Resumo: Este trabalho foi desenvolvido como proposta de pensar sobre a possibilidade de ao e reao na educao do territrio quilombola do Sap do Norte. O objetivo do texto vem oferecer e discutir alguns subsdios que possam ajudar no desenvolvimento do processo de transformao de nossas mentes e atitudes, inspirado em Paulo Freire, aponta o seu pensamento em afirmar que a ausncia de atitudes de professores (as) sinaliza criana discriminada que ela no pode contar com a cooperao de seus educadores. Palavras-chave: educao; valores culturais; Quilombolas. INTRODUO A memria tem grande relevncia para as comunidades negras rurais. A preservao de seus valores, prticas religiosas, tcnicas e outras expresses culturais, foram herdadas dos antepassados atravs da tradio oral. Nessa perspectiva, o estudo trar uma proposta no resgate da prtica pedaggica para famlias quilombolas, com objetivo de que chegue at essas comunidades uma educao de qualidade. Assim a prtica pedaggica mecanismo que precisa envolver todo o territrio quilombola. Nisso a escola tem grande relevncia na formao do pensamento de crianas e jovens. Repensar os currculos e as prticas pedaggicas, significa um avano para diminuir as desigualdades scio-raciais. A mesma precisa tornar-se espao de discusses das questes sociais que envolvem a vida dos educandos de todos os seguimentos sociais e raciais. O espao escolar deve ser o espao onde se aprende a convivncia respeitosa com as diferenas. Pois essa nova postura rompe com a viso de neutralidade da escola. Tradicionalmente a escola pensada como o local que acolhe todos os educandos sem fazer distino entre eles. Cabe aos educadores a rdua tarefa tica de mudar esse equivocado paradigma secular tendo agora uma viso mais ampla sobre esses grupos que ultrapasse a simples questo fundiria e considere os aspectos tnicos, histricos, antropolgicos e culturais. A prtica pedaggica dinmica, e o tempo que rege esse dinamismo o gerndio: tudo est acontecendo, o aluno est aprendendo, amadurecendo, adolescendo. 2
Partindo da premissa que a educao constitui-se um dos principais ativos e mecanismos de transformao de um povo e papel da escola, de forma democrtica e comprometida com a promoo do ser humano na sua integralidade, estimular a formao de valores, hbitos e comportamentos que respeitem as diferenas e as caractersticas prprias de grupos e minorias. Assim, constitui-se a educao para a ampliao da cidadania de um povo. Nesse sentido, ao analisar-se dados que apontam as desigualdades entre brancos e negros na educao e a demora em se implementar no municpio a Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educao Nacional, para incluir no currculo oficial dos Sistemas de Ensino a obrigatoriedade da temtica Histria e Cultura Afro-Brasileira, incluindo o estudo da Histria da frica e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formao da sociedade nacional, resgata-se a contribuio do povo negro nas reas social, econmica e poltica pertinentes Histria do Brasil. Esse trabalho pretende fazer uma reflexo sobre como os educadores e educadoras das escolas inseridas nas comunidades quilombolas podem aplicar uma pratica pedaggica voltada para a Educao Quilombola, na regio de So Mateus-ES e Conceio da Barra-ES, e desenvolver uma metodologia na prtica educativa cotidiana nas escolas destas comunidades. A pouca terra que resta aos quilombolas e as difceis condies agrcolas na regio, tem sido sintomtico tambm no ensino escolar. A prtica e o saber tradicional agrcola quilombola so pouco investidos ou trabalhados durante o perodo escolar e ps escolar. H nas comunidades jovens formados ou freqentando Escolas Famlias Agrcolas, na pedagogia da alternncia. E mesmo aqueles que tiveram a chance desta formao enfrentam ainda a dificuldade de trabalhar em prol da agricultura quilombola, por falta de reconhecimento local ou mesmo de acesso a terra. A maior parte dos jovens esto migrando das comunidades para as periferias urbanas em busca de trabalho. Alguns jovens quilombolas necessitando trabalhar, tm sido absorvidos como mo de obra de empreiteiras da Aracruz Celulose, da DISA e mesmo pelo carvo, ora interrompendo os estudos, ora distanciando-se ainda mais dos seus conhecimentos agrcolas e buscando formao tcnica nas reas afins destas empresas que possam vir a oferecer um vnculo empregatcio. A evaso escolar em todo o Sap do Norte grande e praticamente no tem tido oportunidades de EJA para os quilombolas, apesar da demanda, seja a partir do analfabetismo 3
das geraes mais velhas, seja a partir da interrompida vida escolar de uma juventude em claro processo de desterritorializao. Tambm o acesso quilombola ao ensino superior bem pouco, menos de uma dezena nas 10 comunidades focais. Apenas as professoras, motivadas pela obrigatoriedade de formao superior at 2010, buscaram esta complementao escolar na Pedagogia. No entanto, apesar da exigncia, apenas uma professora ingressou por cota em uma instituio pblica. As demais, freqentam cursos pagos por elas prprias em instituies privadas de So Mateus.
[...]angstias sofridas pelas lideranas quilombolas, quando comecei a fazer parte do movimento e em uma reunio de planejamento algumas mes falavam de seus sentimentos suas inquietaes a respeito do aprendizado dos seus filhos, que os levavam para longe de suas tradies suas razes e cultura, e no os faziam refletir sobre a realidade vivida por estes filhos. (Fala das mes quilombolas)
Assim, este trabalho tem como objetivo apresentar uma Proposta Pedaggica de Educao Quilombola para as comunidades quilombolas do municpio de So Mateus e Conceio da Barra, fazer a insero, de contedos voltados para a realidade desses alunos e sua comunidade. Especificando-se em: realizar oficinas com os professores das comunidades quilombolas; realizar oficinas com os pais dos alunos das comunidades quilombolas; realizar um diagnstico participativo sobre a possibilidade dos contedos das escolas das comunidades quilombolas; entrevistas os ancios das comunidades quilombolas para registrar a experincias locais sobre a histria das comunidades; elaborar um boletim contendo as legislaes relativas educao quilombola; elaborar um boletim contendo a produo das comunidades quilombolas a respeito da relao com a natureza cultura e as tradies; realizar um documentrio visual em parceria com a Universidade Federal do Esprito Santo- UFES (Departamento de Cincias Sociais) sobre as comunidades quilombolas do territrio do Sap do Norte enfocando as tradies culturais, ciclos festivos e depoimentos dos ancios que auxiliem na formulao de problemticas tnico/raciais junto aos alunos das comunidades quilombolas. Tambm aponta a discusso sobre o tema, assim como a falcia dos educadores de que as crianas negras no tm motivao para a aprendizagem e so ridicularizadas em sala de aula, existe um desconforto dos seus pais em ver que seus filhos no se sentem atrados pela escola. 4
E mais ainda, que sua cultura, sua tradio e seu jeito de ser e se expressar esto longe de ser tema estudado no currculo escolar, e que cada vez mais esto se distanciando de tudo o que sempre preservaram e tiveram o cuidado de guardar com orgulho, tudo o que foi deixado por seus antepassados. Na escola essas crianas no se sentem parte dela e no so motivadas a irem escola. quele assunto me chamou ateno fiquei impressionada, s acreditar no que dizia Paulo Freire que a escola precisa ser um lugar prazeroso para se viver, onde o educando sinta-se a vontade para expressar os seus sentimentos em qualquer circunstancias, exemplo pergunta e respostas para a concluso da construo do seu prprio conhecimento.
O QUE QUILOMBO?
Os quilombos nos remetem a vrios tempos e espaos histrico: em primeiro lugar, frica do sculo XVII. A palavra Kilombo originria da lngua banto umbundo, que diz respeito a um tipo de instituio sociopoltico militar conhecido na frica central, mais especificamente na rea formada pela atual Republica Democrtica do Congo (Zaire) e Angola (MUNANGA, 1996, p.58). Apesar de ser um termo umbundo, constitua-se em um agrupamento militar de jovens guerreiros, composta pelos jaga ou imbangala (de Angola) e os lunda (do Zaire) (MUNANGA, 1996: P.59). Os quilombos nos levam tambm ao Brasil do final do sculo XVI e aos sculos seguintes; enquanto durou a escravido institucionalizada, existiram quilombos (ou mocambos) no litoral do Norte ao Sul do pas, especialmente nas reas de plantaes de cana- de-acar, arroz, cacau e nas armaes baleeiras. No caso do litoral nordestino, destaca-se o quilombo de Palmares, que durou mais de 70 anos e se estendia por parte das provncias de alagoas e Pernambuco. Palmares foi liderado por mulheres homens que ora so tratados como mitos, ora como personagens histricos, a exemplo de Aqualtune, Acotirene, Ganga Zumba e Zumbi, sendo este o ultimo lder, assassinado aps um ano da destruio do grande quilombo em todas as regies de minerao e pecuria, liderados tambm por Chico Rei em Diamantina, Minas gerais, e Teresa do Quaroter, no oeste do Mato Grosso (VOLPATO, 2003). 5
Conforme pesquisa realizada pelo Centro de Geografia e Cartografia Aplicada (CIGA) da universidade de Braslia (UnB), coordenado pelo gegrafo Rafael Sanzio Arajo dos Anjos, o pas tem 2.228 comunidades descendentes de quilombos, em quase todos os estudos da Federao (NAVARRO, 2005). No que se refere relao entre educao e quilombos, cabe ressaltar que h extensos territrios quilombolas que possuem escolas em seu interior e rea sem que jovens e adultos dessas localidades migram temporria ou efetivamente para estudar nas cidades de suas regies. As comunidades quilombolas contemporneas (MOURA, 1996) recebem varias denominaes, tais como terras de pretos, mocambos e comunidades negras rurais. Num processo de mobilizao, todas estas nomenclaturas convergiram para o termo quilombo ou comunidade quilombola. Como decorrncia desse processo de ressemantizao, para o Estado brasileiro, o antigo quilombo foi metaforizado para a categoria remanescente de quilombo que, de certa forma, fortaleceu a idia grupo e no de individuo, idia esta que fundamental para ganhar funes polticas no presente, por meio de uma construo jurdica que permite pensar o futuro (ARRUTI, 2003). MOVIMENTO QUILOMBOLA: CAMPANHA PELA TITULAO DAS TERRAS QUILOMBOLAS NO MUNICPIO DE SO MATEUS/ES A formao de quilombos no Brasil se deu por motivos como a fuga de escravos que sofriam maus tratos nas grandes fazendas aucareiras. Arrancados da frica, seu continente natal, e tratados como animais pela colonizao europia, eram transportados nos pores dos navios negreiros. Vinham para o novo mundo nus, eram mal alimentados na viagem que chegava a durar trs meses e eram vendido como mercadoria em portos como o Porto de So Mateus, no Norte do Esprito Santo. O municpio de So Mateus, no norte do estado, j foi palco de muitas lutas de resistncia contra os maus tratos sofridos pelos negros e negras no perodo da escravido. O porto de So Mateus foi por muitos anos, o principal lugar de chegada dos escravos seqestrados e trazidos fora da frica. Mesmo depois da Lei urea, os maus tratos continuaram e junto com eles, a resistncia. A formao de quilombos no meio da densa Mata Atlntica serviu de refugio e espao de luta para que a cultura negra no desaparecesse. 6
Descendentes destes quilombos, nos municpios de So Mateus e conceio da Barra, continuam na luta. Mesmo depois de sculos terminada a escravido, continuam vivendo alijados da sociedade e, agora, com um inimigo ainda mais ameaador. A partir da dcada de 1960, estas terras passaram a ser extensivamente apropriadas por empresas monocultoras de eucalipto, subsidirias da Aracruz Celulose, atravs de mecanismo de coero e ameaas amparadas por leis de incentivos fiscais e da negociao das terras devolutas. A partir da dcada de 1980, inicia-se a chegada das empresas alcooleiras, com a monocultura da cana-de-acar. A mata Atlntica, deferente do perodo escravocrata, foi quase completamente destruda pelas plantaes de eucalipto da multinacional Aracruz Celulose e pela plantao de cana-de-acar. Junto com a Mata, a cultura e modos de vida dessas comunidades negras colocadas em ameaa. As reas onde se plantou o eucalipto eram cobertas por Mata Atlntica, originalmente. Seguida da cana e pastagem, essas monocultoras produziram enorme degradao socioambiental na regio do Sap do Norte. Atualmente, h cerca de 40 comunidades quilombolas que sofreram este processo de expropriao encontram-se a imprensada, ilhadas e expressam de forma muito clara seu ressentimento e indignao quanto destruio das suas matas, perda de suas terras, de sua gua de seu alimento e medicamento; perda de suas festas e de sua autonomia. A partir de 2004, a aps processo de pedido de reconhecimento, solicitado pelas comunidades quilombolas do sap do norte a Fundao Cultural Palmares (FCP-DF), o INCRA (Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria) e a UFES (Universidade Federal do Esprito Santo) iniciaram os estudos de identificao das comunidades quilombolas no Esprito Santo, fundamentados no art.68 do ato das Disposies Constitucionais Transitrias de 1988, que estabelece a propriedade definitiva das terras s comunidades. O segundo passo a demarcao e titulao destas terras, processo j iniciado pelo INCRA (Instituto Nacional de Regularizao Fundiria) No norte do Estado do Esprito Santo, j esto consolidados relatrios antropolgicos que apontam os territrios pleiteados pelas comunidades quilombolas So Jorge (80 famlias, 14.517 ha.), Serraria e So Cristvo (52 famlias, 8.500 ha.) esses relatrios de identificao registram a historia e a afirmao tnica das comunidades, bem como o processo violento de expropriao por elas sofrido, evidenciado pela documentao irregular de grande parte das terras que se encontram nas mos da multinacional Aracruz Celulose e grandes fazendeiros. 7
METODOLOGIA DESENVOLVIDA a) Reunies com as comunidades Pretende-se reunir os professores para auto-avaliar sua atuao, apresentar a legislao e fazer um balano das possibilidades educativas junto s comunidades quilombolas. As reunies sero realizadas em cada uma das comunidades e posteriormente reunindo todos os professores. Sero utilizados questionrios para ajudar na elaborao das abordagens sobre educao e condies fsico/pedaggicas das escolas b) Reunies com os pais dos alunos e ancios das comunidades quilombolas. A partir da vivncia dos pais dos alunos e ancios pretende-se reunir as experincias de vida trabalho, lazer, festas, calendrio religioso, ritos e mitos que orientam a vida das comunidades quilombolas. Ser realizado um calendrio com as festas das comunidades, bem como sua percepo sobre a natureza, seu trabalho, sua cultura e sua histria. Relato de experincias O resultado das oficinas nas escolas das comunidades quilombolas ser transformado em boletim escrito e vdeo, grfico que possa servir de referncia elaborao de materiais didticos e pedaggicos atendendo a lei 10.639/2003 que trata do ensino de contedos afro- brasileiros nas escolas em todos os nveis de ensino. d) Resultados esperados a) Envolver a Secretaria Municipal de educao da Prefeitura Municipal de So Mateus nas polticas pblicas para promoo da diversidade tnica e racial; b) Instruir o processo de implantao da lei 10.639/2003 junto s comunidades quilombolas de So Mateus; c) Estabelecer um frum permanente para a formao conjunta com os professores sobre os contedos didtico/pedaggicos relativos lei 10.639/2003; d) Dar visibilidade s escolas das comunidades quilombolas. 2 .Produo de uma cartilha sobre educao diferenciada para populaes quilombolas contendo: a) Legislao; b) informaes sobre direitos tnicos; c) Relatos biogrficos dos ancios. 8
Realizao de oficinas sobre educao diferenciada para populaes quilombolas: a) Cidadania e polticas pblicas; b) literatura e mitos africanos c) musica - teatro d) jongo e congada e)folia de reis e ticumbi
ACESSO A ESCOLAS QUILOMBOLAS
Escolas na regio do territrio do Sap do Norte, comearam a existir a aproximadamente 80 anos, como em Coxi, Conceio da Barra. Primeiro em casas, depois em construes de estuque e mais recentemente em prdios de alvenaria, a educao escolar passou a ser parte das comunidades e a alfabetizao, uma realidade possvel a partir daquelas geraes. Mesmo assim, muitos quilombolas hoje com 40 ou 50 anos, no puderam estudar. Da conquista da escolaridade existncia dos estabelecimentos de ensino nas comunidades, passaram-se muitas lutas. Constroem-se, destroem-se, mudam-se, desativam-se, abandonam- se. com esta instabilidade e descaso que a educao escolar quilombola tem se dado. A presena de escolas muitas vezes parece ser mais uma concesso governamental do que uma obrigao em assegurar este direito. incrvel a facilidade que tm em se desfazer de um patrimnio destes e dispersar os alunos e os educadores. Os motivos sempre injustificveis: municipalizao, burocracia, reformas, ocupao dos terrenos com monocultura da cana e eucalipto, falta de aluno, de professor, de recursos. Das 10 comunidades trabalhadas (6 de Conceio da Barra: Coxi, Angelim 1 e 2, So Domingos, Roda Dgua e Linharinho e 4 de So Mateus: Nova Vista, Chiado, Serraria e So Cristvo), 5 apenas esto com escolas em funcionamento (So Domingos e Linharinho em C.B. e Nova Vista, Chiado e So Cristvo em S.M.). Destas, apenas quatro (Chiado, So Cristvo ,Divino Esprito Santo e So Jorge ), contam com pr escola para crianas de 3 a 6 anos, as demais contemplam apenas o ensino fundamental de 1 a 4 srie, com o ensino Pluridocente e Unidocente (duas sries por turmas, alterando o turno das aulas e com uma professora para cada turma). As crianas das demais comunidades sem escolas e as que esto fora desta faixa etria, para estudarem so obrigadas a um deslocamento para os centros urbanos ou distritos maiores. Dependem dos transportes precrios e insuficientes e em muitos casos tm que andar quilmetros para chegar escola ou ao ponto de nibus, comprometendo bastante o 9
rendimento escolar. Alm da preocupao dos pais pelos riscos que correm os filhos nas pssimas estradas da regio, outro srio problema a separao dos seus filhos pequenos. A distncia da escola impossibilita o acompanhamento de perto da educao escolar dos filhos e est em contradio com a educao tradicional quilombola: comunitria, familiar e do campo. Escolas como a de Angelim 1, por exemplo existiram primeiramente na casa de uma famlia, onde uma professora de fora trabalhou por 10 anos, at que o prdio fosse construdo (hoje est novamente desativada). A falta de escolas nas comunidades tambm fora os quilombolas a terem que optar entre dois de seus direitos fundamentais e constitucionais: o de permanecer na terra e o da educao.
CONDIES PEDAGGICAS NAS ESCOLAS QUILOMBOLAS
A falta de escolas quilombolas tambm um prejuzo para todo o ensino da Histria e Cultura Afro-Brasileira, agora obrigatria pela Lei n 10.639/03 em todos os estabelecimentos de ensino fundamental e mdio. Nas comunidades quilombolas esto vivas grande parte desta importante histria afro-brasileira que pode deixar de ser contada se os centros comunitrios, como as escolas, forem desativados.O Estado tem se mostrado incapaz de garantir um direito desde o lugar de maior referncia afro-descendente: os quilombos. Hoje so poucas as crianas quilombolas que podem usufruir desta oportunidade de estudar a sua histria no seu prprio lugar, compondo este importante referencial histrico, cultural e subjetivo. Em Conceio da Barra por exemplo, o diagnstico constatou apenas 49 crianas quilombolas estudando em suas prprias comunidades. Outro fator importante para que a lei no se implemente o baixo ndice de professores quilombolas atuando nas poucas escolas que existem. Identificamos que das 11 professoras (todas mulheres), 5 apenas eram provenientes das comunidades quilombolas. Ao menos a formao continuada de cultura afro-brasileira para as professoras est iniciada, em Conceio da Barra com a Comisso Permanente de estudos Afro-Brasileiros, CEAFRO, constituda pelo prefeito em 2007. Em So Mateus existe um grupo de educadoras dispostas, porm o caminho institucional dos mais lentos para a constituio da Comisso Permanente. Falta ainda um maior comprometimento dos governos municipais para que estes trabalhos ganhem a dimenso social necessria e possam garantir a formao dos educadores rurais e urbanos. Sem escolas, sem professores quilombolas e sem formao especfica, como a lei se implementar? 10
Para uma formao especfica, seria fundamental o amplo acesso das professoras a materiais e equipamentos pedaggicos que tratem diretamente das questes tnicas e raciais, o que raro. Os alunos ento no tm nenhum acesso a materiais didticos elaborados regionalmente que tragam perspectivas afirmativas para os negros. A capoeira ensinada apenas em uma destas comunidades (Nova Vista) e assim como outras atividades fsicas e artsticas, as escolas no contam com professores especficos para estas reas. At hoje as grades curriculares escolar chegam prontas para as professoras que trabalham nas escolas quilombolas e que tambm desconhecem a existncia de um projeto poltico pedaggico para as escolas nas comunidades. A gesto das escolas em grande parte fica a cargo de supervisoras itinerantes, no tendo a comunidade, os pais e as educadoras a autonomia necessria para uma pedagogia quilombola. PROPOSTA DE EDUCAO PEDAGGICA PARA AS ESCOLAS DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO TERRITORIO DO SAP DO NORTE O processo pedaggico para as comunidades quilombola difere-se dos demais, em funo de estar baseado em uma pedagogia vinculada a um movimento de luta social visando reparaes, reconhecimento e valorizao da identidade, da cultura e da histria dos negros e negros brasileiros, que considera o conjunto das dimenses da formao humana, pois ela tem o ser humano como centro, sujeitos de direitos, ser em construo respeitando as suas temporalidades, para que eles despertem o seu prprio raciocnio. O pblico que ser assistido pelas escolas quilombolas ser de crianas, jovens e adultos de origem rural herdeiros da identidade sem territrio em formao, que deve receber uma educao integral onde o direito ao conhecimento, a valorizao e respeito a sua descendncia africana, sua cultura e histria o tornem cidados, cidads, e no apenas meros dominadores de competncia e habilidades tcnicas, libertando o do processo alienante historicamente pelas elites brasileiras, que definiram a funo do negro, na sua formao acadmica, enquanto mo de obra barata que s dever ter acesso a uma formao limitada que no o leve a galgar espaos relacionais dos quais fora para ele definidos. As necessidades dos educando das escolas quilombola so as mais variadas possveis, desde a necessidade de aprender a ler articular idias de forma sistemtica, buscando a defesa da vida e da histria a partir de uma proposta poltica para todos. 11
Nas escolas das comunidades quilombolas a experincia pedaggica deve acontecer em vrios nveis de atuao da vida, que no pode ser fruto unicamente da interao professor aluno, mas da integrao professor-aluno, aluno famlia, aluno lugar onde vive, lugar onde vive-escola, escola-trabalho, trabalho aluno, aluno-comunidade, comunidade-escola, escola- sociedade, escola-mundo. Logo o processo est inserido, como palco privilegiado da aprendizagem. Nesse sentido a escola da comunidade quilombola sai de si mesma, reconhecendo e valorizando as prticas educativas que acontecem fora dela. Esta proposta de educao pedaggica tem como base fundamental o mestre Paulo Freire que busca a compreenso dos processos educativos nas suas dimenses scias e polticas, vendo o indevido das camadas populares como principal agente construtor e transformador da histria por meio das prxis pedaggica. O universo quilombola nos oferece facilidade de desenvolver qualquer contedo que esteja inserido no livro didtico. Ele dispe de vrios elementos concretos naturais que, possibilita o desenvolvimento de atividades prticas no cotidiano. As aulas podero ser enriquecidas e dinamizadas pelo prprio ambiente fsico das comunidades quilombolas. Uma aula de paisagem natural nos remete ao mundo fora da sala de aula e neste sentido o mundo invade a sala de aula, pois ele fez parte da realidade do educando. Desta forma a comunidade quilombola o espao fsico, o mundo conhecido, o espao de interao e por isso se constitui uma realidade concreta, vivida, amada, que necessita ser entendida para ser transformada. Logo se torna um fator fundamental no processo pedaggica. A demanda por reparao visa que o Estado e a sociedade tomem medidas para ressarcir os descendentes de africanos negro, dos danos psicolgicos, materiais, sociais, polticos e educacionais sofridos sob o regime escravista, bem como em virtude das polticas explicitas ou tcitas de branqueamento da populao da manuteno de privilgios para grupos com poder de governar e de influir na formao de polticas na ps-abolio. Que tais medidas se concretizem em iniciativas de combate ao racismo e a toda sorte de discriminao. A negao dos direitos aos negros no Brasil se constitui desde a colonizao. Esse processo no foi pacifico, atravs de varias lutas populares do movimento negro. Vrios foram os conflitos, Palmares e Canudos, so exemplos desse processo. 12
A constituio Federal de 1988, refletindo com fidelidade o esforo realizado pelo movimento negro no sentido de pautar a temtica da igualdade racial na agenda poltica do Estado brasileiro, registra um expressivo leque de preceitos anti-discriminatrios. Merece destaque o preceito constitucional que determina o tombamento de todos os stios detentores de reminiscncias histricas dos antigos quilombos, bem como o que assegura aos remanescentes das comunidades dos quilombos a propriedade de suas terras. Por certo, mas do que emisso de ttulo e propriedade trata-se de uma reparao histrica e ainda que parcial e do reconhecimento pblico da contribuio dada pelos quatro milhes de africanos escravizados e seus descendentes na edificao material e moral do Brasil. O movimento quilombola e de base social sem distino. E se desenvolve afirmando o processo de formao, confirmando o que por direito, foi negado e distorcido socialmente. Os seres humanos dependem uns dos outros para sua prpria formao. Ento o movimento quilombola por ser movimento de base, trata de todos os elementos da formao humana, em um processo educativo, busca construir o conhecimento a partir da necessidade da conquista do territrio para poder sobreviver, tornando assim toda experincia de vida uma experincia pedaggica. A comunidade quilombola participa ativamente nas reunies com os tcnicos da universidade que esto fazendo estudos tcnicos das comunidades quilombolas do Sap do Norte, oficinas de formao, das festas religiosas como: dia do padroeiro, ladainhas, celebraes dominicais e das festas tradicionais como: folia de reis, dana de jongo, dana da capoeira, danas juninas o trabalho na roa, na pesca, na produo coletiva de farinha e beiju de goma de mandioca. As comunidades quilombolas descobrem cada vez mais seus direitos, sua atuao poltica afirmando sua negritude, a mulher quilombola descobre o valor de ser mulher, o pobre se reconhece como cidado e todos passam a exercer sua cidadania, a exigir cumprimento da mesma e a ter responsabilidade com sigo e com a coletividade. Diante disso a luta social nas comunidades realizada pelo movimento quilombola, torna se um processo pedaggico por ser um espao de troca de saberes, respeito a diferena, construo de cidadania por meio da ocupao do territrio, o espao geogrfico. 13
A escola quilombola trabalhar entorno das dimenses humanas. Ela deve fazer com o que os educandos conheam os seus valores e respeitem os seres humanos, desenvolvendo no individuo a percepo de tudo que lhes norteiam, levando em considerao os ciclos da natureza e, de forma especial, os ciclos da vida humana. Inaugurar caminhos para se pensar um fazer pedaggico em comunidades quilombolas passa pelo momento da reflexo e da ao, no dicotomizados, formadores da unidade que se chama prxis. Prxis, no sentido conferido por Freire (1987), uma teoria do fazer e nesse momento, precisamos exatamente isto: ousar fazer um caminho, na forma de diretriz, sem quere, de forma alguma, que este seja o caminho absoluto. O cotidiano quilombola, a exemplo de outros grupos tnico-raciais e sociais, a emergncia da prxis porque o pensar e o fazer se corporificam: Na forma de vises (pensamentos, idias) que orientam um portar se diante do mundo; No modo de vida e mais especificamente na forma de trabalho como atividade pratica que no isola o pensar do fazer, resultando em manter-se no mundo; Como processo educativo que confere aos sujeitos um localizar-se no mundo observando as suas especificidades de raa, gnero, faixa etria e classe social. Esta trade, didaticamente separada portar-se, manter-se e situar-se no mundo -, significa uma conscincia emergente, um auto conhecimento, talvez, um auto conhecimento das suas necessidades que se constitui no passo elementar para sonhar um mundo de menos necessidade e, conseqentemente, de mais liberdade. O que se vislumbra, ento, que o processo educativo formal contemple a perspectiva de dar sentido aos contedos, aprendizagem, ao conhecimento. Espera-se desse modo que crianas, adolescente e jovens, na relao com a natureza histrica e cultural consigam portar- se, manter-se e situar-se dentro da comunidade, nos diversos nveis de ensino e, principalmente, na disputa por um projeto de sociedade mais, justa, fraterna e plural.
RESULTADO E DISCUSSO
Durante o primeiro semestre de 2006, foram realizadas oficinas de contedos tnicos para os professores (as) das unidades de ensino de educao infantil e ensino fundamental. 14
Essas oficinas entraram na pauta de planejamento dos professores(as) e foram ministradas por Olindina, responsvel pelo projeto na secretaria. O projeto visou abordar as relaes tnico-raciais para o ensino de histria e cultura afro-brasileira nas escolas das comunidades quilombolas de So Mateus e Conceio da Barra Esprito Santo. Este trabalho foi organizado de forma que o pblico atendido pudesse retratar sua realidade e abstrados dos membros das comunidades quilombolas, assim como conhecer e opinar ao mesmo tempo ter conscincia da mesma, por meio do histrico da escola e relatos sobre a proposta pedaggica de educao quilombola, o trabalho deu oportunidade de conhecimento a formao e a estrutura das escolas das comunidades quilombolas . Foi abordado a questo da implementao da proposta da lei 10.639/ 2003, objetivo principal da realizao das oficinas. Durante todo perodo realizei visitas nas unidades de ensino para dialogar com pais, professores e alunos. No ms de Novembro, considerado o ms da Conscincia Negra organizei com atividades relacionadas ao tema para que os professores pudessem utilizar em sala de aula porm, este planejamento atingiu de forma eficaz as unidades da educao infantil, e foi falho no ensino fundamental, no conseguindo atingir todos as unidades. A educao constitui-se um dos principais ativos e mecanismos de transformao de um povo e papel da escola, de forma democrtica e comprometida com a promoo do ser humano na sua integralidade, estimular a formao de valores, hbitos e comportamentos que respeitem as diferenas e as caractersticas prprias de grupos e minorias. Contribuindo assim, a educao para a ampliao da cidadania de um povo. Durante todo o perodo, Com a participao em oficinas de estudo sobre o territrio, na regio do sap do norte fez observar grandes mudanas na vida pessoal e profissional, uma delas foi iniciativa de escrever sobre este tema ainda desconhecido para os educadores dos municpios de So Mateus e conceio da Barra
CONCLUSO E PROPOSIO
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A educao um ato permanente, dizia Paulo Freire, e nesse sentido o tema, A Proposta Pedaggica de Educao Quilombola deve ser compreendida como um instrumento para a construo de uma sociedade anti-racista, que privilegia o ambiente escolar como um espao fundamental no combate ao racismo e discriminao racial. O aprimoramento do processo de reflexo sobre a construo de novos paradigmas educacionais, as questes relativas ao currculo e suas estruturas, a construo do conhecimento, os processos de aprendizagem e seus sujeitos ocuparam nas ultimas decadas do sculo XX e ocupam, na atualidade, o centro dos debates e ateno especial de estudioso (as) pesquisadores/as e movimentos sociais brasileiros. Novas propostas e estratgias esto sendo concebidas. Paralelamente convivemos com o avano da escola brasileira no que se refere s possibilidades de acesso da criana e jovens instituio escolar. No entanto o que tange permanncia e ao sucesso para todos os (as) estudantes, existe um grande desafio a ser vencido. Crianas, adolescentes e jovens negros e negras, tm vivenciado um, ambiente escolar inibidor e desfavorvel ao seu sucesso, ao desenvolvimento pleno de suas potencialidades. Lanar um novo olhar de contemporaneidade, para que se instalem na escola posicionamentos mais democrticos, garantindo o respeito s diferenas, condio bsica para a construo do sucesso escolar para os (as) estudantes das comunidades quilombolas. Fundamentar a pratica escolar diria direcionando-a para uma educao anti-racista um caminho que se tem a percorrer. Nesse percurso, podemos identificar alguns pontos fundamentais que podero fazer das reflexes/aes no cotidiano escolar, no sentido de tratar pedagogicamente a diversidade racial, visualizando com dignidade o povo negro e toda a sociedade brasileira. a) Reconhecer e valorizar a contribuio do povo negro na formao da sociedade brasileira. b) Trabalhar a questo racial como contedo multidisciplinar durante o ano letivo c) A bordar as situaes de diversidade tnico racial e a vida cotidiana das comunidades quilombolas nas salas de aula. d) Combater as posturas etnocntricas para a descontrao de esteretipos e preconceitos atribudos ao grupo negro. e) Incorporar como contedo do currculo escolar historia e cultura do povo negro com recorte nos povos quilombolas. 16
f) Recusar o uso de material pedaggico contendo imagens estereotipadas do negro, como postura pedaggica voltada desconstruo de atitudes preconceituosas e discriminatrias. um desafio para a comunidade escolar: direo, superviso, professores (as), bibliotecrios (as), pessoal de apoio, grupos sociais e instituies educacionais. Algumas aes so essenciais nessa construo: a disponibilizao de recursos didticos adequados, a construo de materiais pedaggicos eficientes, o aumento do acervo de livros da biblioteca sobre o assunto, a oferta de variedade de brinquedos contemplando as dimenses multiculturais. Representao de educadora quilombola na secretaria municipal de Conceio da Barra e So Mateus Contratao de funcionrios nas escolas de Conceio da Barra e So Mateus; Conferncias municipais de educao em Conceio da Barra e So Mateus; Criao de Escola Quilombola de ensino fundamental de 1 a 8 serie e pr escola no territrio Sap do Norte. Especializao em educao no campo para educadores quilombolas Abertura de turma quilombola para o Pro jovem Campo Saberes da Terra; Material didtico do MEC com elaborao do movimento disponibilizado s prefeituras; Educao das famlias quilombolas pelos mais velhos das comunidades.
NOTAS 1 Observaes feitas no I Encontro Municipal das Comunidades Quilombolas, dezembro de 2005. O termo Sap do Norte, comumente empregado nas narrativas dos quilombolas para se referirem grande extenso territorial onde viviam seus antepassados e onde se encontra a maior parte das comunidades ainda hoje, concebido, tambm, como territorialidade de suas prticas, saberes e modos de vida secretos e sagrados. Observamos, ainda, que o termo Sap do Norte, enquanto denominao da regio que engloba a maior parte dos territrios das comunidades que estamos estudando, se refere a uma gramnea (sap) bastante abundante nas 17
terras cultivadas pelas famlias negras e que no consumida pelo gado e nem pelos animais de carga.
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