Este documento resume um artigo sobre o historiador François Furet, considerado o mais importante e polêmico historiador da Revolução Francesa. O artigo descreve a carreira de Furet e analisa seu trabalho mais importante, "Pensando a Revolução Francesa", no qual ele oferece uma nova interpretação da Revolução, reduzindo-a a um fenômeno político e ideológico democrático sobre o poder.
Este documento resume um artigo sobre o historiador François Furet, considerado o mais importante e polêmico historiador da Revolução Francesa. O artigo descreve a carreira de Furet e analisa seu trabalho mais importante, "Pensando a Revolução Francesa", no qual ele oferece uma nova interpretação da Revolução, reduzindo-a a um fenômeno político e ideológico democrático sobre o poder.
Este documento resume um artigo sobre o historiador François Furet, considerado o mais importante e polêmico historiador da Revolução Francesa. O artigo descreve a carreira de Furet e analisa seu trabalho mais importante, "Pensando a Revolução Francesa", no qual ele oferece uma nova interpretação da Revolução, reduzindo-a a um fenômeno político e ideológico democrático sobre o poder.
Este documento resume um artigo sobre o historiador François Furet, considerado o mais importante e polêmico historiador da Revolução Francesa. O artigo descreve a carreira de Furet e analisa seu trabalho mais importante, "Pensando a Revolução Francesa", no qual ele oferece uma nova interpretação da Revolução, reduzindo-a a um fenômeno político e ideológico democrático sobre o poder.
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REVISTA DE FFLCH-USP
Revista de Historia 132 1
a semestre de 1995 FRANOIS FURET HISTORIADOR DA REVOLUO FRANCESA Modesto Florenzano Departamento de Historia FFLCH/USP RESUMO: F. Furet atualmente o mais importante e polmico entre os historiadores da Revoluo Francesa. O objetivo deste trabalho mostrar como e porque ele conquistou esta posio. Para tanto, mostramos sua carreira de historiador e examinamos o conjunto de seus escritos sobre a Revoluo Francesa, entre 1965 e 1989, ano do bicentenrio. Em parti- cular, procuramos examinar detalhadamente e avaliar criticamente sua obra mais importante que Pensando a Revolu- o Francesa, apresentando o mtodo, os argumentos e as teses que Furet a empregou para oferecer uma nova e original interpretao da Revoluo Francesa. Interpretao que reduz a Revoluo Francesa a um fenmeno poltico e este a um discurso e a uma ideologia novas - democrticas - sobre o poder. ABSTRACT: F. Furet is currently the most important and polemic French Revolution historian. The purpose of this paper is to demonstrate how and why he achieved this position. Thus, we discuss his professional career and examine his writings on the French Revolution between 1965 and 1989, year of the bicentennial. Our main goal is to make a detailed analysis and a critical evaluation of his most important work - Thinking the French Revolution - presenting the methods, the arguments and the propositions used by him to build up a new and original interpretation of the French Revolution, one which reduces the French Revolution to a political phenomenon and this one to a new discourse and ideology - both democratic - on power. PALAVRAS-CHAVE: Revoluo, Ideologia, Democracia, Discurso, Poltica. KEY-WORDS: Revolution, Ideology, Democracy, Discourse, Politics. Entre os mui t os historiadores especialistas em Revoluo Francesa que surgiram nas ltimas dca- das, dentro e fora da Frana, nenhum, com certeza, provocou tanta celeuma e atraiu tantos seguidores e adversrios quanto Franois Furet. Sua notoriedade como historiador revisionista e polmico, que vem dos anos sessenta, atingiu por ocasi o do bicenten- rio da Revol uo uma tal consagrao que chegou a ser chamado, por al guns mai s ent usi asmados, de "o rei do bi cent enri o" (THE ECONOMIST, 88). Foram, basi cament e, dois livros e um artigo, os responsveis por tanta cel ebri dade: os dois vol umes, 96 Modesto Florenzano I Revista de Histria 132 (1905), 95-109 publicados em 1965-1966, de La Rvolution Fran- aise, escritos em parceria com Denis Richet, o ar- tigo de 1971 "Le Catchisme Rvolutionnaire" e, principalmente, o livro Penser la Rvolution Fran- aise de 1978, editado no Brasil em 1989. Pensando a Revoluo Francesa (ttulo da edi- o brasileira) est composto por 4 ensaios agrupa- dos em duas partes: a primeira, a mais importante, contm o ensaio, especialmente escrito para o livro, "A Revoluo Est Terminada", c a segunda parte, agrupa sob o ttulo de "Trs Histrias Possveis da Revoluo Francesa", o artigo acima mencionado de 1971 (reproduzido com pequeno acrscimo) e os ar- tigos "Tocqueville e o Problema da Revoluo Fran- cesa" e "Augustin Cochin e a Teoria do Jacobinis- mo". No prefcio, o autor esclarece que os tres lti- mos captulos representam "as etapas e os materiais sucessivos" de sua reflexo sobre a questo que no deixou de ocupar seu esprito desde que comeou a estudar a Revoluo Francesa (e cuja sntese forma a primeira parte do livro): "Como pensar um evento como a Revoluo Francesa?" (FURET, 1989, p. 11). O ensaio "A Revoluo Est Terminada" encer- ra, pois, a contribuio de Furet historiografia da Revoluo Francesa. Nele centraremos nossos co- mentrios que tm trs objetivos: apresentar o autor, mostrar de forma resumida e a mais fiel possvel toda a argumentao e anlise por ele desenvolvida no ensaio e avanar alguma crtica e comparao entre o ensaio e outras escritos anteriores e posteri- ores do autor. No para cobrar coerncia, mas ape- nas para verificar como seu pensamento avanou e recuou em relao a determinadas idias e posies sobre questes da histria e da historiografia da Re- voluo Francesa. I Foi graas La Rvolution Franaise (1965- 1966) que, Franois Furet e Denis Richet, ento dois jovens historiadores ainda desconhecidos, conhece- ram uma fama talvez esperada. Aquilo que parecia ser apenas mais uma histria geral sobre a Revolu- o Francesa, concebida editorialmente como uma inofensiva coffee-table history, na feliz expresso de Lynn Hunt (1981, p. 313), logo revelou-se o que era de fato ou o que pretendia: um esforo srio e bem sucedido - e ao mesmo tempo provocativo de reinterpretao, de reviso, seno de toda a Revolu- o, pelo menos de alguns de seus temas cruciais. Sobre estes, os dois autores ofereciam explicaes novas para velhos argumentos, dominantes na historiografia revolucionria. Quatro teses, em especial, destacavam-se pelo seu carter hertico cm relao historiografia de esquerda - marxizante c at ento dominante da Revoluo. 1. A teoria da elite: no final do Antigo Regime francs, mais do que luta de classes entre burguesia e nobreza, o que havia, ou predominava, era uma integrao crescente entre ambas, a ponto de constiturem uma nica elite (de notveis). Elite informada pelo mesmo pensamento iluminista (por ela e para ela produzido) e compartilhando os mes- mos gostos, os mesmos valores e, sobretudo, as mes- mas idias de reformas polticas. O conflito era, pois, entre (da) sociedade (civil), isto , seus grupos diri- gentes e (contra) o Estado. 2. A derrapagem da Re- voluo: dada a crescente disfuncionalidade do Es- tado e sua incapacidade em se reformar, a elite re- corre Revoluo (poltica), mas com a entrada em cena das massas, a revoluo vai sofrer uma derra- pagem, um acidente de percurso, isto 6, vai escapar ao controle dos notveis. 3. O arcasmo e o incons- ciente sexual dos sans-culottes: as massas populares urbanas trouxeram cena poltica sentimentos e comportamentos arcaicos, passadistas e violentos, alguns "incontestavelmente de origem sexual". 4. (corolrio das trs primeiras teses) No h unidade do processo revolucionrio mas tlescopage de trs revolues: "no h uma revoluo do vero de 1789 Modesto Ftorenzano / Revista de Historia 132 (1995), 95-109 97 nem revolues que se seguem umas s outras. H trs revolues autnomas e simultneas que se in- troduzem umas dentro das outras (tlescopage) e que ultrapassam o calendrio do reformismo ilustrado". Das trs somente a primeira uma revoluo com ciara conscincia poltica e que anuncia a sociedade do amanh. Estas quatro grandes revises, ao lado de outras tantas menores, eram apresentadas sem que nunca os autores identificassem ou revelassem suas fontes ou inspiraes. Teses e historiadores eram, todo o tem- po, "visivelmente" usados e refutados, sem serem mencionados: os dois volumes no traziam nenhuma nota de p de pgina, nenhuma indicao bibliogr- fica no corpo ou no final do texto. Nada. Foi somen- te no prefcio da segunda edio, standard, de 1.973, que os autores introduziram referncias historiogr- ficas e acrescentaram uma bibliografia no final do texto. Outra caracterstica no menos relevante da obra era o estilo, a prosa nouvelle histoire, ou, nous des Annales, segundo a expresso do historiador ingls Richard Cobb (1969, p. 76). Por tudo isso, no sur- preende que os dois volumes tenham provocado um no pequeno barulho e uma quase geral condenao e rejeio entre os historiadores de esquerda da Re- voluo Francesa. Um destes, Claude Mazauric, dis- cpulo de Albert Soboul, investiu pesado contra os dois autores, chamando-os de revisionistas, antimar- xistas c anticomunistas por pretenderem desqualifi- car o carter burgus da revoluo e o papel nela de- sempenhado pelos jacobinos (1970, p. 35). A resposta de Furet foi o ensaio j mencionado, "O Catecismo Revolucionrio". Nele, o .autor critica de forma contundente mas inteligente e bem funda- mentada, no s Mazauric mas tambm Soboul e a historiografia marxista em geral. Algumas das idi- as centrais deste ensaio, sobretudo as que se referem historiografia c ao fenmeno revolucionrio pro- priamente dito (como a dinmica ideolgica, a guer- ra c o Terror), foram retomadas e desenvolvidas no ensaio "A Revoluo Est Terminada". Outras, ao contrrio, como as que tratam das classes dominan- tes, em especial, da nobreza e da estrutura scio-po- ltica do Antigo Regime no limiar da Revoluo, no mais reaparecem. E isto por duas razes interliga- das: de um lado porque o interesse e anlise de Furet sobre a Revoluo foi se concentrando cada vez mais no poltico e na historiografia, de outro porque este poltico foi sendo pensado e abordado como uma ins- tncia autonoma e "independente" com relao a in- teresses e foras scio-cconmicas. Com Furet (e Richet) a Escola dos Annales, qual pertence, ilustrando a terceira gerao (ao lado de historiadores como Emmanuel Le Roy Ladurie e Jacques Le Goff), abriu-sc, finalmente, para o terri- trio da Revoluo Francesa. Territrio deixado de lado pela primeira gerao (Bloch e Febvre) e pela segunda (Braudel). A histria cultivada por esta terceira gerao dos Annales, tambm conhecida desde os anos sessenta pelo nome de nouvelle histoire, no se caracteriza por qualquer unidade ou sistema de pensament o de seus hi st ori adores (FURET, 1982). Pelo contrrio, a liberdade e a di- versidade intelectual do ponto de vista terico e ide- olgico uma de suas caractersticas. Contudo, ela possui alguns traos e tradies comuns no que se refere seja concepo do mtier do historiador, seja ao estatuto e natureza do seu objeto: a busca da interdisciplinaridade, da historia-problema, a cons- cincia da coao do presente, o documento como monumento, a infinitude dos objetos de investiga- o e sua relativizao (tudo interessante, tudo histria), o abandono do problema da origem, o desprezo peta filosofia da histria, pela histria vnementielle, pela histria narrativa (no sentido de historia-perodo, narrao cronolgica) e fasc- nio pelo mental coletivo. E, last but not leasts aber- ta e entusistica adeso ao pensamento "ps-moder- no" (principalmente Foucault). 9 8 Modesto Florenzano I Revista de Histria 132 (J 995), 95-109 No caso particular de Furet, curioso notar que, embora faa a apologia da histria quantitativa e da longa durao e tenha produzido bastante nesta rea (o artigo "O quantitativo em histria" para a famo- sa obra coletiva Faire de l'histoire, espcie de ma- nifesto da nouvelle histoire, os livros Livre et socit dans la France au XVIII sicle, 1965 e Lire et crire, V aphabt'ization des Franais de Calvin Jutes Ferry, em parceria com Jacques Ozouf, 1977), no foi no campo da histria quantitativa, contudo, que obteve sucesso e fama como historiador 1 . A fama veio quando, escolhida a Revoluo como canteiro, passou a cultivar o qualitativo, a cur- ta durao e o poltico. E se ao faz-lo no deixou de lado a mesma concepo de histria e a mesma ins- pirao da nouvelle histoire (e um dos resultados desta postura ser, como veremos, a destruio do sujeito na poltica e na histria da Revoluo), por outro lado, no deixa de ser interessante constatar que Furet aproxima-se, e muito, da histria manei- ra do sculo XIX quando afirma que a histria que ama a histria-problema, a histria-conceitual, a histria interpretao (do "vivido atravs de uma te- oria ou de uma idia", 1980, p. 28). Ao pretender examinar a Revoluo Francesa como uma teoria (filosofia) poltica, Furet est mais prximo de uma 1. Veja-se a irnica e grave crtica do grande historiador italia- no do Iluminismo Franco Venturi a estas pesquisas quantitativas realizadas pela Sexta Seco da Escola Prtica de Altos Estudos, de onde saiu o primeiro dos dois livros acima mencionados: "O ris- co da histria social do Iluminismo, tal como a vemos hoje sobre- tudo na Frana, o de estudar as idias quando j se tornaram es- truturas mentais, sem nunca captar o momento criativo e ativo, de examinar toda a estrutura geolgica do passado, menos, precisa- mente, o humus sobre o qual crescem as plantas e os frutos. O re- sultado historiogrfico , com frequncia, o de reconfirmar com grande luxo de mtodos novos aquilo que j se sabia, aquilo que j tinha aflorado superfcie da conscincia atravs das lutas dos contemporneos e das reflexes dos historiadores... Livre et Socit dans la France du XVU' sicle: ttulo mais atraente difcil de imaginar para um historiador do Iluminismo. Este estar de bom grado disposto a perdoar aquele tanto de mistica pitagrica que se encontra nestas pginas e que distrai continuamente o leitor do historiografa-filosfica do que de uma histria total, tal como foi praticada pelos fundadores dos Annales e como reivindicada por um Le Roy Ladurie(1969) e um Maurice Agulhon (1979), ou de uma histria do cotidiano, ou ainda de uma micro-histria, to ao gosto de muitos praticantes da nouvelle histoire. Em Pensando a Revoluo Francesa, o mtodo, o objeto e a dmarche da anlise de Furet, para no falar do estilo, constituem todos uma originalidade, uma novidade, no quadro da historiografia da Revo- luo Francesa. Pela primeira vez um historiador aborda e explica todo o fenmeno revolucionrio, isto c, toda a Revoluo Francesa, como algo essen- cial e autonomamente poltico. Evidentemente, no no sentido de fatos c instituies polticas maneira da histria tradicional, mas, poltico, no sentido de prticas, sociabilidades, representaes, imaginrios. A poltica no como um setor particular da vida so- cial, mas pelo contrrio, como "a noo de um prin- cpio ou de um conjunto de princpios geradores de relaes que os homens estabelecem entre si e com o mundo" (LEFORT, 1986, p. 8). Para Furet a signi- ficao histrica da Revoluo Francesa reduz-se poltica (no sentido de ideologia e cultura), mais pre- cisamente, inveno da democracia moderna e, para os franceses em particular, inveno do mito exame dos resultados concretos para induzi-lo a se dobrar de joe- lhos frente religio, contemplao do nmero. Mas a dvida re- nasce quando vemos Franois Furet, depois de uma investigao sobre a produo editorial na Frana, realizada atravs de sonda- gens e com grande luxo de pesquisas, concluir sobre a permanence des ivres de droit, sobre a importance des belles lettres et te maintien des grandes genres, sobre o grand mouvement sculaire inverse des ouvrages de religion et de 'sciences et Arts'. "Jt s'agit aussi bien de l'observation technique, de la reforme d'un 'abus' que de la reconstruction de la cit, toute une monte sociale s'exprime atravers le double langage de l'exprience et du rve". Nas concluses, como se v, os nmeros so deixados de lado para dar lugar, outra vez, e em primeiro plano, s verdades que toda a histria das idias do Setecentos francs j nos havia in- dicado" (1970, p. 24). No de se estranhar, portanto, que no fo- ram e no podiam ser estas obras quantitativas que deram fama a Furei como historiador. Modesto Florenzano / Revista de Historia 132 (1995), 95-109 99 da origem, da fundao da identidade nacional. In- veno iniciada pelos prprios revolucionrios, a co- mear por Sieys e completada e at hoje reafirma- da pela historiografa revolucionria. Seu objeto , portanto, a poltica da Revoluo Francesa, ou a revoluo enquanto poder e ideologia e, ao mesmo tempo, a historiografia revolucionria. O mtodo em que se inspira, extrado em grande parte de Foucault, Castoriadis e Derrida (HUNT, 1981 ). Embora nunca citados, so suas contribuies c concepes sobre poder, sujeito, representao, dis- curso, que informam, alm do mtodo, at mesmo o vocabulrio, s vezes abstruso, de Furet. Veja-se por exemplo esta afirmao: "Se a Revoluo Francesa vive, em sua prtica poltica, as contradies teri- cas da democracia por inaugurar um mundo onde as representaes do poder so o centro da ao e onde o circuito semiotico mestre absoluto da pol- tica" (grifo meu) 2 . Isto quer dizer que Furet est in- teressado mais no poder da linguagem (ou seja no poder enquanto estatuto simblico) do que na lingua- gem do poder (ou seja, no poder enquanto ao de governo). Pela primeira vez, vale a pena insistir, na histo- riografia da Revoluo Francesa, um historiador aborda e pensa a Revoluo a partir de um novo re- gistro, como uma linguagem, um discurso, uma re- presentao e sem um sujeito poltico aparente: "mais gue uma ao a Revoluo uma linguagem. E em relao a essa linguagem, lugar do consenso, que a mquina seleciona os homens: a ideologia fala atravs dos chefes jacobinos, mais do que es- tes falam atravs dela. Existe em Cochin, em filigra- na, uma referncia muito moderna s coeres da linguagem e ao desvanecimento do sujeito na cons- 2 Pensando a Revoluo Francesa, p. 64. A partir de agora todas as numerosas vezes em que passagens deste livro forem reproduzidas, elas sero acompanhadas apenas pela indicao da pgina de onde foram eximidas. tituio do campo poltico" (grifo meu, pp. 187- 188). Esta passagem interessante, entre outras coi- sas, porque mostra claramente, como se ver, que para Furet a Revoluo no foi uma luta de classes ou de interesses pelo poder mas "uma competio de discursos pela apropriao da legitimidade" (p. 65). II O ponto de partida de "A Revoluo Est Termi- nada" pode ser resumido como segue: a Revoluo Francesa atravs de seus atores produziu um discur- so, uma ideologia sobre st prpria, que consistiu em interpretar sua ao e seu significado histrico como uma ruptura e uma fundao (fim do Antigo Regi- me e criao da nao-soberana). Mas, dado que a Revoluo no conseguiu se estabilizar politicamen- te por quase um sculo (at a Terceira Repblica, na dcada de 1870), durante todo esse perodo a polti- ca e a historiografia francesas estiveram como que condenadas a uma polaridade irreconcilivel: ou aceitar e defender a Revoluo e sua identidade e princpios (ainda que, como no caso dos liberais, s os de 1789) ou recus-la, sonhando com o Antigo Regime (como foi o caso dos legitimistas e dos pen- sadores contra-revolucionarios). Quando, finalmen- te, em termos institucionais, a Revoluo terminou, em termos intelectuais continuou; e continuou por- que: "nem bem havia acabado de impor a Repblica e se tornou claro que a Revoluo muito mais do que a Repblica. Ela uma anunciao que nenhum acontecimento esgota" (p. 21). Ora, prossegue Furet, se os historiadores france- ses do sculo XIX (excetuando Tocqueville) estabe- leceram com a Revoluo e seus eventos uma rela- o de identidade, os do sculo XX (excetuando Cochin), sobretudo a partir de 1917, acrescentaram a essa identificao uma outra, pois o discurso pol- tico concernente Revoluo Russa sobreps-se ao discurso histrico concernente Revoluo France- 1 00 Modesto Fiorettano / Revista de Histria J32 (1995), 95-109 sa. De modo que tanto o primeiro quanto o segundo no foram alm das categorias e do discurso dos pr- prios atores da Revoluo. Para Furet, qualquer con- ceitualizao histrica digna desse nome requer pre- cisamente um distanciamento crtico do discurso c das categorias dos sujeitos da ao histrica. Da porque apesar de todo o "progresso", de toda a "am- pliao" do conhecimento histrico sobre a Revolu- o Francesa ocorridos sob a inspirao de 1917 e do marxismo (nfase nas estruturas e foras cconmico- sociais e na participao popular), a historiografia revolucionria "permanece anexada e, mesmo mais do que nunca, anexada a um texto de fundo que o velho relato das origens, ao mesmo tempo renovado e cristalizado pela sedimentao socialista" (p. 23). preciso, portanto, "romper esse crculo vicioso da historiografia comemorativa", preciso "desin- vestir" a Revoluo de seu mito de origem. Chegou a hora de "esfriar" o objeto "Revoluo Francesa", chegou a hora de "conceituaiizar a Revoluo como um problema e no comemor-la como um fato" (p. 24). Isto tornou-se possvel agora, segundo Furet, de um lado, porque as "contradies entre o mito re- volucionrio c as sociedades revolucionrias (ou ps- revolucionrias)" (p. 25) no podem mais ser masca- radas (crise'do socialismo real e do marxismo) e de outro, porque as "mutaes do saber histrico" fize- ram com que a histria deixasse de ser "esse saber onde se considera que os 'fatos' falam por si mesmos, desde que tenham sido estabelecidos segundo as re- gras" (p. 26). Em suma, existem agora, finalmente, as condies histricas (objetivas) e tericas (subje- tivas) que permitem terminar a Revoluo Francesa tambm no plano intelectual, historiogrfico. Para levar a cabo sua abordagem, Furet foi bus- car em Tocqueville e em Cochin ("os nicos histori- adores que propem uma conceitualizao rigorosa da Revoluo Francesa", p. 12) a dupla matriz de sua anlise. Deles extrai o "modelo" para pensar a con- tinuidade e a ruptura no processo revolucionrio. De Tocqueville, Furet retirou a viso da revolu- o como continuidade: "ao invs de constituir uma ruptura, a Revoluo s pode ser compreendida em e pela continuidade nos fatos, embora aparea como uma ruptura nas conscincias" (p. 29). Da a necessidade de distinguir dois nveis diferentes e necessrios de anlise: "a Revoluo como proces- so histrico objetivo e a Revoluo como conjunto de eventos ' acontecidos' c vividos: a Revoluo- contedo e a Revoluo-modalidadc" (p. 36). Ora, c precisamente isto, segundo Furet, o que a historiografa revolucionria, por estar presa cons- cincia dos atores revolucionrios, incapaz de rea- lizar. Principalmente a que ele chama de "vulgata marxista", a qual, partindo do conceito de "revolu- o burguesa" (esse "monstro metafsico", esse "con- ceito faz-tudo", esse "deus-ex-machina") mistura e confunde aqueles dois pressupostos e reconcilia pro- videncialmente "todos os nveis da realidade hist- rica e todos os aspectos da Revoluo Francesa" (p. 34). Mais ainda, a "vulgata marxista", ao dedu- zir a Rcvoluo-contedo da Revoluo-modalidade, incorre mais do que nunca na "doena profissional do historiador, eterno redutor das virtualidades de uma situao a um futuro nico" (pp. 35-36). Ela incapaz de ver e explicar o que h de mais radical- mente novo e de misterioso na Revoluo Francesa: "um novo tipo de prtica e de conscincia histricas, ligadas a um tipo de situao, sem serem definidas por ela" (p. 39). Para Furet a Revoluo Francesa no pode ser explicada e nem reduzida a causas eco- nmico-socias. Nem a misria, a opresso e o des- contentamento e muito menos a burguesia ou o ca- pitalismo servem para explicar "a apario em cena de uma modalidade prtica e ideolgica da ao so- cial que no est inscrita em nada que a precede" (pp. 38-39). Da o porqu da necessidade, segundo Furet, de se redescobrir a anlise do poltico enquanto tal, pois, a "Revoluo o espao histrico que separa Modesto Florenzano I Revista de Historia 132 (1995), 95-109 101 um poder de outro poder e onde uma idia da ao humana sobre a histria substitui-se ao institudo" (p. 40). Para chegar a esta formulao, Furet j est introduzindo Cochin em sua anlise, mas sem ainda abandonar Tocqueville, do qual tambm retira os ele- mentos para pensar a relao Estado-sociedade civil no final do Antigo Regime e a questo fundamental do papel exercido pelos homens de leiras ou filso- fos (a intelligentsia, como se diria hoje) na passagem do antigo ao novo poder. Seguindo a interpretao de Tocqueville, Furet considera que em meados do sculo XVIII, a socie- dade civil francesa comea, finalmente, a se revita- lizar c a se subtrair obedincia passiva ao Estado, ao qual havia sido anexada por Luis XIV. Mas com a revitalizao da sociedade civil, alimentada pel a prosperidade do sculo, abre-se uma crise poltico- soci al : "as duas grandes heranas da hi st ri a da Frana, a sociedade de ordens e o absolutismo en- tram em um conflito sem sada" (p. 123). A socie- dade civil francesa precisa encontrar novos canais de comunicao com o Estado (os canais tradicionais tinham sido fechados sob Luis XIV) e novos porta- vozes (a nobreza, h muito deixara de ser uma ver- dadeira aristocracia, ou classe dirigente e era cada vez mais uma casta). Nesta situao, isto , na au- sncia de uma verdadeira classe dirigente, os filso- fos, ou homens de letras, transformam-se em doubl de classe dirigente, Mas: a confuso de papis, a instalao de homens de letras em uma funo da qual eles exercem apenas uma parte ima- ginaria, ou seja, o magistrio de opinio, com excluso de qualquer prtica do poder, tem sua ressonncia sobre a prpria cultura... Privados de verdadeiras liberdades, os franceses lanam-se liberdade abstrata; incapazes de experincia coletiva, sem meios de experimentar os limi- tes da ao, orientam-se sem o saber para a iluso da po- ltica (pp. 52-53). Em out r as pal avr as, os f r anceses, s e gundo Tocqueville e Furet, em decorrncia dessa situao, fecham os ol hos para a poltica como a arte do pos- svel e acham mais fcil teorizar uma sociedade per- feita do que construir uma mel hor do que a sua pr- pria. Mas, Tocqueville, como sabi do, nunca analisou em sua obra o perodo revolucionrio propri ament e dito. Como bem nota Furet "...existe uma pgi na em branco que Tocqueville nunca escreveu" (p. 38). O interessante que o prpri o Tocquevi l l e confessa, com uma lucidez i mpressi onant e, sua i ncapaci dade em apreender o fenmeno revol uci onri o: Independentemente de tudo o que se explica na Revo- luo Francesa, h algo em seu esprito e nos seus atos que continua nexplicado. Pressinto onde se encontra o objeto desconhecido mas por mais que eu faa, no consigo le- vantar o vu que o cobre. Eu o tateio como atravs de um corpo estranho que me impede seja de toc-lo, seja de v- lo (apud FURET, p. 228). Para avanar, para l evant ar o vu que i mpedi u Tocqueville de ver o objeto, Furet recorre a Cochin,. o historiador da revol uo enquant o ruptura da re- voluo como ideologia democrt i ca e com ele pene- tra no mistrio da Revol uo Francesa: "a torrente", gerada pela di nmi ca poltica e cultural, ou seja, "a ideologia revolucionria". E o j acobi ni smo a for- ma clssica desta ideologia ou conscincia, porque o j acobi ni smo, "ao mes mo t empo uma i deol ogi a e um poder, um sistema de represent aes e um siste- ma de poder" (p. 45). Para Furet, Cochin foi o pri- meiro historiador a "pensar o j acobi ni smo em vez de reviv-lo" (p. 44) e a "expl i car as condi es sociol- gicas nas quai s se formam os el ement os da futura conscincia revolucionria": as soci edades de pensa- mento que produzem um novo tipo de sensi bi l i dade poltica, a sociabilidade democrt i ca. Para Cochin e Furet, nas l t i mas dcadas do An- tigo Regime, coexistem na Frana, lado a lado, mas sem se tocarem, duas formas distintas de sociabili- dade pol t i ca: a t radi ci onal , em cri se, fundada no 102 Modesto Florenzano f Revista de Historia 132 (1995), 95-109 princpio hierrquico e monrquico e nas institui- es corporativas, e a democrtica, em expanso, produzida pelos cafs, sales, lojas manicas e "so- ciedades" em geral (todas "sociedades de pensamen- to") e estruturadas a partir do indivduo (e no de um corpo) e a partir do princpio da igualdade de todos os seus membros (e no da hierarquia). A fonte in- telectual, terica, desta sociabilidade poltica demo- crtica (democrtica no por se estender a todo o povo, mas porque "suas linhas de comunicao for- mam-se ' embaixo' c horizontalmente", p. 54) deve ser procurada na filosofia poltica francesa do scu- lo XVIII, no Il umi ni smo e, em particular, em Rousseau. Partindo do conceito central de indivduo, esta filosofia coloca na ordem do dia as questes: "como pensar o social a partir dessa conceitualiza- o-valorizao do indivduo?" e "como possvel pensar ao mesmo tempo o indivduo livre c a aliena- o de sua liberdade no Estado?" (pp. 46-47). Mas, adverte Furet, o fato de os "materiais" da futura conscincia ou ideologia revolucionria, secretados pela sociabilidade democrtica, j existi- rem no Antigo Regime, da no se deve deduzir que a sua "cristalizao" j estivesse realizada, ou que fosse inevitvel. A linguagem da Revoluo s vai nascer em 1789. Ela no existe ainda no tempo dos Cahiers de Dolances, os quais "no falam a lngua da democraci a, mas a dos j ur i st as do Ant i go Regime"(p. 56). nas batalhas da prpria eleio, e na famosa brochura do abade Sieys ("ao mesmo tempo um discurso de excluso e um discurso de ori- gem", p. 59) que ela aparece. E que, para Furet, se- guindo uma sugesto de Tocqueville, o poder, o Es- tado do Antigo Regime caiu, dissolveu-se em meio a uma crise scio-poltica, isto , a um conflito en- tre a sociedade civil e o Estado, crise aberta em 1787. Quando a ideologia revolucionria ocupa o poder em 1789, encontra-o vago: " a invaso da esfera do po- der, vacante por esse tipo de ideologia, que cria a si- tuao revolucionria e a nova dinmica poltica" (p. 46). A Revoluo abre um perodo de deriva na histria: "um campo sem limites no movimento das idias e das paixes sociais". A Revoluo "cabe menos em um quadro de causas e consequncias que na abertura de uma sociedade a todas as suas possi- bilidades. Inventa um tipo de discurso e um tipo de prtica poltica com os quais, desde ento, no mais deixamos de viver" (p. 61). Para Furet, a Revoluo funda(-se) (n)uma nova legitimidade o (poder do) povo, a (soberania da) nao, mas no cria uma nova legalidade. A Revo- luo inventa a poltica democrtica, mas no cria as regras do jogo, os procedimentos essenciais vida democrtica. E que a nova legitimidade, veiculada pela sociabilidade democrtica c que est no centro da ideologia revolucionria, embora seja radicalmen- te diferente da ideologia do Antigo Regime (basea- da no direito divino da monarquia), conserva do an- tigo poder, absoluto, a mesma concepo e imagem: o poder como algo que no pode ser compartilhado e que exclui a "legitimidade do desacordo e a da re- presentao" (p. 54). As sociedades de pensamento, cujo propsito "fabricar opinio no ao", acabam por "construir uma imagem substitutiva do poder, mas essa imagem calcada sobre a do poder 'abso- luto' dos reis, simplesmente invertida em proveito do povo" (p. 54). Mas h mais, pois, na ideologia revolucionria prevalecer no a concepo da representao da so- berania da nao (como queria Sieys) mas a con- cepo rousseauista, altamente abstrata e problem- tica, da unidade da vontade geral, da sua no repre- sentatividade. Por isso, nota Furet, toda a histria da Revoluo ser marcada pela dicotomia funda- mental entre democracia direta, ou pura, e democra- cia representativa. "Os deputados fazem as leis em nome do povo, de quem eles so considerados repre- sentantes; mas os homens das seces e dos clubes figuram o povo, sentinelas vigilantes encarregadas de perseguir e denunciar qualquer distncia entre a Modesto Florenzano I Revista de Histria 132 (1995), 95-109 103 ao e os valores, c de reinstituir, a todo instante, o corpo poltico" (p. 66). Na conscincia revolucionria, o povo "erigido ao mesmo tempo em legitimidade suprema c em ator imaginrio nico da Revoluo" (p. 45). Imaginrio porque o povo s pode expressar, materializar a uni- dade da sua vontade, isto , seu poder por meio da opinio, da palavra. Ora, para Furet, povo ( l que no um dado, ou um conceito que se refere sociedade emprica", p. 67), opinio ("lugar que no se encon- tra em lugar nenhum, e j em todos os lugares", p. 66) e palavra (que "nunca deixa de levantar sus- peitas, pois ela por natureza ambigua", p. 65) so trs realidades dbias, que exigem intrpretes para existir. Da a questo quem representa o povo? "Quem fala cm seu nome? Qual grupo, qual assem- bleia, qual reunio, qual consenso depositrio da palavra do povo? em torno dessa questo de vida e morte (meurtrire) que se ordenam as modalidades da ao e a distribuio do poder" (p. 46). Por sua vez todas as modalidades da ao e da distribuio do poder revolucionrio so pautadas e impulsionadas pela idia da conspirao aristocrti- ca. Para Furet, a noo da conspirao to impor- tante e central na ideologia e conscincia revolucio- nria quanto a prpria idia da igualdade. Enquanto esta "vivida como o inverso da antiga sociedade, pensada como a condio e o objetivo do novo pacto social", a conspirao representa o "princpio con- trrio, que faz nascer o conflito e justifica a violn- cia" (p. 68). Na conscincia revolucionria, "a aris- tocracia 6 o avesso da igualdade, da mesma forma que a conspirao o poder inverso ao do povo" (p. 70). Tanto a idia de nao quanto a de vontade popular se cristalizam em oposio nobreza e conspirao aristocrtica. Como toda a ao revolu- cionria organizada e pensada em relao cons- pirao aristocrtica, esta que fabrica a energia re- volucionria e representa para a Revoluo o nico adversrio sua altura. "Como a vontade do povo, a conspirao um delrio sobre o poder, elas com- pem as duas faces do que poderamos chamar o imaginrio democrtico do poder" (p. 70). A conspi- rao aristocrtica, independentemente de sua reali- dade efetiva torna-se, assim, o instrumento por exce- lncia do poder revolucionrio. Todos os lderes e to- das as correntes revolucionrias agiro sempre para conquistar ou conservar o poder: ou como represen- tantes ou como figurantes do povo, da vontade geral da nao, e por outro lado, como denunciadores da conspirao aristocrtica (interna e externa), pois, s denunciando a conspirao, o poder revolucionrio pode governar legitimamente. Ora, s o jacobinismo e, em particular, Robespi- erre, conseguir manejar perfeio a dialtica do povo e da conspirao. Na verdade foi o jacobinis- mo que fixou o modelo e o funcionamento do duplo sistema (a legitimidade representativa e a legitimi- dade direta) "pela ditadura de opinio de uma socie- dade que foi a primeira a apropriar-se do discurso da Revoluo sobre ela mesma" (p. 67). Quanto Ro- bespierre, a Revoluo fala "atravs dele, seu discur- so mais trgico e mais puro". S Robespierre "recon- ciliou miticamente a democracia direta e o princpio representativo, instalando-se no cume de uma pir- mide de equivalncias, cujo equilbrio conservado dia aps dia por sua palavra" (p. 75). Para Furet, a figura de Robespierre no pode ser compreendida a partir de sua psicologia. No seu carter, virtuoso para os que o admiram, monstruo- so para os que o detestam, que explica o seu papel e o seu lugar na Revoluo. Robespierre no pode ser compreendido fora da ideologia revolucionria, a qual "mal aparece, i nvest e-o compl et ament e" (p. 74). O jacobinismo e Robespierre distinguem-se das outras correntes polticas e dos outros lderes da Revoluo, por exemplo, dos girondinos e dos enrags; no por ostentarem ou representarem inte- resses de classe diferentes ou antagnicos em rela- o a estes (como acredita a historiografia marxis- 104 Modesto Florenzano I Revista de Historia 132 (1995), 95-109 ta), mas, por expressarem a ideologia revolucion- ria em sua f or ma mai s pl ena e pur a. Por t erem, mai s do que seus rivais, encarnado (e se apropria- do) do privilgio de ser a vontade do povo e, tam- bm, e no menos, por terem sido possu dos pela "i l uso da poltica". Isto , pela crena de que todos os probl emas individuais c todas as quest es morais e intelectuais so polticas e, portanto, sujeitas a so- l ues polticas. Durant e o gover no j acobi no, a invaso da esfera pr i vada, da vida soci al e econmi ca pela poltica, at i nge tal i nt ensi dade que toda a soci edade civil anexada e domi nada pela ideologia revolucionria. Em consequncia, se a sociedade civil perde toda sua i ndependnci a, t ambm a poltica perde "sua auto- nomi a e sua racionalidade prprias" (p. 87). Da por- que a Revol uo apresent a (sobretudo na sua fase de mai or radicalizao) lutas (de vida c morte) pelo po- der mas no lutas de classes. Lugar das lutas pelo poder, instrumento de diferenci- ao dos grupos polticos, meio de integrao das massas ao novo Estado, a ideologia acaba sendo, por alguns me- ses, co-extensiva ao prprio governo. Desde ento, qual- quer debate perde sua razo de ser, pois no h mais es- pao a ocupar entre a idia o poder c nenhum lugar para a poltica, alm do consenso ou da morte (p. 85). Finalmente, se o j acobi ni smo estabeleceu, por um l ado, e pela pri mei ra vez na histria, "um vnculo part i cul ar ent re a pol t i ca e uma part e das massas popul ar es" (p. 68), por out ro lado, no deixou de ser, de modo ocul t o um poder oligrquico "que se trans- f or ma em um poder absol ut o sobr e a soci edade" ( P . 89) . Furet nao hesita em atribuir ideologia revolu- cionria, portanto, ao j acobi ni smo, portanto, Revo- l uo, t oda a r esponsabi l i dade pel o Ter r or e pela Guerra ("Das duas heranas j acobi nas, o Terror e a guer r a. . . " p. 87) . Cont r ar i ament e ao que sustenta toda a historiografia revolucionria, Furet nega, qua- se que por completo, que o Terror possa ser explica- do pela situao excepcional de guerra c luta de clas- ses vividas, simultaneamente, pela Frana revoluci- onria. Isto , nega a chamada tese das circunstn- ci as, "essa provi denci a da causal i dade hi st ri ca" (p. 77). Para ele, o Terror est presente na Revolu- o desde o seu i n ci o, poi s, decorre da lgica da conspi rao aristocrtica (e da vontade punitiva), trao fundamental da mentalidade coletiva revoluci- onria. Gerado pela dialtica contnua entre noo da vontade geral e a da conspirao aristocrtica: "o terror faz parte da ideologia revolucionria, e esta, const i t ut i va da ao e da pol t i ca dessa poca, superval ori za o sent i do das ' ci r cunst nci as' , que contribui largamente para fazer nascer. No h cir- cunstncias revolucionrias, mas sim uma Revolu- o que se alimenta das circunstncias" (p. 78). Quanto guerra, esta foi, para Furet, provocada por razes de poltica interna francesa: "o poder re- volucionrio nunca deixa de estar no centro do de- bate sobre a guerra, antes que esta se torne, de uma parte, a condio objetiva de seu reforo e fornea, de outra, um supl ement o essencial de legitimidade ao discurso do Terror" (p. 84). Com a queda de Robespierre (denunci ado por querer instaurar uma ditadura pessoal) t ermi na o poder da ideologia da democracia pura. Robespierre foi a ltima vtima da dialtica do povo e da conspi- rao que ele tanto manejou: "a denncia constante do poder faz parte do funcionamento da ideologia revolucionria enquanto poder" (p. 82). O Termidor um divisor de guas dentro da Re- voluo, porque com ele termina a Revoluo base- ada no imaginrio da democracia pura, na iluso da poltica, e comea a Revoluo dos interesses, a Re- vol uo que restitui sociedade civil sua indepen- dncia e sua densidade. E se a Revoluo continua, porque os termidorianos no podem liquidar com a guerra, como liquidaram com o Terror (no no sen- tido de que este deixou de existir por completo, mas Modesto Florenzano i Revista de Historia 132 (1095), 95-109 105 no sentido de que deixou de ser um principio para se transformar em um expediente) e com a ideologia revolucionaria (a qual tambm deixa de ser um prin- cpio e o prprio lugar do poder para se transformar em um meio, em um instrumento de propaganda no regime do Diretrio). Os termidorianos e os direto- rianos no puderam liquidar com a guerra e neste sentido com a Revoluo, porque a guerra "mante- ve-se como o ltimo critrio da fidelidade Revolu- o: fazer a paz significa pactuar com um inimigo irredutvel, iniciar um processo de restaurao do Antigo Regime" (p. 87). III Se se compara "A Revoluo Est Terminada" com os escritos anteriores de Furet, pode-se verificar como o seu pensamento foi se radicalizando, seja na crtica historiografia revolucionria, seja na redu- o da Revoluo a um fenmeno poltico (provoca- do por causas polticas e com consequncias apenas polticas), seja ainda na destruio do sujeito (no sentido de indivduos ou classes). Em La Rvolution Franaise (1965-1966), ape- sar de todo o revisionismo, a burguesia ainda vista como o sujeito da Revoluo: "A burguesia francesa de 1789 sabe muito melhor do que os marxistas de 1917 paraonde quer ir, para onde vai. No fundo das coisas, compreende melhor a Histria que faz" (FURET & RTCHET, p. 114). Em "O Catecismo Revolucionrio" (1971), ape- sar de toda a crtica ao conceito - marxista - de re- voluo burguesa, aqui e ali aparecem expresses que mostram que Furet ainda no abandonou por completo, como far a seguir, o recurso burguesia como sujeito da ao e s classes sociais como fator explicativo da e na Revoluo. Provam-no passagens como: "Essa a hiptese tradicional, que apresenta a vantagem de explicar a frustao e a ambio bur- guesas no fim do sculo" (p. 120); "...o ritmo do crescimento das fortunas e ambies burguesas" (p. 121); "...mas o problema histrico reside em que, de um lado, a revoluo precisamente feita e diri- gida, pelo menos majoritarlamente, pela burguesia do Antigo Regime" (p. 134, grifo meu); e, "...coales- cncia de uma ideologia simultaneamente burguesa, popular e camponesa" (p. 140). Em "A Revoluo est terminada" (1978), como j foi dito anteriormente, o econmico e o social de- saparecem por completo. J no tem qualquer valor ou peso explicativo para se compreender a Revoluo e sua ideologia. Aqui, Furet reduz a Revoluo a uma (teoria e ao) poltica, a qual pensada e explicada livre e fora de qualquer coao ou contaminao s- cio-cconmica. E, dentro da Revoluo como polti- ca, a dinmica ideolgica ganha tal anonimato, tal autonomia e tal carter absoluto que acaba por se tor- nar no prprio motor e no sujeito da ao. Como assinalou lucidamente a historiadora nor- te-americana Lynn Hunt: "(Furet) caiu na armadilha do 'circuito semitico' de sua descrio" (1981, p. 319). Ao opor o semiolgico (a linguagem ou o discurso) ao social, Furet acaba por reproduzir, ele tambm (que nunca se cansa de denunciar isto na historiografia revolucionria), a linguagem dos revo- lucionrios. Porque os revolucionrios acreditavam, como Furet acredita, na separao entre linguagem e interesses. Por isso no podiam admitir a poltica como representao de interesses, no queriam acei- tar a existncia de partidos (do latim partes, isto , diviso) e de polticos, pois, estes pela sua simples presena, desmentem o povo como soberano (direto e sem diviso) e fazem aparecer a poltica como qui- lo que : representao e diviso, de interesses e gru- pos de classes. Por isso, nenhum revolucionrio e nenhuma corrente, pelo menos dentro do jacobinis- mo, assumia-se como poltico e como partido. Por causa desta separao, equivocada, entre a ideologia e o social, Furet aplica na Revoluo tor- 106 Modesto Florenzano / Revista de Histria 132 (1995), 95-109 cs difceis de serem aceitas como verossmeis. Em out ras pal avras, Furet (re)constri os fatoSj os acon- t eci ment os e os organiza de modo to lgico e abs- t rat o ( met af si co) que a coer nci a i mpl acvel que del es resulta pouco tem a ver com as incoerncias e as compl exi dades prprias do real histrico (seja ou no revol uci onri o). Como o caso quando sustenta a existncia de duas revol ues que, di ga-se, s ele viu, separadas no t empo e distintas na forma: a revoluo da ideo- l ogi a ( 1789- 1794) e a r evol uo dos i nt er esses ( 1794- 1799) . Se a peri odi zao que Furet apresen- tou em 1965 (com Richct) era discutvel, poi s, se- parava artificialmente com base na ideia de der- r apagem - 89 de 93, pel o menos esta tinha toda a t radi o liberal atrs de si (os liberais, desde Benja- mi n Cons t a nt , pas s ando por Mme de St ael , at e Tocquevi l l e, sempre procuraram separar os princ- pios de 89 dos de 93). A peri odi zao apresent ada por Furet em 1978 (e que anul a a ant eri or) cai na ar t i f i ci al i dade opost a, poi s, no s upe qual quer des cont i nui dade, qual quer mut ao ent re 1789 e 1794 e no tem qualquer apoio ou sustentao que no seja a sua prpria teoria ou model o explicativo. Mas, h mai s: Furet faz-nos passar de uma revo- luo outra (isto , da revoluo da ideologia e do t error para a dos i nt eresses) at ravs do Termi dor, sem nos brindar com qual quer explicao, sem que haja qual quer mot i vo aparent e (fora das lutas dos indivduos pelo poder) e implcito (fora de um supos- to cansao ou rejeio da soci edade ao Terror). Pura e si mpl esment e, depois do Termidor (repito, no ex- pl i cado) , Fur et faz apar ecer c omo um deus ex- machina: "uma outra Revol uo escondida pela pre- cedent e, di st i nt a dela, pois a sucede e i nseparvel dela, pois nunca teria vi ndo luz sem ela: a Revolu- o dos interesses" (p. 91) Como Furet no estabelece qualquer relao en- tre o semi ol gi co e o social no pode recorrer a este para explicar a suposta mudana (de uma revoluo out r a) , em consequnci a, ela s pode aparecer como um "curto-circuito semiolgico". No entanto, como bem mostrou Lynn Hunt: Os clubes no apenas manufaturam o novo consenso de opinio pblica, cies fizeram mais do que desespera- damente tentar exorcizar o fosso entre a prtica e a teoria democrtica. Eles tambm formaram os homens e grupos de homens (e at de algumas mulheres) dispostos a defen- der opinies conflitantes. Forjando novas prticas polti- cas, estas pessoas mostraram que podiam viver com a ten- so entre a transparncia democrtica c a representao dos interesses (1981, pp. 320-32). E como bem notou ainda o historiador italiano Luci ano Guerci ( 1981, p. 236) , a maneira como Furet explica as lutas ocorridas durante o perodo re- volucionrio faz com que estas se "configurem como exerccios verbais de personagens que longe de sus- tentar estratgias antagnicas e interesses antagni- cos, aparecem-nos como prisioneiros da ' sociabilida- de democrtica' e em conformidade s regras desta ltima travam batalhas num gigantesco jogo de car- tas marcadas, no qual os jogadores so intercambi- vei s, sem que, fundamentalmente, nada mude". E, lembra que, se Furet tem razo ao colocar o acento sobre os lderes, os militantes, os ativistas, os tireurs dficelle, est equivocado ao no apontar para o fato de que existiam problemas econmicos e sociais formidveis, os quais os tireurs dficelle tiveram que levar cm conta e as massas - ou, se se preferir as multides - se fizeram, s vezes, ouvir ameaadoramente em primeira pessoa, de tal modo que condicionaram escolhas polticas decisivas e arrancaram providncias que os lderes teriam de bom gra- do deixado de lado. J uma pri mei ra leitura dos escritos de Furet posteriores a "A Revoluo est terminada" reve- la que o autor recuou em relao s posies a sus- tentadas, no s no que se refere aos vnculos entre linguagem e interesses como tambm, e mais visi- Modesto Florenzano I Revista de Histria 132 (1995), 95-109 107 velmente, no que se refere sua crtica da historio- grafia revol uci onri a. Com efeito, l endo- se, por exemplo, os verbetes "Terror" e "Governo Revolu- cionrio" (de sua autoria) do Dicionrio Crtico da Revoluo Francesa, (Furet e Ozouf), nota-se este recuo quando afirma: ", pois, impossvel limitar o Terror s circunstncias que cercaram o seu nasci- mento, quer se trate da situo da salvao pblica ou da presso da popul ao urbana. Isto no quer dizer que tais circunstncias no tenham desempe- nhado papel algum..." (1989, p. 157). Veja-se tam- bm a Introduo que escreveu para a edio italia- na de L'eredit della Rivoluzione Francese, na qual cabe assinalar as passagens: "At o 9 Termi- dor o segredo da fuga para a frente da Revoluo e, depois os elementos de sua crise poltica residi- am no descarte entre a Declarao dos Direitos e a diviso de classes"; e "no interior a paixo igualit- ria manteve a Conveno no s sob a presso das foras sociais mobi l i zadas. . . Cr uzando- se com a questo social, a revoluo dos direitos do homem abriu caminho s exigncias sempre mais altas dos pobres..." (1989, pp. 18-19). Estes exemplos permitem supor que Furet deve ter, sem dvida, repensado, luz das crticas recebi- das, a rgida separao concebida entre o ideolgico e o social no processo revolucionrio. Seno, como explicar a mudana visvel, em termos de moderao e nuance, entre o texto de 1978 e os escritos do bi- centenrio. Quant o historiografia revol uci onri a, vi mos que em A Revoluo est terminada, Furet desqua- lifica todos os hi st ori adores sal vo Tocquevi l l e e Cochi n. Ora, em um bri l hant e ensai o dedi cado a Pensando a Revoluo Francesa, Claude Lefort s faz dois reparos crticos interpretao de Furet que considera extraordinria. O primeiro, j ust a- mente sobre o que Lefort chama de "Uma simplifi- cao da historiografia revolucionria" da parte de Furet: Assim como sua crtica do mito da identidade e das origens parece convincente, do mesmo modo podemos la- mentar que ele no tenha investigado melhor a ruptura que se efetuou no curso da ltima parte do sculo XIX na con- cepo da histria. No s Tocqueville, j Benjamin Constant, Chateaubriand, e em perspectivas diferentes, Thierry e Guizot, Michelet e Quinet, Leroux e Proudhon que percebem um afastamento entre a transformao da sociedade e da cultura, cujo sentido lhes parece ao mes- mo tempo poltico, filosfico e religioso. Para nos limitar a Michelet, Furet o ope a Tocqueville em termos contes- tveis e ainda pouco conformes sua inspirao (1986, p. 118). A crtica de Lefort foi reconheci da e bem apro- veitada por Furet. No artigo "La Revolution sans le Terreur?" l-se: "dou razo a uma crtica que Lefort tinha feito ao meu l i vro" (LE DBAT, 1981, p. 54) . Ci nco anos depoi s , no l i vr o La Gauche et la Rvolution au milieu du XIX sicle (FURET, 1986), o historiador republicano Qui net retirado da val a co- mum dos historiadores no "concei t uai s" da Revol u- o e colocado ao lado de Tocqueville e de Cochi n. E, finalmente, no Di ci onri o (1988) a vez de Mme de Stael, de B. Constant e de Michelet serem reabi- litados. Curioso o caso de Marx, pois, Furet o usa como autoridade positiva (e o separa do mar xi smo) cm Pensando a Revoluo Francesa, ao passo que o analisa negativamente no brilhante ensai o Marx et la Rvolution Franaise (FURET, 1986). Seria de esperar que Furet t ambm reaval i asse o historiador Georges Lefebvre. Furet ao mes mo t em- po que reconhece em Lefebvre, como fazem pratica- mente todos os historiadores pel o menos desde a d- cada de 1940, "o mai or historiador uni versi t ri o da Revoluo Francesa do scul o XX, aquele que pos- suiu sobre esse perodo o saber mais rico e s egur o" (p. 23), o desqualifica, injustamente, pelo fato dest e ter tido "como viso si nt t i ca do i menso acont eci - mento ao qual consagrou sua vida, as convi ces de um mi l i t ant e do cartel das esquer das ou do front populaire" (p. 23). 108 Modesto Fiorettano I Revista de Historia 132 (1995), 95-109 Ora, em "O Catecismo Revolucionrio", em uma nota de p de pgina, Furet afirma: "Tornarei mais adiante a discutir sobre a importncia e a sig- nificao das obras de G. Lefebvre, que me pare- cem legitimamente anexadas, mesmo no nvel da interpretao, por Albert Soboul e seus discpulos" (p. 220). Mas, obcecado pela fria contra a histori- ografia de esquerda, Furet no levou adiante, pelo menos at agora, o propsito ento anunciado sobre Lefebvre. Infelizmente, porque se houve um histo- riador de esquerda da Revoluo Francesa que sou- be incorporar admiravelmente na sua interpretao a obra e a contribuio de Tocqueville, o heri inte- lectual de Furet, este foi Lefebvre. verdade que Furet foi obrigado a reconhecer o fato de Lefebvre ter sido o "nico dos historiadores da Revoluo Francesa que leu at ent ament e Tocquevi l l e" (p. 215), mas no soube ou no pde admitir em A Revoluo est terminada, que um historiador "jacobino" como Lefebvre que comunga com a Re- voluo (como Michelet) tenha sido, no obstante isso, capaz de usar Tocqueville<e integr-lo sua interpretao. Caso o fizesse, Furet invalidaria este seu critrio, discutvel, segundo o qual "os historia- dores da Revoluo escolheram e sempre tero que escolher entre Michelet e Tocqueville... Michelet faz a Revoluo reviver a partir do interior, Miche- let comunga, comemora, enquanto Tocqueville no cessa de interrogar a distncia que ele supe existir Bibliografa AGULHON, M. La Rpubliqucau Village. Paris, Seui1,1979. COBB, R. A Second Identity. Essays on France and French History. Oxford, University Press, 1969. FURET, F."Le Catchisme Rvolutionnaire". Annales ESC, mar. abr. 1971. . "La Rvol ut i on Sans le Terreur". Le Dbat, 13.1981 .A Oficina do Historiador. Lisboa, Gadiva,1982. entre as intenes dos atores e o papel histrico que eles desempenham" (p. 30). E, no entanto, cabe perguntar qual pode ser o va- lor heurstico do pressuposto de que s quem no a favor da Revoluo pode ser crtico dela, e portan- to, ser capaz de pens-la e, em consequncia, de explic-la? Evidentemente nenhum. A acreditar em Furet de Pensando a Revoluo Francesa, em du- zentos anos de historiografia, s trs historiadores foram capazes de "conceitualizar", de "pensar" a Revoluo Francesa: Tocqueville, Cochin, ei por cau- se, ele, Furet! O fato de, mais tarde, como vimos, Furet ter ampliado este grupo de historiadores ilumi- nados, prova a inconsistncia do critrio adotado. Para concluir, reproduzo a segunda crtica de Lcfort ao livro de Furet. Crtica tanto mais interes- sante porquanto se refere iluso da poltica e a dois historiadores caros a Furet. Segundo Lcfort, Furet no se deu conta que "a iluso da poltica, su- pe uma abertura ao poltico" e por terem intuido esta novidade da e na Revoluo "Tocqueville e Quinei encontraram as mesmas palavras, ou quase, para formular um ltimo julgamento sobre a Revolu- o. Um disse que ela inaugurou ' o culto do impos- svel 1 denunciando assim a evaso no imaginrio, o outro que ela fez nascer a f no impossvel" enten- dendo que a negao do suposto real constitutiva da histria da sociedade moderna. Duas idias, deci- didamente, que preciso ter juntas" (1986, p. 39). . Pensando a Revoluo Francesa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989a. (Paris,1978). . L'Eredit delta Rivoluzione Francese. Bari, Laterza (org.), 1989b. FURET, F. & OZOUF, M. Dicionrio Crtico da Revoluo Fran- cesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1989. FURET, F. & RICHET, D. La Rvolution Franaise. Paris, Hachette, 2 vol. (1973, 2a edio),1965-I966. Modesto Florenzano ! Revista de Histria 132 (7995), 95-109 109 GUERCI, L. Studi Storici, abr/jun.1980. HUNT, L. History and Theory, 3, 1981. LADURIE, E. Le Roy. Les Paysans de Languedoc. Paris, Flammarion, 1969. LEFORT, C. Essais sur le Politique. Paris, Seuil (1979, I a edio), 1986. MAZAURIC, C. "Sur une nouvelle concept i on de la Rvolution". 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