Saúde e Doença Straub
Saúde e Doença Straub
Saúde e Doença Straub
Mesmo que todas as civilizaes tenham sido afetadas por doenas, cada uma delas
compreendia e tratava a doena de formas diferentes. Em uma certa poca, nossos ancestrais
pensavam que a doena era causada por demnios. Em outra, eles diziam que era uma forma de
punio pela fraqueza moral. Atualmente, lutamos com questes como: ser! que a doena pode ser
causada por uma personalidade doentia"# $e%amos de que maneiras as nossas vises com relao &
sa'de e & doena mudaram no decorrer da hist(ria. )*alvez voc+ queira utilizar a ,i-ura ... durante a
discusso se-uinte para ter um senso da cronolo-ia da mudana nas vises so/re sa'de e doena0.
Vises Antigas
Medicina pr-histrica
1s esforos de nossos ancestrais para curar doenas podem ser traados at 23 mil anos atr!s.
4ma pintura feita em uma caverna no sul da ,rana, por e5emplo, que se acredita ter .6 mil anos de
idade, mostra o 5am da idade do -elo vestindo a m!scara animal de um anti-o curandeiro. Em
reli-ies que se /aseiam em uma crena em esp7ritos /ons e maus, somente um 5am )sacerdote ou
pa%0 pode influenciar esses esp7ritos. 8ara homens e mulheres pr9industriais, que enfrentavam as
foras freq:entemente hostis de seu am/iente, a so/reviv+ncia /aseava9se na vi-il;ncia constante
contra essas misteriosas foras do mal. <uando uma pessoa ficava doente, no havia uma razo f7sica
(/via para tal fato= pelo contr!rio, a condio do indiv7duo acometido era erroneamente atri/u7da a uma
fraqueza frente a uma fora mais forte, feitiaria ou possesso por um esp7rito do mal )Amundsen,
.>>?0.
1 tratamento era duro e consistia de rituais de feitiaria, e5orcismo e uma forma primitiva de
cirur-ia chamada de trepanao. Muitos arque(lo-os %! desenterraram cr;nios humanos pr9hist(ricos
contendo /uracos irre-ulares que aparentemente haviam sido perfurados por anti-os curandeiros para
permitir que os demnios que causavam a doena dei5assem o corpo do paciente. A trepanao era
praticada em pessoas vivas e mortas, su-erindo que essa pr!tica desempenhava um importante papel
em cerimnias culturais ou reli-iosas alm do tratamento da sa'de. @e-istros hist(ricos indicam que a
trepanao era uma forma de tratamento amplamente praticada na Europa, no E-ito, na Andia e na
Amrica Bentral e do Cul. Apro5imadamente D mil anos atr!s, al-umas pessoas notaram que a hi-iene
tam/m desempenhava um papel na sa'de e na doena e fizeram tentativas de melhorar a hi-iene
1
p'/lica. 1s anti-os e-7pcios, por e5emplo, realizavam rituais de limpeza para impedir que vermes
causadores de doenas infestassem o corpo. Ea Mesopot;mia )parte da qual localizava9se onde ho%e
o Fraque0, fa/ricava9se sa/o, pro%etavam9se instalaes sanit!rias e constru7am9se sistemas para o
tratamento de es-otos p'/licos )Ctone, Bohen e Adler, .>6>0.
Medicina grega e romana
1s avanos mais e5pressivos em sa'de p'/lica e saneamento foram feitos na Grcia e em @oma
durante os sculos $F e $ a.B. Em @oma, um -rande sistema de drena-em, a Cloaca Maxima, foi
constru7do para drenar um p;ntano que mais tarde se tornaria o lu-ar do ,(rum romano. Bom o tempo,
a Cloaca assumiu as funes de um sistema de es-otos moderno. Hanheiros p'/licos, para os quais
havia uma pequena ta5a de admisso, eram comuns em @oma por volta do sculo F a.B. )BanIrl-ht,
.>620.
1 primeiro aqueduto trou5e !-ua pura para @oma %! em J.2 a.B., e a limpeza das vias p'/licas
era supervisionada pelos aediles, um -rupo de oficiais indicados que tam/m controlavam o suprimento
de alimentos. 1s aediles criavam normas para -arantir que a carne e outros alimentos perec7veis
estivessem frescos e or-anizavam o armazenamento de -randes quantidades de -ros, por e5emplo,
no esforo para prevenir a fome )BartIri-ht, .>620. Ea Grcia, o fil(sofo -re-o Kip(crates )cerca de D?3
a J66a.B.0 esta/eleceu as ra7zes da medicina ocidental quando se re/elou contra o anti-o foco no
misticismo e na superstio. Kip(crates, freq:entemente chamado de o pai da medicina moderna, foi o
primeiro a afirmar que a doena era uma fenmeno natural e que suas causas )e, portanto, seu
tratamento e preveno0 podem ser conhecidos e merecem estudos srios. Lessa forma, ele construiu
a /ase mais anti-a para uma a/orda-em cient7fica da cura. Kip(crates props a primeira e5plicao
racional para o fato das pessoas adoecerem. Ce-undo sua teoria humoral, um corpo e uma mente
saud!veis resultavam do equil7/rio entre quatro fluidos corporais chamados de humores: san-ue, /ile
amarela, /ile ne-ra e fleuma. 8ara manter o /alano adequado, o indiv7duo deveria se-uir um estilo de
vida saud!vel, incluindo e5erc7cios, descanso suficiente, /oa dieta e evitar e5cessos. <uando os
humores estavam desequili/rados, contudo, o corpo e a mente seriam afetados de maneiras previs7veis,
dependendo de qual dos quatro humores estivesse em e5cesso. 4m e5cesso de san-ue, por e5emplo,
contri/u7a para uma personalidade sangnea )otimista e ale-re0. Em/ora uma personalidade ale-re
possa parecer dese%!vel, Kip(crates acreditava o contr!rio: san-ue demais, dizia ele, aumentava a
susceti/ilidade da pessoa a epilepsia, an-ina, disenteria e artrite. 1 tratamento para o e5cesso de
2
san-ue consistia em fle/otomia )a a/ertura de uma veia para remover san-ue0, /anhos frios e enemas.
A pessoa fleumtica, que tinha e5cesso de fleuma, era triste, l;n-uida e lenta. Bomo resultado, era
propensa a dores de ca/ea, resfriados e acidentes vasculares cere/rais.1 tratamento consistia em
/anhos quentes, diurticos e ervas que induzissem a n!usea. A pessoa colrica, que tinha um e5cesso
de /ile amarela e um temperamento ardente necessitava de um tratamento para 'lceras na /oca,
icter7cia e dist'r/ios estomacais. Encontrava9se al7vio por meio de san-rias, dietas l7quidas, enemas e
/anhos refrescantes. 4ma pessoa melanclica possu7a /ile ne-ra demais= uma disposio triste e
sorum/!tica )da7 o termo melancolia) era o resultado prov!vel. *am/m se esperava que essa condio
contri/u7sse para a ocorr+ncia de 'lceras e hepatite, que poderiam ser tratadas com uma dieta especial,
/anhos quentes, emticos )dro-as que induzem o vmito0 e queima de tecido corporal com um ferro
quente )cauterizao0.
Ainda que a teoria humoral tenha sido descartada & medida que foram feitos avanos em
anatomia, fisiolo-ia e micro/iolo-ia, a noo so/re os traos da personalidade estarem li-ados aos
fluidos corporais persiste na medicina popular e alternativa de muitas culturas. Alm disso, como
veremos no pr(5imo cap7tulo, atualmente sa/emos que muitas doenas envolvem um desequil7/rio )de
cena forma0 entre os neurotransmissores do cre/ro, de modo que Kip(crates no estava to errado.
Kip(crates fez muitas outras contri/uies not!veis para uma a/orda-em cient7fica da medicina. 8or
e5emplo, para aprender quais eram os h!/itos pessoais que contri/u7am para a -ota, uma doena
causada por pertur/aes no meta/olismo corporal do !cido 'rico, ele conduziu uma das primeiras
pesquisas de sa'de p'/lica a respeito dos h!/itos daqueles que sofriam da doena, como sua
temperatura corporal, freq:+ncia card7aca, respirao e outros sintomas f7sicos. Ele tam/m apontou a
import;ncia das emoes e pensamentos de cada um dos pacientes com relao a sua sa'de e
tratamento e, assim, chamou a ateno para os aspectos psicol(-icos da sa'de e da doena.
A pr(5ima -rande fi-ura na hist(ria da medicina ocidental foi o mdico Blaudius Galeno )cerca de
.2> a 233 d.B.0. Gre-o por nascimento passou muitos anos em @oma, conduzindo estudos de
dissecao de animais e tratando os ferimentos -raves dos -ladiadores romanos, dos quais ele
aprendeu -rande parte do que anteriormente no se sa/ia a respeito da sa'de e da doena. Galeno
escreveu volumes a respeito da anatomia, hi-iene e dieta, constru7dos so/re as /ases hipocr!ticas da
e5plicao racional e da descrio cuidadosa dos sintomas f7sicos de cada paciente.
Galeno tam/m e5pandiu a teoria humoral da doena, desenvolvendo um sistema ela/orado de
farmacolo-ia que os mdicos se-uiram por quase ..M33 anos. Ceu sistema era fundamentado na noo
3
de que cada um dos quatro humores do corpo tinha sua pr(pria qualidade elementar que determinava o
car!ter de doenas espec7ficas. 1 san-ue, por e5emplo, era quente e 'mido. Ele acreditava que as
dro-as tam/m tinham qualidades elementares= assim, uma doena causada pelo e5cesso de humor
quente e 'mido poderia apenas ser curada com dro-as que fossem frias e secas. Em/ora essas vises
possam parecer arcaicas, a farmacolo-ia de Galeno era l(-ica, /aseada em o/servaes cuidadosas, e
semelhante aos anti-os sistemas de medicina que sur-iram na Bhina, Andia e em outras culturas no9
ocidentais. Muitas formas de medicina alternativa ainda usam idias semelhantes ho%e em dia.
Medicina no-ocidental
Ao mesmo tempo em que a medicina ocidental estava emer-indo, tradies de cura tam/m
eram formadas em outras culturas. 8or e5emplo, h! mais de 2 mil anos, os chineses desenvolveram um
sistema inte-rado de cura, que conhecemos atualmente como medicina cinesa tradicional. A medicina
chinesa tradicional est! fundamentada no princ7pio de que a harmonia interna essencial para a /oa
sa'de. ,undamental para essa harmonia o conceito de !i )&s vezes escrito como ci), uma ener-ia
vital ou fora de vida que oscila com as mudanas no /em9estar mental, f7sico e emocional de cada
pessoa. A acupuntura, a terapia com ervas, a meditao e outras intervenes supostamente restauram
a sa'de, corri-indo /loqueios e desequil7/rios no !i.
"#ur$eda o mais anti-o sistema mdico conhecido no mundo. *em sua ori-em na Andia em
torno do sculo $F a.B., coincidindo apro5imadamente com a vida de Huda. A palavra a#ur$eda vem do
s;nscrito a#u, que si-nifica lon-evidade, e $eda, conhecimento. 8raticado amplamente na Andia, a
a#ur$eda /aseia9se na crena de que o corpo humano representa o universo inteiro em um microcosmo
e que a chave para a sa'de manter um equil7/rio entre o corpo microc(smico e o mundo
macroc(smico. A chave para essa relao est! no equil7/rio entre tr+s humores corporais, ou dosas%
$ata, pitta e &apa, ou coletivamente, o tridosa ),u-h9Herman, .>>60. Fremos e5plorar a hist(ria, as
tradies e a efic!cia dessas e de outras formas no9ocidentais de medicina no Bap7tulo .D.
A Fdade Mdia e a @enascena
A queda do imprio romano no sculo $ d.B. a/riu as portas para a Fdade Mdia )D6? a cerca de
.DM30, uma poca situada entre tempos anti-os e modernos e caracterizada pelo retomo as e5plicaes
so/renaturais da sa'de e da doena. Em uma poca em que a F-re%a e5ercia uma influ+ncia poderosa
so/re todas as !reas da vida, interpretaes reli-iosas coloriam as idias dos cientistas medievais a
4
respeito da sa'de e da doena. Aos olhos da i-re%a crist medieval, os seres humanos eram criaturas
com livre ar/7trio, que no estavam su%eitas &s leis da natureza. Bomo possu7am alma, os humanos e os
animais no eram considerados o/%etos apropriados para o escrut7nio cient7fico, e a dissecao de
am/os era estritamente proi/ida. A doena era vista como punio de Leus por al-um mal realizado e
acreditava9se que doenas epid+micas, como os dois -randes surtos de peste )uma doena /acteriana
conduzida por ratos e outros roedores0 que ocorreram durante a Fdade Mdia, eram um sinal da ira de
Leus. A F-re%a passou a controlar as pr!ticas da medicina e o tratamento freq:entemente envolvia
tentativas de e5pulsar esp7ritos do mal do corpo de pessoas doentes.
Em/ora os leais se-uidores de Kip(crates e Galeno continuassem a promover uma a/orda-em
cient7fica, a maioria dos mdicos medievais enfatizava a feitiaria, a demonolo-ia e outras formas
m7sticas de tratamento. E, assim, houve poucos avanos cient7ficos na medicina europia por ..M33
anos.
Eo final do sculo N$, nascia uma nova era, a @enascena. Bomeando com o ressur-imento da
investi-ao cient7fica, esse per7odo presenciou a revitalizao do estudo da anatomia e da pr!tica
mdica. 1 ta/u envolvendo a dissecao humana foi suficientemente removido, ao ponto do anatomista
e artista flandrense Andras $esalius ).M.D 9 .M?D0 conse-uir pu/licar um estudo composto por sete
volumes dos (r-os internos, musculatura e sistema esqueltico do corpo humano. ,ilho de um
farmac+utico, $esalius era fascinado pela natureza, especialmente pela anatomia dos seres humanos e
dos animais. Em sua /usca pelo conhecimento, nenhum cachorro vadio, -ato ou rato estava livre do seu
/isturi.
Ea escola de medicina, $esalius passou a dissecar cad!veres humanos. Cuas desco/ertas
provaram que al-umas das teorias de Galeno e dos mdicos anti-os estavam claramente incorretas.
Bomo pde, pensou ele, uma autoridade inquestion!vel como Galeno ter feito tantos erros ao descrever
o corpo" Ento compreendeu o porqu+: Galeno nunca havia dissecado um corpo humano. $esalius
entendeu que o prop(sito de sua vida era escrever o estudo oficial da anatomia humana. Esses volumes
tornaram9se os fundamentos de uma nova medicina cient7fica, fundamentada na anatomia )Ci-erist,
.>MO, .>6.0.
4m dos mais influentes pensadores da @enascena foi o fil(sofo e matem!tico franc+s @en
Lescartes ).M>? 9 .?M30, cu%a primeira inovao foi o conceito do corpo humano como uma m!quina.
Ele descreveu todos os refle5os /!sicos do corpo, construindo, nesse processo, ela/orados modelos
mec;nicos para demonstrar seus princ7pios. Ele acreditava que a doena ocorria quando a m!quina
5
estra-ava= a tarefa do mdico era consertar a m!quina. Lescartes conhecido por sua crena de que a
mente e o corpo so processos separados e autnomos, que intera-em de forma m7nima e que cada
um deles est! su%eito a diferentes leis de causalidade. Esse ponto de vista, chamado de dualismo
mente9corpo )ou dualismo cartesiano), /aseia9se na doutrina de que os seres humanos possuem duas
naturezas, a mental e a f7sica. Lescartes e outros -randes pensadores da @enascena, em um esforo
para romper com o misticismo e as supersties do passado, re%eitavam vi-orosamente a noo de que
a mente influencia o corpo. 1 estudo )no9cient7fico0 da mente era rele-ado & reli-io e & filosofia,
enquanto o estudo )cient7fico0 do corpo era reservado & medicina. Esse ponto de vista a/riu caminho
para uma nova era de pesquisas mdicas, fundamentadas na confiana na ci+ncia e no pensamento
racional.
' racionalismo da ps-renascena
Ap(s a @enascena, esperava9se que os mdicos se concentrassem e5clusivamente nas causas
/iol(-icas da doena. Bem anos ap(s $esalius, o mdico italiano Giovanni Mor-a-ni ).?O2 9 .66.0
pu/licou o primeiro livro did!tico de anatomia mdica. Bom /ase em seus achados de centenas de
aut(psias humanas, Mor-a-ni promoveu a idia de que as causas de muitas doenas residem em
pro/lemas nos (r-os internos e nos sistemas muscular e esqueltico do corpo. Enfim, a anti-a teoria
humoral de Kip(crates poderia ser descartada em favor dessa nova teoria anatmica da doena.
A ci+ncia e a medicina mudaram rapidamente durante os sculos N$FF e N$FFF, motivadas por
numerosos avanos na tecnolo-ia. Apesar de Galileu ter constru7do o seu primeiro termmetro em
.M>2, ele no tinha escala para medir e propiciava apenas indicaes -rosseiras da variao da
temperatura. 4m importante passo adiante na ci+ncia da medio da temperatura ocorreu em .??M,
quando Bhristian KuP-ens ).?2> 9.?>M0 props uma escala fi5a em que os pontos de con-elamento e
de e/ulio da !-ua eram desi-nados como sendo 1 e .33, respectivamente a ori-em do sistema
cent7-rado. 8or volta do final do sculo N$FF, o uso cl7nico da termometria )a mensurao da
temperatura0 estava amplamente disseminado.
*alvez a mais importante inveno na medicina durante esse per7odo tenha sido o microsc(pio.
Em/ora o uso de uma lente para aumento %! fosse conhecido em pocas anti-as, foi um mercador de
tecidos dinamarqu+s chamado Anton van QeeuIenhoeR ).?J2 9 .62J0 quem construiu o primeiro
microsc(pio pr!tico. Bom um poder de aumento de 263 vezes, esse microsc(pio permaneceu
ini-ual!vel at o sculo NFN )QPons e 8etrucelli, .>6O0. 4sando esse microsc(pio, ele foi o primeiro a
6
o/servar clulas san-:7neas e a estrutura /!sica dos m'sculos. 1 cientista in-l+s @o/ert KooRe ).?JM 9
.63J0, contempor;neo de QeeuIenhoeR, construiu seu pr(prio microsc(pio e o/servou que os tecidos
das plantas continham muitas cavidades pequenas separadas por paredes. KooRe chamou essas
cavidades de clulas ou pequenas c;maras e suas o/servaes tomaram9se o fundamento da teoria
do sculo NFN de que a clula era a unidade /!sica de todos os or-anismos vivos.
Lesco/ertas do sculo NFN
4ma vez que as clulas individuais tomaram9se vis7veis, o cen!rio estava pronto para @udolf
$irchoI ).O>. 9 .>320 es/oar a teoria celular da doena 9 a idia de que a doena resulta do
funcionamento incorreto ou da morte das clulas corporais. Bomo ocorre freq:entemente na ci+ncia,
pro/lemas pr!ticos levam ao entendimento mais profundo da doena. Em uma interessante srie de
e5perimentos, o cientista franc+s Qouis 8asteur ).O22 9 .O>M0 isolou a /actria respons!vel pela doena
do /icho9da9seda, que ameaava a ind'stria da seda na ,rana. E, ap(s provar que um micror-anismo
causava a raiva, ele desenvolveu a primeira vacina eficaz contra ela. 8orm, a contri/uio mais
importante de 8asteur para a medicina veio em .O?2, quando ele sacudiu o mundo mdico com
diversos e5perimentos meticulosos que mostravam que a vida apenas pode e5istir a partir da vida %!
e5istente. At o sculo NFN, os estudiosos acreditavam na gerao espont(nea 9 a idia de que os or-a9
nismos vivos podem ser formados a partir de matria no viva. 8or e5emplo, pensava9se que as larvas
e as moscas sur-iam automaticamente de carne podre. 8ara testar a hip(tese de que a vida no pode
ser formada a partir da no9vida, 8asteur encheu dois frascos com um l7quido semelhante a min-au,
aquecendo am/os at o ponto de e/ulio para matar qualquer or-anismo presente. 4m dos frascos
tinha a /oca lar-a, por onde o ar poderia fluir com facilidade. 1 outro frasco tam/m ficava a/erto, mas
tinha um pescoo curvo, impedindo que as /actrias presentes no ar ca7ssem no l7quido. 8ara surpresa
dos cticos, nenhum crescimento ocorreu no frasco curvo. Entretanto, no frasco com o /ico comum,
micror-anismos contaminaram o l7quido e multiplicaram9se com rapidez. Mostrando que uma soluo
-enuinamente esterilizada permaneceria sem vida, 8asteur a/riu caminho para o desenvolvimento
posterior de procedimentos cir)rgicos asspticos *li$re de germes). Ainda mais importante, o desafio de
8asteur contra uma crena com 2 mil anos de idade uma poderosa demonstrao da import;ncia de
manter a mente a/erta na investi-ao cient7fica. As desco/ertas de 8asteur tam/m a%udaram a
moldar a teoria dos -ermes da doena 9 que afirma que /actrias, v7rus e outros micror-anismos que
invadem as clulas do corpo fazem com que elas funcionem de maneira impr(pria. A teoria dos -ermes,
7
que um aperfeioamento da teoria celular, forma a /ase te(rica da medicina moderna. Ap(s 8asteur,
o conhecimento e os procedimentos mdicos desenvolveram9se rapidamente. Em .OD?, Silliam Morton
).O.>9.O?O0, um dentista norte9americano, introduziu o -!s ter como anestsico. Esse -rande avano
possi/ilitou a operao em pacientes, os quais no e5perimentavam dor e permaneciam completamente
rela5ados. Binq:enta anos mais tarde, o mdico alemo Silhelm @oent-en ).ODM 9.>DJ0 desco/riu o
raio N e, pela primeira vez, os mdicos puderam o/servar os (r-os internos de forma direta. Antes do
final do sculo, os pesquisadores haviam identificado os micror-anismos que causavam uma variedade
de doenas, incluindo mal!ria, pneumonia, difteria, lepra, s7filis, peste /u/nica e fe/re tif(ide. Le posse
dessas informaes, a medicina comeou a controlar doenas que haviam acossado o mundo desde a
Anti-:idade.
O sculo XX e o incio e u!a no"a era
T medida que o campo da medicina continuava a avanar, durante a primeira arte do sculo NN,
apoiava9se cada vez mais na fisiolo-ia e na anatomia, em vez do estudo de pensamentos e emoes,
na /usca por uma compreenso mais profunda da sa'de e da doena. Assim, nascia o modelo
/iomdico de sa'de, sustentando que doena sempre tem causas /iol(-icas. Motivado pelo 7mpeto das
teorias celular e dos germes, esse modelo tornou9se aceito de forma ampla durante o sculo NFN, e
continua a representar a viso dominante na medicina ho%e em dia.
1 modelo /iomdico apresenta tr+s caracter7sticas distintas. Em primeiro lu-ar, pressupe que a
doena o resultado de um pat(-eno 9 um v7rus, uma /actria ou al-um outro micror-anismo que
invade o corpo. 1 modelo no faz meno as vari!veis psicol(-icas, sociais ou comportamentais na
doena. Eesse sentido, o modelo /iomdico reducionista, considerando que fenmenos comple5os
)como a sa'de e doena0 so essencialmente derivados de um 'nico fator prim!rio. Em se-undo, esse
modelo tem como /ase a doutrina cartesiana do dualismo mente-corpo que, como vimos, considera9os
entidades separadas e autnomas que no intera-em. ,inalmente, de acordo com esse padro, a
sa'de nada mais do que a aus+ncia de doenas. Lessa forma, aqueles que tra/alham apoiados
nessa perspectiva concentram9se em investi-ar as causas das doenas f7sicas em vez daqueles fatores
que promovem a vitalidade f7sica, psicol(-ica e social.
Medicina psicossomtica
1 modelo /iomdico, por intermdio de seu foco nos pat(-enos, avanou o tratamento de sa'de
8
de maneira si-nificativa. Entretanto, foi incapaz de e5plicar transtornos que no apresentavam causa
f7sica o/serv!vel como aquelas desco/ertas por Ci-mund ,reud ).OM?99 .>J>0, que inicialmente o/teve
formao como mdico. As pacientes de ,reud e5i/iam sintomas como perda da fala, surdez e at
paralisia. 4m caso particularmente intri-ante envolveu uma paciente que relatou perda completa das
sensaes em sua mo direita. ,reud acreditava que esse mal, que ele chamou de anestesia de luva,
era causado por conflitos emocionais inconscientes convertidos em forma f7sica. ,reud rotulou essas
doenas de transtornos de con$erso, e a comunidade mdica viu9se forada a aceitar uma nova
cate-oria de doena.
A idia de que determinadas doenas poderiam ser causadas pelos conflitos psicol(-icos do
indiv7duo foi desenvolvida durante a dcada de .>D3 pelo tra/alho do psicanalista ,ranz Ale5ander.
<uando os mdicos no conse-uiam encontrar a-entes infecciosos ou outras causas diretas para artrite
reum!tica, Ale5ander ficava intri-ado pela possi/ilidade de que fatores psicol(-icos pudessem estar
envolvidos. Ce-undo o seu modelo do conflito nuclear, a presena de determinados conflitos
inconscientes pode levar & presena de quei5as f7sicas )Ale5ander, .>M30. 1u se%a, cada doena f7sica
o resultado de um conflito psicol(-ico fundamental ou nuclear. 8or e5emplo, acreditava9se que
indiv7duos com personalidade reum!tica, que tendem a reprimir a raiva e so incapazes de e5pressar
as emoes, seriam propensos a desenvolver artrite. Lescrevendo com cuidado um -rande n'mero de
transtornos f7sicos que eram presumivelmente causados por conflitos psicol(-icos, Ale5ander a%udou a
esta/elecer a medicina psicossom!tica, um movimento reformista dentro da medicina, denominado em
decorr+ncia das ra7zes psico, que si-nifica mente, e soma, que si-nifica corpo. 8or definio, a medicina
psicossom!tica diz respeito ao dia-n(stico e ao tratamento de doenas f7sicas supostamente causadas
por processos deficientes na mente. Esse novo campo floresceu e, lo-o, o peri(dico +s#cosomatic
Medicine pu/licou e5plicaes psicanal7ticas para uma variedade de pro/lemas de sa'de, incluindo
hipertenso, en5aquecas, 'lceras, hipertireoidismo e asma /rnquica.
A medicina psicossom!tica era intri-ante e parecia e5plicar o ine5plic!vel. Entretanto, tinha
diversas fraquezas, que fizeram com que fosse desfavorecida. A mais si-nificativa delas o fato de que
se fundamentava na teoria freudiana. T medida que a +nfase de ,reud em motivaes inconscientes e
irracionais na formao da personalidade perdeu popularidade, o campo da medicina psicossom!tica
comeou a declinar. Alm disso, a medicina psicossom!tica foi questionada pela cate-orizao
aparentemente ar/itr!ria de al-umas doenas como sendo de natureza completamente f7sica e outra
completamente psicol(-ica. 1utra cr7tica & medicina psicossom!tica era metodol(-ica: ou se%a, a
9
pesquisa era fundamentada principalmente em estudos de caso de pacientes individuais, que est! entre
os mtodos mais anti-os, mas menos confi!veis )ver Bap7tulo 20. <ualquer caso individual pode ser
at7pico e, portanto, en-anoso, como a /ase para uma teoria -eral. A cr7tica final que a medicina
psicossom!tica, como o modelo /iomdico, apoiava9se no reducionismo 9 nesse caso, a idia o/soleta
de que um 'nico pro/lema psicol(-ico ou defeito de personalidade seria suficiente para desencadear a
doena. Atualmente sa/emos que a doena, assim como a /oa sa'de, /aseiam9se na interao
com/inada de fatores m'ltiplos, incluindo a hereditariedade, o am/iente e a formao psicol(-ica
individual.
Em/ora a psican!lise de ,reud e a medicina psicossom!tica estivessem comprometidas de forma
cr7tica, elas formaram as /ases para a nova apreciao das cone5es entre a medicina e a psicolo-ia.
Elas deram in7cio & tend+ncia contempor;nea de ver a doena e a sa'de como al-o multifatorial. Fsso
si-nifica que muitas doenas so causadas pela interao entre diversos fatores, em vez de uma 'nica
/actria ou a-ente viral invasor. Entre estes, esto fatores do ospedeiro )como vulnera/ilidade ou
resili+ncia -entica0, fatores am,ientais )como e5posio a poluentes ou qu7micos peri-osos0,fatores
comportamentais )como dieta, e5erc7cios, h!/ito de fumar0 e fatores psicolgicos )como otimismo e
tenacidade -eral0.
Medicina comportamental
Lurante a primeira metade do sculo NN, o Hehaviorismo, liderado por Uohn Satson ).O6O 9
.>MO0, EdIard *horndiRe ).O6D 9 .>DM0 e H. ,. CRinner ).>3D .>>30, dominou a psicolo-ia norte9
americana. Ea sua disciplina introdut(ria, os /ehavioristas definem a psicologia como o estudo cient7fico
do comportamento o/serv!vel. Eles afirmam, alm disso, que apenas dois tipos de aprendiza-em
e5plicam a maioria dos comportamentos: o condicionamento cl!ssico )tam/m chamado
condicionamento pavloviano0 ou o aprendizado que ocorre quando aprendemos a associar dois
est7mulos am/ientais que ocorrem simultaneamente= e o condicionamento operante, por meio do qual o
comportamento fortalecido quando se-uido por uma conseq:+ncia dese%!vel )reforo0 ou
enfraquecido quando se-uido por uma conseq:+ncia indese%!vel )punio0.
Eo in7cio da dcada de .>63, os profissionais conce/eram a idia de um campo de medicina
comportamental como resposta direta ao Hehaviorismo. Assim, o novo campo comeou a e5plorar o
papel do condicionamento cl!ssico e operante na sa'de e na doena. 4m de seus primeiros sucessos
foi a pesquisa de Eeal Miller ).>3>0, que utilizou tcnicas de condicionamento operante para ensinar
10
co/aias )e posteriormente seres humanos0 a adquirirem controle so/re certas funes corporais. Miller
demonstrou, por e5emplo, que as pessoas podem adquirir al-um n7vel de controle so/re sua presso
san-:7nea e rela5ar a freq:+ncia card7aca quando estiverem cientes desses estados. A tcnica de
Miller, chamada de ,iofeed,ac&, discutida de forma mais detalhada no Bap7tulo D.
Em/ora a fonte da medicina comportamental tenha sido o movimento /ehaviorista na psicolo-ia,
uma caracter7stica distinta desse campo sua natureza interdisciplinar. A medicina comportamental
atrai mem/ros de campos to diversos quanto a antropolo-ia, a sociolo-ia, a /iolo-ia molecular= a
-entica, a /ioqu7mica e a psicolo-ia, alm de profisses li-adas & !rea da sa'de, como enferma-em,
medicina e odontolo-ia.
O surgimento da psicologia da sade
Em .>6J, a American 8sPcholo-ical Association )A8A0 indicou uma fora9tarefa para e5plorar o
papel da psicolo-ia no campo da sa'de, a fim de determinar se a psicolo-ia permaneceria apenas so/ a
cate-oria de medicina comportamental ou esta/eleceria um campo distinto, com seus pr(prios o/%etivos
e focos. Bom /ase nas recomendaes o/tidas, em .>6O, a A8A criou a diviso de psicolo-ia da sa'de
)Liviso JO0. Ap(s quatro anos, foi pu/licado o primeiro volume de seu peri(dico oficial, -ealt
+s#colog#. Eessa edio, Uoseph Matarazzo, o primeiro presidente da diviso, esta/eleceu os quatro
o/%etivos do novo campo: -.studar de forma cientfica as causas e origens de determinadas doenas,
ou se/a, a sua etiolo-ia. 1s psic(lo-os da sa'de esto principalmente interessados nas ori-ens
psicol(-icas, comportamentais e sociais da doena. Eles investi-am por que as pessoas se envolvem
em comportamentos !ue comprometem a sa)de, como o h!/ito de fumar e o se5o inse-uro. -+romo$er
a sa)de. Eles se preocupam com questes so/re como fazer as pessoas realizarem comportamentos
!ue promo$am a sa)de, como praticar e5erc7cios re-ularmente e comer alimentos nutritivos. -+re$enir e
tratar doenas. Eles pro%etam pro-ramas para a%udar as pessoas a parar de fumar, perder peso,
administrar o estresse e minimizar outros fatores de risco de uma sa'de fraca. Eles tam/m au5iliam
aquelas que %! esto doentes, em seus esforos para adaptarem9se a suas doenas ou o/edecerem a
re-imes de tratamento dif7ceis. -+romo$er polticas de sa)de p),lica e o aprimoramento do sistema de
sa)de p),lica. 1s psic(lo-os da sa'de so /astante ativos em todos os aspectos da educao para a
sa'de e re'nem9se com freq:+ncia com os l7deres -overnamentais que formulam pol7ticas p'/licas na
tentativa de melhorar os servios de sa'de para todos os indiv7duos.
11
4ma questo natural que sur-e ao se ler esses o/%etivos seria: de que forma a psicolo-ia da
sa'de difere da medicina comportamental" A resposta no difere muito. A distino entre os dois
campos sempre foi uma fonte consider!vel de confuso. 8ara eliminar essa confuso, ser! feita
refer+ncia & medicina comportamental como o campo interdisciplinar que inte-ra a ci+ncia
comportamental e /iomdica visando a promover a sa'de e a tratar doenas. E, conforme e5plicamos
no comeo do cap7tulo, psicologia da sa)de o su/campo da psicolo-ia que diz respeito ao
aprimoramento da sa'de e & preveno e tratamento da doena por meio de princ7pios psicol(-icos
/!sicos.
Ctrau/. 1. )233M0. 8sicolo-ia da sa'de. Atrmed: 8orto Ale-re. Bap. ..
12