O documento discute a canção "Ciranda da Bailarina" de Edu Lobo e Chico Buarque. A canção é parte do álbum conceitual "O Grande Circo Místico" e descreve uma bailarina perfeita sem defeitos. A letra é cativante para crianças devido à melodia alegre, estrutura poética simples e temas relacionados à infância. A canção também explora a dicotomia entre a persona artística e a pessoa real.
O documento discute a canção "Ciranda da Bailarina" de Edu Lobo e Chico Buarque. A canção é parte do álbum conceitual "O Grande Circo Místico" e descreve uma bailarina perfeita sem defeitos. A letra é cativante para crianças devido à melodia alegre, estrutura poética simples e temas relacionados à infância. A canção também explora a dicotomia entre a persona artística e a pessoa real.
O documento discute a canção "Ciranda da Bailarina" de Edu Lobo e Chico Buarque. A canção é parte do álbum conceitual "O Grande Circo Místico" e descreve uma bailarina perfeita sem defeitos. A letra é cativante para crianças devido à melodia alegre, estrutura poética simples e temas relacionados à infância. A canção também explora a dicotomia entre a persona artística e a pessoa real.
O documento discute a canção "Ciranda da Bailarina" de Edu Lobo e Chico Buarque. A canção é parte do álbum conceitual "O Grande Circo Místico" e descreve uma bailarina perfeita sem defeitos. A letra é cativante para crianças devido à melodia alegre, estrutura poética simples e temas relacionados à infância. A canção também explora a dicotomia entre a persona artística e a pessoa real.
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Todo mundo tem pereba
Ensaio sobre a arte e a construo scio-cultural das subjetividades
Eduardo Jose Diniz 1 [email protected] E a gente cantar /e a gente danar E a gente no se cansa De ser criana/ da gente brincar Da nossa velha infncia. Arnaldo Antunes et alli, Velha Infncia Introduo Aquela assim: Todo mundo tem pereba/ marca de bexiga ou vacina... Assim, de forma concreta e didtica, minha filha de quatro anos respondeu mais uma das vrias perguntas que insistentemente lhe endereo, dia sim, outro tambm: Qual sua msica preferida? Burilava uma idia trapezista que naqueles dias fixara morada no meu pensamento: escrever sobre a cano infantil . No fazia idia de por onde comear. Qual(is) cano(es) tratar? Qual(ais) cancionista(s) abordar? Que rumo tomar? O que ler? Mobilizar qual(is) teoria(s)? Em qual(is) rea(s)? Antropologia? Psicologia? Educao? Resolvi, quase sem esperana, s eguir o que recomenda o manual do bom fazer antropolgico. Perguntar aos nativos. E, assim, minha filha, co m uma frase apenas, ofereceu-me o tema e o ttulo deste ensaio. No que se segue tento desenvolver uma interpretao do papel que a cano Ciranda da Bailarina, de Edu Lobo e Chico Buarque, assumiu nesse momento do desenvolvimento da minha filha. Do estranhamento desse caso, que me familiar, em mais de um sentido, procurarei tecer comentrios sobre o dilogo que na nossa cultura estabelecemos com a cano, em particular, e a arte, em geral, na construo das nossas subjetividades. Em seguida, procurarei explorar outra face da mesma questo a partir do olhar de bailarinos profissionais 1 . Doutorando em Cincias Sociais na Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro. 2 do Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro sobre sua profisso, sua arte, a disciplina de treinamento e cuidados com o corpo e, claro, a Ciranda da Bailarina. Do Bal ao Circo chegando Ciranda A Ciranda da Bailarina 2 a oitava faixa do lbum O Grande Circo Mstico, de 1983, composto por Edu Lobo (msica) e Chico Buarque (letra), sob encomenda para o Bal do Teatro Guara, BTG. 3 O espetculo de bal O Grande Circo Msti co foi concebido por Naum Alves de Sousa e Carlos Trincheiras 4 , inspirado no poema homnimo de Jorge de Lima 5 que integra o livro A Tnica Inconstil de 1938. O referido poema inspira-se na histria do Circo Knie 6 que originou em 1919 o Circo Nacional Suo e que foi fundado na ustria, no comeo do sculo XIX, pelo filho do mdico da Imperatriz Maria Teresa. Quadros (2010: 14). Misturando fico e realidade, o poeta conta a trajetria do circo desde que o filho do mdico de cmara da Imperatriz da us tria, Frederico, que deveria ser mdico segundo os planos paternos, apaixona -se por Agnes, uma equilibrista de uma trupe circense. Desiste da carreira como mdico, casa -se com ela, e funda seu prprio circo e uma dinastia circense. O poema segue narrando a histria dos descendentes de Frederico e Agnes, artistas do circo Knieps, tanto na dimenso dos nmeros que desempenham no espetculo, quanto naquela da sua intimidade. 7 2 A letra da cano encontra-se no anexo, a seguir. 3 Criado em 1969 no Teatro Guara em Curitiba, Paran. Mais sobre o Teatro e seu Bal pode ser encontrado em: http://www.teatroguaira.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=849 e http://www.teatroguaira.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2 . 4 O primeiro roteirizou o espetculo enquanto o segundo, como diretor e coregrafo do BTG, dirigiu a primeira montagem do espetculo que estreou em maro de 1983. 5 Jorge de Lima foi poltico, mdico, poeta, romancista e artista plstico nascido em Alagoas em 1893. Estabeleceu-se no Rio de Janeiro a partir de 1930. Morreu nesta cidade em 1953. Projetou-se, principalmente, como poeta. Escrevia alexandrinos no incio de sua carreira como poeta. Posteriormente, tornou-se reconhecido como um dos principais poetas modernistas. Converteu-se ao catolicismo em 1935 e desde ento muitos dos seus poemas passaram a refletir sua religiosidade. O livro A Tnica Inconstil considerado uma das publicaes do auge da sua fase espiritualista. 6 No poema, Jorge de Lima acrescenta duas letras, formando o nome Knieps. 7 Em particular, das suas opes religiosas. Como a bisneta de Frederico, M argarete, a domadora de tigres, que, impedida pelo pai, Oto,de ingressar no convento, tatuara em seu corpo a 3 Termina destacando que a imprensa, embora tenha se ocupado tanto do circo Knieps, mal noticiara a sua verdadeira histria. Lima (1938). O lbum uma obra-prima da MPB. 8 timo exemplo de um estilo de msica popular mais sofisticada, para usar as palavras de Edu Lobo. Naves, Coelho e Bacal (orgs.) (2006: 234). Ou do biscoito fino os waldiano, nas palavras de Jos Miguel Wisnik: O fato que o Brasil um dos raros lugares do mudo em que foi possvel a passagem de uma cultura popular, que faz parte de um repertrio de massas, para um nvel de densidade potica altssima. Isso singul ar e raro, e s foi possvel porque o Brasil um pas desbalanceado de riquezas e pobrezas. Viveu -se e continua-se a viver isso, mas houve um momento em que isso se configurou como uma potencialidade do pas canes de um repertrio mais elevado, densas , complexas, tendo possibilidade de circularem numa medida realmente incomum para esse tipo de manifestao artstica. E isto significa que a massa comeu e come o biscoito fino. Naves, Coelho e Bacal (orgs.) (2006: 204 -205). O lbum transmite muito bem a inquietao existencialista do poema. As disjunes aparncia/essncia, persona/pessoa 9 so temas de vrias canes. Em Beatriz, a cano de amor do lbum, que trata da paixo de Frederico por Agnes 10 , no se sabe se a atriz mora num arranha -cu 11 ou se ela chora num quarto de hotel. Se ela triste ou o contrrio, se seu rosto pintura nem se sua vida divina, mentira ou comdia. Na Valsa dos Clowns encontra-se um palhao charlato, um farrapo humano que esparrama tanta gargalhada/ da boca para fora. Em A Bela e a Fera encontra -se uma Fera apaixonada, um sonhador Tit, que embora tenha corao de poeta, arrombar Via-Sacra do Senhor dos Passos. Ou, ainda, a histria das suas filhas gmeas, Marie e Helene, contorcionistas que se apresentam nuas em nmeros de equilibrismo, mas conservam-se virgens, com suas almas puras. E quando atiram os membros para a viso dos homens,/atiram a alma para a viso de Deus. Lima (1938). 8 Esse lbum merece no um artigo, mas um livro. Contou com a participao de um time de craques na sua gravao, entre eles, Leo Gandelman, Chico Batera, Rique Pantoja, Nivaldo Ornellas e Chiquinho de Moraes, este ltimo na orquestrao e regncia. Edu Lobo atribui co - autoria ao orquestrador. Naves, Coelho e Bacal (orgs.) (2006: 263). A ficha tcnica completa segue no anexo abaixo. 9 Esta ltima disjuno, remetida ao trabalho do artista, um exemplo do uso da metalinguagem, que uma das caractersticas que Naves (2006: 1) destaca na cano popular brasileira. Do comentrio sobre o fazer art stico e a distncia que se estabelece entre o que se interpreta e o que se vive, em suma, entre a pessoa e a persona, trata vrias canes, em particular a Ciranda da Bailarina. 10 Que Chico Buarque transformou em Beatriz em homenagem Beatrice, paixo de Dante Alighieri, e a colocou danando no stimo cu. Alis, a meno a divina e a comdia no verso final da cano tambm d pistas desta homenagem. 11 Cujas paredes podem ser feitas de giz. 4 a janela se a Bela no lhe abrir o corao. Em A Histria de Lily Braun a estrela, uma vez casada, receber do marido o amor de esposa e no o amor de star 12 . Do que ela conclui, nunca mais romance (...) nunca mais feliz. A Ciranda da Bailarina apresenta o personagem da bailarina como uma entidade mtica, quase divina, que no tem os defeitos comuns a tod os. Somos lembrados, repetidas vezes dos defeitos, das doenas, dos problemas, da sujeira, dos medos que todos temos, e que apenas ela, a bailarina, no tem. 13 uma cano que suscita a identificao, quase imediata, das crianas. 14 Vrios aspectos contribuem para esse resultado: a melodia, a orquestrao, os intrpretes, a tcnica alm da estrutura potica. Em primeiro lugar, porque comum que as crianas, sobretudo as meninas, faam aulas de bal na infncia. 15 Por outro lado, a melodi a alegre e simples e a estrutura potica, com seu jogo de rimas, aliteraes e repeties, rico em imagens comuns ao universo infantil, como pereba, vacina, ameba, falta de maneira, irmo zarolho, piolho, bigode de groselha, primeiro namorado e mesmo a falta de pentelhos 16 , tambm contribui para a identificao das crianas. Alm disso, a opo pela gravao da cano no lbum tendo um coro infantil como seu intrprete convida a uma maior identificao das crianas com a cano. 17 Mais ainda, a Ciranda da Bailarina 12 Esse jogo de rimar palavras em portugus com palavras em ingls, como please/febris, romance/dancing, um/zoom, cheese/feliz, luz/blues, scotch/noite, star/altar, tem resultado soberbo. Um jogo primoroso entre o coloquial e o complexo, o fino e o grosso. 13 Significativamente, a despeito da mensagem de que todos tm defeitos, a cano que despertou na minha filha a identificao com a bailarina. Disse -me ela, numa das vezes que ouvimos juntos a cano: Eu tambm no tenho um primeiro namorado, n? Porque eu sou bailarina. Retornarei a essa idia da bailar ina como imagem da perfeio adiante. 14 De fato, uma consulta ao Youtube retorna dezenas de apresentaes infantis de bal embaladas pela Ciranda da Bailarina, alm, claro, de vrias regravaes realizadas por artistas voltados, ao menos em parte, para o pblico infantil, como Adriana Calcanhoto e Sandy. 15 comum que bailarinos profissionais iniciem-se muito novos na carreira. Em geral, a partir dos trs e at os nove ou dez anos, antes da entrada na adolescncia. De fato, os primeiros sinais da maturidade corporal tendem a afastar a maior parte das meninas do tipo fsico mais adequado para a prtica do bal. Na entrada da adolescncia, a questo da profissionalizao se coloca para aquelas que mantm o bitipo longilneo. Retornarei a esse tema a seguir . 16 Embora a palavra pentelho tenha sido suprimida na gravao do lbum. 17 Laing (1997: 418). Pelo menos para o pblico infantil, essa identificao parece -me produzir juissance mais do que plaisir. Afinal, a brincadeira a principal forma de interao das crianas com o mundo. E, ao brincar, no se confirma apenas para as crianas um status-quo, mas apresentam-se, testam-se e negociam-se diversas formas diferentes de interagir com o mundo que as cercam, o que implica um questionamento permanente. Talvez , para esse pblico, essa distino seja inadequada posto que a diferena entre as crianas e os adultos (...) quatitativa; a criana no sabe menos, sabe outra coisa Cohn (2009: 33). Retornarei a esse ponto adiante. 5 a nica cano do lbum em que se usa um sintetizador. 18 Tal opo contribui para sugerir ao ouvinte a sonoridade de uma caixa de msica, reforando a remisso ao universo infantil. Por fim, cabe destacar que a ciranda tambm remete s danas de roda do universo das crianas. 19 As canes, os mitos e a educao sentimental Lvy-Strauss, na Abertura do seu livro O Cru e o Cozido, aproximou os mitos, e sua anlise, da msica. [O] desgnio do compositor se atualiza, como o do mito, atravs do ouvinte e por ele. Em ambos os casos, observa-se com efeito a mesma inverso da relao entre o emissor e o receptor, pois , afinal, o segundo que se v significado pela mensagem do primeiro: a msica se vive em mim, eu me ouo atravs dela. Lvy- Strauss (1991: 37). Os mitos so tambm (...) frequentemente cantados, sua recitao geralmente acompanhada de uma disciplina corporal como a msica. Ambos mobilizam ao mesmo tempo as ideias e as emoes. A msica expe ao indivduo seu enraizamento fisiolgico, a mitologi a faz o mesmo com o seu enraizamento social. Lvy-Strauss (1991: 48). A cano mobiliza tanto as palavras quanto a msica . Nesse sentido, pode ser vista como um meio para a transmisso desse mesmo tipo de contedo de enraizamento social sobre o suporte e amplificao do apelo emocional e fisiolgico da msica. 18 Um Obberheim OB-XA, tocado por Chiquinho de Moraes e Rique Pantoja. Do mesmo modelo utilizado na clebre cano Jump do Van Halen, gravada em 1984. Curiosa e sugestivamente, o verbete sobre tal cano na Wikipedia, http://pt.wikipedia.org/wiki/Jump_(Van_Halen) , associa o uso de sintetizadores com uma inflexo da banda no sentido de uma msica mais pop, segundo os gostos musicais dos anos 80. Sugerindo, a um s tempo, que a popularidade dessa cano deva -se, ao menos em parte, ao uso do sintetizador e que tal opo melhorou a posio da banda no mercado. 19 Considerando a influncia que ambos, Edu Lobo e Chico Buarque, reconhecem ter de Villa Lobos, remete tambm s gravaes das cirandas por este ltimo. Tal aproximao do repertrio popular remete, por sua vez, ao projeto modernista, nesse caso numa orientao mais prpria a Mrio de Andrade, no que se refere apropriao de elementos da cultura popular na construo de uma cultura brasileira moderna. Veja sobre esse ponto, por e xemplo, Naves, Coelho e Bacal (orgs.) (2006: 203-204) e Naves (2006: 6). 6 Bas (2010) empreende um exerccio interessante de buscar na obra de Chico Buarque os arqutipos que o autor mobiliza. 20 Tal exerccio faz eco com as palavras do prprio autor: Acho que eu tenho essa marca. (...) Quando comecei a fazer msica profissionalmente, meu primeiro foi para o teatro. (...) Ento a minha msica, principalmente nos anos 60 e 70, est muito ligada a teatro e a cinema, temas compostos para personagens, para situaes que no s o minhas, no so pessoais. A vai entrar naquela histria das msicas no feminino e tal, aquilo uma necessidade dramatrgica mesmo, que depois permanece. De certa forma, acho que ficou sendo um pouco a minha linguagem. Mesmo que eu escreva hoje uma can o que no tenha a ver com o teatro, permaneceu algo dessa experincia no meu processo de criao. Naves, Coelho e Bacal (orgs.) (2006: 171) . 21 Nesse sentido, ao contru[ir] para personagens 22 o autor estaria captando as personalidades ideais da nossa cultura ou, em outros termos, os papis sociais que definem o lugar dos indivduos na nossa sociedade. 23 Para Vigotski toda a obra de arte teria tal caracterstica. [T]odas as formas de imaginao criativa contm em si elementos afetivos. Isto , todo sen timento que uma construo da fantasia evoca verdadeiro, franco e profundo, realmente vivenciado pela pessoa. E dela se apossa. Vigotski (2009: 28). Esses sentimentos, ao adquirirem a concretude da experincia, passam a existir realmente no mundo e a i nfluir sobre outras coisas. o homem que cria a obra de arte e ele que afetado por ela, dessa forma, [a] reao esttica condensa emoes (...) que se resolvem na gerao de novas emoes. Trata -se, assim, a obra de arte, de uma tcnica social do sentimento. Vigotski (2009: 131). A arte pode, portanto, ser vista como um instrumento do processo , formal ou informal, da educao. Segundo Vigotski, o desenvolvimento do pensamento vai do social para o individual. Isto , a subjetividade vai se construin do na relao intersubjetiva, sendo a linguagem a ferramenta mais importante desse processo, no apenas como meio de comunicao, mas, principalmente, como instrumento na construo da estrutura cognitiva que permite , entre outras coisas, 20 O uso do termo arqutipo, substantivo masculino, do grego arkhtypon, segundo o Michaelis: [m]odelo dos seres criados ou [o] que serve de modelo ou exemplo, em estudos comparativos; prottipo, faz referncia ao trabalho de Carl Gustav Jung que fez do estudo dos mitos parte central da sua teoria psicolgica. 21 Veja tambm, sobre o mesmo tema: Naves, Coelho e Bacal (orgs.) (2006:192 a 194). 22 Naves, Coelho e Bacal (orgs.) (2006:1 92). 23 Cohn (2009: 14-15). Retornarei a esse tema a seguir. 7 o controle do comportamento. Na infncia mais tenra a percepo da criana dominada pelos objetos reais. Na interao com o seu meio, principalmente por meio de atividades ldicas 24 , as crianas vo aprendendo a substituir os objetos reais pelas suas representaes. As si tuaes vividas na brincadeira servem para exercitar, no plano do imaginrio, a capacidade de organizar tanto seu comportamento quanto os significados que a criana d ao seu mundo. 25 Pode bem ser que a diluio das hegemonias tenha tirado da msica a centralidade que teve, por exemplo, nos anos 60 e 70, na reflexo social brasileira. Naves, Coelho e Bacal (orgs.) (2006: 212). No entanto, a cano em particular, assim como a arte em geral, ainda carregam em si, ao menos virtualmente, esse potencial. Pelo menos, o que a identificao infantil com a cano Ciranda da Bailarina parece sugerir. Uma educao sentimental que, nesse caso pelo menos, arregimenta e instrui o sentimento e tambm o corpo, pela identificao com o personagem 26 da Bailarina. Slfides 27 24 Henry Wallon explora a relao dialtica entre o desenvolvimento cognitivo, o desenvolvimento emocional e o desenvolvimento motor. Essa uma linha de questionamento que, embora no pretenda explorar no mbito deste ensaio, promete boa pauta para futuras incurses nesse tema. 25 O recurso a Vigotski ajuda a compreender a complexa interao que a criana estabelece com seu meio durante o seu prprio desenvolvimento. Sua taxonomia dos processos de desenvolvimento do sujeito pode-se resumir nos seguintes nveis: filogentico, onde a biologia joga seu papel; sociogentico, onde a histria dos grupos sociais que importa; ontogentico, que diz respeito histria do sujeito e; microgentico, onde se enfoca desenvolvimentos de aspectos especficos dos repertrios dos sujeitos. Sobretudo os doi s ltimos nveis remetem a processos especficos da trajetria dos sujeitos que sero tanto melhor compreendidos quanto mais investir - se em levar a srio a questo da sua agncia. No caso do desenvolvimento infantil, da agncia das crianas. O aprendizado no se resumiria, portanto, a transmisso de personalidades e/ou papis sociais considerados ideais, mas uma negociao ativa com eles. Tal procedimento ajuda a evitar os excessos tanto de uma posio estritamente culturalista, quanto daquela estrutural -funcionalista. Ainda que se possa sugerir uma pendncia mais anunciada em favor da primeira. Cohn (2009: 11 - 21). 26 O mito ou o arqutipo, como se preferir. 27 Segundo o Michaelis: substantivo feminino, do francs sylphide, silfo feminino. Esprito elementar do ar, segundo os cabalistas. Ou, ainda, gnio do ar , nas mitologias cltica e germnica. No uso coloquial figura feminina delicada, franzina, sutil e graciosa. H vrias referncias na internet sobre o espetculo de bal, La Sylphide, de 1827. Tal espetculo um marco histrico porque representou o incio da era romntica no bal. A bailarina principal, Marie Taglioni, filha do coregrafo, foi a primeira bailarina a usar as sapatilhas de ponta que o seu pai inventara. Essa inovao faz a bailarina ficar em um nvel elevado e parecer leve, o que acabou se consagrando como smbolo da bailarina. Veja , por exemplo, http://en.wikipedia.org/wiki/Romantic_ballet e http://www.corpoedanca.com.br/histballetclassico.htm. 8 Mas como encarnar esse papel? Haveria alguma caracterstica prevalente entre bailarinos profissionais que o mito da bailarina veicule e, ao mesmo tempo, informe de maneira mais abrangente sobre a nossa cultura? Afinal, o que se ensina s crianas atravs do mito da bailarina? A medicina desportiva atentou para risco de transtorno alimentar entre bailarinos profissionais. 28 As demandas fsicas da profisso, que enfatizam o baixo peso corporal, tenderiam a despertar, por um lado, o desejo de ter uma silhueta consideravelmente mais esguia do que o que deseja a mdia da populao de referncia e, mesmo, mais esguia do que o que percebido como silhueta mais saudvel. Por outro lado, a auto-percepo da prpria silhueta tende a ser bastante crtica, ou seja, prepondera entre os bailarinos profissionais a percepo de que precisaram emagrecer, ainda que seus pesos e ndices de massa corporal, esteja m abaixo do considerado normal ou saudvel e dentro do que se espera de bailarinos profissionais. A prevalncia de tal padro de imagem corporal encarada como um fator de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares, mais do que o peso ou o ndice de massa corporal. Ribeiro e Veiga (2010: 102). Tal efeito no se restringe ao universo dos bailarinos profissionais. Haas, Garcia e Bertoletti (2010) encontram comportamento semelhante em grupo de danarinas profissionais de jazz em Porto Alegre. E, no que chama mais a ateno, pelo menos para os propsitos deste ensaio, Avkard, Henderson e Wonderlich (2004), conforme citado em Haas, Garcia e Bertoletti (2010: 185), detectaram, num estudo com universitrias americanas, que aquelas que danaram bal na infncia tm maior tendncia ao desenvolvimento de transt ornos alimentares. Constatou-se tambm tendncia ao perfeccionismo e menor massa corporal em mulheres que j danaram, evidenciando -se que a nfase na disciplina e esttica corporal adequada para danar desperta e/ou acentua certas caractersticas das meninas praticantes de dana, que as acompanham at a idade adulta . Haas, Garcia e Bertoletti (2010: 185. nfases minhas). Reis e Zanella (2010) produzem um olhar diverso, porm, em certo sentido, complementar, ao exposto acima. Seu foco a construo da 28 Veja, por exemplo, Ribeiro e Veiga (2010) e Haas, Garcia e Bertoletti (2010). 9 subjetividade atravs da dana, em particular, da dana do ventre. 29 Segundo as autoras, a dana do ventre objetiva tambm como o aprendizado de um certo modo de ser feminino que a um s tempo, subjetivo e objetivo pela forma como constri esteticamente o corpo da bailarina, inscreve nele as marcas de um lugar socialmente reconhecido como feminino. Assim, mais do que apresentar um produto esttico, constitui -se como um processo em que um sujeito se esteticiza. (Reis, 2007: p. 57). Dificulta, portanto, a separao entre arte e vida. E informa uma compreenso do sujeito relacional dessa atividade como devir esttico sugerindo a investigao [d]as especif icidades do processo de constituio do sujeito mediado por essa e outras formas de arte. Reis e Zanella (2010: 155). Para aprofundar a compreenso da dimenso da construo da subjetividade no bal clssico, no encontrando referncias bibliogrficas sob re tal temtica 30 , entrevistei um casal de bailarinos profissionais do Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Renata Tubaro e Paulo Ricardo de Oliveira . Voc j viu o filme Cisne Negro? exatamente daquele jeito! Nossa conversa comeou com e ssa afirmativa. O meu interesse sobre o universo do bal clssico foi atendido sucintamente com a remisso ao filme. Mas h controvrsia entre os bailarinos sobre esse ponto. Isso no uma opinio geral, no. Bailarinos que assistiram [o filme] achavam que isso era uma situao muito fictcia. Que no acontecia, no. Sugeriram haver uma relao entre a habilidade de olhar o meio , a vida mesmo do bailarino, de fora, com a relao que as bailarinas estabelecem com as suas mes. 31 A menina bailarina tem a me ali que muitas vezes projeta os 29 O(s) feminino(s) construdo(s) na dana do ventre (so), evidentemente, diferente(s) daquele(s) do bal clssico. Tal distino se coloca, inclusive, pelo uso do substantivo bailarina para designar apenas as danarinas de bal clssico, preconizado neste meio. Reis e Zanella (2010) usam bailarina para designar tambm as danarinas da dana do ventre, por exemplo, pgina 152. 30 Pesquisei, alm da biblioteca da PUC-Rio, o acervo digital do Scielo e o Google Academics. 31 O que sugere algo como a toxina materna de Spitz (1979) que perfeitamente visvel na relao entre a bailarina protagonist a do filme Cisne Negro, Nina Sayers (Natalie Portman) , e a sua me, Erica (Barbara Hershey), com quem mora. Sugestivamente, nesse ponto, meus entrevistados se ativeram relao entre meninas bailarinas e as suas mes. Pode -se remeter essa 10 sonhos dela na criana. Ter ou no uma me de bailarina faz diferena quando a menina se v envolvida no nesse meio. O perigo de uma perturbao (...) [se tiver] a loucura de uma me (...) pode influenciar, sim, e chegar nessa fase [da profissionalizao] j sem controle. A menina est envolvida ao ponto de no conseguir enxergar essas coisas. Isto , apresentando transtornos alimentares o qe no deveria acontecer, no deveria ser assim. No ter uma me de bailarina permite ter um outro olhar sobre a dana: Pode at ser [que haja muita competio entre os bailarinos, como no esporte], mas no bal voc tem que ser artista e acho que o artista no espera isso. diferente. Porque minha me nunca [foi] me de bailarina eu no tenho essa coisa da competio to formada na minha cabea. Acho que eu tenho que fazer entrar em cena e dar o melhor de mim. E no pra receber nada em troca. pra deixar alguma coisa para aquelas pessoas que me assistiram. (...) O papel do artista esse: deixar alguma coisa e no querer o aplauso. Esse meio de competio envolve isso: voc querer o aplauso. por isso que o bal se distancia, ao mesmo tempo que ele assim essa coisa de alta performance, ele vai alm nesse sentido (...) se voc for um artista de verdade. Renata Tubaro, 21 de novembro de 2011. No entanto, mesmo enxergando a competio de fora, isto , com parcimnia, como o figurino sempre muito coladinho , deixa o corpo sempre muito a mostra e como se passa muitas horas no treino, de frente para o espelho, o pior inimigo, a cobrana no que diz respeito auto-imagem corporal se estabelece, de forma internalizada. As crianas no bal, portanto, aprendem, internalizam 32 esse padro, mesmo que tenham vocao para a atividade artstica 33 e no tenham uma me de questo, assim, a uma diferena entre os papis sociais da mulher e do homem, algo j amplamente tratado pela literatura sobre a antropologia do corpo e sobre a construo dos papis de gnero. O bal teria, portanto, mais aderncia com um papel socialmente mais ac eito para as mulheres, enquanto, para os homens aponta para um comportamento sexual desviante. Respondendo sobre a trajetria que o levara ao bal, Paulo Ricardo, se refere ao fato da irm ter feito bal na infncia. Ele entrou no bal, aos 18 anos, acompa nhando a irm a convite da dona da academia, que ele tambm frequentava, mas para aulas de jud. No se remeteu, portanto, a um possvel projeto materno ou mesmo familiar. Remeteu-se ao seu tipo fsico moldado pela participao em competies de ciclismo na infncia e ao fato de sempre ter namorado bailarinas, as amigas da irm. Fala, ainda, do preconceito com homens heterossexuais no bal. Segundo ele, comum a presena de homens homossexuais no meio, j que o bal no Brasil funciona meio como uma vlvula de escape porque um lugar em que ele [o homossexual masculino] vai ser acolhido. No explorarei esse ponto nesse ensaio. 32 Nos primeiros contatos sobre o ensaio e a possibilidade de conceder -me uma entrevista, Renata respondeu com a seguinte frase ao meu comentrio sobre a questo da disciplina e do 11 bailarina. uma brincadeira, claro, mas, voc pode ter certeza, existe uma disciplina que ela est aprendendo. A capacidade de um julgamento menos competitivo e mais artstico enfatiza o aspecto mais autnomo e positivo desse aprendizado: um aprendizado muito bom, sim. Comentrios finais A arte e os mitos partilham a capacidade de veicular valores e papis sociais do repertrio das culturas que os produziram. E, como as emoes que suscitam so vividas na dimenso do real, a arte e os mitos pod em produzir consequncias nessa mesma dimenso, isto , na vida real dos envolvidos na sua produo, veiculao e apreciao. A cano Ciranda da Bailarina informa sobre uma dessas figuras mticas da cultura ocidental. 34 A identificao com tal mito informa s crianas, em particular s meninas, um modo de ser feminino. Uma feminilidade frgil, graciosa, sutil e delicada. Informa e permite experimentar, ainda, a rigidez disciplinar, o esforo, o perfeccionismo, necessrio para alcanar, para encarnar, esse modo de ser feminino. 35 uma das formas de apresentar como valor s crianas a noo de perfeio. Afinal, o que perfeito, belo. importante destacar, por fim, que para levar a srio a agncia dos sujeitos na construo da sua subjetividade importante levar -se em conta o dilogo que se estabelece entre os produtores e os apreciadores da arte, entre perfeccionismo que o bal clssico ensina: Interessante voc falar disso, porque eu sempre achei que esse perfeccionismo fosse uma coisa minha. 33 No mesmo trecho da entrevista Paulo Ricardo vincula a noo de belo e a noo de perfeio. Segundo ele: belo o que perfeito. E, enquanto os atletas lutam por fraes de segundo, os bailarinos lutam por fraes de beleza. interessante notar que nesse ponto os entrevistados estabelecem uma disjun o entre competio e arte. Se arte no competio e vice-versa. No esporte pode-se fazer barulho, fazer cara feia, enquanto no bal tudo tem que se passar como num sonho bom a despeito de toda a exigncia fsica que impe. 34 Nesse sentido, a cano pode ser vista como exemplo da antropofagia modernista na produo cultural brasileira porque transforma um smbolo da cultura ocidental, a bailarina, em uma ciranda, ritmo da cultura popular brasileira. Numa composio de inegvel beleza. 35 A entrevista da revista Isto da semana de 14/12/2011 foi realizada com Ana Botafogo, que talvez seja a bailarina brasileira mais conhecida. A reportagem se inicia com uma referncia Ciranda da Bailarina e o principal assunto que aborda a perspect iva da aposentadoria prxima da bailarina, as dores e dificuldades que esto reservadas para quem encarna tal personagem sem defeitos. Veja, http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/182178_VOU+PENDURAR+AS+SAPATIL HAS+ 12 artistas e seu pblico. Mesmo no que diz respeito s crianas. Tal dilogo pode e deve, a um s tempo, ser visto como consumo e produo de cultura. Afinal, como comunica a cano j no seu ttulo, trata -se de uma ciranda, isto , uma cantiga infantil, mas tambm uma dana de roda, realizada em grupo. Referncias bibliogrficas ACKARD, D. M., HENDERSON, J.B., WONDERLICH, A. L. The Associations Between Childhood Dance Participation and Adult Disordered Eating and Related Psychopathology, Journal of Psychosomatic Research, v. 57, n 5, nov/2004, pgs.: 485-490. BAS, F. L. V. Agora Eu Era Heri: Estudo dos arqutipos junguianos no discurso simblico de Chico Buarque, Rio de Janeiro: Achiam, 2010. COHN, C. Antropologia da Criana, Cincias Sociais Passo -a-Passo, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2009. COHN, C. Educao escolar indgena: para uma discusso de cultura, criana e cidadania ativa, Perspectiva, v. 23, n 2, pgs. 485 -515, Florianpolis, jul/dez 2005. GALVO, I. Henri Wallon: uma concepo dialtica do desenvolvimento infantil. Petrpolis: Vozes, 2001. HAAS, A. 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The Psychology of Art, Cambridge e London: The MIT Press, 1971. 14 Anexos Ciranda da Bailarina Chico Buarque Procurando bem Todo mundo tem pereba Marca de bexiga ou vacina E tem piriri, tem lombriga, tem ameba S a bailarina que no t em E no tem coceira Verruga nem frieira Nem falta de maneira Ela no tem Futucando bem Todo mundo tem piolho Ou tem cheiro de creol ina Todo mundo tem um irmo meio zarolho S a bailarina que no t em Nem unha encardida Nem dente com comida Nem casca de ferida Ela no tem No livra ningum Todo mundo tem remela Quando acorda s seis da mat ina Teve escarlatina, ou tem febre amarela S a bailarina que no tem Medo de subir, gente Medo de cair, gente Medo de vertigem Quem no tem Confessando bem Todo mundo faz pecado Logo assim que a missa termina Todo mundo tem um primeiro namor ado S a bailarina que no t em Sujo atrs da orelha Bigode de groselha Calcinha um pouco velha Ela no tem O padre tambm Pode at ficar vermelho 15 Se o vento levanta a bat ina Reparando bem, todo mundo tem pent elho* S a bailarina que no t em Sala sem moblia Goteira na vasilha Problema na famlia Quem no tem Procurando bem Todo mundo tem... 16 O Grande Circo Mstico Jorge de Lima (1893-1953) O mdico de cmara da imperatriz Teresa - Frederico Knieps - resolveu que seu filho tambm fosse mdico, mas o rapaz fazendo relaes com a equilibrista Agnes, com ela se casou, fundando a dinastia de circo Knieps de que tanto se tem ocupado a imprensa. Charlote, filha de Frederico, se casou com o clown, de que nasceram Marie e Oto. E Oto se casou com Lily Braun a grande deslocadora que tinha no ventre um santo tatuado. A filha de Lily Braun - a tatuada no ventre quis entrar para um convento, mas Oto Frederico Knieps no atendeu, e Margarete continuou a dinastia do circo de que tanto se tem ocupado a imprensa. Ento, Margarete tatuou o corpo sofrendo muito por amor de Deus, pois gravou em sua pele rsea a Via-Sacra do Senhor dos Passos. E nenhum tigre a ofendeu jamais; e o leo Nero que j havia comido dois ventrloquos, quando ela entrava nua pela jaula adentro, chorava como um recm-nascido. Seu esposo - o trapezista Ludwig - nunca mais a pde amar, pois as gravuras sagradas afastavam a pele dela o desejo dele. Ento, o boxeur Rudolf que era ateu e era homem fera derrubou Margarete e a violou. Quando acabou, o ateu se converteu, morreu. Margarete pariu duas meninas que so o prod gio do Grande Circo Knieps. Mas o maior milagre so as suas virgindades em que os banqueiros e os homens de monculo tm esbarrado; so as suas levitaes que a platia pensa ser truque; a sua pureza em que ningum acredita; so as suas mgicas que os simples dizem que h o diabo; mas as crianas crem nelas, so seus fiis, seus amigos, seus devotos. Marie e Helene se apresentam nuas, danam no arame e deslocam de tal forma os membros que parece que os membros no so delas. A platia bisa coxas, bisa seios, bisa sovacos. Marie e Helene se repartem todas, se distribuem pelos homens cnicos, mas ningum v as almas que elas conservam puras. E quando atiram os membros para a viso dos homens, atiram a alma para a viso de Deus. Com a verdadeira histria do grande circo Knieps muito pouco se tem ocupado a imprensa 17 Ficha Tcnica dO Grande Circo Mstico A bela e a fera (Tim Maia) Ciranda da bailarina (Coro infantil) O circo mstico (Zizi Possi) Na carreira (Chico Buarque Edu Lobo) Meu namorado (Simone) Todas as composies de Edu Lobo e Chico Buarque. Obra criada para o Ballet Guara Concepo e Roteiro: Naum Alves de Souza Orquestrao e Regncia: Chiquinho de Moraes Abertura Do Circo Piano: Cristovo Bastos Piano Rhodes: Antnio Adolfo Minimoog: Chiquinho de Moraes Baixo Acstico: Srgio Barroso Percusso (Caixa e Prato): Paschoal Meirelles Percusso (Bombo): Jorge de Oliveira Bells e Xilofone: Pinduca Clarinete e Requinta: Jos Botelho Flautas e Picollos: Celso Woltzenlogel e Paulinho Guimares Trompas: Zdenek Svab, Antnio Cndido e Luiz Cndido Sax-Alto: Netinho Sax-Tenor: Leo Gandelmann Sax-Barftono: Aurino Trompetes: Bidinho, Hamilton e Mrcio Montarroyos Trombones: Edmundo Maciel, Edson Maciel, Flamarion e Serginho.. Beatriz Piano: Cristovo Bastos. Cordas(*) Valsa Dos Clowns Piano Rhodes: Antonio Adolfo Baixo Acstico: Srgio Barroso Percusso: Chico Batera e Paschoal Meirelles Violes: Edu Lobo e Nelson Angelo. Clarinete: Jos Botelho Flauta: Mauro Senise Cordas (*) Opereta Do Casamento Coro: Luna, Mrcia Ruiz, Maucha Adnet, Regininha, Rosa Lobo, Vernica Sabino, Chico Adnet, Dalmo Medeiros, Mrcio Lott, Paulinho Pauleira, Paulo Roberto, Ronald Vale e Z Luiz Solo: Regininha e Z Luiz. Piano: Cristovo Bastos Baixo Acstico: Srgio Barroso Percusso (Prato e Caixa): Paschoal Meirelles Percusso (Bombo): Jorge de Oliveira Clarinete e Requinta: Jos Botelho Fagote: Noel Devos Trompas: Zdenek Svab, Antnio Cndido e Luiz Cndido Flautas: Celso Woltzenlogel e Paulinho Guimares Picollo: Celso Woltzenlogel Sax-Alto: Netinho Sax-Tenor: Biju Sax-Bartono: Aurino Trompetes: Formiga, Hamilton, Mrcio Montarroyos Trombones: Edmundo Maciel, Edson Maciel e Flamarion 18 Cordas(*). A Histria De Lily Braun Piano Yamaha: Cristovo Bastos Baixo Acstico:Ken Wild Bateria: Paulinho Braga Guitarra: Hlio Delmiro Flauta: Mauro Senise Clarinetes: Biju, Maca, Mazinho e Z Bodega Sax-Alto: Maca e Netinho Sax-Tenor: Biju e Z Bodega. Sax-Bartono: Aurino. Trompetes: Barreto, Formiga, Hamilton e Niltinho Trombones: Berto, Edmundo Maciel, Jess e Manoel Arajo. Meu Namorado Piano Yamaha: Cristovo Bastos. Baixo Eltrico: Jamil Joanes Bateria: Paulinho Braga Gaita: Maurcio Einhorn Harpa: Dorothy Ashby Cordas (*). Sobre Todas As Coisas Violo: Gilberto Gil. A Bela E A Fera Piano Yamaha: Chiquinho de Moraes Piano Rhodes Raimundo Nicioli Baixo Eltrico: Jamil Joanes Sax-Alto: Oberdan Magalhes Sax-Tenor: Nivaldo Ornellas Sax-Bartono: Leo Gandelmann . Trompetes: Bidinho e Mrcio Montarroyos Trombone: Serginho Cordas (*). Ciranda Da Bailarina Crianas: Bebel, Isabel, Lel, Luiza, Mariana, Silvinha, Bernardo, Cristiano e Kiko Arregimentao e Regncia: Cristina. Sintetizador OB-XA: Chiquinho de Moraes e Rique Pantoja. O Circo Mstico Piano Yamaha: Cristovo Bastos. Piano Rhodes: Antnio Adolfo Baixo Eltrico: Jamil Joanes Bateria: Paulinho Braga Cordas(*). Na Carreira Piano Yamaha: Cristovo Bastos Baixo Eltrico: Jorjo Bateria: Paulinho Braga Clarinete: Mazinho Obo: Braz Fagote: Noel Devos Trompas: Antnio Cndido, Luciano e Luiz Cndido Flautas: Celso Woltzenlogel e Paulinho Guimares Sax-Alto: Netinho Trompete: Hamilton Trombones: Berto, Edmundo Maciel, Jess e Manoel Arajo. 19 Cordas (*) Orquestra De Cordas Violinos: Giancarlo Pareschi (spalla), Aizik Gelir, Alfredo Vidal, Carlos Hack, Francisco Perrota, Joo Daltro de Almeida, Jorge Faini, Jos Alves, Lu iz Carlos Marques, Marcelo Pompeu, Michel Bessler, Walter Hack, Paschoal Perrota, Andr Charles Guetta (Faixas A2 e B3), Joo de Menezes (Faixa 5B), Jos de Lana (Faixa 5B) e Virgilio Arraes (Faixa 6B) Violas: Arlindo Penteado, Frederick Stephany, Hindembu rgo Pereira, Murilo Loures (Faixas A3 e A4), Nelson Macedo e Jos de Lana (Faixa 6B) Cellos: Alceu de Almeida Reis, Jacques Morelenbaum, Jorge Ranevsky, Mrcio Mallard e Henrique Drach (Faixa 6B) Contrabaixos: Gabriel Bezerra de Mello (Faixa A4) e Sandri no Santoro (Faixa A4).