis (Geertz, 1997: 71). No captulo quarto enfatizo a Riqueza Divina como temtica. Alio os dizeres dos membros no que tange ao papel do dzimo, to condenvel pelos fiis de outras denominaes 5 , mas encarados como sacrifcio ritual pelos membros iurdianos. Alguns tericos sero citados dentre eles Mauss (1978); Malinowski (1984); Godbout (1999).
2 Vide para participao poltica Pesquisa Novo Nascimento (1998), Bonfatti (2000), Mariano (1999), Campos (1997). 3 Os principais deles Henri Bergson (1999) e Maurice Halbwachs(1990, 1992) 4 Birmann, Patricia (1984) . Bonfatti, Paulo (2000: 52). 5 As denominaes da 2 a onda (Freston, Paul. 1996) como A Assemblia de Deus (e tambm o Protestantismo Histrico) consideram um abuso o incessantes pedido do dzimo, ofertas e desafios que sero tratados no captulo trs. 15 Por sobre os ombros do nativo: entendendo entendimentos 6 Parece obsesso de todo antroplogo, ou dos soidisant aprendizes deste ofcio de ir ao encontro da alteridade, procurar explicaes para fenmenos que ocorrem nos mais diversos contextos culturais, inclusive o seu. Uma tendncia de escutar o outro para entender mais sobre o mesmo parece uma tentativa no mnimo pretensiosa no nosso meio. Parafraseando Bosi (1994) preciso ter um escutador infinito num trabalho de campo para abarcar todos os nuances da trama social. Outra caracterstica parece ser o tendo de Aquiles desta empreitada. que s vezes os prprios nativos se surpreendem pelo nosso interesse a detalhes que s seriam importantes na leitura de seu texto, ou melhor na anlise de sua cultura. uma briga de galos ali 7 , um crculo de trocas de colares e braceletes acol 8 , um interesse nos totens da Austrlia 9 e por a vai. No quero dizer que tais detalhes no sejam importantes para o nativo, em absoluto! Eles so o prprio indcio, ou melhor, so construes culturais nas quais o nativo se reconhece. O intrigante para ele o nosso interesse de pesquisador. Interesse por aspectos estranhos e que no participam do universo cultural do antroplogo. Mas esse mesmo, caro nativo, o mtier do antroplogo: fuar na cultura dos outros 10 .
6 Fao um jogo de palavras com as expresses criadas pelo Antroplogo Americano, Clifford Geertz (1989, 1997) e traduzo este trabalho de campo como tentar entender o entendimento deste outro na Igreja Universal . 7 Participao na Briga de Galos balinesa como uma das partes de trabalho de campo de Geertz, Clifford (1989) 8 Referncia ao Kula (crculo) que ocorre nas ilhas Trobriand e foi analisado por Malinowski(1984: 71). uma forma de troca e tem carter intertribal praticado por um extenso crculo de ilhas. Viajam nas canoas em rotas opostas e em circuito fechado_ os longos colares feitos de conchas vermelhas soulava (em sentido horrio), no sentido oposto, os braceletes feitos de conchas brancas, os mwali. 9 Neste caso, refiro-me a obra de mile Durkhiem, Les formes lmentaires de la vie religieuse (1990: 1). Durkheim pretende estudar a religio mais simples cuja organizao no supera outra em simplicidade. 10 Em documentrio da Rede Futura sobre o livro Grande Serto Veredas, de Guimares Rosa, o jornalista e poeta Pedro Bial estava absolutamente embevecido pela saga do escritor no serto. Ao perguntar Manuelzo, matuto em cujo personagem principal, Guimares Rosa se inspirara, sobre como era conviver 16 Parece-me uma tentativa ainda mais complicada analisar a cultura do outro dentro do nosso prprio universo cultural, ainda mais num processo semitico 11 no qual essa pesquisa se baseia. Perscrutar a prpria cultura e verificar variaes no entender que algumas pessoas fazem de seu universo de significados na leitura de certos smbolos que parecem iguais para todos um complicador. Ao me interessar pelo movimento neopentecostal 12 em Goinia, em particular pelo crescimento da Igreja Universal a olhos vistos, no sabia que alguns esteretipos que designavam os crentes 13 , j no podiam se aplicar mais ao nascimento nesta nova vertente no seio pentecostal. O membro iurdiano 14 no impe caractersticas marcantes quanto ao vesturio, sua identidade parece ser demarcada por outros fatores como abordaremos no captulo um. Dessa forma, a exploso nos novos movimentos religiosos (NRMS) no meio urbano est intricada de outras facetas, especificamente na Universal. Seja por um reencantamento 15 do mundo ou de um renascimento da religio em tempo de franca
com o escritor Manuelzo fala com uma certa displicncia. Diz-nos que Rosa perguntava sobre tudo, sobre o olho da vaca, o verde da estrada, disso e daquilo. Nesta pesquisa pretendo fazer uma descrio densa do fenmeno na Universal enquanto texto a ser lido. A postura da Teoria Interpretativa justamente esta segundo Geertz (1989) como a do crtico literrio, numa interpretao de segunda mo. O nativo, intrprete de primeira mo, no caso seu Manulezo para Rosa, e, o membro iurdiano nesta pesquisa, as vezes eles tratam de uma maneira jocosa o nosso insacivel interesse. 11 Por cultura como um conceito semitico ver Geertz (1989: 15). Segundo o autor, o homem, parafraseando Max Weber, est amarrado a teias de significados que ele prprio teceu. 12 Termo utilizado por Mariano (1999: 33). J Bittencourt Filho(1994: 24) prefere a utilizao de pentecostalismo autnomo por se diferenciar do pentecostalismo clssico (Assemblia de Deus) principalmente na expulso dos demnios e na adoo da teologia da Prosperidade. 13 A saia longa, os cabelos compridos, a bblia de baixo do brao, dentre outros serviam para demarcar os crentes como so popularmente designados os evanglicos tanto do Protestantismo Histrico (Batistas, Luterano, Calvinistas) quanto do pentecostalismo. Para tal anlise ver (Bonfatti, 2000: 15). 14 Termo utilizado por Campos (1997) e que ser utilizado nesta pesquisa. Interessante notar que os sites da internet da Igreja Universal tambm utilizam o termo IURD. Por exemplo: www. listaiurd.com 15 Gilles Kepel (1991) analisa este vis de uma resposta da religio Modernidade que tenderia ao declnio da primeira em sua obra La Revanche de Dieu. 17 racionalidade, o caso que o homem tem se tornado mais religioso do que nunca, como demonstrarei a partir do movimento neopentecostal. Entender como se passa este renascimento de atitudes de devoo relativa ao sagrado tema dos mais variados estudiosos 16 que se engajam dentre os que acreditam no reencantamento do mundo e no declnio da secularizao 17 . Eu estou neste caminho de reencantados. Vi nascer em Goinia no final do anos 80 incio dos 90 a igreja Universal bem no centro da cidade, antes na rua 55 e posteriormente no antigo Cine Capri. Os moradores inquietos 18 das redondezas observavam o trana- trana de fiis luz do dia e escutavam os gritos extticos sem entender bem o que estava acontecendo. Eu era um desses observadores e minha inquietude tornou- se a semente para o desenvolvimento desta pesquisa anos mais tarde. No entender de Geertz (1997: 226): Agora somos todos nativos e os que no estejam por perto so exticos. Aquilo que antes parece ser uma questo de descobrir se os selvagens eram capazes de distinguir fatos de fantasias; hoje parece ser uma questo de descobrir como que os outros, alm mar ou do outro lado do corredor organizam seu universo de significados. Soma-se a esse universo reencantado, de crise dos paradigmas, uma parcela significativa de autores que nas Cincias Sociais se destacaram na crtica aos modelos rgidos, racionais, da Era Moderna. Dentre eles: Michel Foucault (1993), Anthony
16 Pierre Sanchis (1994: 50), Daniele Hervieu-Leger (1997: 33) so alguns dos estudiosos que analisam o NRMS sob este prisma. 17 Secularizao uma metfora. Surgida na poca da Reforma, originalmente em mbito jurdico para indicar a expropriao dos bens eclesisticos em favor dos prncipes ou das igrejas nacionais reformadas, a palavra veio a conhecer, ao longo do sculo XIX, uma notvel extenso semntica: primeiramente no campo histrico-poltico, em seguida expropriao dos bens e dos domnios religiosos fixada pelo decreto napolenico de 1803 (da a carga polmica com a qual o termo foi empregado durante o kulturkampf), e posteriormente no campo tico e sociolgico, Marramao (Apud Pierucci, 1997: 100) 18 Segundo Mariz (1994:26) O Catolicismo que em 1960 era de 90% hoje vive uma outra realidade. 18 Giddens (1991) e Peter Berger (1985; 1998) salientaram a crise pela qual passava o mundo moderno: o avano da cincia (indiscutvel) no possibilitou ao ser humano ps moderno uma segurana com base no mundo racional. Voltam a tona alguns anseios adormecidos depois da idade mdia: o ldico, o medo, a fantasia, o xtase tomam o lugar do perfil racional, ideal tpico Weberiano. Tais autores, anteriormente citados, procuraram demonstrar at que ponto a Modernidade e a prpria epistemologia das Cincia do Homem e do Homem em sociedade vinha se debatendo ante a novos paradigmas cientficos que relativizaram conceitos tidos como inabalveis nas soft sciences dentre eles a espinha dorsal do Mundo Moderno: a predominncia da Cincia e o declnio da Religio neste contexto. Berger (1998: 1-6), em recente artigo, aponta o engano em desconsiderar o boom religioso pelo qual passou o ocidente a partir das dcadas de 60 e 70: In the course of my career as a sociologist of religion i made one big mistake and had one big inside (arguably not such a bad record). The big mistake, which i shared with almost everyone who worked in this area in the 1950s and60s, was to believe that modernity necesserily leads to a decline in religion. (...) Most of the world today is a religious as it ever was and, in a good many locales, more religious than ever. 19 Entender como este nativo iurdiano, do outro lado do corredor, articula o seu conhecimento sobre o universo simblico de sua igreja foi alvo desta pesquisa. Estou entre aqueles que defendem o reencantamento do mundo contra as teses que apoiam somente a secularizao, ( despeito do crescimento dos movimentos religiosos), como marca ainda presente dos tempos atuais. Respondendo crtica de Pierucci 19 no tocante ao engano que alguns autores fazem ao desconhecer que a secularizao no foi refreada pelo renascimento da religio no mundo moderno, digo que tambm fao parte desse Geertzismo desenfreado termo que Pierucci (1997: 99-117) designa os adeptos da revanche de Deus. Segundo tal autor, a carolice de nossa linha terica desconhece que: A religio foi sim desbancada do corpo social e da matriz de culturalmente totalizante pela secularizao. (...) Os Novos Movimentos Religiosos encontram sua condio de possibilidade na perda estrutural de posio da religio (crist) estabelecida ou hegemnica e antes que sinal de reverso ou desmentido desse processo de declnio constri uma de suas melhores expresses. A secularizao implica o declnio geral do compromisso religioso. Se por um lado o pluralismo e a oferta de metafsica (supermercado espiritual) tendem a ser caracterstica desta desfragmentao da hegemonia das grandes religies crists gostaria de analisar indo pelo caminho contrrio do autor anteriormente citado. No desconheo que na Cincia que os homens recorrem para as suas curas. Esperamos a cura do cncer e da Aids a partir dela. Mas no desconhecemos que esperamos tais curas com uma certa devoo religiosa.
19 Antnio Flvio Pierucci (1997) em Conferncia pronunciada no VIII Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia apresenta seu artigo Reencantamento e Dessecularizao, A Propsiti do Auto Engano em Sociologia da Religio. 20 Para Tanto, Geetz (2001: 151-155) coloca: Os eventos dos cem anos decorridos desde que James 20 fez suas palestras duas guerras mundiais, o genocdio, a descolonizao, a disseminao do populismo e a integrao tecnolgica do mundo_ menos contribuam para impelir a f para dentro, para as comoes da alma do que impulsion-la para fora, para as comoes da sociedade, do Estado e desse tema complexo que chamamos Cultura. (...) Os movimentos revoltosos do mundo tem base no sentimento difundido nas massas. O mundo no funciona apenas com crenas, mas dificilmente consegue funcionar sem elas. (Grifo Meu). Alm disso, ser mesmo que a teodicia 21 fonte matriz pela qual a religio se sustenta desapareceu por completo durante a Era Moderna? O que diramos da caas as bruxas (que ser analisado no captulo quatro) onde o mal (todo o sofrimento existente e humanamente insuportvel) era encarnado nas mulheres, judeus e negros dos sculos XV ao XVII sobretudo. 22 Depois disso, os bodes expiatrios no cessaram de serem atacados na segunda grande guerra, mais uma vez os judeus, homossexuais, Testemunhas de Jeov, os socialistas, ciganos, ainda sob as bnos da IBM. 23 E nos anos 50 at os 70 a ameaa vermelha que desencadeou a guerra fria neo liberais versus comunistas. No brasil, no tivemos caa s bruxas mas temos nossos bodes expiatrios, responsveis pela violncia, especificamente os pobres (negros!), segundo anlise de Alba Zaluar (1985: 132-138).
20 Geertz Op. Cit. Est respondendo James quanto a suas anlises desse ltimo sobre a religio apenas como anseio emocional dos indivduos, como belisco do destino pessoal. 21 Explicao da distribuio do sofrimento pelo mundo. Anlise de Weber utilizada por Tambiah (1990: 8) 22 Ver Jaqueline Pitanguy em seu artigo o Sexo Bruxo (1985: 24-37) e Fobia s Bruxas Na Europa de Trevor Roper 1985: 38-63). Nesses artigos no se desconhece o papel da Igreja Catlica e das Igreja Reformistas que com o advento da imprensa faziam circular por toda Europa aas listagens das bruxas pelos jornais. 23 Refiro me as acusaes lanadas no incio do ano 2001 por Edwin Black sobre a utilizao das mquinas de numerao e classificao das famlias judiais compradas pelos nazistas da IBM. Isto facilitou o acesso da GESTAPO as famlias judiais. Alm disso pelo cdigo 175 os homossexuais foram considerados ameaa ao III Reich. Usavam Um tringulo cor de rosa nos campos de concentrao. A taxonomia variava desde dos tringulos pretos para os socialistas, o vermelho para as Testemunhas de Jeov, etc, amarelos (cruz de Davi para os Judeus). 21 Nessa pesquisa, pretendi explicar a partir do culto de possesso demonaca, que se desenrola nas sextas feiras, a fonte do mal para os seguidores iurdianos. Com o enfoque sobre tal possesso, explicar os infortnios do dia a dia segue uma lgica. nessa articulao de explicaes que tem como base averso aos cultos afro- brasileiros e em menor proporo idolatria catlica que centro minha pesquisa. Respondo em segundo lugar Pierucci, enfatizando que o mundo vive uma retomada de identidades culturais e a desfragmentao religiosa resultado dessa tendncia de reforo de identidades. Alm disso, o prprio catolicismo na Era Moderna vivia de um conjunto smbolos da contrao judaico-pag. Sendo assim, nunca teve uma marca registrada prpria, era hegemnico (at a reforma) mas sempre foi polissmico. No ps modernismo esta caraterstica se reascendeu, principalmente no que tange ao papel do diabo e do exorcismo que visa atingi-lo. Chamado a se apresentar no culto de Sexta feira para ser queimado, o demnio (em suas vrias personalidades) o responsvel pelos mais variados sofrimentos dentro do escopo do imaginrio iurdiano. Descrev-lo e indicar toda uma gama de representaes a partir de seu exorcismo foi o meu objetivo. Em terceiro lugar, Pierucci fala do papel do Domingo como dia do Senhor e o carter profano que hoje o identifica. o dia para o lazer e festas e muito menos da devoo. No entanto, as pesquisas mostram que o tempo dedicado ao Senhor ultrapassa um dia especfico. A caraterstica diuturna 24 marca registrada dos adeptos neo pentecostais, pelo menos trs vezes por semana dia de se ir casa do Senhor. Em quarto lugar,
24 Waldo Cesar analisa este aspecto em seu estudo linguagem, espao e tempo no cotidiano (1994: 112). Vide tambm: Rolim (1994: 16) em A propsito do Trnsito Religioso, onde ele fala do endoutrinamento diuturno; Fernandes et alii (1998: 43) na Pesquisa Novo Nascimento aponta tambm este aspecto. 85% dos adeptos pentecostais afirmam ir todos os dias casa do Senhor, no colocando em relevo somente o culto dominical como pice da freqncia religiosa. 22 Pierucci nos pergunta qual o influxo da religio no mundo das crianas? Conta um episdio de que os Batistas confrontaram uma passeata de grupo de homossexuais que ocorre anualmente na Disney. O parque temtico no s apoia empregando funcionrios gays, mas tambm permite tal passeata anual, e, os Batistas nada puderam fazer. Respondo que neste caso outros implicadores devem ser analisados. Em primeiro lugar tal autor est demasiado preso aos valores tico morais da religio. Existem religies onde a aceitao de grupos minoritrios um forte chamariz dessas denominaes . 25 Por outro lado, nas reunies da Universal as crianas so atendidas pelos obreiros 26 que mesmo num culto de 2000 pessoas 27 recolhem uma a uma para a escolinha e que no se esquivam do chamado das obreiras. Balas 28 com dizeres bblicos, livros infantis com temticas bblicas, histrias do Antigo e Novo Testamento em desenhos animados so alguns desses exemplos concretos 29 do reencantamento que vivenciamos no mundo atual. A seguir mostrarei na pesquisa de campo como os membros da IURD se afirmam ante ao nascimento de sua igreja. Para o entendimento do vis do reencantamento do mundo, notar-se- um certo desencantamento das religies de que faziam parte os adeptos iurdianos antes da sua adeso Igreja Universal.
25 O Fantstico de 22/04/01 mostrou uma seita em So Paulo acusada de enfatizar o homossexualismo e garante que o contato sexual com mulheres demonaco. Por outro lado, na pesquisa Novo Nascimento (Fernandes et alii, 1998: 117) afirma que a Universal tem uma postura mais liberal com os desviantes homossexuais . 26 Obreiros so responsveis pelo atendimento direto do pblico na Universal. Limpam a igreja, ajudam os possudos, para tal foram batizados pelo Esprito Santo. 27 Participei dentre outros cultos o da Sexta feira 13 de abril onde havia este montante de fiis. 28 A bala Freegels em 1999 lanou figurinhas com versculos bblicos. 29 Alm dos adesivos de carros Eu sou do Senhor Jesus, S Cristo Salva 23 A pesquisa de campo e a Etnografia Para salvar o dito nesta rede confusa de significados em que se apresentou o meu objeto de estudo lancei mo de trs fases de pesquisa. A primeira se dedicou ao trabalho de campo com a observao participante. No podia deixar de mencionar o trabalho de Manilowski (1984) Os argonautas do Pacfico Ocidental. Autor que introduziu a construo do mtodo de anlise de dados baseado no trabalho de campo. Estudou as populaes ilhotas Trobriand permanecendo in loco inovando a etnografia ao desprezar as anlises que dependiam das informaes de missionrios e viajantes. Eunice R. Durhan (1986: 17-37) critica os postulados funcionalistas de que a Antropologia nos dia de hoje ainda se utiliza. Para ela preciso fazer uma participao observante, deixar a imposio do pesquisador em segundo plano. Pesquisar tendo em vista os atores sociais, abandonando uma postura conservadora para a construo real de vidas reais. Fazer como a Escola de Chicago, estudar a cidade e no na Cidade. Retoma aqui a idia de Geertz (1989) preciso estudar na aldeia e no somente a aldeia. Ruth C. L. Cardoso (1986: 95-105) enfatiza que a observao participante abre o caminho para a participao observante. A prtica de pesquisa que processa este tipo de contato precisa valorizar a observao tanto quanto a participao. Observar contar, descrever e situar os fatos nicos, cotidianos construindo cadeias de significao. A segunda etapa dessa investigao centrou-se na pesquisa bibliogrfica e a terceira na construo das histrias de vida atravs de entrevistas abertas 30 a partir da
30 A escola de Chicago representada tambm por Becker (1997:101-111) utilizou estes instrumentais. Estudavam a cidade a partir da histria dos sujeitos. A histria de vida pode ser particularmente til para nos 24 historia oral dos informantes: buscar no monlogo (que o dilogo sem imposies suscita) destes testemunhos as memrias individuais objetivando traar uma memria coletiva 31 que se banha nas construes, representaes, mitos da religiosidade afro brasileira. Uma memria que definirei como sendo por tabela, pois ao negar o discurso da memria coletiva oficial as falas de meus informantes relatam o crescimento da verso neopentecostal tomando como base um universo simblico baseado nas religies afro brasileiras. Mesmo que seja para desarticular o valor desta memria dos excludos, j que a religio oficial catlica, temos uma matriz de amlgama caboclo, africano e pago europeu que renasce no culto das sextas feiras. Entretanto preciso deixar claro que a firmao dessas crenas no ocorre no discurso dos membros que as vem como demonacas. Mas o ritual onde tais crenas surgem reafirmam o contexto da memria subterrnea, definida por Pollak (1989), desses grupos marginalizados do discurso oficial catlico que escondiam os orixs, mestres e guias sob o discurso da memria religiosa oficial. Explorarei mais esse aspecto no captulo trs. preciso salientar que a histria oral como mtodo de pesquisa recente em sua expresso, to recente quanto o gravador. No entanto, a tradio oral to antiga quanto a histria. Essa lgica foi explorada por Paul Thompson (1998) em seu livro A voz do Passado. Thopmson estudou nos anos 60 em Essex Inglaterra os ordinary people
fornecer um viso do lado subjetivo de processos institucionais. A estrutura social provm de um processo contnuo de ajuste mtuo das aes de todos os atores envolvidos. O processo social no uma interao estagnada de foras invisveis ou um vetor estabelecido pela interao de mltiplos fatores sociais, mas um processo observvel de interao simbolicamente mediada. 31 Janana Amado, (1996:XIV) salienta que a histria oral enquanto metodologia deve buscar respostas que ainda no possui, por no se constituir em disciplina. As respostas segundo tal autora devem vir da Filosofia (a memria individual) estudada por Henri Bergson e na Sociologia (a memria coletiva) estudada por Maurice Halbwachs. 25 visando buscar na histria oral a reconstruo de uma processo bidirecional (observador e ator). Sendo assim, Thompson (1998: 197) coloca: Toda fonte histrica derivada da percepo humana subjetiva, mas apenas a fonte oral permite-nos desafiar essa subjetividade. Descolar as camadas de memria, cavar fundo em suas sombras, nas expectativa de atingir a verdade oculta. Dessa forma, pretendi buscar nesta pesquisa um referencial que a Antropologia utiliza da Histria traar as falas individuais (desses que so os nossos ordinary people) 32 identificando como os membros iurdianos tomam a igreja na relao fazem com o antes e o depois de seu surgimento em suas vidas. Ao traar a lgica do curso de sua histria, o membro iurdiano (mesmo na polifonia e nos contrastes da trajetria individual) apresenta um sentido de processo. Pretendi explorar este carter no que tange sobretudo a explicao dos sofrimentos individuais 33 e sobre eles o discurso do culpado pelos infortnios: o mal, o adversrio, o outro, a doena, a pobreza, a separao. Estes como conseqncia de uma ao demonaca das entidades vistas (representadas) pela religio afro brasileira como benficas e no campo pentecostal como malficas. Estive atenta aos ardis que uma pesquisa etnogrfica possui principalmente num campo onde o pesquisador (e em primeirssimo lugar, o jornalista) visto com muita restrio entre os adeptos da Igreja Universal. 34 Quero enfatizar este aspecto com uma
32 Segundo a Pesquisa Novo nascimento (1997:23) do ISER (Instituto Superior de Estudos da Religio). Tm-se indicadores de uma maior parcela de populao socialmente inferior entre os membros da IURD. Mais pobres, menos educados e de cor negra. Um percentual de 60 % que percebe at 2 S.M. Isso no significa uma correlao simples porque fazem adeptos em todos os nveis sociais (o que pude comprovar em minha pesquisa). Por outro lado, Mariano (1999) salienta que so os mais pobres que enriquecem a Universal. 33 Durham, Op. Cit, Coloca o perigo de um reducionismo psicologizante olhando a pessoa v toda a sociedade. 34 Mariano, (1999), Guimares (1997), Bonfatti (2000), Barros (1995) e Fernandes (1998) salientam esse dado. Ainda que alguns tenham entrado em contato mais ou menos amistoso at mesmo com os pastores fica em suas pesquisas esta caracterstica marcante. Inclusive no Rio de Janeiro os pesquisadores do ISER foram considerados demonacos por parte de alguns pastores da Universal. Dentre esses autores Mariano e 26 problemtica em colher entrevistas dos pastores e obreiros sem que fossem carregadas do discurso proselitista e de converso. Este aspecto mesmo que demonstre uma dificuldade em campo traduz a prpria estratgia de manuteno do segredo e dos mecanismos de salvaguardar do diferente, do estranho os cdigos de leitura mais aprofundados das categorias simblicas do contexto iurdiano. preciso que eu ressalte, no entanto, que os membros, em contraposio, deixaram livre o falar tanto nos cultos, quando era possvel colher alguns detalhes de suas impresses quanto nas entrevistas em um segundo momento. Dificuldades em campo fazem com que esse seja um desafio constante para o pesquisador que deve utilizar de algumas tticas para estudar na aldeia parafraseando Geertz (1989) e ao mesmo tempo sentir que o nativo d acesso aos cdigos que o pesquisador ento l. Os informantes so os nossos guias que nos indicam o caminho acendendo as velas que iluminam essa trajetria. Vagner G, Silva (2000) em sua obra O antroplogo e sua magia discorre sobre a etnografia e seus desafios. Ele utiliza da metfora de um ritual afro brasileiro do sculo XIX para dizer do processo de descrio sobre a cultura do outro. Silva conta sobre o ritual cabula: os adeptos deveriam ir ao mato com uma vela apagada e voltar com o crio aceso pelo esprito protetor. Nessa pesquisa os informantes da IURD se tornam os guias protetores que iluminaram as veredas desse processo de construo etnogrfica. At mesmo as reticncias e o no falar possibilitaram apesar do desafio algumas interpretaes que sero expostas ao longo dessa dissertao.
Bonfatti achegam a declarar momentos em que tiveram de participar dos cnticos e das coreografias dos cultos na Universal. 27 Algumas crticas apontadas para Thompson sugere que este autor no pontuou as dificuldades num relao assimtrica pesquisador (que tem os cdigos sobre o contexto a ser analisado) e o informante (leigo sobre o reino da pesquisa cientfica). 35 Como fazer ento com que se estabelecesse uma relao de confiana fundamental para recolher as memrias individuais (no presente imediato) atravs de suas histrias de vida para a construo da lgica do ritual das sextas feiras? Este foi o primeiro impasse para que eu abordasse os informantes. Classifiquei em primeiro lugar pessoas- chaves que poderiam me inserir no campo simblico da Igreja Universal. Para tanto, contei com M.R 36 com quem tinha uma certa relao de amizade que em dado momento declarou que estava freqentando a IURD h mais de dois anos. Recorri a ela em um telefonema e expus meu objetivo em pesquisar sua igreja e que ia com respeito escrever tanto sobre a Universal quanto sobre a histria de vida dela mesma, numa entrevista. A princpio um certo receio que os informantes tm em relao aos pesquisadores classificados como frios. 37 A viso de mundo do fiel iurdiano corrobora estas concepes sobre ns, os outros, para os que professam esta f na Igreja Universal. No entanto, em dado momento esta resistncia pde ser modificada e eu colocarei como. Segundo Alba Zaluar (1986: 116): A pesquisa poltica tambm no sentido restrito de que impe ao pesquisador a necessidade de montar estratgias e tticas para conseguir a sua participao (ou presena) no grupo. Para isso, o pesquisador se engaja num circuito de trocas que no se limita s mensagens das conversas e entrevistas. Presentes atenes, pequenos favores, e, mais fortemente, atitudes definidas em situaes de impasse em que est em causa sua aliana com o grupo
35 Guita G. Debert (1986: 191-156) quanto a ingenuidade de Thompson em encarar a Histria Oral como transformadora. 36 Segundo Thompson. Op.Cit (1998: 267) D-se escrever, procurar pessoalmente ou por telefone e explicar sucintamente o objetivo da pesquisa . A utilizao de siglas permite manter o anonimato do informante. 37 Marclia Reis (que no membro da IURD) me fez entrar em contato com M.C para que eu a entrevistasse. M.C declarou a Marclia que s vezes os pesquisadores so frios e que no professam a mesma f. Marclia afirmou que eu era uma pessoa de f catlica, mas que no tinha nenhum preconceito. Era uma pessoa boa e no utilizaria esses dados com fins escusos. 28 estudado ou com seus inimigos, s vezes identificados com a classe ou a nao de que faz parte o pesquisador e que vo permitir a continuidade desta presena estranha. Comeo a descrever minha insero como pesquisadora na IURD falando sobre a observao participante nos cultos da Universal. M.R e eu (aps o telefonema) fomos para a igreja no comeo do ano 2000. A sede regional (at ento) se situava no antigo Cine Capri, centro da cidade. O cinema havia sido totalmente reformado. Na primeira parte da igreja fica a loja da Universal que vende discos, CDs, livros, fitas de vdeo alm de possuir contgua uma lanchonete. Deixei M.R por uns instantes para adquirir alguns livros 38 . Ao retornar encontrei-a no auditrio. Ela estava na frente com algumas amigas, bem prxima ao altar. Segundo Zaluar (1986: 122): Um nativo tambm dialoga com outro nativo e na interao entre eles que o antroplogo pode observar a eficcia de certas idias, a recorrncia de padres ou mapas de ao bem como o processo mesmo de contnua transformao da cultura_ esta fala na ao que permite captar o rotineiro, o desvio e o conflito, o que tem forma e o que no tem, o oficial e o espontneo, o pblico e o privado. M. R. me apresentou s amigas e aos obreiros 39 que estavam por perto. Disse da minha inteno enquanto eu segurava os livros para que eles percebessem meu real e respeitoso interesse pela f que professavam. Vejo que prximo ao altar obreiros e pastores tocam na cabea dos fiis conversando com eles bem prximos e enquanto impem suas mos sobre esses ltimos dizem sai, sai, sai, eu ordeno em nome de Jesus!. Este foi meu primeiro passo ombro a ombro com o nativo desafiando e desafiado
38 Livros O Espirito Santo (1997) e A Libertao da Teologia(1993) autor: Bispo Macedo. 39 Os obreiros usam uniforme cala ou saia azul, blusa branca com gravata. Os pastores usam terno social. 29 mostrar que nem sempre o pesquisador tem por objetivo criticar ou questionar os valores das pessoas com as quais convive numa pesquisa. Fazer o que Geertz 40 chama de experincia distante em detrimento da experincia prxima que a do nativo. lgico que este passo no definitivo para insero nesse universo, no preciso tornar-se nativo e sim expor com clareza a inteno de traar as linhas gerais de seus discursos rumo ao entendimento de seu ethos (o tom, o carter iurdianos) e sua viso de mundo (a organizao das idias que tem de si mesmo, do seu meio natural e da cosmologia). Este um processo entrecruzado de reticncias, recusas, mas tambm permeado de um necessidade de expor oralmente 41 , testemunhar a f que este membro possui para abarcar mais e mais fiis seja na sua relao com seus familiares 42 ou em programas televisivos e radiofnicos. 43 M.R mostrava satisfeita a carteira de membro 44 que acaba de receber aps ter numa semana antes preenchido uma ficha de dados. 45 Depois de uma meia hora em que eu j havia obtido alguns depoimentos pessoais e contatado entre as amigas de M.R como possveis entrevistadas, comea a reunio. 46
40 De acordo com Geertz, Op. Cit. A diferena Experincia prxima e experincia distante no de oposio, mas de grau. 41 Waldo Cesar, (1994: 11-122), Em seu artigo Linguagem, Espao e Tempo no cotidiano pentecostal expe a necessidade que o pentecostal tem em usar a palavra, isto bem freqente tambm na expresso iurdiana. 42 Patrcia Guimares (1997) analisa a funo de algumas mulheres com as quais trabalhou em campo como pontes entre a igreja e a casa, ao estudar a comunidade de Vila Parque da Cidade, no Rio de Janeiro. 43 A universal conta com uma gama de empresas na mdia. Alm da TV record, rdio Universal, Jornal Folha Universal (Mariano, 1999) alm da compra da Rede Mulher entre 1999 e 2000. Na televiso os programas mais assistidos so o S.O.S Espiritual e o Fala que eu te escuto este ltimo aps s 23:00 HRS. 44 Na Igreja Universal os indivduos participam como membros, obreiros, pastores e bispos. Os deveres do membro de acordo com o que est escrito na sua carteira so: para ser membro da Igreja Universal necessrio preencher as seguintes condies Ter aceito o Senhor Jesus Cristo como seu salvador pessoal, ser batizado por imerso, ter conscincia de ter nascido de novo, aceitar unicamente os registros da Bblia Sagrada, a palavra de Deus e desprezar quaisquer outras ainda que paream lgicos, certos e inspirados, viver afastado do pecado, ser dizimista, submeter-se as autoridades da Igreja, ser batizado com o Esprito Santo. 45 Em anexo na parte final desta sesso. 46 Percebi que a denominao reunio assim denominada visa diferenciar esta igreja do culto dos crentes, bem como evitar o culto (idolatra) das imagens. Segundo o Bispo Macedo(1993: 67), na sua explicao na prtica da f, ele diz O religioso tenta explicar Deus, o cristo entend-lo. O religioso discute a f, o cristo 30 Trao o quadro deste cenrio cerimonial lembrando ao leitor que a IURD no possui uma seqncia litrgica de rituais demarcados no tempo e no espao. A lgica dos ritos desse contexto acompanha o ritmo frentico do dia a dia das pessoas. O movimento da rua alarga-se para o movimento do espao sagrado que no estabelece tempo e seqncias rtmicas como nas religies tradicionais, incio, meio e fim j dogmatizados. Tanto pode se iniciar com uma orao, um cntico ou aps o chamado do pastor para que os membros em unssono peam aos demnios para se manifestar. Isso no quer dizer que rituais deixem de existir nesse contexto. Ao contrrio to logo se inicie o culto, os membros, obreiros, pastores auxiliares, pastores e bispo encaram seus papis definindo estratgias e cdigos de conduta para ordenarem a manifestao dos demnios que ocorre todos os dias neste contexto. Entretanto a Sexta feira o dia demarcado no calendrio urdiano para exclusivamente queimar os demnios. Aponto que o pice do momento ritual da IURD e sua marca distintiva a libertao dos demnios. Nesse culto pastores auxiliares e o bispo (quando a reunio ocorre na sede) ficam prximos ao altar onde torna-se o lugar sagrado, ungido com leo, espao consagrado, revestido de poder para libertar e curar os endemoniados. A assistncia ao pblico de fiis feita pelos vrios obreiros que se deslocam fileira por fileira observando qualquer sinal de manifestao demonaca e ajudando o possudo a se deslocar at o altar. Por vezes o pastor titular (ou o bispo) pede que os obreiros no toquem nos endemoniados e que estejam apenas prximos a eles.
vive a f. O religioso cultua a Deus; o cristo O adora. Um dos entrevistados refora esta idia : Na catlica se cultua Maria ... e Maria est dormindo... aguardando o Juzo Final tambm. Veja que o catlico cultuam Maria e arrumam tantos santos! Arrumam tantos Nomes! so fulano, so ciclano, so beltrano D.M (em anexo). Irei descrever pormenorizada esse cerimnia no ltimo captulo. 31 Qualquer desateno, como abrir os olhos sem que o pastor tenha determinado e logo refreada pelo obreiro que v o fiel desatento. Isso ocorreu comigo neste primeiro culto que assisti na IURD. Pesquisadores no estariam imunes a imposio de mos sobre a cabea e ordenam feche os olhos! . Tal aspecto foi apontado em trabalho de campo por Mariano (1997) e por Bonfatti (2000) o qu demonstra no entender dos iurdianos que todos ns podemos ser salvos do demnio e se ele o outro, como sugiro nessa pesquisa, no deve causar estranhamento se formos, ns pesquisadores os primeiros a sermos chamados ao altar para expurgamos o mal que nos acompanha. 47 A reunio segue seu ritmo fazendo entrecortar as falas do pastor com gritos dos possudos. Os pastores auxiliares ajudam os titulares a libertar os demnios que possuem as pessoas que vo para o altar. Em seguida, obreiros acompanham os recm libertos at seus lugares ou os levam para detrs do altar. muito importante que o leitor entenda ao mesmo tempo que tais aes ou podem levar uma ou duas horas dependendo do nmero de fiis que manifestam. Enquanto alguns possudos esto ajoelhados no altar outros mais se manifestam indo os obreiros acompanh-los no seu caminhar at o pastor. A fileira de pastores sempre prxima ao altar no se desloca at o fiel possudo. Pastores auxiliares, titulares e bispo permanecem prximo ao altar. So os obreiros que se encaminham at os membros para auxili-los diretamente. Aps ter expulso os demnios, testemunhos so colhidos no altar. Os pastores pedem que os membros coloquem a mo no peito, orem e agradeam a Jesus as curas do dia. Envelopes com dizeres bblicos, fitas coloridas de campanhas so vistas nas mos dos fiis que receberam numa reunio anterior tais objetos e devem deposit-los no
47 Como foi relatado na pesquisa de campo de Mariano (1997). 32 altar. Dentro dos envelopes so entregues os dzimos. E no caldeiro cheios de leo ungido os pedidos sentimentais, espirituais e materiais escritos sob o contexto de cada campanha Israel, Jeric, J, assim por diante. Tais pedidos escritos so ungidos ou podem ser queimados no altar. A reunio termina e vejo ainda alguns pastores e obreiros auxiliando os adeptos iurdianos prximos ao altar. Para Campos (1997) e Mariano (1999) a IURD acompanha uma marca de despojamento no que tange ao uso de imagens principalmente por conden-las como idolatria. Alm disso, essa marca caracteriza as igrejas protestantes tradicionais que as igreja pentecostais e neo pentecostais dizem fazer parte. O que quero dizer que o clima de auditrio (carpete, ar condicionado, cmaras televisivas) tambm uma marca dessas igreja e o pastor funciona como um animador de auditrio 48 , de uma certa forma. Pude perceber nesta reunio das Sexta-feira denominada de quebra da maldio um dado realmente que eu desconhecia: se por um lado a igreja universal em sua forma acompanha o Protestantismo Histrico, o seu contedo completamente diverso da concepo racional e tico valorativa da sua origem protestante. Como a queima do demnios um divisor de guas do meio neopentecostal (alm da teologia da Prosperidade que discutirei no ltimo captulo) centrei-me na anlise desta reunio por considerar o meio principal de se conhecer um pouco mais deste universo simblico. Mesmo nos outros dias (participei na semana seguinte de mais sete reunies de domingo a sbado) em que libertao vem em segundo plano, expulsam- se demnios.
48 Quanto ao papel do pastor nesse sentido ver as anlises de Campos (1997) como controlador do clima teatral, Guimares (1997) como bricoleur (cura, aconselha e dirige a reunio). Quanto ao espao das igrejas, discutirei no captulo Um. 33 Sendo assim, estabeleci no ano de 2000 um total de 20 contatos para entrevistas que se realizaram at o ano 2001. Dessas entrevistas abertas com um roteiro (flexvel) a seguir, privilegiei o monlogo do informante. Sem impingir a todo tempo perguntas e mais perguntas deixava livre o falar dos entrevistados com pequenas interrupes que no prejudicaram o desenrolar das entrevistas. Alm disso, fiz questo de perceber nos gestos (que sempre constam no relato, em anexo, entre parnteses) e nas reticncias um dado novo salientado por Zaluar (1986: 119): O processo de comunicao social que inclui a atividade de pesquisa no uniforme, nem ininterrupto, nem livre totalmente. Ao contrrio, feito tambm de pausas, interrupes, proibies interiorizadas, constrangimentos, restries ao dizer. Foram entrevistados 20 membros dos quais 15 mulheres e 5 homens 49 . No entanto, separei dentre essas entrevistas as que se fizeram mais representativas quanto ao detalhe sobre a demonologia na qual me centrei nesta pesquisa. Sero relatas aqui seis entrevistas e qualificadas por atingir maior detalhamento sobre o objetivo da pesquisa: traar a possesso e os atributos das entidades do panteo afro brasileiro, resgatado no discurso dos membros. Dentre esses seis entrevistados houve uma separao eqitativa entre homens e mulheres membros da igreja. Os depoimentos dos pastores e dos obreiros foram refutados pelo tom de converso que possuam, alm de no satisfatrio quanto ao objetivo da pesquisa. Segundo Thompson (1998:244) O que interessa a experincia pessoal direta que algum possua e no sua posio formal, sendo assim os membros tornaram-se os verdadeiros representantes da IURD, pelo menos para mim.
49 Dados como este revelam em parte (porque minha pesquisa no quantitativa, apesar de utilizar amostras quantitativas para elucidar os meus dados qualitativos) o nmero muito maior de participao feminina no meio iurdiano. Ver pesquisas Novo Nascimento (1997), Mariano (1999), Mariz (1994). 34 As pesquisas que visaram estudar e colher depoimentos pessoais dos pastores (em primeiro lugar na escala hierrquica e dos obreiros sem segundo lugar) parecem no explorar esse fator. Desde, Guimares, Campos, Mariano, Bonfatti eles parecem no evidenciar este aspecto. Mariano coloca em seu trabalho de campo que foi chamado pelo pastor a uma quase converso no altar e que o pesquisador se manteve imvel, apesar de ter feito amizade com o pastor. Guimares, por outro lado manteve uma rede de amizade para sua pesquisa. No entanto, tambm coloca essa dificuldade quanto aos depoimentos dos pastores. Bonfatti segue essa mesma linha de anlise. Mas, tais autores ainda utilizam desses depoimentos parecendo afirmar que a pesquisa foi sria, inclusive com a aceitao dos pastores. Ora, sabe-se muito bem que a nossa presena na igreja conversando e gravando (o que no fiz neste espao!) j um modo de colher depoimentos superficiais. Quero evidenciar que eles valem como referencial importantssimo pelos depoimentos e entrevistas dos membros em primeiro lugar, no pelo seu fcil acesso. Mas pelo desejo de falar sobre sua histria e sobre a igreja que freqentam, sem tentar nos converter, pelo menos no oficialmente no espao da igreja. Desconhecer isso mascarar os dados. Exceto por Barros (1995: 3) que coloca hostilidade dos chefes da Igreja Universal, a maior parte dos pesquisadores no enfatiza esse aspecto. A manuteno de algumas estratgias de defesa por parte das lideranas da IURD a partir do no dito, como evidenciou Pollak (1989), visa separar a fronteira entre o dizvel e o indizvel de uma memria coletiva subterrnea da sociedade civil dominada por grupos especficos.
35 Zaluar (1997:116-117) salienta nesse sentido que O material por excelncia do antroplogo no tampouco o fornecido por lderes, informantes sbios ou detentores da pureza da cultura do grupo. Num segundo momento, retomei algumas leituras sobre a religio afro brasileira objetivando redefinir as linhas tericas que j tinha conhecimento ampliando meu corpus terico. O reforo a queima dos demnios e uma nomenclatura (quando nomeavam os demnios a partir de sua caractersticas), conhecida apenas superficialmente em um primeiro momento, necessitava de um reajuste: centrar-me no universo simblico da religio afro brasileira. Esse objetivo no visa traar paralelos e sim retomar as bases da religio dos orixs (Candombl) coligando-a com a Umbanda (influenciada pelo Kardecismo quanto ao uso das palavras dirigidas aos espritos de parentes mortos; sendo mais urbana e no admite o sacrifcio de animais como no Candombl) 50 e com a macumba 51 isto evidencia a retomada (ou a exposio), ou melhor, a reinterpretao de uma cosmologia sincrtica no meio pentecostal como base de confronto e ao mesmo tempo fonte de extrao desse imaginrio. 52 Dessa forma, utilizo trechos do livro de Bispo Macedo (2000: 121) Orixs, Caboclos & Guias: Deuses ou demnios para elucidar esse insight. 53 A saber: a apropriao dos smbolos da macumba no meio iurdiano: Em muitas das nossas reunies, efetivamente vemos um quadro assombroso; uma verdadeira amostra do inferno. Se algum chegar igreja no momento em que as pessoas esto sendo libertas, poder at pensar que
50 Vide Carneiro, Edison (1991). Candombls da Bahia. 51 Roger Bastide (1978: 16) No Rio de Janeiro as naes (de lngua Iorub) se fundiram umas nas outras deixando-se tambm penetrar profundamente por influncias exteriores. uma religio essencialmente sincrtica. 52 As anlises de Patrcia Birmam (1994: 901-109) e Birman (1994: 35-43), Sanchis (1994: 6-11), Benedetti (1994: 18-23) sero essenciais nessa abordagem. 53 lgico que esse insight est difundido em toda a literatura das Cincias Sociais que trata da IURD. S quero salientar o aspecto inovador desta pesquisa buscar na fonte da memria uma memria que quer ser esquecida no meio iurdiano, que ao mesmo tempo dela se alimenta. 36 est num centro de Macumba, e parece mesmo. Temos a impresso, muitas vezes, que aquelas pessoas ficaram loucas; entretanto, aps alguns momentos, quando fazemos a limpeza em suas vidas, quando os demnios so expelidos e levam com eles todo o mal, a vem a bonana, a paz. O discurso iurdiano mantm acesa uma luta entre o bem e o mal o ltimo visto como influncia das entidades do espiritismo. A caracterstica desse contexto, no entanto, no seria novidade para um analista de fora, j que a Igreja Universal tem abraado a cada dia mais e mais adeptos justamente porque congrega vrias respostas que estes indivduos motivados pelo instante da libertao querem elaborar para explicar a sua presena ali e as causas a que so levados a freqentar esta religio especfica refora a crena nesses valores e prticas adotadas no seio da igreja. Ao retornar a campo, fui preenchendo as lacunas que faltavam sobre esse aspecto que se tornou essencial para essa anlise. As entrevistas mostram a todo o momento essa guerra espiritual. Diante dessa manifestao de repdio constante ao outro, ao adversrio, ao inimigo (que decorrem das falas) fiz de tudo para estar ligada 54 a eles no numa posio de pesquisadora impondo meu gravador e minha lista de perguntas. Tticas foram adotadas e me dedicarei a abord-las no final desta parte introdutria. Os questionamentos que fiz para os entrevistados no foram elaborados a priori justamente porque eu precisava me situar, para depois conversar com eles. Eu no poderia chegar sabendo o momento da descontrao ou de interdio, o momento das piscadelas mtuas ou da orao.
54 O estar ligado tem significados complementares sob dois smbolos o gestual : o bater de mos diagonal e enquanto amuleto verbal = significando a sua ligao com a reunio que se iniciar. 37 Isto porque no decorrer das dez reunies (de quebra de maldio) que participei como observadora 55 que pude comear a elaborar as primeiras perguntas (das entrevistas) sobre aqueles ritos e crenas partilhados por seus membros. Lendo sobre o mtodo da observao participante de Bernard (1998: 187) e as vrias formas de trabalho de campo dentre elas a primeira pude compreender que as questes justamente podem ser elaboradas e reelaboradas em campo. Para ele you will start any field research project knowing some of the questions you are interested in. But those questions may change; you may add some, and drop others or your entire emphasis may shift. Assim, ao utilizar a tcnica de gravar as falas de meus informantes, deixei sempre clara a importncia que teria na minha pesquisa a histria de vida de cada um deles. Como se suas trajetrias formassem uma comunidade tal como no dizer de R.B um de meus informantes igreja um fogo cheio de brasas umas aquecendo as outras. A partir desse contato pude traar uma linha de entendimento sobre a quebra de maldio que apareciam nos relatos entrecruzando uma lgica coerente sobre o significado do mencionado ritual. a partir das histrias de vida e da histria oral dos membros da IURD que pude verificar a experincia concreta do fazer a memria (no presente) tendo passado e futuro como interconexes. O antes e o depois da insero na igreja Universal desempenha um corpo de informaes fundamentais entre um passado de derrota para um futuro de vitria trabalhados no momento presente do discurso. Utilizando esta metodologia pude
55 Participando inclusive das coreografias. Uma obreira vendo que eu estava de olhos abertos me ordenou que os fechasse para que eu me ligasse. Bonfatti (2000: 102) teve a mesma experincia no seu trabalho decampo. 38 reformular pressupostos e at mesmo as hipteses (respostas). Algumas delas sero tratadas ao longo desta dissertao. Refletir sobre o uso do gravador no registro da informao viva me possibilitou 56 formular uma ttica para colher as entrevistas: Em primeiro lugar, expunha atravs de um telefonema meu objetivo tendo sempre em mente as alianas j formadas entre os membros. Tanto os que eu j havia contatado na igreja quanto aqueles que conhecia direta e indiretamente. Em segundo lugar, ao chegar nas casas dos informantes me assegurava que conversaramos sozinhos (porque a interveno de uma terceira pessoa poderia mascarar dados importantes) 57 . Em terceiro lugar, eu no mostrava logo de cara o gravador, eu o deixava pronto a funcionar em minha bolsa (com a fita no lado correto). Este momento indicava uma conversa preliminar. Mostrava os livros do Bispo Macedo, envelopes do dzimo (em anexo), fitas de campanhas que participara. Aps esse dilogo eu perguntava se poderia gravar a nossa conversa que eles aceitavam sem maiores restries. Em quarto lugar, tendo sido iniciada a gravao eu deixava o aparelho prximo ao entrevistado e me certificava de que o volume estava correto observando de quando em quando se a fita no havia acabado.
56 Utilizo aqui as abordagens Queiroz (1991) em seu Livro variaes da tcnica de gravador no registro da Informao viva. 57 Isso no ocorre de uma forma harmnica. Quando estava entrevistando M.C. fomos interrompidas pela sua empregada. Alm disso R.B e eu conversamos com sua esposa ao lado., que no nos interrompeu. Lembro aqui tambm dos esteretipos de que nos fala Thompson (1998) quando um homem entrevista uma mulher ou vice e versa. Ou um jovem entrevista um idoso por exemplo aparecem tais esteretipos. 39 Em quinto lugar, colocar uma pausa para as entrevistas e mostrar uma certa presena era um momento de grandes pausas sempre um problema. Eu evitava cortar assuntos que eram sem importncia. E principalmente deixava lugar para um monlogo sem maiores intervenes. Em sexto lugar, aps serem respondidos os questionamentos (que no eram incessantes) deixava que o entrevistado colocasse ele mesmo o ponto final. Interessante notar que a prtica do falar para o membro iurdiano uma constante. O retorno da palavra e um uso de vocabulrio bem articulado foi observado nesta pesquisa. 58 No encontrei o tipo lacnico. A no ser por M.R a minha primeira informante. Queiroz (1991:76) afirma que numa relao de amizade a relao informante/ pesquisador no desenvolve uma relao de confiana para aprofundar os questionamentos propostos. Em stimo, ao desligar o gravador tinha sempre em mos um caderno de campo porque sempre surgiam dados novo, de suma importncia para a pesquisa em andamento. 59 Portanto, a utilizao do gravador no um fim em si mesmo. A gravao uma das partes do processo que se inicia no primeiro contato at a sua despedida. Sendo assim, entender entendimentos como prtica de colher em campos as tramas do discurso no se esgota to somente no gravar as falas do interlocutores. Desafia-se e se desafiado com novos pontos que antes no eram vistos no roteiro de questes que se tinha de incio.
58 Gostaria de salientar dois aspectos. Primeiro que urge um trabalho da Lingistica para a anlise do discurso iurduano. Segundo a abordagem da processo teraputico da liberao da memria salientado por Thompson (1998: 206). Bonfatti (2000) procura neste aspecto fazer uma abordagem psicoantropolgica sobre a IURD. 59 Ocorreu isso comigo ao entrevistar D.M. No impasse entre ligar novamente o gravador e escut-la eu preferi a segunda opo escrevendo o que dizia. Justamente a sua converso a IURD ocorrera pelo divrcio de seu filho. 40 Para tanto, a entrevista j se inicia desde o primeiro estgio do contato at a despedida entre pesquisador e entrevistado. Fao um esboo na prxima parte introdutria sobre a Igreja Universal no Brasil e em Goinia desde a sua fundao evidenciando em seu histrico as marcas de sua lgica fundadora: abarcar o maior nmero possvel de fiis atingindo a mdia de 1 templo a cada cinco dias. 60
60 Pelo site www.listaiurd.com alm dos trabalhos de Mariano (1997) e Bonfatti (2000) temos uma listagem das IURD no Brasil e no mundo com igrejas espalhadas nos quatro cantos do mundo. 41 ANEXO FICHA DE MEMBRO 42 O Histrico da IURD no Brasil e em Goinia O primeiro estudo de que se tem notcia no meio acadmico goiano sobre os neopentecostais de Guimares (1996). 61 parte este projeto de pesquisa no havia sido feito nenhum levantamento sobre a Igreja Universal especificamente em Goinia. Para seguir esta trajetria importante retomarmos o seu histrico no Brasil, j que a IURD em Goinia seguiu a vaga neopentecostal dos grandes centros urbanos do pas. A Igreja Universal surgiu em 1977 num salo de uma ex-funerria do Bairro da Abolio no Rio de Janeiro. Segundo os levantamentos feitos por Freston (1994: 67-159) , a Universal seria o caso tpico de igreja de terceira onda em relao ao pentecostalismo e sua diferenciao com o protestantismo histrico. 62 Na primeira onda estariam as igrejas do Incio do sculo tais como a Congregao Crist (1910) e a Assemblia de Deus (1911) cujas caractersticas so o ascetismo (no incio) e a glossolalia. 63 A segunda onda foi caracterizada no final dos anos 50/60 e tem como denominaes as seguintes igrejas: Quadrangular (1951), Brasil para Cristo (1955), Deus Amor (1962) e Casa da Beno (1964). Seus seguidores estavam
61 Guimares, Maria Tereza Canesin Um estudo Sociolgico dos Evanglicos Neopentecostais: Os Fundamentos tico-Valorativos e As Concepes de trabalho. Projeto de Pesquisa. UFG 62 Para Freston (1994:68) a separao Histricos/Pentecostais parece dizer que estes ltimos no tinham histria. Por isso ele fez esta pesquisa histrica em ondas sobre os pentecostais. 63 Segundo Freston (1984:74) A glossolalia, o falar em lnguas substituiu o Adventismo (a volta de Cristo) com a sua no volta a glossolalia assumiu a centralidade da Teologia Pentecostal. At 1900 a AD era doutrinria iniciou-se com Charlesn Parhan que distribua bblias nos EUA. Seymour, Batista e ex esravo expandiu o movimento criando em Los Angeles o primeiro templo na Azuza Street. Gunnar Virgen (sueco) e Daniel Berg (alemo) difundiram a AD no Brasil. Os missionrios antes passaram por Chicago (eram contra as doutrinas Luteranas no seus pases de origem, caracterizavam por ser uma verso leiga e contra cultural da primeira). Nos EUA um pastor profetizou que deveriam ir a um lugar chamado Par. Essa profecia aliada a presena do Pastor Batista Erik Nelson neste estado brasileiro, fizeram com que os missionrios viessem para o Brasil. A congregao Crist, includa na 1 a onda cresceu em So Paulo em 1917 com Luigi Francescon Lombardi. 43 interessados nos dons de cura e nos quatro atributos de Cristo- Salvador; Santificado pelo Espirito Santo; Curador e Rei. Tinham o propsito de evangelizar e curar atravs de programas de rdio que a primeira onda considerava demonaco. Segundo Freston, para o pentecostalimo de terceira onda, no houve nas pesquisas anteriormente analisadas um maior aprofundamento sobre esta fase pentecostal. Na terceira onda, denominada neopentecostal (Campos, 1998) e (Mariano(1999) ou pentecostalimo autnomo (Bittencourt Filho, 1984). Foi a Igreja Nova Vida (fundada pelo missionrio canadense Robert Mc Alister) que originou a IURD e a Internacional da Graa de Deus; a Cristo Vive e a Comunidade Evanglica Sara Nossa Terra (Gois,1976), representantes dessa ltima vaga pentecostal. Este movimento surgiu nos EUA e se caracterizou como neopentecostalismo aps os anos 70 pela dissidncia das igrejas protestantes. No Brasil, a influncia estrangeira das denominaes pentecostais surgiu com a chegada de dois batistas suecos e um presbiteriano italiano que se converteram ao pentecostalismo nos EUA. A influncia dos pentecostais europeus na Assemblia de Deus at a dcada de 40 foi marcante. Para o deuteropentecostalismo (o de segunda onda) preciso salientar que esta corrente foi influenciada com a chegada de dois missionrios americanos da International Church of the Foursquare Gospel de onde surgiu a Igreja do Evangelho Quadrangular (Mariano, 1999:39). Da segunda onda veio a Igreja Nova Vida me das igrejas neopentecostais. Sua fundao em 1960 no bairro do Botafogo, no Rio de janeiro e em 1979 em So Paulo teve a figura do lder Robert Mc Alister como fundador. O programa de rdio A Voz de Nova Vida acelerou a fundao de sua igreja. Atuando como missionrio em vrio pases quero acentuar sua experincia na rea de libertao de demnios em 1952 nas Filipinas. Escreveu Me de Santo onde narra a converso de uma yalorix do 44 candombl convertida na Cruzada de Nova Vida (Mariano, 1999:51). Aps a morte de Mc Alister em 1993, seu Filho Walter R. Mc Alister Jr, sendo uma figura menos diplomtica, no permaneceu mais de trs anos na liderana da Nova Vida. Tendo um pblico mais elitista esta denominao comeou a perder adeptos. A Igreja Universal do Reino de Deus, uma das igrejas dissidentes da Nova Vida, compe um novo quadro denominacional entre os pentecostais o de terceira onda. A novidade em relao a esta nova vertente pentecostal est relacionada aos seguintes caracteres: catarse coletiva, exorcismo e ainda na guerra santa (Bittencourt in Mariano 1999) mais especificamente pela IURD, Marketing 64 , bens simblicos em troca de pagamento (Wilson Azevedo In Mariano, 1999) e nfase no diabo. O termo pentecostes segundo Mariano (1999: 10), que engloba todas as vertentes citadas, se difere do Protestantismo Histrico por pregar baseando-se em Atos 2. Seu ethos (apesar das diferenciaes) esteve fortemente influenciado pelo Metodismo Wesleyano e pelo movimento Holiness. Segundo Weber (1997: 98), o carter sistemtico da converso no Metodismo passava por um ato emocional principalmente na Amrica. Seguia-se em duas etapas arrependimento e xtase. No era suficiente uma conduta correta (como no Calvinsmo), a ela deveria ser acrescido o sentimento do estado de graa, o esprito iria testemunhar o dia e a hora. As obras eram enfaticamente atacadas por John Wesley. O ato emocional da converso era metodicamente provocado, a emoo uma vez despertada era dirigida para uma luta racional pela perfeio. Esta conduta do fiel no Metodismo influenciou as geraes subsequentes nos Estados Unidos principalmente. O Ethos do
64 Ver o trabalho de Oro (1992) Podem passar a sacolinha: um estudo sobre as representaes do dinheiro no neo pentecostalismo brasileiro. In: Cadernos de Antropologia, Porto Alegre , UFGRS, (9):7-44. 45 membro da Universal estando influenciado por esta conduta aproxima-se da corrente metodista de uma certa forma. Segundo Levantamentos do ISER o boom da Universal ocorreu a partir dos anos 80 em que o autodenominado Bispo Macedo, Romildo R. Soares e outros fundaram esta igreja. Nesta poca foram compradas as primeiras rdios tentando atingir a meta de um templo por dia em mdia. J nos anos que se seguiram a IURD fundou mais de 2014 templos no Brasil e 221 espalhados em mais de 60 pases possuindo mais de quatro milhes de fiis no Brasil. O nmero de pastores no territrio nacional de 2700 contra 7 mil no exterior (Mariano, 1999: 53,55). De acordo com Campos (1997) e Mariano (1999), a Universal em dados estatsticos que revelam uma percentagem de mais de 47% de membros entre as classes sociais mais carente de recursos financeiros e de baixa escolaridade. No entanto justamente o extrato social menos favorecido que enriquece a Igreja Universal (Mariano,1999: 59). Em 1989, com a compra da Rede Record por 45 milhes de dlares, a Universal entra na mdia televisiva. Atualmente, a IURD movimenta um patrimnio de mais de 200 milhes de reais, constituindo-se em uma verdadeira Holding que inclui desde templos, grficas, jornal (A Folha Universal), emissoras de rdios, TV e at agncia de Turismo (New Tour). Acrescento a compra da Rede Mulher no final de 1999. Portanto, com estas cifras a Universal tem abraado um montante significativo de fiis no campo religioso, entrando na concorrncia pelos bens simblicos (Bourdieu,1998) antes negociada somente pelos antigos especialistas do protestantismo histrico e pelo corpo de sacerdotes da Igreja Catlica, principalmente. 46 Dessa forma, estando contextualizada a insero da Igreja no mbito nacional quero traar sua trajetria em Goinia. A primeira Igreja Universal inaugurada nesta cidade foi a da rua 55 e posteriormente a sede Regional no antigo Cine Capri 65 que foi vendido para esta denominao no incio dos anos 90. Desde ento, a cidade tem se tornado uma das maiores concentraes de evanglicos do pas. Brando 66 salientou as placas com dizeres evanglicos espalhadas por Goinia, a saber: S Cristo salva, Jesus te ama, assim por diante. Sendo assim, apresento a tabela em nmeros populacionais absolutos de 1991 Fornecida pelo IBGE. Tal pesquisa em termos quantitativos demostra a populao do Estado de Gois quanto ao dado religio que professa. 67 Dados mais recentes sero lanados em Junho de 2001. A partir dessa tabela ainda que mascare alguns dados numricos sobre as adeses ao neopentecostalismo em Goinia, traz indcios do possvel crescimento numrico dos neopentecostais, sobretudo na IURD para o ano 2001.
65 Dados obtidos atravs da Prefeitura de Goinia. 66 Pessoalmente comentado no I Encontro de Cincias da Religio em Gois. 67 Queiroz (1991) Salienta que os dados quantitativos so mais reveladores do que os qualitativos baseados em questionrios com perguntas objetivas, surveys. No entanto, dada a caracterstica do evanglico pentecostal em afirmar sua f (veja captulo dois sobre o Habitus Iurdiano), creio que so confiveis para uma reinterpretao sobre eles . 47 TABELA 1 ESTADO de Gois RELIGIO NMERO ABSOLUTO DE FIIS Catlica Romana 3.187.143 Outra Crist Tradicional 9.440 Evanglica Tradicional 104.410 Evanglica Pentecostal 348.086 Crist Reformada No determinada 19.289 Neo-crist 18.388 Esprita 101.331 Candombl e Umbanda 11.505 Judaica ou Israelita 198 Oriental 2.493 Outra 3.885 Sem religio 207.380 *** Sem Declarao 3.962 Fonte : IBGE 1991. Dados mais recentes sairo em Julho de 2001(pess.com. segundo Wilton Silva, funcionrio IBGE Rio de Janeiro). 48 Como se nota a partir da tabela, temos um total de 348.086 de pentecostais contra 104.410 de Protestantes Histricos no Estado de Gois. Segundo a pesquisa Novo Nascimento, lanada pelo ISER onde foi criada o CIN (Censo Institucional Evanglico) 68 , a estimativa de evanglicos no Brasil para o Censo IBGE de 1991 era de 13%. Hoje est em volta de 16% a 18 % (Fernandes et allii. 1998:7). De acordo com a tabela 1, no temos entre os pentecostais a diferenciao quanto IURD, no entanto vejo atravs da pesquisa Novo nascimento um dado importante o acelerado crescimento da IURD em termos relativos, alm de um saldo positivo quanto ao ganho de adepto de outras denominaes evanglicas no chamado trnsito religioso. Se essa tendncia se repetir deveremos ter para este ano um nmero de adeptos maior para o campo pentecostal. Alm de um nmero que girar em torno de 16% para os membros iurdianos. Segundo Fernandes (1998:72): Analisando as variaes por denominao, verificamos que a troca generalizada. Todas recebem novos membros para as demais. Mais ainda: veremos que todos trocam com todos. No quadro comparativo desta pesquisa, cada conjunto denominacional ganha membros de todos os outros. (...) Uns ganham mais membros do que perdem, outros perdem, outros perdem mais do que ganham. (...). Contabilizando perdas e ganhos, o saldo positivo de novos membros fica, por ordem, com as Renovadas, a Universal e a Assemblia. (Grifo meu) A Assemblia de Deus desde 1911 tem 30,7 % do total de evanglicos e a IURD tem 16 % desde 1977. A IURD possui um total de 70% de convertidos h menos de 10 anos. 69 A Assemblia por outro lado juntamente com as Protestantes Histrica possuem apenas 34% de recm convertidos contra 66% de base tradicional.
68 O CIN estudou apenas no Rio de janeiro. Esta tabela que apresento no constam das tabelas da Pesquisa Novo Nascimento. 69 Op. Cit. Pp. 32. 49 Vejo que alm deste trnsito entre as prprias pentecostais dados mais atualizados revelaro um trnsito das igrejas Catlica Romana, Kardecista, Umbandista, e do Candombl para a IURD, conforme mostra a pesquisa Novo Nascimento, tanto para o Rio de Janeiro quanto para Goinia. Sendo assim, em termos numricos, os dados de Gois de 1991 precisam ser atualizados. Mas, possuem expressivo nmero de pentecostais em relao aos protestantes histricos. A alta percentagem de Catlicos pode ser vista ainda como resposta imediata do questionrio Qual a sua religio? Em que a resposta tende sempre a ser catlica 70 , mesmo pertencendo a outras religies, principalmente aquelas ligadas a expresso afro brasileira e Kardecista, onde nestes campos o trnsito constante. Alm disso, a IURD abarca estes segmentos no enfoque a condenao da idolatria e na guerra espiritual (Op. Cit. Pp. 68). Visto que em 1991 Gois possua um total de 348.086 de evanglicos, atualmente esse percentual ser acrescido, tendo em vista o alto crescimento relativo da IURD que em menos de 20 anos j concorria na briga pelos bens simblicos a saber: cura, exorcismo e prosperidade atingindo a cifra de 16%. Por outro lado, a Assemblia com 90 anos de existncia possui 30,7%, crescendo em termos absolutos. No entanto, a IURD cresceu significativamente em termos relativos nos ltimos 10 anos sobretudo. Vindo a concorrer no campo simblico alterando o perfil de fiis que atualmente procura no exorcismo a fora ritual para a mudana de um status quo de derrota para a vitria, possibilitada a partir da libertao das foras demonacas.
70 Otvio Guilherme Velho (1998:169-180) diz que a Pesquisa Novo Nascimento importantssima no que tange ao nmero de domiclios pesquisados 40.172. No entanto, afirma que o contexto no qual se baseiam pesquisas no pode ser naturalizado.(Pp179) 50 Com o crescimento da Igreja Universal em Goinia, fiz um levantamento de nmero de templos por setor. Esta pesquisa no se esgota aqui tendo em vista o acelerado processo de construo de igrejas no Brasil e no exterior. No entanto, esta pesquisa demonstra uma atualizao at o ano de 2001. Conforme a pesquisa 71 revelou, existem 18 templos da Universal em Goinia (vide mapa em anexo), so eles a saber: CATEDRAL DA F ( Avenida Gois) 72 SEDE REGIONAL (Avenida Anhangera) RUA 55 (primeira igreja) CONJUNTO VERA CRUZ JARDIM AMRICA JARDIM BALNERIO JARDIM GUANABARA PARQUE AMAZONAS CAMPINAS COIMBRA VILA SO JORGE VILA PARQUE BURITI FIM SOCIAL REDENO VILA REGINA AV. CASTELO BRANCO(SETOR OESTE) ALPHAVILE 73 VILA CANA
71 Pesquisa de Campo. Alm do contato com o programa da listagem de Universal por setor da Telegois Brasiltelecom. A lista telefnica se mostrou insuficiente com o nmero de apenas 5 igrejas. 72 Fundada em Novermbro de 2000 com capacidade para 2000 fiis. 73 Fundao recente (Pastor Edilto) ainda sem telefone. Informao obtida por membro da igreja que mora neste setor e confirmada por obreiro da Universal. No confundir com o Alphaville Flamboyant- Condomnio que ser inaugurado de classe mdia alta. 51 MAPA DE GOINIA COM OS TEMPLOS DA UNIVERSAL Fonte: Prefeitura Municipal de Goinia Elaborao: Arquiteto Jos Cruciano Filho 52 Pretendi esboar mediante esse mapa a abrangncia da Igreja Universal tanto em Goinia como nos demais centros urbanos do pas. Como se v no mapa e pelo discurso iurdiano pretende-se ampliar essa nova vertente pentecostal como igreja e no como seita. Espalha-se por sobre o mundo como uma onda de ressonncia de cidade em cidade de pas em pas. O recorte sobre essas ondas de influncia perfaz o que Anderson (1983: 51-52) denominou de comunidades imaginadas que substitui no seu entender a nao. Segundo tal autor: I propose the following definition of the nation: it is na imagined political community and imagined as both inherently limited and sovereign. It is imagined because the members of even the smallest nation will never know most of their fellow-members, meet them, or even hear of them, yet in the minds of each lives the image of their communion. Mediante os ritos de quebra de maldio os fiis iurdianos extravasam fronteiras de suas cidades relatando um discurso de pertena a um lugar demarcado: a igreja. Apesar de circundarem territrios entre lugares da ao do esprito santo versus lugar de ao demonaca, tem-se na igreja o ncleo de territrio onde agem as foras do bem, as igrejas espalham-se sobre as cidades que espalham-se sobre o pas assim por diante levando a influncia do Esprito Santo. A imagem da ressonncia de ondulaes faz com que visualizemos a ao universal do Esprito Santo espalhando-se sobre o globo terrestre. No dizer de um de meus entrevistados, essa lgica est bem clara: - D.N: 74 Aqui em Gois menos. mais pro interior... aqui em Goinia a coisa muito escondida ainda. Entendeu? A coisa num t revelada porque Goinia do Senhor Jesus, voc j
74 D.N. No membro assduo da IURD. No entanto, seu relato quanto a possesso demonaca no meio pentecostal e neopentecostal e sua experincia nos cultos de possesso na IURD foram importantes nesta pesquisa. 53 ouviu isso n? Goinia uma das maiores concentraes de evanglicos. Ento racionalmente a influncia demonaca fraca. Entendeu? Pouca. A influncia demonaca pouca. E a dominao do pentecostalismo maior. Ento o que acontece. O meu poder. O poder de cada pastor t dominando esse pedao (faz um crculo com os dedos na mesa). Tem um espritos que so territoriais.... que dominam a regio ... Aparecida de Goinia .. chama cidinha .....o apelido dela esse .. um esprito que domina Goinia nesse espao todinho. Santa Brbara ... o demnio que se apresenta como Santa Barbara. Eu acho que Santa Brbara no Candombl a Ians. Ento Ians ... Isso mesmo?(Grifo meu). Tal territrio no entendimento de D.N um local delimitado circundado por uma ao de foras conjunta dos evanglicos, Goinia, por exemplo. Como bem postula SACK (1986: 2-19), a territorialidade um espao socialmente construdo: Territorialiality is intimately related to how people use the land how they organize themselves in space and how the give meaning to place (...) Territoality then is na historically sensitive use of space specially since it is socially construted and depens on who is controlling whom and why. It is the key geographical component in understanting how society and space are interconnected(...) That is in creating a territory, we are also creating a kind of place. O lugar criado socialmente separa as fronteiras. Se Goinia do Senhor Jesus os outros centros revestem-se como locus em potencial para se tornarem espao de ocupao evanglica. A marcha dos evanglicos do dia primeiro de Junho de 2001 lotou os grandes centros do pas reforando o sentimento de pertena desse grupo definindo fronteiras e estabelecendo um cordo mundial de filiao evanglica. A universal mantm esse ritmo de ampliao do quadro nmero de seus adeptos, como marca principal de seu discurso. Vejamos o esquema a seguir como uma tentativa de esboar o objetivo desta pesquisa ver atravs do rito das sextas feiras na IURD um discurso que ecoa nos indivduos 54 tanto em Goinia quanto em outros centros urbanos uma forma ritual que visa a mudana na vida do grupo de crentes que a essa igreja se filiam. Eixo de anlise: Rito de quebra de maldio Sentimento de pertena: :noes de tempo, espao e de pessoa: memria coletiva 55 Para tanto, inicio enfocando o rito das sextas feiras como performance ritual de onde extrairei as analises dos captulos subseqentes as noes de tempo, espao, indivduo que delinearo as bases da memria coletiva e da riqueza material como Dom divino, alterando o ethos e viso de mundo que norteiam os fiis iurdianos. 56 CAPTULO UM: A Sexta Feira na Universal do Reino de Deus 57 Possesso: histrias de muitos no transe de poucos. Como elemento central desta pesquisa vejo na queima dos demnios toda a estrutura fundante pela qual se caracteriza a Igreja Universal- Os calendrios, o espao, os membros esto relacionados nessa teia ritual. A libertao acontece no espao da Igreja, pode tambm ser feita fora dela, nas casas dos membros sendo respeitada a utilizao dos principais elementos de cura e libertao a presena do pastor (revestido de poder) e dos materiais de limpeza e purificao sal, leo e sustentando tudo isso a f pessoal. Quero analisar a libertao dos demnios que ocorre no seio da Igreja Universal objetivando compor o quadro de crenas coletivo que seus membros professam. Mesmo porque o atendimento nas casas fortuito, sendo a Igreja o palco principal para o chamado da vida amarrada de derrota para a vitria. Durkheim (1990) afirma que a religio um sistema de crenas que se baseia na ligao da comunidade moral na Igreja. No h igreja mgica. H elementos da magia que pode ser exercida tanto na igreja quanto na casa. Mas a religio engloba a magia na IURD. Tanto que na orao da noite na beno da gua, nos programas da Record, os fiis assistem aos flashs da Universal, onde conclamam os fiis para se dirigirem aos endereos mais prximos de suas casas. Coloco primeiramente a idia do membro cativo de uma estrutura da qual quer se libertar amarrando as entidades malficas. Essas, por sua vez os mantm cativos 75 a antigas alianas, despachos, oferendas e promessas no cumpridas despachos a exus. Uma outra idia que advm desse imaginrio a possesso dos espritos que utilizam seus cavalos, subjugando-os e levando-os a cometer atos que em s
75 D.N faz um longo relato de uma bruxa americana que convertida ao pentecostalismo escreve O cativeiro de Rebeca Brown 58 conscincia no fariam, se no estivessem cativos do domnio das entidade. Ter espritos algo natural na viso de mundo iurdiana, salienta Birman (1997: 71-72), so eles de nascena ou hereditrios ou trabalhados. So feitos despachos pesados para o exu tranca rua (roubo/morte) ou exu caveira. Para resolver um problema amoroso o contato com a pomba gira. E os fiis so amarrados pelos espritos do vcio como o z pilintra. Otvio Velho (1987: 04-27), analisa a expresso cativeiro utilizada na Amaznia pelos nativos e nordestinos que l trabalham aliando a idia da vinda e priso da besta fera do apocalipse encarnado no patro, ou no prprio diabo. Pretos e brancos no mais se distinguem e so os pobres que temem a volta do cativeiro, no somente os negros, descendentes de escravos. Nessa anlise, o passado idealizado referncia para a utilizao de textos bblicos onde circunda a idia de libertao. Como o texto do xodo, por exemplo. Verifiquei quando da semana da pscoa que o Pastor Bulhes (IURD) sendo entrevistado no programa Me de Gravata do cantor Ronnie Von, 76 referia-se ao xodo aliando ao momento atual dos fiis, tal como o povo judeus da poca, os iurdianos teriam hoje que se libertar do mal demonaco tomando uma atitude, tal como os judeus na bblia fizeram. A reserva de sentido que o texto traz enfocada no trabalho de Velho sendo uma expresso de Croatto (Apud Velho, 1987: 25) inspirada em Paul Ricoeur no est apenas nos nossos sentidos que aquele evento foi adquirido, mas na possibilidade objetiva de aproximar outros eventos dele pela mediao do texto. Tal como a IURD e o xodo bblico. Croatto (Apud Velho), trata os eventos que hoje somos protagonistas como novos eventos fundantes. Os membros iurdianos, ao cruzarem nas malhas da memria, os textos bblicos e as crenas nos espritos malficos com a teologia da prosperidade se
76 TV Mulher 14/04/01. Atualmente pertence Igreja Universal. 59 diferenciam das outras denominaes. Buscam um gozo pela vida terrena tendo como base a libertao dos demnios que amarravam a suas histrias de vida. A partir do exorcismo e da purificao corporal, o membro iurdiano combate cultos e entidades pelas quais tinha um compromisso direto, ou indireto pela famlia, comidas de despachos etc. No entanto, corroboro a anlise de Birman (1994: 94) quanto ao combate aos seres sobrenaturais vistos como diablicos, no deve nos enganar: No se trata de uma negao pura e simples dos entes e ritos de um outro sistema, mas sim de um movimento mais complexo que envolve mecanismos de natureza ritual sobretudo. Tanto no Catolicismo quanto nos cultos de possesso h ritos anlogos de expulsar o mal, facilita-se assim a ponte para converso. Sendo assim, analisarei a cultura da possesso que facilita a passagem entre o universo de crenas popular catlica e afro brasileira para a verso iurdiana povoada de seres mgicos e da eterna luta bem x mal. Retomo o relato de D.N quanto a uma sesso de exorcismo na igreja: D.N: Fala ... eu vou relatar de uma senhora. A senhora de repente numa ministrao de libertao a senhora comeou a ter como se diria uma ... convulso bem fraca. Primeiro ela torcia o pescoo numa velocidade bem rpida assim n (ele gira o pescoo), mexia a cabea a comeava e o pastor ordenava que o esprito viesse pra fora, que tomasse conta logo para que ele fosse expelido a com um certo trabalho ele veio, o esprito mais forte, de mdia fora. A ele pegou e manifestou e o pastor ordenou que ele falasse o nome dele e ele no mentiu e falou meu nome z pilintra, z piliintra e mais sete encruzilhadas. Sabe o que isto n? Sete encruzilhadas so mais sete que vm com ele. A ele pegou e falou o que estava fazendo na vida da mulher, na vida da senhora que tava possuda. Nesse momento o qu foi que aconteceu no momento da possuio? A coluna dela envergou assim ... desceu assim uns ... no muito no muito ... acho que assim uns trinta graus, mais ou menos isso e da boca dela saa uma gosma, parecida com uma espcie de meleca, uma coisa muito estranha, em grande quantidade. Toda hora ela colocava muito pra fora, muito! O obreiro tinha que vir com um 60 copinho por baixo. Na hora o pastor amarrou ele, um ato mstico tambm que influente amarrar demnio. Eles pegam e pem a mo pr trs, voc j viu ne? Prende a mo pra trs. Ficam rodando ,mas pem a mo pra trs o tempo todo. Amarrar demnio isso. A ele tava amarrado, mas babando. O obreiro vinha com um copinho. Foi at uma experincia engraada (risos), eu at no agentei e sorri porque com o tempo voc vai mexendo com isso voc vai perdendo o medo sabe desse tipo de influncia.... A todo mundo orando, tudo bem.. a o obreiro tentava a tentava colocar tudo dentro de um copinho e era aquela coisa mais louca (risos) e ele mexia e o obreiro ia com o copinho atrs, mexia, mexia e obreiro trocava de copinho e era aquela coisa mais estranha. A o pastor ordenou que ele no fosse embora. A de repente a coluna da mulher voltou rapido e ela parou de babar na hora e falou na voz atual dela que no era grossa mais, era uma voz de senhora assim no muito fina n e nesse momento foi chamada a filha da senhora. Ele havia dito que tinha dito que tinha matado sete na famlia e que tinha matado a filha dela. Quando o pastor chamou e conversou com a filha dela e quando chamou, ela confessou que a filha dela morreu no tero. Posteriormente, logicamente se descobre que os outros seis foram matados em seis geraes atrs ou foi uma mentira, entendeu? A a filha tava chorando tava chocada com a situao e ele mandou que ele (diabo) retornasse. A ele retornou, e j num foi ele que controlou mais a situao. Foi ele e mais o cabea da sete encruzilhadas. O cabea o demnio mais poderoso que t dominando os outros. Deixa eu entrar em outro ponto? Por experincia... - M.E: Esse que esto sendo dominados tm nome? - D.N: Deixa eu ver se me lembro o nome deles....acho que ele era o capa preta .. no acho que no era o capa preta no. Era o sete capas, seta capas, sete caveiras esses dois que estavam assim naquele impasse assim um domina, o outro domina. Os outros assim s no cantinho l dentro, mas no cantinho porque eles num tinham poder pra guerrear um com o outro. Porque eu vejo assim Deus falou que o reino dividido no subsiste? Jesus falou isso em Mateus quem pode ir contra? Jesus no pecou, Jesus no errou o alvo ento foi verdade pura. Jesus no mente. S que a voc vai analisar por experincia prpria... Segundo Waldo Cesar (1994: 225-241), os expropriados da Modernidade so fascinados pela oferta da IURD no que tange a expulso dos demnios que atrasam e 61 impedem a vitria financeira, espiritual e emocional do fiel. Torna-se imprescindvel que os demnios se manifestem a fim de serem expulsos. Turner (1992, 1994) adepto do drama social, como categoria de anlise, caracteriza dois tipos de ritual quando da investigao sobre os Ndembu Africanos. Os primeiros, so ritos de Life Crises os atores sociais em muitas sociedades passam por cerimnias ou rituais destinados a marcar a transio de uma fase da vida, ou status social para outro (Batismo, formatura no mundo ocidental, por exemplo). Essa crise relaciona-se passagem, mudana de um estado a outro. O segundo, denominado rituais de aflio que ocorrem entre os Nembu quando algum caught by a spirit (Turner, 1994:9). O esprito comea a causar problemas, aflies, doenas, esterilidade, morte, suores inexplicveis. Quero verificar o rito de quebra de maldio na Sexta feira como um ritual de aflio, contextualizando a Igreja Universal. Muitos autores 77 analisaram a manifestao e queima dos demnio no trajeto: manifestar queimar libertar. Sigo neste mesmo caminho. No entanto, proponho entre essas etapas outras categorias de anlise entre a manifestao a queima e a cura: o dar o nome, o dilogo entre os espritos que possuem os membros, e o dilogo com o pastor at o momento do eu sou derrotado no altar. Importa caracterizar tais etapas porque os demnios que se manifestam enquanto rito de aflio so as personagens centrais do embate (assim como a ao do Esprito Santo claro) e no se deve trat-los en passant. A partir do incio da cerimnia na Sexta feira (que como veremos no obedece h uma ordem litrgica) todas as aes, oraes e encenaes (o voc est ligado?) giram em torno da manifestao das entidades
77 Guimares(1997) coloca por exemplo a expulso e a limpeza com os batismos. Bonfatti (2000) trabalha com a trade converso, exorcismo e cura. 62 causadoras do mal nos fiis. O pastor inicia, geralmente colocando a mo sobre o peito, os obreiros e membros repetem o gesto sincronizado, passando do corao cabea e pedindo no sai, sai que os demnios se manifestem. Anda logo, z pilintra, pomba gira, sete capas, exu da morte apresentem-se!!! Entre o silncio entrecortado de mais e mais apelos do Bispo (ou pastor responsvel) surgem pouco a pouco gritos femininos, urros ferozes , vozes infantis, fazendo da igreja um palco de apresentao das personagens que se identificam desde a tonalidade de voz ao tipo de malefcio que causa no possesso. Paro aqui mesmo para fazer uma separao entre estgios sobre a pessoa que est possuda. Os ritos de passagem foram retomados por Turner na anlise ritual a separao e o isolamento, a marginalidade, e a incorporao do nefito nova vida. Em se tratando de um rito de aflio urbano, nesse caso, o isolamento no toma um tempo extenso (dias, meses, anos), falerei sobre a plenitude do tempo no prximo captulo. So horas uma ou duas onde a pessoa se isola e deixa lugar para a entidade nela penetrar. Seu corpo, voz, e sexo passam a ser personificados tanto por uma entidade mais forte, masculina como o exu- tranca-rua (exu da morte) ou por uma entidade mais fraca safada feminina como a pomba-gira, tambm por uma infantil como o Cosme e Damio que pula e brinca ou pelo malandro da cachaa o z pilintra. Nesse estgio marginal o ser torna-se invisvel, ambguo deixando atuar sobre ele a manifestao do demnio que identificado pelo pastor. Desde que as entidades, uma a uma vo se apresentando, o drama ocorre de uma maneira coerente de uma possesso outra. Os espritos mais fracos caminham at o altar, com resistncia, mas o instrutor, o mestre, o pastor dialoga exigindo anda logo que se dirijam ao altar 63 tentando amarrar na guerra espiritual primeiramente os mais fracos e posteriormente os chefes das legies. Em se tratando, por exemplo da pomba-gira, Cosme Damio, z pilintras, pretos velhos (estes ltimos em segunda ordem de fora) algumas caractersticas fazem temor e humor se misturarem por parte dos membros que assistem. Uns observam de perto, outros se escondem (literalmente no banheiro), outros riem das brincadeiras e das palavras malcriadas que essas entidades dizem. A pomba gira, com as mos na cintura ri histericamente, Cosme e Damio gritam com voz infantil, z pilintra com voz grossa enquanto preto velho curva-se e gesticula palavras de desacato ao pastor. Em dado momento, as mos se voltam para trs em forma de garras, eles andam contorcidos passo a passo at o altar. Por vezes voltam desafiando o pastor. Assim em estado de serem quase queimados, as entidades falam eu num vou, seu desgraado!. O pastor suado, gesticulando, manda, pede atravs da orao forte que voltem a andar em direo ao altar. Por mais de uma hora essa batalha parece interminvel. A medida em que tais entidades caminham e finalmente entram no altar, seus corpos retorcidos, amarrados esto prontos para serem entrevistados Qual seu nome, anda logo!, exige o pastor. Sou o z pilintra, seu idiota!, responde a entidade. O qu voc est fazendo na vida dessa pessoa?, pergunta o pastor. Eu num deixo o filho dela parar de beber, ela bebe tambm., desafia a entidade. O pastor pede que se imponha as mos sobre o altar onde as entidades esto amarradas, cadas no cho, ajoelhadas aos seus ps. Ele conclama a comunidade a se ver livre dessa entidade demonaca que traz os vcios. Os membros, com dificuldades desse tipo, mesmo que indiretamente, se sentem possudos pelo z pilintra. Assim, uma a uma as 64 entidades vo sendo queimadas pelo poder do Esprito Santo. Mesmo depois do eu sou derrotado, momento em que as entidades esto totalmente controladas pelo pastor, elas permanecem no altar. Os corpos retorcidos por mais de duas horas passadas do incio do drama social, do rito de aflio, permanecem da mesma forma. s vezes um membro ou outro tentando evitar o constrangimento (o que raro) descem do altar e dizem estar falando em lnguas sob a ao do Esprito Santo. O Bispo e os pastores voltam-no ao mesmo lugar at que o malandro, mentiroso volte ao altar e seja derrotado. Quando por fim, penso que guerra foi finalmente ganha na ltima batalha, o pastor pede que se manifeste o cabea. Logo depois, surgem vozes mais ferozes que as primeiras dizendo eu num mandei vocs irem e recomea a trajetria at o altar. Nesse momento, os da primeira leva quase subiam ao altar dialogam com os cabea, dizendo cala aboca, voc tambm. O pastor comea a orar, mais forte ainda. A comunidade naquela catarse coletiva 78 segue os passos dos demnios desafiando-os a serem derrotados sob os comandos do pastor. Com bastante resistncia sobem ao altar os demnios todos. E esses ltimos chamados os cabea exu da morte, exu sete-saia, sete encruzilhada, sete capas, exu da lama (responsvel pelo insucesso material), custam a ir embora. Em um dos cultos que e assisti, o Bispo circundou o exu-caveira de obreiros, pastores. Pediu que a entidade se apresentasse, chamou os membros que estavam precisando de oraes fortes para curarem-se. Aps a orao, alguns se manifestaram sendo auxiliados pelo cordo de obreiros, um a um. Enquanto isso o Bispo atendia a fila de testemunhos, onde os membros falavam das curas obtidas naquele rito de aflio, tumores,
78 A demora as vezes desse ritual sentida por alguns membros que impacientes no vem a hora do cabea dizer eu sou derrotado, como escutei ao meu lado em trabalho de campo. 65 dores fortes, enxaquecas, artrites vo sendo relatas como doenas que acabaram de ser extirpadas ali mesmo no momento da libertao. O exu caveira assiste a tudo ainda imvel no cho. Levanto me e dirijo at o cordo de pastores, obreiras, membros e vejo por sobre o ombro dos nativos no centro uma mulher que permanece imvel. Quando o Bispo volta dos testemunhos, ele pede que finalmente a entidade, o mal chefe de todos, o exu caveira diga eu sou derrotado! E assim acontece aps mais de duas horas de culto ( em mdia os cultos duram de uma hora e meia duas horas). Os homens e mulheres que passaram por esse momento de libertao direta so auxiliados pelos pastores e obreiras. Eles suam, choram, vem-se descabelados e cercados de olhares por todos os lados, este o momento da incorporao, do nefito nova vida, livres e libertos vem-se de cativos a indivduos livres para a riqueza material, espiritual e plenos do poder para a cura dos males. um paradoxo: nessa hora talvez eles sejam assaltados pelo constrangimento, entretanto a busca de expressar-se atravs dessa vertente pentecostal faz com que os membros expurguem com fora os sofrimentos que os atordoam no dia a dia, representados na convivncia direta com as antigas entidades. Os membros entrevistados, afirmam no terem tido essa experincia. Entretanto, Birman (1994) diz que tais manifestaes ocorrem com membros de uma populao flutuante nem do Candombl e da Umbanda, nem totalmente iurdiano. Os antigos pais e mes de santo, filhos e filhas, no manifestariam nesse contexto iurdiano. Acho pouco provvel que os pais e mes de santo, ou aqueles que estiveram ligados a centros espritas no se manifestarem no contexto iurdiano, j que eles prprios no Candombl separam a possesso demonaca (exu) do xtase divino (orixs). Fazem segundo Bastide (1978: 25) uma analogia para o Catolicismo. Exu no se encarna nesse 66 contexto, se o faz tem que ser logo despachado. A lida com o exus e a com as entidades do panteo afro- brasileiro simbolizam na IURD o mal, entretanto os orixs no se encarnam, tampouco so citados no momento do exorcismo. Alm disso, os membros afirmam que as manifestaes em sua maioria ocorrem nos indivduos que j mexeram com a macumba. A performance entre tais universos bem representada e seria difcil um observador, curioso ou flutuante se entregar a esse ritual, sem conhecimento dos cdigos de conduta e ao, herdados no universo simblico afro brasileiro, e do contato mais direto com essas entidades, os exus, pomba gira, pretos velhos. Por isso, descarto a afirmao de Birman (Op. Cit.) e digo que na IURD os que se libertam tiveram maior contato com o Candombl e a Umbanda, na maioria das vezes. Alm disso, os obreiros (que vm em segundo na hierarquia de crentes) em grande parte foram antigos pais e mes de santo, assim como os pastores tambm. O transe e a manifestao desses entidades, em alguns membros, jogam na malha coletiva, anseios pela cura, queima de demnios que impedem a vitria completa. Os que manifestam diretamente falam as vozes das entidades que circundam as histrias de cada um dos membros que compe toda a comunidade de crentes. Sobre essas entidades e sua classificao abordarei a seguir. 67 O diabo o outro: um histrico de sua atuao no mundo Como sugerem os meus interlocutores a luta constante entre o bem e o mal. Nesta primeira parte, traarei um pequeno histrico dessa personagem que parece ter sido esquecida na poeira do tempo com a afirmao da Modernidade. Sim. sobre o Diabo mesmo que estou falando. Se o Cristianismo a Reforma Protestante racionalizaram seu papel, legado ao esquecimento. Foram as disputas entre as duas igrejas que mais queimaram os infiis nas fogueiras pedaggicas (o adversrio protestante para o catlico, o catlico para o protestante, as bruxas, os judeus e os cticos que pensavam contra tudo isso) no auge do sculo XVII de Descartes. Traarei o status atual do Diabo, principalmente no movimento neopentecostal, tendo em vista sua figura histrica, busco uma anlise desde seu surgimento (obscuro!) at sua nomenclatura amplamente reforada no meio iurdiano. A palavra demnio vm do Grego daimon 79 (divindade). No era o Diabo, tambm do grego diabllein (= separar), em oposio a Theos (deus pessoal) somente depois este termo foi tomado em sentido negativo e adjetivado , salienta Menezes (1985:92-130). A origem do diabo no Antigo Testamento obscura, segundo Lesek Kolakowski, (1985: 4-22). A serpente que induziu Ado e Eva no se liga com o anjo decado ou com o Sat (adversrio) do Livro de J. Agindo contra os homens, parece no ser, nos primeiros tempos relatados na Bblia, o inimigo de Deus.
79 Em meu nome expulsaro os demnios (Mc, 16,17). Aos demnios chamam os gregos daimones. Isto peritos e sabedores de coisas. A palavra em grego significa o que sabe muito. In: Revista O Mensageiro de Santo Antnio. Ano XLIV n04. Sermes de Santo Antnio de Lisboa. 68 A partir do Livro de Enoque (apcrifo), encontrado no sculo XVIII, tenta-se relatar a queda do anjo decado Lcifer, antigo serafim de Deus. No velho Testamento, continua Kolakowski, so feitas referncias a bruxos e bruxas, o que deu base para as perseguies da santa inquisio. So os deuses estrangeiros que figuram como satnicos 80 . Entretanto, Lcifer mencionado apenas em um frase ainda obscura. Alguns importantes filsofos judeus da Idade Mdia negaram a existncia do Diabo. Sua sobrevivncia deve-se ao livro apocalptico quando se menciona a Besta (666), e, tambm em sua apario na Cabala, Talmude e nos manuscritos do Mar Morto (onde tem-se a figura de Sat= Diabo). Kolakowski (1985), postula a presena enraizada da figura do diabo na cultura europia seja em catedrais, monumentos, livros seu significado de agente do mal, o outro, o adversrio, est firme em nosso imaginrio (herdado). Corrobora esse papel do diabo tendo sido aliado aos mitos rabes, germnicos, eslavos. No relato do Gnese paira o (misterioso) aparecimento de Lcifer, segundo Kokalowski (Op. Cit.). preciso que se sublinhe tambm a caracterstica do Ser Divino Jav (YHWH) 81 sua postura no pentateuco revela incoerncias de carter por um lado bom e justo, por outro lado, injusto e vingativo. Principalmente nos sacrifcios pedidos, de Abrao seu filho primognito Isaac. De J toda sua fortuna. Acho que se relativisssemos o dzimo na Universal. Nada seria comparvel a esses dois primeiros exemplos. Somente mais tarde a referncia assimtrica bem versus mal aparece nos escritos bblicos. No Novo Testamento surge finalmente, mais marcante, a imagem do
80 Inclusive o termo Belzebu vm do deus BAAL da Mesopotmia. Lexikon (1990: 142), salienta este aspecto retomando a figura das moscas, Baal Zebul (Senhor das Moscas) = Belzebu. 81 Segundo, Tambiah (1990: 7) A fabricao de dolos no paganismo X o monotesmo pela qual a visibilidade de Deus era condenada, no entanto a bblia aceita a realidade e a eficcia do paganismo mgico. Quando 69 diabo como inimigo de Deus. Jesus Cristo expulsa demnios e Belzebu foi pessoalmente tenta- lO 82 . Jesus afirma tal dualidade sendo Sat- o prncipe deste mundo verus O meu reino no deste mundo. No apocalipse, o diabo aparece como figura de um drago derrotado por S. Miguel. Aqui a demonologia surge com caractersticas mais ntidas, segundo Kolakowski (Op. Cit). So elas a saber: os diabos se multiplicam, no se conhecem todos os nomes e pecaram por orgulho. No gostam de Deus, nem dos Homens, no entanto servem a Deus para atormentar os condenados ao Inferno. Incitam a mentira nos seres humanos o que provocou a queda de Ado e Eva. Os demnios dominam a morte, o sofrimento, o desejo sexual e continuam a tentar os Homens que podem resistir-lhes. A queda dos demnios no reversvel, exceto na Tradio Crist de So Jernimo que os incluiu como salvos. Seu poder sobre a criao muito forte, mas no sem limites. A ao tipicamente diablica a possesso conquista a mente e a alma humanas, a arma utilizada para expurgar esse mal o exorcismo. A natureza humana, corrompida pelo pecado original inclina-se para o mal. A salvao pessoal requer interveno da Graa divina. 83 Existem trs faces do diabo, classificadas por Kolakowski (Op. Cit.): terrvel, grotesca e trgica. A primeira conhecida do universo catlico e protestante, simbolizada em pinturas e esculturas, nos sermes e tratados demonolgicos. o mestre do
condena como falsa religio sem ser no sentido de no produzir resultados empricos, mas no sentido de ser antema para o povo judeu. 82 Segundo Menezes (1985: 92-130) no N.T a concepo judaica foi contaminada pelos persas Ahriman (mal) independente de Ahura Mazda (deus da Luz), a vitria sera de Cristo no fim dos tempos. 83 Segundo Tambioh (1990:8) o diabo inevitvel, desejvel que o homem possa conquistar poder atravs das prticas ascticas para desafiar os deuses. 70 fogo e gelo, se diverte com os sofrimentos dos condenados. 84 A Segunda, tambm antiga, aparece no folclore popular da China. Tambm em estrias e anedotas dos festejos natalinos. Demnio tolo e desajeitado que se deixa ludibriar pelos servos e camponeses espertos. 85 A terceira face, alia-se literatura na obra de Milton (Apud Kokalowski) O paraso perdido que retrata o diabo em sua dignidade e inteligncia fria 86 , um perdedor orgulhoso. Tambm a obra literria de Gethe, O Fausto, o mefistfeles rene dimenses terrveis e trgicas. Em nmeros, o diabo vem sempre ligado s legies, como afirmam meu interlocutores na IURD. Quanto seriam? Segundo Kolakowski, o Talmude revela que cada pessoa possui 1000 do lado esquerdo e 1000 do lado direito. No captulo 12 do Apocalipse 1/3 de todos os anjos tomaram parte na revolta contra Deus. Um bispo do sculo XV fez a conta: 133.306.688. Vierus (Apud Kokalowski) reduziu essa contagem para acima de 44 milhes. No sculo XVII, no entanto, alguns pensadores liberais viram Satans como nica entidade do mal, era o monodemonismo X o polidemonismo. preciso salientar nesse percurso histrico o papel do Diabo na Idade Mdia e no incio da Idade Moderna. Jaqueline Pitanguy(1985: 24-37) e Trevor Roper (1985: 38- 63) afirmam que a caa s bruxas foi bem mais acentuada no incio da Era Moderna entre os sculos XVI e XVII, em plena elaborao do Racionalismo. Os anos de 1580 a 1630 (
84 Seria o papel do diabo, o coisa ruim enfocado por Ariano Suassuna em sua obra O Auto da Compadecida. 85 Esta caracterstica apontada pelo termo ingls trickster _ brincalho. No artigo de Rodrigues & Caroso Exu aparece na literatura afro brasileira com essa caracterstica como palhao vingativo, com essa duplicidade_ Exu da porteira, exu-tiriri, exu-caveirinha, Esmeraldo do aund, Jandira, Maeia Padilha, tranca- rua, lavadeira, ajunta-cisco, mulambinho, sete facadas, arrebata tudo, lcifer, rei da caganeira, lasca e banda, Giramundo, Z pilantra, dona sete, exu farrapo, nega de um peito s, esfarrapado. 86 O filme Advogado do Diabo revela essa face com muita clareza. 71 Bacon, Montaigne, Descartes, Jean Bodin 87 ) foi um perodo crtico de condenao s fogueiras das mulheres velhas (no somente), como encarnaes demonacas. De acordo com So Boaventura, na Idade Mdia, os demnios so criados por Deus, juntamente com o mundo material. So providos de memria, inteligncia, vontade livre. So espritos sem corpo e imortais. Nunca dormem e nunca cansam. Um nico indivduo pode ser possudo por uma legio. Se na Idade Mdia 88 a crena em bruxas, feitios e na atividades secretas de mulheres (em maior nmero) que confessavam fazer nos Sabbats 89 seus pactos com o demnio, era conhecida. No incio da Idade Moderna, a no crena no diabo era condenada como heresia, indo para as fogueiras alm das mulheres, judeus, catlicos, protestantes e tambm os cticos juzes e magistrados 90 que evitavam a caa as bruxas. Conseqncia da peste negra, das crises, da fome da queda do papel da mulher como curandeira e parteira e o advento da profisso de mdico, o fato que a f na demonologia se tornou mais forte no poca Racional, vindo a ocupar um espao menor posteriormente. O Papa Inocncio VIII reconhece no final do sculo XV a real eficcia da magia em suas bulas e tratados, condenando como herege tanto quem prtica tais atos quanto aqueles que no acreditam na bruxaria. Lutero e Calvino aderiram a essa crena de
87 Segundo Roper (1985:52-53) Jean Bodin acusou Carlos IX de ser um defensor de feiticeiros. Acrescentou um apndice obra de J. Weyer como se fosse criminoso do Diabo. Esse ltimo embora aceitasse a realidade da feitiaria e o mundo platnico dos espritos argumentava que as atividades confessadas( com ou sem tortura!!!) pelas feiticeiras (queimadas em toda a Alemanha) constituam iluses provocadas quer por demnios, quer por doenas. Isso posteriormente deu base Psiquiatria do sculo XIX reafirmando o carter melanclico e histrico das mulheres. 88 Na leitura de Santo Agostinho aparece referncia aos demnios. Sua ligao com os mitos pagos do norte da frica, fermentava sua crena no macaco de Deus, termo que designava o demnio. 89 Reunies de feiticeiras, infiis e pagos em florestas. Crena que em tais cerimnias havia vos noturnos. Utilizavam a simbologia do pentagrama_ estrela de cinco pontas que aparece na testa do demnio (bode com corpo de mulher). 90 Roper (1985: 44) acentua que em 1630 houve uma perseguio em massa. O holocausto foi to grande, juntando-se s velhas os advogados, juzes e clricos. Isto eclodiu numa reavaliao e numa desacelerao nas condenaes a partir dessa data. 72 que a bruxaria era real e Hertica, fundamentando-se na Bblia para legitimar tal perseguio. O papel dos jornais impressos com artigos temticos sobre a bruxaria relataram processos e condenaes. O anticristo aparece no final da Bblia como figura apocalptica. Como poderoso inimigo de Deus nos ltimos dias. Sua figura perdeu a nfase tanto entre catlicos e protestantes a partir do declnio das expectativas apocalpticas e de um certo otimismo csmico, com o advento da Cincia, panacia de todos os males do corpo, o bem estar, o aumento da expectativa mdia de vida. No entanto, segundo Kolakowski (1985: 12) o mal nunca desapareceu das periferias do Cristianismo ou da Literatura ocultista. Lesek Kolakowski, Jaqueline Pitanguy, Trevor Roper, Lus Mott, Eduardo D. B. de Menezes, Alba Zaluar (1985: 132-138) e Otvio Velho (1987: 04-27) analisam as personagens ligadas a presena do mal. Num primeiro momento, os animais (galo, cachorro, drago, serpente, elefante, o bode 91 , leo, corvos, sapos) eram os smbolos da possesso demonaca. No entanto, a personificao da mulher 92 como o outro, inimigo e adversrio na assimetria dos gneros em relao ao poder masculino fez dela um dos primeiros bodes expiatrios no final da Era Medieval. O seu saber curativo e a volta dos pater famlias, o nascimento da medicina enquanto cincia (analisado no trabalho de Pitanguy e Roper principalmente) trouxe a concorrncia entre os gneros. O papel da mulher indubitavelmente ligada as bruxarias, sendo que de 10 pessoas queimadas 9 eram mulheres em mdia pela Santa Inquisio. Lutero e Calvino tambm aceleraram o processo de caa s bruxas, principalmente mulheres. O diabo parece escolh-las, bem como aqueles
91 Papel importante no Sabbat Segundo Kokalowski (1985: 19) 92 Santo Agostinho (Apud Pitanguy, 1985: 31) concebia tanto a alma quanto o corpo masculino como obra de Deus. A alma feminina era divina, no entanto seu corpo era a degenerao do demnio. 73 seres e objetos sob o seu domnio as crianas, a cozinha e seus utenslios. Nos caldeires (ressaltado o imaginrio europeu, que herdamos em parte) surgem receitas e conhecimento de ervas medicinais. Essa ligao do diabo com o universo feminino traduz o perigo da inverso de status onde cada um sabe seu lugar. Reinos feminino e masculino no se misturam. O diabo alm de ser a personificao do mal perigoso no sentido de ser personagem que estabelece o caos e confuses na ordem criada pelos homens detentores do poder. Os demnios acentuando a inverso dos papis, j que so seres com caractersticas masculinas, mas que se apossa das mulheres e de seu universo. Segundo Mauss (1974) se o papel da mulher na religio eclipsado, na Magia ele pelo menos ressaltado. Na literatura, desde os Vedas at a prpria Bblia aparece seu poder marginal, demonaco. Se no nascimento da Idade Moderna os males e ignorncia estavam ligados figura feminina, a luta pelo poder das antigas crenas pags no territrio religioso, filosfico e cientfico levou os racionalistas a queimar o mal personificado nessas crenas irracionais. Queimar , expurgar, virar poeira e cinza todo o iderio medieval. Assim concorria a Era Moderna para afirmar os processos cientficos contra as tolas supersties. 93 O poder era saber e o saber rstico foi deslocado das mulheres para os detentores da verdade e da Luz da cincia moderna. Segundo, Foucault (1979): Admitir que o poder produz saber, que poder e saber esto diretamente implicados, que no h relao de poder sem constituio correlata de um campo de saber, nem saber que no suponha e no constitua, ao mesmo tempo, relaes de poder.
93 Segundo Pedro Cdoba Mopntoya (Apud Ferreti,1999: 126), o termo superstio significava em Roma clarividncia, conhecimento verdadeiro que estava por cima do sujeito que dominava o conhecimento. Com o desprestgio social dos adivinhos a palavra assumiu conotaes pejorativas. 74 O primeiro outro era o diabo incarnado na mulher. Objeto de perseguio inclinada ao mal, as crenas subjetivas das hereges viraram crenas objetivas dos inquisidores que as perseguiam em primeiro lugar. No entanto, pergunto: nessas relaes e na atribuio do mal como adversrio outras personagens entram nesse contexto? A figura da mulher como adversrio (Sat) na Idade Mdia e no Incio da Era Moderna cedem lugar a outros personagens que no imaginrio brasileiro personalizam o mal os negros e os pobres. A pesquisa do Novo Nascimento (Fernandes, 1998 :23) quantifica o nmero de negros e pobres como 60 % dos adeptos IURD, afirmando que cresce tambm nos extratos da classe mdia. Essa percentagem altssima sugere uma hiptese que analisarei no final desta primeira parte. Alm dos negros e pobres, a mulher (membro e obreira) compe 81 % (Op. Cit.: 90) dos fiis iurdianos. A Universal no enfatiza o aspecto congregacional e tem na possesso e no alto ndice de presena nos cultos e exorcismo e cura uma caracterstica marcante. Na Universal a cura e os benefcios materiais so de 69 % contra 17 % de bnos espirituais e 7% de bnos familiares. Esse aspecto vai contra a caracterstica congregacional, a participao nos cultos dominicais, a participao dos membros das decises eclesiais tpicas da Assemblia de Deus e do Protestantismo histrico. Se mulheres, negros e pobres so a maioria na IURD vejo nisso uma ligao com as prticas adotadas no meio iurdiano, como reflexo dessa religio tendo no seu seio uma populao marginal: sua nfase na riqueza e nos atributos materiais faz sucesso entre a classe mdia. Entretanto, o que me interessa a resignificao de prticas e crenas do imaginrio afro brasileiro que passam a transitar nas igrejas neopentecostais, sobretudo na IURD. A qual gnero atribuem Carneiro (1991) e Bastide (1978) ser mais 75 forte a sua presena no Candombl? Ambos afirmam ser um ofcio de mulher, em sua grande parte. Macedo (2000) corrobora tal anlise dedicando seu livro orixs, caboclos, guias deuses ou demnios? a todos pais e mes de santo desse pas. Voltando a anlise do aspecto dual entre entidades do bem e entidades malficas e sua personificao, retomo os trabalhos de Zaluar (1985), Menezes(1985) e de Velho (1987). Zaluar estuda no processo da Amrica quais so os bodes expiatrios. Este aspecto, no entanto parece surgir no Brasil como uma caracterstica s vezes ambgua, nem bem, nem mal, como veremos no papel do exu. No imaginrio popular brasileiro, a figura de Pedro Malasartes, se no ligada literalmente ao exu, sua caracterstica notada nos santos Cosme e Damio 94 cultuados no Candombl como os Ibei (Bastide, 1978: 207) arteiros. Se no houve caa as bruxas (personagens femininas), houve entretanto uma crescente atribuio da violncia aos pobres e marginalizados. Como conseqncia nefasta do processo social os processos acusatrios, as punies executadas com violncia (chacinas) sobre aqueles identificados com a fonte do mal recaem sobre os favelados, negros, negros e pobres, pobres e bandidos. 95 Dos muitos relatos que se referem aos fiis da IURD, temos uma grande parcela do que se chama desviantes ex presidirios, ex prostitutas, ex alcolatras. A converso a IURD parece sugerir uma tentativa de abandonar uma vida de erros por uma vida reta. No entanto, tais pecados, falhas no se ligam a uma conscincia de que seu
94 Na IURD segundo Bonfatti (2000:89) so distribudas as balas ungidas s crianas. Faz-se assim referncia ao culto de Cosme e Damio feito em 27 de Setembro, onde as crianas pedem doces to freqentes no nordeste e sudeste do pas. Em Gois a crena nos gmeos no forte. 95 A Folha Universal possui uma coluna dedicada aos presidirios convertidos. Vi tambm no site da internet wwwlistaiurd.com.br onde aparece o Bispo Macedo encarcerado, lendo a bblia. 76 pecado ser perdoado. Na viso de mundo iurdiana a crena nos seres malficos e viciados a sada para colocar sobre eles todos os atributos negativos. Se os demnios tm caractersticas femininas, aparecem as pombas-giras por significar desvio sexual (por isso dizem dos homossexuais que podem ser curados no exorcismo da dita cuja). Se tem a ferocidade do mal, se tentou ou cometeu um crime, seu aspecto masculino como na possesso do exu-caveira. Segundo Zaluar (1985: 136) os bandidos assumidos devotam-se aos exus que os protegem, no h imposio tica, maniquesta 96 Bem/Mal. Os policiais e a classe mdia encaram os favelados como ladres, na favela no h famlias e deveriam ser colocados no Maracan e serem fuzilados, segundo as falas da classe mdia carioca, na pesquisa feita por Zaluar. Um outro dado se refere a crena nos bandidos como demonacos. Em seu relato Zaluar diz que: Quando Man galinha, devoto da Maria Padilha, mulher de exu, deixou de usar o patu- uma bala o acertou, o pai crente reinterpretou o acontecido atribuindo um lugar ao diabo que no conseguiu proteger o seus.
96 Segundo Kolakowski (1985:9-10) ,O profeta Mani viveu na Prsia no sculo III. A crena em suas idias era difundida desde o Norte da frica at a China. Seus seguidores foram perseguidos pelos Zzoroastrianos, pelos cristos e chineses. Sua idias sobreviveram at o sculo X, ressurgindo em algumas seitas medievais (amantes de Deus e Ctaros). Segundo Mani, a luta entre o Reino da Luz X Trevas cada qual com seus anjos teria a vitria final da Luz e o retorno de Jesus Cristo. A guerra permeia tudo que existe: em cada pessoa humana, as foras da luz enfrentam as foras diablicas que se ancoram nos elementos naturais e que se expressam no dio e no desejo carnal. Nossa salvao consiste, pois, na resistncia s presses da matria_ princpio de uma moral asctica em todas as esferas da vida terrestre (sexo, nutrio, bens materiais). No maniquesmo, ao contrrio da antiga mitologia iraniana, o Deus da Luz e o Prncipe das Trevas no eram gmeos nascidos de um mesmo Deus primordial quanto o Reino da Luz; e esses dois personagens da crena maniquesta no eram compatveis com a doutrina crist predominante. Em primeiro lugar, atribua-se ao mundo demonaco uma posio independente to primordial quanto o Reino da Luz; no se admitia, portanto que a totalidade do ser fosse obra de um nico e bom criador, questionando-se ento a onipotncia e a infinitude divinas. (...) Ademais, os maniquestas entregavam todo o mundo material ao controle dos demnios. O corpo, enquanto tal (diferentemente da concepo de Zoroastro e do Cristianismo Ocidental), pertencia esfera do mal, o que implicava negar a encarnao de Jesus Cristo. Na polmica crist, da qual participou Santo Agostinho foram estes os principais pontos crticos. 77 Zaluar (Op. Cit.), segue em seu relato O Diabo em Belndia, afirmando que essa crena nos exus atinge os prprios policiais. Em nota do Jornal O Dia , (18/09/74): um investigador de polcia, aps ter morto um bandido que carregava um patu com orao ao diabo, tendo o tiro atravessado o patu, sentiu-se mal e morre. Acreditava que, por ter atingido o patu, teria que pagar por isso. O diabo, protetor do bandido iria ving- lo. Notei na referncia ao demnio como outro- pobre-preto ainda em duas anlises. Velho (1987: 04-27) caracteriza o papel do cativeiro (expresso da Amaznia e do Nordeste) que se refere a falta de liberdade e a adequao com esse termo com os temores atuais. O cativeiro paira sobre os viventes no campo e na cidade. Algumas figuras so fortemente ligadas ao mal, segundo Velho no imaginrio popular: O que parece existir a percepo de um mal tenebroso csmico, por assim dizer, mas que semelhantemente existem figuras que funcionam simbolicamente como representaes internas, privilegiadas do mal_ o preto e a mulher. Quero fazer um paralelo nesse sentido: se na Modernidade, com o advento da Cincia houve a decadncia do Mal personificado, numa sensao de otimismo csmico. Por outro lado, estaramos vivenciando atualmente o pessimismo csmico como acentuou Birman (1984)? Tenderamos a enfocar atualmente nos demnios a causa dos males? Negros, pobres, mulheres querem se ver livres das influncias demonacas que encarnariam de acordo com a estrutura cultural? A IURD seria o palco para tal exorcismo principalmente desses grupos? Segundo Velho (Op. Cit.) em suas anlises corroboradas pelas de Luiz Mott (1985: 64-90) sobre os poucos processos inquisitrios que atingiram o Brasil, o preconceito racial foi corroborado pela m inclinao do corao endurecido e ao 78 negrume de pele do etope. Paul Ricoeur (Apud Velho, 1985:10), v a percepo do preconceito racial sempre ligada a figura da raa degenerada africana, descendente dos filhos de Cam, filho amaldioado de No que habitou a frica aps o dilvio. Os versculos de Jeremias 13,23 trazem um reforo a essa idia: Pode um etope mudar a sua pele? Um leopardo as suas pintas? Podeis vs, tambm fazer, o bem, Vs que estais acostumados ao mal? (A Bblia de Jerusalm). Mott (1985: 72) 97 em seu trabalho sobre a Etnodemonologia do diabo recorre ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisio de Lisboa n11.7676 e traz o relato de Jos Francisco Pereira, 25 anos, africano da costa de Jud, escravo em Minas Gerais que fora preso vendendo mandingas em Lisboa. O demnio aparecia-lhe em figura de homem branco agigantado, com os ps de cabra, pata, ou de lebre; quando vinha em figura de mulher tinha os ps revirados para trs. (...). s vezes bem parecida, outras vezes mais feia, sempre de cor branca, s vezes mais moa, outras vezes mais velha, sempre bem trajada e composta. (GRIFO MEU). Menezes (1985: 106) faz um quadro, que chamo arquetipal sobre a figura do demnio e analisado sob as letras de cordel. Tal autor diz que: Na verdade, o demnio ocupa as regies obscuras do inconsciente, do medo, do mistrio, do terror. Da as suas caractersticas mais comuns: soturno, sombrio, terrvel, escuro, negro etc. E como ele constitui o grande adversrio de Deus, nasce da o sistema de oposies que delimita parcialmente os horizontes culturais dentro dos quais se produz a literatura de cordel:
97 Mott (Op. Cit. Pp. 66) analisa as relaes sexuais entre os demnios e os seres humanos. Os demnios heterossexuais: como incubo (por cima diabo se relaciona com mulher, as feiticeiras eram incubas) e scubo (por baixo- homem se relaciona com o diabo, na forma de mulher, os feiticeiros eram sucubus). Homossexuais: lsbica e sodomia agente. Entretanto, Koakowski (1985) afirma que o diabo tem caractersticas masculinas. Roper (1985:42) fala que at mesmo o diabo abomina o vcio desnaturado. 79 ________________ __________________ DEUS X DIABO ________________ ___________________ Distanciamento Proximidade Luz Trevas Bondade Maldade Claro Escuro Branco Preto Riqueza Pobreza Coragem Covardia Lealdade Traio Amor dio Proteo Tentao Converso Seduo Altitude Profundidade Superior Inferior CU X INFERNO Colocaria ainda Homem X Mulher. Segundo, Velho o quadro arquetipal ficaria da seguinte forma: ________________ __________________ Homem Mulher ________________ ___________________ Externo Interno Puro Impuro Branco Preto No entanto, tal quadro no visa caracterizar as oposies entre ns X outros de uma forma dual. J expus que o carter ambguo de exu e das personagens do panteo afro brasileiro que aparecem como o mal, obedecem ainda no meio iurdiano a uma certa hierarquia. E qualquer atitude ambgua (morte, roubo, vcio, prostituio, homossexulaismo) encarada como fora dessas entidades. Porm o ambguo vai para a pessoa que carrega tal entidade, e essas carregam o peso do mal, perdendo a luta dos lados opostos. Na prxima parte, temos a anlise da guerra espiritual aps termos descrito a personagem, em suas mltiplas facetas do lado do mal. 80 Essa guerra nunca ter fim?! Respondo que pelo menos no meio iurdiano ela tende a permanecer por muito tempo. Alis eu quase achei que sim. Em um dos cultos de queima de maldio das sextas na IURD, um dos membros que estava ao meu lado, aps duas horas e quarenta e cinco minutos que o Bispo tentava queimar a entidade exu caveira que possua o copo de uma jovem, ela falou acho que ele t perdendo tempo demais com o capeta. Apreenso talvez de que se o lado perdedor ganhasse toda a dualidade Bem X Mal no seria mais justificada na guerra espiritual iurdiana. Mas isso no aconteceu claro. como se os mouros ganhassem nas Cavalhadas, mesmo que participssemos de uma certa simpatia com a cor vermelha, ou se tivssemos parentes fantasiados de mouros. Os cristos sempre ganham, mas precisamos dos mouros para a batalha. Na IURD a ao do Esprito Santo faz Bispo, pastores e obreiras auxiliarem na libertao dos demnios, mas precisam deles para contar as histrias pessoais, as batalhas bblicas e a luta diria contra as perversidade do cotidiano. O Mal no vence na IURD, mas seu papel no relegado ao segundo plano. Ele chamado, nomeado, queimado. Por que a necessidade de se conhecer o compadre que possu tal membro? A resposta justamente porque teriam contato dirio com esses seres. No podemos deixar que dominem, mas a crena em sua existncia e (presena no quotidiano) to forte, quanto a crena no poder Divino, que o mais poderoso de todos. Segundo Bastide (1974: 180) Exu compadre, tem uma certa familiaridade no Candombl que no seria compreensvel se Exu representasse somente as foras hostis ao homem. Na IURD ele representa mesmo o mal. Um mal relativo, no prprio exorcismo 81 ele humilhado, fica de joelho. O que no seria possvel se representasse a crena no mal absoluto. Segundo Birman (1997: 65-66) h um jogo de luz e sombra na caracterizao do mal como relativo no plano iurdiano e no como absoluto: Pocok (1994), referindo-se concepo inglesa do mal, afirma que a maioria d sentido a esta categoria atravs da idia de monstruosidade, de algo inumano e, neste sentido, de algo no campo extraordinrio. (...). No caso a que estamos referidos, o neopentecostalismo contemporneo, o mal, diramos, pouco mencionado enquanto mal absoluto e, ao inverso da situao inglesa, extremamente presente enquanto mal relativo. O que importa o malefcio e a sua lgica, que so sempre explicveis e compreensveis do ponto de vista da cosmologia; ao contrrio do monstruoso e do hediondo, que escapariam de qualquer sistema explicativo. Em se analisando o extrato populacional que preenche a IURD vemos os desprotegidos, pretos e pobres como membros. Ex presidirios, mes e pais de santo, ex prostitutas como obreiros, auxiliando os pastores. Pastores e bispos vindos tambm desse pot pourri cultural compartilham crenas e reinterpretam o papel de orixs, e exus como malficos. No que tange ao primeiro grupo, na escala hierrquica do mal, nunca ouvi, li ou vivenciei em trabalho de campo que tivessem sido chamados para serem expurgados. Quando nomeiam as entidades o panteo sincrtico afro brasileiro separa em estratos hierrquicos os orixs em primeiro, vindo a compor caboclos, preto-velhos o cume da hierarquia. Na camada inferior vm os exus e as pombas giras. Tal estratificao ser explicada por D.N daqui a pouco. Gostaria, primeiramente de analisar como ocorre a ao 98 dos demnios. Em segundo quem so eles. Em terceiro, os relatos e como aparecem e suas caractersticas .
98 Algumas pessoas de classe mdia no relacionam a possesso propriamente dita. Caracterizam os sintomas, como angstia, depresso e na IURD so interpretados como influncia maligna. Ver Birman (1984). 82 Segundo Macedo (2000: 44-49) 99 existem vrias formas dos demnios se apoderarem das pessoas: Primeiro: por hereditariedade, o fato da pessoa sentir uma opresso demonaca no necessariamente a liga com centros espritas. Ela pode no ter ido, mas o esprito foi o senhor do corpo do pai ou da me dessa pessoa : H casos de demnios que perseguem vrias geraes. Por essa razo, quando estou libertando pessoas possessas, sempre pergunto se tem algum na famlia que freqenta ou freqentou centros espritas. J afirmamos anteriormente que os demnios vivem procura de corpos para se expressar atravs deles. (...) Por isso quase sempre os entes queridos, por possurem certa afinidade com a pessoa que morreu, so os primeiros da lista a ser escolhido para nova habitao dos demnios. Segundo: pela participao direta ou indireta em centros espritas. Segundo Macedo, quando algum visita um lugar infestado de demnios, corre o risco de sair contaminado tambm, a menos que esteja preparado para tal: Os demnios ficam ansiosos para entrar em um corpo e quando algum cai na tolice de ir a um centro, onde ele esto fazendo suas chamadas, na certa ficar enredado com um ou mais deles. Terceiro: por trabalhos ou despachos. O despacho , ou trabalho feito em nome de uma pessoa que no tem o Esprito Santo na sua vida, ter resultados malficos. Milhares de pessoas que vm a IURD so vtima de macumba feita por amantes de seus cnjuges: Quando tais pessoas nos procuram, basta uma orao em nome de Jesus Cristo, para que o demnio se manifeste e confesse seu propsito maligno. Nesses casos, eles so expulsos e todo o trabalho desfeito para honra e glria do nome de Jesus. Quarto: por maldade dos prprios demnios Macedo relata que uma mulher perdeu o filho que tinha dezessete anos. O rapaz ao passar por uma encruzilhada
99 Ele mesmo afirma ter freqentado um centro de Umbanda antes de ser coverter. 83 deu um pontap nos despachos. Macedo afirma que muitos acidentes automobilsticos acontecem em encruzilhadas. Existem os demnios que se dizem responsveis pelas encruzilhadas e vivem a espreita de quem por ali passe para penetrar naquele corpo e dele se apossar. Quinto: por envolvimento com pessoas que praticam o espiritismo_ Segundo Macedo h pessoas que vivem carregadas com os espritos e com um simples contato com a outra os transmitem. Quando criana foram levadas a uma rezadeira para curar o que popularmente chamado: quebranto, mau olhado. Quando adultos apesar de no terem ido a centros espritas, o fizeram na infncia: Dessa maneira tiveram suas vidas oferecidas a esse ou aquele demnio que passa a perturb-los e os acompanha, se possvel, at a morte. Uma rezinha aqui, outra acol, e a me da criana tambm ... Quando pensa que no a criana j est oferecida aos demnios. Torna-se adulta e quando vai ver, j no mais um demnio, mas uma legio que se est apossando da pessoa. No relato de M.C ocorre o contato do leo ungido com as roupas que ela iria vender na feira. Nesse caso, na IURD as fontes negativas do contgio com o mal (decrscimo nas vendas) so invertidas com uno das roupas confeccionadas e que provavelmente sero todas vendidas na feira, aumentando o to esperado lucro de M.C. Sexto: por comidas sacrificadas a dolos. Macedo relata a histria de um senhor que sofria do estmago h 10 anos e alia o sofrimento deste homem a ingesto de comidas vendidas pelas baianas. Estas seriam oferecidas as entidades: Quase todas essas baianas so filhas de santo ou mes de santo que trabalham a comida para terem boa venda. Algumas pessoas chegam a vomitar as coisas que comeram, mesmo que isso tenha sido h muito tempo. 84 Stimo: por Rejeitarem a Cristo. Macedo afirmar que h um escolha, ou o bem ou o mal: Quando uma pessoa no uso de suas faculdades rejeita a Cristo, no querendo a Sua proteo e no se colocando sob Suas mos para receber as Suas promessas, est colocando a sua vida, quer acredite nisso, quer no, disposio de satans e seus anjos. Essa ao demonaca, garante a viso de mundo iurdiana, trazem malefcios graves que so a saber: Nervosismo 100 , dores de cabea constantes, insnia, medo, desmaios ou ataques, desejo de suicdio, doenas que os mdicos no descobrem as causas, vises de vultos ou audies de vozes, vcios, depresso. Os relatos que vm a seguir analisam tais aparies e reforam a crena da responsabilidade dos males atribuda aos demnios. M.C estava afastada da igreja e sua volta deve-se a um sonho do marido. Nota-se a referncia ao demnio feminino: - Mas a eu me afastei tambm da igreja no final do ano passado eu me afastei da igreja porque no tinha tempo de ir igreja. Eu trabalhava quase que vinte quatro horas. Depois que eu me afastei ficou super difcil eu retornar a at que esses dias .. a .. meu marido teve um.. ele j falava M.C voc t afastada da igreja voc tem que voltar pr igreja... E falando sempre pr mim e como se diz agora j foi a vez dele n: Voc tem que voltar pr igreja! A esses dias ele teve um sonho horrvel sonhou com o prprio demnio ... sonhou com o prprio demnio .. uma mulher queimando ele com o chifre, falei meu deus .. porque eu t afastada da igreja! A eu peguei j voltei
100 Rodrigues & Caroso (1985: 239-240) falam sobre a relao entre os problemas mentais com as surras de caboclos, surra de exus, surra de orixs. 85 imediatamente pr igreja e assim... mas depois que eu fui pr igreja mesmo assim , porque acho que Deus no vira s costas - pr gente e a gente assim .. afasta da igreja, mas a gente no afasta assim... eu no me afastei de vez. M.C, Ela tambm relata contato com o demnio em sua casa, desta vez masculino: - No foram assim coisas invisveis. Visveis mesmo no s na rea financeira, mas na parte espiritual, no meu lar na convivncia com meu esposo, com meus filhos. Sabe igual eu te falo quando eu entrei muitas lutas sabe.. depois que eu me batizei ... eu vi demnios dentro da minha casa. E olha que eu no sou de acreditar nisso. - M.E: Como? - M.C: Assim eu vi .... eu via.... a gente tava ali dormindo n meu quarto ali (aponta para um cmodo prximo cozinha), a foi saindo aquele homem horrvel detrs da porta do meu quarto ...no a antes eu tava vendo ele passar pr l e pr c assim na cozinha n. Ele passou a eu cochilei de novo. No a eu vinha aqui no quarto dos meninos , v-los a tava tudo bem. Tavam todos os dois dormindo. A que eu cochilei de novo ele foi saindo de trs da porta do meu quarto, a com muito esforo eu consegui acordar. A os meninos tavam dormindo n , a na hora que eu cochilei de novo a a minha filha a na hora que eu vi ele tinha passado pr c (aponta para o quarto das crianas prximo a sala onde estvamos).... A passou assim dois minutos a minha filha acorda gritando assustada ... ela tinha o qu? Dois anos ... dois anos e meio ... acorda gritando ... assustada sabe, chorando que tinha bicho, no quarto dela. Sabe ento a coisa tava feia mesmo (risos). Foi depois das libertaes que .... comearam mais a desaparecer totalmente. Depois de fazer muita libertao! A que conversei com o pastor ele fez muita orao eu tambm fiz libertao sabe a acabou. D.N afirma a presena das entidades malficas no somente nos espaos na casa, mas agindo em seus pais e amigos, relata tambm alguns demnios territoriais: - D.N: O que a gente v mais aqui nesse pedao aqui de Goinia cosme e damio, influncia infantil a pessoa de 86 repente veio do centro esprita ou incorporou mesmo esse demnio hereditrio a vai sair distribuindo balinha na rua. Ou quando a possesso demonaca acontecer, vai ficar com a voz infantil. Vai ficar fazendo brincadeira, no vai t nem a, vai ficar saindo correndo no meio do povo, aprontando, sabe? Pedindo doce, fazendo baguna e a? A j tem outros ... os que mais aparecem aqui em Goinia so esses... exu caveira, capa preta eu vim pra mat , eu vim pra mat, eles vem bravo e vem zurrando, dando pancada pra tudo quanto lado. A realidade essa. Como a pessoa fica? A pessoa fica sombria. Fica. A pessoa fica sombria de mau agouro, mau humorada. Fica mesmo. Tem tambm a Maria Mulambo, o esprito do lixo. A pessoa fica lixeira? Fica. Voc veio numa hora boa, semana passada, h dois dias atrs eu fui na casa de uma amiga minha no centro da cidade. L na Avenida Gois. Sabe o que a me dela fez? A me dela tem esse esprito dentro do corpo dela e mais alguns. S quem domina esse esprito- Maria molambo. Esprito de imundice, lixeiro. Esprito vagabundo mesmo. A mulher em trs meses encheu trs quartos de lixo at o teto! Lixo, lixo mesmo, roupa velha, documento de carro, lavagem, tinha de tudo l! Tudo o que voc pensar tinha. Eu at achei latinha de skol, essas coisas assim, e, trouxe pra vender pra ajudar na igreja. Eu fui ajudar a carregar esse lixo, mas quanta coisa! E na hora da orao ela (faz um gesto com a mo para indicar que a mulher tinha escapado). Ela dominada! Completamente dominada! Entendeu? E tem mais gente ... tem mais gente que tem esse tipo de coisa ... que outro exemplo eu posso dar ... O esprito de prostituio ... voc j sabe como n (riso)? a danada! Danada! Safada! Pomba gira... . A j sabe mulher que t safada ... ou a mulher vira sapato ou o homem fica safado ... ou o homem vira homossexual ou gay e a mulher vira lsbica. Pomba gira isso. E a tem o que? Pomba gira da mata. Pomba gira cigana, pomba gira do jardim, pomba gira menina, pomba gira moa, a tem um monte entendeu? rea sexual parece que satans se importa muito! uma rea que ele mexe muito. A ele vai tomar conta dessa rea. A eles vo tomar conta disso s pomba gira. A vai muda o nome cigana. A voc vai descobrir como? A geralmente pomba gira se veste como cigana assim. Quanto aos pais, D.N coloca: - M.E: Se na sua famlia vocs j conheciam essa terminologia sobre os espritos: D.N: J sim. Minha me me converteu. Minha me se converteu e.... me converteu. Antes da converso dela ela era 87 dominada pela pomba gira. Eu no lembro o nome, eu no sei o nome porque ela no conversa sobre isso. Faz muito tempo. Ela era.... O caso dela foi to extraordinrio! Foi assim nos anos 80, 80 e poucos ela tava fazendo coisas que hoje em dia um absurdo! Ela tinha um namorado, namorava com meu pai e tinha um amante. A ela ficou grvida, casou com o meu pai, continuou tendo o amante e o namorado. Entendeu? Minha me era safada. E o meu pai era meio doido tambm. Dominado pelo esprito da preguia o esprito da lama, z pilintra, espiritozinho viciado, preguioso, zepintrintrado (risos). Ele tava dominado. A realidade essa. A minha me aconteceu o que? Com a converso dela ela foi liberta. Eu num sei como foi a converso dela porque ela num comenta. Eu num sei se ela ficou possuda. Na possuio ela no fica consciente. Geralmente no n. Se for uma possuio completa ela num fica consciente. A que t. Ela se converteu e meu pai se converteu h uns quatro anos atrs. Ela sofreu na mdia de uns 8 anos. Era trancada dentro de casa, apanhava, tinha revelaes com relao ao meu pai, orava por ele. A que est quanto mais ela ia se fortificando o esprito dela. Quanto mais ela ia se fortificando. Pedindo a Deus. Tornando o esprito dela forte. O que ela ia fazendo? A vitria dela ia chegando mais rpido. Se ela num tivesse se fortificado, meu pai no tinha se convertido. Hoje meu pai convertido um dicono. Minha me uma diaconisa. M.R afirma no tocante s legies de demnios justificando a presena e a necessidade de legitimar o ritual: - Maria Emlia: Quando eu fui na Sexta passada, o pastor Jorge Santana falou alguns nomes de demnios ? - M.R: De demnios? Eles tem vrios nomes, cada cabea tem sete, por exemplo se aparece a pomba-gira, ela tem a rainha e mais sete que trabalham junto com ela. O exu caveira tem sete que trabalham com ele 101 . Quando voc escutar manifeste o mais forte, o cabea ele aquele que na hora do trabalho, l no centro eles fizeram a cabea, tomaram banho no sangue do
101 Segundo Herder (1990: 183) o nmero setes tem o seguinte significado_ a juno do cu (nmero trs, a trade divina arquetipal) e da terra (nmero quatro). Para os babilnios, havia tambm sete males, um grupo de sete demnios que quase sempre aparecem juntos. So sete o nmero de cabeas da Besta do Apocalipse. Segundo Eliade (1998: 303), A identificao da rvore Csmica de sete galhos com os sete Cus planetrios deve-se certamente a influncias de origem mesopotmica. 88 bode, tomaram banho com ervas, e fizeram um pacto com aquela entidade. Ento, aquela entidade reina sobre aquela pessoa , mas reina destruindo a vida dela e a vida da famlia dela. Essa entidade amarra ela ento nada pr ela d certo. O pastor, neste caso, ora e pede que se manifeste o cabea, manifestando-se o cabea o pastor ora e expulsa-o porque ele est comandando aquela cabea. Nas outras igrejas eu no sabia disso e l eu aprendi a tirar isso. E voc tem que correr do diabo, ou melhor, voc tem que por o diabo pr correr de voc e no voc correr dele. Antigamente eu corria dele e no assim ... voc que tem que por ele pr correr porque a bblia fala Resisti ao diabo e ele fugir de vs . L que eu aprendi isso a. Por isso que existe essa polmica das outras igreja com a Universal . A universal ensina os membros a serem libertos , ela ensina-os a ter f, a ter prosperidade. Ensina a pessoa a ser liberta em todas as reas porque os exu , como eu j te disse agem em todas as reas da pessoa ... : s vezes eles param de agir na vida sentimental, mas ele est agindo na familiar, na econmica. Eles podem estar agindo numa rea e voc no sabe, por isso a importncia de voc fazer a quebra de maldio que a corrente da sexta-feira e fazer a libertao. Sem isso impossvel voc ser uma pessoa prspera. s vezes mesmo a pessoa entregando o dzimo voc tem que ter a libertao e no pode ser parcial tem que ser total. D.N reafirma no tocante as legies, o seguinte: (...)A ele pegou e manifestou e o pastor ordenou que ele falasse o nome dele e ele no mentiu e falou meu nome z pilintra, z piliintra e mais sete encruzilhadas. Sabe o que isto n? Sete encruzilhadas so mais sete que vm com ele. Investigando a nomenclatura sobre os demnios temos na literatura afro brasileira uma extensa lista dessas legies, reforando o policentrismo do mal: Rodrigues & Caroso (1999) reforam este aspecto relatando os exus em sua caracterstica trickster (vingativo/palhao) como ressalta D.N demnio safado, z pilintrado. M.C tambm o coloca como aquele que impede uma vida sem vcio, atribuindo a essa entidade a caracterstica de impedir (pelo vcio do cigarro) o seu batismo com o Esprito Santo. Maria Molambo, como salienta D.N o esprito da baguna, preguia. 89 Patrcia Guimares (1997: 55), em seu estudo sobre a IURD no Rio de Janeiro aumenta a listagem sobre a pomba-gira com adjetivo Dona Sete Lira e Vov Catarina, entidades da Macumba. Waldo Cesar (1994: 112-122) salienta a onipresena dos demnios em casa, na rua. Colocando a nfase nos chamados demnios territoriais. D.N faz essa classificao: - D.N: Eu vou falar uma que super comum n? O que eu tenho visto, o que tem dominado o Brasil o esprito da Bahia, Iemanj. Tem novelas que so oferecidas... , a fama dela conhecida no Brasil inteiro por qu? Porque um esprito de grande fora, entendeu? Ele pode Ter outro nome? Pode. O que eu relacionei melhor foi o deus da mitologia grega Possidon porque na mitologia grega eles encaram ele como poderoso e aqui no Brasil a mesma coisa, essa juno assim. Outro nomes que se referem aos demnios ligados a terminologia popular so retomados de Guimares Rosa por Bonfatti (2000: 104), alguns so citados na Igreja Universal: "o Tal, o Arrenegado, o Cramulho, o Indivduo, o Coxo, o Temba, o Azarape, o Coisa-Ruim, o Mafarro, o P-Preto, o Canho, o Duba-Dub, o Rapaz, o Tristonho, o No- sei-que-diga, O-no-sei-que-ri, o Sem-gracejos [...] o di [...] o Outro. Bonfatti (Op. Cit. Pp.95) tambm cita o Trabalho de Laura de Melo e Souza, O Diabo e a Terra de Santa cruz: feitiaria e religiosidade popular no brasil. Tal autora, diz que os primeiros homens da poca colonial no Brasil afirmam partilhar da vida cotidiana com diabos, diabinhos e diabretes. Luiz Mott (1985: 80) amplia o rol de entidades demonacas citadas pela religiosidade afro brasileira e pelo catolicismo: Ferrabrs, Maioral, Futrico, Arrenegado. Menezes (1985: 107) corrobora este panteo colocando uma entidade do topo da Hierarquia Lusbel = Lcifer ou Satans. 90 Quanto hierarquia D. N coloca: (...) Sobre os espritos em cima ... no dela mas eles esto por a..... em cima esta a Iemanj que vem arrebentando... depois no meio os exu caveira .... exu da morte... exu sete encruzilhadas... exu sete facadas.. xang .. os xangs todos ... caboclos ... em baixo tem o qu? Vem os preto velhos...mas eles quase num aparecem preto velho, caboclo por aqui no. A mais por baixo vem a pomba gira, o z pilintra, Cosme Damio vem tudo por baixo. - (...). Quando o pastor chamou e conversou com a filha dela e quando chamou, ela confessou que a filha dela morreu no tero. Posteriormente, logicamente se descobre que os outros seis foram matados em seis geraes atrs ou foi uma mentira, entendeu? A a filha tava chorando tava chocada com a situao e ele mandou que ele (diabo) retornasse. A ele retornou, e j num foi ele que controlou mais a situao. Foi ele e mais o cabea da sete encruzilhadas. O cabea o demnio mais poderoso que t dominando os outros. Deixa eu entrar em outro ponto? Por experincia... - M.E: Esse que esto sendo dominados tm nome? - D.N: Deixa eu ver se me lembro o nome deles....acho que ele era o capa preta .. no acho que no era o capa preta no. Era o sete capas, seta capas, sete caveiras esses dois que estavam assim naquele impasse assim um domina, o outro domina. Os outros assim s no cantinho l dentro, mas no cantinho porque eles num tinham poder pra guerrear um com o outro. Porque eu vejo assim Deus falou que o reino dividido no subsiste? Jesus falou isso em Mateus quem pode ir contra? Jesus no pecou, Jesus no errou o alvo ento foi verdade pura. Jesus no mente. S que a voc vai analisar por experincia prpria... - M.E: .. voc estava falando antes sobre a experincia. - D.N: .... Um reino dividido no subsiste. Quem rege o reino maligno? Satans. Ele tem um projeto e o projeto dele num pode mudar porque poder igual ele nenhuma tem. Inclusive se a gente for enfrentar uma possesso com satans em pessoa dentro de um corpo a vai ter trabalho! Vai ter trabalho por muito tempo. Porque um ser poderoso, muito poderoso. Um ser que quase derrota anjos. o exemplo de quando o anjo Gabriel foi levar a resposta pra Daniel que o Prncipe da Prsia, o Prncipe da Prsia o prprio Satans. O prprio Satans deteve ele por 21 dias. Gabriel no perdeu. Satans tinha mais poder que ele. Gabriel no perdeu porque tem a proteo divina, a proteo do sagrado. Um influncia, uma fora que o Esprito Santo como o Edir Macedo diz uma fora. Essa fora no permitiu que ele fosse derrotado. Mas se deixasse eles lutariam l at hoje. O que Deus fez? Deus mandou o arcanjo Miguel que representado 91 como Jesus Cristo no Antigo testamento. Jesus vence Satans, por isso o arcanjo Miguel chegou , seria um igual ... a Gabriel passou. a mesma coisa Satans domina o reino maligno, certo? Satans ele tem o que? Ele o cabea do reino maligno, vamos fazer assim como uma escala a pomba gira l no fundo (risos) tudo quanto banda tem .. pomba gira a vem Cosme damio, z pilintra tudo l no mesmo buraco a vem aqueles mais forte , que eu j li sobre eles, mas nunca tive experincia com eles aqui pelos lados de Goinia no to infestado assim no. Aqui no tem demnio muito poderoso assim no! Manxan, Nixan aqueles mais fortes que dominavam o satanismo.... que tinham contato direto com satans, porque Satans tem generais, os generais tem generais mais generais, entendeu? Os generais so submissos a Satans, se um general vai contra a vontade de Satans .. um general num tem coragem de fazer isso porque esse general vai ser torturado por ele. A tortura como na Universal se fala vou te queimar demnio! Aquilo real. Um esprito pode queimado, pode ser fulminado. Ele num morre, mas ele pode sofre dores terrveis assim como os seres humanos, entendeu? Aqui que t a coisa se l na hora o capeta tava dominando, se um esprito mais fraco tenta dominar ele, ele vai ser o qu? Ele vai ser ferido pelo mais forte. Ele vai ser torturado pelo mais forte. Ele vai sofrer dores. A o que vai forar ele? Vai forar ele a correr. A ficar num cantinho. Eles sabe assumir a posio dele diante de um ... um demnio mais fraco sabe assumir a sua posio diante de um mais forte. No tem erro ... egosta, presunoso, mentiroso, vagabundo. Mas na hora que chegou o mais forte ... Ah! Treme as bases tudo no tem jeito! Ou corre ou encuba ou vai pra um canto ou luta e torturado. A realidade essa, entendeu? Zaluar (1985: 144) faz uma separao quanto ao Diabo, o Mefisto europeu e o exu macumbeiro e preto. Bastide (1978: 162-163), ressalta a ambigidade de exu em seu elemento de brincadeiras que se transforma em diabo mesmo no imaginrio popular. O Grotesco, o humor, as galhofas e o temor se misturam no exorcismo como examinarei no final do captulo. Saliento que na guerra espiritual os demnios nesta viso de mundo iurdiana so personagens conhecidas, compadres que atrapalham o cotidiano dos fiis: a sade, os negcios, a vida sentimental. 92 No tocante a afirmao de que os membros iurdianos caminham para uma tica racional, Mariz (1997: 53) retoma Weber(1991: 294) dizendo: No caso de represso de um culto por um poder secular ou sacerdotal a favor de uma religio nova, os antigos deuses continuam existindo como demnios. O papel dos demnios para Mariz tornar a religio moral. H condenao, H o bem e o mal. Para essa autora a eficcia mgica no o mais importante nesta f. Deus , antes de tudo, um ser moral. A a magia ganha um contedo tico e a tica ganha um poder mgico. Essa pesquisa tende a demonstrar o caminho inverso. verdade que aps a mudana da queima dos demnios, o indivduo iurdiano transforma a sua vida para um caminho reto. Entretanto a centralidade das reunies e o papel onipresente do diabo no dia a dia do membro torna-a um religio povoada de espritos e elementos mgicos contra tais influncias. Isso torna a Universal, uma expresso religiosa mais mgica do que tica. No que se refere a idia de Weber explorada por Mariz, os antigos deuses se transformam em demnios na nova religio. Essa, entretanto, deve ser contextualizada. No caso do Judasmo, o deus Baal torna-se demnio, entretanto os cultos judaicos no se centralizaram nele, sua expulso e referncia constante aos males causados. Essa mudana de direcionamento e enfoque acontece ,por sua vez na IURD. Birman (1997: 62) retoma a anlise de Joana Overing colocando que no h porque conceber religio como o sistema tico por excelncia, em oposio cosmologia, lugar do mal sem culpa, associado a ritualismos mgicos. 93 Se retiramos o elemento no racional 102 da IURD (as possesses controladas, o contato pessoal com as entidades, o gestual) ela se descaracterizar. Justamente porque essa expresso pentecostal vive da experincia passada dos fiis (oprimidos socialmente) 103 com as entidades e de uma certeza na prosperidade futura do indivduo que se racionaliza na igreja. Mas no perde a referncia de sua cultura matriz o campo simblico afro brasileiro que a ambigidade do campo iurdiano refora, respeita, nomeia queimando as entidades demonacas. Se os sofrimentos vm dos demnios e a bem aventurana de Deus enquanto ambas estiverem no caminho do fiel iurdiano essa guerra no ter fim. Nos prximos captulos pretendo demonstrar os componentes do ritual: como os iurdianos contam o tempo, o que significa a sexta feira, como a noo de pessoa dentro desse contexto. A partir da verifico como possibilidade a passagem , o trnsito das religies do panteo afro brasileiro para a IURD na descrio do que ser chamada a memria por tabela. A memria coletiva passa do universo afro brasileiro para o iurdiano. Esse ltimo, reincorpora smbolos da religio de raiz que se tornam o prprio alvo da guerra espiritual.
102 Alis os termos racional, irracional, e as diferenas entre cincia, magia e religio So criticados por Tambiah (1990:2) como categorias de anlise ocidentais, tendenciosas e por isso mesmo questionveis. 103 Menezes (1985: 109,115) aponta que o contato do pobre com o diabo (exus) nos pactos onde solicita o seu pedido- financeiro, emocional, a recuperao da sade. Se o velho e bom deus (segundo Seligmamm Apud Mott, 1985) parece estar distante, o diabo por sua vez moderno e atende aos pedidos, mas solicita em dobro. A quebra dessa aliana o que se pede na IURD, substituindo pactos, pela reciprocidade com Deus. 94 CAPTULO DOIS DAS CATEGORIAS DE ENTENDIMENTO 95 O TEMPO: Mil horas em uma. (ou duas.....) As categorias de entendimento aristotlicas estudadas por Durkheim (1990) e por Durkheim e Mauss (1981) so as noes essenciais em que os seres humanos identificam o seu tempo, espao, a noo que tem de si mesmos, o gnero, nmero, causa, substncia, personalidade. Tempo, espao, pessoa no seriam para esses autores categorias apriorsticas e sim os quadros slidos que encerram o pensamento, sendo um produto nascido da religio. De acordo com Durkheim e Mauss (1981: 401): No somente entre signo e objeto, o nome e a pessoa, os lugares e os habitantes, h uma indiferenciao completa, (...). de boa f que um bororo imagina ser uma arara; ao menos se no deve assumir sua forma caracterstica a no ser depois da morte, j a partir desta vida ele para o animal aquilo que a lagarta para a borboleta. Calendrios, espaos e a noo do self engendram nos quadros atuais de organizao do mundo referncias tambm religiosas. Resgatar aqui as obras tradicionais da Antropologia dizer que seus paradigmas so flexveis e podem ser tomados desde o evolucionismo (pelo esta disciplina nasceu) at a Hermenutica Cultural do Geertzismo desenfreado!. Dias da semana decorrem entre o chronos e o kairs. Os primeiro, saliento aqui a tomada do tempo em sua contagem (profana?) e o kairs 104 a contagem percebida no momento ritual no espao pblico (sagrado) e at mesmo nos espaos profanos que o ritual sacraliza (a uno com leo de uma casa, por exemplo). Como falarei sobre o tempo, em primeiro lugar, gostaria de salientar a anlise de Bachelard (1994) no tocante a noo de
104 Ver Cesar, Waldo (1994: 119). O Esprito usa essa qualidade particular do tempo quantitativo do calendrio- o chronos para estabelecer o Kairs a plenitude do tempo. 96 ritmo como noo temporal fundamental. Tal autor retoma de Pinheiro dos Santos o conceito de rythmmanlise. A vida seria contada em um sistema de instantes. Bachelard (1994:8) diz que: longe de os ritmos serem necessariamente fundados numa base temporal bem uniforme e regular, os fenmenos da durao que so construdos com ritmos. O ritmo na IURD dado atravs do fenmeno do contato com os espritos (em seu momento de expulso). O ritual de libertao de demnios faz do tempo um continum que vai do momento presente ao passado mtico. Os objetos sacralizados os amuletos verbais e mesmo a bblia funcionam como os intermedirios mgico-prticos deste universo de libertao entre o antes (fracasso, derrota) e o depois (a vitria). Trechos da histria de vida dos membros iurdianos salientam este carter que, no entanto, no visa uma separao rgida estrutural, dicotmica. Tendo em vista que a crena nos demnios realimenta um estado de viglia constante na observncia das normas institudas dentro da igreja. Trechos da bblia utilizados como referncia ao tempo mtico (O Livro de J, As passagens da viva em Elias, Moiss, As curas dos endemoniados no N.T, assim por diante) so sedimentadas no tempo presente e os personagens revividos como smbolos de significados traduzidos em luta, coragem, perseverana revestimento de poder para o membro iurdiano. O tempo presente acompanha um ritmo descompassado violncia, pobreza, separaes familiares so entendidas tanto no presente quanto no passado como um desafio constante na luta contra o mal figura presente deste continum, no passado entre as personagens bblicas, no presente na luta cotidiana do indivduo e no futuro (distante) no dia do Juzo final. A universal, entretanto, no utiliza esta preocupao com a escatologia do fim do mundo refere-se mais ao aqui/ agora do instante na libertao, na cura, nos 97 efeitos que a batalha da f pessoal consegue obter- a experincia prxima da vitria e uma menor preocupao com o dia do juzo do fim dos tempos. O esquema que vem a seguir mostra a noo do tempo para o fiel iurdiano: Deixo Deixo que as falas nas histrias de vida analisadas venham corroborar esta tentativa de interpretao. Primeiro enfatizo o continum entre o depois e o agora do momento da converso. Em segundo lugar, coloco os discursos sobre a freqncia iurdiana nas reunies e a caracterstica diuturna como enfatizou Rolim (1994: 12-17) dessa nova vertente pentecostal No dizer de meus entrevistados 105 h uma noo bsica: a utilizao dos excertos bblicos do passado contextualizados na explicao dos infortnios do hoje com base a um reforo para a mudana imediata deste status quo de pobreza, doena, separaes de toda ordem.
105 As informaes sobre estes constam do anexo: R. B (casado 37 anos, trabalha na Record, morador do Setor Itatiaia). D.M ( 70 anos viva, mora no centro da cidade). M.R (46 anos, massagista, separada, mora na 98 Em segundo, a observncia das campanhas semanais (Campanhas de Israel, por exemplo) como num crculo de trajetria passado-presente-futuro (imediato) na construo da plenitude do tempo no corre e corre das atividades cotidiana. - R.B: ... quer dizer ... igual ... a f ... j se falou a f certeza ... Eu conheo uma pessoa convertida no porque ela est na Igreja todo dia, no porque ela carrega a bblia ela uma pessoa tocada. Isto no mostra o cristo ... . O cristo ele de atitude ele no de palavra. Ele fala, mas ele age ... existem pessoas que dizem: O Senhor meu Pastor, nada me faltar . Falta tudo ! Vivem enganando a si prprias a palavra de Deus. Deus - isso- Deus--aquilo-outro ... . Mas a vida delas ...voc olha .. voc no v ... a f algo louco ... a f ... eu comparo a f como um louco. A f no se baseia no que ns olhamos , no que ns ouvimos ... a f convico . Eu tenho certeza se eu fizer isto vai dar certo! . A eu ... na primeira vez no deu certo, se eu tiver f realmente eu vou adiante , se eu no tiver eu paro al . Eu j fiz ... no deu certo ... : Quer dizer , a f tem que ter perseverana . Eu posso ver na bblia , vrios exemplos de f : O profeta mandou Naaman entrar na gua , quem curou Naaman , foi a gua? No foi a f . Naaman teve que mergulhar sete vezes . Por que Deus ... ? Ento havia muitos rios de gua limpa ... . Por que Deus usou logo o profeta , mandou o profeta pr mergulhar no rio mais sujo daquela cidade? Pr ver a f daquele homem . Pr ver se realmente ele queria ser abenoado. A voc pode ver ... eu j li na bblia ... existem muitas coisas nela que voc ... eu mesmo pensava no comeo Pxa ! Que perguntas indiscretas que Jesus fez!. Aquele Batimeu, aquele cego deu exemplo de f. Todo mundo cercando Jesus e ...aquele homem costumava pedir esmolas , aquele mendigo. Ele escutou e perguntou Que isso ... que alvoroo esse? A algum falou pr ele Jesus. O que ele fez? Ele saltou e era uma multido ... e aquele homem no meio de tanta gente ele conseguiu chamar a ateno de Jesus , por que? Pela coragem! Ele no olhou se podiam chamar ele de louco ... se podiam sorrir dele porque as pessoas muitas vezes no so abenoadas por causa disso: o orgulho que atrapalha a gente ser abenoado. O que ento ele fez?: Jesus Filho de Davi tem misericrdia de mim! A o diabo na mesma hora ... as foras das trevas ... as pessoas que no tem um relacionamento ntimo com Deus: Cala a boca rapaz voc fica atrapalhando o Mestre! Quanto mais ficavam mandando ele calar a boca mais alto ele gritava:
Vila Redeno). H.J (30 anos, casado, morador da Vila Isaura, vendedor ambulante). M.C (30 anos, pequeno empresria, casada, moradora da Vila So Paulo). D.N (15 anos, estudante, morador do Setor universitrio) 99 Jesus Filho de Davi tem misericrdia de mim! Jesus ... a no meio de tanta multido ... Jesus escutou e disse: Tragam ele aqui! Voc pode ver isto em Mateus ... , Joo ... . A os discpulos pegaram ele , pegaram ele , segundo a bblia , at com raiva. Vamos que o Mestre te chama! Vamos Homem enjoado , antiptico! ... - ... (risos) ... - R.B : ... E ele foi at Jesus ... Jesus curou-o de imediato ? Jesus queria ver a reao dele ... ele ... ele demonstrou com os gritos dele que ele tinha f, mas Jesus queria ter certeza que ele tinha f mesmo. A ele virou pr ele e disse: O qu que tu queres que eu te faa? s vezes ... as pessoas inclusive eu mesmo me perguntava : Que perguntas mais indiscretas que Jesus fazia! O homem est na misria! Na desgraa! E Jesus faz uma pergunta dessas! Mas o homem poderia querer um prato de comida ... poderia querer uma esmola ... poderia querer um cobertor ..., ou no ? - Maria Emlia : . - R.B: Foi a que ele mostrou a f, ele falou: Senhor, eu quero ver, eu quero ver! Quer dizer, ele mostrou a f. Ele demonstrou com palavras e atitudes ...(GRIFO MEU). Em mais um relato esta caracterstica da contextualizao do passado no presente pode ser vista atravs de outras histrias contadas. 106 No Dizer de H.J: - H.J: Foi algum desse grupo.. no ... no foi no. As pessoas .. eu mesmo falava aquela igreja l coisa de louco. O que eles fazem l. Achava aquilo l uma loucura. Isso num certo no. A um dia eu fui l ver a coisa completamente diferente num tem nada a ver que o povo fala que a igreja rouba .. obriga o povo ... a bblia pede o tempo inteiro .. as pessoas que num tem coragem de fazer o povo fazer o que est escrito tem medo da pessoa entendeu? Cair. No querer voltar mais. L no tem disso no. Se a pessoa quer .. quer se no quer eles no podem fazer nada. T ali pr ajudar as pessoas .. a pessoa quer . Tem que viver o que est escrito e no ler .. cantar bater palma e ir embora pr casa .. tem que ler e viver o que est escrito. Cantar o que voc vive e no cantar a msica que est escrita l ... tem que cantar aquilo que voc est vivendo louvar aquilo que voc est vivendo no adianta voc cantar p p- p e ir
106 Estas anlises sero retomadas no captulo trs sobre a memria. No entanto, fazendo menos referncia a contagem do tempo como aqui. 100 embora pr casa. Tem que viver aquilo que voc vive. A msica aquilo que voc vive e no aquilo que est escrito ali num papel.. escreveu a msica cantou achou bonito ... emocionou porque ouviu a msica e pronto. Viver aquilo que est escrito que voc cantou. A funo deles essa a. A pessoa tem que .. tem que Ter f e viver aquilo se no nada adianta.. nada adianta. A pessoa t perdendo tempo. (Grifo Meu) Assim podemos ver a referncia bblica naquela separao que propus de incio. Quanto ao aspecto formal uma semelhana com o protestantismo histrico. 107 O tempo explicado pelo passado, no entanto, tem num contedo que o v o como independente do seguir a histria bblica tal qual parmetro numa linearidade: antes (A T e N.V) e o depois (a histria dos membros no presente). Inclusive a liturgia no segue um padro ordenado, o culto sobrepe momentos desordenados de aes, seguindo o ritmo frentico da batalha do dia a dia. Essas categorias casa/rua relao pessoal/movimento impessoal foram estudadas pelo Antroplogo Roberto Damatta (1994). Barros (1995), Guimares (1997), Bonfatti (2000) tambm utilizam das categorias estruturais deste antroplogo na construo de suas anlises sobre a IURD. preciso dizer que o resgate dos textos bblicos (na sua parcialidade- reinterpretados) dizem muito mais do carter imediatista 108 do continum movimento do dia a dia em que o drama cotidiano coincide com as histrias das personagens bblicas. Referem-se mais tentativa de mudar o status quo imediato do que sua utilizao como compndio tico pedaggico (que o texto bblico pudesse sugerir).
107 Bittencout Filho, (1994:29) fala-nos dessa herana renegada quanto ao uso do texto bblico por parte dos seguidores do Pentecostalismo Autnomo. Leitura e repetio constante de alguns versculos escolhidos para justificar prticas e confirmar doutrinas. O uso negligente do texto bblico um indcio do distanciamento do P.A em relao ao protestantismo no que este tem de essencial. 108 No seu uso o termo imediatista aqui no segue a idia do senso comum na afirmao que a IURD uma religio apenas prtica. Estou me referindo ao tempo imediato do presente na obteno das graas aqui agora pelo trabalho da f pessoal. 101 O que foi dito anteriormente corrobora-se na contagem do tempo. A situao presente do membro iurdiano v este passado como ao demonaca (evitava o sucesso, o amor, a plena sade) e o trabalho do momento atual rumo ao futuro(imediato!) como ausncia dessa ao. A culpa desse estado de coisas entre o antes e o depois foi e pode se que seja (se voltar) do outro: o adversrio, os profetas de Baal , os espritos demonacos do N.T, as entidades do panteo afro brasileiro. Um outro aspecto da contagem do tempo refere-se as atividades durante a semana que desencadeiam aes entre a expulso dos demnios e o do louvor com o Esprito Santo. Nesse sentido, retomo as anlises de Csar (1994: 111-112): Uma caracterstica comum da religiosidade pentecostal, em especial nas novas igrejas, e mais particularmente na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), est na persistncia do dia a dia, na relao dos atos religiosos com o cotidiano de milhares e milhes de pessoas.(...). Dia a dia as coisas podem mudar. Ainda nesse sentido Csar (Op. Cit) coloca um dia como mil anos. H uma perda da perspectiva milenarista e o mal amarrado diuturnamente, mas em especial nas sextas- feiras noite na IURD. O papel deste dia ser analisado na terceira parte deste captulo. No dizer dos entrevistados: - M.E: Quantas vezes voc vai Igreja? - H.J: Quantas? .. Domingo ... Quarta .....Sexta ...segunda ... no vou no resto porque num tenho tempo. Neste sentido, M.C expe que: - M.E: Quantas vezes por semana voc freqenta? - M.C: Trs... quatro... as vezes eu vou Segunda, Quarta, Sexta e Domingo , n? As vezes vou na Quinta tambm... 102 Os relatos de R.B, D.M, M.R (em anexo) seguem essa freqncia. Ainda apontam todos para a ida semanal nas sextas-feiras no culto de libertao. Quanto ao aspecto da nfase na participao (diria ou quase que diria) do membro iurdiano, Fernandes (1998: 43) afirma: Mas como os evanglicos de hoje, no Brasil, distribuem o seu tempo entre a igreja e mundo? No temos resposta detalhada para esta pergunta, mas podemos anotar uma importante variao: se 85% vo igreja por semana, apenas 62 % o fazem, em mdia, aos domingos. Pelo que sabemos de pesquisas qualitativas, e o survey o corrobora, expande-se aqui a tendncia de distribuir as atividades pelos dias e noites, envolvendo boa parte dos fiis duas, trs ou mais vezes por semana. Algumas igrejas, como a Universal, realizam diversos cultos, todos os dias. A distribuio do tempo no tem a clareza puritana, do ascetismo intramundano, de que nos falava Weber. Em seu Tratado de Histria das Religies Mircea Eliade (1998), discorre sobre a construo do tempo sagrado e do tempo profano, no que eles se distinguiriam? Para tal autor, o tempo sagrado essencialmente diferente da durao profana que o antecede. O tempo se abriria para o tempo sagrado. O tempo mtico torna-se presente (nas campanhas, como a de Jac, a de Israel por exemplo). Para M.C: l no altar l na frente. Sempre tem uma campanha diferente n. Tem um lugar pr colocar o pedido. As vezes voc pega o pedido coloca no azeite ou no leo n , ou de vinho ou o que for de uma coisa assim. Tambm tem dia que agente pisa no sal. Ento tem muitas coisas assim porque na bblia t escrito, voc j leu sobre jac? Voc naquela hora que ele separa as ovelhas ele e que o pai coloca seu salzinho l pra que as ovelhas nascerem do jeito que ele quer e pra produzir mais n? Ento tudo l na bblia eles tiram o propsito. Abrao derramou o leo na pedra primeiro , porque naquela poca o leo era muito precioso n, derramou o leo na pedra ... pra oferecer pra Jesus. Ento tinha sacrifcios, as vezes levavam sacrifcios. Ento as vezes tira alguma coisa da bblia e faz n... 103 Uma contemporaneidade da cosmologia para o tempo atual se abre aos acontecimentos do passado. No somente para repeti-los, mas sim reconstru-los no momento presente para a explicao do porqu dos infortnios de cada trajetria individual. Segundo Eliade (1998:326): A expulso dos demnios e dos espritos, o regresso simblico ao caos primordial, tudo isso significa a abolio do tempo profano, do tempo antigo. No qual se verificaram, por um lado, os acontecimentos destitudos de sentido, e por outro, todos os desvios. A ligao do tempo como esse entrecortar de momentos sagrados profanos no sugere uma ordenao pr estruturada. Momentos profanos e sagrados no se separam numa liturgia fixa no momento do culto de libertao. No espao sagrado o tempo vive deste continum antes/depois. Isto no sugere que no exista uma trajetria histrica de cada um frente ao futuro, e que a mudana sobre a relao com essa crena em particular no se modifique. Digo que a partir dessa perspectiva temporal a repetio simblica da sextas feiras na luta entre o bem versus entidades malficas, as trajetrias individuais cristalizam-se num tempo indefinido entre passado, presente e futuro (imediato). Estes se completam numa continuidade vai e vem de expectativas e de um confronto com o mal passado e que age tambm no presente na viglia constante da f. H. J e M.C, D.N tm importantes relatos sobre este aspecto intertemporal na atuao dos demnios em sua vidas que foram explorados no primeiro captulo. 104 O espao sagrado: A passagem igreja casa : sagrado e sacralizado Quero discutir nessa segunda parte do captulo o significado do papel da Sexta feira na Universal. E em segundo lugar, a concepo dos espao sagrado (a igreja) e a anlise da interveno dos pastores na uno dos espaos privados (a casa dos membros). A Sexta feira para o membro da universal o dia em que o espao da igreja se reveste de poder para a libertao dos demnios. Mariano (1999), salienta que o dia dos exus na Umbanda. Para Bastide (1978) 109 , a Sexta feira no Candombl o dia de Oxal (orix que foi interpretados pelos povos de lngua Iorub, [nao Nag que veio para o Brasil] como N. Senhor do Bonfim). A entrada do ano para o Candombl, seu primeiro dia d-se na Sexta feira. Comeando seja no fim de agosto ao comeo do ms de agosto seguinte ou da primeira Sexta feira de Setembro ao fim de Agosto do ano seguinte. Esta diviso faz referncia a festa do Inhame novo na frica. Traduz-se a noo de tempo cclico amplamente difundida na Igreja Universal tambm. Na gira do Candombl, Oxal o primeiro orix a baixar na cabea do filho ou filha de santo, vestidos de sua cor correspondente o branco. Mas o que isto tem a ver com o contexto da Universal? Pretendo sim buscar alguns smbolos deste contexto afro brasileiro que so rearticulados sob outros significados no meio iurdiano. Segundo Freston (1994: 67-159) a estratgia da IURD buscar no Candombl um corpo sem cabea, a cabea est na religio Crist. Enquanto no
109 Ismael Pordeus Jr (1999) em seu artigo Esapao, tempo e memria na Umbanda Luso Afro- Brasileira refora este dado da Sexta feira como o dia de Oxal na Umbanda. Alm disso h uma correspondncia dos dias da semana com as respectivas referncias. Por exemplo na universal a Segunda : negcios (assim como na Umbanda), Tera (corrente da sade), Quarta correntes dos filhos de Deus, Quinta corrente da famlia. Sbado corrente da grandeza de Deus (financeiro) e o Domingo o Grande Encontro com Deus- Louvor. 105 Catolicismo o papel da igreja na expulso dos demnios est em declnio desde o final do Sculo XVII, 110 a concorrncia est justamente na Umbanda e no Candombl. Tambm no Pentecostalismo Clssico (Assemblia de Deus) os demnios so mantidos distncia nos espaos sagrados de seus templos. O exu tanto no Candombl quanto na Umbanda o primeiro a ser reverenciado principalmente nas sextas feiras por possuir um carter ambguo (Bem e Mal). So feitos os pads 111 de exu em primeiro lugar para depois entrar em contato com os espritos e entidades deste universo mgico-religioso. Para que ele no venha a atrapalhar os trabalhos daquela noite. O exu que no faz parte do panteo dos Orixs, no nasce de nenhuma deles. Representa o elemento dialtico do cosmos abrindo aos quatro compartimentos a encruzilhada
o smbolo deste caos csmico. Segundo Herder Lexikon (1990:81-82): A encruzilhada a porta de encontro de espritos, deuses, almas. entrada para algo novo para agradar aos deuses ou aos espritos. Na Europa era o ponto de encontro das bruxas e demnios terrveis. No Cristianismo nas encruzilhadas so colocadas esttuas para Nossa Senhora e cruzes. Os africanos praticam seus rituais nesses espaos. O Exu tem a funo de servir como intermedirio entre os deuses e os homens. Segundo Reginaldo Prandi (2001: 18) exu foi grosseiramente identificado como o diabo pela colonizao da pennsula ibrica. Sua fisionomia
110 Exceto por sua insero nos discursos dos carismticos. Ver Mariz (1984: 24-34) 111 O primeiro a ser reverenciado segundo Bastide (1978) so feitos trabalhos de despacho (pad). Na Umbanda tais despachos no so feitos com sacrifcios de animais. (Ver Birmann, 1984). 106 devido ao chifres e seu membro viril parece ser responsvel por essa interpretao de seu carter diablico. 112 Bastide (1978: 105-107), por sua vez, coloca: Uma srie de cerimnias privadas tm lugar tambm no interior do Candombl que poderia se estender como as outras ao longo da semana, mas que tende a se concentrar num dia determinado, geralmente na Sexta feira, em que se renovam as oferendas do peji- as oferendas para oxal. Um outro aspecto, no que tange a Sexta-feira, sua Ligao com a figura de Jesus Cristo. o dia da paixo do Senhor. Nesse sentido Fernandes 113 , Comenta: Em contraste com o culto de Domingo, marcado pelo signo do (descanso do) trabalho, a prtica dos fiis destaca um outro tipo de culto: de cura e/ou de libertao (este, com a expulso de demnios). Na mdia geral, 39 % dos evanglicos do Rio freqentam a cada semana um culto deste tipo, porcentagem que se eleva para 54% se a escala mensal. So cultos que ocorrem durante a semana, com freqncia s sextas-feiras, numa reiterao do valor simblico deste dia em que, segundo a tradio catlica da Paixo, Cristo foi crucificado. Sendo assim, o culto da Sexta feira no que tange ao espao de encontro com o catico tem um fundamento explicit-lo, nome-lo nas entidades malficas que circundam nestes espaos possuindo os membros. O espao que se abre ao encontro (Bem versus entidades malficas) na IURD visa expurgar o mal daqueles que se manifestam direta e indiretamente. A igreja funciona como palco 114 para esta celebrao. No que tange ao carter espacial de muitos templos iurdianos sua forma despojada (apesar de confortvel) de imagens e cones (exceto a cruz) aproxima-se da Tradio Protestante. Sack (1986: 123) coloca enfatiza a noo do espao da igreja na tradio protestante:
112 Roger Bastide Op. Cit. (pp172) refere-se aos chifres e o carter flico de Exu no significado de poder, fecundidade. Moiss segundo o autor na iconografia judaico-crist aparecia com chifres, com esse carter de fora. 113 Op. Cit. Pp. 43. 114 Campos (1998) analisa a IURD enquanto Teatro, templo e mercado. 107 Church government and discipline was to be applied territorially. The church building was to be kept, but not consecrated. Calvin had the same ambivalence to the structure as did Luther.He bileved churches were necessary because of the need to provide for a community assembly but they were not specially holy and they were not to be called houses of God: Let those who tie down the church to power in its ordinary sense, and to pomp, hear what hilory says on that subject, we do wrong in venerating the Church of Godin roofs and edifices. Churches were simply places of worship and because of the tight strictures on public behavoir, the actual range of permissible conduct within them was narrow. Rural churches were to be locked when not used for worship. No entanto, o paradoxo em relao ao contedo retrabalhado de smbolos reinterpretados no seio da igreja visvel como a queima dos exus, fazendo do locus da igreja um espao de ritualizao muito mais ligado aos ritos afro brasileiros. CALENDRIO SIMBLICO: Dias da Semana Segunda Tera Quarta Quinta Sexta Sbado Domingo IURD Negcios Sade Corrente dos filhos de Deus Corrente da famlia Corrente da libertao Corrente financeira Corrente dos filhos de Deus Candom- bl/Umba nda Exu e a Omolu Negcios. Divinda- des que iniciam o tempo Oxumar (so Lzaro) Protetor da Sade Divinda- des que interce- dem pelos vivos Xang, Ians. Divinda- des que punem os homens que no desempe- nham seus deveres religioso Oxosse e Ogum Patrono dos caadores e ferreiros, respectiva mente. Ambos so irmos. Primeiro dia da semana. Despacho dos Exus depois Oxal (Nsenhor do Bonfim Iemanj e Oxum. Dia das guas. Todos os orixs Neste locus o sagrado o cenrio da luta bem versus mal ... como abertura para uma ordenao de uma nova vida.... Uma alternncia semntica de uma libertao do passado. Mas que ao mesmo tempo realimenta-se no presente atravs do 108 uso simblico extrado da fonte matriz: tudo o que dir respeito `as entidades do panteo afro brasileiro, tidas como malficas neste campo simblico. Para tanto, retomo as falas de alguns de meus entrevistados sobre o papel da sexta-feira na IURD e tambm em outras comunidades pentecostais, vejamos como seus membros analisam o que acontece nesse espao propriamente dito: - D.N: A de possesso? Bem ...uma igreja que faz libertao, inclusive eu te recomendo pr voc ir pr voc analisar que vai ser timo! Inclusive se voc quiser levar (ele aponta o gravador), levar e ligar. Porque l eles entrevistam mesmo. E L certeza que voc vai encontrar. Comunidade Evanglica ... vou citar o nome viu? Comunidade evanglica l na Paranaba. No incio l da Paranaba. Sexta feira meia noite porque voc sabe que Sexta feira meia noite o dia do trabalho da Umbanda. O pentecostalismo vive numa guerra com a Umbanda. No com as pessoas da Umbanda, mas sim com os espritos que eles chamam n da Umbanda. Da Umbanda, da Quimbanda do Candombl. isso. (GRIFO MEU). Buscando ainda em outros relatos o papel da Sexta feira na Universal temos na natureza discursiva a eficcia simblica de ser a porta de entrada para o contato com os exus, assim como no Candombl e na Umbanda: - H.J: ... Sexta feira o dia principal .. s pr isso. Sexta feira s pr libertao. O tempo todinho s pr isso. Sbado pr pessoa orar pela rea financeira ... e ser liberta tambm .. Quarta feira e domingo pr buscar o esprito santo... louvar a Deus. M. C enfatiza, por outro lado o processo de libertao desenvolvido na Sexta- feira : - M.E: O que Sexta-feira para a igreja? - M.C: Sexta feira pr igreja o processo de libertao. tipo assim como a gente v muito n... as pessoas se manifestando ... manifestando demnios mesmo. No incio... no incio eu pensava .. eu pensava que era mentira.. eu pensava que 109 eles pagassem a pessoa (risos) j cheguei a pensar! Pensava que eles pagassem as pessoas porque j tinham me falado isso n (risos)! Eu ficava curiosa ... at que um dia eu tava l e uma moa muito bonita tava com um prendedor na cabea e rasgou a cara do pastor .. ! Ela tava com aqueles bico de pato. E como diz ele j tinha acabado e como se diz o demnio retornou nela n e ela passou ..n .. ela avanou nele e arranhou a cara dele. A depois que eu vi tambm as pessoas ficam imveis durante duas horas mais ou menos, sem se mexer na mesma posio, quem que d conta de ficar assim? Ningum d conta. A eu fui acreditando. - M.E: O qu voc sentia quando via? - M.C: Arrepios. At hoje eu sinto muita pena n. Igual uma jovem que eu vi Sexta feira coitada! Ela tinha tentado suicdio, tinha tentado matar o prprio filho dela e o cunhado dela conseguiu levar.... - M.E: A vocs ficaram sabendo disso.... - M.C: Atravs do testemunho dele, o pastor perguntou quem tava com ela porque ela tava muito possessa, a o cunhado tava com ela. Ele falou sem microfone porque ele estava longe a ele tava contando a histria dela n. Ento a se fosse assim uma coisas assim que eles pagassem.... A Domingo eu a vi tambm na igreja chorando muito. Ento uma coisas assim que a pessoa fica.. no mentira n! Os discursos dos membros abrem para a seguinte anlise: o espao da IURD na Sexta feira vem de encontro ao combate com os trabalhos do Candombl, Umbanda e quimbanda, vindo a afirmar uma guerra contra a magia das entidades com as quais trabalham. Reafirmam no espao da igreja um cabedal de crenas, refutadas claro no passado de lida com essas entidades (todos os entrevistados afirmam a crena nesses demnios como ex participantes de centros espritas). Mas o processo parece no parece ser de simples negao. O que ocorre nestes espaos uma retomada de expresses, smbolos e at tempo e espaos consagrados as entidades que encenam seus papis no cenrio da igreja. Antes essa encenao ficava restrita ao terreiro (como positiva) e agora passava para o espao da IURD (como negativa). Fica clara a idia de complemento e oposio nesse 110 contexto que utiliza da matriz do panteo afro uma lgica de contagem reificada como antagnica, sendo ao mesmo tempo complementar. O trnsito religioso faz com que os orixs antes vistos como deuses nos terreiros e centros passem a ser lidados na IURD em seu aspecto malfico. A IURD alimenta em seu cenrio esta guerra contra esse Mal, sobrevivendo dos smbolos herdados do panteo afro brasileiro somados ao catolicismo popular ibero-americano acrescidos da viso de mundo caboclo-indgena. Segundo a pesquisa Novo Nascimento (1998:35,82) : Deixamos de lado aqueles que nasceram e cresceram numa igreja evanglica para avaliar a origem religiosa dos que foram convertidos. A maior parte (61%) vem do catolicismo, como natural num pas de ampla maioria catlica. Mais revelador, contudo o alto ndice de respostas (16 %) que nos remetem ao Candombl ou a Umbanda.(...) a Universal se destaca pela rejeio radical do Catolicismo num nvel muito superior `a mdia (43 % acredita que o Catolicismo demonaco). Esta crena nas religies populares tradicionais reinterpretada como demonacas talvez seja uma das oposies fundamentais para a necessidade de santificar o espao da casa. IURD face s outras igrejas Viso Religio Afro brasileira e Kardecismo Catolicismo Protestantismo Pentecostalis mo Positiva Em parte Em parte Negativa Totalmente Grande parte Condenam o uso exagerado da palavra. No desafiam a f. Condenam o profetismo 111 A convivncia com a rede estrutural familiar catlica, protestante tradicional e pentecostal (aliada as antigas prticas de freqncia nos centros espiritas e terreiros) impulsiona os membros da IURD a uno de seus lares. preciso estar em luta constante contra o mal fala H.J: Os demnios circundam as casas dos membros iurdianos. preciso ungir esses espaos, torn-los sagrados e livres das influncias malficas. - H.J: Tem aqueles que j recebem, mas tem muitos que no recebem mas to com ele o tempo inteiro. Sempre ao lado dele (o Diabo), mas t sempre ao lado dele em todo lugar ... ningum vive em paz aqui na terra no. A nossa luta o tempo inteiro. Voc nunca t sozinho, voc sempre t com algo tentando te impedir em alguma coisa.. dar errado.. alguma coisa. Fao referncia neste momento a dois excertos fundamentais para esta anlise no que tange a aplicao de prticas de uno nos espaos para se evitar o olho grande, ou mesmo a presena do demnio lado a lado com o membro como uma tentativa de sacralizar espaos. Raymundo Maus (1997: 32-44) fala sobre a ligao das doenas e os infortnios analisados sob o conceito de malineza na Amaznia como conseqncia do mau olhado, do quebranto, mal assombro, ataque de esprito, flechada de bicho, ataque de boto, feitio, assim por diante. Ver na literatura Antropolgica o clssico Trabalho de Evans Pritchard (1978) Bruxaria , orculos e magia entre os Azandes . Neste trabalho, o autor relata que o fato de um celeiros cair sobre a cabea de um zande era analisado sobre a referncia que tinham dos feitios jogados por algum do grupo sobre outro. Os trechos que seguem a esses que esto aqui sero retomados tambm no terceiro captulo, da crena nos demnios: 112 - M.C: Freqentando as sextas feiras n. Fazendo a libertao. Orando bastante pela minha casa, ungindo com leo n, ento desse dia em diante. Nunca mais apareceu.[o demnio] Na igreja quando eu tava na igreja tambm, entraram aqui roubaram. Mais eu sei porque. Porque eu fui falha com o dzimo. Entraram na minha e roubaram. Eu tinha confeco levaram as minhas roupas tudo, mas depois disso eu comecei a fazer muita campanha , ento depois disso eu fui mais abenoada ainda. Ento coisa assim que voc no tem explicao. So inexplicveis mesmo. Depende do que voc faz, depende da sua f, do caminho da sua f.(Grifo Meu.) H.J, discorre que: M.E: Voc recorreu a um obreiro pr te ajudar? H.J: S pedi uma vez o pastor pr orar... pr tirar o olho grande que estava l em casa... dos prprios l de casa mesmo.... ... olho grande ... olho grande mesmo ... aquilo que a pessoa quer ter que voc tem. A o pastor foi l ungiu a casa inteira .. levou leo.. sal.... ficou foi pior... (risos). Mexeu em tudo... pior na hora n? Eu acredito que ficou pior. O pastor falou assim mesmo. Isso t acontecendo porque isso t tendo efeito... o que estou fazendo... a eu falei: Ah! Ento no ficou pior no (risos). Porque se no tivesse acontecido nada porque no tinha nada l. Ento como deu aquela confuso toda minha sogra ... que mora l tambm ... minha cunhada achou ruim . Deu uma confuso , comeou a brigar .. l na minha casa .. tudo separado l. Mas minha no tem nada a ver. Posso fazer o que eu quiser. Ento se no tivesse tido nada no teria aquela confuso, mas como tinha, como algum contra atacou o trem saiu mesmo... o mal saiu. O mal no tem como prevalecer onde tem o bem. O mal saiu realmente. Ou um ou outro. Depois ficou tudo bem tudo normal antes todo mundo fechou a cara um pr outro.... ningum conversava com ningum ... depois... acabou... comeou a conversar um com o outro normal... (Grifo Meu) Assim, retomo as anlises de Eliade (1998: 305) a casa como o centro da criao, uma cidade e uma casa repetem o modelo da construo do mundo. A cosmogonia no ato da uno na casa dos membros o renascimento de uma nova vida, abolindo-se o 113 espao e o tempo demarcados: a casa torna-se um microcosmos aberto, liberto das influncias do mal. A viglia constante como nos disse H.J no h paz aqui na terra no, mesmo nos espaos sagrados os demnios vm penetrar. O temor que eles venham atravs das brechas que deixamos: falta de f ou freqncia nos terreiros, por exemplo. Em suma, o ideal de pessoa do universo iurdiano identificada com a luta incessante no dia a dia. O vencedor aquele que sabe do perigo iminente e que tem Jesus como guia para vencer os demnios. Na prxima parte veremos detalhadamente a noo de pessoa que transita nos espaos sagrados da igreja e nos espaos profanos do dia a dia, qual a sua identidade, ethos e viso de mundo. 114 O membro 115 iurdiano: sua interface pessoa indivduo Definir o sujeito que freqenta a Universal em uma categoria nica de anlise no deve supor que o discurso unvoco; tantas so as histrias individuais, que no h como normatizar um s pensamento. No entanto, existe uma certa regularidade nas falas dos membros no que tange as relaes com as concepes da igreja: as idias sobre a existncia da guerra bem versus mal; o papel das ofertas dzimos e desafios; a coragem vitria versus a derrota, a fraqueza; o determino versus a esperana; a culpa do demnio no minha: como sinal do abandono da noo de pecado pessoal. Nessa teia de significados que engloba a IURD os sujeitos se interagem em duas identidades principais: a nacional de matriz popular (a pessoa) versus a lgica individual- tico-racional. Para caracterizar a noo de pessoa nesse universo iurdiano retomo as anlises de Marcel Mauss (1974) que se debruou sobre esse campo de estudo. Todas as sociedades teriam segundo Mauss tal sentido de corpo individual e a pessoa seria a personagem: um ttulo, um papel, uma mscara. Para o mundo antigo a existncia dos ancestrais que viviam no corpo de seus herdeiros fazia os indivduos desempenharem seus papis tanto nos dramas sagrados como nos dramas familiares, vestindo a mscara: a persona ritual. O nascimento da concepo de pessoa humana como entidade completa com nome e direito reconhecido, mas do que uma mscara ritual nasceu em Roma por volta
115 O membro o primeiro da hierarquia dos crentes. Recebeu o batismo nas guas (exceto o membro flutuante) e as vezes o Batismo com o Esprito Santo. Em segundo lugar vm os obreiros. Eles tiram a partir de um versculo bblico (Lucas 10, 2) a sua funo E dizia-lhes: Grande , em verdade, a seara, mas os obreiros so poucos; rogai pois ao senhor da seara que envie obreiros para a sua seara. Os obreiros so batizados com Esprito Santo. Logo depois vm os pastores auxiliares, os pastores, os bispos. (A IURD adota o episcopado). Segundo Barros (1995), os pastores no permanecem por muito tempo em uma cidade, evitando assim os cismas. 115 do sculo II d.C. A pessoa, segundo Mauss (1974: 227-228) torna-se um fato de direito, per (atravs)/ sonar (ressoa a voz do ator). Alm de persona, personagem artificial com mscara e papel definidos, a pessoa sinnimo da verdadeira natureza do indivduo. Ultrapassando os limites tambm do direito a pessoa se torna moral e cada um desempenhar o papel que deseja ser, ou ter. Com o cristianismo a dualidade corpo e alma torna a pessoa um ser consciente , independente, livre e autnomo. A partir do sculo XVII e XVIII houve a acentuao da liberdade individual, cada um segundo Mauss (Op. Cit.) tinha um deus interior. Para os wesleynaos a pessoa igual ao eu, eu igual conscincia. Nascia a semente da declarao dos direitos humanos. Roberto Cardoso de Oliveira (1976) diz que a noo eu sempre se contrape a noo outro, nunca isoladamente. Os seres humanos em sociedade distinguem-se ou assemelham-se a partir dessa identidade de oposies, identidade que tal autor denominou de contrastiva. Nesse jogo dialtico semelhante/diferente h o comprometimento do indivduo com a teoria da identidade. A partir dessa noo temos duas dimenses uma pessoal (ou individual) outra social ou coletiva interconectadas. A identidade como representao de si seria na concepo de RCO uma ideologia, uma forma de representao coletiva. Por ideologia tal autor abandona a noo de falsa conscincia e diz que a ideologia um conjunto de valores, crenas. A ideologia est ligada a vida concreta dos agentes: uma relao real dos homens com suas condies de existncia investida em uma relao imaginria (RCO, 1976: 40). A identidade do membro iurdiano como realidade contrastiva faz a todo momento esse jogo dialtico ns/outros: a nossa igreja forte, as outras so assim fraquinhas.... A pessoa nesse universo precisa desvencilhar de suas relaes originais para entrar nesse universo individual em que o discurso toca cada um para sair de suas antigas 116 amarras de identidade. Uma nova forma de pensar sobre si mesmo nasce nesse contexto iurdiano a pessoa precisa torna-se indivduo na concepo tico valorativa neo liberal: a riqueza Dom de Deus, Deus deu-a para seu filho, para o forte que no aceita o fracasso. Entretanto, a tenso pessoa/ indivduo no se dicotomiza totalmente na prtica ritual. No discurso essa separao clara. Entretanto o contexto iurdiano est imerso no reino da ambigidade. Se os iurdianos bebem da fonte protestante, calvinista, metodista e do movimento de revival holiness americano, quando do rito fica clara a presena do imaginrio popular brasileiro. No uso e apropriao dos smbolos da religiosidade afro brasileira a IURD mantm seu corpus de crenas. Como j dizia Roberto Damatta (1994) somos um extrato do ambguo, do intermedirio dessa tenso entre o moderno e o tradicional, do sincretismo marcante, no que sejamos todos mentirosos. Luiz Fernando D. Duarte (1986: 45) ao estudar sobre a construo social da pessoa moderna utiliza a categoria indivduo explicando: O argumento bsico dessa relativizao o do duplo sentido da categoria indivduo, que atravessa nossos discursos, e que serve justamente para a legitimao ideolgica do segundo. O primeiro sentido o de sujeito emprico, membro e condio fundamental de qualquer sociedade e cultura. O segundo o do indivduo, como valor moral, cultural, central e bsico para a configurao ideolgica moderna. Assim, o indivduo segundo Duarte aparece na sociedade ocidental moderna como Valor- Indivduo. O autor toma as anlises de Dumont (1985) tendo como base o individualismo como uma das concepes de valor do Ocidente. Em todas as culturas humanas existe a hierarquia como fenmeno universal. Tomando a sociedade indiana Dumont vai separar a estrutura indivduo fora do mundo e indivduo no mundo. Na primeira estariam os indianos presos as castas hierrquicas, mas tendo a vida social distante de seu projeto real de vida, a espiritual. O sujeito no Catolicismo tambm v-se cercado da 117 noo de que o meu reino no deste mundo. A partir do Calvinismo o indivduo, segundo Dumont (1985: 63- 66), passa a estar no mundo sua vontade traduz na ao de querer ser eleito pela divina providncia: A inescrutvel vontade divina investe certos homens da graa da eleio e condena outros reprovao. A tarefa do eleito consiste em trabalhar pela glorificao de Deus no mundo e a fidelidade a essa tarefa ser a marca e a nica prova da eleio. Assim, o eleito exerce incansavelmente sua vontade na ao. At ento, com efeito, o indivduo era obrigado a reconhecer no mundo um fator antagnico, um outro irredutvel que ele no podia suprimir mas to-somente subordinar, englobar. Essa limitao desaparece com Calvino e vemo-la substituda , de certo modo, pela sujeio muito especial vontade divina. Se essa realmente a gnese do que Troeltsch e Weber chamaram ascetismono-mundo, seria prefervel inverter os termos e falar de uma intramundanidade asctica, ou condicionada. A pessoa social no universo iurdiano est amarrada a cultura de raiz, a religiosidade popular. Ela ir tentar romper este vnculo ser indivduo, com vontade e ao, rompendo com um modelo de pessoa tradicional para o modelo moderno de sujeito prspero. O moderno um fetiche para ns brasileiro, nossa bandeira nacional um exemplo disso. Ser moderno ser rico, ser rico um valor positivo para o universo iurdiano, e no fonte de pecado e usura. Ser rico ter poder. Retomo tambm as anlise de Geertz (2001: 149: 156) que ao estudar a religio aplica-lhe seus principais alicerces: como experincia, sentido, identidade e poder. Os sujeitos buscam na identidade uma construo a maneira como as pessoas pensam quem so, em quem so os outros e em como querem ser retratadas, denominadas, compreendidas e situadas pelo mundo em geral. Sobre poder e experincia, Geetz entende: Por que as comunidades de f, tornaram-se em tantos casos, os eixos em torno dos quais gira a luta pelo poder_ pelo poder local, nacional e at, em certa medida internacional? (...) No somente as identidades religiosas , mas tambm as tnicas, as difusamente culturais que ganharam maior destaque poltico nos anos decorridos(...). A desmontagem do muro ps Berlim _ a substituio de um mundo construdo com uns poucos 118 tijolos anlogos, enormes e mal encaixados, por um mundo no mais uniformemente, nem menos completamente construdo com muitos tijolos menores, mais diversificados e mais irregulares.(...) As distines religiosas vo-se tornando, em muitos lugares no apenas mais tensas como tambm mais imediatas. (...) A experincia atirada porta afora como um estado de f radicalmente subjetivo e individualizado, volta pela janela, como sensibilidade comunal de um ator social que se afirma em termos religiosos. (Grifo meu) Na gama de relaes que se encontram os fiis iurdianos, a noo de pessoa como uma categoria de entendimento suscita uma anlise contextual: os membros fazem parte de relaes pessoais em casa, no trabalho, sendo uma noo plural e demarcada. Ao mesmo tempo este membro possui um locus definido na IURD ele um fiel que se repousa na luta pessoal constante contra as entidades malficas. Um sujeito que determina 116 pela sua vontade a mudana a sade, o emprego, a relao com o marido (ou a esposa). Como indivduo na IURD ele enfrenta , queima, testemunha, reage aos infortnios e no se apega a idia de pecado pessoal atribuindo seus erros ao desvio tentador dos demnios. As relaes pessoais traduzem-se num iderio que envolve a participao pessoal com estruturas classificatrias (relaes familiares, profissionais) insuficientes para o sucesso desejado, seja ele espiritual, emocional, material. Aqui inclusive a idia de demnio hereditrio aparece a todo tempo quanto ao insucesso financeiro da famlia ou a mortes inexplicveis dentro dela. Temos o seguinte esquema classificatrio:
116 A todo momento os membros falam Eu determinei que eu ia ser curada , Tenho que determinar, etc aparecem os testemunhos pessoais seja na Igreja ou na Televiso atravs dos Programas Retrato da F, S O S espiritual e o Fala que eu te escuto 119 120 Alguns relatos demostram isso tanto quanto a uma nova rede de crena (que no a da famlia): - M.E: Quando voc era criana, voc orava? - H.J: .. Minha v sempre levava a gente pr igreja. A gente ia por ir (risos)... - M.E: Qual o nome dela? - H.J :AH! Nem lembro acho que era Tabernculo da f, um negcio assim... . na praa A uma igreja que tinha ali. Nem lembro mais o nome dela... - M.E: E Seu pai e me iam? - H.J: Meu pai at que ia pr levar a famlia, mas minha me nunca gostou de ir. Vai assim quando v que t apertada... apertou ela vai. - M.E: Vai onde? - H.J: Vai pr igreja. Quando s vezes aperta .. quando algum leva... quando leva ela vai, sozinha ela num vai, num tem fora no. - M.E: Ela vai na Universal? - H.J: No na Luz para os Povos, ela gosta de ir l, eles ... como se diz ali eles no pedem muito (risos) ... eles acham muito abuso. Mas aqui eles (na Universal) usam essa forma pr pessoa agir a f deles, num porque t pedindo por pedir porque a partir da que a pessoa vai agir a f deles. A f que manda pedir... fulano deu... fulano pediu... ningum vive somente lendo..lendo..lendo ... no. Aquilo que est escrito foi o que aconteceu, no foi escrito s por ser escrito. Ento se aconteceu com ele tem que acontecer com ns tambm. Nada foi escrito em vo. Foi escrito pr gente usar aquilo da mesma forma. Nessa linha os relatos seguem na caracterizao dos demnios hereditrios: - M.C: No de jeito nenhum! Tchu tchu tchu. Nessa poca eu era leiga totalmente sobre espiritismo! Achava que a minha religio que tava era a certa. As vezes eu ia ... tinha um amigo meu que tinha um centro esprita n.... e nessa poca at era meu cabeleireiro a ele falava no ... M.C. vai l porque at os padres vem aqui, eles sabem se algum tiver com problema espiritual mandam vir aqui. Ento eu achava que tava certo porque eu no era algum n.. pr ... no tinha ningum pr falar que isso no era certo. Eu no conhecia Deus! Como dizia J n , eu conhecia s de ouvir falar... . Mas a quando eu pensava em coisas grandes AH! Isso no pr mim , imagine! Imagine se isso vai acontecer... Ento era uma vida de sempre 121 muito humilhada mesmo! Por que? Porque eu acho assim que era uma maldio hereditria de famlia. - M.E: Por que? - M.C: Porque o pai do meu pai era muito rico e foi perdendo tudo n. Antes de morrer o que deixou , deixou uma fazenda, perto do que ele tinha era uma mixaria n? Deixou uma fazenda para cada um dos filhos... muito pouco! O meu pai era muito bem de situao e acabou com tudo tambm e a gente tava no mesmo caminho! D.N ainda explica sobre os demnios hereditrios: - D.N :Voc tava falando na presena de influncia demonaca na vida das pessoas, nem todo mundo tem isso. Por exemplo se eu sou um menino que nasci e l pegaram a minha placenta e levaram e fizeram um trabalho... a j caminho aberto, eu sou uma criana indefesa. Vieram e entraram e j veio a maldio comigo. por onde a maldio... ou pode ser uma maldio hereditria que vem na famlia, igual eu falei da mulher n? Pode ter matado seis e matado mais um e ia continuar matando. Maldio hereditria isso a so coisas mais difceis de serem quebradas. E aqueles casos mais srios de pessoas que tem pactos reais mesmo, coisas forte como so os casos das mes de santos, dos babalorixs, das bruxas assumidas mesmo n? Como daquela que converte ao pentecostalismo que mexe com o mstico de libertao mesmo influente a no adianta pensar que s com uma orao forte, uma manifestao s sai no nome de Jesus e a pessoa volta a si que ela vai ser liberta, no vai no! Ela tem que receber um tratamento, e um tratamento muito poderoso porque o pacto que ela fez muito poderoso e o poder das trevas num jogado ao leu assim. A influncia do sagrado destru tudo de uma vez ponto! Num assim! Uma outra caracterstica que notei em todos os relatos o momento da converso pessoal no necessariamente ligada a uma converso familiar, ou a religio de bero. Explorei a anlise da Pesquisa Novo Nascimento sobre a IURD na introduo quanto a esse aspecto. Os convertidos h mais de dez anos no foram criados nessa igreja (mesmo porque ela recente, lgico). Seguem nesses relatos, tal teor de um caminho pessoal, Macedo (2000: 118) diz sobre essa trajetria de ir a Universal: 122 Tem gente que deseja seguir a Jesus, mas quer carregar em suas costas marido, esposa, filhos, parente e tantos outros, que so verdadeiros fardos, encontrando muita dificuldade para tomar a sua cruz pessoal e seguir ao Mestre. Se voc fizer a sua parte, pode ter certeza de que Deus, a quem cada um dar conta de si mesmo, far a sua. Nas entrevistas tal dissociao dos fiis iurdianos com a religio de origem, com a famlia e mesmo a converso um passo desse indivduo rumo a mudana de vida, que inclui a religio de origem que no mais o satisfaz. Procura outras respostas. Neste primeiro relatos, M.C fala da religio de raiz (O catolicismo da sua famlia): - M.C: No ... desde criana eu era catlica n... a minha famlia muito catlica ... eles so muito catlicos at hoje n... assim l na minha me ... todo mundo...s eu que mudei de religio n e assim.... - M.E: Vocs so quantos irmos? - M.C: Somos Seis ...seis comigo ... a minha me, a minha me muito catlica. J tentei muitas vezes fazer com que ela mude, mas acho que eles entendem como aquela coisa de raiz ... no pode mudar sabe e a ... eu era coroinha de padre, eu ajudava na igreja sabe ... todos domingos participava dos grupos de jovens, de adolescentes sempre participei n ... e a chegou uma hora na minha vida que tudo se tornou muito difcil ... sabe quase impossvel de viver como diz a vida pr mim j no tinha mais nenhum sentido pr falar a verdade sabe? Devido a tantos problemas sabe .... uma verdadeira derrota! Sabe eu buscava e orava e pedia Deus do mesmo jeito n.. e pedia ..parece que nada acontecia sabe? At que um dia eu e minha irm ns ramos scias numa confeco, mas a confeco s afundava, s afundava. Meu esposo no queria aquilo, no queria nem que eu trabalhasse muito menos numa confeco afundada, cheia de dvida e tudo.... At que um dia eu tava .... ns amos mudar de roupa n.. ns fazamos um tipo de roupa e ia fazer outro pr tentar melhorar - M.E: A confeco era aqui perto? - M.C: No era assim ns.. era l no Jardim Amrica quando ns comeamos a devido a um problema de uma funcionria que levou a gente no ministrio a gente mudou, minha me n.... eu j era casada n, minha me n mudou para o bairro goy. E a..... sei l aquela coisa assim ...que parece que eu no tinha mais nada assim a que me agarrar uma vida totalmente derrotada. Meu esposo, graas a deus, estava bem de situao, 123 mas nesse ponto ele no me apoiava. No me apoiava porque ele num queria me ver naquele sofrimento sabe... de um jeito ou de outro acabava at me humilhando n de certa forma. E ai chegou uma mulher e falou assim por que voc no vai na igreja universal? Chegou na porta da minha me n.... , olha eu... passei a freqentar a igreja universal e minha vida mudou muito .. eu era uma pessoa assim totalmente destruda e inclusive eu t construindo a minha casa aqui perto ... sabe .... a voc pega as peas da sua roupa e leva l na igreja pr ungir. A eu fiquei pensando falei assim sabe que eu vou fazer isso!.. A eu peguei as peas de roupa antes de vender pr qualquer pessoa ........ porque a gente tava comeando com outro tipo de roupa ... e levei pr igreja ....eu tava freqentando aquela al do DERGO ... tinha um pastor l muito humilde sabe? A eu comecei a levar as peas de roupa a ele ungiu ... a a gente fazia feira hippie n ....a minha irm ..... levava pr feira pr vender.. ento assim .... comecei nessa semana ... na semana que a gente chegou l .. j mudou tudo sabe ... s eu a minha irm no... , a minha irm no ia nem minha me nem ningum ... H. J fala nesse sentido de sua converso pessoal desvinculando-se da Luz para os povos -M E : Quero saber sobre sua vida e como na sua histria aparece a Igreja Universal - H.J : Antes eu freqentava outra deno ... denominao ... inclusive nesta igreja que eu estava antes .. ela .. .. ela trabalha com grupos familiares .. em casa .. l em casa tinha grupos .. s que eles pe pessoas que estavam estudando pr tomar contas dos grupos.. pessoas que tinham pouco entendimento ainda ... ento uma guerra muito grande ..ento a gente como no tinha entendimento de nada ataca muito a gente .. agente mexia com as coisas do mal... mexia .. porque a nossa funo pisar na... na cabea do diabo aonde for a gente como no tinha assim .. experincia a gente contra ... contra atacado tambm .. ento era uma bomba voc pensa que t atacando ele .. ele que est te atacando (risos) ao contrrio .. a eu achei muito estranho falei no vamos acabar com esse grupo aqui...e resolvi at a sair da igreja e passar a ir na Universal .. eu senti algo diferente mesmo ..bem melhor ... a forma deles trabalhar e tudo ... ensinar a gente como agir entendeu? Porque a nossa vida aqui isso ai o tempo inteiro guerra e mais guerra... ento voc tem que tentar fortalecer pr num cair .. caiu cab .. ele apronta com voc ai. (Grifo Meu) 124 Essa idia da falta de nunca ser suprida marcante no discurso iurdiano: o ideal de pessoa aquela que nunca dorme, a viglia constante contra o demnio que pode estar nas antigas igrejas que o fiel freqentava ou poder estar at mesmo nas casas ou na igreja Universal. M.R. Relata a passagem da converso IURD vindo da A D e comenta sobre esse aspecto: - Maria Emlia : E a sua famlia freqenta a Igreja Universal ? - M.R : S a minha me ainda ! - Maria Emlia : Ainda ?! (Risos) - Maria Emlia : E voc foi criada em qual religio ? - M.R : Evanglica . D.M fala sobre o papel do meio de comunicao em seu processo de entrada na IURD: - Maria Emlia : Quem primeiro te levou na Igreja Universal ? Como a senhora descobriu a Igreja Universal do Reino de Deus ? - D.M : Foi na televiso . - Maria Emlia : ? - D.M: . L em Braslia quando eu ainda morava l . Um dia eu liguei a televiso e estava passando um programa da Universal . Passa na televiso , no rdio ... o dia inteiro . No rdio sempre , mas na televiso tem as horas de passar . A eu olhei, achei muito esquisito porque estava passando aquelas pessoas que ficam possessas e o pastor e o obreiro expulsando aqueles demnios delas .Eu olhei e falei Uai! Est parecendo macumba ! E eu fiquei olhando ... me chamou a ateno , sabe? (Risos ) Achei aquilo muito esquisito , mas eu fiquei curiosa . Continuei assistindo ligando a televiso e assistindo . A eu fui entendendo , fui gostando . A eu mudei pr c , mas eu ainda no freqentava na poca , depois que eu vim fazer a campanha por causa da histria do Marcelo, meu filho que se separou. Eu fiquei desorientada ... agora eu estou firme . No quero mudar pr outra! Nem pr visitar outra igreja eu gosto . Pr mim a Igreja Universal completa . 125 R.B relata os problemas familiares em seu passado e o renascimento dele na Universal o desafio de mudar, acreditando e freqentando outra igreja. Apostando suas fichas nesse novo campo simblico. - Maria Emlia : Famlia grande ? - R.B : Famlia grande . Eram dezoito irmos ficaram doze . Muita destruio ... eu nunca assim ... eu nunca ... como eu posso falar eu nunca conheci uma famlia antes de conhecer Jesus. Eu no tinha uma famlia ... eu vivia no inferno , mas por que que a minha vida mudou ? Porque eu fui na Igreja a ... entra a f ... voc vai na Igreja , voc tem que acreditar naquela pessoa que est l no altar te... pregando pr gente ... porque a gente tem que desafiar a ns mesmos ... . igual quando eu fui na Igreja, eu te falei ... , eu falei comigo mesmo ... pr Deus mesmo: Se esse pastor est falando a verdade , se essa igreja de Deus, amanh eu vou nesta igreja a minha vida vai mudar! Essa foi a minha determinao. S que no basta falar tem que tomar uma atitude e eu tive que me deslocar de um barraco que eu morava pr ir at a Igreja . - Maria Emlia : H quanto tempo voc est freqentando Igreja Universal ? - R.B : Da pr dez anos ... De acordo com Freston (1996) a diferena entre a segunda e terceira ondas em relao o crescimento das respectivas igrejas Assemblia de Deus e IURD caracteriza- se pela tenso tradicional versus moderno. Nesse sentido estilos divergentes de gesto comparam-se a lgicas diferenciadas de apelo aos fiis. Na AD o papel dos pastores com um estilo sbrio e moderado enquanto na IURD aparecerem os controladores do clima teatral extrovertidos e detentores de uma lgica empresarial yuppie. O papel dos pastores que falam, gesticulam levam ao xtase a comunidade de fiis no tem nem mesmo um script formulado a priori. Tudo acontece oraes, expulso, testemunhos, ofertas, sem uma cadncia formal, eles inovam, modernizam. Esta dicotomia tradicional/ Moderno foi analisada por Damatta (1994) para explicao da identidade brasileira. 126 Como eu havia mencionado anteriormente o membro da IURD vive desta tenso entre as relaes pessoais que o determinam na famlia, na sociedade e na antiga religio (vnculos principalmente no Candombl e Umbanda que exigem regras e comportamentos de submisso ao santo) , na igreja ele pretende uma mudana dessa matriz pessoal para um direcionamento tico-racional. Esta a mudana quanto ao ethos iurdiano tem uma base diferencial importantssima sob trs aspectos. A IURD (universal = catlica) abriga uma populao flutuante, sua identidade baseia-se nesse carter plural. Na AD exige-se uma vinculao confessional, como no Protestantismo Histrico. Ao passo que na IURD h uma abertura entre a religiosidade popular, o protestantismo e o pentecostalismo clssico. A idia da culpa do pecado perde seu sentido num universo onde todos os males, os erros, os problemas de toda ordem passam a ter uma causa _ a ao maligna. Essa presena real destes seres invisveis (mas reais) talvez seja a ponte principal entre um universo habitado por seres encantados e um passo para a conduta racional na libertao dos primeiros. Sanchis (1994: 50) fala sobre o terceiro aspecto que gostaria de abordar a experincia de ser o outro passando da tradicional relao pessoal com as entidades, os santos para uma nova relao com o nico, o bem, Deus. De uma mltipla identidade quer experenciar uma identidade nica. No entanto, parece- me que tal trajetria a conduta tico racional passa antes por uma afirmao desses campos (tradicional e moderno), sem que haja a supresso definitiva do primeiro. O plo negativo (as crenas tradicionais) o fio 127 condutor para as novas noes sobre si mesmo (conduta alterada) 117 , sobre sua vida (de vitria) e sobre o papel do sagrado como novo modelo dessa alterao ethos e viso de mundo. O tradicional a fonte, o contedo. O moderno, a conduta a forma. Para tanto, gostaria de analisar o ethos e viso de mundo do membro iurdiano. Verificar o tipo-ideal iurdiano e as alteraes nos usos e costumes que classificam-no atualmente como anti-asceta e pr-hedonismo. Analisando a separao seita/igreja de Troeltsch (in Portelli,1984) observa-se que os neopentecostais assumem uma nova postura em relao a certas proibies de vesturio e de comportamento tpico das protestante histrica e pentecostais. Aquele esteretipo da saia longa, camisa e gravata, bblia em baixo do brao que denotavam um comportamento contra-cultural tpico das seitas, no so de forma alguma reforados na Universal, por exemplo (Mariano, 1999).
117 O trabalho de Mariz enfatiza a Libertao para o pentecostal como mudana tica (1994). Enfatiza a mudana tica dos ex alcolatras que se convertem IURD. A tendncia segundo a autora que os indivduo mudem totalmente a partir da insero ao pentecostalismo. 128 Quero descrever esse universo de crenas separando quem quem na Igreja Universal: Rito Membro Obreiro Pastor Pastor titular Bispo 118 1 Libertao direta ou indireta 2 Batismo nas guas 3 Batismo com Esprito Santo 4 Dom de curas 5 Curas Institucionais, coletivas 6 Estgio estruturado pela cpula do poder na igreja. Passagem no apreendida atravs do discurso. Estratgia do silncio. Legenda Espao branco: no participao dos estgios. Espao verde: participao Espao vermelho: participao somente da estrutura hierrquica mais alta. Na pesquisa Novo Nascimento (Fernandes et alli) mostra o baixo ndice da participao de membros nas decises hierrquicas. Espao verde musgo: Batismo com o Esprito Santo, depende do membro. O membro na IURD poder ou no ser batizado com o Esprito Santo, no dizer de meus entrevistados uma sensao que no se descreve em palavras, uma fora que
118 Segundo Mariano (1999) e Bonfatti (2000) a IURD a nica igreja evanglica que adotou o episcopado. 129 dota o indivduo do poder de cura. Exatamente por isso os obreiros e pastores so revestidos de poder. No ritual e nos discursos dos membros a separao membro/obreiros que demostro nesse quadro fica mais clara. Os obreiros, como j descrevi anteriormente tem maior poder de cura e atendem individualmente os membros. No entanto, a escolha dos pastores e como atingem tal status no clara. Parece haver uma ligao, dentro da IURD, de quem arrecadaria mais? Ou quem realmente tem maior poder de curar coletivamente dentro do seio da igreja? A escolha dos bispos sugeriria tambm tal estratgia de escolhas que so adotadas na IURD? O silncio sobre a cpula dessa hierarquia deixou em aberto tais questes nessa pesquisa. Quero enfatizar o habitus do membro iurdiano ligada a noo de pessoa (nas estruturas tradicionais) e de indivduo que luta e quer crescer material e espiritualmente. A tendncia do rigor a normas que afastariam os fiis do mundo urbano no opera no contexto iurdiano com o paradigma da integrao na vida moderna. Os slogans propagados na e pela igreja Universal visam valorizar a aquisio de objetos (carros, jias, dinheiro, casa) no mercado de consumo alterando o habitus do membro iurdiano, consumista de bens materiais e espirituais no contexto da igreja. Por habitus entendo a formulao feita por Bourdieu (1998:XLVII) : - Que se pode chamar cultura, competncia cultural, ou ento para evitar equvocos, Habitus- e as representaes que envolvem tais prticas. Como vimos, entre as estruturas e as prticas, coloca-se o habitus enquanto sistema de estruturas interiorizadas e condies de toda objetivao. O habitus constitui a matriz que d conta da srie de estruturaes e reestruturaes por que passam as diversas modalidades de experincias diacronicamente determinadas dos agentes. Assim como o habitus adquirido atravs da inculturao familiar condio primordial para a estruturao de todas as experincias ulteriores, incluindo desde a recepo das mensagens produzidas pela indstria cultural at as experincias profissionais. O objeto para anlise no se restringe apenas s prticas dos grupos mais incide sobre os princpios de produo de que so o produto, vale dizer, o habitus de classe e os princpios de produo de tal ethos, a saber, as condies materiais de existncia. Nesta direo, todo o problema consiste em captar o processo pelo qual as estruturas produzem os habitus tendentes a reproduzi- 130 las, isto , produzem agentes dotados de um sistema de disposies conducentes a estratgias tendentes por sua vez a reproduzir o sistema das relaes entre os grupos e/ou as classes. Dessa forma, pretendo analisar o habitus do membro iurdiano que passou do momento asctico a uma viso de mundo baseado na valorizao do consumo e da aquisio dos bens do mercado. A metfora da religio como num jogo de mercado aplicar- se-ia literalmente ao contexto iurdiano. Compra e venda de produtos (cura , salvao e prosperidade) simboliza na Universal um apego ao mundanismo e uma valorizao da vida terrena como o locus imediato da terra prometida. Uma alterao da tica escatolgica para a tica mercadolgica dota o perfil do membro iurdiano de uma busca de dignidade social atravs da possibilidade de aquisio de bens materiais. Sendo assim, gostaria de retomar nos relatos que fiz dois smbolos que so amplamente difundidas no contexto iurdiano e que vem a reforar o habitus, o ethos de seus membros. So eles: o dzimo e o desafio. Tais noes vem corroborar as anlises de Mauss (1974: 62-64) acerca da ddiva no binmio dom/contradom. Para tanto, tal autor coloca: As relaes desses contratos e trocas entre homens e entre homens e deuses esclarecem todo um lado da teoria do sacrifcio. Em primeiro lugar, compreendemo-los perfeitamente, sobretudo nas sociedades onde esses rituais contratuais e econmicos praticam-se entre homens, mas onde esses homens so encarnaes mascaradas, amide xamansticas e possudas pelo esprito cujo nome trazem: esses, na realidade, agem apenas enquanto representantes de espritos. Pois, nesse caso, essas trocas e esses contratos arrastam em seu turbilho no apenas os homens e as coisas, mas os seres sagrados que so mais ou menos associados a eles. Este , claramente, o caso do potlatch tlingit, e de uma das duas espcies de potlatch haida e de potlatch esquim.(...) V-se como possvel esboar aqui uma teoria e uma histria do sacrifcio contratual. Este supe instituies do gnero daquelas que descrevemos e, inversamente, realiza-se em grau supremo, pois os deuses que do e retribuem esto ali para dar uma grande coisa no lugar de uma pequena coisa.(Grifo Meu) 131 Portanto, relacionando a exposio acima com a anlise do sacrifcio iurdiano temos nos relatos que vem a seguir uma dimenso atual do dar para receber , desafiando a si mesmo confiando na prosperidade de Deus. A lgica da oferta tem uma coerncia. Dzimo no seria dinheiro, sim oferta para evitar o esprito devorador e obter ainda mais prosperidade. Esta lgica possui traos semelhantes com a conduta asctica do Metodismo citado por Weber (1997: 116) no relato a seguir: A riqueza, desta forma, condenvel eticamente, s na medida que constituir uma tentao para vadiagem e para o aproveitamento pecaminoso da vida. Sua aquisio m somente quando feita com o propsito de uma vida posterior mas feliz sem preocupaes. Mas, como o empreendimento de um dever vocacional, ela no apenas moralmente permissvel, como diretamente recomendada. A parbola do servo que foi desaprovado por no ter aumentado a soma que lhe foi confiada serve para expressar isso diretamente. Querer ser pobre, como repetidas vezes se disse, eqivaleria a querer ser doente, era reprovvel do ponto de vista da glorificao do trabalho e derrogatrio glria de Deus. (GRIFO MEU) Quando se d o dzimo e faz-se o desafio, o pastor unge a cabea do membro com leo e os obreiros fazem uma fila dupla saudando ou entregando o sangue de Cristo (vinho), por exemplo na sexta-feira, dia da quebra de maldio. Este seria um fator de diferenciao da Igreja Universal em relao s Igrejas Pentecostais que buscam a satisfao espiritual em primeiro lugar e no a relacionam com a satisfao material? Para os membros da Universal uma satisfao no invalidaria a outra: Maria Emlia: R.B qual o papel do Dzimo, da oferta ? R.B: O dzimo como a bblia fala a dcima parte at no Novo Testamento existem casos de pessoas dando o dzimo (...). A gente pode ver o prprio Deus pedindo o dzimo no xodo 25. (...). No Velho Testamento existem promessas s pros dizimistas Trazei todos os dzimos a casa do tesouro para que haja mantimento na minha casa. Provai-me nisso diz o Senhor dos Exrcitos. Se eu no vos abrir as janelas do cu e no derramar sobre vs beno sem medida ...por vossa causa repreenderei o devorador para que no vos consuma os frutos da terra. Maria Emlia: Devorador, o que isto? 132 R.B: Devorador o esprito da misria ... (...) Geralmente assim: Ah! Eu estou indo na Igreja, estou dando o dzimo, a oferta. Deus vai me abenoar ... a pessoa tem que ter f, tem que ter certeza. Eu j fiz reunies com pessoas depois de cristo, pedindo oferta. Eu j pedi tudo o que a pessoa tinha ... de oferta! E a pessoa foi na tera-feira...., na quarta-feira a pessoa deu o testemunho: ela trabalhava com vendas e nunca tinha vendido como ela vendeu na quarta-feira! Ainda em dois outros relatos o dzimo e o desafio so encarados como sacrifcios contratuais como Mauss (1974: 64) afirma na passagem anterior: Maria Emlia: Ento a senhora no dava o dzimo nas outras igrejas? D.M: No. E era uma vida derrotada! O dinheiro no aparecia! (Risos). Assim que acontece com as pessoas que no obedecem: Deus no tem compromisso. Ele no obrigado a abenoar. Se voc dizimista, Deus obrigado a abenoar, a matar o devorador pr que ele no devore o nosso dinheiro. Maria Emlia: O desafio eles tiram por um versculo da bblia ... eles lanam aquele desafio para as pessoas e elas no so obrigadas a fazer. Faz quem quer. O que eu tenho visto de gente que fez o desafio, no brincadeira! Inclusive ... aquele obreiro, ele obreiro agora ....Geraldo de Souza (....). Ele foi deputado, vereador... ele tinha avio, tinha fazenda, muitos gados, apartamentos...Deus quando quer fazer uma obra na vida da pessoa ele permite que a pessoa tenha uma doena, um problema pr ele procur-lo (...). Ele fez o desafio sem ter o dinheiro! Ele ficou desesperado! Um homem assim que advogado, j foi vereador, deputado, um homem conceituado chegar a uma situao dessas ?! Nesses casos Jesus sempre manda uma pessoa pr nos mandar ir Igreja, fazer um testemunho.(Grifo meu). Dessa forma, o ethos iurdiano preza a coragem e a f. A pobreza encarada como falta de f. Deus para o rico assim como o diabo para o pobre. Conseguir riqueza imediata (como os relatos anteriores ressaltam) revela uma nfase em atributos mgicos de ofertar dinheiro para conseguir prosperidade, cura e salvao. No dizer de Mariano (1999: 160): 133 Para os defensores da Teologia da Prosperidade, a expiao do Cordeiro libertou os homens da escravido ao Diabo e das maldies da misria, da enfermidade, neste vida, e da segunda morte, no alm. Os homens, desde ento, esto destinados prosperidade, sade, vitria, felicidade. Para alcanar tais bnos, garantir a salvao e afastar os demnios de sua vida, basta o cristo ter f incondicional e inabalvel em Deus, exigir seus direitos em alta voz e em nome de Jesus e ser obediente e fiel a Ele no pagamento dos dzimos. Portanto, os fiis da Universal cumprem sacrifcios com base na matriz de significaes (o Habitus) que possuem. Citando Malaquias 3,9-10 o membro iurdiano refere-se a riqueza como dom de Deus, de fcil acesso, imediata se forem feitos desafios. Simboliza-se assim a importncia que o componente mgico possui a praticidade de aquisio de bens aqui/agora. 134 CAPTULO TRS Memria Coletiva no Trnsito Religioso: uma ponte sincrtica 135 A memria cristalizada nas hierofanias do sagrado Em virtude da presena de objetos divinizados no ritual iurdiano as mais recentes investigaes sobre a Universal Campos (1997: 45) e Mariano (1999: 133-136) retomam as hierofanias do sagrado- que so as representaes concretas da presena do transcendente tanto no espao do culto quanto como emblema individual, talism simblico o envelope do dzimo por exemplo. Tais smbolos seriam as intermediaes para a aquisio do bens espirituais, sentimentais, materiais no aqui/agora exposta no captulo antecedente. A anlise desses sinais como presena do sagrado foi primeiramente observada por Mircea Eliade (1991, 1998). Tal autor coloca que imagens, smbolos e mitos servem funo de revelar as modalidades secretamente estabelecidas do ser na vida mundana. So exteriorizaes, portanto, de sentimentos em relao ao sagrado mantendo sua dupla funo complementar: espiritual e material. Quanto s hierofanias particularmente relacionadas ao contexto iurdiano, temos um quadro muito variado de sua atuao simblica. Poderamos considerar tais objetos como smbolos reinterpretados na Universal anteriormente ligado a prticas da religiosidade popular vindos da pennsula ibrica e de vis pago- mgico tpico dos cultos afro-brasileiros. No dizer de Campos (1997:83): A Igreja Universal tem razo em atribuir parte de seu sucesso ao emprego desses pontos de contato , porque essa estratgia permite a retomada de uma atividade coletiva de fundamental importncia par o ser humano, abandonada pelo protestantismo histrico, ou seja, a capacidade de elaborar e readaptar os smbolos clticos. O processo de simbolizao recolocado nas mo do povo restabelece as ligaes humanas com o transcendente. Estabelece-se assim uma alquimia social e por meio dela o crente se sente outra vez ligado dimenso sagrada, muitas vezes perdida no meio de uma vida cotidiana fragmentada, e ameaada pelo processo crescente de secularizao. Agora, atravs de um objeto material, se estabelece uma ligao com o sagrado, o 136 milagre acontece, e do fundo da psique humana, emergem certas figuras ou arqutipos geradores de novas formas de comportamento religioso(Grifo do Autor). gua, leo, cores, pedras, mesa branca energizada, fila de pastores, rosa, fitas amarelas, azuis uma infinidade de smbolos devidamente contextualizados servem como exemplos de hierofanias, sinais da presena do divino manipulados pelo membro iurdiano para atingirem metas de proteo, salvao e cura. Interessa-me atravs de relatos dos fiis da Universal a presena atuante de certas hierofanias, como a da gua (purificao) 119 por exemplo, as quais me foram relatadas em pesquisas anteriores: R.B: Mas veja bem ... muitas pessoas interpretam este batismo de uma forma ...as pessoas tem uma interpretao errada. Elas pensam eu tenho um problema ... minha vida vai mudar, no assim! O batismo o que ? Para a remisso dos pecados a pessoa deve se batizar quando tiver aceitado realmente o qu? Quando ela tiver aceitado realmente Jesus como o nico Deus ... como nico salvador e...ento a partir do momento que ela .. que ela desce s guas, pe a f nas palavras, os pecados que ela cometeu em todos os anos de sua vida supitam naquela gua e ele deve sair daquela gua e se esforar ... vai ser a maior luta ... vai ser uma luta interior ... uma luta contra ela mesma. Ela tem que deixar os maus costumes, deixar as coisas que so contrrias ao que est escrito na bblia. - D.M: Cr no Senhor Jesus e sers salvo tu e tua casa. Quem cr e for batizado ser salvo, quem no crer j est condenado. No creu, no ?... No amor de Deus.. na salvao que Jesus oferece e a tem que Batizar...eu batizei outro dia! - Maria Emlia : Onde na sede? - D.M : ..... no antigo Capri (Cine)......domingo atrasado... passado. Teve batismo no mundo inteiro! - Maria Emlia: Batismo nas guas ? - D.M: nas guas. Tem uma piscina atrs do plpito. - Maria Emlia: Ento .. eu realmente vi a piscina l atrs... - D.M: fica atrs. Como tinha gente demais a igreja estava lotada! Voc j foi nesse dia do batismo? - Maria Emlia : No. Eu fui no Sbado.
119 Para Eliade (1998:153-161) A gua fonte e princpio de cura como arqutipo universal. Expulsa doenas, na imerso h a dissoluo das formas antigas (Batismo) para um novo nascimento, para redeno da alma. Ainda nesse sentido retomo 137 - D.M: Pois a igreja estava lotada tudo com aquele uniforme de batizar n. A colocaram mais trs piscinas. - Maria Emlia : O uniforme uma camisola azul no ? - D.M: ... tinha azul, tinha grenar ....de toda cor. Era gente toda vida! Gente que no brincadeira! (Grifo meu) Na introduo coloquei o quadro referencial de Goinia e o sentimento de pertena do grupo. A fala anterior sobre o uniforme, como smbolo concreto do mundo moderno do aparente achatamento da posio do indivduo na hierarquia vem corroborar tal noo: teve batismo no mundo inteiro , e, todos uniformizados. Tais sinais da presena do sagrado, no entanto devem ser contextualizados. Segundo os relatos fornecidos por Campos (1997: 79) um mesmo objeto pode ser hierofania (divinizado) no contexto da Universal e converter-se em idolatria , ou em sinal demonaco em contextos concorrentes , mais precisamente no catlico e nos cultos afro- brasileiros. Vejamos: Participe da campanha da arruda contra os maus espritos na ltima sexta-feira do ms. Temos a orao de descarrego com arruda, uma orao forte, muito forte para a sua vida(Rdio So Paulo,29.9.94) (.....) Venha Igreja Universal receber uma fita para colocar em seu brao. Voc que hoje est com uma fita vermelha venha na prxima semana receber uma fita azul em que est escrito: persegui os meus inimigos e s voltei depois que os esmaguei. Venha, pois no Domingo voc vai receber a fita azul em todas as igrejas Universal. Largue a fita do senhor do Bonfim, dos santinhos e venha receber nossa fita azul da cor do cu. O pastor entrevistava uma famlia de quatro pessoas, s margens do lago Parano, em Braslia, e diz (Sc): Veja s! Esta famlia toda est enfitada(bispo Gonalves, TV Record, 31.08.95). Verificando tal posicionamento de santificar objetos no contexto iurdiano e descaracteriz-los ao mesmo tempo em outros universos simblicos, vejamos alguns dos relatos de meus informantes sobre a adorao, uso e sentido que do a outras denominaes. Sendo que na queima do demnio que est amarrando a vida da pessoa (reunio das sextas-feiras em todas as igrejas Universal) so reforados os nomes da 138 entidades demonacas tranca-rua, sete-saias, exu, pomba-gira tpicas da religiosidade afro-brasileira: Havia sempre dvida se aquelas entidades que eu via na macumba...eram de Deus ou do diabo. Eu at cheguei a perguntar isso: Vocs de dia so caboclos, da meia-noite em diante so exu , de que lado vocs so? Eles responderam que um lado deles faz o bem e o outro faz o mal ..eu no imagino um Deus desse jeito! D.M diz: Eu j freqentei o Espiritismo e era uma vida de desgraa na poca, sabe? Ainda, em seu relato: Tem muita ignorncia na Assemblia ...no pode cortar o cabelo, no pode pintar ,no pode vestir cala esporte e Jesus no exige nada disso ... no a roupa, Jesus quer o Corao obediente a palavra, ele quer que andemos direito, honesta, n? M.R, fala-nos dos profetas (da Assemblia de Deus) : porque na Assemblia havia muito esse negcio de profecia e eu achei na bblia e cheguei a uma concluso que realmente profecia no do jeito que elas falam. Profecia diferente. Na Assemblia eles oram, revelam e profetizam, ento ...eu achei na bblia que para voc profetizar ...... para saber o seu futuro...... voc tem que ser mdium. E mdium o demnio. L na Universal eu realmente descobri que essas pessoas que oram por voc e falam que o Esprito Santo quem est revelando, no nada de Deus, da carne , satnico.....por isso eu sa da Assemblia. Dessa forma, procurando responder a questo sobre a funo mgica desses objetos (tais como a gua, o sal grosso , o leo ungido dentro outros), em sua bricolagem contextual, preciso encarar o novo dimensionamento mgico que veio a ser reforado no mundo secular. 139 Os entrevistados apontam quanto a presena do smbolos do sal e do leo ungido os seguintes significados: fora moral (afugenta os maus espritos)- Sal. Santificao (cura) de ambientes ou dos corpos dos doentes leo. Os relatos seguem esta caracterstica: - M.C: l no altar l na frente. Sempre tem uma campanha diferente n. Tem um lugar pr colocar o pedido. As vezes voc pega o pedido coloca no azeite ou no leo n , ou de vinho ou o que for de uma coisa assim. Tambm tem dia que agente pisa no sal. Ento tem muitas coisas assim porque na bblia t escrito, voc j leu sobre jac? Voc naquela hora que ele separa as ovelhas ele e que o pai coloca seu salzinho l pra que as ovelhas nascerem do jeito que ele quer e pra produzir mais n? Ento tudo l na bblia eles tiram o propsito. Abrao derramou o leo na pedra primeiro , porque naquela poca o leo era muito precioso n, derramou o leo na pedra ... pra oferecer pra Jesus. Ento tinha sacrifcios, as vezes levavam sacrifcios. Ento as vezes tira alguma coisa da bblia e faz n... - M.E: Voc poderia falar dos materiais que so usados para essa libertao? D.N: Materiais? Ah! Sim.. a mais usada a que se usa necessria mesmo a uno com leo. Uno com leo pra enfermos, no . S que com o tempo... vou dar um exemplo aqui (risos) que eu vou falar .... O leo representado o Esprito Santo. Eu num falei que o Esprito Santo violento com o esprito maligno? A que t aonde a influncia do Esprito Santo .... a uno com leo um sinal assim vem c Esprito Santo, t tudo consagrado ento o lugar seu. T sagrado. Onde t sagrado a habitao de Deus. Aquele lugar vai virar um altar num importa que seja uma coisa assim um plpito ou uma arca a arca do Senhor no! O que importa ser consagrado. Se est consagrado- cab! Antigamente queimava incenso na presena de Deus, fazia essas coisas, hoje no! Hoje o tempo da graa! o tempo da manifestao do Esprito Santo. o tempo do Esprito Santo dominar. Jesus dominando com amor e o Esprito Santo dominando com o fogo. A verdade essa o sinal mais real da presena do Esprito Santo, da invocao do Esprito santo a uno com leo, ento j passa uno com leo nas paredes. Este paradoxo do objeto em seus trs ngulos de poder (contiguidade, semelhana e oposio) j descritas por Mauss na anlise da explicao da Magia (1974) 140 vem a reforar a dinmica, a fora vital que cerca determinado objeto possuidor de poder, de mana. Ainda nos deparamos com esta fora consumindo-se no rito, centelhas do poder divino cristalizadas em objetos sacralizados na vida contempornea. Interessa-me nestes trs atributos analisar as hierofanias dentro da Universal como exemplo da fora mgica dentro do substrato religioso , na necessidade em incorporar arqutipos da religiosidade popular, objetivando uma sintonia com o sagrado, imediatista, prtico e eficaz. Tal procedimento toma-l-d-c refora a necessidade do indivduo atomizado, fragmentado no mundo secular de encontrar meios informais (no institucionalizados) de contato com o sagrado. Sem mediaes por meio de uma nfase na busca individual, no xtase, na adoo de objetos que funcionam como talism potente de fora mstica ainda que sob a gide de proteo religiosa (positiva) em detrimento da negao ainda presente no ser humano moderno da bricolagem de seus atos mgicos em contato com o sagrado. Partindo ento das falas de meus entrevistados procuro ressaltar um instrumental chave para esta anlise , discorrer sobre a memria individual dos membro iurdiano, buscar os fios desta subjetividade que toca outros tantos e assim perfazem uma memria maior (mais densa e no melhor !), coletiva. Nada mais oportuno neste falar sobre as vidas dos sujeitos que se convertem a Universal que mesclar interpretaes atravs de memrias, colher fragmentos de histrias, lembranas que se cristalizam no tempo e espao presente (no ato da entrevista) como ns, intersees que interligam vidas diferentes a uma mesma sintonia independente das duraes individuais (Bachelard, 1994: 63-64) porque imaginam espaos como porto- 141 seguros da intimidade espiritual salvaguardados pela e na Igreja. Aqui se misturam dados individuais e coletivos. Os membros da Universal , como sujeitos em situaes limtrofes 120 (perda de um ente, fim de um casamento, dvidas) tentam alcanar um abrigo evocando as suas histrias nas histrias de Cristo, dos apstolos, fundindo o seu eu mais profundo com o exemplo evocativo das figuras bblicas. No dizer de Gaston Bachelard quanto a noo do abrigo enquanto espao da imagem do inconsciente projetado, vejamos (1998:32): Esses valores de abrigo so to simples, to profundamente arraigados no inconsciente, que vamos encontr-los mais facilmente por uma simples evocao do que por uma descrio minuciosa. Assim, pretendi seguir esse desafio de recompor espao, tempo, memria e rito tendo em mente o mosaico de interpretaes de vidas individuais recolhendo lembranas, lembranas de tempos duros e da promessa de uma vida melhor aqui-agora. So as falas dos entrevistados que possibilitaram o registro que aqui desenvolvi em anlise, sou apenas uma intrprete de suas memrias reconstrudas para um trabalho acadmico, mas que se vivificam no momento do relato em risos, lgrimas nas evocaes do passado e na espera de um futuro melhor.
120 Segundo a pesquisa Novo Nascimento surge um dado diferente das pesquisas at ento feitas sobre o momento de converso para a IURD. Os entrevistados dizem estar vivenciando uma situao normal quando vo para a igreja. Sanchis (1998) Velho (1998) vo criticar tal anlise, pois o que se entende por normalidade no um dado preciso. A prpria modernidade implica uma certa irracionalidade. Tanto que esta pesquisa , bem como as pesquisas anteriores sobre a IURD visam analisar o papel da religio na Modernidade, no meio urbano como remdio amargo (Bittencourt Filho, 1994:24) das populaes oprimidas (em grande parte) vivenciando problemas financeiro, emocionais, sociais. A IURD chega como apoio orfandade civil. 142 Ecla Bosi (1994: 39), em seu livro Memria e Sociedade, nos fala da tarefa de colher tais memrias e assim participa aos que tentam tal caminho como so as suas veredas: Se as lembranas s vezes afloram ou emergem, quase sempre so uma tarefa, uma paciente reconstituio. H no sujeito plena conscincia que est realizando uma tarefa: [ Eu ainda guardo isso para ter uma memria viva de alguma coisa que possa servir algum] (...). A memria um cabedal infinito do qual s registramos um fragmento. Freqentemente, as mais vivas recordaes afloravam depois da entrevista, na hora do cafezinho, na escada, no jardim ou na despedida no porto. Muitas passagens no foram registradas, foram contadas em confiana, como confidncias. Continuando a escutar ouviramos outro tanto e ainda mais. Lembrana puxa lembrana e seria preciso um escutador infinito. Para enfrentar tal desafio de traar nos discursos os fios das lembranas dos membros da Universal, utilizarei as noes pilares da Memria atravs do estudo de dois grandes tericos Bergson (1999) e Halbwachs (1990;1992). Intercalando os momentos individuais das entrevistas com a participao coletiva nos ritos da Universal procuro demonstrar a ligao entre memria individual e o corpus de lembrana evocadas pela coletividade, principalmente nos momentos orgisticos das reunies das sexta-feira denominadas de quebra da maldio. 143 Memria Coletiva busca do saber local iurdiano Qual seria a importncia da anlise da memria para os fiis iurdianos? Os dados percentuais indicam que a passagem 121 para a Igreja Universal recente: a IURD novo sistema de crenas ?! 122 Essas duas caractersticas revelaram que a utilizao da memria seria um complicador na tentativa de interpretao da viso de mundo iurdiana. Quando os membros iurdianos recordam a sua trajetria pessoal, nas malhas intricadas de seu universo de explicaes sobre seu passado e presente marcante a referncia da matriz afro brasileira. Este o n de que nos falava Halbwachs(1990) por onde perpassa a memria coletiva no dizer dos informantes a partir de suas histrias puxadas de suas memrias individuais a verso de que tratei nos captulos anteriores entre o particular, pessoal, tradicional das relaes bsicas e estruturais dos membros com um papel rearticulado, moderno, individual. Um segundo complicador qual seria o fato fundante para a IURD? A prpria desarticulao dos antigos significados para os smbolos extrados da matriz afro brasileira seria uma fonte a partir da qual se fundou a IURD. Qual seja a retomada dos orixs, caboclos, guias que vistos em contextos anteriores sem o implicador Bem/Mal passam a exercer neste plo seu atributo negativo. V-se aqui uma referncia herdada do catolicismo da poca da conquista.
121 Birman, Patricia (1994: 90) analisa as passagens entre os cultos de possesso e pentecostalismo colocando- as como espao de intrelocuo fludo, sincrtico de reinveno religiosa. 122 Achei bastante ilustrativa uma leitura recente que fiz sobre de Pordeus Jr, Ismael Espao, tempo e memria na Umbanda luso- Afro-brasileira (Grifo meu). Como podemos situar uma memria da Umbanda (extremamente sincrtica e brasileira!) no contexto lusitano? Isto seria numa leitura simplista um contra senso. No entanto, Pordeus Jr o faz brilhantemente em seu trabalho. E por que no analisar a memria para os membros iurdianos bastante prximo de um cabedal de crenas sincrtico??? 144 Tal viso acentuou conceitos etnocntricos que encararam tais entidades como malficas, o exu por exemplo. O fato fundante parece ser justamente a expulso dos demnios como ao primordial na conquista da prosperidade pessoal do membro. Vejamos porque no captulo final. Antes passaremos a analisar os smbolos que partilham do contexto iurdiano pontes para a sedimentao da memria coletiva iurdiana. Foi Campos (1997) quem classificou a retomada de objetos e atitudes mgicas dentro de novas vertentes religiosas como uma renaissance da nostalgia em relao a religiosidade popular abafada por muito tempo pela cultura secular/oficial/crist. Muitos autores apontam a nova era (Bruce in Mariano 1999) como o declnio das cathedrals (as instituies per si) e um apogeu da New Age: a retomada de um caminho mstico de encontro ao sagrado diminuindo-se a atuao institucional de igreja, acentuando- se porem nos encontros (de cura e queima de demnios) denominados por Mariano(1999) de sistema de magia organizado. Estes momentos de expulso dos demnios, cura, testemunhos, so marcados pelo aspecto emocional do momento da evocao nos cultos da Sexta feira. Uma ponte entre essa relao anterior e pessoal da lida com entidades tidas agora como malficas parece a primeira vista um mero surto emocional. No entanto, o carter regulador desses momentos orgisticos vm do papel do pastor e do atendimento pessoal aos possessos e no possessos tambm. O pastor controla o poder que simblico. Segundo Bourdieu (1998: 14): O poder transforma o arbitrrio em natural. O poder simblico reside numa relao determinada entre os que exercem e os que esto sujeitos na prpria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crena. Bourdieu denomina tal poder como invisvel sendo mediado pelos smbolos, instrumentos por excelncia de integrao social. O poder aparece pela eficcia do discurso performativo: autorizo porque sou 145 autorizado, segundo Bourdieu (1998: 115). Na comunidade iurdiana o transe controlado e o discurso do pastor tem legitimidade, a orao forte (sai, sai, queima, queima) serve para libertar as pessoas dos demnios, curar os doentes e trazer riqueza. O poder do pastor simblico e reflexivo age pelo consenso do grupo e sob ele prprio. No dizer de Bourdieu (1998: 117): O poder sobre o grupo se trata de trazer existncia enquanto grupo , a um tempo, um poder de fazer o grupo impondo-lhe princpios de viso nica da sua identidade, e uma viso idntica da sua unidade. A expresso comunidades emocionais foi primeiramente apontada por Weber (Apud Hervieu-Leger, 1997: 33) e caracteriza aquelas comunidades ligadas a figura do lder carismtico. No entanto, Hervieu-Leger busca menos o carter efervescente de tais surtos emocionais e sim o que eles tem de duradouro. No dizer da autora: Os grupos nos quais a prtica dos cantos, da dana, da glossolalia conduz os participantes a um estado de excitao coletiva prximo ao transe so pouco numerosos, e este estilo de religiosidade quente raramente duradouro. Mas todas as comunidades emocionais do um peso particular ao engajamento do corpo na orao, manifestao fsica da proximidade comunitria e da intensidade afetiva das relaes entre os membros beijam- se, abraam-se, tomam-se pela mo, ombro, etc.). A procura esttica e ecolgica de um ambiente favorvel convergncia emocional dos participantes tambm valorizada, bem como, de modo geral, a ateno dada as formas no verbais de expresso religiosa. (1997:33). Relacionando o contraste da emoo individual e o xtase coletivo (controlado) dos membros da IURD pude notar dois plos de ao do movimento de evocar lembranas um atento aos malefcios causados por espritos devoradores nomeados atravs da religiosidade afro-brasileira (a saber: tranca rua, pomba rua, sete- chaves, etc.) outro designado a salvar os membros desta evocao malfica pelos testemunhos individuais relatados na Igreja que falam de que forma estes sujeitos foram libertos utilizando comparaes bblicas de histrias de apstolos e do prprio Cristo com as dos membros que testemunham. 146 Nas reunies de quebra de maldio, o apelo Memria individual como passeio onrico ao encontro destes seres malficos que impedem o crescimento da pessoa o ponto de partida para a converso do sujeito que quer ver-se livre da presena do mal. Neste devaneio, a memria da pessoa (ligada ao esprito) passeia livre e a sua percepo na lembrana aprisiona-a (no corpo), materializa-a no ato presente da evocao. Bergson (1999: 161-162) aponta nesse sentido: preciso portanto que o estado psicolgico que chamo meu presente seja ao mesmo tempo uma percepo do passado imediato e uma determinao do futuro imediato. Ora, o passado imediato, enquanto percebido, , como veremos sensao, j que toda sensao traduz uma sucesso muito longa de estmulos elementares; e o futuro imediato. Ora, o passado imediato, enquanto percebido, , como veremos, sensao, j que toda sensao traduz uma sucesso muito longa de estmulos elementares; e o futuro imediato, enquanto determinando-se, ao ou movimento. Meu presente portanto sensao e movimento ao mesmo tempo; e, j que meu presente forma um todo indiviso, esse movimento deve estar ligado a essa sensao, deve prolong-la em ao. Donde concluo que meu presente consiste num sistema combinado de sensaes e movimentos. Meu presente , por essncia, sensrio-motor. Eqivale a dizer que meu presente consiste na conscincia que tenho de meu corpo. O que faltou em Bergson quanto a sua anlise da Memria individual foi a descrio do contexto dos sujeitos que lembram, daquilo que lembram e de sua ligao com outros indivduos que lembram. Halbawchs (1990, 1992) tenta resgatar no momento da evocao de memrias o dado coletivo de sua apario. Os indivduos lembrariam porque o grupo os faz lembrar. Este autor tenta trazer luz da discusso da memria os seus quadros sociais, a referncia do sujeito seu mundo social. Dados dessa pesquisa revelam esse aspecto: - R.B: Da ... da ... ns nascemos envolvidos com eles, minha me brincava ... mexia com macumba. Ento ns nos consultvamos com eles. S que eu fiquei decepcionado porque eu pensei que eles eram fortes ... eu pensava que eles vinham de Deus . Como eu vi na Igreja ... eu realmente a isto me ajuda at a fortalecer a aumentar a minha f. Eu vi l que eles andavam de joelhos ... Jesus os faz ficar de joelho , aquele que era forte que 147 eu dava beno pr ele , que os consultava , que iam l em casa eram todos o demnio. Mas eles no podiam nem chegar perto da Igreja! Eu s fiquei decepcionado com eles foi apenas uma decepo. (Grifo meu) No momento mesmo do devaneio rumo ao xtase, os membros do grupo participam da encenao conjunta que faz um ou mais sujeitos se retorcer, xingar e maldizer os presentes quando da possesso. Lendas, mitos e personagens das religies afro-brasileiras e de cultos ancestrais indgenas so recriados e aprisionados pelo indivduo possesso que fala a voz dos espritos maus contando a histria de religies adormecidas, esquecidas e principalmente negadas pelo discurso evanglico- cristo oficial. Paradoxalmente evoca-se uma memria que quer ser esquecida. A negao se torna reificao da memria. A idia de complemento X oposio ser til nesta pesquisa. Ao mesmo tempo que a IURD nega a religio afro-brasileira, ela necessita dela para construir a sua prpria identidade simblica: negando-a acaba reforando-a. No Dizer de R.B, um dos entrevistados, membro da IURD em Goinia: As entidades pomba-gira, exu-caveira, preto-velhos ns nascemos envolvidos com elas ... eu j as conhecia ... minha me brincava... mexia com macumba. Ento eu pensei que eles eram fortes... eu pensava que eles vinham de Deus. Como eu vi na Igreja... eu realmente a.... isto me ajuda at a fortalecer ...a aumentar a minha f. Eu vi l que eles andavam de joelhos... Jesus os faz ficar de joelho, aquele que era forte que eu dava beno pr ele, que os consultava, que iam l em casa eram todos o demnio, mas eles no podiam nem chegar perto da Igreja! Eu s fiquei decepcionado com eles ... foi apenas uma decepo... claro que voc sente medo, voc no meio de uma libertao... voc sente medo ... a pessoa sente arrepio, quando a pessoa incrdula ... quando a pessoa est longe de Deus ... ela vai pr Igreja normal sentir arrepios ... ela comea a tremer.. eu tremia. Comea a chorar ... aquela depresso, aquela angstia... a orao forte realmente mexe com a vida da gente. 148 Mariz (1997: 100), em um artigo intitulado Reflexes sobre a reao Afro- brasileira Guerra Santa, analisa o trabalho de Ari Pedro Oro sobre a Guerra santa: o movimento neopentecostal (sobretudo da IURD) X religio afro-brasileira, buscando verificar o que h de divergente entre eles. Mariz, no entanto afirma o ponto chave para a discusso que proponho: h um reforo na crena do poder sobrenatural das religies Afro- brasileiras. Ao contrrio do catolicismo e protestantismo intelectualizados que desconheciam ou tinham uma reao paternalista frente o poder dos orixs das religies sincrticas. As manifestaes na IURD que reforam o chamado das entidades vem corroborar a anlise de Halbwachs (1992) quanto a formao de Crenas, interesses e aspiraes do presente formadas no passado. A memria seria no entender deste autor uma construo social tendo o presente como terreno. Toda reconstruo do passado contextualizada. Ainda retomando o relato de D.M, membro iurdiano, vejamos: Ih! Antes ... ns quando no temos Jesus no corao a gente fica numa vida to assim ... amargurada ... derrotada... voc no tem em quem confiar, no ? uma vida muito ruim antes de conhecer Jesus. Depois que voc conhece, aceita e procura obedecer , voc sente uma paz interior. Pode vir o problema que vier voc tem em quem confiar: Jesus. Pois ele o mesmo ontem, hoje e eternamente ... Jesus ressuscitou os mortos..., curou os enfermos..., paralticos... cegos.... Ressuscitou Lzaro. Ele o mesmo hoje. que o povo no sabe buscar, por isso eu gosto da Igreja Universal, porque l eles ensinam a por a f em prtica. Nas outras igrejas no se ensinam essas coisas, as outras so umas igrejas assim ... completamente diferentes. As outras no ensinam a por a f em prtica. Ento as outras pessoas ... a maioria das pessoas de outras denominaes est passando pr Igreja Universal porque vem falar, vem na televiso. Esto com problemas? No dormem? Eles ligam o rdio ou a televiso de madrugada e escutam a palavra e o Esprito Santo fala com as pessoas. A as pessoas que tm Jesus vivem uma vida maravilhosa. Voc sente uma paz diferente depois que voc sente Jesus no corao. 149 Passar pelo momento da converso pessoal ou pela libertao do maus espritos traduzem-se em ritos pessoais que so incitados pela comunidade iurdiana. Neste rememorar o passado, muitas vezes negativo como o tempo longe de Jesus, ou o tempo que se achava t-lo encontrado, traduzida uma memria que precisa de contnua alimentao que vem das fontes coletivas, sustentada por propriedades sociais e morais. Em suma, no dizer de Halbwachs (1992) tanto quanto Deus precisa de ns, a memria precisa dos outros. A rememorao pessoal situa-se na encruzilhada das malhas de solidariedade mltiplas dentro das quais estamos engajados. Nada escaparia trama sincrnica da existncia social atual e na combinao destes elementos surge a lembrana, traduzida em linguagem. As falas aqui relatadas, bem como o momento dos cultos de libertao fazem submergir das entranhas individuais a trama do fenmeno religioso iurdiano como expresso caleidoscpia de uma aventura pessoal frente ao universo coletivo da religiosidade afro, crist e cabocla que esto nas razes de nossa formao cultural. Dessa forma, gostaria de analisar neste captulo o ambiente onde se propagam atitudes mgico religiosas (presentes em nosso imaginrio brasileiro) em que objetos divinizados so trocados como amuletos portadores de poder de cura, prosperidade e para exorcizar atos satnicos. O contexto por exemplo de uma das reunies , a de sexta-feira tipificado como o dia da quebra de maldies. Segundo Campos (1997) este tambm no Candombl o dia dos exus. Reincorporado na Universal esta reunio em particular visa aliviar, queimar todo o mal (corporificado em demnios como o tranca-rua, sete-saias, pomba-gira, etc.) que est impedindo as pessoas de obterem a cura, a prosperidade, a 150 salvao. Estes ltimos seriam justamente os produtos negociados dentro desse contexto ritual. A anlise de Bourdieu (1998) nos d um suporte terico para justamente esse consumo e venda de bens simblicos: a Universal nos oferece um exemplo concreto desse jogo de mercado. No dizer de Campos (1997) h uma verdadeira simbiose entre comrcio e religio. Retomarei na anlise deste ambiente mgico dois aspectos: uma anlise espacial da igreja e os rituais que nela so dramatizados. Para o primeiro, corroboro com as pesquisas de Mariano (1999) e Campos(1997) no tocante o aspecto fsico da igreja: quem viu uma j viu todas. So similares em despojamento (j que so descendestes do Protestantismo histrico), um altar com uma cruz e no reforo ao smbolo do corao (vermelho) dentro dele a Pomba que simboliza o Esprito Santo, entre o altar e a platia um grande corredor onde ficam os obreiros, no tamanho das salas (antigos auditrios de cinema reformados) que objetivam atender a nmeros crescentes de adeptos, no altar equipamentos de som High Tech, atrs do plpito cenrios de campos verdejantes e a piscina para o batismo nas guas. Antes de entrar no auditrio cada igreja possui uma loja em que so vendidos livros, CDs, fitas de vdeo e diversos outros produtos com a marca registrada da Universal. Quanto ao segundo aspecto relatei experincia que tive em relao a ritos de quebra de maldio nas sextasfeiras da Universal. Segundo Godelier (in Campos,1997:41), no h distino entre magia e religio sendo a primeira a forma prtica da expresso religiosa. Diante disso, poderia analisar este rito em particular como a busca do poder em exorcizar demnios, baseado na crena sedimentada de sua existncia (cultos 151 afro-brasileiros) e da necessidade em livrar-se deles buscando um socorro, um alvio imediato, um recurso mgico . Caracterizar a Universal como pronto-socorro espiritual ou como sindicato de mgicos foi feito por diversos autores que so citados nos trabalhos de Campos(1997) e Mariano (1999). No dizer de Edir Macedo (1993:21): A igreja o pronto-socorro dos acidentados espirituais e a tbua de salvao quando porventura nossos passos resvalam e conhecemos a derrota do pecado, nos reconquistando com ternura. Ela cr em ns e nos ajuda a atingir o ideal de Deus para conosco, e em nada disso encontramos lugar para flutuaes teolgicas e dissenes doutrinrias(Grifo meu). Neste cenrio mgico em que o sincretismo parece ntido, a reunio comea. Hinos e cnticos estimulam a platia de crentes , passagens bblicas so citadas aleatoriamente com o propsito de reforar certos membros(em especial) a expurgar o mal que est afastando-os do caminho de Deus. A igreja a comunidade moral (Durkheim, 1990: 65) entra em transe e h os que chegam ao xtase (o pice) da incorporao de entidades malficas- a performance a mesma: o corpo da pessoa fica retorcido, a cabea baixa e as mo para trs em forma de garras, a voz se modifica e o pastor (em especial) e os obreiros com a imposio das mos tentam dominar esta entidade chamando pelo seu nome e queimando seu poder. Segundo Bergson (1999: 89): (...) e essa conscincia de todo um passado de esforos armazenados no presente ainda uma memria, mas uma memria profundamente diferente da primeira, sempre voltada para a ao, assentada no presente e considerando apenas o futuro. Esta s reteve do passado os movimentos inteligentemente coordenados que representam seu esforo acumulado; ela reencontra esses esforos passados, no em imagens-lembranas que os recordam, mas na ordem rigorosa e no carter sistemtico com que os movimentos atuais se efetuam. A bem da verdade, ela j no nos representa 152 nosso passado ela o encena; e, se ela merece ainda o nome de memria, j no porque conserve imagens antigas, mas porque prolonga seu efeito til at o momento presente. No h uma seqncia pr determinada da liturgia iurdiana, o que interessa em particular a ao prtica da cura e de aquisio de bens simblicos e materiais aqui / agora: lemas tipo Pare de Sofrer! sintetizam um novo ethos baseado nas graas obtidas para a aquisio da prosperidade. Para tanto Campos(1997: 112) comenta: (...) o pastor funciona como o controlador do clima teatral. No culto-espetculo, todos ficam dependentes de sua orientao e de sua equipe de trabalho. ele quem encaminha a encenao, com a ajuda do grupo de obreiros, como se no houvesse uma ordem litrgica pr fixada, isto , a encenao aparenta no possuir um sistema de auto-regulao em si mesma, o que exige, na ausncia do pastor, que algum assuma a funo de controle de fronteiras. Acentuando-se o imediatismo requisitado junto ao sagrado no meio iurdiano poderia enfatizar a ao dos pastores obreiros e membros em relao a simulao racionalmente analisada a primeira vista. No entanto, Mauss (1974) afirma se h simulao h uma crena no poder mgico a priori , ou seja pela coletividade que pede que o mgico simule. Se no acredita pelo menos no seu poder acredita no poder dos outros. Ou melhor, no dizer de Bourdieu (1998: 55) o poder simblico de acreditarem em seu prprio poder simblico. Weber (Apud Campos, 1997: 42) postula que na realidade no h uma oposio magia versus religio. Mesmo o sacerdote na viso racional /secular possui caractersticas que o qualificariam como mago em certas ocasies dentro do contexto da igreja. Passando da teoria a prtica, teramos na encenao iurdiana, um cenrio de busca de solues mgicas em que os scripts da cena, ainda que no ensaiados aprioristicamente revelam uma necessidade de reforo a crenas no poder de ao imediata 153 de certas hierofanias (nas campanhas e nas reunies em geral) e em amuletos verbais (queima) para obteno de cura, prosperidade e salvao? Segundo Campos (1997) magia e religio complementam-se mais do que se excluem. Assim respondendo a questo se estaria ou no o homem moderno mais ligado a magia do que a religio, passaramos para a seguinte anlise: religio e magia se fundem, no se excluem, uma seria o reflexo da outra. Magia a necessidade de profanar o sagrado. Religio a sacralizao do profano. Para tanto, Campos (1999: 42) coloca : Nesse sentido no podemos concordar com Peter Fry e Howe(1975:81) que atriburam apenas umbanda uma certa perspectiva mgica nessa busca de coerncia e sentido para a vida no meio urbano, isentando-se o pentecostalismo dessa perspectiva mgica. Consideramos a magia como uma das possveis chaves de interpretao do fenmeno neopentecostal, desde que no se atribua ao termo magia um sentido negativo ou depreciativo. Por isso no compartilhamos do medo de afirmar que algumas prticas iurdianas podem ser interpretadas como aes mgicas, particularmente pelos que aderem a essa Igreja e ainda mantm a viso de mundo mgica das religies populares, de origem crist ou afro-brasileira. A magia dentro do contexto iurdiano funcionaria como um apelo a certas situaes limites em que a religio no prov ao indivduo certas respostas como no imediatismo de solues que s a praticidade mgica resolveria as campanhas de prosperidade financeira, por exemplo. Nestas, so enfatizados as lutas individuais para a obteno da vitria material e espiritual. Os objetos devidamente contextualizados so fragmentos de necessidades coletivas que geram um conjunto de representaes que so lembradas nos rituais, como no caso da reunio das sextas-feiras em que so usadas guas fluidificadas e leo para uno de pastores, obreiros e pessoas possessas. Pollak (1989) nos fala da memria subterrnea que ser importante resgatar nessa pesquisa. Os fiis na IURD vem de um passado de crenas onde as religies 154 afro eram vistas negativamente. O termo macumbeiro fez com que houvesse na memria coletiva do imaginrio brasileiro uma viso etnocntrica dessas religies populares. A memria desses cultos esteve ligada ao segredo, no dito e aos cultos fechados dessas expresses religiosas. A memria que ressaltada no culto das sextas feiras objetiva desfragmentar a crenas em tais cultos que foram por muito tempo parte da memria coletiva subterrnea (no expressa) dos grupos minoritrios. Entretanto, na IURD a possesso e o exorcismo pem em relevo essas expresses, no como positivas, mas sim negativas e demonacas. A memria dos cultos afro resgatada, como numa memria por tabela. A performance ritual traz para a memria coletiva dessas minorias o poder expressar-se institucionalmente. Paul Connerton (1989) em sua obra How Societies Remember diz que os rituais so os verdadeiros sustentculos da transferncia da memria: I want to argue that leads us to see that images of the past and recollected knowledge of the past are conveyed and sustained by (more or less ritual) performances. Em suma, temos no ritual a chave para o entendimento da trama coletiva elaborada pela memria na IURD. Nesse contexto lembrar significa tomar por emprstimo os smbolos de outro contexto, negando-os, mas ressaltando sua fora como impedimento maior ao crescimento da pessoa no dia a dia. As entidades so fortes, por isso devem ser exorcizadas pelo Esprito Santo que pode mais na determinao do sai, sai do pastor. 155 O sincretismo: a possibilidade de trnsito para a verso neopentecostal Antes de discorrer sobre como se processa a mudana da religio de bero do membro (isto o catolicismo popular e religiosidade afro brasileira) para a verso iurdiana fao uma anlise sobre o sincretismo. 123 Segundo Srgio Ferreti (1999: 113-130) a terminologia sincretismo suscita um sentido negativo, como uma mistura confusa. No entanto, tal autor retoma o trabalho de Andr Droogers analisando os dois sentidos do termo em questo 1) Objetivo neutro = mistura de religies 2) subjetivo = a avaliao de tal mistura. A pureza um ideal, salienta Ferreti, de toda religio que pretende ser verdadeira . No entanto, ele ainda afirma, o sincretismo faz parte de todas as religies. Como os demais elementos de uma cultura a religio no se define por uma nica origem. Atravs da Inculturao as religies hegemnicas, o Catolicismo por exemplo, tentam purificar o sincretismo. Como porta aberta de passagem de uma cultura a outra, o contato intertnico sedimentou pontos de contato entre o catolicismo e as crenas amerndias e africanas. Toda cultura possui esta dinmica, no se v nenhum universo cultural que seja puro. Como no h religio isenta de ressignificaes a partir do contato entre culturas. No prprio quilombo de Palmares 124 a existncia de capelas com santos catlicos 125
exemplo da persistncia do sincretismo afro brasileiro como marca desse processo.
123 Segundo Ferreti (1999:113-130), em seu trabalho sincretiismo afro-brasileiro e Resistncia cultural, o Aurlio explica o termo sincretismo da seguinte forma: reunio de vrios estados-nao da Ilha de Creta contra o adversrio comum. 124 Ver Videira Pires (Apud Ferreti, Op. Cit. ) 125 Iemanj ligada a figura de N. S. Conceio aparece muitas vezes de cor branca e olhos claros. A novela das oito horas da TV Globo apresenta uma imagem deste orix com tais caractersticas. 156 No dizer de Ferreti (1999: 117) quanto a anlise dos santos e voduns da Casa das Minas, temos: A devoo ou adorao de um vodum a um santo no implica a confuso ou indistino entre ambas as entidades. Os devotos dos voduns e dos santos no confundem um com o outro. Provavelmente, no passado, esta devoo teria se originado da estratgia de aceitar a dominao, como forma possvel de sobrevivncia numa sociedade opressora.(...) J ouvimos lderes religiosos afirmarem que no retiram imagens de santos catlicos de paredes e altares, para seus terreiros no serem confundidos com igrejas de crentes. Gostaria de classificar a partir do panteo afro-brasileiro o Candombl, a Umbanda, a Macumba e alguns ritos caboclos como o Tambor de Mina e o Catimb Jurema. Pretendo traas algumas pontes entre esses universos at a IURD, onde se encontram alguns matizes de sua expresso simblica. Quero pinar a partir dessa expresso plural algumas caractersticas comuns entre tais contextos principalmente no que tange: Primeiro: A alterao na IURD dos conventculos, que refora a idia de compromisso (no Candombl) para a tica racional da conduta pessoal independente da feitura do santo. Segundo: A aproximao da idia da salvao individual na IURD com a identidade no orixs apesar, os seres humanos, so filhos e filhas de santo, nascem de origens diversas para o candombl. Terceiro: O resgate na Umbanda da palavra em detrimento do sacrifcio de animais. Quarto: A noo de gozo da vida terrena na Umbanda, em oposio ao tema crmico (pagar na terra os possveis erros do passado, reencarnando) do Kardecismo. Quinto: a Reelaborao do elemento dialtico (bem, mal) no jogo de sombras e luzes do Candombl e da Umbanda. 157 A aceitao dos desviantes 126 (mesmo que possudos) que se expressam livremente na IURD, relatando um passado s vezes constrangedor em seus testemunhos no meio iurdiano. O Candombl, segundo Epega (1999: 149-157) e Prandi (1999: 93-111), expresso de trs naes. Ketu, Angola, Jeje. A primeira oriunda da terra Iorub. Fala a lngua Iorub e cultua orixs 127 e egunguns (ancestrais). Na Bahia os terreiros principais so: a casa Branca do Engenho Velho, Alaketo, Axe Op Afonj, Gantois. Os povos iorubanos so chamados por naes Ef e Ijex na Bahia. Nag ou Eba em Pernambuco, batuque de nao no Rio grande do Sul, Mina-Nag no Maranho e a quase extinta nao Xamb em Alagoas e Pernambuco. A Segunda, a tradio angola vinda da tradio Banto. Cultua os inquices e fala inmeras lnguas bantos como o quimbundo e o quicongo. Cultua os caboclos considerados pelos africanos como os verdadeiros ancestrais brasileiros. O candombl de Angola deu origem Umbanda. A terceira a nao Jeje, originria do Benin (Daom) e Tongo, fala a lngua eb-fon anjeje, cultua os voduns como entidades centrais. H o candombl de Egun (mortos) de influncia no Catimb (Jurema). Cultua os espritos, mestres e caboclos que se incorporam no ser para aconselhar, receitar, curar. Chamado de Jurema (na utilizao de suas folhas nos rituais de baforar com o charuto), tor, pajelana, babau, encantaria e cura.
126 Os desviantes: homossexuais, alcolatras, presidirios, prostitutas. No jornal A folha Universal h uma parte dedicada a converso dos presidirios IURD. 127 Para Bastide (1978:18) Os orixs so deuses nags (franceses designam os negros de lngua Iorub, da Costa dos Escravos, frica). Para os daomeanos so os voduns. Caboclos ou encantados, so os deuses dos mestios de ndios. 158 Segundo Roberto Motta (1999:17-35), o Catimb surgiu a partir do culto dos mestres, espritos curadores de origem luso brasileira, acrescentaram entidades africanas e dos caboclos Apresenta-se mais nas reas rurais do Nordeste (Recife e Natal), onde se conservou mais a memria e a identidade indgena. Cultuam os Exus (masculinos) e as pombas giras (femininos) 128 que passam a formar conjunto autnomo e diferente do Xang e do Candombl. Em tais contextos os exus desempenham papis de grande importncia, mas dentro de um quadro de subordinao aos outros orixs. No Catimb no se utiliza o sacrifcio de animais, e a consulta atravs do transe verbal pelos mdiuns. O Xang em Pernambuco aproxima-se do Candombl na Bahia. Cultua os orixs. uma religio sacrificial. O ritual tm aspectos mgicos e os transes ocorrem em carter exttico, apesar dos cantos e das danas. O Tambor de Mina, por sua vez o estilo de convento aparece. Segundo Mundicarmo Ferreti (1999:40), a entidade que domina Lgua Bogi Bo da linha da mata (de caboclos). Conhecida em outros estados. Cultuam os voduns e os caboclos. Esta classificao tambm aparece do Terec de Cod (Maranho), Religio Banto. Os terecozeiros falam que os pajs denominavam de brinquedo a lida com essas entidades. H a distino entre os voduns velhos e as entidades que foram surgindo ligadas a arrebatao nova que no pertenciam nem ao Tambor de Mina, nem ao Terec tais como exu, pomba-gira, caboclos de pena e outros, da Quimbanda. Cod, no Maranho, segundo Mundicarmo Ferreti foi considerada a terra do feitio. Os terecozeiros distinguem bem a quimbanda (magia para os mal na lida com exus e pombas-giras) do
128 Esta separao, no entanto no estritamente sexual. Estas caracterizam estilos das entidades. Tanto um exu pode baixar em uma mulher (como vimos na IURD), quanto uma pomba gira num homem. Bastide analisa os orixs tambm em seus estilos pessoais. Um orix feminino (Iemanj) pode ser dono do ori (cabea) de um homem, Xang (masculino, S. Pedro) pode ser dono de uma cabea de mulher. 159 Terec ligado a entidade de Lgua Bogi, apesar de afirmarem que ele tem uma banda negra. Analisando os efeitos do sincretismo entre as religies dos caboclos, o Cristianismo e as religies afro tm-se as seguintes caractersticas: O Candombl sincrtico , influenciado pelo Cristianismo, pelas religies indgenas e at religies orientais (Epega, Op. Cit.). Essa religio inicitica, pautada pelo segredo, a transmisso oral de conhecimento religioso. O conhecimento em terra Iorub era transmitida pelo babala, detentor, mestre, sacerdote. A sabedoria vinha do culto a Orumil senhor do orculo sagrado de if. Segundo Bastide (1978), o ritual no propriamente secreto, participam um nmero de pessoas. O axogum quem o realiza ou ento o babalorix. O objeto a ser sacrificado (o animal) muda conforme o sexo do orix. Primeiro para o exu (que deve ser o primeiro a ser servido, com animal de duas patas), e em segundo para a divindade que se esto celebrando. O exu nunca baixa, se o faz aqui h a analogia com o catolicismo. xtase divino (dos orixs) e possesso demonaca (exu). Na sucesso ritual tm-se a consulta If, ou de Bzios que o sucedeu, lavagem do fetiche (colares com as cores dos orixs correspondentes) depois a feitura do ori (cabea da Ias as novias, que durante mais de um ano ficam na camarinhas sendo vigiadas pela me de santo), depois o orunk (dar o nome). O que me interessa nessa anlise a iniciao dos filhos e filhas de santo onde se reafirma o carter de compromisso relativo aos terreiros que funcionam como conventculos. Segundo Carneiro (1991) o Candombl a casa das filhas, sendo elas que sustentam econmica e religiosamente os terreiros. um ofcio feminino. Na Bahia, por exemplo antigamente no se faziam filhos de santo. O carter de submisso muito forte. 160 o orix que escolhe o seu cavalo, intermedirio com o qual se comunica com os homens. Alm disso na sucesso desde as ias a t as me-pequena e me o que conta o tempo de iniciao. Esse carter talvez seja uma das respostas do trnsito entre os que freqentam os terreiros para as religies pentecostais. A no necessidade dessa dependncia faa do exorcismo um ritual de quebra desta tradio, quebra da feitura do santo, quebra da maldio, como interpretada no contexto iurdiano a antiga aliana com o orix, dono da cabea. Essa aliana, por sua vez ainda forte porque no momento da expulso do mal os orixs no sucumbem a tal queima propriamente dita. Segundo Valado (1999: 141-142): As razes do culto ao orix individual so o resultado de experincias mltiplas, nas quais o corpo fsico torna-se veculo sensorial dessas experincias que por sua vez so nicas, de modo que qualquer definio faz parte de um universo muito particular de cada um. A iniciao para o orix ser a conseqncia desse primeiro momento. A aceitao por meio e pelo meio religioso ser um passo decisivo na longa trajetria inicitica. H aqui a unificao divindade/homem. O Axe (fora) do orix foi sacramentado na cabea do filho(a) de santo tornando-se um nico ser. O divino no se separa do profano apenas existem momentos que ele se eclipsa, mas est sempre presente. Essas duas caractersticas fazem do filho de santo um ser voltado a algumas obrigaes e tabus, os quais na vivncia do carter do sujeito moderno tendem a alterar certas condies, inventando e alterando a expresso do Candombl original. Segundo Maria Lima Leo Teixeira (1999: 131), as tradies se opem as convenes ou rotinas pragmticas sendo inventadas (Aqui retoma as anlises de Hobsbawm & ranger, 1984) quando ocorrem mudanas amplas e rpidas no ambiente social. 161 Para tanto, temos o seguinte esquema: quanto maior a religiosidade no mundo ps moderno menor a fidelidade a religies determinadas. Quanto maior o marketing atravs dos meios de comunicao de massa maior a competio. Quanto maior a adeso a um sistema de crenas, no implica na diminuio de outras crenas acentuando a polifonia do social. Birman (1994: 90-100) coloca exemplos dessa passagem (espao de interlocuo pais de santo pastores e fiis que transitam nesses universos), no Caso que Birman denominou de Augusta. Essa mulher, segundo a autora, havia sido iniciada na religio afro brasileira, mas o esprito era muito forte a coisa ruim no descia. A face feia s mostrada (exu, caveira, sete capas, etc.) na IURD enquanto nos terreiros evidenciada sua face bonita. Augusta no conseguiu se desvencilhar dos espritos. Aqui abriu-se um espao para a negociao. O Exu reconheceria a Universal como a casa de Deus. A imagem desse ente negativa, mas que se deve respeitar. Esse um exemplo de como a IURD trabalha com uma populao flutuante que vai dos terreiros e centros Igreja e que podem necessariamente fazer o caminho inverso. Um outro ponto tambm que explorado por Birman quanto ao papel dos pais de santo e pastores que funcionam como os mediadores da contra magia. Os primeiros avisam aos fiis qual a entidade que os est perturbando. Os fiis saem dos terreiros e tentam afastar o mal exorcizando-o na IURD, atravs da orao forte do pastor. Segundo Birman (1994: 107), os chefes de terreiro perderam poder de cura (queima dos males na IURD atravs dos pastores e obreiras) apesar de manterem poder divinatrio (indicam as entidades que cercam as pessoas). 162 No entanto, fica evidenciado que nessa quebra de maldio as entidades que aparecem so ligadas ao baixo escalo como os exus, pomba giras e demais personalidades espirituais sincrticas da Umbanda e Macumba. No se nomeiam os orixs propriamente ditos mas sim a influncia malfica do exu (em seu lado apreendido do Cristianismo como o mal) e os seres viciados como as pombas giras e os z pilintras. Talvez esse carter venha a reconfirmar a crena nos orixs e sua separao com os seres menores no meio iurdiano. Isso no aparece no discurso querem afirmar ter expurgado os males dos antigos centros espritas dos quais dizem fazer parte. Mas no queimam, nem nomeiam os espritos evoludos (Karecismo e sua influncia na Umbanda), nem os orixs (do Candombl) no momento do transe. Se h uma tentativa de se livrar do modelo tradicional de religiosidade e de superar a hierarquia pessoal do membro pretende-se ao mesmo tempo manter a hierarquia pelo menos no que tange ao mal. Reconhece poder e fora dessas entidades no ato do exorcismo na IURD. O quadro que vem a seguir pretende esquematizar o embate de foras entre as entidades e os fiis na IURD. O esquema traduz uma oposio de hierarquias e ao mesmo tempo uma retomada das entidades do panteo afro brasileiro que do sentido ao ritual. Verdadeiro combate entre as foras do bem e mal uma articulao de poder acima de tudo. 163 Hierarquia de foras na luta bem versus mal Segredo Memria por tabela Esprito santo Mal (policentrismo) Bem (unidade) poder A Orixs complemento oposio Bispo poder Ex u da morte, Pastores, B Sete capas,etc. Pretos velhos, caboclos Pastores Poder C Z pilintras Pomba giras Pastores Cosme Damio R Obreiros
Ritual de libertao = Embate entre hierarquias Legenda: Escala pontilhada- Orixs: os mais fortes na escala hierrquica, aparecem no discurso da guerra espiritual, mas no so exorcizados no ritual. 164 Quero agora caracterizar a Umbanda e expor dois aspectos principais (o retorno a palavra e o aspecto de gozo no mundo essenciais para essa Religio). Segundo Prandi (1999: 93-111) da difuso do antigo Candombl no Rio e em So Paulo ,nasceu a Umbanda. Esta expresso aliou-se as tradies africanas, espritas e catlicas. Ao contrrio das religies negras tradicionais, a Umbanda surgiu como religio com aspecto universal. Pretendeu apagar as feies advindas do Candombl, principalmente a mentalidade de origem tribal e escrava. Houve na formao da Umbanda uma tentativa de branqueamento da sua matriz original. O espiritismo de Alan Kardec baseado na concepo crmica do mundo de inspirao hindu com preceitos cristos e uma dose de racionalismo, fundiu-se com o Candombl dos negros e pobres. Assim, foi criado em 1920 o Primeiro centro de Umbanda, formado pela dissidncia do Kardecismo que rejeitava a presena de negros e caboclos considerados pelos espritos ortodoxos como inferiores. Quando houve em 1941 o Primiero Congresso de Umbanda a proposta era valorizao dos elementos nacionais como o caboclo e o preto velho (indgenas e escravos): Segundo Prandi (Op. Cit.: 99) A Umbanda tratara de limpar a religio nascente de seus elementos mais comprometidos com a tradio inicitica secreta e sacrificial tomando por modelos o Kardecismo que expressava idias e valores da nova sociedade capitalista. A adoo da lngua verncula , a simplificao da iniciao , a eliminao quase que total do sacrifcio de sangue. Manteve-se o rito cantado e danado dos candombl, bem como um panteo simplificado de orixs, j sincretrizados com santos catlicos, reproduzindo um calendrio que segue o da Igreja Catlica. O centro do culto no dia a da estar ocupado pelos quais, caboclos, pretos velhos e mesmo os seres malficos e interesseiros exus masculinos e femininos, as pomba giras j cultuados em antigos Candombls baianos e fluminenses. Roberto Motta (1999: 24), por sua vez, analisa a Umbanda branca como tendo as seguintes caractersticas: 165 F no progresso indefinido do universo e dos espritos encarnados e desencarnados residentes na terra, noutros planetas, noutras galxias. Reinterpretao das divindades do Xang e do Candombl, que passam a ser encarados como espritos que j teriam atingido ou ainda no determinado estgio de evoluo. Segundo, importncia atribuda pelo Kardecismo a doutrinao ensinamento dialgico entre encarnados e desencarnados. Valorizao da palavra e do logos como fator de racionalizao das religies afro brasileiras. Logos X eikon (cone-imagem) analogia para os adeptos da Reforma em que o contraste com o Catolicismo popular implica forte reao iconoclasta , desvalorizando sacramentos e rituais e enfatizando a palavra, as escrituras a doutrinao. A nfase na palavra, a diminuio do aspecto iconoclasta e sua caracterstica como no sacrificial fazem da Umbanda uma Religio onde suas caractersticas fazem o trnsito para a IURD possvel, sendo proselitista, condena a idolatria, e os sacrifcios simblicos so feitos atravs do dinheiro e no o sacrifcios de sangue. Segundo Motta (op. Cit.: 26). Na Umbanda, a sua organizao tipo seita, sociedade contratual, diferente da sociedade institucional. A iniciao ritual e o carisma so descartados em favor do desenvolvimento das capacidades individuais que deveria resultar numa estrutura burocrtica. Encontra-se em congregaes de alta Umbanda, um staff formalmente escolhido pelos componentes do grupo. Mas na prtica essa ideologia democrtica serve para legitimar o poder exercido por curandeiros, magos, videntes a partir de seu carter pessoal. Nas cidades houve o que Motta chama de Xang Umbandizado = Kardecismo + Toques e danas, Hierarquia do Candombl. Ou o que denominado por Omoloc (Tancredo Silva Pinto Apud Motta). O Xang Umbandizado a crena nos orixs submetidos a complicados processos de desdobramento mitolgico muitas vezes sob a influncia da literatura erudita e a introduo de elementos do Kardecismo. Houve nesse espao o crescimento da palavra e distanciamento do xtase ao seu modo silencioso do Xang, a desvalorizao do jogo de bzios em favor da consulta verbal. nos terreiros desse tipo que se observa o mximo de teatralidade ritual. O enfraquecimento da matriz 166 icnica acarreta o exagero gestual e faz a diferenciao entre o Xang e o Xang Umbandizado. O crescimento desse tipo de Umbanda acarreta, segundo Motta (op. Cit: 31), a sintonia da Umbandizao do Xang e do Candombl, o enfraquecimento das tradies religiosas e a atuao de carismticos, empresrios para o mercado de bens simblicos. Aqui coloco a IURD nesse processo de efervescncia que tende a se rotinizar nessa expresso religiosa. Nesse sentido, Mariz (1994: 24-34) lana a seguinte hiptese em seu trabalho Comparando carismticos e pentecostais : A racionalizao da religio e do pensamento em geral levaria a um tipo de construo e de identidade que se oporia ao desenvolvimento do sincretismo enquanto prtica religiosa mltipla. O exorcismo ou o processo de libertao e expulso do demnio seria a forma de reafirmar o poder de Deus. Entretanto, vejo no meio iurdiano prticas rituais que invertem o valor atribudo aos orixs e entidades do panteo afro brasileiro. A novidade que o exorcismo visa queimar as antigas divindades ressignificadas como malficas. Sendo assim, no se caminha para o abandono do sincretismo como forma de racionalizao na procura da unidade com Deus. Se h essa unidade ele provm de uma hierarquia e um conhecimento de lida com as entidades malficas que realimenta essa crena. O mal inclusive nomeado, detalhado e expurgado como base dessa expresso religiosa. Se a racionalizao tender a desarticular o sincretismo, a IURD provavelmente sucumbir. Esta igreja vive de um contedo extremamente sincrtico. A via pela expulso do mal enquanto no Candombl e Umbanda a exaltao das divindades e os trabalhos para os exus (entidades malficas) que representam a chave desse ritual de origem. Tanto que se houvesse a total 167 desarticulao das religies de origem os orixs seriam queimados tambm nesse processo, o que no acontece como veremos no ltimo captulo. Um outro aspecto do transe religioso que gostaria de abordar antes de finalizar trata-se do gozo pela vida que enfatizado tanto no Candombl, quanto na Umbanda. Essa ltima herdou da primeira a idia de a experincia neste mundo implicar a obrigao de goz-lo, a idia da realizao do homem se expressar por meio da conquista da felicidade terrena, questionando assim a noo Kardecista da evoluo crmica. Na umbanda, valoriza-se a importncia de se subir na vida. Os deuses esto a favor dessa possibilidade de mudana de ordem. necessrio que cada um procure a sua realizao plena. Nessa religio h um incentivo a mobilidade social aberta a todos sem nenhuma exceo. Cada um pode mudar o mundo a seu favor pela via ritual, os despachos por exemplo. Tendo em vista a IURD em seu aspecto ritual, a expulso do demnio a meta para se conseguir prosperidade. Nesse sentido, o trnsito entre a Umbanda e a Universal extremamente facilitado pelo ethos iurdiano que garante a vitria para aquele que luta, na viso de mundo (que j possua) da felicidade terrena e material como necessrias, bem vindas e presentes no plano de Deus. Esse aspecto (herdado da Umbanda) est presente nas reunies os fiis aderem a Igreja Universal, pela sua orao forte e pela nfase no carter da felicidade aqui/agora. A diferena entre tais universos? Est justamente no fato da IURD tentar institucionalizar as entidades para universalizar a guerra espiritual, expurgar o verdadeiro mal que atinge os seres humanos traduzido na adorao de orixs, santos, caboclos, guias no candombl e umbanda. Dessa forma, expurgando o mal o fiel poder ter prosperidade tanto financeira quanto espiritual. O Captulo seguinte expor esta caracterstica. 168 CAPTULO QUATRO: A Riqueza Divina bens espirituais, materiais e curas. 169 O Dzimo e o desafio: do kula ao pollatc moderno, uma nova forma sacrificial no meio iurdiano O carter universal estudado por Mauss (1974) e Malinowski (1984) sobre as formas sacrificiais do dar para receber (Dom e o contra Dom) parece adquirir no meio iurdiano caractersticas peculiares. Com slogans tipo pare de sofre! a IURD adota como herana do Metodismo a riqueza como Dom divino contra o iderio medieval da condenao da usura mais fcil um camelo passar por um buraco de agulha, do que o rico ir para o reino dos cus. Esta viso de mundo j havia sido reavaliada durante a Reforma e o Trabalho de Weber (2000) na tica Protestante e o Esprito do Capitalismo ressalta o princpio da riqueza como fruto abenoado do trabalho humano. Na IURD para se avaliar a Teologia da Prosperidade tem-se que analisar primeiramente o enfoque sobre o sacrifcio, prtica to combatida pelas outras religies pelo exagero que a Universal d no que tange ao dzimo 129 . Muitos autores analisaram os processos pelos quais respondeu Edir Macedo (vilipndio, estelionato, uitilizao da igreja como mercado, envolvimento com os narcodlares- denncia de Carlos Magno, antigo pastor da IURD). A mdia se encarregou de colocar sua lente (de aumento?) sob esses processos no que tange ao vdeo vinculado na Rede Globo sobre a pedagogia de Macedo e seus pastores de como angariar fundos para a
129 D.N membro da igreja de Deus, fala sobre a IURD sendo uma igreja forte, que vende bem no mercado de bens simblicos, em detrimento da sua prpria igreja que no sabe vender. Mas afirma que eles pedem muito. 170 Universal. O episdio do chute da Santa em 1994 veio a culminar com a viso negativa que a IURD tm dentro do prprio meio evanglico. No entanto ser mesmo recente o aspecto sacrificial na doao de bens materiais para a aquisio futura de poder espiritual e material? O prprio Kula dos trobriandeses em seu aspecto que circula colares e braceletes no abriria uma margem para a anlise da doao em retribuio e da retribuio como doao? Neste caso os braceletes e colares mais preciosos passam pelos trobriandeses na medida em que eles os devolvero para que circundem, mas que oxal voltem o mais breve possvel para seu cl? Dentro dessa viso tribal o Kula como sistema de troca funciona como alianas que envolvem casamentos, paz entre as tribos, equilbrio entre as populaes das ilhotas quanto a subsistncia. Na viso iurdiana, no entanto o dzimo, o desafio e as ofertas garantem um vnculo se no entre a comunidade (se bem que o dzimo tem uma caracterstica para manter a obra do Senhor) 130 entre o fiel e Deus. Um princpio de devolver j que o milagre visvel. Tanto no aspecto do aumento da poupana pessoal (a eticizao de que nos falou Mariz, menos gastos com bebida, drogas, cinema, cigarro), quanto na aceitao da cura como retribuio dos desafios feitos e da fidelidade do dzimo. As curas, a prosperidade pessoal so perfeitamente normais numa viso de mundo baseada na aliana membro- Deus e na retribuio dos favores de um pelo outro. Segundo Fernandes (1998: 68) no a simples lgica egosta do dar para receber, mas sim da retribuio de algo que se recebeu. Indo por esse vis passemos a
130 Eles ressaltam o papel do dzimo atravs de um versculo bblico Malaquias 3,10 Trazei o dzimo integral para o Tesouro, a fim de que haja alimento em minha casa. Alimento em minha casa. Provai-me com isto, disse Iahweh dos Exrcitos, para ver se eu no abrirei as janelas do cu e no abrirei sobre vs bnos em abundncia. 171 anlise do Potlatch estudada por Mauss (1974) executado pelas populaes do noroeste americano. Nesse caso o princpio era quem perder ganha. Envolvia entre os participantes dessa troca intensa (mantas, utenslios, etc.) duas caractersticas crdito e honra. Quem mais recebeu teria que devolver em dobro. Godbout (1999) em seu Livro o Esprito da Ddiva ir analisar a existncia do princpio da doao como universal de todas as culturas humanas. Ele salienta que o ponto essencial que se todos no Kula, no Pollacth competem com todos visando a obter os bens mais cobiados, o fato que nada ser obtido que no tenha sido dado. Um aperto de mos imaterial! Kula e Pollacth tecem uma rede de relaes entre as pessoas onde a mo invisvel que supostamente comanda o mercado rege a relao entre as coisas. Na IURD nada tambm ser obtido que no tenha sido dado no dzimo, nos desafios e nas ofertas. Barros (1995: 172), por sua vez no acredita no controle do dzimo, salienta que na IURD o dzimo annimo. Por outro lado Bonfatti (2000), avalia que no controle do dzimo h competio entre igrejas os que do mais e so impelidos a doar recebem aplausos quando das altas somas expostas no altar. Verifiquei o princpio da reciprocidade na IURD como advindo de um intensa matriz original (afro brasileira) do princpio da trade de Mauss dar/receber/retribuir. Analiso aqui os sacrifcios e a reciprocidade no Candombl e Umbanda e a verso reinterpretada desse princpio na IURD. Segundo Motta (1999: 17-35), O Xang (Candombl de Pernambuco) sendo uma religio sacrificial tem em seu aspecto ritual atributos mgicos sem a preocupao com os valores ticos, puritanos. O culto implica um contrato de troca entre o orix e o fiel: pacto de reciprocidade. Para o membro iurdiano, o dzimo funciona como smbolo desse pacto: 172 - . Nunca mais apareceu.[o demnio] Na igreja quando eu tava na igreja tambm, entraram aqui roubaram. Mais eu sei porque. Porque eu fui falha com o dzimo. Entraram na minha e roubaram. Eu tinha confeco levaram as minhas roupas tudo, mas depois disso eu comecei a fazer muita campanha , ento depois disso eu fui mais abenoada ainda. Ento coisa assim que voc no tem explicao. So inexplicveis mesmo. Depende do que voc faz, depende da sua f, do caminho da sua f.(Grifo Meu.) J Prandi (1999: 93-111) analisa sob este prisma a Umbanda nas Cidades no que tange a reciprocidade: Funciona como agncia de servios mgicos, oferece ao no devoto a possibilidade de encontrar soluo para problemas no resolvidos por outros meios sem maiores envolvimentos com a religio. Bastide (1978) anos antes, nos fala do Candombl no que se refere ao aspecto sacrificial que envolvia uma maior participao, trocas, pads para os Exus, comidas para os santos. Ou seja uma forte rede de compromisso entre aqueles que estavam com o ori sob os cuidados de determinado Orix. Com a desagregao do Candombl de sua matriz pura, o papel do exu no como entidade ambgua (mensageiro e caos) e necessria a organizao da gira no Candombl e sim como entidade maligna condio sine qua non para a atividade do terreiro. Sob este aspecto, ressaltada a funo mgica do exu como entidade pela qual os feitios, as solues e toda a ordem de pedidos foram feitas em troca de farofa, charutos, aguardente. Temendo feitios ou tentando desvincular a alianas com esses seres donos da cabea, ou que possuem determinado fiel na IURD por pura maldade, o membro na Universal no s acredita no poder do Exu (para maldade) de enfeitiar bem como teme que os pactos com esses seres sejam eternos. A hierarquia do mal que tem como chefes os 173 orixs (Iemanj, Ians, Xang, Oxal, Ogum, dentre outros) no possui, no entanto uma preocupao de expurgar esses seres maiores e sim as entidades sincrticas da Macumba e da Umbanda os pretos velhos, caboclos, as pombas giras e exus na hierarquia representam os seres safados, menores. Na prpria Umbanda so seres malficos, mas que possuem fora. Relatos dos membros visam colocar de um lado a substituio dos antigos pactos sacrificiais (negativos) pelo dzimo e o desafio como estruturas em que se fundamenta o fiel para conseguir a vitria de quebrar os laos, adquirir prosperidade e enfrentar a fora das entidades malignas pelo poder maior do Esprito Santo. Nesta luta diria contra os poderes do mal o sacrifcio um imperativo constante. Atendendo aos requisitos pedidos da preparao ritual queima, expulso, dzimo e retribuio (cura e prosperidade) o fiel recebe o que foi pedido, no como milagre, mas como processo natural deste novo lao com o revestimento do Esprito Santo. O envelope do dzimo que vem a seguir demonstra claramente este princpio da reciprocidade institucionalizado na Igreja Universal 174 ENVELOPE DOS DZIMOS: 175 Os relatos corroboram tal idia: - M.C: No. Ultimamente eu tenho dado s o dzimo. No tenho feito .. desafio. Tenho uma tia ela .. esses tempos atrs ela... tava at afastada ..tava com uma vida muito destruda n... fazendo desafios... tudo ... menina! Voc precisa ver agora h pouco o tanto que eles esto bem de vida! To super bem ! Super bem mesmo! So pessoas prximas a mim. - M.E: Tios da parte de seu pai ou me? - M.C: Tipo assim no assim bem tio legtimo. irm da minha tia. Casada com meu tio. A gente conhece desde pequenininho ento a gente chama de tio. A de repente antes deles irem pr igreja eles tinham vendido a casa..... eles tinham vendido o carro.... o filho dele tinha dado uma casinha pr ele l no .. aquele setor ali na sada de So Paulo... no , no no Parque Ateneu alis. O filho dele tinha dado uma casa pr ele, ele tava com a vida totalmente derrotada. Hoje voc v ele t com um vectra zerado, uma casa boa, chcara, tinha comprado vaca de leite tudo, agora que vendeu, parece que leite no d muita coisa. Ento de repente foram abenoados. Ele firmes na f. Ento esses a eu conheci... muita gente que atravs do dzimo mesmo, dos desafios. Foram bastante abenoados. E conheo tambm gente que fez , sem f e no deu certo. Conheo demais ... uma amiga da minha prima ..que deu uma moto dela... e igual fala s vezes se voc fizer por fazer, se voc no receber porque algo de errado voc fez. Ou que porque voc no tem f ou porque voc deixou alguma coisa a desejar... sabe e ela no recebeu nada depois de uma campanha de Israel, ela deu a moto dela. Ento assim relativo n? s vezes tem pessoas que tem mais f ...igual o pastor at mesmo fala ... tem pessoas que t l ... as vezes fala pastor, mas eu dou o dzimo, eu fao isso fao aquilo, e nada acontece na minha vida. E so muitas no a so poucas no! Mas porque igual eles fala n... T faltando muita f, para voc chegar at uma f viva. Eu ,como diz, eu acho que eu fui muito abenoada. Na minha opinio prpria eu posso dizer de mim. Eu fui abenoada e assim visivelmente. No foram assim coisas invisveis. Visveis mesmo no s na rea financeira, mas na parte espiritual, no meu lar na convivncia com meu esposo, com meus filhos. Sabe igual eu te falo quando eu entrei muitas lutas sabe.. depois que eu me batizei ... eu vi demnios dentro da minha casa. E olha que eu no sou de acreditar nisso. 176 No entanto, nessa crena a priori ,como nos fala Mauss, na magia se no h a concretizao do que foi solicitado no falha do sistema mgico, mas algo deixou de ser observado ou a f do prprio crente ou a falha no dzimo. Deus para o rico assim como o diabo est para o pobre aqui est a fonte pela qual se alimenta o fiel iurdiano. As coisas acontecem, como se observa pelo testemunho como certeza e no a espera de uma milagre: - H.J: No vendi nada. No dia que ela falou assim pr mim, cab. Ela cresceu o olho tanto no lugar que secou. A que o negcio a gente tem que saber aonde que o diabo age. Eu no tinha sabedoria disso deixei passar em branco... se eu amarasse ele al naquela hora no tinha nada... no tinha experincia .. no tinha nada.. foi s secando ... secando.. secando.. secando... e eu dava o dzimo tudo certinho passei no dar. Pr voc ver como difcil. Conta vindo o dinheiro era pouco .. a foi s acabando.... A parte principal essa: nunca parar de dar o dzimo, nem a oferta. Parou, acabou. Seca a mina tudinho. Mesma coisa se voc parar de plantar ,para de colher tambm num tem como. Parei de dar.. dava ..eh .. dava ridicado no dava o tanto que tinha que dar ... tirava um pouco pr pagar umas coisas depois eu punha no lugar a que est voc fala eu vou tirar .. eu vou receber depois eu ponho no lugar a cab, nunca pe mais! A s vai secando.. s vai dificultando pr voc nunca por no lugar que tambm errado, por no lugar. Para Deus voc num deve pedir emprestado e nem pagar juros a Deus num existe. Depois eu pago com juros (risos) isso num existe. O que dele dele, o que meu meu. Igualzinho aquela passagem no incio que Deus .. Deus deu tudo para o homem no incio que era Ado .. Ado e Eva ... deu tudo. Tudo seu. Criou tudo depois criou o homem para tomar conta de tudo que ele tinha criado. O homem no criatura de Deus. Ele a imagem semelhana de Deus. Criatura de Deus as plantas ... os animais.....Ele fez tudo agora tem que fazer algo pr tomar conta disso , foi aonde ele fez o homem. Isso aqui tudo seu menos aquilo al, quer dizer, aquilo al, voc no mexe, aquilo era a rvore. A rvore ... .....significa os ... os dez por cento que .... de Deus, nada ele deve tocar. O homem foi e mexeu, mexeu, acabou. Entregou na mo para quem? Para o Diabo? Foi tudo pra ele o que era dEle. O que Deus tinha dado para ele, ele entregou tudo para o Diabo. A o qu aconteceu? Ficou sem. Foi aonde Deus falou no agora ... voc tem que viver por conta sua tudo que eu te dei voc entregou, n? Agora por conta sua. 177 Viver do seu suor. S que depois disso veio cristo pr reconciliar o homem de novo, n? No caminho certo de novo. Entregou Sua prpria Vida, o Sangue. Pr que? Pr homem retornar a ter aquilo que ele tinha de volta pr , viu? Entendeu? Pr ter autoridade em cima do Diabo, que o nosso inimigo.... e.... Assim sendo, temos em outros relatos a funo do dzimo como crdito por parte de Deus que recebeu e tem que retribuir e honra do membro que precisa dor como retribuio do que foi recebido. R.B: Ns cristos nos aceitamos a misria porque a Bblia fala que Deus rico: Deus dono do ouro e da prata. Como o Pai pode ser rico e o filho ser pobre? S tem uma resposta que existe nesse mundo fsico, material, existem casos assim ... (...) A riqueza Dom de Deus ... est na Bblia ... aqui fala que a riqueza Dom de Deus, veja bem: Nada melhor para o homem do que comer, beber e fazer o que a sua alma goze, o bem do seu trabalho. (...): ... porque o diabo tambm enriquece as pessoas . Ele tambm d as coisas ... s que ele d, mas em troca ele pega algo . Por exemplo , se uma pessoa for no centro, em qualquer lugar e recebe uma orao pr dor-de-cabea passar, ela passa. Mas, l na frente aquela dor vai aparecer na perna, em outro lugar. Tem pessoas ... tem pessoas ricas , mas elas abrem a geladeira e no podem comer certos tipos de comida ..... Tem pessoas que ficam atormentadas, com medo de ladro . Quer dizer so pessoas aprisionadas ... . A gente pode pegar na bblia toda ... Davi ... Davi vivia no meio dos cocos dos bodes , das ovelhas e ele se tornou o que? Rei! Desde quando? Quando .... por que elegeu Davi? Porque Deus tem coragem! Muitas pessoas que esto na misria e na desgraa porque no so pessoas rebeldes, esto distantes de Deus e ficam esperando num homem ... no governador , ... no prefeito ... , no presidente ... , sendo que elas que tem que tomar uma atitude. Igual eu tomei. Se eu tivesse ficado l no nordeste ... na misria ... , no tivesse feito nada pr mudar , a minha vida nunca iria mudar ... quer dizer pr Deus mudar a minha vida eu tive que tomar uma atitude pr Deus ter ao na minha vida. 178 Podemos ver no relato de R.B um certo desencantamento do mundo, do Estado e das instituies pblicas. A IURD funciona como um sistema de atendimento espiritual que fornecesse curas, prosperidade. Desloca-se do estado para a igreja algumas funes que o primeiro no est desempenhando a contento: a sade pblica bastante precria, o desemprego e os baixos salrios deixam o cidado na orfandade. A igreja prov respostas para os fiis que nela procuram a chave para o reencantamento do mundo. A religio passa a ocupar o locus do Estado para as minorias desamparadas que lotam os bancos da Igreja Universal. D.M ainda esclarece nesse sentido: A riqueza muito boa quando voc sabe us-la. Tem gente que fala crente no pode ser rico! Pode sim! Jesus disse na Bblia: Jesus veio para dar vida, vida com abundncia Com abundncia! E tem outro versculo que fala assim Eu fui jovem agora sou velho e nunca vi o justo a mendigar o po ... nem a sua descendncia a mendigar o po. Um outro ponto que gostaria de abordar, que nos discursos est a chave para desvendar o significado de certos smbolos, a explicao que os interlocutores deram a respeito do desafio que vir a seguir. Antes quero salientar o estudo feito por Baktin (1997: 66) sobre a filosofia da Linguagem, ele mostra que a fala traduz signos importantes para a compreenso dos valores sociais impressos no discurso. Segundo esse autor: Em suma, em toda enunciao, por mais insignificante que seja, renova-se sem cessar essa sntese dialtica viva entre o psquico e o ideolgico, entre a vida interior e a vida exterior. Em todo ato de fala, a atividade mental subjetiva se dissolve no fato objetivo da enunciao realizada, enquanto que a palavra enunciada se subjetiva no ato de descodificao que deve, cedo ou tarde, provocar uma codificao em forma de rplica. Sabemos que cada palavra se apresenta como uma arena em miniatura onde se entrecruzam e lutam valores sociais de orientao contraditria. A palavra revela-se, no momento de sua expresso, como o produto da interao viva das foras sociais. assim que o psiquismo e a ideologia se impregnam mutuamente no processo nico e objetivo das relaes sociais. 179 Como nos fala Leach (1976: 49) utilizamos a lngua para fazer cortes no contnuo visual e transformamo-lo em objetos dotados de sentido e em pessoas com papis distintos. Sendo assim os relatos (o de H.J) mostram o papel dos membros da IURD: a fidelidade ao Dzimo e o no cumprimento deste na mesma proporo traz derrota na vida da pessoa. O Dzimo e o desafio como smbolos da passagem do significado pobreza para o significado riqueza na fidelidade do dzimo. O desafio um passo a mais no dar para receber, desafiar e dar alm do que Deus pede, incitando e jogando com o bem para trazer prosperidade em dobro. Maria Emlia: A senhora cumpre esse mandamento ? - D. M: Ultimamente que eu estou obedecendo , mas antigamente eu no dava o dzimo no . - Maria Emlia Ento a senhora no dava o dzimo no outras igrejas ? - D. M: No e a vida era derrotada! O dinheiro no aparecia ... ( Risos) assim que acontece com as pessoas que no obedecem : Deus no tem compromisso. Ele no obrigado a abenoar . Se voc dizimista, Deus obrigado a abenoar, a matar o devorador para que ele no devore o nosso dinheiro. - Maria Emlia : Eu vi na Igreja Universal as pessoas fazendo o desafio, o que isso? - D. M : O Desafio eles tiram por um versculo da bblia ... . Eles lanam aquele desafio para as pessoas e as pessoas no so obrigadas a fazer. Faz quem quer. O que eu tenho visto de testemunho de gente que fez o desafio no brincadeira! Inclusive aquele obreiro ... ele obreiro agora ... Geraldo de Souza ... voc j viu o testemunho dele? Temos ainda no relato de M.C (que coloquei anteriormente) sobre a questo do desafio a f em desafiar a ns mesmos para se conseguir os juros das bnos. O dobro em crdito por parte de Deus. H duas sadas, sem o meio termo, salienta D.N (este relato ser mais explorado nas consideraes finais). 180 A partir das crenas e prticas concebidas na Igreja Universal preciso retomar nos discursos expostos acima, a firmao da riqueza e como se referem a Deus que no quer o mal para o filho e teceu para ele uma vida de prosperidade aqui na terra. Misria, os mendigos, a doena, os fracos so colocados em um plano. A vitria, os corajosos, a sade, os desafiadores em outro. Crer desafiar a f e a ns mesmos. 181 A funo mgica na expresso religiosa iurdiana: as curas Conceituar religio e extrair dela a mescla de magia que possui foi objetivo dos autores clssicos desde Durkheim (1990), Malinowski (1984) at Geertz (1989). O primeiro destaca que o homem vive entre as coisas profanas e as sagradas. A ordem sagrada envolve interdies, uma ligao com o transcendente. Nesse universo existe o componente mgico e o componente religioso. A magia feita de crenas e ritos, mitos, e dogmas, so rudimentares e utilitrios, no perdendo seu tempo em meras especulaes (Pp.58). Os seres invocados, os quais o mgico se enderea so tambm aqueles invocados na dimenso religiosa. No tocante ao componente religioso, Durkheim acentua o papel da igreja, da comunidade moral. No h igreja mgica. Porm afirma que a religio est plena de magia e a magia plena de religio. Malinoswski, por sua vez, destaca que a religio e a magia so circundadas de tabus , normas, mitos, sendo que a religio um fim em si mesmo. A magia de natureza prtica, seu sucesso o xito pessoal. Ela no nasceu de uma concepo abstrata do poder universal aplicada a casos concretos. O caso positivo ofusca o negativo. Geertz, salienta o aspecto sagrado sem uma dicotomia magia/ religio. Ele estuda os smbolos sagrados que funcionam para sintetizar um ethos de um povo e sua viso de mundo o quadro que fazem sobre o que so as coisas. Na crena e prtica religiosas esse ethos ir representar um tipo de vida que a viso de mundo descreve. O sistema religioso agrega smbolos que mediam as respostas que os homens querem obter na organizao de suas vidas e na cosmologia que paira sobre elas. A religio prov os significados para a capacidade inata do ser humano de organizar o caos. 182 No tocante ao universo iurdiano o ethos do indivduo prspero alia-se a uma viso de mundo que descreve a riqueza, a sade como divinos e no a doena, o sofrimento fsico como meio para se chegar a Deus. Essa concepo fortemente adotada no catolicismo no faz eco no meio iurdiano. Em trabalho de campo, participei de um culto na sexta feira, dia 13/04/01. Para os catlicos dia da paixo de Cristo. Na verdade os iurdianos salientam um outro lado como simbolizado nessa pergunta do Bispo responsvel pela Catedral da f Vocs querem adorar a um deus vivo, ou a um Deus morto feito de gesso? A cura das doenas um dos apelos mais fortes que faz crescer o nmero de fiis na IURD. A urgncia traz o atributo mgico como necessrio eficcia da cura dos males espirituais e fsicos a imposio de mos, passar o leo ungido no local doente, beber o sangue de Cristo (suco de uva distribudo) para se curar, e, por ltimo, quando a resposta no to assim imediata, fazer as campanhas. Alguns relatos, trazem a concepo iurdiana sobre as curas tendo em vista os atributos mgicos utilizados e as bnos recebidas no como milagre, mas como resposta imediata que o Esprito Santo prov para aquele que fiel Igreja e suas normas. Roberto Cardoso de Oliveira (1976: 42) ao estudar a eficcia simblica nos termos de Claude Lvi- Strauss diz que: as representaes coletivas aparecem nos sistemas de crena nas curas. O papel do xam traduzir um substrato cultural constitudo de representaes. A crena e partilhada pelo doente, pelo pblico (testemunha ocular) e pelo prprio xam. Primeiro deve tornar-se um grande feiticeiro para depois curar os doentes. Acentua-se aqui o plo positivo da crena da coletividade. Tal crena varivel pode existir hoje, mas deixar de existir amanh. O grupo exige um xam com tais caractersticas, o coletivo que legitima o poder pessoal do xam. So tambm os hbitos mentais, o 183 substrato cultural na IURD que alimenta e legitima o papel do pastor como medicine man, curador dos males. interessante notar que muitos fiis que vieram do universo de crena afro brasileira e mesmo catlica (gua benta para curar, leo para os enfermos!!!) que j tinham o sentido da reciprocidade negociada, desta vez o fazem com certa veemncia. No a esperana da cura a certeza. Na fila dos testemunhos em uma das sextas feiras na IURD, notei essa diferena ao observar que a cada fiel que chegava e dizia achar que estava melhorando, desde o Bispo at os membros que estavam ao meu lado afirmavam Acha no. Voc j est melhor. O esprito santo queima o mal e todos sincronizados perfazem esta trajetria mo no corao, mos sobre o altar, mos sobre a cabea e sob o comando do pastor o sai, sai, sai!!! Se a cura no absoluta, no discurso, entretanto ela o . A imposio das mos sob a cabea pode ter dois sentidos a cura propriamente dita (como veremos no relato de D:N) e tambm quebrar as alianas com os donos da cabea na feitura do santo ou na ligao anterior com os caboclos, mestres, guias do espiritismo. Uma eficcia maior para a obteno da cura talvez tenha na passagem para a IURD uma garantia maior de eficcia. Por que as religies anteriores no deram conta dessa utilidade prtica? Uma das respostas justamente porque seus adeptos pensam que tais entidades, santos, etc., ligam-se a Deus. Na verdade, no h intermedirios, voc tem que obter a cura do Esprito Santo por si mesmo. Sendo fiel ao dzimo, tentando se desafiar voc se desvincula das antigas prticas de macumba e idolatria que so para os perdedores. Nbia Rodrigues & Carlos Caroso elaboraram o estudo sobre o Exu na Tradio Teraputica Religiosa Afro Brasileira (1999: 239-255) e apontam os dois lados dessa entidade: 184 Dessa forma, um dos nossos objetivos buscar compreender o duplo papel dos Exus, no contexto teraputico-religioso em Conde, cuja ao reconhecida por sua rapidez e eficcia tanto em provocar quanto em resolver problemas. Esta duplicidade tem resultado em sua grande popularidade entre os que demandam por seus servios nas casas de culto ou em seu territrio e domnios desconhecidos, isto as encruzilhadas, cemitrios e outros lugares envoltos em uma aura de mistrio. A despeito dos exus serem considerados especialistas em resolver problemas ordinrios, que envolvem a vida cotidiana, tambm so procurados para tratar de algumas doenas, sobretudo daquelas cuja causa so relacionadas sua prpria ao mgica. Sua capacidade para curar expressa pela concepo comum na rea, segundo a qual Exu bota somente ele pode tirar, delimitando, assim, um campo exclusivo para a sua atuao teraputica, ou seja, o de resolver os problemas de sade decorrentes de sua influncia. O exu, o que faz o trabalho sujo nas encruzilhadas, os orixs mantm- se no transcendente, mais uma vez ele ser o culpado se algo falhar: a cura, os negcios, o olhos grande de parentes e amigos e a suspeita de feitio quando as coisas no andam bem. Rodrigues & Cardoso (Op. Cit.), salientam o cuidado ritual para com essa entidade relatam uma histria sobre a ao mgica do Exu esfarrapado sobre um pequeno comerciante que cuidava desta entidade (Rodrigues & Caroso,1999: 247). Nada dava certo, at que um dia essa entidade pegou Maria (a mdium) prometeu acabar com a vida dele. Soluo? Cuidar do esfarrapado, botar comida, bebida, fumo e velas para ele. Nessas aes de compromisso e reciprocidade temos o Exu como escravo- operrio dos orixs, fazendo o trabalho da ao imediata que os orixs no fazem lidar com as mazelas humanas e com a desordem do cotidiano. Quando exu falha, ou melhor, quando ele pede mais, parece que entra neste aspecto um salto para a religio pentecostal. Na IURD a guerra santa reafirma essa viso de mundo a reciprocidade, o pedido por parte da igreja alto, mas tambm forte a antiga aliana com os seres e entidades diablicos com quais os fiis se relacionavam. A doena e as derrotas de toda ordem so resultado de uma f errada nos deuses que no so deuses. 185 Nos relatos dos membros podemos ver essa antiga aliana como demonaca: - R.B: Da ... da ... ns nascemos envolvidos com eles , minha me brincava ... mexia com macumba . Ento ns nos consultvamos com eles. S que eu fiquei decepcionado porque eu pensei que eles eram fortes ... eu pensava que eles vinham de Deus. Como eu vi na Igreja ... eu realmente a isto me ajuda at a fortalecer a aumentar a minha f . Eu vi l que eles andavam de joelhos ... Jesus os faz ficar de joelho , aquele que era forte que eu dava beno pr ele , que os consultava , que iam l em casa eram todos o demnio. Mas eles no podiam nem chegar perto da Igreja ! Eu s fiquei decepcionado com eles foi apenas uma decepo. -(...) R.B: ... Existem demnios ... existem pessoas que a vida dela est amarrada , isto no quer dizer que tem um demnio no meio dela. Existe um esprito que vive s ao lado da pessoa, como um encosto. Ele vive ao lado da pessoa. Ele no consegue dominar a pessoa, ele s consegue dominar quando est dentro da pessoa, dominando cem por cento da pessoa. Aquelas entidades que esto l na magia negra... . Bem ... havia sempre dvida se aquelas entidades eram de Deus ou eram do diabo eu at cheguei a perguntar isso vem c ... vocs so de dia caboclos, da meia-noite em diante so exu de que lado vocs so?. Eles responderam que um lado deles faz o bem e o outro faz o mal . A eu fiquei na dvida ... eu nunca imaginei um Deus desse jeito! Eu no imagino um Deus ... hoje eu no imagino uma pessoa que tinha Jesus, convertida, vivendo na misria , na desgraa! Assim esta concepo do papel da freqncia em centros espritas como uma vida de derrota reforada nos discursos. A necessidade de curar-se de obter prosperidade e sade passa por essa quebra de alianas, expulsando o mal. Os atributos da reciprocidade fiel-exu so substitudos pela do fiel- Esprito Santo. Na escala de valores exu atordoa a vida das pessoas que lidavam com ele (s) direta ou indiretamente, somente quem poder contra tais demnios ser o poder do Esprito Santo queimando o mal 186 personificado nessas entidades. Ou se vai IURD pelo amor ou pela dor. Como enfatizado nas falas dos meus interlocutores (relato de M.C). 131 Veremos o papel da imposio das mos retomando o insight relativizador de Malinowski (1984: 34) na busca pela cura, um dos projetos em que o ser humano agarra- se no limiar da morte: Mas qual de vs verdadeiramente acredita que as suas prprias enfermidades corporais e a aproximao da morte so uma ocorrncia perfeitamente natural , apenas um acontecimento sem importncia na infinita cadeia de causas? Para o mais racional dos homens civilizados, a sade, a doena, a ameaa de morte pairam numa neblina emocional incerta que parece adensar-se tornando-se cada vez mais impenetrvel medida que as formas fatdicas aproximam. Os pastores e as obreiros passam a atender os doentes revestidos da fora do Esprito Santo. Somente aps esse segundo batismo que se tornam os verdadeiros medicine- man, uma espcie de Shaman 132 que consultado impe a mo e cura o doente. Esses Shamans modernos passam tambm por revestimento de poder e se mantm sob constante vigilncia orando, jejuando. Consultam antes das reunies, durante e depois, os membros sendo assistidos no contato ou direto (quando possvel) dos pastores e dos obreiros. No dizer de um de meus interlocutores sobre a proteo contra as entidades do mal v-se a conduta dos pastores e obreiros, novamente a noo de pessoa, como mscara ritual aparece aqui:
131 Patrcia Guimares (1997) tambm coloca este termo amplamente usado na converso IURD. 132 Mircea Eliade (1998: 49) analisa o papel do Shaman na Amrica do Sul, Na frica, no mundo em geral. As doenas, sonhos e os xtases constituem em si uma iniciao, conseguem transformar o homem profano de antes da escolha em um tcnico do sagrado. claro que essa experincia de ordem exttica sempre em todos os lugares seguida por uma instruo terica e prtica a cargo dos velhos mestres, mas no deixa por isso de ser decisivo, pois ela que modifica radicalmente o status religioso da pessoa escolhida. (...) Entre os Sudaneses do monte Nuba a primeira consagrao inicitica chama-se cabea. Conta-se que a cabea do novio aberta para que o esprito possa entrar. Mas tambm os sonhos xamnicos aos acidentes singulares (Pp73). 187 - H.J: De um centro. E agora na semana santa n ficaram a noite inteira aberta levando galinha ... coisas ... tava um mau cheiro feio l.. horrvel.. acho que mataram um bicho l .. pessoal totalmente apagado... a vida deles .....(longa pausa).......um atraso total. A partir do momento que a gente entrega a nossa vida pr Deus a gente t sempre protegido. Sempre em orao... sempre coberto. - M.E: Como voc faz para se proteger? - H.J: Uai! Deus est sempre com a gente a partir do momento que voc entregou a sua vida pr Ele. Quando voc est sempre praticando aquilo ....que voc deve nada pode te tocar ... eles podem estar perto de voc tentando te atrapalhar, mas nada pode te.. tentar eles vo tentar voc, eles no vo te largar em paz, eles sempre esto vindo para procurar uma brecha ... um erro que voc der eles entram ali. Errou, acabou. Ento voc tm que procurar no errar mais. Os pastores por exemplo, no podem errar ...se errar esto to enrolados ... tanta coisa .. tantos vodu .. se tiver um errinho t enrolado. Num pode Ter erro. J por isso mesmo que eles vivem ali no altar, eles no saem ali do altar ... . Num pode ter erro. A vida deles est ali entregue, no pode ter erro, num pode ter nada. E por isso que os demnios no vo conseguir achar uma brechinha, no vo conseguir achar nunca. Eles no tem nada contra eles... falam o pastor t roubando ... podem procurar em tudo quanto cartrio... eles no tem nada no nome deles nada, nem uma balinha. Se sair dali eles no saem com nada. S tem um terninho pr colocar no corpo ... se falar que saiu dali t rico no. Quando sair dali tem que trabalhar pr comprar. A vida deles toda t l dentro, a escola dos filhos, casa, e no pode ter brecha pr ningum poder entrar. Num as pessoas que entram, so os demnios que entram na vida das pessoas ... as pessoas nunca fariam uma coisa dessas, as pessoas so usadas... elas no sabem que esto sendo usadas, mas na realidade, esto sendo usadas. Fazem as coisas sem saber que esto fazendo. - M.E: O que os obreiros fazem na Igreja? - H.J: Isso a pr levar algum papel, alguma coisa, ajudar porque a igreja muito grande... O pastor as vezes no tem tempo de ajudar uma a um ... elas esto a pr isso pr ajudar nas oraes...so preparados para agir da forma certa. M.C fala sobre o papel do pastor e de como eles agem como os mediadores de curas e na obteno da prosperidade. Na certeza e no como milagre, seu dois relatos afirmam este dois pontos: 188 - M .E: O que milagre pra voc? - M.C: Milagre! No eu acho.... .. eu acredito assim no como milagre. A partir do momento que voc vive pra Deus porque na bblia t escrito ningum nasceu pr sofrer. Voc s sofre se voc deixar o inimigo tomar conta de voc ento voc pode ter tudo com Deus, sem precisar ser um milagre. Voc v nossa igreja , nossa igreja t acostumada a Ter pessoas doentes curadas, e gente no chama de milagre mas porque uma comunho com Deus. o que Deus escreveu l. o que foi escrito. No milagre. o que Ele prometeu. As vezes o que milagre pra muita gente comum pra outras pessoas a gente v acontecer todos os dias. A gente j t acostumada a ver uma pessoa se curar, a gente j t acostumada a ver uma pessoa se transformar tipo assim... as vezes a gente sabe que as coisas acontecem que existe a influncias maligna. As vezes um demnio se apodera da sua vida n e ali acontece de tudo, doena! A partir do momento que a pessoa se liberta daquilo ele curada. No assim tipo assim milagre... No processo de converso de M.R o momento concreto da presena da orao forte como poder de cura atuou sobre sua doena e a fez deixar a Igreja de Deus para ser membro da IURD: - Maria Emlia : Para se tornar obreiro , o que necessrio? H uma separao entre membro , obreiro , pastor , no ? - M.R: Para ser obreiro voc tem que ser batizado pelo Esprito Santo porque voc tem que ter revestimento de poder e este revestimento de poder s conseguido atravs do Esprito Santo porque voc vai mexer com coisas espirituais . um revestimento que voc precisa para poder lutar contra os demnios. - Maria Emlia : Lutar contra os demnios? - M.R: ... - Maria Emlia : Os pastores j foram obreiros? - M.R : J ... . - Maria Emlia : Isto foi desde o comeo da Igreja Universal? - M.R : Desde o comeo da Igreja h dezoito anos atrs . - Maria Emlia : Houve sempre esta diviso? - M.R : sempre assim... . - Maria Emlia : Voc foi batizada nas guas? - M.R: Fui . 189 - Maria Emlia : E com o Esprito Santo tambm ? - M.R : Fui . - Maria Emlia : Quem fez o seu batismo ? - M.R : Eu fui batizada na Igreja de Deus pelo Pastor Adalto. - Maria Emlia : Quem primeiro te levou Igreja Universal ? - M.R : Quem me levou ...? Foi porque eu adoeci h mais ou menos um ano atrs e l eu fui fazer a campanha e fui curada . - Maria Emlia : Qual campanha ? - M.R: A Campanha dos Setenta . - Maria Emlia : O que isto ? - M.R : A campanha so setenta pastores que oram entre pastores e obreiros . Eles oram uma orao forte , orao de poder . - Maria Emlia : Orao contra o que ? - M.R : Contra os espritos ... porque a doena ela maligna , ento tem que ter uma fora divina pr ser curado . Finalmente, D.N fala da imposio de mos sobre as pessoas doentes como bastante eficaz para a cura visvel no meio pentecostal. A cura tambm ddiva, riqueza, como aparece literalmente em seu discurso. - Minha me uma diaconisa. Hoje em dia em admiro minha me. Minha me uma daquelas pessoas que nos encontros mesmo eu vejo, eu sinto. Eu vi com meu olhos ela impondo as mos e a mulher paraltica mexendo sabe? Ela bateu a mo ela orou e a mulher saiu gritando eu t curada!. Foi uma coisa maravilhosa! Foi. Foi super extraordinrio? Foi. Foram s duas vezes que eu j vi. Eu j vi minha me ser usada por Deus. Porque o esprito dela nunca teria tido poder para isso. A que est a comunho dela com Deus. Ela tem o Dom de cura. Ela j curou uma pessoa de cncer. Ela morava.. nem sei onde ela morava. Ela entrou na igreja uma vez. Minha me orou pra ela uma vez. No outro dia ela foi l e falou que era tinha sido curada de cncer. Um dos sinais do Dom de cura fogo nas mos. Fogo nas mos. Muita gente tem fogo nas mos mas a outra coisa. manifestao espiritual. Mas o Dom de cura fogo nas mos. A voc sente vontade de orar pela pessoa. Ela me fala que quando ela vai orar pela pessoa ela sente a mo dela queimando muito, muito, muito. A mo dela esquenta. No mundo espiritual no tem nenhuma dor, mas no as vezes a mo esquenta tanto a ponto da pessoa reclamar t quente demais. A o que vai acontecer? A atividade de Deus...., Deus no vai fazer o fogo 190 aparecer de uma hora pra outra. Poder fazer? Pode. Mas o corpo dela, as energias dela vo se concentrar na mo. Portanto, a riqueza divina que vem da prosperidade material e da sade no uma graa obtida pura e simplesmente. Se o fiel ora, obedece aos dzimos, faz desafios e tem f Deus obrigado a dar. Esse princpio de reciprocidade afasta-se da concepo do Protestantismo Histrico, do puritanismo e dos poucos escolhidos dependendo de uma vida reta. Afasta-se tambm do Catolicismo que baseia-se na nfase do sofrimento mundano e na redeno na vida eterna, Deus quis assim. Uma atitude mais desafiadora marcante no meio iurdiano_ o proselitismo dos pastores nesse sentido, a certeza da prosperidade material e fsica, e, uma ateno menor ao uso e costumes, um diferencial da IURD. Wilson Gomes (1994: 225-269), enfatiza a idia da posse. Os fiis devem tomar posse daquilo que necessrio para uma vida feliz. A vida humana autntica aquela que os homens possuem e desfrutam dos bens do mundo. Venha tomar posse do que perdeu. Portanto, tudo uma questo de reintegrao de posse, Ado e Eva perderam os frutos do paraso, mas as riquezas do Senhor podem ser distribudas aqui na terra. Basta o fiel acreditar. A certeza da vitria uma armadilha contra a resignao da pobreza, contra os males distribudos pelos demnios, que atrasam mais e mais a vida das pessoas no revestidas do poder divino. 191 CONSIDERAES FINAIS Traar a viso de mundo e o ethos dos fiis da Igreja Universal me possibilitou entrar num universo de crenas sui generis. Ao basear seu discurso na negao das religies catlica e afro brasileira, os fiis iurdianos ao mesmo tempo os refora. Negando um passado de crenas como demonacas, a IURD lana mo, como arma ritual, do substrato de sua cultura. A dimenso cultural brasileira no que tange ao seu imaginrio reforada, j que os membros dessa igreja utilizam das entidades que povoam o imaginrio popular: os exus e pomba-giras, como elementos centrais da libertao. Tomando como referncia o ritual das sextas-feiras pude perceber em tal contexto que o drama encenado conta a histria das religies adormecidas em nosso imaginrio. Mesmo que uma tentativa recente de elevar o carter nacional das religies afro brasileiras em seu aspecto positivo, como salienta Prandi (2001) a partir da dcada de 60 como a reafricanizao do culto aos orixs, o preconceito ainda esta l, nas malhas da memria coletiva. Uma memria subterrnea, aplicando-se a teoria de Pollak (1989), que durante sculos deixou de ser central, tornando-se perifrica calando orixs e revestindo nos santos as caractersticas dos primeiros. O que tudo isso tem a ver com a Igreja Universal? Ela no o exemplo mais ferrenho da luta contra as religies dos orixs e dos santos? Sim. Mas no podemos esquecer que essa pesquisa no reforou a dualidade bem versus mal como simples transferncia a um novo sistema de crenas que no precisa mais desses smbolos do panteo afro- brasileiro. A meu ver a Igreja Universal um locus onde mais se refora os smbolos desse panteo. Como seu propsito universalizar-se, tal igreja expe ao grande e crescente pblico um corpus de crena, smbolos (gua benta, sal grosso) e entidades 192 classificando-as, hierarquizando-as, fazendo mais e mais adeptos crem nelas. Se nunca haviam tido contato ou sequer sabiam de sua existncia, os adeptos passam a enfrent-las no dia a dia e no contato da libertao no seio da Igreja Universal. Uma transferncia de adjetivos o que ocorre na IURD, se tais entidades eram adoradas nos terreiros e centros espritas, passam a ser negadas, queimadas, expurgadas no ritual de libertao. Negar tal universo de crena parece no ser simplesmente abandon-la por inteiro. Pelo contrrio, queimam-se demnios (as entidades do panteo afro) diariamente nos cultos da Universal. Eles so os verdadeiros culpados da resistncia dos fiis em qualquer dimenso: no assiduidade dos dzimos, pobreza, vcios, homossexualismo e demais desvios. Ao mesmo tempo no se queimam os orixs que esto no mais alto status da cadeia hierrquica suscitando a hiptese sobre a maior influncia da Umbanda, ou parece ser uma afirmao do respeito velado pelas entidades do Candombl tidas como deuses. Falar sobre a Universal para mim tornou-se um desnudar de vus. Afastei em primeira mo a idia que nesse corpus de crena, o protestantismo era a marca maior de identificao dessa igreja. Ao pesquisar tal universo religioso percebi que jazia latente uma memria do no dito que agora se expressava, xingava, maldizia os presentes, uma memria dos seres e entidades que povoam o imaginrio cultural brasileiro. Reconstruir a identidade do membro iurdiano voltar os olhos para o passado de crenas que norteia tal indivduo. Ele pessoa amarrada a antigas crenas coletivas, familiares. Ele se transforma ao adotar um estilo yuppie de desafiar a si mesmo e Deus. Ele fiel ao dzimo o que garante a riqueza oferecida por parte de Deus, que obrigado a dar. 193 Essa transformao de pessoa em suas redes de convivncia para indivduo em um novo corpus de crenas entretanto no ocorre de maneira linear: os dois gneros compem o membro iudiano. Suas redes de convivncia e de crena alimentam o ciclo de passagem de um ao outro, ao mesmo tempo quer a mudana, mas a igreja palco de personas que povoam e reforam o seu imaginrio. A Igreja Universal parece reencantar seus adeptos que vivem de uma orfandade civil cada dia mais latente. A crise pessoal, brasileira e universal paira sobre os fiis que encaram a igreja como ltima porta onde eles certamente iro parar de sofrer!. A partir dessa pesquisa lano um novo olhar sobre a sociedade brasileira que na Era Ps Moderna articula meios de sair de um pessimismo frente ao Estado e tenta desafiar a f, dando para mais receber. Ficar em crdito com Deus bem melhor, na lgica iurdiana, do que esperar nos pais, patres e governo. Sem esse novo olhar ser difcil sair do pensamento dual e cairmos no que ocorre na IURD. Um universo ambguo, como ambguos somos ns brasileiros, os compadres, os exus que nos acompanham seguem nossos passos at Igreja Universal. Ao entrar nesse campo simblico vemos as entidades brincarem, urrarem e serem exorcizadas. Aprendi a relativizar o mal com os nativos iurdianos. Ele relativo. Podemos estar prximos a eles, ou eles podem estar em ns fazendo com que caiamos no erro ou desvio. A culpa no pessoal, os erros tm nome, caractersticas, vozes e trejeitos. So apresentados aos que chegam na Universal como os verdadeiros culpados de nossos infortnios. As fogueiras da Idade Mdia e incio da Moderna so agora imaginadas, mas no menos simblicas. Nelas so empurrados nossa fraqueza, pobreza e doena. Rimos dos 194 trejeitos dos demnios, sabemos que eles podem nos dominar, mas antes existe a Universal como locus do poder da orao forte para dizim-los, antes que eles nos venam. Deixo nessa pesquisa uma porta para o entendimento sobre essa dimenso religiosa. Outras ficaram fechadas, por exemplo a tentativa de dialogar com pastores e bispos sobre seu universo de crenas. O no falar traduz para essa pesquisa uma estratgia de tornar o segredo conhecido apenas pelas cpula da igreja, uma ttica de assegurar poder e evitar o ataque feroz das outras religies. Aliam-se a essas o papel da mdia que refora o jogo de no aceitao das tticas da IURD. Entretanto, seu discurso convence, anima e lota os dezoito templos de sua igreja em Goinia e nos demais pases onde se estabeleceu. 195 BIBLIOGRAFIA A Bblia de Jesusalm. Ed. Paulus. So Paulo: 7 Impresso, 1995 AMADO, Janana & Ferreira Marieta. Usos & Abusos da histria oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundao Getlio Vargas, 1996 ANDERSON, Benedict. Imagined Communities. London: Verso, 1983. BACHELARD, Gaston. A Dialtica da Durao. So Paulo: tica,1994. BACHELARD, Gaston. A Potica do Espao. So Paulo: Martins Fontes,1998. 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