Como Se Faz Um Poeta

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Como se faz um
poeta
“Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intacta.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com os poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consuma
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas do chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras,


cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
“Trouxeste a chave?”

in Procura da Poesia, Carlos Drummond Andrade

Não se escreve com emoções, escreve-se com a memória.


Eugénio de Andrade

Excertos de Carta a Um Jovem Poeta de Rainer Maria Rilke, Coisas de Ler Edições:

“Não escreva poemas de amor: evite de início aquelas formas demasiado fáceis e os
lugares comuns; são os mais difíceis...”

“Descreva os seus desgostos e desejos, os pensamentos que lhe ocorrem e as suas


crenças nalgum tipo de beleza - descreva tudo isto com ternura e humilde sinceridade e
utilize para se expressar as coisas que o rodeiam, as imagens dos seus sonhos e os
objectos da sua memória.”
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“E, mesmo que se encontrasse numa prisão, cujas paredes impedissem que qualquer
som do mundo chegasse aos seus sentidos – não teria ainda a sua infância, esse bem
precioso, essa caixa de tesouro das memórias? Volte a sua atenção para ela.”

Ora vamos lá abrir a porta da Poesia!

Um
1. Escreve estrofes cujos versos contenham as mesmas palavras ordenadas de maneira
diferente e/ou organizadas de acordo com diferentes sinais de pontuação.

A chave

A chave da porta
Sempre a mesma chave...
A chave da porta?
Na porta!

Que importa que a chave feche,


Se a mesma chave que fecha
É a chave que abre
A porta...
A chave da porta?
Na porta da chave!

Que chave importa,


Se a chave que abre a porta
É a porta que a chave abre?!

Havia

Havia
Uma palavra no escuro.
Minúscula. Ignorada.

Martelava no escuro.
Martelava no chão da água

Do fundo do tempo,
martelava.
Contra o muro.

Uma palavra no escuro


que me chamava.
Eugénio de Andrade

2. Associação de Ideias - Associa um determinado número de palavras a uma palavra dada.

Lápis
cor vida risco
palavra
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liberdade amor gratidão


poema mundo céu
Tu e Eu
3. Acróstico - Pensa numa palavra e escreve-a na vertical. Agora tenta construir versos a partir
das letras que compõem a palavra.O conteúdo do texto deve relacionar-se com a palavra
seleccionada.

O.................................................
B................................................
J................................................
E................................................
C................................................
T................................................
O................................................
S................................................

4. Liponímia - Escreve o poema sem utilizar uma palavra previamente definida, que neste
caso será um objecto.

Livro

Escondes em cada canto do teu ser


Universos sedentos de liberdade
Tens segredos a partilhar
Mundos por conhecer
E as gentes que em ti habitam
Histórias mil vão-nos contar
E noutras galáxias havemos de acordar

5. Inventário – inventaria objectos, o que te permitirá dizer/ escrever o que se pensa, mas
habitualmente se cala..
O inventário pode ser constituído por:
- objectos que apetece meter no bolso
- objectos que apetece deitar no caixote do lixo
- objectos caros
- objectos muito baratos
- objectos meramente decorativos
- objectos com uma função específica(cortar, escrever, limpar, pintar, etc)

Um baton vermelho de alegria


Um espelho novo partido
Um lápis para pintar o dia
Um retrato já sumido

Uma carteira bem recheada


Um lenço já amortalhado
Uma escova despenteada
Uma mala muito emproada

6. Adivinha – selecciona um objecto. Olha para ele como se fosse a primeira vez e anota a sua
forma, cor, grau de dureza, peso, etc. Tenta associar essas características a outras realidades
e descreve-as recorrendo a comparações ou metáforas. Constrói agora o teu texto em
verso. Como sabes grande parte das adivinhas são em verso.
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7. Teoria dos Conjuntos – selecciona um conjunto de objectos, por exemplo, instrumentos


musicais, móveis e tenta fazer o teu poema.

Frutos

Pêssegos, pêras, laranjas,


Morangos, cerejas, figos,
Maçãs, melão, melancia,
Ò música dos meus sentidos,
Pura delícia da língua;
Deixai-me agora falar
Do fruto que me fascina,
Pelo sabor, pela cor, pelo aromadas sílabas;
Tangerina, tangerina.
Eugénio de Andrade

8. Som ou Letra imposta – escrever um texto utilizando o maior número possível de vezes:
- uma ou mais letras
- um mesmo som, ainda que com grafias diferentes.

Os sumérios eram sumários

os sumérios eram sumários


e por isso foram sumírios
daí vem que foram semírios
mírios de se ou de si

os sumírios eram sumários sendo sumério


e daí vem que foram sumiros
sumaros e sumêros

os sumários eram suma dos


é daí que vem o sumo
a soma e a suma-a-uma

os sumórios eram sumêdos


porque eram semudos
e mudos de se ou de si
eram sumúrios

os sumúrios eram semílicos


simólicos e simulados
daí vem que amaram a sêmula
a súmula
e o tacão alto

Ana Hatherly
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Capital

Capital
Casas, carros, casas, casos.
Capital
Encarcerada.
No meio do caminho tinha uma pedra
Colos, calos, cuspo, caspa. tinha uma pedra no meio do caminho
Cautos,castas. Calvos, cabras. tinha uma pedra
Casos, casos...Carros, casas... no meio do caminho tinha uma pedra.
Capital
Acumulado. Nunca me esquecerei desse
acontecimento
E capuzes. E capotas. na vida de minhas retinas tão fatigadas.
E que pêsames! Que passos!
Em que pensas? Como passas?
Capitães. E capatazes. Nunca me esquecerei que no meio do
caminho
E cartazes. Que patadas! tinha uma pedra
E que chaves! Cofres, caixas... tinha uma pedra no meio do caminho
Capital no meio do caminho tinha uma pedra.
acautelado.
Carlos Drummond de Andrade
Cascos, coxas, queixos, cornos.
Os capazes. Os capados.
Corpos. Corvos. Copos, copos.
Capital,
oh! capital,
Capital
decapitada!

David Mourão-Ferreira

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